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ATOS DISCURSIVOS VEICULADOS POR PROFESSORES EM UM GRUPO

NA REDE FACEBOOK

Aguinaldo Gomes de Souza - UFPE

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo descrever, os acentos apreciativos que se


estabelecem nas relações dialógicas dos discursos produzidos por professores da rede
estadual em um espaço de interlocução específico(o grupo dos professores de
Pernambuco no Facebook), na rede Internet. A escolha justifica-se por ser este um lugar
frequentado por mais de vinte mil professores da rede estadual de Pernambuco, no qual
se discute temas relacionados à prática docente, constituindo-se em um espaço onde o
agir dialógico encontra-se com a heteroglossia. Além desse recorte temático, nosso
recorte temporal volta-se para os idos de 2015, mais especificamente a partir de 10 de
abril de 2015 até 09 de junho de 2015. Como aporte teórico revisitamos os conceitos
provenientes da ergologia, como a descreve Yves Schwartz, em conjunto com a teoria
dialógica da linguagem de Bakhtin, mais especificamente quando este trata sobre a
heteroglossia, o signo, o sentido e a significação, o ato responsável, o diálogo e o acento
apreciativo – esse último que acompanha toda e qualquer enunciação. Desse modo, para
que dada unidade da língua possa se tornar enunciado, ela deve receber um tratamento
valorativo. Tal tratamento acontece quando, em relação com o outro, o locutor toma
uma atitude responsiva frente a um ato/evento concreto. Em Para uma Filosofia do Ato,
Bakhtin vai apontar que a linguagem historicamente sempre esteve a serviço do
pensamento participativo e dos atos realizados. Assim, no que diz respeito à dimensão
da linguagem, consideramos, com Faïta (2010), que esta é inseparável das atividades,
sendo ela mesma uma atividade que nos permite agir sobre o outro e sobre nós mesmos.
Os resultados sugerem que é por meio da linguagem que cada ser, em processo de real
devir vai mobilizar ou remobilizar saberes conforme as circunstâncias e sua posição
única ocupada na existência. Assim, podemos dizer que é na inteireza do ato que
observamos forma e conteúdo, teoria e prática, aspectos gerais e singulares no ser
responsivo que está em um movimento de interlocução dialógica. Concluímos que os
atos discursivas são atos responsáveis através dos quais podemos desvelar a
intersubjetividade dos sujeitos analisados.

PALAVRAS-CHAVE: Atos discursivos; Facebook; Bakhtin; Linguagem e trabalho

1- Questões iniciais

Se considerarmos que nenhum enunciado concreto pode ser tomado no todo de


sua significação observando apenas as propriedades estruturais de uma frase, somos
forçados a considerar que nenhum ato de compreensão pode ser esgotado apenas se
levarmos em conta o processo de decodificação do código ou o reconhecimento de
algum sinal dentro da estrutura linguística. A significação, já observava Volochínov
(1999, p.131 ), “não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial, uma
possibilidade de significar no interior de um tema concreto”. Ora, se é apenas uma
possibilidade, qual é a relação entre o acento apreciativo e o processo de significação?
Essa questão torna-se pertinente quando, por exemplo, pensamos na natureza da
significação ligada a certos atos discursivos que se entrecruzam em horizontes
valorativos. Mas antes de adentramos nestas questões, façamos um breve recuo, pois é
forçoso dizer que, no fazer bakhtiniano, para que possam existir acentos apreciativos
faz-se necessário considerar que nos comunicamos através de enunciados e não de
frases, a frase como aponta Morsom; Emersom (2008, p.141) “é uma unidade da
linguagem e o enunciado é uma unidade da comunicação discursiva”. Desse modo, para
que dada unidade da língua possa se tornar enunciado, ela deve receber um tratamento
valorativo. Tal tratamento acontece quando, em relação com o outro, o locutor toma
uma atitude responsiva frente a um ato/evento concreto.
Em ‘Para uma Filosofia do Ato’, Bakhtin vai apontar que a linguagem
historicamente sempre esteve a serviço do pensamento participativo e dos atos
realizados. Nesse sentido, é forço dizer que o ato é algo que o eu deve encarar. É nesse
manuscrito que Bakhtin vai esboçar as questões iniciais sobre uma teoria e metodologia
da ação dialógica como ato responsável em pesquisa nas ciências humanas. Para tanto,
como mostra Paiva (2005), ele vai retomar as ideias iniciais de Husserl sobre o conceito
evento do ser. Para Bakhtin (1990), o ser está encarnado em uma consciência viva e
vive nele como um evento em processo. Todo ato, afirma Bakhtin, tem uma dupla face:
ele se dirige tanto para o conteúdo quanto para o ser. Ora, tal perspectiva nos abre a
possibilidade de compreendermos a posição única que ocupamos na existência, nos
permite vislumbra que, os atos valorativos do ser, requerem a plenitude da palavra com
todo seu conceito (conteúdo) sua entonação (a atitude valorativa) e sua posição única
como ato responsável. Nesse sentido, reiteramos Alcântara et al. (2011) quando diz que
ao evidenciar o acento apreciativo, Bakhtin vem colocar a entoação
expressiva como a transmissora mais clara da apreciação social contida na
palavra. O acento apreciativo é transmitido por meio da entoação expressiva
que diz respeito à relação individual do locutor e o objeto do discurso.
Analisando um texto de Dostoievski, retirado de No Diário de um Escritor,
Bakhtin mostra-nos como a entoação diferente, dada por seis falantes a um
mesmo enunciado, torna diferente seu tema. Isso se dá porque a conversa é
conduzida por meio de entoações que expressam as apreciações de cada
interlocutor imprimindo em cada entoação uma realização particular,
expressiva, profunda.
A entoação, o acento apreciativo é constitutivo da enunciação e neste trabalho
ela é verificada na confluência da atividade de fazer docente. Nesse sentido,
acreditamos que os atos discursivos veiculados por professores em um grupo no
Facebook pode deixar desvelar significações diversas a respeito do fazer laboral, este
fazer docente, aqui é visto como uma atividade humana em situação real. Trata-se, pois de
um olhar para a linguagem e o trabalho dentro de uma perspectiva ergológica. A
ergologia, como acentua Schwartz (1999), está alicerçada em um conjunto de
conhecimento sobre a atividade humana, possuindo como foco o trabalho e toda a
complexidade de normas e antecedentes que não se constitui apenas a partir da repetição
mecânica por parte dos trabalhadores, mas é antes um espaço que compreende o
trabalhador e toda sua subjetividade. Nas palavras de Schwartz (2011, p.33)
uma atividade de trabalho é sempre o lugar, mais ou menos
infinitesimalmente, de reapreciação, de julgamentos sobre os procedimentos,
os quadros, os objetos do trabalho, e por aí não cessa de ligar um vaivém
entre o micro do trabalho e o macro da vida social cristalizada, incorporada
nessas normas. Vaivém que não deixa incólume nenhum dos dois níveis. O
que quer dizer que a história da vida econômica, política, social, não pode ser
escrita sem um olhar sobre esses múltiplos vaivéns.

Considerando o trabalho e toda a sua complexidade, considerando que o


pensamento participativo do fazer docente é também um ato responsável que é
materializado na palavra, somos levados a inferir que a ação provocada por sujeitos
dentro de um agir dialógico em atividade de trabalho, não é apenas individual, mas é
guiado em direção ao outro (a alteridade constitutiva dessa relação). O trabalho docente
é o espaço onde o Ser entra em contraste com todas as formas de coerções que são
inerentes a essas relações sociais. Trata-se de um processo onde a ação e o pensamento
participativo em torno da atividade, são executadas e expressas em forma de trabalho,
um trabalho traduzido em atos discursivos, atos que nos permite verificar os aspectos
apreciativos das enunciações desses sujeitos. Em ‘Para uma Filosofia do Ato’, Bakhtin
vai apontar que a linguagem historicamente sempre esteve a serviço do pensamento
participativo e dos atos realizados. Assim, no que diz respeito à dimensão da linguagem,
consideramos, com Faïta (2010), que esta é inseparável das atividades, sendo ela mesma
uma atividade que nos permite agir sobre o outro e sobre nós mesmos, nessa direção é
forçoso dizer que é por meio da linguagem que cada ser em processo de real devir vai
mobilizar ou remobilizar saberes conforme as circunstâncias e sua posição única
ocupada na existência.

2- Operacionalidades conceituais e metodológicas

Para operacionalizar nossas observações nos valemos do método dialógico


discursivo, este, como mostra Porto (2010, p. 280), “lança mão de abordagens de caráter
subjetivo de levantamento, descrição e interpretação de dados, para explorar
qualitativamente aspectos da subjetividade dos sujeitos falantes, os quais não podem ser
obtidos por métodos convencionais de análise quantitativa”. Embora, como enuncia
Brait (2006), não possamos dizer que Bakhtin fundou uma análise/teoria dialógica do
discurso, os estudos das obras de Bakhtin e o círculo, iniciados no Brasil a partir da
década de 1990, tiveram consequências visíveis nos estudos da linguagem o que de
certa forma estabeleceu a busca de um método.
Mas, para falar em metodologia e seus desdobramentos em Bakhtin, é preciso ter
em mente o modo como o filósofo pensava as ciências humanas e como ele percebia seu
objeto de estudo. Bakhtin (2003) vai pensar esse fazer ciência justamente quando ele
conjectura o modo como as ciências da natureza e as naturais são formuladas. Para o
autor, neste tipo de fazer científico só existia espaço para um sujeito dito cognoscente
cuja principal tarefa era observar e descrever seu objeto dentro de uma perspectiva
monológica, como notamos, trata-se de uma monologização  do saber em que o
intelecto contempla uma coisa muda e emite um enunciado sobre ela. Nesta forma de
fazer ciência só havia espaço para o cognoscente, que se conduz por normas da
observação introspectiva. A atividade cognitiva desse modo é vista como uma atividade
monológica que contempla um objeto estático e não permite ao ser de ciência
experimentar o todo, isto é: quando consideramos que o todo se trata do homem
dialógico. A esse respeito é interessante notar que Bakhtin (2003, p. 40) esclarece que
Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e
conhecido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e
estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode
tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode
ser dialógico.

Ao analisar a epistemologia das ciências humanas, Bakhtin (2003, p.398) vai


eleger o processo de compreensão como aquele comum às ciências do espírito, o qual é
particularmente dialógico e faz parte da atividade dialógica do cognoscente. Para o
filósofo, a compreensão engloba quatro atos: 1) A percepção psicofisiológica do signo
físico (palavra, cor, forma espacial). 2) O reconhecimento do signo (como algo
conhecido ou desconhecido); a compreensão de sua significação reproduzível (geral) na
língua. 3) A compreensão de sua significação em dado contexto (contíguo ou distante).
4) A compreensão dialógica ativa (concordância-discordância); a inserção num contexto
dialógico; o juízo de valor, seu grau de profundidade e de universalidade.
Desse ponto de vista é válido dizer que o fazer ciência nas humanidades é sempre ter em
mente um objeto que não se resume à coisa muda, mas antes é partícipe de uma
dialógica das relações. E isto nos leva ao problema do texto e da palavra, isto é, se
consideramos que as ciências humanas são em última análise as ciências das letras, da
palavra. Ainda assim é preciso considerar, como bem acentua Porto (2010, p.284) que
“o desenvolvimento de uma teoria e de um método dialógico de análise discursiva,
partindo das reflexões de Bakhtin e seu Círculo, englobam um conjunto de categorias,
conceitos e noções que “especificam uma postura dialógica diante de um corpus
discursivo, da metodologia e do pesquisador”.
Outro conceito operacional que utilizamos em nossas análises diz respeito ao
aporte teórico provenientes da ergologia, como a descreve Yves Schwartz. A ergologia,
no entender de Schwartz (1999) é constituída por um conjunto de saberes que versam
sobre o fazer laboral humano, sobre a atividade humana. Cujo objeto de estudo é a
atividade humana em situação real, trata-se de um conhecimento sobre a atividade que
tem na interdisciplinaridade o mecanismo capaz de abarcar a complexidade existente
entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Nesse sentido Schwartz (1997; 1999; 2011) e
o seu Grupo de Análise pluridisciplinar1 apontam para o fato de que os trabalhadores
são mais que meros repetidores de tarefas prescritas, mas são antes sujeitos que utilizam
toda a subjetividade como um espaço de renormatizações. Trata-se de um espaço onde a
atividade humana é pensada como uma arena de “normas heterodeterminadas que
1
O grupo de Trabalho liderado pelo pesquisador chama-se APST e está situado na Universidade de
Provence-França,
antecedem seu andamento e as experiências recriadoras dos sujeitos, as renormatizações
que se processam em cada gesto e em cada situações”, como assinalou França (2004,
p.124). Essas práticas linguageiras são aqui analisadas levando em consideração a
tripartição de Lacoste (1998) para quem a fala dos trabalhadores está presente no
trabalho de três modalidades distintas, a saber:
a linguagem no trabalho, como trabalho e sobre o trabalho. A “linguagem no
trabalho” diz respeito à linguagem presente na própria construção da
atividade; a “linguagem como trabalho” refere-se ao fazer material produzido
pela linguagem e; a “linguagem sobre o trabalho” é revelada no interior da
própria atividade em função das exigências impostas pela equipe ou pela
empresa, dentro do discurso cotidiano entre colegas ou para explicar para um
ator externo a atividade de trabalho. COCKELL; PERTICARRARI (2008)

O deslocamento necessário que fazemos aqui diz respeito justamente a essa


formulação de Lacoste, optamos por analisar apenas a linguagem sobre o trabalho fora
do ambiente de trabalho, em um grupo de discussão onde os professores da rede
estadual de Pernambuco se encontram, este grupo está alocado na rede Facebook. Essa
opção metodológica se ancora no fato de que na atividade de trabalho nem sempre os
conhecimentos são verbalizados, pois, como afirma Cockell; Perticarrari (2008, p.70) “o
trabalho real não dá lugar a uma mesma atividade social de verbalização. Ele se faz, ele
se realiza, ele é o lugar de conhecimentos incorporados mais do que verbalizados. Nem
sempre o trabalhador consegue verbalizar como desenvolve sua atividade”.

2.1 – Da natureza da pesquisa e sua abordagem

Optamos neste estudo pela abordagem fenomenológica como proposta por


Husserl, em conjunto com o método dialógico discursivo que tem por substrato os
escritos de Bakhtin. A fenomenologia é um método de investigação e a primazia
principal dessa abordagem diz respeito ao estudo dos fenômenos que aparecem à
consciência. Trata-se de um modo de investigação em que o fenomenólogo deve ir às
coisas mesmas deixando-as se revelar. Deste ponto de vista, podemos dizer também que
esta uma forma de pesquisa qualitativa.

3- Breve descrição do espaço onde os atos discursivos se processam

Antes de iniciarmos a análise per si do espaço onde os atos discursivos se


processam, faz-se necessário voltamos para o conceito de atos discursivos. Inicialmente,
a problemática dos atos foi abordada por Bakhtin em Para uma filosofia do ato (1920-
1924). Sampaio (2009) aponta que Bakhtin vai desenvolver o conceito de atos humanos,
quando revisita a ideia de Husserl sobre a consciência projetada no ser. Para Bakhtin
(1990) o ser está presente em uma consciência viva como um evento em processo de
real devir e esta consciência orientam-se e vive nele em um evento. Tais fundamentos
abrem espaço para que o filósofo trace algumas considerações sobre a posição singular
e única que o ser ocupa na existência e as consequências desses eventos.
Nesse sentido, Sobral (2008, p.224) verifica que todos os atos “têm em comum
alguns elementos: um sujeito que age, um lugar em que esse sujeito age e um momento
em que age. Isso se aplica tanto aos atos realizados na presença de outros sujeitos como
aos atos realizados sem a presença de outros sujeitos, aos atos cognitivos que não
tenham expressão linguística etc”. De igual modo, o ato responsável é sempre
materializado na palavra, o que, como afirma Sampaio (2009), equivale a dizer, no texto
e no discurso. Quando voltamos nossos olhos para o lugar onde esses atos se realizam,
ou seja, para o local que permite aos sujeitos realizarem atos discursivos com ou sem a
presença de outros sujeitos, verificamos algumas particularidades constitutivas e
inerentes a este lugar. A seguir faremos algumas considerações a respeito disto.
A rede social Facebook2 é um software que funciona em nuvem, deste ponto de
vista, como todo software ele possui duas partes que em trabalhos anteriores (SOUZA,
2010) demos o nome de forma arquitetônica e forma mecânica. Forma arquitetônica é
um termo que Bakhtin abduziu de Kant3 para tratar das questões da linguagem. Não é
importante para nós esse sentido específico utilizado pelo autor, se transportamos este
termo para nossas conjecturas a respeito da constituição dos softwares é mais como uma
metáfora que engloba uma série de elementos e não só da ordem da linguagem. Por
analogia empregamos o termo forma mecânica para tratarmos de funções operadas no
nível mais abstrato do projeto de software. Poderíamos descrever o software Facebook
como um lugar onde o plurilinguísmo e o agir dialógico se encontram, trata-se de um
espaço de interlocução formado não só por páginas pessoais mais por páginas de
empresas e por grupos de discussão.
A nós nos interessa mais detidamente esse último espaço da rede social uma vez
que em um dos grupos (o grupo de professores de Pernambuco) iremos nos debruçar

2
No decorrer deste texto utilizaremos como sinônimos os termos software e rede social para tratarmos do
Facebook, sem que com isto haja novas atribuições de sentidos.
3
Kant Kritik der praktischen Vernunft. Edição da Academia, vol. V, p.8, trad. de Artur Morão, Lisboa,
Edições 70, 1986, p.16(KpV, V, 8;16)
mais detidamente. O grupo Professores de Pernambuco possuia na época da nossa
investida 26.382 membros, nele são discutidos temas referentes ao fazer pedagógico, ao
fazer laboral dos docentes bem como temas da atualidade. É um lugar onde as relações
alteritárias, exotópicas e dialógicas tomam forma e constituem a dinâmica do ser em
processo.
É fato que ao olhar para a rede social em questão, a primeira coisa que nos
chama a atenção diz respeito às questões referentes à alteridade que são, em análise,
frutos das interações do ser e que a mecânica do software possibilita 4. Ora, para
compreender isto pensemos em outro conceito que tomamos emprestado de Bakhtin,
trata-se do conceito de cronotopo5. O Facebook possibilita uma nova forma de
cronotopo, possibilita novas formas de relações sociais: “a recriação de um mundo
espaço-temporal adequado, um cronotopo novo para um homem novo, harmonioso,
inteiro, e de novas formas de relações humanas. Bakhtin (1998, p.283)”. Para
compreendermos isto imaginemos por um minuto a interface do Facebook, nela
verificamos vários espaços que em conjunto formam o todo.
Há um espaço para escrever algo, há um espaço onde é possível ver os membros,
há um espaço onde os membros podem responder a outros membros, há um espaço
onde membros do grupo podem convidar outras pessoas para participar do grupo, há
espaços para publicidade etc. De todos esses cronotopos, o que vai nos é o cronotopo
que proporciona um tipo particular de interação, ou seja, o cronotopo que funciona a
moda de um fórum de discussão, como verificamos em Souza (2016). Ao que tudo
indica, as relações que se estabelecem nesse cronotopo são de uma ordem diferente uma
vez que nele podemos ver surgir dentro da rede social Facebook relações que perpassam
pela alteridade (eu/tu). É neste espaço em que os atos discursivos ganham contornos.

5- Considerações sobre a análise dos atos discursivos

Para analisarmos os atos discursivos veiculados pelos professores da rede


pública de Pernambuco em um grupo na rede Facebook, estamos considerando que: 1-

4
Alguns poderiam objetivar dizendo que a mecânica do software não permite nada, para esses diríamos
para olhar o tempo passado quando os softwares não possuíam interface gráfica, quando cada comando
era feito por linhas de códigos por um único sujeito e as interações aos moldes como conhecemos hoje
não existiam. Feito esse exercício é possível dizer que a evolução das interfaces e da mecânica permitiu o
aparecimento de interações variadas.
5
Para mais detalhes a respeito do conceito foi trabalhado por Bakhtin na obra ‘The dialogic imagination’
([1975] 1988) e no ensaio ‘Forms of time and of the chronotope in the novel
os atos discursivos sobre o fazer docente, o discurso sobre o trabalho não está
circunscrito ao local de trabalho; 2- a alteridade é elemento constitutivo e direcionador
no âmbito da atividade; 3- o agir dialógico é imbuído por uma ação que está em
contraste com outros atos, com outros sujeitos e envolve vários aspectos, como os
psíquicos, identitários e sociais, como acentuou Bakhtin (1993); 4- o pensamento
participativo e o fazer docente é um ato responsável que tem na palavra a sua
materialização. Procuremos demonstrar como este ato discursivo pode ser
exemplificado através da ação linguageira sobre o trabalho. Para tanto, tal análise será
desencadeada pelas narrativas encontradas no grupo de professores. É importante
atentar que esse texto em nenhum momento está dissociado do próprio labor docente,
trata-se como veremos, de uma posição única ocupada pelo profissional e que no lugar
único da existência redige um pensamento acerca de sua atividade ou dos elementos
coercitivos que fazem parte de tal atividade.
A análise da primeira narrativa é iniciada por uma enunciação de um dos
membros do referido, grupo. Trata-se de uma enunciação sobre o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb), aqui é preciso fazer algumas considerações: o fato desta temática aparecer
dentro de um espaço de interlocução como o grupo de professores de Pernambuco
ocorre por ser o Fundeb uma receita enviada pela união aos municípios para que estes
possam aplicar em todas as etapas da educação básica. Além disto, o dinheiro do
financiamento também pode ser aplicado no pagamento dos professores e demais
profissionais de educação. Daí decorre o interesse dos membros do grupo por esta
temática. Observe a imagem 01
Imagem 01
É interessante notar que esta primeira enunciação sobre um ato de trabalho é
uma ação dialógica na qual o ser-evento provoca uma alteridade radical entre o eu e o
outro a ponto deste outro ir em direção a essa enunciação. Esse enunciação, como
veremos gera uma disputa de sentidos e ações na esfera dos atos executados na vida.
Isso coloca em evidência que a narrativa inicial é uma enunciação dialógica na medida
em que a partir delas há outras valorações a respeito do tema, conforme podemos ver na
imagem 02.

Imagem 02
Note que a primeira resposta à enunciação inicial diz respeito a uma pergunta:
"E ñ sobrou nada para o professor?". Esta primeira enunciação nos leva a apreensão
imediata de que a narrativa inicial acaba por desencadear uma resposta dialógica, ou
ainda, que os atos valorativos do ser, requerem a plenitude da palavra com todo seu
conceito (conteúdo) sua entonação (a atitude valorativa) e sua posição única como ato
responsável, como mostramos anteriormente. A segunda enunciação "Estou cada vez
mais querendo sair do estado. Infelizmente, a cada dia que passa está piorando e
muitos professores achando tudo ótimo. Não está dando pra mim" coloca em evidencia
o que está acentuado neste ato discursivo, ou seja, os valores éticos, profissionais e
existências. Trata-se de uma experiência única do ser que é corroborado
sequencialmente pelo terceiro ato discursivo, ou como chamamos, por um ato
responsível acionado pela memória da desvalorização profissional tão comum aos
docentes da rede pública estadual. Notemos que em nenhum momento o texto narrativo
que iniciou o debate dentro do grupo está dissociado da esfera do trabalho e do fazer
docente, é antes elemento para que as apreciações valorativas a respeito das práticas
docentes aconteçam, assim é que a orientação de um conteúdo-sentido sobre a atividade
de trabalho só pode ser desvelada quando levamos em consideração o ser-evento e sua
memória-trabalho.

6- Considerações Finais

O software Facebook é um espaço onde as experiências recriadoras dos sujeitos


e suas renormatizações perpassam as atividades. Tal perspectiva permite ao analista
pesquisador um novo lócus de investigação. Esses grupos temáticos são, pois, arenas
onde a atividade humana é pensada e cuja construção passa necessariamente pelo
âmbito da atividade. Neles, podemos verificar que as práticas linguageiras revelam mais
das subjetividades dos sujeitos e que nem sempre a relação entre o trabalho prescrito e o
trabalho real e todas as normalizações inerentes a esse fazer se circunscreve no local de
trabalho. Trata-se assim de uma dialógica das relações em que um conjunto de saberes é
requerido, e tais saberes deixam-se revelar através da entoação, do acento apreciativo
que é constitutivo de toda e qualquer enunciação.

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