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Mário Eduardo Viaro

POR MARIANA HILGERT

Por trás
das línguas

A
ntes de se tornar professor navam em Botucatu. Fui pedir um
de Língua Portuguesa na autógrafo e fiquei muito amigo deles.
Universidade de São Paulo O professor Benedito praticamen-
(USP), Mário Eduardo Viaro já se te me adotou como filho e me in-
considerava um curioso do idioma. centivou a ter aulas particulares de
Mais do que saber falar, ele queria alemão também. Aí a paixão pelas
compreendê-lo – e é isso que faz em línguas aumentou e aos 17 anos re-
solvi prestar Letras (Linguística/Por-
(Ed. Glo- tuguês), pela USP. Fiquei preocupa-
bo, 2004). No livro, o pesquisador do em comunicar ao dr. Benedito a
explica como se formaram os vocá- minha mudança de interesses, mas
bulos portugueses de origem latina no mesmo ano ele faleceu.
e não-latina, exercendo na prática
a ciência que trata da história das
palavras: a etimologia. Cinco anos Em que momento você decidiu
antes do lançamento da obra, Viaro usar seus conhecimentos do idio-
explorou a mesma temática no artigo ma para dar início aos estudos de “Nem sempre se
etimologia?
, publicado em 1999, na Revista de Eu fazia mestrado em Filologia Româ-
deve confiar na
Ciências Sociais e Humanas. Parte nica e sempre gostei de história anti-
do material que pesquisou durante ga e dos estudos sobre indo-europeu,
intuição. Toda
esse período virou atração no Museu Mas o que me ajudou mesmo para
da Língua Portuguesa, em São Paulo, aguçar meu conhecimento etimoló- afirmação eti-
e fez de Viaro um nome recorrente gico foi ter trabalhado na equipe de
quando o assunto é o latim e sua re- etimologia do dicionário Michaelis. mológica deve
lação com o nosso idioma. É sobre Eu era revisor na editora Melhora-
a importância do estudo e conheci- mentos, mas tão logo eu fiz algumas ser pautada em
mento desse idioma dentro e fora da correções num dicionário alemão, o
etimologia que o pesquisador falou, editor Walter Weiszflog, que as achou dados e quanto
por e-mail, para a edição especial de muito pertinentes, apostou em mim,
. convidando-me a integrar a equipe. mais recuados no
Ter contato com todas as palavras do
português me deu uma visão geral do tempo, melhor”
Como foi o seu primeiro contato que é de fato etimologia. Tudo isso
com o latim?
foi antes de eu entrar para a USP e
Eu sou de família pobre e comecei hoje eu oriento estudos científicos
a estudar latim muito jovem, como sobre Morfologia Histórica.
autodidata, com uns 12 anos, na
minha cidade natal, Botucatu, no
interior de São Paulo. Eu queria ser Como funciona o estudo do pro-
entomólogo e adorava os artigos de cesso de formação de vocábulos
um casal de professores, o prof. Be- quando não há registros escritos
nedito A. M. Soares e da profa. Hélia das formas primitivas?
E. M. Soares sobre uns aracnídeos, Cada caso é um caso. Há casos em
chamados opiliões, escritos em latim. que a falta de documentos pode ser
Entrei em contato com um primo de sanada por métodos de reconstru-
minha mãe, que era ex-seminarista ção e outros casos em que é preciso
e consegui vários métodos de latim determinar um limite temporal para
e grego. A profa. de Ciências Yara etimologia. Resumindo, nem sempre
Ceribelli Maddi conseguiu um está- se deve confiar na intuição. Toda afir-
gio informal para mim, na Unesp, e mação etimológica deve ser pautada
depois de um ano, entrei pela porta em dados e quanto mais recuados
contrária ao corredor que costuma- no tempo, melhor. Por isso, recursos
va sempre entrar e descobri com o como o Google Books são verdadei-
maior espanto da minha vida, que ras maravilhas, pois nos oferecem um
os professores estavam vivos e lecio- imenso de palavras em livros

Mário Eduardo Viaro

de bibliotecas internacionais, como a educação parecem contribuir para-


de Washington. Uma boa etimologia, doxalmente para o em
porém, não deve só localizar a primei- vez de alavancar as mudanças sociais
ra ocorrência escrita do vocábulo, rápidas com que sonhamos. Como
mas todo o sistema linguístico usado indivíduos, temos mais vontade do
na época. Deve observar correlações que ação; como cidadãos, estamos
com línguas aparentadas (espanhol, desamparados de políticas realmente
francês e, às vezes, o inglês). Deve transformadoras.
verificar se algumas regras específi-
cas de alteração de forma e conteúdo
foram respeitadas. Tudo isso faz uma O que significaria dizer que te-
etimologia ficar mais convincente mos este receio, se os falantes de
do que outra. O que mais existe no português no Brasil acolhem es-
mercado, porém, é achismo, e isso faz trangeirismos sem muita reação
com que muitos pensem que a etimo- contrária?
logia não tem método ou que é uma Há uma visão apocalíptica sobre o
espécie de diversão. Às vezes ainda estrangeirismo. Em algumas regiões
sou alvo desse preconceito. Mas eu do mundo, de fato, o inglês põe em
levo muito a sério o método etimoló- risco a existência de línguas, mas os
gico e o defendo. falantes são bilíngues. Não é o caso
do Brasil. O que há é modismo, como
Em países como Alemanha, há havia com o francês até início do sé-
culo XX. Há países como a Letônia,
um estudo desenvolvido do latim. a Islândia e, em menor medida, a
Como fazer para incentivá-lo no França, que fazem campanhas contra
Brasil, onde a língua é de origem o inglês e se apressam para encontrar
latina? substitutos. Mas tudo isso é muito
Não só é um país de língua neolatina, supérfluo e meio bobo. As línguas
mas é o maior país de língua neolatina nunca foram puras e recebermos
do mundo. Morei na Alemanha e até meia-dúzia de palavras inglesas não
agora, de fato, a diferença é gritante. vai colocar nossa língua em risco. As
Não só no latim, mas no ensino de palavras que o português divulgou ao
línguas em geral. Já vi africanos fa- mundo são nomes de plantas (jaca-
lando oito línguas aprendidas de ou- randá, piranha) e animais da Amé-
vido (não só as nativas, mas alemão rica, África e Índia, no período das
e russo) e crianças búlgaras falando Grandes Navegações ou então con-
francês perfeito, aprendido na escola ceitos como auto-da-fé, no período
pública. Com relação ao latim, espe- da Inquisição ou bossa nova mais
cificamente, o mais chocante é o caso recentemente. Procure esses termos
da Finlândia, onde falam uma língua em dicionários de inglês, francês,
que não tem nenhuma relação com o italiano e você os verá lá. Se nós eli-
latim e eles têm gibis em latim, emis- minássemos todos os estrangeirismos
soras de rádio em latim e formam os do português, acho que 80% das pa-
maiores linguistas especialistas em lavras do português desapareceriam.
latim. Não sei explicar. Acho que a A grande maioria das palavras cultas
eficiência do aprendizado formal ad- é adaptação do francês, sobretudo
vém de algum discurso no ar. Além no século XIX. Palavras banalíssi-
disso, nosso país é ideologicamente mas como população vêm do francês
monolíngue, portanto, nosso conta- e não diretamente do latim. Tupi e
to com outras línguas é menor, temos línguas africanas seriam línguas es-
receio de sons estranhos e sentimos trangeiras? Há muita arbitrariedade
mais dificuldades nas línguas do que na resposta. Por isso acho que toda
elas realmente oferecem. Só um sen- a discussão sobre estrangeirismos é
timento de prazer pelo desafio supe- bobagem e resquício dos fascismos.
ra isso de forma milagrosa. O fator Que os estrangeirismos sejam bem-
facilitador e a ideologia vigente da vindos.

O que pode acarretar, aos alunos, O advento da internet pareceu-me
a exclusão do Latim nos cursos uma solução incrível, mas, se nada
de Letras? mudar, até mesmo isso são facilita-
Bom, isso só nos torna mais ignoran- dores para a manutenção do
tes do que já somos. Privar um aluno em vez de motivadores e desa-
de humanas de um conhecimento, fiadores que geram realmente algum
com o discurso de que é inútil é ab- progresso.
surdo. Para que serve a literatura?
Para que serve a linguística? Para que Como justificar a importância de
serve a gramática? Se damos uma co- se conhecer a civilização romana
notação pragmática para tudo, as hu- nos dias de hoje?
manidades não fazem sentido algum. Eu sou linguista e apaixonado por
Não gosto de argumentos veiculados muitos outros assuntos (cognição, “Para que serve
pela mídia, como “sabendo português história, biologia, filosofia), mas
culto, você vai ter mais chances num paradoxalmente não vejo relação entender especi-
concurso”. Isso é reduzir o conhe- direta entre o latim e a civilização
cimento a um modelo behaviorista. romana. Aliás, penso que foi essa ficamente a quin-
Para que serve entender especifica- associação que desmotivou o estudo
mente a quinta declinação latina? da língua, pois se trata de algo mui- ta declinação
Eu digo: para nada. Deveria ser- to distante. Os valores romanos são
vir para algo? Ou melhor: para nos fascinantes sim, mas não mais do que latina? Eu digo:
tornarmos menos ignorantes. Para dos gregos, persas e outros povos da
sabermos que há outros pensamen- época. Obviamente para entender para nada. De-
tos e outras expressões diferentes textos escritos em latim, é preciso
da nossa. Para sabermos que há os conhecer minimamente o contexto veria servir para
mesmos pensamentos em épocas tão da época, mas isso é necessário em
distantes. Para nos aproximarmos do qualquer texto. Desmitificar é muito algo? Para nos
universal humano. Para respeitarmos importante, a meu ver. Em matéria
a diversidade humana. Isso não me de conhecimento, os entusiastas co- tornarmos menos
parece pouco. Cortes de disciplinas laboram muito, mas também atrasam
aparentemente inúteis como o latim muito, pois criam mitos. Acho que a ignorantes. Para
para mim são perdas irreparáveis na chave para tudo é a humildade. Sem
consciência de nossa humanidade. ela, nenhum empreendimento vale a sabermos que
pena.
O estudo do latim pode ser consi- há outros pensa-
derado elitizado?
Não é elitizado, porque nossa elite é É possível ensinar o latim como mentos e outras
tão ignorante quanto as outras clas- mais uma língua estrangeira?
ses. O que há é uma elite formada No caso do latim, não faz sentido expressões dife-
em bons colégios, mas eu me revolto aprender a falar. Há várias pronún-
com isso. Toda minha formação es- cias: a regional, a do Vaticano, a rentes da nossa”
colar foi péssima, mesmo assim passei científica. Qual usar? É uma língua
na Universidade de São Paulo, onde viva apenas em questões neológi-
o ensino está entre os melhores do cas. Mas ela própria não gera mais
Brasil. Na época morei em Moradia palavras, pois não possui falantes
Estudantil e tinha de trabalhar ao modernos (até onde sei) cuja língua
mesmo tempo que fazia a graduação materna é o latim. O seu ensino [do
e a pós-graduação. Estou longe de ser latim] é especial. Sua função parece
uma exceção. Se após todo esse sofri- ver de onde provém nossa língua, sua
mento, posso ser considerado como estrutura, seu vocabulário, seu modo
pertencente a uma elite intelectu- de pensar, ao mesmo tempo que nos
al, como querem entender alguns abre janela para outras possibilidades
formadores de opinião, penso que a de estruturas e vocabulários. O latim
questão está deslocada: não é preciso não foi feito para o português, mas
reduzir a elite, mas aumentá-la, mas pode ajudar a entendê-lo um pouco
para isso, é preciso também vontade. mais.


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