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Manuel

Diégues Júnidr. li /\ ..

O BANGUE NP{S AlAGOAS


TRAÇOS DA INFLU~NCIA DO SISTEMA ECONÔMICO DO ENGENHO
DE AÇÚCAR NA VIDA E NA CULTURA REGIONAL

lFAL
J,C,
OFAL ' BIBIYHE ': A CENTRAL
CO .. E.Çô .:. 5 t ~PE C IAIS

Manuel Diégucs júnior


Ed i t o ras de oi t o
universidades federa is (
nordestinas uniram-se, em
1999, numa rede regional
que teve, corno primeira
iniciativa, compor uma
coleção destinada a publicar
ou republicar obras
representativas da produção
intelectual da Região. A
temática dos livros
selecionados é abrangente,
incluindo áreas corno a
O Bangüê nas Alagoas
Literatura, as Ciências Sociais,
o Folclore, a Antropologia e TRAÇOS DA lNFLUÊNCL\ DO SISTEMAECONÔMICO
outras. Importa que essas DO ENGENHO DE CANA DE AÇÚCAR ~A V1DA E
publicações representem a NA CULTURI\ REG IONAL
(re)descoberta de um autor
ou o resgate de um texto que,
embora portad or de
mensagem atual, de há
muito desaparec era das
livrarias. Assim nasceu a
Coleção Nordestina, cujo
objetivo é constituir-se, aos
poucos, em repositório
bibliográfico da Arte, da
Cultura e da Ciência
regionais, apto a preservar
esse patrimônio e difundi-lo,
permanentemente, em
escala nocional.
Atualmente, a rede
Nordeste conta com 22 EDUfAL, 2006
Editoras filiadas, que
divulgam a Arte, a Ciência e a
Cultura de seus Estados.
~ UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
/

SUMARIO
~J4
Conselbo Edttortal
APRESENTAÇÃO 07
Reitorfl
Ana Dayse Reze11de Dorea Sheila Diab Mnluf (Presidenle) l'HEFÁCIO 1 -~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-~-
09
Cícero l'éricles de Oliveira Carvalho
Vice-reiwr Jtaria do Socorro 11guiar de Oliveira C11vafcarite 1' HEFÁCIO 2 17
E11rico de Barros lôbo Fi/11<> Roberlo Sarmento Lima
/roei/da :\faria de Moura Lima
l'HEFÁCIO 3 21
Diretora da Edufal Li11demberg Medeiros de .4rafijo INTRODUÇÃO 25
Slu:ifa Diab M.aluf Flávio ,l/1/ôt1io Mirt111da de Souza
eurico Pi1110 de Lemos
Cttp. J: O BANGÜÊ EAFORMÀÇÃO DA SOCIEDADE ALAGOANA
rlntonic de Pádua Cavalca11/e
Cristia11e CJ1·i110 E.1/evão Olivi>irn ----- 41
ºambiente geográfico. O papel dos rios. A ma_ta. ·os rum?s da
colonização. Os primeiros núcleos de povoamento.
O povoamento do Norte. Os engenhos de Cristóvão Lins.
Rodrigo de Barros Pimentel no povoamento do vale do Santo
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Antônio Grande. A divisão da sesmaria.

- -
Biblioteca Central • Divisão de Tratamento Técnico O povoamento das lagoas. A sesmaria de Diogo Soares. Os

D559e Diéguesjúnior, Manuel, 1912-1991. - -


Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale

O bangüê nas alagoas : traços da influência 1!0 sistema econômico do


engenho de cana de açúcar aa vida e na cultura regional.- 3.ed. /Manuel
engenhos da Lagoa do Sul. Gabriel Soares. ·
Miguel Gonçalves Vieira e aocupaçãodesuasesmaria. Os engenhos
da Lagoa do Norte. Opovoamento das margens d? Iio ~1undaú.
Diégues Júnior. -Maceió: llDUfAL, 2006
341 p. : il. - (Coleção Nordestina) Fundamentos de Penedo. Os engenhos de açúcar na região, e
J. Engenhos -Alagoas. 2. Cana-de-açúcar - Alagoas. 3. Alagoas -
particularmente em Coruripe e Poxim.
História Social. 4. Brasil - História. 1. Freyre, Gilberto, 1900·1987. O engenho na formação social das Alagoas. O cruzamento
li. Título. Ili. Série. (Coleção Nordestina)
demográfico. O índio. O negro. O problema da colonização.

..
_. 'Jl"~:=:lil\lllõiiô=

ISBN 85-7177-116·2 -
CDl: 39:66'\.!(813.5) Tentativas de imigração. Influência do engenho.
Opetíodo holandês nas Alagoas. Ainvasão ea conquista. Os engenhos
durante o domínio holandês. Destruição de engenhos. Os senhores
de engenho na rest.auração. Aeconomia açucareira na época.
Direitos desta edição reservados à
Edufal. Etfüora da t:nivcrsidade Federal de Alagoas Cap. II: OBANGÜÊ EAECONOMIAALAGOANA 109
Campus A. C. Simões, BR 104, Km, 97,6- Fone/Fax: (82) 3214.1111
'làbulciro do Martins· CEP: 57.072·970- Maceió· Alagoas
Os sistemas do bangüê. Anecessidade d'água. Abarcaça e sua
E-mail:cdufal@edufal.ufal.br importância na economia açucareira. Ocarro de boi e o cavalo.
Site: "''~w.cdufal.ufal.br

3
Aexclusividade da cultura. As culturas ancilares. O tabaco. O Cores de escravos que aparecem em anúncios. Habilidades do
algodão. A farinha de mandioca. Período de crise. negro. Anegra doceira, cozinheira e ama de leite.
A população escrava no século XIX. A aplicação da quota de
Aevolução dos engenhos. Seu número em várias épocas. Fausto
em~cipação. Manumissões espontâneas. Afalta de braços na
e decadência do bangüê. Oengenho a vapor.
agncultura. Oque dizem as falas presidenciais. Otrabalho livre.
A cultura da cana. O trabalho nos engenhos. O braço escravo.
Cap. IV: OBANGÜÊ E VIDA SOCIAL _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 193
Melhoramentos introduzidos na agricultura açucareira. A
estrada de ferro. Orio no comércio do açúcar. Esplendor social do bangüê. Afamília. Os entrelaçamentos de família
Ocomércio açucareiro no século XIX. Falsificação do produto. entre os engenhos. Os nomes nativistas e os senhores de engenho.
O "açúcar enforcado". As estradas. A navegação marítima. As Movimentos políticos e sua repercussão no bangüê. 1817 e 1824
safras e a exportação de escravos. e os senhores de engenho. D. Ana Lins. O engenho Sinimbu
trincheira republicana. '
O engenho central, seu aparecimento. Como se Manifestaram
os presidentes da Província. O bangüê e o Engenho central. O Apolítica regional e oengenho. Acabanada. Os Mendonça. Asedição
problema da mecanização da lavoura. Arotina e suas causas. de 1844. Senhores de engenho entre "lisos" e "cabeludos".
A abolição da escravatura e o bangüê. Asituação do trabalho As questões de terra. Suas causas principais. Os conflitos do
nos engenhos. Idéias surgidas. engenho Oriente. Ocaso de Manuel Isidoro, do Malvano. Os
proprietários rurais e os partidos.
O espírito associativo. OComício Agrícola do Quitunde ejetituba, suas
realizações. A Sociedade de Agricultura~ Congressos Agrícolas. Arquitetura do engenho. Acasa-grande. Oengenho Buenos Aires
esuas tradições. Capelas de engenho. Batizados. Casamento. Morte.
A crise agrícola nos princípios do século XX. Oengenho e a usina. Enterros nas capelas de engenho. Notícias e crônicas de jornais.
Ocomércio do açúcar. Acrise de 1929. OInstituto do Açúcar e do
Álcool e sua repercussão na economia açucareira. O Congresso Festas nos engenhos. Alimentação. A utilização da mandioca.
dos Bangüezeiros e Fornecedores de Cana. Cooperativismo. Comidas de milho. Frutas. Os doces. Bolos e quitutes. Artes
domésticas. Crochê. Renda.
Cap. Ili : OBANGÜÊ E OESCRAVO NEGRO - - - - - - -- 161
Uso de jóias e adereços. Venda de jóias falsificadas. Reuniões
Os primeiros escravos nas Alagoas. População geral e população sociais. Opiano. Visitas. Passar-o-dia. Banhos de rio.
escrava. Os tipos étnicos introduzidos.
D,oenças. As endemias rurais. As epidemias e os engenhos. o
Palmares. Os negros palmarinos e os engenhos. As entradas colera de 1856; senhores de engenho vitimados.
contra os quilombos. Outros quilombos. Notícias de jornais.
Cap. V: OBANGÜÊ EA CULTURA - - - - - - - - - - 235
Negros fugidos. Os motivos da fuga. O escravo e o senhor de
Relações entre a economia, a arte e a literatura. Fins econômicos
engenho. Otratamento ao escravo.
da formação territorial das Alagoas. Manifestações culturais.
Negros doentes. Negros marcados. Doenças de carência. Defeitos Revistas e jornais de natureza agrícola.
ffsicos. Oque revelam anúncios de jornais do Século XIX.

5
4
Ocomplexo "açúcar'' na literatura.al~a. Estudos econômicos sobre
o açúcar. l'\'lemórias erelatórioo. Oaçúcar nas sínteses históricas do E.5tado.
Os poetas e os assuntos regionais. Poesias sobre motivos de
APRESENTAÇÃO
engenho. Poetas de Viçosa. Evocações do Buenos Aires.
Manifestações artísticas. Pintores que procuram temas nos
engenhos. Outras manifestações culturais. Muito tem se falado, comentado e opinado sobre à produção de cana-
Figuras ilustres provindas de engenhos. Políticos, juristas, de-açúcar em Alagoas. Alguns de forma competente e vibrante demonstram a
sacerdotes, soldados, intelectuais. Aagricultura e o filho doutor. O relação íntima dessa atividade com o bem estar dos alagoanos. Outros, não
ensino: carência do ensino rural. Influência dos cursos superiores rnxergam essas virtudes decantadas e até arriscam atribuir à atividade, causas
na vida rural. Expoentes do bangüê na cultura alagoana. J)ara o pouco desenvolvimento de Alagoas.
Cap. VI: OBANGÜÊ E OFOLCLORE 285
Esse debate está recheado de extremismos, de ideologias, de fanatismos
.Manifestações folclóricas sobre engenho e açúcar. Oengenho e e até fundamentalismo, em alguns casos. Mas, em raras ocasiões ele é travado
o folclore. Ociclo do açúcar. cm bases desapaixonadas serenas e comparativas, como deveria ser.
Ococo, dança originária de engenho. Versos de coco referentes a
assuntos de açúcar e de engenho. Esse livro não pretende e não se propõe, até pelo aspecto temporal de
Poesia popular. Emboladas. Cantigas. $ua primeira edição, assumir nenhum papel elucidativo e conclusivo para a
:málise dessa matéria. Contudo, questionar e debater esse importante segmento
Lendas e superstições. Medicina popular. Adivinhações.
de atividade econômica que beira os 400 anos, requer, em nome da serenidade
Festas tradicionais nos engenhos. Abotada. Apeja. Costumes e da seriedade de propósitos visitar a sua preciosa e rica história.
ligados àvida dos bangüês.
Aspectos lingüísticos do engenho alagoano. Brasileirismos da área Nesse contexto, o livro " O Bangüê das Alagoas " contribui de forma
canavieira. definitiva para uma introdução na saga da cana-de-açúcar em Alagoas.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS 317 O lançamento de mais uma renovada edição desse rico conjunto de
OFontes Fundamentais 317 fundamentos que extrapolam à atividade da cana e ampara bases importantes
li) Fontes Complementares 320 da nossa verdadeira história, acontece num momento de grande visibilidade da
produção canavieira alagoana no cenário nacional.
Nota da revisora 333
... Por outro lado, essa 3ª edição vem ratificar a parceria existente dessa
Importante. atividade econômica representada pelo Sindicato da Indústria do
Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas e a Universidade Federal de Alagoas,
que representa o que temos de mais denso no nosso segmento cultural.

6 7
Areedição " OBangüê das Alagoas" conduz o leitor a revisitar essa bela ; .
passagem da nossa história civilizatória , além de, sobretudo, demonstrar o PREFACIO 1
compromisso dos que fazem a produção de cana em Alagoas com a difusão da
cultura e dos aspectos relevantes da nossa história.
Manuel Diégues júniorfoi do grupo de estudantes que, no Recife de 1933,
/ fJ1·I, J935, reuniam-se comigo todas as tardes, na Biblioteca Pública, par:JJ..juntos
l\'llllli11armos papéis e jornais velhos. Foi como alguns deles adquiriram o gosto
(1ctft1 /1csqr1isa de biblioteca e de arquivo. Mas por uma pesquisa de biblioteca e de
Pedro Robério de Melo Nogueira tm11111lo que fosse uma com1ante aventura de descobrimento de fatos socialmente
Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar 11.~n{ficc.1ttvos, tantas vezes desprezados por cronistas e até historiadores voltados
e do Álcool no Estado de Alagoas 11/1111tfl.\' para os conhecimentos mais ostensivos e vistosos do passado político e
1111/lltlr do Brasil. Copiavam os estudantes o que o companheiro mais velho de
f't'l'</lllsa lbes pedia para copiarem de MSS e jornais antigos, verificando sempre,
, 11111 olhos vigilantes de mestre de noviços,até onde iam a pachorra, o esmero de
111/1Mt1, o gosto de exatidão, a vocação de historiador, de cada um dos aprendizes;
"''' ~ c11piavam também o que ia despertando ~eu interesse particular. Pois um já se
f''''º"upava principalmente com o domínio holandês no Norte do Brasil; outro com
111 homens e as coisas antigas das Alagoas.
Dessegrupofaziam parte jovens que começam a ser hoje notáveis homens
"'' 1wt11do em suas especialidades: josé Antônio Gonsalves de Melo, neto, e josé
i11f111/11res, por exemplo; Diogo de Melo Menezes, que vem reunindo materialpara
um c111saio sobre atividades norte-americanas no Nordeste do Brasil durante o século
\1\, 11ccrca do que já publicou sugestiva nota prévia; Ivan Seixas, que é hoje o
f11mdpat colaborador do Professor Amaro Quintas em suaspesquisas sobre aspectos
tJlt1m•t1dos ou desprezados da Revolução Praieira; e Manuel Dtéguesjúnior, que surge
1W il'<I com um ensaio sobre OBANGÜÊ NAS ALAGOAS verdadeiramente excepcional
f11'/tJ q11c jtmta de interpretação sociológica ao esforço honesto e paciente de
n1nmstlt1,ição de largo trecho da história alagoana.
Tão largo que é quase como se incluísse tudo que, na história das Alagoas,
ti ,1'11cltl/111e11te importante. Pois da história da gente alagoana se pode generalizar,
1 '"''" do passado do carioca, que é a história de uma gente quase anftbia. Apenas

1111 ludo das águas já amorosamente estudadas em trabalho de mocidade - que,


• 11/ltt1', vslá a ped1r nova edição - por Otávio Brandão, não se deve deixar de
1 on.~idcrar a grande influência, sobre a formação do alagoano, que vem sendo o

8 9
açúcar através do latifúndio, da monocultura e da escravidão. Através do sistema /111111•11111 a faca ou a cacete pela vitória do Partido Liberal - por ser os de seus
patriarcal e quasefeudal de relações de senhores de terras com lavradores; de donos tv11/wctivos senhores- com um fervor que não se confundia, segundo testemunhas
de casas-grandes com escravos de senzalas ou quilombos de mucambos; de homens i l/JnNJS, com os dos merce11ários º"o dos capangasº" cangaceiros de aluguel. Um
com mulheres,- de brancos compretos,- de europeus com indígenas; do homem com a fii11·11r que vinha de identificação profunda do escravo com os sentimentos, os
natureza - com as terr~~ com as matas, com as águas. {11/1'"''·\~çe~~ os compromissos do seu senhor ou da casa da família que considerava
É um sistema de que ninguém consegue separar aformação brasileira, tal "'' sua casa oufam(/ia sociológica - comprejuízo de sentimentos de dasse ou de
a sua repercussão sobre aspróprias áreaspastoris e de mineração, também atingidas 1~111~dôncia de raça.1
pelo drama do regime patriarcal de família, de religião, de política,· e não apenas •É claro que houve exceções importantes a essa tendência. Que houve
de economia. O Brasil inteiro sofreu a influência imediata ou remota do sistema , , , 11t1os cuja devoção verdadeira não era nem Nossa Senhora da Conceição, nem
que teve seu centro no Nordeste. m1•.1mo a do Rosário, mas o Xangô ou a Exu. E cuja identificação foi com a gente
O aspecto alagoano desse drama que foi - repita-se - durante todo um ,/1• ·''"' classe (escrava ou operária) ou de sua raça (africana) nos movimentos
período o do Brasil quase inteiro, estuda-o agora Manuel Diéguesjúnior naspáginas ltllf·rtários que mais de uma vez chegaram da Bahia ou de Pernambuco até Alagoas,
de um ensaio realmente notável. Retrata de perto a gente alagoana em várias /1111ocupando capitães-generais e inquietando senhores de engenho. Mas não nos
situações e atitudes, das que o açúcar, mais do que qualquer outra influência isolada 1l1·1>t1111os esquecer de que nas Alagoas, como noutraspartes do Brasil, a tendência
ou só. criou menos para indivíduos que para familias numerosas e compactas,- as ,/11111f11ante foi para o escravo sentir-se membro da fam(/ia de que era escravo, a
ramalhudasfamílias das casas-grandes. p11nlo de identificar-se com os seus sentimentos, sua linguagem, seus gestos, seus
Dessas famílias convém nos lembrarmos que os próprios escravos se ,/1111.1·os domésticos, suas devoções e seus s(mbolos. Sabe-se que houve escravos,
tornavam sociológica e cu/turalmenw 11um1bros. Tanto é certo que nas Alagoas, fw t!Sfe Brasil, de tal modo identificados com a política dos seus senhores, que,
como noutras partes do Brasi~ muitos foram os escravos que tomaram não só os bomonsfeitos, usavam, como os senhores, o cavanhaque ou a pêra que se tornara
nomes como os característicos das famílias senhoriais, tornando-se sociologicamente /11.1lt.:11ia dos membros do Partido Conservador.
Mendmzças, Wanderleys, Meles, Cava/cantis, Uns eMachados; seguindo Mendonças, &se aspecto do sistema de relações patriarcais no Brasil é pena que não
Wanderleys, Meios, Cava/cantis, Uns e Machados em suas peculiaridades de fala, tlf111r<:ça entre aqueles de que Diegues júnior trata mais sugestivamente no seu
de andar, de gesto, de recreação, de devolução religiosa, de sentimento ou de ;t11.mlo de agora, onde reconhece: "A economia açucareira, que era a grande
compromisso político. lfwo11ra de Alagoas como do Nordeste, se mantinha ligada ao escravo negro: tanto
É um aspecto do sistema de relações patriarcais no Brasil que eu quisera ,, 1/1• como ao patriarca/ismo e à monocultura" (pág.11 7) . Poderia ir além. Poderia
1

ver estudado um dia porpesquisador da aptidão e dos recursos de Manuel Diégues N1co11becer que o patriarcado, no Brasil, não só tornou o senhor dependente do

fúnior. Pois nesse aspecto se refletem alguns dosprincipais característicos que aquele """""ºe o escravo dependente do senhor como criou entre senhor e escravo, nos
sistema assumiu entre nós confundindo interesses de classe ou de raça com os de 1llt1s normais e não apenas nos de guerra, sentimentos de solidariedade mais de
soltdariedade ou coesão de família. Os escravos do Capitão Machado, devoto de """' vez superiores aos da classe ou da raça de cada um daqueles elementos.
Nossa Senhora da Conceição, por exemple, empenharam-se em lutas com os escravos IJOflde podermos concluir que tais elementos nem sempreforam antagônicos mas,
.. '"'contrário, sob mais de um aspecto, simbióticos. Se hotwe mais de um Palmares
do Coronel Mendonça, devotos da madona ou santa rival - Nossa Senhora da Guia
- por.fidelidade à devoção da família ou da casa de que se sentiam sociolegicamente 1111 quilombo, houve numerosos engenhos brasileiros - e não apenas alagoanos -
membros,- e com um entusiasmo que talvez lhes faltasse para lutarem por Nossa mulo senhores e escravos viveram vida antes de acomodação que de oposição;
. Senhora do Rosário oupor São Benedito dos Pretos. Ou empenhavam-se em debates 1111tcs de simbiose que de inadaptação. Que não nos ouça, porém, nenhum
sangrentos pelo Partido Conservador (o dos seus senhores) contra escravos que m11r:i:sista dos inflexivelmente·ortodoxos.

10 Ll
Aliás Manuel Diégues júnior aproxima-se do assunto ao recordar que, na Recorda Diegues júnior que, nas Alagoas, como noutras partes do Brasil,
luta contra os holandeses, "o escravo negro acompanhou o senhor de engenho no seu mmtt•rrisas familias patriarcais acrescentaram aos velhos nomes portugueses ou
sofrimento e 11a sua recreação" (pág.143) ... "Moradores e cabras de engenho, gente rmv/wu.\, nomes indígenas. Às vezes os nomes dos próprifü e11grnhos Ou dn.'i rios ou
do eito e da bagaceira, pessoal da moenda e da casa-grande, juntaram-se todos no dils /1iqoas dos engenhos. Onativismo ligando-se ao patriarca/ismo tias casas-gra1ules,
11110Já tive ocasião de salientar. O caboclismo ou o telurismo patriótico, sugerido
mesmo sentímento de confraternização com osproprietários rurais, reagindo contra
os holandeses". Isto, porém, - repita-se - em dias anormais. Ofato mais interessante /lfllm nomes da fam#ia, dando aos senhores a impressão de serem mais donos das
é o de ter se verificado, senão confraternização, acomodação, em dias normais, wm1..\ 0 das águas do que se conservassem os velhos nomes europeus. Oiticicas,
daqueles dois elementos aparentemente antagônicos: senhores e escravos. 1~11m.~tlS, Gejuibas tornaram-se nomes de grandes famflias patria~is das Alagoas.
Um alagoano nascido em Wçosa nos dias de trabalho escravo, - o velho / 111 111 f.lns Vieira juntou ao nome português o de Cansanção de Simmbu. E um dos

historiador Alfredo Brandão - pôde escrever as palavras que o autor de o BANGÜÊ ' """'·ç mais ilustres que Alagoas deu ao Brasil nos dias de Impériofoi odessa gente de
NAS ALAGOAS recolhe numa de suas páginas: "As novenas de açoutes, os bancos e . e~ 111 grande que quis sentir-se tão da terra quanto suas próprias terras.
as gargalheíras nunca medraram em minha terra", isto é, Viçosa. Nas Alagoas encontram-se ainda boas casas-grandes do tempo do Império e
Oque não significa que o cativeiro tenha sido em Viçosa, ou em qualquer "''''"'Colônia. Sempre me recordo de urna, assobradada e vasta de Wanderkys antigos
parte do Brasil escravocrata, uma vida ideal para o trabalhad01; por mais ,,., 1~~rfão. Conheci-a há anos, vindo das Alagoaspara Pernambuco ~orvelho caminho
acomodatício e menos necessitado de ou-tra assistência senão a elementarmente 1• 1/bo e pouco movimentado hoje: talvez até com assombraçoes do tempo dos
1
material que elefosse. Manuel Diéguesjúnior salienta, no seu ensaio, ter chegado a 0 11111,.ngos - que atravessa alguma das melhores e mais doces te"as de engenhos11e
tais extremos entre os alagoanos o hábito, nada cristão nem sequer humano, do Ll/llllll'iais de Porto Calvo. Porto Calvo f()f,, como salienta Manuel Diégues júnior, 0
senhor lançarfora de casa o escravo, por velhice ou enfermidade, que, em 1833, o /irlrrwlro núcleo de povoamento"das Alagoas; e esse povoamento se fez em torno de
Governo da Província viu-se obrigado a tomar medidas no sentido de moderar esse ""~"·11/Jos de açúcar, de casas-grandes, de capelaspatriarcais e, principalmente, com
requinte de crueldade da parte de donos de negros. Crueldade pior, talvez, que as f,mulias ou individuos vitulos de Pernambuco. Do Pernambuco de Duarte Coelho.
novenas ou gargalheiras. Apenas menos ostensiva. Que, nas Alagoas, engenhos, casas-grandes e capelas patriarcais foram
A respeito do quefoi o tipo dominante de escravo de engenho nas Alagoas, omwços de povoa<;ões inteiras:Pilar (hoje Manguaba), São Lufs do Qtutun:18, :asso
valeu-se Diéguesjúnior de valiosa material antropológico:ooferecido pelos anúncios fht <~11111aragibe, a própria cidade de Maceió. E é curioso notar-se - se;a dito. de
dejornal de negros à venda e de pretosfugidos. Encontrou aíevidência de suplícios, ram~~rm -que vários nomes de engenhos, quando nomes de santo ou de p~d~ros
castigos e doenças, que caracterizam os corpos de escravos nas Alagoas; marcas de ,tlltm1ram-se nestas, como noutras partes do Brasil, com a transferencia da
propriedade; traços de vícios; sinais de procedência africana; indícios de subnutrição,· • ==, =,,.=,,prlcdade rural de uma família para outra. O engenho que se chamava Nossa
característicos de cor, aparência e conformação de corpo; informações sobre trajos, ~C'lllmra do Escurial, com uma família, passou a chamar-se Nossa Senhora da
oflcios, profissões, artes, habilidades. \Éclaro que o escravo por assim dizer ideal f 111in1içiio com a nova família de proprietários. Sinal de que ~s pró~rios ~an~os
encontrou-o só uma vez no Diário das 'Alagoas de 29 de abril de 1879, e na pessoa 111 11111/)tmbavam asfamílias patriarcais em suas mudanças de situaçao temt?nal
de certo escravo fugido da casa do Padre Daltro. Ao Padre Daltro esse negro "'"'· nllo raro, eram, também, mudanças de situação socí~l. E[etto de ~eclímo ou
desaparecido deve terfeito enorme falta, pois era, ao que parece, o mais completo tl••nltlfülCia. Ou de simples urbanização através da burocratizaçao: atraves dosfilhos
homem orquestra que já se viu em figura de escravo no Brasil: "sabe ler, ajuda /Hlthtlrdts oufancionários públicos que abandonavam as casas-grandes para trem
missa, corta cabelo, é bom cozinheiro, copeiro, sapateiro, conversa bem, entende 1
,,.,.,.nas capitais ou tomarem rumo do Sul onde um Albuquerque Lins das Alagoas
ginástica, trabalha em trapézio, é bom pajem". '''"Rº" li Presidente do Estado de São Paulo. Em Porto Calvo, Li11s, Holandas,
tt"r/11/)0S, Gomes de Melo e Wanderleys foram, quase todos, substituídos ou

12 13
absorvidos por Mendonças como senhores dos melhores engenhos ou das melhores 11a situação dos bangüês, o complexo "açúcar"na literatura e na arte alagoanas, os
terras E pelo que se conhece de alguns casos concretos, pode-se esboçar a homens ilustres vindos dos engenhos, as festas de engenho ou de casa-grande, a
1:1.meralização - que daqui sugtro a Manuel Diegues júnior estudar ou consulerar cozinha das casas-grandes que o ensaista alagoano supõe, a meu ver erradamente,
numa das próximaspesquisas - de que tais substituições ou absorções importaram, ter sido farta em todos os engenhos, quando essa fartura parece ter sido o
em numerosos casos, em mudanças dos nomes dos santos padroeiros senão dos característico apenas de alguns, a falta de adaptação do ensino às necessidades
engenhos, das capelas patriarcais. Parece que a fam(/ia adventícia fazia do seu agrárias do que resultou o afastamento de tantofilho de engenho das velhas casas-
padroeiro uma de suas insígnias de domínio ou de conquista, uma de suas ((randes, os efeitos da Abolição sobre a economia açucareira das Alagoas, a
demonstrações de prestígio patriarcal. Se um Mendonça opulento substituía um transformação do bangüenzeiro em simplesfornecedor de cana sob a pressão da
• Wanderley decadente naposse de um engenho, considerava-se natural que, na capela concorrência técnica, industrial e comercial do usineiro poderoso e muitas vezes
da casa-grande, o santo de devoção da famílía antiga fosse substituído pelo da ausente da terra: residente nas capitais.
nova e rica. Donde se pode dizer que santos e não apenas capelães, eram antes Reconhece o autor, com outros alagoanos empenhados em deter a
membros que senhores dasfamílias patriarcais. Os patriarcas eram todo-poderosos descaracterização da paisagem, da economia e da vida social de sua boa província
em relação com os próprios santos. causada pelo avanço imoderado das usinas que, ''no cooperativismo repousa a
Se do Brasil inteiro que se formou à sombra dos engenhos patriarcais de possibilidade de salvação do bangüê"(pág. 127). Velha idéia minha durante anos
açúcar, pode-se dizer que a águafoi um dos elementos mais nobres de sua paisagem, lida por puro romantismo, pelos chamados homens práticos, que tive a satisfação
nas Alagoas- terra de tantas lagoas, tantos rios, tantos riachos - a importância da de ver adotada pelo grupo de senhores de engenho do Vale do São Miguel que, em
águafoi máxima na caracterização do complexo agrário. Muitos foram os engenhos 1943,fundaram a Cooperativa dos Plantadores de engenho de Cana de São Miguel
alagoanos que, em vez de tomarem das familias proprietárias, nomes de santos ou tios Campos, estabelecendo aí a Usina Caeté. A ''primeira fábrica de açúcar, pelo
de mulheres.foram buscar um tanto pagãmente na água suas denominações. Manuel 1'/stetna cooperativista - destaca Diéguesjúnior- inaugurada não apenas no Brasil
Diegues júnior recorda vários: Riachão, Poço,Ribeíra, Água Comprida, Água Fria, mas em toda a América do Suf' (pág.127). Para essa experiência alagoana, têm os
Âgua Clara, Riacho Branco. E mais.foi na água dos rios - dos ''pequenos rios" - nlhos voltados brasileiros de outros Estados, onde o dono do bangüê enraizado à
que o senhor de engenho alagoano eruxmtrou, como nenhum outro, o que Diégues f1•rra, vem sendo esmagado pelo usineiro novo - quase sempre homem de cidade e
fúnior chama "o melhor colaboradorpara sua organização econômica". Força para de espírito apenas comercia/ quando não vilão; e cuja superioridade sobre o antigo
movimentar a moenda dafábrica. Humidadeparafecundar osolo. Transporte para {t1bricante de açúcar decorre, principalmente, da imensa superioridade técnica da
aprodução epara a gente. Banho para os animais. Banho para aspessoas. Nenhuma 11~i11a sobre o bangüê.
sub-região do açúcar no Brasilpoderia oferecer melhor confirmação que a alagoana " O ensaio de Manuel Diégues júnior, sólido com é na documentação que
da sugestão, por mim esboçada em ensaiojá antigo com aprovação de um geógrafo 11/erece sobre aspectos ignorados oupouco conhecidos da história social das Alagoas,
da competência do professor francês Pierre Monbeig: a de que o rio pequeno teve 11 lambém valioso pelas sugestões de que o autor anima esse rico documentário,
influência considerável na formação agrária do Brasil. fmcientemente desentranhado por ele de velhas crônicas, de publicações antigas e
São vários os aspectos ou traços do complexo social representado pelo 1116 de MSS raros. É um ensaio que obriga o leitor a pensar; que provoca reações
bangüê, ou pelo açúcar, nas Alagoas, que Manuel Diégues júntor examina no seu noutros estudiosos do assunto,- que sugere novas pesquisas a outrospesquisadores.
ensaio: vendas de engenhos anunciadas nosjornais, introdução de engenhos a vapor, St1t1 orientação - a dejuntar a interpretação sociológica da história do Brasil agrário
relações dos principais traçados de estradas de ferro com a lavoura da cana e a 11 patriarcal ao estudo das fontes regionais dessa história, abundantes em terras
indústria do açúcar, epidemias, crises, a repercussão dos trabalhos da lavoura de rnmo a das Alagoas - sem ser a que merece a inteira aprovação dos ortodoxos da
mna e da indústria do ru;úcarnofolclore, osprimeiros reflexos dos engenhos centrais rr(}nica histórica, parece a mais capaz de enriquecer o conhecimento do passado

14 15
bl'asileiro de perspectivas largamente sociais. Não é uma orientação fáci./ de ser ,,
soguida. Ao contrário: dificílima. Como o chamado "modernismo" nas artes e nas PREFACIO 2
letras, presta-se esse sociologismo arriscado ao sacrifíci.o da substânoia à aparência
para efeitos de novidade ou de sensação.
fá chega a ser mesmo considerável, entre nós, certa sociologia apenas Aobra de Manuel Díégues Júnior, "o BANGÜÊ NAS ALAGOAS", toma-se
cenográfica feita precipitadamente à sombra da história. Não é, porém, o caso de pela sua própria especificidade, uma obra clássica para quem deseja melhor
Manuel Diégues júnior - sempre contido em seus pendores para a abstração
compreender a natureza e a própria essência da formação histórica de Alagoas,
sociológica, pelo conhecimento da história concretamente regional e pelo contacto
quase cotidiano com os arquivos, com os documentos, com as fontes da história Identificada com a cultura da cana-de-açúcar.
social do açúcar no Brasil e, particularmente, nas Alagoas. Seu trabalho se junta Somam-se à obra de Manuel Diegues Júnior - , para compreensão das
aos de Alberto Ribeiro Lamego, josé Antônio Gonçalves de Melo, neto, Wanderley sociedades que se gestaram a partir da monocultura da cana-de-açúcar, as obras
Pinho, Afonso Várzea, Gileno Dé Carli,josé Calazam~ isto é, aos melhores estudos do historiador Moacir Medeiros de Sant'Ana, "Contribuição à História do Açúcar
de economia, sociologia e ecologia ultimamente aparecidos em torno do complexo cm Alagoas", publicado na década de 70, pelo Museu do Açúcar, e a do geógrafo
brasileiro do açúcar. Manuel Correia de Andrade, "Usinas e Destilarias das Alagoas ... ", na década de
1990, pela Editora da Universidade de Alagoas. Essas obras desnudam a
natureza e a própria essência da monocultura da cana-de-açúcar em Alagoas.
*** O caráter pioneiro e, ao mesmo tempo, inédito da obra da Manuel
Oiégues Júnior revela-se não apenas pela utilização dos jornais como fonte de
A.cabo de reler oprefácio que, apedido de Professor Manuel Diéguesjúnior, 1Jesquisa histórica, mas também na abordagem antropo-sociológica como
escrevi para seu notável O Bangüê nas Alagoas, em ano já distante: 1948. elemento explicativo do processo de construção da formação e consolidação da
Impressiona-me no prefácio o que nele permanece atual Como me impressionava sociedade alagoana que orbitou em tomo dos engenhos bangüês.
agradavelmente ofato de O Bangüê nas Alagoas ter sido o início de uma brilhante A"análise" que Diégues Júnior faz do processo de formação de sociedade
sucessão de estudos sobre assuntos antroposociais brasileiros, marcados pela
inteligência e pelo saber de um hoje mestre de renorrw internacional.
ttlagoana baseia-se inicialmente na descrição e na análise das condições naturais
do espaço geográfico alagoano e pelo papel desempenhado pelos rios, lagoas e
das matas no processo de instalação dos primeiros engenhos bangüês nas regiões
de Porto Calvo dos Quatro Rios (hoje Porto Calvo), Alagoas do Norte (hoje Santa
GILBERTO FREYRB Luzia do Norte) e Santa Maria Madalena de Alagoas do Sul (hoje Matcchal
Deodoro). Aúnica das quatro vilas fundadas inicialmente em Alagoas - Porto
Calvo, Santa Luzia do Norte e Marechal Deodoro atualmente - apenas 11ma1
Rio, setembro de 1948- agosto 1978. aVila do Penedo do São Francisco, não teve a sua origem e consolidação econômica
cm função dos engenhos bangüês, mas sim de\'ido a sua localização geográfica
cstr.atégica, próximo àfoz do rio S. Francisco, assentada sobre um bloco rochoso,

17
16
bastante conhecido pelos seus habitantes com "a rocheira" que teria sido o núcleo Sobre a atualização de mão de obra escrava africana, Diégues júnior
geo histórico da formação da Vila do Penedo que cresceu em função da sua apóia-se nos documentos analisados pelo Barão de Studaurt, Ernesto Encs e
pos1çao geografica excepcional como porta de entrada e saída para o interior 11~ publicações de Edison Carneiro que resgatam a historiddadc do 11cgro como
do Brasil, consolidando-se com a expansão dos currais, e mais tarde do algodão agente de história-embora lhes negasse essa condição a historiografia tradicional,
pelo interior dos sertões do rio São Francisco. reforçando a inconsistência do "mito do senhor bondoso"e apoiando-se cm
Para que se concretizasse o processo de instalação dos primeiros manuscritos da época sobre a escravidão e no le\ antamento das condições de
1

engenhos bangüês e a própria ação colonizatória européia em território alagoano, vida dos escravos, segundo anúncios de jornais do século XIX, demonstrando o
ela foi bastante retardada, dado à resistência ferrenha que as populações indígena caráter insurgente dos escravos africanos contra o sistema que os oprimia,
caetés, potiguares e de outras tribos que reagiam às tentativas de implantação lutando individualmente ou coletivamente contra osistema escravista, cuja forma
das primeiras vilas em território alagoano. Entretanto um fato histórico - a morte mais organizada de protesto coletivo foi a constituição dos Quilombos.
do Bispo D. Pero Fernandes Sardinha e demais tripulantes do navio que naufragou Ainterrelação umbilical existente entre os engenhos bangüês, a vida
próximo ao litoral de Coruripe - atribuída aos índios caetés, pré-determinou a social e as diversas expressões ou manifestações da cultura "erudita"e a "popular"
oficialização por parte da Coroa Portuguesa da escravidão indígena a partir de são analisadas a partir da auto-identificação da terra com os processos de
1562, e o processo gradativo, e cada vez mais acelerado, de extennínio das formação das tradicionais famílias alagoanas, identificadas com as estruturas
populações indígenas do litoral de Alagoas. oligárquicas ou de mando ainda sobreviventes nos tempos atuais; cujas
A presença holandesa não passou despercebida na obra de Diégues manifestações materiais ou espirituais produzidos pelo homem do povo, ou "folk",
Júnior que faz uma análise dos impactos econômicos e sócio-culturais que a permaneceram integradas a esse processo direta ou indiretamente.
guerra do açúcar teve sobre o território alagoano, destacando o papel que Alagoas
teve como área produtora de alimentos de subsistência, víveres (gado, pcixe-
seco etc) e de produtos de exportação para o mercado internacional - açúcar,
fumo, pau-brasil, resinas vegetais, etc. José Roberto Santos Lima
A importância que a cana-de-açúcar teve sobre a economia alagoana Prof. Depto de História da Ufa! Maceió-AL, Abril de 2002
- e ainda tem como elemento absorvedor da grande quantidade de mão de
obra rural - é analisada a partir de montagem dos primeiros engenhos bangüês,
da sua evolução tecnológica, da convivência nem sempre harmoniosa com outras
culturas agrícolas tais como o milho, feijão, mandioca, o fumo e o algodão e
ainda dos cíclicos períodos de crise e prosperidade decorrentes das oscilações
de preços do açúcar no mercado internacional, assim como, a transição dos
decadentes engenhos bangüês para o aparecimento das primeiras Usinas de
Açúcar e o impacto que a crise estrutural de sistema capitalista em 1929 teve
~obre o setor açucareiro em Alagoas.

18 19
,
PREFACIO 3

Na 2• Edição de "O Bangüê nas Alagoas", feita pela EOUFAL, em 1980,


Gilberto Freyre, que havia prefaciado a sua l3 edição, há mais de trinta anos, a pedido
cio autor, acrescenta, ao prefácio original, que, além da atualidade do que foi, àquela
.1ltura, identificado no notável trabalho de Manuel Diégues Júnior, o "impressionava
11gradavelmente ofato de OBangüê nas Alagoas ter sido oinício de uma brilhante
\Ucessão de estudos sobre assuntos antroposociais brasileiros, marcados pela
luteligência e pelo saber de um hoje mestre de renome internacional". Eloqüente
.uestado este-sobretudo vindo de quem veio- já por si só suficiente como apresentação
do trabalho inaugural de tamanho fôlego para um jovem mestre de 37 anos na difícil e
1lclicada tarefa de desvelar a gênese social de um grupo humano e os elementos e
motivos que agregam elementos e situações tão díspares em um todo social que alguns
denominam de gente alagoana, sem que houvesse, àquela altura, sobre Alagoas, qualquer
produção na vertente teórico-metodológica por ele seguida.
Moacir Palmeira, por sua vez, ao apresentar 'O Engenho de Açúcar no
Nordeste'', outro trabalho magistral do Mestre Oiégues Júnior, escrito menos de três
mos depois de "O Bangüê nas Alagoas", afinna que "o plus d ' O Engenho de
~çtícar no Nordeste, aquilo que Jaz a sua diferença e que lhe dá um encanto
1•1pecífico é o seu modo de usar ométodo etnográfico': Sem contradizer essa afinnaçáo,
1•11 diria que, na verdade, esse encanto, de uma certa forma, já se faz presente cm "O
lltmgüê nas Alagoas" e é o que neste identifico como o mais rico e o mais inovador.
Explico-me: ainda que em "O Bangiiê nas Alagoas", Diégues Júnior se
tllsponha a apresentar ..os traços da influência do sistema econômico do engenho de
rtçtícar na vida e na cultura regional", sendo esse, inclusive, o sub-título de seu estudo,
uque ele consegue com maestria inigualável é ultrapassar as fronteiras de uma produção
'óciohistórica comumente produzida em Alagoas e sobre Alagoas até 1949 e mesmo
1lcpols, demolindo, para isso, os muros que cercavam outras disciplinas do campo
·.ocial vistas sob uma ótica tradicional e ortodoxa, sem jamais abrir mão do rigor científico.
Com isso, penso que é possível afirmar ser Oiégues Júnior um precursor dos estudos
hlslórico-sociais sobre as Alagoas numa perspectiva inovadora, através de uma obra
11ue pode ser tranqüilamente filiada ao movimento da chamada "Notwelle Htstoire",

21
.1lnda revolucionária na Europa na década de 40 do século XX, que, não se contentando Se o que faz de um pensador um clássico é, sobretudo, a perenidade das
cmser apenas História, no sentido tradicional, dialoga com a economia, com a sociologia, lll<'~tões que ele levanta, a par das pistas que abre para os que pretendem, depois dele,
com a antropologia e mesmo com a psicologia e destas ciências particulares incorpora 11\íutçar no desvendamento dos temas e obietos sobre os quais se debruçou, não há
categorias. métodos e técnicas. Sob essa perspectiva, não é apenas o germe da etnografia l'fllllO negar a Diégues Júnior e ao seu "Bangüê nas Alagoas" a denominação de
que se encontra presente em "OBangüê nas Alagoas". Ali é possível já ver pulsando t IJ sicos. Tendo mergulhado fundo na trama social que foi urdida para formar as Alagoas,
a dinâmica social que se desenvolve e dá substância aos modos de vida da gente alagoana 1IJ1 extraindo o ethos profundo da vida social alagoana, este trabalho do mestre Diégues
até os tempos presentes e, nesse sentido, penso ser possível já afirmar sobre "O 11111for representa uma obra seminal para quem quer que pretenda entender aquilo
Bangüê" o mesmo que foi dito por Palmeira sobre "O Engenho de Açúcar no •111r se costuma chamar de alagoanidade, cujos traços de arraigada permanência
Nordeste ". 11111ente recentemente vêm sendo retomados pelos estudiosos desta sociedade.
Assim sendo, somente por "O Bangüê nas Alagoas" já seria possível Por tudo isso, merecem os mais vivos elogios a Editora da Universidade Federal
classificar o genial Manuel Diégues Júnior como um clássico no campo das ciências .1.. Alagoas, seus patrocinadores e sua Diretora, Prof'. Dr. Sheíla Diab Maluf - a quem
sociais produzidas em terras brasileiras e não apenas cm Alagoas. Minai, tendo ·'W ;tdeço pelo honroso convite para fazer essa apresentação-, pela iniciativa em reeditar
mergulhado nos modos de organizar a vida social em um quinhão do território nacional, 1.111 Importante obra, não somente para Alagoas, mas para o desvendamento do que
desde que aqui se estabeleceram os colonizadores, Diégues Júnior foi capaz de extrair, H11hcrto Da ri-tatta denomina de "dilema brasileiro'', frente à necessidade de se
dos mitos e dos ritos por esses engendrados, os significados e as regras de convívio que 111111lantar uma sociedade minimamente democrática, ainda que nos limites que o
ainda hoje produzem o cimento social que dá coesão e sentido às ações dominantes, 1Apltalismo e suas metamorfoses nos impõem.
estabelecendo de forma bem viva os grupos, cuja hegemonia faz de Alagoas - e, por via Dito isto, tomo a liberdade de, sem mais delongas, parafraseando Moacir
das permanências, também de extensas porções do nosso imenso Brasil - um espaço l'plincira, convidar todos e todas que se interessam por entender esta terra e sua gente,
de unidade em meio a tanta e tão cruel disparidade. 111l1•sfrutar da prazerosa e elucidativa visita a'OBangiiê nas Alagoas.
Quando Roberto Da Matta, em seu exemplar ensaio intitulado "Carnaval,
Malandros e Heróis", de 1979, sobretudo no capítulo denominado "Você sabe com
quem está falando?"-cujo sub-títiulo é "para uma sociologia do dilema brasileiro", Maceió, 06 de abril de 2006.
discute a prevalêncía, na cultura nacional, do público sobre oprivado, da pessoa sobre o
indivíduo, da casa sobre a rua - e que já se encontrava, cm germe, em Sérgio Buarque
de Holanda, em "Raízes do Brasil", de 1936, quando ele opõe, por exemplo, "modo de Elcio de Gusmão Verçosa
vida" a 'meio de vida", na sua referência à modernização dos estilos de vida dos barões Coordenador do Grupo de Pesquisa
do café - toma corpo, como fonte caudalosa, nas análises feitas por Diégues Júnior, já em "CAMINHOS DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS",
1949, em "O Bangüê nas Alagoas'', a presença firme e forte do patrimoniatismo, do Programa de Pós-Graduação em Educação do CEDU/UFAL
com a conseqüente estrutura socialpatriarcal que se nutre do filhotismo, do familismo
e dafamulagem. Ali encontram-se vivas e vicejantes, nas análises de Diégues Júnior sobre
como se organizou a vida colonial e como foi estruturado o espaço de convivência, as
relações de trabalho e de poder numa região que deu origem à própria sociedade brasileira
que se vai espraiar por todas as outras regiões e que vai atravessar o Império e todas as
"Repúblicas", até esta em que vivemos.

22 23
'

INTRODUÇÃO

A história dos engenhos de açúcar nas Alagoas quase se confunde com


" p1 ópria história do hoje Estado, antiga Capitania e Província. Aevolução de um
11111111 e condicionou a do outro;~acompanha a história do Estado, o
th"lll'tlVolvimento da cultura da cana e da indústria do açúcar. As dificuldades
111w sofre o açúcar, refletem-se na história regional. Os seus dias de esplendor
Jn os dias áureos da terra - vilas, comarca, capitania, província ou Estado.
: Desbravando o território, as primeiras bandeiras que o explórâfám, \
,1s~\111tam na construção de engenhos os fundamentos da colonização. Saem \
tldcs os núcleos de povoamento, expandindo-se em blocos, às vezes, dispersos, ,
1wla disseminação dos engenhos.l A seguir o desenvolvimento da cultura da l t
1 ;llt:l de açúcar adensa a população que vive, ou que vegeta, em derredor da 1

1•\ploração do açúcar. Não só do açúcar; do próprio homem também. Do escravo, f1


111ais tarde do assalariado, este em condições talvez piores que aquele.
- --, ~
Excetuado Penedo, cuja fundação se iniciou como arraial fortificado, e
c·111 parte Atalaia, os demais núcleos populacionais das Alagoas nasceram e
1 n•sceram em derredor dos engenhos de fabricar açúcar. Porto Calvo, primeiro,
/ ft ,J
desdobrando-se mais tarde em São Bento, Camaragibe, Porto de Pedras e São ~ \)'
' =:==!!~ l.uís do Quitunde, e Alagoas, logo depois, multiplicando-se a seguir em Pilar, , ~ .~
Snnta Luzia, Maceió, São Miguel, Anadia, e!!contraram nas fábricas de açúcar o ,1 O'
ponto de partida da sua colonização. Do seu povoamento, pode-se dizer também,1
porque ele só se fez regular mediante a expansão dos centros demográficos e
11ociais que eram os bangüês.
Em Atalaia, mesmo, cujos fundamentos remontam aos fins do século
XVll, como ponto de referência no combate aos negros palmarinos, encontrou
o bangüê habitat satisfatório; e mal surgia o povoado de que Domingos jorge
Velho lançou os alicerces, começaram a aparecer os engenhos, alastrando-se
rapidamente pelo vale riquíssimo do Paraíba. Capela, Viçosa, União vão encontrar,

25
igualmente, no açúcar o elemento pro ulsor d .
de '};iiogresso. • . p . _""ª nqueza, de seu c~me~, •' 1111<i111icas oriundas das crises de açúcar, nem sempre suportadas pelos senhores
ili· 1·11genho, alguns ~o a outras mãos a propriedade herdada de seus
" - f De modo que o açucar:- se, irmano
mtegrando de tal fo
, , . . ,. . .
, ~ ª propna historra regional, neliCsê 111111passados;,tilhos de senhÕres de engenho1>acharéis ilustres e erudi~o~ \
"r- . rma que nao e poss1vel isohr d th1·~:111do ~ns a Ministros do Supremo Tribunal, como o bacharel lnac10 )
;t, história política e social e a histo' . d , , um a outra; completam-se a

C mostra-lhe a evolução, quando não a d


-- ~ -
na o açucar Estas muitas · ,
'. .
.
vezes exp1ica aquela;
etermma, acentua-lhe os contornos r
or isso mesmo não 12arece acreditá Llj ' · ·- ... -:-- _ Y - -
\ll'lra de Mendonça Uchoa ou o bacharel Esperidíão Elói de Barros Pimentel,
111111os ocupando posições no Ministério, chefe de gabinete ministerial, coru.cl
111l111bu. / - - -
as, agoas sem o a~úcar1Do ban .. Ye - 11e possa exí.SJ!r uma llistõ!@
é..esta..llis. !Qrta-'JOOr-füts-sYaslinbíb'i gerajs, aqui procurEPOS con~gnar,
A • •

termo e evõfução não podendo ~u: rirmc1p~lmente. Se este já chegou ao seu I• 11L111do levantau..exdaíleiro~IJ.&O de tudo quanto o bangüê realizou na vida
por haver concluíd~ s ciclo n exigi:- le ;~ai~ nov;is energias e nova vitalidade,
lhe deve tudo. eve ao ba;güê ~·~<!_li!, Qo passado, Alagoas 11~~ Al1tgoas. Os.aspectos que envolvem a sua ex1.~~~ci~ fEen~o com quêe1~ ) ,..,._
1111'~ o centr{Lem..red..Qu!Q...qua.Lgiram a.oco~a..Yida.social, a existência ""' ~
r-~íxõSql1eãS situações alterna~~ª c~:~:J~ºt ~~o~omi~a, inclu~ive com ~tõs'e ,r•.~ 1•scravos, as manifestações culturais, são a,Quj cewJ!:.ados no que foi Q.Qi~lV~
amda as linhas de formação de sua socied~;e'.1ª o aç,ucar registram; deve-lhe
IM11'111cnorizar. Além do material encontrado em livros, artigos de revistas ou de

l vigas mestras dentro das qua1·s n


. . .

Reclamava portanto 0 ban .. al


' e tambem lhe deve a fixação das
asceu e cresceu 0 ru d
, d1st_n~uiç_ão, sua_~ondensa~ão,_sua~ -~º o povo~t~ :ua
1w11.lls..r em11e~rno-n9.§ _ew pr.ofunda_Q_esquisa ~ documentãÇão ainda-
h1111llta; sobre e base assenta muito do ue oden~.~:2!]§.entaLD!)_pr_c§en~~
ti 1h:1lho.
de maneira que nã~ se apagu'e gufe agoano que se escrevesse a sua história
A

m, no uturo suas tradiÇ 1- h ·


os engenhos resistindo à invasão holand ' fr oes ªº,c. e1as de beleza:
' ;fÍÍfel~zmenTe, neste ,pÕnto os ãrguivos alagoan;; são de uma pobre~
1111·11tá~ De modo geral são destruídos. Ao que se conta, certa ocasião, um
consecutivos; senhores de engenho bate~sda, ~ so endo os martmos ~e incêndios
h1 f1 1 ele Estado mandou tocar fogo na papelada quase tricentenária existente
martirizados, como é o caso do velhQ G ~ .s~ ~or Deus e por sua patria, alguns
Ana Lins fazendo do seu Sini . a .ne oares trateado nas Alagoas; D. 1111•• .1rquivos da vetusta cidade das Alagoas, para desocupar lugar. O escrivão,

festas religiosas, as de batizad:budtrmche1ra republicai:a em 1817 e 1824; as ll1111cnte, apenas começou a vender os menos estragados, para embrulho de
senhores de engenl10 ou se e, e casdamentos, tambem as reuniões sociais· 1lhl0, charques, latas de manteiga. Isto deu oportunidade a um particular
- -- n 1oras e engenh d · ' 11111prar, por preço módico, toda aquela riqueza de papéis guardados em trê
trancelins de ouro1 mo'vei's de . d. , O CL'<ando em testamentos
• - . Jacaran a voltas e 1 ·• · . 111 quatro grandes arcas. Este particular, se bem que lhe faltasse a necessária
vmd_as dê Portugal, escravos sadios e fi 't pu senas de prata, imagens
ainda emancipando os negros b or es, ou_tros doentes e maltratados ou 111111prcensão de todo o valor daqueles papéis, deu-se ao trabalho de ler, se não
indõ à praça por dívidas, outros se~~o v~~~i~erviam c~rn dedicação; engenhos
11.uluzlr, grande parte ofereceu ao Instituto Histórico de Alagoas, rejeitando.
"'""
senhores mantê-los. donos de en h os por na.o poderem mais ·os seus •"·'~' no que merece os melhores aplausos, valiosa oferta para venda a uma
para a recepção do !~pera.dor ou~:~~ ~ ·c~~tri~uindo com donativos financeiros 111prcsa publicitária; de outros extraiu apenas assinaturas, para fazer uma
- o caso do mais tarde coO-:end d co cn o-o nos seus solares tradicionais 111h·ç:lo de autógrafos jogando o resto fora. Ainda assim este particular foi 11m
'tv a or e senador do lm , · J . --:- IH·111·111érito; Muita coisa foi salva, e graças a ele cujo nome, Bonifácio Siiveira,
lendonça, recebendo D. Pedro ll em 1859 . peno, acmto Pais de
que em 160 I recebera o govern~or S 1'~o Buenos ~res, o;nesmo engenho 11·11110 agora as minhas homenagens, tanto mais sentidas quanto é recente o
, ava or Correia de Sa; as vicissitudes r11 falecimento, tive contacto com um rico manancial, quer pelos dorn111cntos

26
l7
publicados (procurei sempre confrontar a publicação com o original), quer po v1 ~.y1ização administrativa e política, e ainda social e econômica: as vilas de·
outros inéditos, doados ao Instituto Histórico de Alagoas ou a mim gentilment l11110 Calvo, Alagoas e Pene__ilo...}
oferecidos. Só em 1711 estes centros de irradiação unificam-se com a constitmçao
1L1 comarca em que se fundamenta a unidade territorial. Assim, as vilas
De Porto Calvo como de Atalaia e aindar em grande- i:>arte; de Penedo '
~
ninguém sabe por onde andam os velhos at(lujy__os. É certo que estes três 11111stituem-se certos propulsores que se desenvolvem pelas paróquias; estas
ilmnicípios foram erigidos em comarca muito tarde, já no século XIX, pois luram perfeitas subdivisões das vilas.
primeira, a das Alagoas, criada em 1706, somente em 1833 começou a se w.n:oJases distintas enco tram~ história .alagoan~_eara ~xar os
desdobrada. Mas os próprios arquivos eclesiásticos são novos. E em Porto Calv 11111tornos de ~uaformação políti_c ~ N'' primeira, ...constituição sociaj e.t~J!itorlal . . . _
que foi freguesia, segundo todas as probabilidades, nos últimos anos do sécul p 11W das três vilas, por meio da paróquia; Porto Calvo tem a ação central. A
XVI, como em Penedo, já paróquia na época da invasão holandesa, só s .1·~1111da começa a instalação da comarca em 1711 embora criada desde 1706; a
encontram documentos de tempos mais recentes. Documentos civis o 111111arca centraliza a citada constituição, unificando nas Alagoas, sua sede, o
eclesiásticos de Atalaia, Poxim, Camaragibe, dos primitivos tempos, sã 11111110 de irradiação central.Vem a seguir a terceira fase que se abre com a criação
igualmente desconhecidos, pois o mais antigo que há, pode andar pelos ce1 111 rnpitania em 1817. Ela estabelece a unidade pela administração política,
anos. 11J11tinuando, porém, a comarca a representar a unidade territorial que, até então
~sta~arência de documentos dificulta, em grande parte, a reconstituiça 1111ll1cada, vem a se diversificar em 1833 com o desdobramento da comarca
\ do passa~o ªl..a~ºª9?2 pr~pal~ente ~o que se re~er<;3,o .eng~ê 1111lrn cmquatro outras. Em 1822, com a independência política do país, inicia-
Contudo, e poss1vel hgar mwta c01sa da v1da alagóana ah1stona de Pernambuco, \' ,1 quarta fase.
unidos como estiveram os respectivos territórios por longo tempo. Só em 170 Cria-se a província, e nela firma-se a unidade. As comarcas continuam
Alagoas foi erigida em comarca,não se conhecendo, aliás, o respectivo documento 11111tl:tdc territorial, através dos Municípios de seus tennos. As paróquias começfün
se bem que Pedro Paulino lhe cite até o füa e o mês, o que indica tê-lo conhecido. , 1 lrrnnscrever-se a um só Município, embora alguns abranjam mais de uma

Como capitania independente só se constituiu em 16 de setembro de 1817. I' 1rnquia; em pouco tempo, porém, essa informação uniformiza-se, vindo,
Até esta data, e principalmente até 1711, ou suas imediações, a históri l 1111 l'lanto,a alterar-se com as modificações oriundas da criação ou da supressão
das Alagoas se incorpora à de Pernambuco. É certo que em muita coisa j tk Mt1nicípios, ou anexação de uns a outros, mormente a partir do regime
aparece então a importância do território sul da capitania duartina. Documento 11 pt1hllcano.
há referindo-se, particularizadamente à sua importância e desenvolvimento Em 1835, ao instalarem-se as Assembléias Provinciais, a situação
outros falam em tropas alagoanas, isto no último combate ao quilombo negr t 111011tra-sc definitivamente fixada. Parte da unidade administrativa (Província)
da Serra da Barriga. Apartir de 1700, principalmente, as informações sobt I' 11 1unidade territorial (Comarca), subdividida em Municípios, e estes, por sua
Alagoas já se encontram mais emancipadas do total de Pernambuco; geralment \1 11 t•m Paróquias. Aparóquia é a unidade primária na organização social das
os elementos se baseiam na freguesia como subdivisão da vila. Al.w,oas como, de resto, nas demais províncias do Brasil.
~~~~e inicialme,nte _da vila a c~nstituição social de Alagoas. Dela irradia Esta unidade foi, de fato, a base não só eclesiástica, mas tamhém às
\ - ---__ VJsoes: as paroqmas. De tres pontos saem os focos fundamentais d \Ot'~ política - os eleitores exemplo, se distribuíam pelas freguesias - sobre que

28 29
se erigiu a organização brasileira, em virtude de circunstâncias ligadas à vid
-
Ascgun~oÍ-a~-Pene~ qual também não se conhece a
jurídica da colônia portuguesa. Cumpre destacar, de começo, que a noss '" dnc ser'porém, dos primeiros--ãnos do século XVII, e talvez 1615, não
condição de terra pertencente à Ordem de Cristo, e não à coroa portuguesa, 1111111110 na Folha Geral citada, pelo fato de não ter vigário colado. Da mesma
impediu maior elasticidade à fonnação dos núcleos administrativos do território. l1t1111111no se sabe a data de criação da das Alagoas. Penedo e Alagoas, porém, já
E pelo fato de que as vilas somente podiam ser erigidas em terras emancipadas, 111 ll1•guesias em 1631, quando começa a invasão holandesa.
não alodiais; sendo o território brasileiro de propriedade da Ordem de Cristo, Nos meados do século XVII cria-se a uarta freguesia, a de Santa Luzia
era necessário antes de dar vida administrativa aos núcleos populacionais - os tka Nurll', e nos fins do mesmo século,..a..de~ Mi~ ~am~cer
povoados - emancipar a terra, comprá-la a seu dono. •1•I\1110 seguinte sucedem-se as novas freguesias erigidas: <:amaragibe em 1708,
Evidentemente estas dificuldades foram sobremaneira vencidas durante •~tt.i 1•111 1713, Traipu em 1714, Sã Bento e Poxim em' 1718. Daí até 1760,
o domínio holandês. Incorporando Portugal a Espanha, o território brasileiro QUR111l11 ~ criada a de Porto Real do Colégio, nenhuma outra aparece, datando a
passou também à jurisdição dos Filipes; neste período, e verificada a invasão 1j111l11lt', que é a de Atalaia de 1763. Ao findar o século XVII já possuía Alagoas,
holandesa, afastaram-se, ou mesmo não se lhes deu importância, aquelas flllhll'l'a desde o primeiro decênio da centúria, 12 freguesias. Onúmero em si é
dificuldades existentes até então. É..justamente durante_o_~odo de invasão 11 11111•110, sem significativo, entretanto, em relação ao território, à massa
holandes~e se erigem as três vilas alagoanas - Porto Calvo, Alagoâs Peflêdõ. e W11111Rráílca, às possibilidades econômicas da região.
' Restaura.do inteiramente o domínio lusitano em 1654, somente mais de um Enquanto isso, decorreu morosa a evolução no sentido de criação das
século depois, cm 1764, é que se cria a quarta vila em território alagoano: a de v1h111 nas três primeiras vão nascendo, em desdobramentos, as seguintes. Atalaia,
Atalaia. li 111t•rnbrada da das Alagoas, foi criada em 1764: a esta época a definição
l
----Oê~t~ modo~ e voltafld0 ao principal do assunto que vim<;>s focalizando,
li r 1l111rlal já estava realizada, inclusive com o conhecimento da região do oeste,
a freguest:fera.ahasede re-ferênciaJla vida colonial. (l(s cômputos QQ.12Ul~nais 1111h• NC encontravam aldeias indígenas.
se baseiam na freguesia, e contam-se "almas" e não pessoas. As discriminações Ao se constituir a capitania independente, para a qual passou a unidade \
econômicas se fundam, igualmente, no território paroquial: número de engenhos, I" l,1 11<hni~istração política, existiam, além daquelas quatro, mais três vilas;
de fogos, de companhias militares, etc. I"" 1.111to, sete ao todo, as i:nesmas existentes anos depois, quando foi criada a
11111\lllCfa. Aoitava vila só se erige em 1830; é ela Santa Luzia do Norte, vetusto
- Não s_e.conhece com exatidão a data em que foi criada a primeira
jt11\111tdo que já aparece na história regional nos primeiros anos do século XVII. /
1
fregu~sia nÇAlagoas.Sàbe-se que foi orto Calvo, orquanto já figura na Folha
~ral que aeompanha o alvará de 1ode JUn 10 de 1617(1). Quando, porém? Não As extensões territoriais que cada Município abarca, com as agravantes
há notícia exata; pode-se admitir, entretanto, que date dos últimos anos -do 11.1•, cllílculdades de transportes e comunicações da época, contribuem para maior
~11l11rliação da paróquia como unidade elementar no organismo regional. Dentro
século XVI, pois a esta época Cristóvão Lins já tinha engenhos de açúcar na
região portocalvense, mantinha capela nos seus engenhos, e em 1600!era feito 1kl.1s vão fixando-se os núcleos humanos, espalhados em derredor dos engenhos,
Alcaide-mor de Porto Calvo. c1·111ro de convergência de todas as atividades econômicas, sociais e políticas.
~m.a..pt'GGlamaçãô"tla-Repúbliça,.separadaaigreja do Estado, vR-
~ que essa ltnidade se fixa no MunicíQio,_surgindo neste as subdivisões em
1ll~lrlto. Aev~luç!_o política-e administrativa vai acentuando essa nova situação,
rncr. Anais da Biblioteca Nacional, \'OI. XXVll, 1905, Rio de janeiro, 1906. página 365.
---- 31
30
de modo a dar o distrito administrativo e judiciário, e não somente territorial, 111'litC estudo: as lacunas. Esperamos, porém, possam outros melhor cntcndluos
caráter de núcleo primário da vida regional. Alegislação de 1938, com a lei 311 ou mais cultos cobrí-las, indicando-as e apontando os assuntos que as remcdlcm
fixou, de modo geral, este princípio. Se bem que nos afigure falho ou lacunoso, o plano que adotamos
I ' O bàngüê se situa nesta paisagem histórica com admirável colorido
que transcende da importância puramente econômica, para projetar-se e
p1m•ce o único a permitir o estudo das relações do bangüê alagoano com o
homem alagoano; ou mais especificamente o conhecimento de sua história
/ importância cultural, aí compreendidos os diversos aspectos de vida no period .111 avés de seus variados contornos. Dentro do plano que adotamos, tornou-se
\ colonial através de suas man.ifestações em vários campos de atividade: a instrução p11ssível dar, talvez em pinceladas largas, mas nem por isso menos exatas, os
J sociedade, administração, política, escravidão, organização econômica. 1·1pcctos históricos e econômicos da evolução do bangüê alagoano, ao lado do
Procurando reconstituir neste estudo a existência do bangüê alagoano 11 1glstro dos fatos ou de nomes que aparecem nas suas manifestações sociais
cujo começo fomos buscar na colonização do território para trazê-lo na su 1111 cu lturais.
evolução até os nossos dias, fazemo-lo na certeza de não se tratar de cois Perdoem-nos aqueles que virem nestas lacunas ou senões erros
definitiva. Preferimos considerar o presente trabalho apenas um ensaio, um li n•1máveis, capazes de prejudicar a todo o conjunto. Permitam-nos que nos
tentativa, talvez mesmo uma experiência. 1rnlhamos às palavras de Schirer referindo-se a Jacob Grimm, e que certa
.A__falta de qualquer estudo an~rior ª-1espeito dQ engenhe-AtlS-Aiagoas 1 ,1
1• 11ião Carolina Michaelis repetiu a propósito de Teófilo Braga: "Quem não ousou
e mesmo a ificxistenéia de estudos mais gerais sobre o bangüê em outras áre 11.10 ganhou nem perdeu. É preciso que tenha a coragem de errar quem cultiva
açucareiras do país, fazem com que se possa considerar em aberto, no camp 1rrrcnos virgens. Trabalhos esmerados e circunspectos, acabados em todas as
· de estudos regionais, um tema como esse:..Pe fato, as monografias ou ensai 111lnúcias, até os últimos pontinhos sobre os ii, tão perfeitos que seja preciso
qt~exis~m, cm g~ral sobre a cana de açúcar o_p o_açúcar1 e uâo SQQrJ!..Q.ÇDgenh 1111•clf·los pela bitola mais alta, mostram as culminâncias a que se pode e deve
são quase sempre técmcõSõoirtstõrícos; a memória de Pereira da Costa sob ' h•var o trabalho do investigador. Mas, ao mesmo tempo, obras assim feitas têm
as origens da indústria açucareíracm Pcfnambuco ou a do Dr. Messias de Gusmã 11111 car~r severo de intangibilidade que repele, descoroçoa, humilha e abate".
sobre a indústria açucareira alagoana estão nesse caso. Aquele, mais históric IAinfluência do engenho bangüê na vida alagoana estendeu-se 1
este, eminentemente técnico, apontam-se corno exemplos do fato indicado. 1111ncipalmente até as últimas décadas do século XIX, quando a revolução
111h1strial da técnica de produção do açúcar começou a penetrar nas Alagoas.
\. Não conhecemos, e creio que não existem, monografias com a arnplitu
l
.11

que demos a este trabalho. Ou seja, estudando, algumas vezes em traços rápido ~"ªvitória, a da técnica industrial, se verificava coincidenternente com a extinção
todof os aspectos que se relacionan1 com o bangüê; não só a história ou a técnic tio braço escravcl, o per~odo era de evolução, sobretudo de transição: a J
portanto, mas, igualmente, a vida social, as manifestações cu lturais a il1•,agregação do primado. n.tral; a quebra do tradicionalismo de família; a \
repercussões folclóricas, o papel do escravo negro, a própria formação d 1h•rndência do patriarcalisrrio e, em parte, do patrimonialism~ Com a novtt \
sociedade alagoana sob a influência do engenh~) h·111kade produção e de trabalho-a do trabalho livre em substituição ao trabalho \
O plano, sejamos justos em reconhecê-lo, é ousado; e somos, por iss ··~navo - surgia igualmente nova técnica de relações econômicas e sociais cntrl~

os primeiros a admitir não tenhamos atingido ao ideal de um trabalho pcrfeit 11 wnhor e os trabalhadores; entre o senhor de engenho e os moradores; entre o

J
J

completo, sem lacunas. Ao contrário, parece-nos que é coisa constante a assinai 11 ~lnelro e os lavradores, aparecendo um novo tipo humano na paisagem da
l11•a açucareira: o fornecedor.

32
--~-------
33
( Arotina agrícola, de que se servia o engenho bangüê, não se con~il~a~a lornrnentos de outras origens, como por exemplo os de instituições eclesiásticas
com progresso da usina; daí o fracasso do engenho. ce~tra~, baseado na dmsao u •1s. rebuscamos a maior parte das infonnaçõcs transmitidas neste estudo.
do trabalho: de um lado, a agricultura, de outro, a mdustna. O progresso desta >utra preciosa fonte de estudo na história alagoana a que permanentemente
superou a rotina daquela; e em conseqüência \i. usina teve de estender ~uas 1 •e urremos, foi a Re"ista do Instituto Histórico de Alagoas, antigamente Revista
1 atividades à parte agrícola, absorvendo-a também. Temos, portanto, aí um ~nodo d 1Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano.
de aguda transformação na economia e na vida social do Nordeste; e em pa~cular
Dentro do arquivo do Instituto Histórico de Alagoas, convém salientar a
\ das Afagoasj Pcríodo este - o da transição econômica do sistema do bangue para
11111rlbuição de Pedro Paulino da Fonseca; o que este cronista alagoano deixou
L- 0 da usina e da transição social do patriarcalismo quase feudal para o
h 111 merece as honras de divulgação. São MSS interessantes, valiosos, em que
aburguesamento da usina - que pretendemos estudar um..~a; .trata-se de fase
.1 \l'llte o trabalho da pesquisa e do aprofundamento cm que se embebeu o
que reclama atenção mais demorada, em face das consequenc1as com. que se
\1'111'rando alagoano. Além destes MSS, não só históricos senão ainda referentes
refletiu essa transição na vida alagoana; e também na de toda a área da agricultura
1 .1~1>ectos sociais das Alagoas - festas religiosas, procissões, festas profanas,
da indústria da cana e da indústria do açúcar do Nordeste.
111111cmorações, etc. - são também importante contribulção as suas saudações
Mas se na verdade a época de fausto de engenho - fausto econômico e l'111vfncia das Alagoas, que em alguns anos divulgou pela imprensa no dia 16
social - entra em declínio nas últimas décadas do século passado, parece fora h '<'lembro. Abordavam aspectos da história alagoana com muito carinho e
de dúvida que nas Alagoas o engenho continuou a exer.c~r _função p~lm.ordial 4 11rança.
1

nos fatos de sua história; e não exclusivamente de sua historia econom1ca ou Muito material sobre Alagoas, em particular referente à fase holandesa,
política, porque se prolonga à história de sua gente, em todos_os seus aspectos.
r111 ontra-se na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano,
Daí termos estendido o presente ensaio, tanto quanto poss1vel, até quase os
t ltj.1 coleção examinamos cuidadosamente. Não só para a história alagoana ou
nossos dias; estudando o engenho bangüê d~de de seus pri~órdios na t~rra
1 fll.llnbucana é importante a contribuição dessa revista; creio que para todo
alagoana., não podíamos deixar de estudá-lo, com o mesmo carmho, no penodo
tll'tkste ela possui elemento que satisfaz. Ainda a respeito de documentos
de sua decadência - que é do século atual, na sua luta quase perma~e?te co~ a
'tlll\l'ITI salientar, o que não é novidade, a importância da coleção do Barão de
usina; cm sua luta por uma sobre\1vência que a técnica de produçao mdustnal
111durt, publicada na preciosa Revista do Instituto do Ceará.
insiste em aniquilar.
Os documentos divulgados pelo venerando cearense constituem subsídios
Recorremos às melhores fontes da história alagoana, não só da história
\ tllo~os para a revisão da história do nordeste. Para a história dos Palmares, em
oficiaJmente aceita, senão também daquela que vive ignorada nos arquivos, e~
11 u1lnllar, essa contribuição é relevante, como se verifica do muito do que ali
documentos valiosos, muitos dos quais vêm retificar afirmativas até hoie
1111l11.m1os, ao escrever a parte referente ao quilombo da serra da Barriga.
mantidas. Em todas estas fontes, ainda inéditas ou pouco conhecidas, procuramos
colher elementos; igualmente naquelas obras, já consagradas algumas, outras Este é um dos temas da história alagoana, e do Brasil em geral, que
menos utilizadas, mas do mesmo modo importantes, em que se encontram Ili 11 ~ reclamam revisão; revisão urgente e criteriosa, baseada nos documentos
elementos sobre a história regional. 1lg1111s já conhecidos através de publicação pelo Barão de Studart ou pelo
hl11101 lador Ernesto Enes, outros ainda não conhecidos, guardados nos arquivos
No arquivo do Instituto Hlstórico de Alagoas, em documentos da coleção
d1 1~1rtugal. Quero crer que o livro de Edison Carneiro virá iniciar essa revisão;
Bonifácio da Silveira, estes na maioria já publicados na Gazeta de Alagoas, em
11rl 1 ldtura que fizemos dos originais, graças à gentileza de seu Autor, tudo nos
34 35
anima a acreditar que este ensaio de Edson Carneiro seja um marco novo 11111lçfto, a profundeza de conhecimentos, a segurança das observações do
definitivo na história dos Palmares; ou melhor na nova história dos Palmares. ti• •1 .1números esparsos de jornais que se divulgaram em Maceió ou no interior
111 1.1atlo; na biblioteca pública do Recife, ao diário de Pernambuco, rico
Infelizmente, focalizando o tema apenas no que se relaciona com o
lt 1111-.llário não só de informações sobre a vida pernambucana, mas ainda sobre
engenho e o escravo negro de engenho, não nos foi possível aprofundar mais
1k 10<10 Nordeste, em particular das Alagoas, intimamente ligadas sempre a
estudo dos Palmares; fixamo-nos apenas naquilo que o tema Palmares oferec t\ 111.1111buco, onde iam estudar os senhores de engenho alagoanos; por gentileza
como reclamando revisão, capaz de reincluí-lo no seu verdadeiro sentido e n 1lu 1li•st•mbargador Carlos de Gusmão, à coleção do jornal OMunicípio, que se
sua exata realidade. 1111hllrnu em Camaragibe, de 1892 a 1893, recolhendo curiosíssimos aspectos
Como a respeito dos Palmares, são outros assuntos da história alagoan ti 1 1id:t econômica, social e administrativa daquela comuna, tão estreitamente
dignos de novo exame e estudo. Quero crer que isto se possa fazer se das nov llA 111.1 ' a história do engenho nas Alagoas.
gerações alagoanas saírem elementos interessados em conhecer o passado d
Somos agradecidos, profundamente agradecidos, a quantos tiveram a
sua terra, engolfando-se na surpreendente riqueza que há e~ do~umento {111llcza de nos prestar valiosa colaboração no preparo deste ensaio. No
antigos. Dependerá também, é certo, se o professorado souber mcutir entre o ft11111•t·imento de excelente material folclórico e etnográfico sobre o engenho ou
moços este propósito de reconstituir os fatos históricos nas suas melhores fontes 11 1t 11l'ar, muito devemos a Téo Brandão ejosé Maria de Melo; igualmente ajosé
e não apenas na repetição do que os historiadores têm dito. 1'111tl11lo Gonsalves de Melo, neto, na parte referente ao período holandês.
Ainda valendo-se dos arquivos do Instituto Histórico de Alagoas, l'111porcionou-nos o prezado companheiro de estudos e pesquisas históricas nos
percorremos todas as informações de dois jornais interessantíssimos para est~d 111111~ tempos cm que, estudantes no Recife, nos sentávamos cm torno de uma
e compreensão da vida alagoana: o Diário das Alagoas, que nos seus qua,s~ trmt , 1ph'11dlda e grande mesa da Biblioteca Pública do Recife, sob a orientação de
anos, conseguiu reunir tudo quanto se passou na terra alagoana em polm:a, ~ l1lllwrto Freyre, a ler velhos MSS, cru·tas cônsules, jornais do século XIX, etc.,
comércio, em vida social, em literatura, em publicações diversas, em anunc10 11111111J1'cionou-nos, dizia, todos os elementos necessários ao melhor conhecimento
-principalmente anúncios sobre fuga de escravos; constitui :ealmente e~te jornal 1l 1q11l'la época nas Alagoas, a maior parte dos quais ainda inéditos e apenas dele
como bem disse Craveiro Costa, "um marco do desenvolvimento da 1mprens 1 111lt<'cldos por já os ter utilizado. Foi-me particul.armentc grata a oportunidade
alagoana"; e o Guttenberg, mais do nosso tempo, pois deLxou de c.ircul~r e 1lt numa manhã inteira, em sua excelente casa da rua das Pernambucanas,
1912 depois de trinta e um anos de publicação, no decorrer dos quais regi~tro 11·111ms juntos acompanhado, pelo relatório de Van Der Dussen, pelos mapas de
os mais diversos fatos, acontecimentos, aspectos dignos de serem recolhidos 11.11 lt•us e por outra fontes holandesas, a vida dos engenhos alagoanos,
prosseguindo assim no bom jornalismo que o Diário das Alagoas havia iniciad 1tl1•11tlficando-os ou identificando os seus proprietários; identificando igualmente
no meado do século XIX. ''" dos, as povoações, a região, enfim, dentro da qual começou, cresceu e chegou
A outras coleções de jornais, algumas, infelizmente, incompletas 111~ nossos dias a agricultura da cana de açúcar nas Alagoas.
também recorremos: ainda no Instituto Histórico de Alagoas, ao jornal de Alago AGil de Metódio Maranhão e a Olímpio da Costa agradecemos o obséquio
à Gazeta de Alagoas, a O Semeador, em cujas páginas colaborou o erudit 1h· lerem, o primeiro, mandado copiar as sesmarias concedidas em terras hoje
pesquisador Cônego Teotônio Ribeiro, conhecedor como poucos das minúci 11.11-:oanas e constantes dos livros de registros atualmente na Biblioteca Pública
históricas da região alagoana. As vezes artigos sem assinatura, mas que revela '"' Hccife, e o segundo, diretor dessa biblioteca, facilitado a consulta a estes e a

36
37
outros MSS de interesse para a história alagoana, bem como a coleções do Diário indicação de fontes, nas sugestões, na troca de idéias, na animaç~o que nos
dt• Pernambuco, existentes naquele estabelecimento. Outros amigos nos deu para nos dedicarmos ao estudo - pesquisa e análise - da ª.~ncultura da
auxlllaram ainda nos trabalhos realizados, atendendo gentilmente às nossas cana e da indústria do açúcar na região alagoana. E por extensao em toda a
consultas quer feitas em cartas, quer verbalmente; é o caso de João Cavalcanti região nordestina.
de Albuquerque Lins, Benedito Aires de Gusmão, Hanlilton de Freitas, Olímpio
Ciríaco da Silva, Emílio Machado da Cunha e Eloi Moreira Brandão Sá, agentes
de estatística, respectivamente, de Porto de Pedras, Porto Calvo, Pilar (hoje
Manguaba), Passo de Camaragibe, São Luís do Quitunde e Viçosa (hoje tvli\NUEL DIÉGUES JÚNIOR
Assembléia).
Também agradecemos ao industrial Carlos Nogueira e ao Dr. Pompeu Maceió, 1945.
Sarmento nos terem facilitado a consulta de antigas escrituras referentes a Rio de janeiro, 1946.
engenhos de Camaragibe e Rio Largo, e também, quanto ao primeiro, por ter
nos proporcionado uma cópia de planta do engenho Buenos Aires, levantada
na década de 1880. E ainda, ao Dr. Orlando Cavalcanti, ilustre linhagista da
família de seu sobrenome, a respeito de que prepara alentado estudo,
reconstituindo toda a genealogia dos Cavalcanti desde o Filipe da colonização até
os nossos dias, tendo nos prestado interessantes infonnações; ao SI'. Alarcão
Aiala, descendente dos Mendonça, que gentilmente nos auxiliou na reconstituição
da descendência do Ouvidor Mendonça; ao desembargador Carlos de Gusmão,
que nos encantou sempre com suas informações acerca de engenhos, senhores
de engenho e famílias alagoanas, ligadas aos diversos ramos de Calvacanti,
Gusmão, Lira e Mendonça, do norte do Estado; ao seu irmão, senhor de engenho
Messias de Gusmão, que nos ofertou antigas publicações sobre economia
alagoana, tais como a Revista Agrícola, relatórios, memórias, etc.
Cabe ainda agradecimentos ao desenhista Francisco Xavier da Costa que
a pedido nosso copiou vários mapas e plantas antigos das Alagoas; desenhou
casas grandes e capelas de engenho; facilitou-nos exame minucioso em velhas
cartas da região açucareira das Alagoas pelas reconstituições realizadas.
Por fim os maiores agradecimentos a dois nomes que desejo ver
associados ao preparo deste ensaio: Rui Palmeira, que o idealizou perante a
direção da Cooperativa dos Bangüezeiros e Fornecedores de cana elas Alagoas,
confiando-nos obsequiosamente a tarefa de escrevê-lo, e Gilberto Freyrc, na

38 39
CAPÍTULO l
•• A ,.

O BANGUE E AFORMAÇAO DA SOCIEDADE


ALAGOANA

" O ambiente geográfico. O papel dos rios. A mata. Os rumos da


rnlonização. Os primeiros núcleos de povoamento.
Opovoamento do Norte. Os engenhos de Cristóvão Llns.
Rodrigo de Barros Pimentel no povoamento do vale de Santo A11tô11io
lirunde. Adivisão da sesmaria.
Opovoamento das Lagoas. Asesmaria de Diogo Soares. Os engenhos da
l,ugoa do Sul. Gabriel Soares.
Miguel Gonçalves Vieira e a ocupação de sua sesmaria. Os enge11 hos da
1.•1goa do Norte. Opovoamento das margens do rio Mundaú.

Fundamentos de Penedo. Os engenhos de açúcar na região, t•


particularmente em Coruripe e Poxim.
Oengenho na formação social das Alagoas. Ocruzamento demográílco.
o índio. Onegro. Oproblema da colonização. Jentativas de imigração. Influências
do engenho.
O p~íodo holandês nas Alagoas. Ainvasã<:> e a conquista. Os cngeuhos
durante o domínio holandês. Destruição de engenhos. Os senhores d.e engenho
na restauração. A economia açucareira na época:

41
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- ~el admit;r-se que haja partido de três focos iniciais o povoamento
do território alagoano. Um assentou no norte, e teve Porto Calvo como núcleo de
irradiação. O segundo situa-se no centro do litoral e se desenvolveu em torno
das lagoas, que deram nome ao povoado inicial: Alagoas ou Alagoa do Sul e
Alagoa do Norte. Prolongou-se pelo Vale do Mundaúl a cujas margens assentaram
os fundamentos da economia local: os engenhos de açúcar. Oterceiro foco situou-
sc ao sul; Penedo é o seu centro de expansão.
. Um quarto foco, complemenk'lr daqueles três primeiros, surge já nos
meados do século XVII, e seu aparecimento se deve à luta contra os Palmares,
que determina a expansão do povoamento do interior. Vencidos os quilombos
do Zumbi, os vencedores localizam suas moradas nas terras conquistadas,
distribuídas então em sesmarias aos conquistadores. Começa daí o povoamento
do interior; expande-se a dilatação territorial. Completa-se a estruturação
geográfico-§_Qcial dasAl~oas~
Parte·esta expansão de Atalaia, núcleo do quarto foco de povoamento.
Dos fins do século XVII para princípios dos seguintes são concedidas as sesmarias
na região. Na segunda metade do século XVIII (1764) recebe Atalaia os atributos
de vila, que se seguem ao título eclesiástico de paróquia (1763). É a quarta vila
de Alagoas; e a décima segunda freguesia.
Opovoamento dos três primeiros núcleos inicia-se nos último3 decênios
do século XVI. Nas primeiràs décadas do século seguinte, e ao iniciar-se o domínio
batavo, está perfeitamente estabilizado; alicerça-se cm bases sólidas, que sfto,
elo ponto de vista econômico, a agricultura da cana de açúcar no norH.' e no
centro litorâneo, os campos da pecuária, no sul. Nos começos do sécnlo XVII são
sedes de freguesia os três povoados iniciais: Porto Calvo, Alagoa do Sul e Penedo.
Na terceíra década do século são elevados à categoria de vila.

43
Eclesiastícamcnte e politicamente têm sua organização assegurada. De Na região são-franciscana é o grande rio da unidade_ nacional o
cada ponto nuclear se vai irradiando o povoamento àvizinhança. Novas freguesias ill\tribuidor do povoamento; as distâncias se fixam em torno do Sao Francisco,
sao criadas: Santa Luzia do Norte e São Miguel nas Alagoas; Camaragibe e São 1111
do Piauí, ou do coruripe, ou do Panema; e assim se vai estendendo para o
Bento em Porto Calvo; Poxim e Traipu cm Penedo. Povoados surgem 111
1rtão, margeando 0 curso do grande rio, e ao se alastrar para o norte, costeando
paralelamente à vida dos núcleos fundamentais ./Acana de açúcar assegura a 11
Atlântico, até encontrar as concessões territoriais de Diogo Soares da Cunha,
prosperidade econômica pela fundação de engenhos. Cria-se uma sociedade em <' nxando-se em nome de rios ou de lagoas - o Poxim, o São Miguel, o Jlqulá, -
fundamentos estáveis. f 1111c se faz a distribuição do povoamento.
__ - ----Do ponto de vista geográfico podcrn-S..,e caracterizar estes núcleos pela Na regi.ão palmarina, aquela que começou seu desbravamento com a
influência do seu principal acidente; acidente, no caso dos três núcleos do litoral, jornada contra os quilombos negros dos Palmares, quilom~s que se cstcn~l:un
principalmente hidrográfico, por isso o seu elemento é a água: rios ou lagoas. O por uma larga área de terra e influíam na vida d~ outras regioe~ - ~e Porto (J:1lvo,
litoral alagoano podemos distribuí-lo em três regiões: a região dos quatro rios, d:ts Alagoas, do Penedo - as concessões que advieram com a vtt~na de Bernardo
que é a do norte, presidida pela presença dos rios Manguaba, Camaragibe, Santo Vieira de Melo e de Domingos jorge Velho, baseiam-se em nos: o Paraíba, ô
Antônio Grande e Tatuamunha, a que se juntam outros rios menores: o São Mundaú 0 Porangaba, o Satuba. Partindo de Atalaia se vai estendendo aos hoje
Bento, o Maragogi, o Comandatuba, o Mocaitá, o Tapamundé. Depois a região Municíplos de União dos Palmares, de Viçosa, de Anadia. ,.
das grandes lagoas, onde se destacam as lagoas do Norte ou Mundaú, e a do Sul De modo que podemos admitir, e com razão, que a irradlaçao do
ou Manguaba; finalmente, a região são-franciscana presidida pelo São Francisco, povoamento no segundo foco - o das lagoas - partiu de dois pontos: um, na law>~
cujo centro, Penedo, foi o ponto de irradiação dos.eu povoamento, quer dilatando- do Norte margeando o rio Mundaú; outro, na lagoa do Sul, cost~an~o o Paraíbll( h
~e ~ara o norte, quer penetrando o sertão. em derr~dor das águas dos rios, fixando-se nas suas ribeiras, aproveitando a rlquc1.a
Na região dos quatro rios que foi a sesmaria de Cristóvão Lins e Rodrigo {los seus vales, que vai se desenvolvendo a colonização das Alagoas, baseada na
de Barros Pimentel, pois aquele que dividiu seu primitivo feudo em 1608, os rios cultura da cana de açúcar, através da construção de engenhos\ o>
Manguaba, Camaragibe, Santo Antônio Grande e Tatuam unha, afora os pequenos, Não foram os rios grandes, mas os pequenos, assinalou Gilberto Frcyrc ,
constituem o ponto de referência na concessão das sesmarias, na fixação dos limites os amigos do colonizador no Brasil; foi na colaboração dos rios pequenos que o
das doações feitas, na caracterização dos engenhos levantados, cujos nomes muitas homem pôde desenvolver o seu trabalho econômico. E, em particular, na da
vezes são colhidos no rio a cuja margem se construíam as fábricas de açúcar. cana de açúcar foi que a agricultura colonial encontrou nos rios o melhor
Os rios Parafba e Mundaú são os elementos referidos no povoamento da elemento para colaborar no seu desenvolvimento. .
região das grandes lagoas; como seriam depois no da região palmarina. Eles e as <os rios não eram somente os vales férteis, através de cuias margens os
lagoas do Norte e do SulJAcolonização se fez acompanhando o curso das águas.~ canaviais gostosamente se estendiam, como se estendem ainda hoje; eram
Asesmaria de Diogo Soares baseia-se na boca da lagoa Manguaba; a de Manuel também os caminhos, por onde as canoas ou as barcaças nave~avam, fazendo o
Antônio Duro iria para o sertão até cntestar o rio Mundaú, ao despejar na lagoa comércio do açúcar. E até as próprias barcaças se constrmam tendo como
do Norte. Limitada pela lagoa do Norte e pelo rio Santo Antônio Mii:im é feita a referência de tamanho o número de sacos ou de caixas de açúcar que pudessem
concessão de Miguel Gonçalves Vieira. Para o sul, o rio São Miguel é referido na conduzir.
sesmaria dos Moura. 01 FREYRE, Gilberto. Casa-grande &senzala. 4. ed. Rio de janeiro, 1943, t.1.

44 45
l:unb~~ os cami!1110s, por onde as canoas ou as barcaças navegavam, fazendo 0 dt, ores grandes e frondosas, cuja madeira foi empregada nos caibros, nas
com:m? do açucar E até as próprias barcaças se construíam tendo como 1111~rfü'S de casa, nos altares, nos pilares.
rcferen~1a de tamanho o número de sacos ou de caixas de açúcar que pudessem Do que eram as matas das Alagoas, há dois documc11to:i 1mpor1.1.nlcs:
conduzir.
1111 c.trtas-relatórios do Ouvidor José Mendonça de Matos Morl'irn, que foi
1' São ?os, porém,.que, quando se inquietam, se desbragam em estragos, u11wrvador das matas das Alagoas, cargo criado por sugestão sua, quando c11t.10
causando rumas, destruindo canaviais,lcabando com as planta~ões. Rios sem 1 p111pos a executar os respectivos encargos'º· A minudênc.ia da dcscriç.10 nos
n~nhum r~s~ito ao trabalho humano., Uma vez, em meados do século XIX, 0 ~ "·' \cr a extensão que1inham as nossas matas: léguas e mais léguas tlc ílon•sta,
Sao Francisco encheu que arruinou os canaviais, destruiu 0 engenho 11111111 pelo litoral como para o sertão, tanto de frente como de fum~o.
Correntez~< >; ~as, dir-se-á: é o São Francisco. Sucede, entretanto, que os
2
Além disso, fica-se sabendo que já no século XVITI, se uuhzam ;írrnrc.,
pequenos nao sao menos desbragados, nem menos violentos. d1 111 atas entre a lagoa Jiquiá e o rio São Miguel para construção dt• 11:1vlos
De uma notícia de jornal pode-se ver o que fizeram o Mundaú o Parafüa nirrt·;mtis. Nelas é que "se provê todo a marinha mercantil da Baía, dt•pois dtt
e oSubaúm_a, que consideravelmente cheios, "hão produzido grandes d~struições 11111hlbição das mattas de Palmares"; nos seus portos- adiantava- se constn>l'ITl
~m ~lantaçoes de canas, mandiocas e outras lavouras". Eregistrava o noticiário: 11 11 111.ts embarcações, e na época em que o Ouvidor escrevia estavam stndo
mui~os engenhos de açúcar prestes a moer e outros já moendo achão-se LOl\Mruídas sete ou oito.
paralisado~ e a espera de que melhore o tempo 11 mfÃPesar disso, é sempre 0 nct Das matas dos Palmares, "as famosas e bem conhecidas matas dos
pequ:n~, no col~~oraaor e amigo ao colõnizador.i ocentro geográfico do sistemd t•,11r11ares, tanto pela fertilidade delas como pela extraordinária grandeza de sua.o;
econom1~res1d1do pela cana de~úcar.
111.1dclras como das matas de Santo Antônio Grande e de Camaragibc, falam o
11
,

De modo que as sesmarias concedidas em território aJagoano ( 111\ ldor cheio de entusiasmo. Entusiasmo que se arrefecia o seu bocado, quando
encontraram no elemento geográfico seu principal fator de fixação· e também ,. l'l'feria à destrui~ão feita gelos muitos roçados e Relo muito ~gº·~--~
foram encontrar na fisionomia da terra, na nomenclatura das águas edas florest~ Verificã-se que é na área açucareira onde mais scnSfvêr se c11co11tra esta
- os n~m~ de rios: os nomes de árvores, o próprio nome da mata _ a tk·.truição. Não eram somente as derrubadas para as construções de navios; os
caractenzaçao dos nucleos de _Povoamento criados. o batismo dos engenhos, l%1<los e os fogos eram provenientes das atividades dos engenhos. Acana dl'
dos ~ovoados, uns e outros mais tarde evoluindo e, às vezes, transformando-se 1 ~11car obrigava a derrubada das matas; as exigências da cultura d~ ca11~1 e .l'i
em c1dad:S dos ~ossos dias, encontrou farto manancial no elemento geográfico; 111n·ssidades da industrialização reclamavam a invasão das matas. Al~m das
na suges~ao da agua. CAac~oeira, Mundaú, Ri_:ichão, Pratagi, São Miguel, Jlquiá, 11111struções.L o consumo de lenh~dia a destruição das árvores ~ .
Camaragibe, Santo Anton10 Grande, Olhos d'Agua - abundante este não apenas o próe_rio Omidor achava que o~ senhores .de.. engenho dcnam ser
em ~ng:nhos mas em localidades também - são nomes que encontraram 1hrlgados a conservar as matas, principalmente aquelas mad~i~as de hoas
lnsp1raçoes na geografia local - o rio, o riacho, as quedas d'água. Outros foram 1111alidades; sinal ~den.te-de-que-eles não a..conservavanj. A~m1tia mesmo_ o
buscar seu nome nos motivos da terra - Pau Amarelo, Boca da Mata, Angelim, 111 1vtdor Mendonça que alguns engenhos estavam em decadenc1a pela dcs tru 1çao
Mato Grosso, Junco, Barro Branco, Campo Verde, TabocaJ, Gravatá, Jngazelra.
Dl~RJO DAS ALAGOAS, Maceió, 19 set. 1860.
111 MOREIR.\, josé de Mendonça de Malos. As malas de Alagoas. Pro1'idênclas acerca delas e sua
11 (lescrlção. R. fnst. Hi-st. Geogr. Brasileiro, Rio de janeiro, 1. 22, 2° tr., 1859; Relação das maias das
DIARJO DAS ALAGOAS, 18 sei. 1860.
Alago~. R. /11st. Arch.Geogr. Pernambucano, Recife, 13(73) set.1908.

46 47
/ das matas, o que acarretava também a falta de lenha para os seus cozimentos. 11 1 •
1 11
~centro político; constituir-se em aristocracia e fixou bases d.a s?cieda~e
Mas não escondia ele que eram os engenhos destruidores das matas; os 11111 ,11 coube à família, na organização social brasikirn, const1trnr-st• _nao
de\<oradores das madeiras, dos paus-de-lei, das árvores das suas sesmarias, das is n umdade etmca, mas ainda, e principalmente, o centro de prndt1ç~10 o
11
vizinhanças dos rios - do Camaragibe, por exemplo, em cujas margens muito Udl n cultural, o bloco político. .
roçados têm destruído o que existia de arvoredo. Entrelaçam-se família e engenho cm tais condições qt1(' 111111tas \t'/t's o
Esta circunstância, referida pelo Ouvidor Mendonça, já fora prevista um '4lll11' clatpropriedade se incorpora ao d.o chefe da família. Quando niio a1Mn'Ct'
século antes, na provisão régia de 3 de novembro de 1861, que proibia a construção l"K'll.IS 110 tratamento comum, é o próprio propr~etário que vai parn o~ l<:r'.1ais
tniiil lar que a partir daquela data seu nome sera outro; este outro é .1!)( 11.1s o
de engenhos a menor distância de meia légua dos outros; e isto pelo fato de que
ºde sua demasiada vizinhan_ça resultava escassez de lenh~ seu fabrico"<s>. n~ 1 irno do nome do engenho ao seu nome próprio e de família. Casos co1111>
Era o engenho o grande destruidor das árvores; o derrubador das matas lf' 1·11contramos alguns em coleções de jornais do século XIX.
à cata de madeira para suas fornalhas, Qara suas construções. Consumo de lenha No primeiro núcleo de povoamen19 :...º~o No:te, Porto Calvo - e nos
que prejudi~o_e3uilíbrio ecol~co.f ilnh focos-do segundo - os das margens das lagoas,:- e em torno_~ econo1111a
r~oi , entretanto, no mefo uma mata densa, de árvores formidáveis de 1 1~d.i.
111 arcira qne se processa õSeúClesenvolvunento. E e~ derredor élo~ e.ngcn~10s.
famílias dos senhores de engenho - os Uns, Wanderley, Ac1oh, Ba1 ros
madeiras excelentes, que seconstituírrun os blocos iniciais da colonização das Alagoas.
Feita esta colonização, sempre nas proximidades da água, também se deparou com l'l111t•1ttel, Botelho, Soares, Bezerra, Calheiros, Gomes de Melo, Carvalh? ~ ~uc
as matas. E foi aí que começou a erguer-se a civilização açucareira das Alagoas. h r lorma a sociedade alagoana, cujos fundamentos encontr~m,o~ nos pnm1~1YO~
Em cada um dos núcleos iniciais da colonização, quer o que partiu dos P"'"atlores, os que vieram nos fins do século x·vn e nos 1~nnc1p1os do segumtc.
engenhos de Cristóvão Lins em tomo dos rios do norte, quer o que saiu dos 1 ilaí que parte a história não somente do engenho de. açucar.n':5 '..\lagoas, mas
engenhos de Diogo Soares e Miguel Gonçalves Vieira, em derredor das lagoas e nhém da própria sociedade alagoana; o que quer dizer ~ ~11stona mesma das
111
dos rios Mundaú e Paraíba, quer ainda o que veio das fazendas são-franciscanas \l 1 1oas, unida como está a sua \ida à existência dos bangue~. ,
nascidas em volta do arraial fortificado que foi o fundamento do Penedo, quer, É no desenvolvimento da agricultura da cana de açucar que assenta a
finalmente, o que brotou do estabelecimento dos paulistas e1dos grupos alagoanos OI l' nização de cada um desses núcleos fundamentais do po'o~e~to das Ala~~·
1
e pernambucanos nas terras outrora dos negros comandados por Zumbi; em 1
através da economia aç~careira que se expande a colomzaçao do terntono
'---+-
cada um desses núcleos fixou-se um bloco social, cuja base assentou na fom1ação .11 agoano., 'fi -
e desenvolvimento da fanu1ia. Família muitas vezes entroncando-se em vários somente na segunda metade do século l.'Vl, quando se ven ca a excursao
ramos; famfüas que se espalharam pelos engenhos, caracterizando-se quase ili- jerônimo de Albuquerque contra os caetés que havi~m sacri~~ado bisp~ D. º,
sempre pelo nome da propriedade rural, marco em que baseou a formação da h•rnandes Sardinha, é que começam as explorações desta regtao. Ate ~ntao o
sociedade alagoana. ll'rritório das Alagoas era quase ignorado, tanto que Frei Vicente, ao registr~r a
A família foi, desde o começo da colonização brasileira, a unidade morte do Bispo, se refere vagamente ao lugar como situado entre Bai a e
produtiva; o grande fator mesmo da colonização, destaco~ Gilberto Freyre. É Pcrnambuco<6l.

81 MARQUES, Cesar Augusto. Dicionário bisl6rico do MaranhiJo. Maranhão, 1870. • SALVADOR. frei Viccnlc do História do Brasil, 3. ed São Paulo. s <l

48 49
' '~

Todavía, deveriam já existir alguns pequenos núcleos na área geográfica lwulados tcrian1 sido ao sul. Acresce que cm 1600 recebia ele o título de Alcaide-
do atual Estado. Admite-se que Eduardo Coelho, na viagem que fez ao sul do iunr ele Porto Calvo onde fixou residência, aliás, antes daqut'la cl:lla
seu feudo,·ha\'ia deixado algumas famílias na região do Penedo e das Alagoas. Começa, portanto, a expe ção e ,ristóvão Lm::. o poh><um·nto do nort~
Não há, entretanto, maiores elementos para positivar-se isto, o que, porém, se 1.is Alagoas. Esta expedição ter-se-ia dado entre 1575 e 1585, ou 11 partir d:u1
pode aceitar como possível, sobretudo no que se refere a Penedo, em vista de ,. 1~undo as notícias que se podem colher nos cronistas contemporâneos,
tratar-se de um arraial fortificado, ponto extremo da ~itanía Duartina. 11
lticipalmcntc frei Vicente, embora este não se refira a Porto Calvo noniinal11w11tc.
Contudo, é certo que somente a partir da bandeira de jerônimo de Assim, a Crist vão Lins, chefe de uma das andeiras cxp ora{ 01·:1s, couhr
Albuquerque é que se inicia o povoamento da região alagoana através da obra mvoamento das terras de Porto Calvo. A extensão destas terras na.'i Alagoas
t;oloníza<!,o~a de Cristóvão Lins, no norte: em Porto Calvo. Ftf este o primeiro
11 1
ode bem precisar· não há fugir, porém, que ela abrangia os atuais
11.10 se p , . i er 1
povoador ãas terras de "Portõêaivo por e e conquístaãas aos potiguaras; nelas Municípios de Porto Calvo, Porto de Pedras, Camaragi~e, ~~aragog , o mi .a
levantou sete engenhos de açúcar. Aceitando a informação de um contemporâneo, l i•npoldina, e parte de São Luís do Quitunde, talvez ate o no Santo /\ntô1110
frei Manuel Calado 0 J, sabemos que estes sete engenhos de açúcar se ergueram 1;rnnde, senindo este como limite sul. .
nas terras entre o Cabo de Santo Agostinho e Porto Calvo. . .o e r -1>Jl. .__.
0 povoamento f~iStÓVáO Lins atravé~ de J~~OS fundados \)'.)I
Basílio de Magalhães admite, talvez por um lapso, que todos estes sete rk nas Alagoas:'QJ!_uenos Aires, cm Camaragibe, e oEs~urta~, em.Porto. Ca~vo.
senhores se tenham levantado em terras·hoje alagoanas <8l; fácil, entretanto, é noutros três, dos cinco fundados cm território alagoano, qurus teriam ~'d?. ,
verificar que não foram todos sete construídos no território alagoaoo. Ao contrário, Cristóvão Lins casou com D. Adriana de Holanda, e deste consorcio ha
dois deles Cristóvão Lins os construiu em território pernamoucano; cinco é que notícia de quatro filhos: Bartolomeu Lins, que ainda vivia cm 16?5, ~endo casacl~
foram nas Alagoas. i illlt Méssia Barbosa, da fanu1ia Rocha Dantas, do sul da cap1tan~a (Pened~) ,
Assim se podo concluir pelo que informa Pereira da Costa C9>. Diz o lnrs Lins, que casou com Vasco Marinho Falcão, tronco dos Marmho Palcao;
cronista pernambucano que Cristóvão Lins vendeu, em 1586, aJoão Pais Barretd, llritcs Lins, que casou com Baltazar de Almeida B?'.ell;o~ e ~\rnal de Ol~nd~.
a sua propriedade Pirapama, no Cabo, e que nos fins do século Ãv1, outro lt1ldizmcnte, se tem feito confusão com os nomes de Cnstovao Lms.O ~~· Ohm?.10
1,;ilvão, na sua substanciosa memória sobre Porto C~lv~, ~scr~vc: e. possrvel
engenho dele estava safrejando, o Santo Antônio do Cabo. Temos aí, pois, os
dois engenhos de Cristóvão Lins fundados em terras de Pernambuco. · · fundadoi· de 1>orto Calvo
4LIC o primeiro , tivesse
.· sido. Cnstovao
. Lms Acc1oly,, filho
Aceitamos, por isso, que os cinco restantes é que se situaram nas Alagoas, iltt Bartolomeu uns e neto de Cristóvão Uns, fidalgo italiano... Est~ n~br~ mance.~o
na região porto-ca.lvense ou a que chamamos "dos grandes Jios". E isto é tanto 11esposou
\dri·ana de Iiolanda' que pertencia a uma das prmc1pa1s famíl!,LS
. D. 1'-
mais lógico quanto a expedição ~e Cristóvão Lins veio descendo do norte para o q11r aqui veio" 00>. . . . ..
sul; e se assim foi, tendo ele vendido um do seus engenhos do norte, os novos Há aí duas confusões que dados mais seguros perm1teii; retificai.. ?
Cristóvão uns a que se refere o cronista, segundo deste nome, nao era i\~10\i ,
. 'tal·ano e não foi 0 fundador de Porto Calvo. Borges da Fonseca ass111ala
71
< CALADO, Frei Manuel. Valeroso tuci:deno. São Paulo, 1943, 2·i t., liv. IV, cap. V. mm1 1 ) lA c···tó'~O
(•l MAGALHAES, Basílio de. O açúcar nos primórdios do Brasíl colonial. Brasil açucareiro, Rio de .tpcnas Cristóvão Lins, e frei Ca.latl.o, seu contcrnporaneo, c lama-o i1s va
janeiro, 13(24) dez. 1944.
M C.OSTA, Pereira da. Origens históricas da indl1sLria açucareira em Pernambuco, Brasil Açucareiro, mnGALVÃO, Olímpio Euzébio ele Arrouxelas. Sucinta descrição do município ele Porto Cal\'o. N. /nst. Arcb.
mo de janeiro, mar., abr., jul.-out. 1940. Geogr. Alagoano, Maceió, 2(16): 17:H86, jun. 1889.

50 ;l
1.lns de Vasconcelos. Foi o restaurador de Porto Calvo, e era neto do primeiro 1 n111:1rgem do rio Can1aragibe, enquanto o citado por Knivet, segundo tradução
Cristóvão Lins, o povoador. Em segundo lugar, sendo o segundo do mesmo nome, t 11tt de sua narrativa de viagem, ficava além do rio Manguaha. ou na margem
e, portanto, o restaurador na guerra holandesa, não foi casado com D. Adriana ~ 1t 1o. Passado o rio Santo Antônio, "arribamos depois a um no amplo, o
de Holanda, de quem era neto, pois esta fora mulher do primeiro Cristóvão Lins. t 1111.uagibe, e continuamos em direção ao rio das Pedras. Oa1 partimos, rio
Sua mulher foi D. Brites de Barros Pimentel, filha do primeiro Rodrigo de Barros 111 1•1, sobre uma jangada feita com três moirões secos am~u-rados j1111los. Ao
~m~~ . , dl 1 Imediato desembocamos num vasto descampado onde st• vin grande
Houve, pelo menos, cinco Cristóvão Lins. O primeiro é o fundador de 111 11ntltlade de gado, e uma moenda e cana, para a qual nos dirigimos; o
1uoprlclário do engenho era um holandês a quem entr~ganios H ~nrta do
Porto Calvo, tronco dos Lins das Alagoas; o segundo é neto deste, sendo filho de
Bartolomeu Lins, e foi restaurador de 1645; o terceiro filho de Cibaldo Lins, R•i11·rnador" - é o que narra Knivet, na tradução de Gmomar cll' C:in .ilho
sobrinho de Cristóvão Lins II, e, pois, bisneto do primeiro; o quarto é filho de l f llll't)( I ~) ·
José Barros Pimentel, neto do primeiro Rodrigo de Barros e tetraneto de Cristóvão Neste caso o engenho seria o Escurial, também de Crislóvao Llns, e
I.ins; o quinto, finalmente, é filho do terceiro Rodrigo de Barros, e casou com 11 11Tavado no território porto-calvense, onde à época se achava o povoador do
Méssia Lins de Almeida, filha de Cristóvão Lins II, do qual foi genro, portanto. É 11111 1,· alago~mo. O que é fora de dúvida é que já cm 1590, mais ou nwnns,
o que se pode concluir das informações genealógicas de Borges da Fonseca, 11 ls16vão Lins estava residindo em Porto Calvo com engenho mo11L1<lo,
nesta parte confirmadas por outros autores. lltll'llzmente faltam dados precisos pra informar se seria o Buenos Aires <>11 o
Cristóvão Lins, o primeiro, portanto o povoador, veio descendo do norte ' t11rnrial. oque não seria difícil, porém, é já existirem ambos naquela época.
para o sul, e em 1600 já o encontramos Alcaide-mor de Porto Calvo e senhor do Éo que se deduz das declarações de seu filho Amai de Olanclai 1wr:111lt'
engenho Buenos Aires, que a tradição admite ser a mais antiga fábrica de ~çúcar 11 Santo Ofício, em Pernambuco. Em 1595, Arnal de Oliveira declarou, t'lll st•u
nas Alagoas. Sua fundação deve datar da época em que Cristóvão Lins se fLxou no cl••ilOimento, que 11 no Porto Calvo além do Cabo de Santo Agostinho nesta capitania
território alagoano, quando da sua expedição. ,1111• averá ora quatro para cinquo anos ... a igreja da fazenda elo díllO st:11 p:u
15
De engenho de Cristó'1ão Lins há notícia deixada pela crônica de Knivet<11 J. 111 1tlc então residião no dito Porto Calvo''< l . Conclui-se daí que nas lmrd1açoes
11
Narrando a viagem do 3° Governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, il·· 1590 Cristóvão Lins já era possuidor de '1fazenda , o que quer dizer cng<·11l10,
informa que desembarcaram em Coruripe, forçados por avarias no navio que
levava o Governador e sua comitiva a Portugal, e daí se di1igiram para Pernambuco.
Com alguns dias de viagem chegaram a um engenho de Cristóvão Lins, onde se 11 •KNIVET, Anthony. Vária fortuna e estranhos fatos de(. .. ) São Paulo, 1947. .
hospedaram. Foi isto em setembro de 1601. 1111Ncstc passo diferem as traduções de.José lligino e de Guiomar de Carvalho Franco; naq11~l;111.l!l 11.1
referência de terem chegado ao rio das Pedras (o Manguaba de hoje), depois de atravc11.~ar~m o
Baseando-se na tradução de José liigino, admite Cândido Mendes de c;;unaragibe. Geograficamente, porém, a descrição traduzida recentemente está certa, pois alnd:1hoje
Almeida(l 2>tratar-se do engenho Buenos Aires, de que hoje restam ruínas; fiGava 0 Santo Antônio, 0 Camaragibe e o Manguaba são três grandes rios, no norte alagoano, no~ 1lllilb a
passagem se faz cm balsas. De certo modo, a descri~ão de ~ivet, n~ lra_du_ção r~.~cntc,. w11~le
i>crfeitamente aos mapas coevos: para chegar-se ao Escunat ou Sao Francisco seria prec1~0 s11b1r o 1lo
ClllKNIVET, Anthony. Narração da viagem que, nos anos de 1951 e seguintes, fez(. .. ) R. fnst. Hist. de Pedras, ou Manguaba. Éo que foi feito por Knivet, permitindo assim localizar-se o engenho. Apenas
Oeogr. Brasileiro, Rio de janeiro,n. 41 , I" parte, 1878. o Inglês considerou holandês o alemão Cristóvão Lins. _,
111
>ALMíllDA, Cândido Mendes de. Memóritl para a bt:vtória do Hstado do Maranhiio (. .) v. 2, Rio de m>PRIMEIRA visitação do Santo Ofício às terras do Brasil. Denunciações de Pernambuco. (1593-1'9))
l:tnclro, 1874, p. 22, nota 2. ·
São Paulo, 1929.

53

1
1 { o
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e . nas Alagoas. E talvez não tivesse sido o único, porquanto está comprovado q11l' a
1 ! 1:
J <t> ro
O'l-
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<l> g.<l> ele se deve a fundação de outros engenhos nas Alagoas.
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Infeliz1nente, não encontrru11os elementos mais completos que nos
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pern1itam acompanhar a sucessão do engenho Buenos Aires . Oseu nome não
1 1
1
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1
::::se
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o e
U CD
O'l
aparece no relatório de Adriaen van der Dussen; pode-se, contudo, admitir tratar-
se de un1 daqueles que figuram apenas com o nome do proprietário. Daí
o <l> acreditamos seja um dos engenhos de Cristóvão Botelho. Este era filho de Brites
ro· -o
O'l ro Lins e, conseqüentemente, neto de Cristóvão Lins l. É admissível, deste modo,
/: :.t=# (/)
e ro
ro u que o engenho lhe tivesse chegado às mãos por sucessão hereditária.

\'
ro -
i.-= ro Na guerra holandesa aparece com ação destacada o engenho Escurial
1.
1
i ro ro
'- N
O'l
o
e
<l>
como sendo propriedade de Manuel Camelo Quiroga. Figura na relação que o
õ (/)-
.._ "Breve Discurso"C16l arrolou dos engenhos existentes e1n 1638 em Porto Calvo;
1 't \ : ro <t>
1 ! E -g não co1n o nome de Escurial, mas com o de seu então proprietário.
1 ::::s ro
1
1 <l> '- No ano seguinte, no relatório de van der Dussen sobre engenhos do
-0 9>
1 - ro Brasil holandês, a propriedade de Quiroga aparece com o norne de São Francisco.
o ~
\ -g
'::::s
ü
..
1
Será o mesmo Escurial ou outro engenho de Quiroga? Admitimos a primeira
\ - <l> hipótese. .f\fanuel Carnelo Quiroga foi casado com D. Maria Uns, quinta.filha de
~
(/) ocr Bartolomeu Lins, e, pois neta de Cristóvão Lins l. Além disso, o núrnero de
e -o
o e
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CD engenhos da relação de 1639 coincide com o da relação de 1638, não havendo
ró (/)- assim maior probabilidade do aparecimento de um novo engenho.
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o -o
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Com a 1norte de Camelo Quiroga, durante a Juta da restauração, o
ro a.. Escorial passou para Clemente da Rocha Barbosa, com que1n a viúva Maria
"O CD
..... -o
.CD O
Lins casou em segunda núpcia. Osegundo marido da filha de Bartolon1eu Lins
>t teve o apelido de "Pé de Pato", por ter uma perna 1nuito inchada, explica Borges
ro o
><o... da Fonseca; e adianta que Clemente da Rocha con1prou a Sebastião Carvalho a
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.~ <l> parte que a este coubera no engenho, por morte de sua segunda mulher D.
eü ·ro
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Ma.ria Camelo, filha única do primeiro 1natrimônio de i\ilaria Lins.
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' U:: e Parece-nos que, antes de Camelo, o Escürial teve con10 proprietário
1 <!>' CD

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1
-o Rodrigo de Barros Pimentel, o primeiro deste nome, casado com D. Jerônima ele
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1
..e 2
a3 • Almeida, filha de Brites Lins e Baltazar Almeida Botelho e neta do povoador.
(/)
' <l>
1 o <• 6lDUSSEN,Adriaen van der. Breve discurso sobre o esludo das quatro capitanias conqulsladas(...) R.
lnst. Geogr. Pernambucano, Recife, n.34, dez. 1887.

54
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i
Dos três engenhos restantes não h, . - ' ,.
elas permitam admitir-se que sejam da f: a ~~na? \agas not1c1as, embora todas l tli 111 de Lima e Gonçalves Domingos. Outro engenho de Rodrigo de Barros
vale do Camaragibe e do l\fanm1aba .amfu11adlms os engenhos existentes no 11i1i•111cl, também arrolado, é o Santo Antônio; deve ser a atual Usina Sm1to
e1es a nosso ver baseando-se
°' ' e assrm
.
n ados por Crist , - L·
ovao ms. Seriam 11111nlo, pois se encontra, cm mapas antigos, situado no mesmo local.
' ' nas conJeturas que a segt · . 'f Além disso esse engenho se localiza justamente na principal parte de
engenhos do Morro, em Porto Calvo B . . , Hr JUSt1 tcamos, os
Jesus, hoje usina do mesmo n 'o a1xo, depo1: do Meio e mais tarde Bom 1 11.1s que coube a Rodrigo de Barros, na partilha de 1608, isto é, na concessão
Camaragibe. orne, e Maranhao, estes dois últimos em 11111 lhe fez Cristóvão Lins. Há ainda que considerar que Antônio de Barros
1•111wntel era concunhado de Cristóvão Lins; sua mulher D. Maria de Holanda,
Paralelamente a Cristóvão Uns sur em ·.
engenhos; entre eles figuram Rodr' d Bg ou.tros colomzadores construindo 111 lrn1ã de D. Adriana de Holanda. Oengenho Morro e o Santo Antônio são,
lins, e outros parentes do povoad~~o Aeararros P1ment~I, sobrinho de Cristóvão t11 n•rto, os dois que Rodrigo de Barros possuía à época do domínio holandês
que em 1630 já exist'am
1
·- . p ecem quase simultaneamente, tanto 1 que encontramos arrolados no "Breve Discurso", que diz ser um deles
na regia.o de Porto Calvo dez enge h .
ri 11•11tcmente feito. Este "recentemente" deve referir-se, sem dúvida, ao Santo
sua maioria, são patentes de Cristóvão Lins. n os, CUJOS donos, na
Em 1608 Cristóvão Lins divide suasesm . d . i\11lonio.
de Barros Pimentel· esta divisã . .ana, oandoapartcsulaRodrigo Oprimeiro proprietário do engenho de Baixo, de que há melhor referência,
permitiu que fosse dado mai o que m~ts ad1ai!te exa~inaremos com vagar, 111stóvão Lins, o segundo deste nome, neto do povoador e chefe da restauração
Antonino Grande e do Cama~:~ebse~volv1mento ~ colomzação do vale do Santo p11r10-calvense em 1645; parece também que o engenho de Baixo, depois do Meio,
b' e, impoiiailte area açucareira É , · d,
que surgem novos engenhos nestes al . , 1 . . . , a partir ai 111,1ls tarde engenho do Bom jesus, coube por herança ao segundo dos Cristóvão
um dos incendiados em 1636 e v e~, me us1ve o ?e Cristóvão Dias Delgado, l l11s da nossa história. Um documento de 1686 nos deixa ver que esse Cristóvão
e Castanha. , que se situava em Panpueira, no vale do Jetituba l lt1s deLxou oentão engenho de Baixo parasuamulher D. Brites de Barros Pimentel,
Passamos a examinar os elernent . ,. q111· o doou a seu irmão, o capitão José de Barros Pimentel.
terem sido os três restantes os engenhos Ma~~:::: que ~e apoia a afirmativa de Por outro documento, este de 1709, sabe-se que o morto Capitão-Mor
vem registrado em Borges da Fonseca como "M ao, ~o edo Morro. Oúltimo Jn~<' de Barros a propriedade do engenho, já chamado do Meio, passou ao
Barros Pimentel, o que é, indiscutivelment t J~" pertence~te a Rodrigo de 1 .1p!tão de cavalos João Lins de Vasconcelos e sua mulher D. Inês de Almeida;
de Rodrigo de Barros é o Morro cé!e:;e r~nc~~nto de copista. Oengenho ~== 1·111rctanto, como filha de José de Barros, que se tenha casado com João Lins de
0
documentos da época. ' penodo holandês, conforme \ .tst·oncelos, Borges da Fonseca registra D. Joana de Almeida, no título de "Barros
O primeiro proprietário do Morro d h, , . l'hncnteis", o que deve ser um lapso, pois no título dos Rocha Dantas já João
Barros Pimentel, portu ês tronc '. e que . a noticia, é Antônio de 1h1s aparece casado com D. Inês de Almeida Pimentel, de cujo consórcio houve
seu filho Rodrigo o ve~o , qu º.da fadmíha Barros Pim.ente1, seguindo-se-lhe 11111 filho, João Lins de Vasconcelos, mais tarde senhor do engenho do Meio,
e viveu urailte a luta co t t.. 1
serviu ao Rei e à Pátria" e 'd d
" ) J
' n ra os 110 andeses e n11dc, de certo, deve ter sucedido a seu pai.
. ons1 eran o o casamento de Rod . d Como proprietário do engenho do Meio há notícia ainda do Capitão
uma neta de Cristóvão Lins, é possível admitir- ,ngo e Barros com
Em 1639 M . . se que ela tenha herdado o Morro \11tônio José Acióli, co-senhor e rendeiro, e do Capitão Joaquim josé de Santana
o orro pertencia a Rodrigo de B p· .
do relatório de van der Dussen f h arros unente!, como se vê ·Uns; quando sob a propriedade destes dois é que surgiu a luta entre os senhores
, ' e m a como lavradores Pedro Ferreira da Silva de engenho e a Matriz Camaragibe, acerca do patrimônio que fora doado a esta
'

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por josé de Barros Pimentel, mais tarde restringido porjoão Lins de Vasconcelos Cibaldo Lins é um dos primeiros nomes que encontramos como
e sua mulher<17). 111i tilrio do Maranhão. Entretanto, sabemos que o Maranhão foi crigi~o
1
A informação ~eguinte que temos sobre este engenho é de 1797, quando Ili\ p1·claço de terra do Buenos Aires, como se constata de uma anot.içao
ele foi a hasta pliblica, sete anos depois de o Ouvidor José de Mendonça de Matos 1 11• 111c sobre este último engenho, documento em poder do seu atual
Moreira haver reformado a sentença do Juiz Ordinário de Porto Calvo, para dar 111111•tário. _
ganho de causa à Igreja. Ainda era chamado engenho do Meio, e foi arrematante É de admitir-se que Cristóvão Lins tenha erigido o Maranhao pouco
D. Inês Teresa Caetana de Paiva, pela renda de 150 arrobas de açúcar traçado jk1b <lo Buenos Aires; e aquela propriedade veio às mãos de Cibald~ por
pagas anualmente na Casa de Purgar e encaixado. D. Inês deu como fiador seu 1111•,silo hereditária. É possível mesmo que o povoador tenha construido o
irmão o Capitão Antônio José de Acióli 08l, provavelmente o mesmo antigo dono 11~1·i1lto para seu filho, Bartolomeu Lins, de quem ~ibaldo era fi~ho. Cabe,
do engenho, e que foi também dono do engenho Carrilho. lll•tf.lltto, a presunção de que Cibaldo Lins o tenha recebido de seu pa.t, que, por
Supomos que.o engenho de Baixo é o que figura como de Bartolomeu 111 \l'I'., o herdara ou recebera de Cristóvão Lins. _
Lins na relação van der Dussen (1639) e como de João Lins no "Breve Discurso" Nos fins do século XVIII cessa a presença dos Lins - os herdeiros em
.(16~8). E~ta suposiçã~ se baseia no seguinte: D. Brites doou o engenho a seu lhilu direta do povoador - na propriedade dos mais importantes engc~h.o~ do 1

irmao Jose de Barros Pimentel. Ela era, então, viúva de Cristóvão Lins n, que por ih 1lo Camaragibe. Começa, então, o domínio da família Mendonça, qu~, m1:1~0
sua vez era filho de Bartolomeu Lins, que àquela época seria o proprietário do Ili 1, 1ouvidor josé de Mendonça de Matos Moreira, teve o seu auge com a mfluenc1a
111 ,1111ra e social do Senador Jacinto Pais de Mendonça, na se~nda metade do
engenho. Admitimos, ainda, que seja o mesmo conhecido no período holandês
como "Camaragibe de Porto Calvo", pois nas suas terras foi que nasceu a povoação ~t1tlo XIX. Aí veremos a importância atingida pelo Buenos Aires, no vale elo
de Matriz de Camaragibe, já freguesia nos princípios do século XVIII. E estas ( 11 11aragibe, e do Novo, no vale do Manguaba, em Porto Calvo, até onde, cÓrno
terras foram doadas por josé de Barros Pimentel, como já registramos. 1111•dcu no caso dos Lins, chegou a influência e domínio dos Mendonça.
. . Há outr~ :ircunstância a indicar. Oengenho do Meio tinha a invocação Figura curiosa essa do Ouvidor Mendonça; natural de Albufeira, .nos
rehg10sa do Espmto Santo, como se verifica da escritura em que o Capitão josé ~ly,.irvcs, Juiz de fora da vila de Odemira, veio para as Alagoas como O~v~dor
de Barros fez doação de terra para o patrimônio da igreja do Senhor do Bom ,,,., .11 e Corregedor da Comarca, cargo que exerceu de 1779 a 1798. Neste ultimo
Jesus. Examinando-se um mapa de johanne Vingboons, baseado em planta do 11111 foi nomeado Juiz Conservador das Matas; essa função só há notícia ter existido
r===
período de ocupação holandesa, encontra-se a localização do engenho Espírito 11.1~ Alagoas e em Ilhéus. -- -- ---
Santo justamente no mesmo ponto do mais tarde engenho BomJesus· bem na Dele vieram a descender os Mendonça.~, que se tornaram senhores de
proximidade do povoado Bom Jesus, do qual deveria ter recebido o no~o nome, 1·11 cnho cm todo o norte da Capitania; senhores de.engenho por herança do
8
e que é a atualmente Vila de Matriz de Camaragibe. Oengenho aparece no mapa I'' óprio Ouvidor, que aos poucos foi substituindo os Lins.' os Wand~~ley, os Accioli,
com o nome de sua invocação religiosa. O que era comum tanto em mapas 11~ Vasconcelos, na propriedade das melhores sesmanas da reg1ao; o Buenos
como em relações e outros documentos. -\Ires o Maranhão, o Unussu, o Carrilho, o Vale~-- - -
onuM pouco de História: o patrimônio do Senhor Bom Jesus de Camaragibe. o Semeador. Maceió, J6 a
' Em seu testamento, que se encontrarw arquivo do Instituto Histórico
29 nov. 1927. tli··Alagoas, deixa as cinco propriedades para os seus filhos, tidosAde .suas ligaç~es
o•>Ms da coleção Bonifácio Silveira publicado na seção "Patrimônio Histórico", da Gazeta de Alagoas, ,1111orosas com Maria Souza Alarcão Aiala, por sinal um caso romant1co dos muito
Maceió.

58 59

L
,., ~o~<
l ~
que a área açucareira alagoana presenciou sempre: "declaro que por fragilidade
de humana aliás fragilidade humana tive de Dona Maria Souza Alarcão Aiala; os
e
Na carta de doação diz que, como Alcaide-Mót repâftidor das ternL<i do
1listrito da povoação de Santo Antônio dos Quatro Rios de Porto Calvo "dou e faço
filhos seguintes", cujos nomes faz desfilar: José de Mendonça de Matos Alarcão doação dêste dia e para todo o sempre em nome do dito sr. a Rodrigo de Barros
Aiala; Jacinto Paes de Mendonça; Bernardo Antônio de Mendonça; Bárbara Pimentel meu sobrinho de hua sorte de terras que está vago cm Tatuamunha
Francisca Xavier de Matos; Maria Josefa Diniz de Alarcão Aiala; Antônio de que parte pelo norte do riaxo das Lages no citio goitizeiro e holhos dagua com
Mendonça Alardo Aiala. hua lagoa de terra que vendi a Antônio Machado de Vasconcellos donde o
E acrescentava, como que justificando-se, o poderoso Ouvidor que se t•mterics1109>. Acarta está datada da ,11a de Olinda aos 28 de maio de 1608.
tomara igualmente poderoso senhor de terras cm Camaragibe: "todos eles existem Odoador, neste documento, refere-se ter sido Rodrigo de Barros Pimentel
e são meus filhos naturais, porque a referida sua mãe se achava no estado vidual ''hum dos primeiros que no Povohar deste Porto Calvo me acompanhou sempre
e conhecendo eu que as Leys do Império pela distinta condição que me compete (' ter mettido nas ditas terras gados e criações e feito cazas e assistir com as suas
na ordem da Sociedade os inhabilitão por meio de sucessão abintestado ... " pessoas e escravos na dita terra". Trata-se de Rodrigo de Barros Pimentel, o
Adescendência do Ouvidor se foi alastrando pela região açucareira do primeiro deste nome.
norte alagoano; estendeu-se por Porto de Pedras, por Porto Calvo, por São Luís do É fácil a identificação, pois sabemos que Rodrigo era filho de Antônio de
Quitunde, através dos novos engenhos que os Mendonça incorporaram ao seu Barros Pimentel, casado com D. Maria de Holanda, por sua vez irmã de D. Adriana,
patrimônio. Transfo1mou-se a família num dos mais poderosos grupos de senhores mulher de Cristóvão Líns. Logo o sobrinho de Cristóvão Lins, o velho, - sobrinho-
de engenho, de donos de terras e de escravos; grupo igualmente de onde saíram afim, aliás - é justamente o primeiro Rodrigo de Barros Pimentel. É a este que
expressões p}2!íticas e intelectuais das mais altas durante o Império e a República Cristóvão Lins se refere na carta de doação.
nas Alagoat.feontinuavam os Mendonça, pelo século XIX em diante, as atividades Odocumento a que nos reportan1os, é do maior interesse péu-a a história
que teriam sido a dos Uns, dos Vasconcelos, dos Acioli, nos séculos anteriores. alagomrn, e não nos furtamos, por isso, ao prazer de transcrevê-lo. Está concebido
Sempre lígados à terra, pelo contacto com a agricultura da cana de açúcar, nestes termos, conservada a ortografia da época:
enriql!_ec_er~-na também, enriquecendo o seu nome, com brasões de nobreza.
!'Vfas voltando aos primórdios da colonização, veremos que, paralelamente Cristóvão Lins Alcaide Mór e Repartidor das terras do Destrito da
à faina de Cristóvão Lins outros engenhos vão surgindo quase todos posteriores povoação de Santo Antonio dos Coatro Rios de Porto Calvo para que
aos seus; uns construídos por descendentes do povoador, outros por vizam que tenho do Sr. Governador e Camp. General de Pernambuco
contef!1Porâneos. Os de Rodrigo de Barros Pimentel, por exemplo. Duarte de Albuquerque Coelho dou e faço adoação deste dia para todo e
Nos primeiros anos do século XVII os nomes de Cristóvão Lins e Rodrigo sempre em nome do dito esr. a Rodrigo de Barros Pimentel meo sobrinho
de Barros Pimente 1 aparecem em uma escritura de doação feita na via de de hua sorte de terras que está vago em Tatuamunha que parte pelo
Olinda. Este documento é da maior importância na história do povoamento do norte no riaxo das Lages no citio goitizeiro e holhos dagua com hua
lagoa de terrn que vendi a Antonio Ma.xado de Vasconcelos donde o
norte das Alagoas. Por ele se verifica que o feudo dos Lins é partilhado, ficando a
em tereis.
parte norte (zona de Pôrto Calvo atual) para Cristóvão Lins, e a sul (zona de
Camaragibe atual) para Rodrigo de Barros Pimentel. OCristóvão Lins doador é o
primeiro desse nome, isto é, o povoador.
ll'JIOOCUMENTO publicado por A. L., no Correio da Tarde, Maceió.

60 61
De lá com a demarcasão que le mandei fazer e meter marco n Hrealmente fez. É à ação de Rodrigo de Barros Pimentel que se deve o
costa do mar de fronte do dito citio ríaxo donde tem çua caza e mora Ih• .lvhncnto da região, erguendo - ele e seus parentes - eng;nhos de açm ;tr,
dito Antonio Maxado e Vasconccllos e pelo sul parte a dita sorte de terr 1111ulo canas, vencendo a grossa mataria então existente. E de conclt11r-sc,
com as de João Graçia Riscado terá oito sentas Braças pouco mais
11l1 qttc nesta época Cristóvão Lins se tenha transferido de Camaragibe para
houmenos e para o sertão o que çe axar vaga entre os mais ereos a quem
tenho dado e vendido nas terras que constarão das suas aduaçõis e 1j1,1 ..tlvo, passando daí para Rodrigo de Barros Pimentel ou seus descendentes
escripturas a real sorte de terras dou e doua ao dito Rodrgio Barros 111 1prll·dade dos engenhos desse vale, o de Camaragibe. Do Buenos Aires, por
Pimentel livre e ezscnta sem foro e sem penção Algua som entes dízimos 111plo, cm que assistia Cristóvão Lins desde fins do século XVI. .
a Deus com todos os seos mattos pastos agoas lenhas mangues e o "riaxo das Lages", a que se refere a carta, deve ser chamado no das
pesqueras assim dorrio como da costa do rnar cm sua confrontasão 1 l• , que antigamente separava os encapelados Quintas e Janga; ele banha o
1 1111,1!10 Lajes, no Município de Porto de Pedras, acima de Tatuamunha. A nosso
tudo a ellc pertencente a coai terra alli-comfrontada lhe a dou por respeito
ser hu dos primeiros que no Povohar deste Porto Calvo me acompanhou 1 , 'Sl' é o acidente citado na doação.
sempre e ter mettido nas ditas teras gados e criaçõis e feito cazas e assistir Em primeiro lugar verifica-se que o rio Tatuam unha deve ter ficado dent~o
com as çuas pesoa e escravos na Dita terra o dito Rodrigo de Barros 11 lri•a doada, e isto pela circunstância de não ter sido citado. Send? o ma~s
Pimentel e esperar dele munto augrnento na dita povoação como dele
111porl;ulte acidente hidrográfico entre os rios Manguaba. e ~amarag1~e, sena
comfio pelo zello que tenho espremcntado nelle do serviço Heal serviço
(e assim poderá fazer da dita terra o que Bem le parecer como cosa sua
1111ural que ele aparecesse citado, ao menos como hm1te; se na~ f~i º,
que já he e fica sendo ade perpetua rey memoria) e sendo que algum r1ltli•iitemente é porque estava o rio Tatuamunha dentro da zona que Cnstovao
tempo tenha duvidas com Antonio Maxado nunca paçará o riaxo das 1tm <loou a Rodrigo de Barros.
laiges para o norte o dito Rodrigo ele Barros e Antonio Maxado nunca Cerca de quatro quilômetros abaixo do atual povoado Lajes desemboca
paçará ao sul o dito riaxo também por que fica para deviza de hu e 1•110 'J'atuamunha, e na sua foz existe o sítio Goitizeiro, onde antigame~~e houve
houtro senhores das elitas terras e assim para firmeza de tudo !e mandei 11 111 ,1 engenhoca de fazer açúcar; e do lado sul houve u~ gr.and~ sitio ~lhos
pasar a prezente carta de aduação por mim asignada e selada com 0 ri 1~11a, hoje subdividido cm vários pequenos sítios (2o>. Estas md.ica~oes locahzam
segnete de minhas armas. Nesta Villa ele Olinda aos vinte oito de maio de
111 1ll'itamentc o limite norte da sesmaria de Rodrigo d: B".1'ros Punente!.
mil ceis centos e oito annos. E eu Pedro Frrz. Lisboa escrivam das Tal conclusão combina exatamente com a referencia do documento, ao
aduações o escrevy. Cristovam Lins estava o selo do scgoete das armas f!\,1r que Rod1igo de Barros "nunca paçara o riaxo das Lages para.º n~rte'', ,~
do alcaide.
q11a1110 ao vizinho Antonio Maxado ''nunca paçara o lado su.I do dito riacho ,
11:1rho que se constitui desse modo a divisão das terras dos dois senhores, como
Acarta de doação acima transcrita, além de outros aspectos que permite
sejam estudados, contribui, também, para se verificar que a repartição das terras il\a a carta de doação. . ..
Dentro dessa área que lhe foi doada, Rodrigo de Barros Pimentel 1111c1ou
visou ao progresso econômico da região. Na terra já Rodrigo de Barros Pimentel
~uus atividades de povoador. À margem do Santo Antônio Grande, ergueu o
metera "gados e criaçõis" e fizera casas; assistia, isto é, morava com suas pessoas
e escravaria. Cristóvão Lins esperava ainda que o doado fizesse muito aumento na
povoação. "'~listas e outras informações sobre aspectos geográficos e econôtllicos de Põrto de Pcd~·~s d<'vemos à
HClllileza do Sr.João cavalca11Li de Albuquerque Lins, age~te de estatística naquele Mun1c1pio, a q11e1n,
nesta oportunidade, agradecemos a magnífica colaboraçao prestada.

62 63

L
engenho Santo Antônio, e outros colaboradores seus levantaram também '.~ de junho, a Manuel Gonçalves, de Olinda. Dois m1os depois, cm 16'~9, l'slc
fábricas de açúcar. 1•ngcnho Rio Formoso já aparece como propriedade de Roland Carpcnll'I' 1.
De certo, o Limite sul da sesmaria de Rodrigo de Barros Pimentel não 1·11gcnho de bois e estava moendo, com noventa tarefas plantadas.
era o rio Santo Antônio Grande; ao que parece ela descia além de Paripueira. O Registra Manuel Caladot22>, que Rodrigo de Barros Pimentel, o velho, foi
seu limite sul era a sorte de terras de João Garcia Rjscado, como refere a carta de o primeiro brasileiro que prenderam nas Alagoas, em 1645 quando irrompeu a
doação. Nenhum elemento ternos quer para identificar esse proprietário de terras 1;11crra da restauração; em janeiro seguinte sofreu tratos cruéis na sua prisão do
nas Alagoas, quer ainda para situar onde ficavam estas terras. Cabe, supor, 111•cife. Porque mandava cartas e avisos foi torturado cm 10 de janeiro de 1646<m.
entretanto, que João Garcia Riscado fosse proprietário entre Paripueira e o rio '\1m mulher D. Jerônima se portou como heroína, trabalhando ativamente ao
Sm1to Antônio Mirim. Essa observação surge do fato de, antes de 16 JO, ter sido l.tdo dos brasileiros.
concedida a Miguel Gonçalves Vieira uma sesmaria que começava, ao norte, no Ademarcação da escritura de 1608, pela qual Cristóvão Lins doou as
Santo Antônio Mirim. Assim, acima do Santo Antônio Mirim deveria começar a 11•rras do sul de sua sesmaria, somente foi feita em 1609, como se verifica de
sesmaria de João Garcia Riscado. 11•spectivo termo<2•1>; foram demarcadores Brás de Araújo e Miguel Rodrigues.
Como já referimos Rodrigo de Barros deu início, nas suas novas terras, "11•sle documento, aliás, se confirma o nome de Povoação de Santo Antônio dos
à obra colonizadora, erguendo à margem do rio Santo Antônio Grande o engenho t)11atro Rios e se reafirma a qualidade de Cristóvão Lins como Alcaide-Mor da
deste nome(2 1J em cujas terras hoje existe a usina Santo Antônio. No período povoação.
holandês, conforme se vê do relatório de van der Dusscn, já aparece o Santo -élíiTípre agora exan1inar como decorreu o povoamento na região das
Antônio entre os engenhos de Rodrigo de Barros Pimentel; é de se presumir prandes lagoas, isto é, na Alagoa do Norte e na Alagoa do Sul.
seja ele o recentemente construído a que se refere o "Breve Discurso". ~iogo Soares da Cunha concedeu o donatário da Capitania de
É de crer que à época do relatório citado estivesse moendo o Santo 1'1•rnambuco os terrenos, onde mais tarde se levantou a vila da Madalena, depois
Antônio. Na relação de van der Dussen aparecem como lavradores Jerônimo da \l,1goa do Sul, Alagoas, e hoje Marechal Deodoro. Diogo Soares permaneceu em
Costa Santa Cruz com 35 tarefas, Maria Vaz com JOe existindo ainda 4 tarefas do l l~hoa, e fez seu procurador a Henrique de Carvalho, que se tomou sogro de
partido do engenho. 1•11 Alho Gabriel Soares. Em fins do século XVI já Alagoas era povoada. Não
Um outro Rodrigo de Barros Pimentel foi também proprietário do Santo luvia, é certo, povoamento regular; tratava-se possivelmente, de alguns dos
Antônio; é o segundo do mesmo nome, filho do primeiro, e que foi também ==~noradores deixados por Duarte Coelho.
senhor do Escurial. Este segundo Rodrigo de Barros casou com Cosma Lins, Ãss"°ioalajaboatão, no seu Novo orqe seráfico, que a 5 de agosto de 1591
filha de Bartolomeu Lins, neta, pois, elo primeiro Cristóvão Lins. Há l111·a feita doação a Diogo Soares, a quem, aliás, chama Diogo de Melo e Castro, o
posteriormente, notícia de Manuel Vera Cruz Pimentel como proprietário do q11t deve ser lapso; essa doação abrangia uma data de cinco léguas de terras ao
1

mesmo engenho. Pelo sobrenome é de acreditar seja descendente do primeiro.


Convém ponderar que na relação dos engenhos confiscados e vendidos
1
1'Al.ADO, frei Manuel. Valeroso lucideno,cit.
cm 1637 figura o Rio Formoso, comprado por Rodrigo de Barros Pimentel, em 'Ili \RIO ou Breve discurso acerca da rebelião(...) R. lnst. ;lrch. Geogr. Pernambuco ,Reclf.c, n. ;2,
.l ll!l7.
11 Ms da coleção Bonifácio Silveira publicado na secção "Patrimônio Histórico" da Gazeta de 11lagoas,
W>LJRA, Ambrósio. O município de Camaragibe. Cidade do Passo, 1881. /1111l'Ci6.

65
longo da costa para o sul, e duas léguas para o norte. Diogo Soares pedira cst:L'l
111 nun Isabel de Albuquerque, e desse consórcio nasceram dois filhos : Vcrnfto
terras para nelas criar vila, adiantando logo que o seu nome sería Madalena. 1r, tia Cunha que, em 1667, era capítão-mor da Muribeca e Santo Amaro de
Afirma Di:L'i Cabra1<2»que Diogo Soares somente chegou à capitania em t hfl il.\o, e senhor de engenho, e D. Beatriz, que professou ~m Porlugal.
1614; encontrou suas fazendas devastadas, acrescenta o autor, e então tomou Este último Fernão deve ser a pessoa a quem Gabnel Soares se refere
medidas para regularizar o povoamento do núcleo que lhe coube.
1111111 testamenteiro e herdeiro de seu primo Diogo Soares. O que não resta
Entretanto, o nome de Diogo Soares aparece nas últimas décadas do ~u\lil:t (1 que os Soares da Cunha, que aparecem como senhores d~ engenho e~
século ).'VI no sul do território pernambucano, como tendo, juntamente com I~ 11 1.unbuco, são parentes - tios e primos, e mesmo um deles pai - de Gabnel
seu irmão Fernão Soares, erigido o engenho Suassuna, em Jaboatão; é o que
··~ informa Pereira da Costa<26>. Não se pode afirmar, com inteira segurança, tratar- tllll'S. li D' "
Esta afimiativa baseia-se no fato de aparecer, segundo o Breve 1scurso ,
se do mesmo Diogo Soares da Madalena; não encontramos, a seu respeito,
11111 André Soares como proprietário de engenhos em Jaboatão, Mur~beca e S.
maiores elementos para uma identificação completa senão os que passamos a l tHll'<'llÇO, sendo os dois primeiros o Gorgaú e o.Penam~uba, os quais ~gura~
apreciar.
; •stamento de Gabriel Soares como tendo sido vendidos por este D10go da
Entre os denunciados em Pernambuco ao Santo Ofício, quando de sua 11!1 •l d -
< nnha 0 primeiro, e ao mesmo André o segundo; ambo: os. compra or:s sao
visita àquela Capitania nos anos de 1593-95, figuram os dois irmãos Fernão e
111111105 de Gabiiel Soares como se pode concluir das referencias por ele feitas no
Diogo Soares. Na denúncia de Agostinho de Seixas, Diogo aparece como solteiro
111,tdo testamento.
e morador no Recife; em outro depoimento, de André Pedro, os dois irmãos são Lá realmente, ele diz: "Declaro que vendi o engenho Penanduba a
referidos como "cristãos novos mercadores 11 <27l. Entretanto, sabe-se que Fernão \udré so~es, meu Primo, que Deos tem", etc.; e mais adiante: "Decla1~0 que
já era senhor de dois engenhos; o Novo, segundo depõe Agostinho de Seixas, e o lllogo Soares da Cunha me comprou o engenho do Grogaú passou hua letra
Velho, este na freguesia de Santo Amaro, como consta da denúncia de Gaspar para ser paga no Reino, sobre seu innão André Soares", ~te. Ainda pelo testamento
Rodrigues.
11.fciido, aparece Diogo Soares, primo de Gabriel, que deixou a.este em test~une~to
Conforme as informações de Borges da Fonseca, nem sempre muito
11111 conto de réis, legado que não foi cumprido pelo herdeiro e testamentetro
aceitáveis, sabe-se que os Soares eram de nobilíssima família de Viana; Diogo e
tlaquele, Capitão Fernão Soares da Cunha. ·- .
Fernão vieram de Pernambuco juntamente com seus primos André e Diogo O papel que coube a Diogo Soares da Cunha na re?1ao ~a Madalena: foi,
Soares. Fernão casou com C!tlarina de Albuquerque, como se lê nas cm parte, 0 mesmo que a Cristóvão Lins coube no no~te, isto e, o de repartlf as
"Denunciações", e dele houve descendência, informada por Borges da Fonseca. terras, fundar engenhos de açúcar, levantar vila, etc. E o que s~ deduz de .uma
Houve, assim, de começo, dois Diogo Soares. É de presumir que o pai concessão de terra, feita em 1611, a Manoel Antônio Duro. Nae~cntura, Hen.nque,
de Gabriel Soares tenha sido o Diogo Soares, primo de Fernão e do outro Diogo, de cai·valho, na qualidade de procurador de Diogo Soares, diz que e ~te d1~ que
o que se pode deduzir em face de referência de que Diogo, irmão de Fernão, 1
este "lhe dava poder para repartir algumas terras pelos moradores e adiante
registra que a concessão é feita para que o doado faça "uma cas~ de s~brado
mic1\BR.\I., João Francisco Dias.Vestígios de uma antiga família estabelecida no território de Sallta coberta de telha na dita povoação do dito Diogo Soares e seu filho, sita em
Maria Madalena da Lagoa do Sul. R. lnst. tlrch. Geogt: Alagoano, Maceió, 2(1 !), dez. 1879. li
11
< •lCOS'li\, Pereira da. Anais Pernambucanos. R.. Histôria de h'!'namhuco.Reclfe,n.8, mar. 1928.
ubauma e isto dentro de um anno .
cmpRJMOIR.\ visitação do Santo Ofício, cit. rcf. 15.

66 67
Uma referência de Melo Morais<2s> nos faz crer que anteriormente a Diogo Entretanto, este engenho Novo não figura no testamento do Alacalcl<'
Soares existissem outros moradores na Madalena, entre eles os irmãos Barbosa Mor; os engenhos citados, além da referência ao Velho, são o Penamduba. Por
Correia de Araújo - Manuel, Francisco e Baltazar. Segundo tradição entre seus ele vendido ao seu primo André Soares, outro chamado Mangue ou Mangre,
antepassados, esses irmãos fundaram os engenhos Terra Nova e Mija Velha, vendido a Diogo de Araújo Azevedo, e Gragaú, segundo me parece no original,
ambos situados em terras hoje do murticípio de Pilar; o Mija Velha é o atualmente ou Progoú, segundo transcreve Bonifácio Silveira, na publicação daquele
Flor da Paraíba. Em 1825 o então proprietário do Terra Nova, Antônio documento. Este último fora vendido a Diogo Soares da Cunha, o qual deve ser
Cavalcanti Correia comprava o Mija Velha a Ana Casado de Lima, que o havia o primo de Gabriel Soares, a quem se refere trechos antes no testamento.
adquirido por compra ao Capitão Gregório Correia da Mota(z9>. Dos engenhos citados, três não se localizaram no território das Alagoas.
- --..;l\fã:õ-ilá tradição de engenhos que tenham sido criados ou fundados nas De um, o Mangue nenhuma identificação completa conseguimos colher. Dos
Alagoas por Diogo Soares. Há, porém, quanto ao seu sucessor e filho Gabriel outros dois, sabemos, com certeza, que existiram no território pernambucano.
Soares, também Alcaide Mor da Vila. É tradição que Gabriel Soares fundou os Pelo "Breve Discurso" encontramos a existência do Gragaú e do
1 engenhos Velho e Novo, considerando-se estas as primeiras fábricas de açúcar Penamduba; aquele situado emjaboatão, este em Mmibeca02l. À época daquele
1
documento, isto é, 1637, o Gorgaú já era pertencente a André Soares, "que ficou
j aparecidas nas terras do litoral-centro do território alagoano, apenàs precedidas,
' em antigüidade, pelos engenhos de Cristóvão Lins, na região porto-calvense. conosco", diz o documento; era engenho dágua e moente. O Penamduba,
também pertencia a André Soares; da mesma fonna estava moendo e era engenho
1 Tradição essa que encontrava fundamentos nos documentos contemporâneos,
inclusive o próprio testamento de Gabriel Soares. dágua. Pelo testamento de Gabriel Soares sabemos que André Soares vendera,
Registra o relatório de Walbeeck e Moucheron<30>, falando do engenho de posteriormente, este engenho a Diogo de Araújo Azevedo.
Domingos Rodrigues de Azevedo, que este o comprou a Gabriel Soares; não lhe Arespeito do Mangue é que nenhuma notícia encontramos. É certo
diz o nome, mas trata-se, evidentemente, do engenho Velho, pois em seu que, ainda seguindo o "Breve Discurso", temos conhecimento da existência de
testamento de 1650, diz o Alcaide Mor de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul: um engenho Moribara, em S. Lourenço. Pela semelhança do nome poderíamos
"Deveme Domingos Rodrigues de Araujo duzentos e cinco mil, novecentos e identificá-los como um só; ou por má leitura do testamento de Gabriel Soares,
secenta reis e mais deveme do engenho Velho, por hua escritura quatro mil e ou por erro de cópia ou impressão no "Breve Discurso". No citado relatório
quinhentos cruzados"<31>. Àépoca do citado relatório (1643), Gabriel Soares era informa-se que pertencera a Gabriel de Pina, foi confiscado e vendido a André
proprietário do engenho Novo. Soares. Não se tratará, acaso, do engenho de Gabriel Soares?
Dois elementos ajudam a aceitação dessa hipótese. O primeiro deles é o
fato de saber-se que Gabriel Soares reagiu contra o domínio batavo, e daí
<18lMORi\ES, Alexandre josé de Mello. Brasil f/islórico , Rio de janeiro, série J> 11. 16, 24 abr.1865. possivelmente ter sido o seu engenho confiscado e vendido a André Soares,
Cl?lMs da coleção Bonifácio Silveira publicado na secção "Patrimônio Hist6rico", da Gazeta de tllagoas, de
Maceió. provavelmente o próprio seu primo, que, como vimos, ficou com invasores. O
c3•1lWALBEECK,Johannes van &MOUCHERON, Henrique de. Relatório sobre o estado das Aalgoas em outubro segundo fato é a circunstância de haver no nome de Gabriel Soares o sobrenome
de 1643. N. fn.st. Arch. Geogr. l'emamb11ca110 , Recife, n.33. 1887. de Pina: Gabriel Soares de Pina.
M() original d.o testamento de Gabriel Soares encontra-se no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico
de Alagoas, de Maceió, e foi publicado na seção <<Velharias>> , da Gazeta de Alagoas, de Maceió,
por Bonifácio Silveira, que o encontrou em cartório da velha cidade das Alagoas, hoje Marechal
Deodoro, oferecendo·o, posteriormente, ao Instituto. (lllOUSSE:\, Adriaen van der. Breve Discurso, cit.

68 69
Realmente a escritura de 1611 em que Henrique de Carvalho, como
procurador Diogo Soares, doava sesmaria a Manuel Antônio Duro, diz: "o dito
Diogo Soares em seu nome e como tutor de seu filho Gabriel Soares de Pina ... '',
"em nome do_dito Diogo Soares e de seu filho Gabriel Soares de Pina"m>,
-- --õ que se pode esclarecer, indubitavelmente, é que os três ex-engenhos
de Gabriel Soares se localizaram em território pernambucano; dois, os mais
conhecidos_, se situavam nas Alagoas.
OVelho já hoje não existe, nem poderia existir; transformou-se, evoluiu
,, e hoje é cidade: a cidade do Pilar. Uma carta do Dr. Manuel Veríssimo da Costa
I>
Pereira dirigida a Dias Cabra1c·H) e conservada no arquivo do Instituto Histórico
de Alagoas esclarece que o engenho Velho fora edificado sobre a fralda de um
monte chamado "Urubu", em lugar ocupado atualmente por uma rua da cidade,
denominada engenho Velho. Adianta o missivista:
Nas terras do engenho Velho novos engenhos foram criados, segundo
registra Craveiro Costa; subdividindo as primeiras terras aparecem os engenhos
Pilarzinho, Pilar, Grajaú de Baixo, Grajaú de Cima, Lamarão <rn. lJ111 lrecho de canavial em Porto Calvo.
Na lista dos portugueses que residiam nas Alagoas em 1643,
acompanhando o já bastante citado relatório de Walbeeck, vê-se que Gabriel
Soares era senhor do engenho Salgado ou Novo; assim podemos considerar
ainda existente em nossos dias aquela fábrica de açúcar do antigo Alcaide Mor
da Madalena, pois perdura no Pilar o engenho Novo. É certo que Borges da
Fonseca<36> registrava um Francisco de Barros Pimentel, filho de José de Barros
Pimentel, capitão-mor de Porto Calvo, como senhor do engenho N(!vo das Alagoas
e coronel das ordenanças da mesma Vi~~el comprado o
engenho aos heraeiros de Gabriersoares? Ou teria havido dois engenhos Novo -
l um nas Alagoas e outro, o ainda existente, no Pilar? Considero mais provável a
l~ hipótese.

11
(' ESPÍ:\'DOLA, Thomaz do Bomfim. Geografia alagMna(..) 2. ed. rev. e aum. Maceió, 1871; MS no
arquivo do lnst. Hist. Geogr. Alagoas.
t~lDOCIJMBNTO n.1229, do lnsl. Hist. Geogr. Alagoas.
!•;)COSTA, Craveiro. O município do Pilar. R. Ensino, Maceió, 4(21) maio-ago.1930.
0 61
FONSECA, Antônio josé Vitoriano Borges da. Nobilarchia pernambucana. Rio de janeiro, 1935.
Vlala da Cidade de Porto calvo, uma das mais ricas regiões açucarelras das Alagoas.

70 71
Econsidero-a porque, em uma escritura de 1814, D. Maria josé Acioli
,, ,1 a joão César Bezerra Camelo o quinhão que possuía no Eng<•nho Novo,
1 110111inado Nossa Senhora do Rosário. Acrescentma 4uc ha'via rccchillo o
111~·1•11ho por herança de seu avô, Coronel Francisco de Barros Pimr11tcl e sua
11111lhcr, D. Antônia Maria de Moura<m. Tanto o nome do engenho (Novo) como
lmocação religiosa (Nossa Senhora do Rosário) , coincidem com o engenho
li 1:;1hriel Soares, o que permite aceitar seja um mesmo e único.
Afigura-se-nos assim ser este engenho o mesmo que Gabriel Soares cita
1111 '1\'ll testamento sem dizer nem a quem o deixa, nem qual o nome. Apenas
11 lt'n• no começo do documento, que "estando já feita a capella no Engcnl 10 que
111 1faço e onde moro, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosárioº. Quando
h' M'll testamento Gabriel Soares estava edificando um engenho; a casa-grande
1.1 1·~tava pronta, nela morava; construía no momento a capela, e nela queria
, p11ltar-se se ficasse pronta antes de sua morte, assim não sucedendo
'' 1omendava fosse enterrado na Igreja Matriz da Vila.
Pode-se também admitir que o engenho por ele referido como estivesse
f 111•11tlo o mesmo Novo já existente em 1638, com a invocação religiosa de Nossa
1·11hora do Rosário. Ainvocação é a mesma, e não conhecemos outro engenho
1111 l'ílar tendo a mesma santa como padroeira. É aceitável assim uma dessas
lilpOtcses: ou Gabriel Soares estava, quando redigiu o testamento, remodelando
11 primitivo engenho, ou estava an1pliando-o e concluindo-o, o que não é difícil)

11111slderando-se sobretudo, os prejuízos - incêndios, destruições, etc. - trazidos


pd.t invasão holandesa.
-=--=== Gabriel Soares deve ter morrido entre 10 e 23 de abril de 1660; seu
11•11tamento .tem data de 1° de julho de 1658, e nele se encontra a certidão do
Capela do e~genho "Buenos Aires", em Passo de Camaragibe. Da casa-grande
restam os alicerces, que se veêm ao fundo.
p.1gamento ao vigário das missas mandadas dizer, certidão essa datada de 1660.
11:1 também um "cumpra-se" de 23 de abril de 1660. Em 10 de abril ainda estava
1 Ivo, pois, nesta data, revogou parte do seu testamento, conforme documento

1'Is tente no Instituto Histórico de Alagoas. Esta revogação é assinada "nesta minha
t .11a e engenho ynvocação nossa Sra. do Rosário".

'M~ da coleção Bonifácio Silveira publicado na secção "Patrimônio llistórico", da Gazeta de Alagoas.

72 73
~N3~ \1~31011818
1Y:IO

Se bem que diga no testamento estar "doente de cama de moléstia que Toda,fa, parece que a aldeia se erigiu antes daquela data, pois cn 1 161 ~
Deus foi servido darme", sabe-se que Gabriel foi uma das vítimas principais da Ulo~o Soares pediu e obteve a permissão para fundar outro aldeamento, é o qt1l'
sanha holandesa nas Alagoas em 1639; a ele, Sebastião Ferreira, morador no Rio 1111·, 111forma Dias Cabral (~ii . A aldeia ainda eÀistia em 1749, nela mor:mdo
São Miguel, e a Manuel Pinto, lavrador de canas, o sargento-mor Mansfelt e o ldlglosos capuchos de Santo Antônio(42>. Ainda pelo que informa o memorial
escolteto Arnout van Liebergen mandaram tratear cruelmente, "pondo-lhe fogo , 11.1tlo, sabe-se que Gabriel Soares vendeu meia légua dessa aldeia aos índios em
debaixo dos pés, de que ficaram aleijados, e a poder de dinheiro com as vidas"; 11111·;1de determinada quantidade de lenha, cada ano e de trabalhos nos engenhos
é que refere frei Manuel Calado(3s). 1ln 1t•11dedor.
Voltando aos primórdios do povoamento das Alagoas, verificaremos que Mais tarde Cristóvão Berenguer mandou vender esta terra, de que se
em 1611 Henrique de Carvalho, como procurador de Diogo Soares, fazia doação 1k1 larava senhor "por dote de casaqiento", comprando-a de Gaspar de Araújo,
1
til de sesmaria a Manuel Antônio Duro, morador nos limites das Alagoas, de 800 11111• situou em Santo Amaro um curral de gado. O "dote de casamento", a que
braças de terra por costa na _!>a~ssara, 400 braças ao norte e 400 braças ao sul; 11h11lt• Berenguer, proveio de seu consórcio com a viúva de Gabriel Soares. O
servia de referência a casa de telha que o dito Manuel Antônio Duro possuía na 1 1 .1111ento de Berenguer com D. Florência se verificou antes de 17 de abril de
Pajussara. Para o sertão a sesmaria estendia-se por todo a terra que houvesse 11i1i1J; nesta data Cristóvão assinava termo como irmão de Misericórdia em OlincL'l,
até entestar, na Alagoa do Norte, o rio que para ela sai(39). O rio é o Mundaú. ih lc• consta ser casado com D. Florência de Andrade<43).
Diogo Soares abria mão de quase metade da área que lhe coubera; a sua Ofato é que da venda feita se originaram "muita perturbação, moléstias,
sesmaria ia de Pajuçara até o porto do Francês, como se deduz das concessões t11 .ordens, motins". Apesar de h1do os índios sempre conservaram a posse de
por ele feitas. Com a concessão a Manuel Antônio Duro ficou ela apenas com a \ .uws, pois El- Rei "mandou informar e pôr a salvo aqueles índios na posse de
parte sul de sua primitiva terra. Esta parte mesma, ele a subdividiu a seguir. 600 111" lt•rras"<44>,
braças para parte de Sumaúma e Taperaguá, e outras 600 para a parte das Assim, seria possível concluir que o memorial data de 1687 mais ou
Pedreiras, formando meia légua de terras, Diogo as doou à Igreja de N. Sra. da oc 1111s. Entretanto, é certo ser posterior a esse ano; no documento se refere que
Conceição, doação essa que, por escritura de 1656, Gabriel Soares confirmou. ~11wmador Caetano de Melo e Castro os mandou situar sete léguas mais para
Fora feita a mesma por Diogo Soares para que se levantasse a vila. 111 ;ta dentro. Sabemos que Caetano governou de 1693a1699; logo, é evidente
Outra concessão feita ainda por Diogo Soares foi a de terras para a fundação ~tlt' 11111cmorial é posterior ao seu governo, ou de ano em que ele ainda governava.
de uma aldeia de índios, requerida ao governador Alexandre de Moura pelo 11 111t·111orial se lê de "1636 para 1637"; quer nos parecer que deve ser lido
procurador Henrique de Carvalho. Esta aldeia se erigiu em Santo Amaro, em local Ili% para 1697".
próximo aos palmarinos. No memorial que os índios de Santo Amaro fizeram a El- Pelo relatório de Walbeeck acompanhamos outras concessões feitas por
Rei<40>, assinala-se a data de sua criação na era de 1614, sendo a fundação da aldeia ltl111•11 Soares. Entre o porto do Fancês e a ponte do rio Cabaúna (deve ser
iniciada por Gabriel Soares "que.
então morava na mesma terra' fabricando fazenctas
e engenhos". Os índios serviam de obstáculos aos negros dos Palmares.
1111 M hlrm, 2(11) dez. 1879.
1 l •tllMAÇÃO geral da Capitania de Pernambuco (1749). Rio de janeiro, 1908.
t~8>CALADO, Frei MantWl, Op. Cit. MI\ IS IA lilSl. Arch. Geogr. Pernambuco, Recife, 3 (!) 1865.
""A escritura está transcrita na Geographia alagoana, cit. ref. 33. 1)~e li :s, circunstanciadas sobre diversas aldeias e missões de índios(...) R. Inst. Arch. Ceog1: Alagocmo,
411
< >REVISTA lnst. Arch. Geogr. Alagoano, Maceió, 1(4) jun. 1874. M1rh\, l (11) dez. 1879.

74 75
Sumaúma) foram dadas terras a Gonçalo Ferreira, Gonçalo Fernandes e Francisco h Uf nga hoje Usina Central Leão, desapareceu
Martins, terras estas que passaram para os holandeses por se haverem os i1ue absorvido pelo engen o d1 d' . nossas coni· eturas.
t ve·amos até on e po em tr ·
proprietários retirado com a invasão, segue-se a região concedida à Igreja; vem llllllpletam_e~ e. .1 . . _ ~ a vila nem 0 engenho; seu filho Diogo
depois outra meia légua pertencente a Belchior da Costa; a seguir aparece a Miguel Gonçalves V1e1Ta nao e~ b ·1 de 1610 doava uma légua cm
sesmaria de Antônio Fuentes, de 600 braças, e a de Simão André de meia légua; 1,unçalves Vieira, por e~crit~ra .de 13, ef ~ n dito eng~nho dentro de quatro
A Martins Ribeiro para azer o
• e.
estes dois proprietários se retiraram, e Gabriel Soares pretendeu reaver essas 11uadra a Antomo . M'irtins já era morador, tem 1e1to
mos, e acrescentava a escritura que o mesm ~ também estava fazendo o dito
0
terras, a título de credor. Aseguir encontra-se meia légua doada ao capitão Manuel
i.tsas, estava fazendo a vila e povoando a terra.
de Magalhães, que ficou obediente aos holandeses, e após 600 braças de Pedro
1·11gcnho~ ~. _
46
1 Gonçalves, que se ausentou. Daí pra cima, Diogo Soares reservou terras para sl. . • • • ·nforma Borges da Fonseca, que era
. A respeito de Martm~ ~be~ro, fitlha de Fernão Velho de Araújo, também
'" A parte setentrional da lagoa do Sul foi dividida entre várias pessoas.
lmrtuguês e casou com Branca e gmar, Ol1'nda e outros no engenho
\Vejamos agora as linhas que seguiu o povoamento na região da lagoa do · Rib · alguns anos em
Norte ou Mundaú. português. Viveu Martms e1r0 m Olinda em janeiro de 1622;
, ilhcr de Ribeiro morreu e , .
~ Gonçalves Vieira concedeu Jorge de Albuquerque Coelho as Garça 1orta. 0 ra, a mt , .á existia e como concessão a Martms
/Ícrras d~-l~~;;d~ Norte; abrangia a sesmaria desde o rio Santo Antônio Mi rim assim o engenho Garça Torta a ~staepoca )'este engenho se tenha erigido entre
até Pajuçara, onde começava a de Manuel Antônio Duro. Eram cinco léguas de lilbeiro data de 1610, é de acreditar-se que ·-
' . r o desta regiao
1610 e 1621. Tor~a;~e.::~ 7 ~~~~:;c~~cita três enge~hos na Lagoa do ~o~te:
1
; larg~
~ __...- Miguel Gonçalves Vieira, em 1593, era provedor da fazenda dei-rei, e, No seu re a on
6 d Abreu e o de Antônio Martins Ribeiro.
segundo se depreende de declarações de Agostinho Seixas perante o Santo Oficio, o de Huybrecht eJacob Cloet, o de.Lucas e. n os ta de 10 ou 12 famílias de
fora lavrador de Belchior Luís, senhor de engenho em Jaboatão. Acondição da o primeiro ficava à vista da Al~~ta M~:~\J..,~~~p\br~u somente tinha de pé a
concessão - a mesma exigida a Diogo Soares e, possivelmente também, a indios, e só tinha a casa de purgar.D d: ~beir~ informa que embora esteja
Cristóvão Lins - era repartir as terras com os moradores e fazer vila, além de <'apela, e seu dono es~ava ausdenr ~ 1o oer esperando-se, porém que moeria
um engenho de fabricar açúcar. ludo acabado, ainda nao se po e aze- o m '
Em 1610 já se estava fazendo a vila e levantando-se o engenho de açúcar. dentro em breve.· - e assma . 1ava orelato'r1·0, e1·a' proveniente, sem dúvida, da
É o que revela a escritura que, em abril desse ano, fez Diogo Gonçalves Vieira - Adestrmçao qu
1 d que encontrou na agoa
1 do Norte heróica resistência em D.
concedendo uma légua de terra em quadra na ribeira do Mundaú a Antônio cxcursao 110 an esa 1 pes Filgueiras. No mapa de Bar1cus,
A •

Martins Ribeiro. Maria de Sousa, s~us filhos e ~~nro Ant~mo n~ margem ocidental do Mundaú: o
Avila foi povoado de Santa Luzia do Norte, já constituído em freguesia de 1645, são assmalados tres engen ;s A" da que é o Mundaú, e o de Nossa
em 1654Hs>, e somente tendo a categoria oficial de vila em 1830. O engenho ... Santo Antônio, o de Nossa Senho~a a '~ m'c'tpela Ode Martins Ribeiro é o
- 11 dos tres possma ' ·
este teremos maior dificuldade em situar. Contudo, parece-nos que foi Garça Senhora da Encarnaç~o. o - de van der Dussen; à época desse relatório
Torta, à margem do rio Mundaú, ainda existente em fins do século passado, e último, conforme se verificada relaçao, . a capela do Mundaú, então
moia e tinha plantadas 41 tarefas; e ce1to que '

<~ >JDEA da população da Capitania de Pernambuco e das suas anexas (...) Rio de janeiro, 1923.
1

-
N - -----:- .
íol REVISTA ,,
lnst. Arch. Geogr. ruagoan 0 ' ~hceió
' ' J (2) jun. 1873.

76 77
engenho Nossa Senhora da Ajuda, já existia cm 1613, como se deduz da \l:ii:oas, contíguas ao engenho Nossa Senhora das Mercês, pelo rio Mumlaii.
inscrição existente na entrada, encontrada pelo Dr. Leite e Oiticica<11>. 1 111·m-se outras concessões: uma de 10 de outubro de 1705 a joão C~úhelros 1·
Um dos mapas que acompanham o Livro que dá Razão de Estado do ~111 hl Amorim Barbosa e seus herdeiros, na extensão de sete léguas, pelo no
4
BrasiJ<sJ assinala Santa Luzia como vila em 1611; não nos parece senão uma M1111daü acima das cabeceiras do engenho Garça Torta; uma de 1Ode oumbro
referência sobre o acliantamento da povoação, e nunca uma categoria oficialmente 1tr 1707 a Manuel Rodrigues Calheiros e Ana Deolinda e seus herdeiros, de sete
concedida, o que só sucedeu em 1830. Também não é verossímil a lenda de h i•11.1s em quadra pelo Mundaú acima da parte leste das cabeceiras da sesmaria
Gabriel Soares, no seu "Tratado11, de que a vila de Santa Luzia fora fundada por , n11rl'dida a joão Gomes de Melo e Manuel Rodrigues Calheiros.
um cego; lenda que Almeida Prado<49> admite. Nenhuma tradição alagoana refere- Destas concessões a primeira notícia de engenho que aparece, é a do
..'"u se a esta lendária fundação; e as referências por nós acima coligidas, deixam t 1whoeira, quando em 17 de junho de 1725 Manuel Rodrigues Calheiros arrenda
bem ~laro a fundação da vila - vila no sentido de núcleo de população - se ter 1111·tade desse en enho a Antônio Melo; este era genro daquele, como se vê na
dado a época em que Diogo Gonçalves Vieira fazia concessão de terra a Antônio ,. ,1 rilura Conclui-se, pelo documento, que em 1725 já existia um engenho no
Martins Ribeiro. 1111' ,d onde está hoje o povoado Cachoeira. Seria este, provavelmente, o primeiro
Parece ter sido lento o desenvolvimento econômico e social da região. 111~:1•11ho do lado esquerdo do Mundaú. Outros se seguiram espalhando-se pelas
?s vales, realmente, eram ricos; as lagoas eram alimentadas por dois rios lh1.1s mar~~
1mpor:antes - o Paraíba e o Mundaú afora outros de menor vulto: o Remédios, Aeste Gomes de Melo deve-se o povoamento da margem esquerda do
Sumauma, Salgado, etc. No vale do Paraíba ergueram-se os engenhos de Gabriel M11ndaú. O tronco da família vem de Antônio Gomes de Melo que, segundo
Soares e seus sucessores e contemporâneos no povoamento; no do Mundáu 1tilorma Pedro Paulino(so), pelos anos de 1730 veio estabelecer-se com seu irmão
coub~ a Martins Ribeiro, com a ajuda de seus contemporâneos, iniciar a obra 111:1<> Gomes de Melo, nas Alagoas, onde haviam obtido para si e seus descendentes
colonizadora. 111wdiatos o domínio de quatro léguas de terras à margem esquerda do rio
O pro?1·esso do vale do Mundaú somente vai registrar nos princípios do ~11111daú. Esta sesmaria limitava-se assim: a partir da confluência do ribeiro
século XVlII. E quando, extinto o quilombo dos Palmares, cessam as correrias \11l1ba com o Mundaú, extremo norte das terras de Diogo Soares, ia rio acima
dos negros, e começam a ser distribuídas as terras marginais do rio. Até fins do 111• encontrar as terras do aldeamento do Urucu, ficando-lhe fronteira, do outro
século XVIJ as concessões, determinantes do povoamento da região, se vão fazendo l.1110 do rio, as terras de Domingos Jorge Velho. Até estas antigas terras do paulista,
nas _mar~ens das J~go~, e se avançam pelas ribeiras do Mundáu, não chegam 11~ descendentes dos Melo e Calheiros se foran1 espalhando, ocupando também
senao ate as imed1açoes do local onde existe atualmente Central Leão em ,1111ar~ rio.
UtJnga. ' ' Convém notar, entretanto, que já anteriormente à data citada por Pedro
A 8 de janeiro de 1700 uma carta de sesmaria concede ao Capitão João l'aulino1 isto é, 1730, como do estabelecimento dos Gomes de Melo nas ribeil'as
Gomes de Melo e Manuel Rodrigues Calheiros e seus herdeiros duas léguas nas do Mundaú, havia doação da sesmaria a um deles. É o que vimos um pouco
.1! r(is ao referir que em janeiro de 1700 foram concedidas duas léguas de terras
«•JL.EITE E OJTJC!CA. Memorial hiographico do Comendador José Rodrigues l.eile Pitanga. R. /nst. Arch. .10 capitão João Gomes de Melo, que, aliás, já desde mais de trinta anos residia
Geogr. illagocmo ,Maceió, 6 (2) abr-jun. 1915 e segs.
43
< >Ms existente no Instituto Hislórico e Geográfico Brasileiro.

< ~>~~~~~mA PR·\00, João Fernando de. Pernambuco e as capitanias do norte do Brasil. 1. 2, São Paulo,
4
•'''llONSECA, Pedro Paulino da. Dicionário histórico, geográfico (. ..) das Alagoas, ms, do acervo do
lnsL llist. Geogr. Alagoas.

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na região, tendo sido Capitão da Companhia de Infantaria de Ordenanças da \ 1.11111celos Calheiros, fundou o engenho Cachoeira do Mitim, e seu filho jwlo
freguesia da Lagoa do Norte, onde foi substituído, a 20 de dezembro de 1672, por 11111\t:l de Vasconcelos foi o fundador do engenho Itamaracá.
Sebastião Dias, o futuro herói dos Palmares<> 1J. Assim, ou houve truncamento Éainda Pedro Paulino que nos dá uma notícia acerca do engenho Garça
de data em Pedro Paulino, ou se tratava de suposição do velho historiador que, lhrln, que, segundo vimos, tem foros de ser o mais antigo da região. Afirma ele
de certo, não conheceu a carta de sesmaria de 1700. 11111• Antônio Gomes de Melo, parente dos Calheiros, arrematou o engenho Garça
Ainda segundo as notas de Pedro Paulino<52>, podemos acompanhar a lbrht, situado à margem do rio Mundaú, defronte do Utinga. Este engenho por
criação dos engenhos, deLxando de referir algumas fábricas por verificarmos 11111hos anos estivera abandonado em virtude dos freqüentes assaltos dos
engano do autor, cm face dos documentos mais recentemente conhecidos. p.1h11arinos capitaneados pelQJ?rópriQ_Zumbi.
Antônio Gomes de Melo arrendou o engenho Cachoeira, como vimos; este passou Enquanto~o norte - a de Porto Calvo - e na região centro - ~das
depois a ser designado Cachoeira do Regente, e seu nome provém da Íotalização l.i~toas: A.lagoa do Norte e Alagoa do Sul - o povoamento se processou atraves da
junto ao salto que o rio oferece na sua proximidade. Ocapitão joaquim José de 111mlação de engenhos de açúcar, já o de Penedo tem origens diferentes. Seu 1\
Melo torna-se senhor do engenho Grajaú, Carlos Rodrigues Calheiros fundou o 11111damento se baseia na defesa do sul da capitania .de ~uart~ CoelhV-~Fof-llie \ \
engenho Pratagi, à margem do riacho do mesmo nome, e situado duas léguas 11.1do o feito de arraial fortificado; era o ponto mais d1stanc1ado da sede da f
além do Mundaú, entre este rio e o litoral. 1 ·'111tania, e também o limite desta. Daí a necessidade de constituí-lo núcleo de

Aum português, Joaquim Pereira Rosa, casado com D. Ursula Rodrigues 1lt•fcsa do extremo sul, preservando os colonos mais expostos, ali em outras
Calheiros, deve-se a fundação do engenho Pau Amarelo; um filho do casal, de p.trlcs, aos assaltos dos indígenas.
nome Manuel da Rosa Calheiros, fundou o engenho Rocha, quase à margem da Parece fora de dúvida que os primórdios do Penedo se devem a Duarte
lagoa do Norte, próximo a Fernão Velho. Do consórcio de Manuel Joaquim com <oclho, primeiro donatário, quando de sua visita ao rio de São Francisco, em
Ana de Melo Rocha, filha de José Gomes, do engenho Mundaú, nasceram vários 1•poca ainda não precisamente esclarecida, em \j_rtude da ausência de documentos
filhos, entre eles o de nome Jacinto Pereira da Rosa Calheiros, bisneto de Antônio pie permitam mais minucioso exame do assunto. Infelizmente, nas próprias
Gomes de Melo, que fundou o engenho Rio Largo, pouco acima do Cachoeira; 1 .1rtas de Duarte Coelho não se encontram referências a suas viagens ao rio de
sua transformação foi notável e é hoje uma cidade com o mesmo nome do ,,\O Fnmcisco. Restam conjeturas a tirar, particularmente das suas cartas
\ antigo engenho. Os engenhos Riachão e Bomjardim foram fundados por João ronhecidas.
Gomes Calheiros; o Riachão fica um pouco arredado do Mundaú, enquanto o Verifica-se, por exemplo, que em carta de 27 de abril de 1542, o donatário
BomJardim fica à margem esquerda. 1k~ Pernambuco fala nos preparativos de uma jornada, de cujos resultados,
ASalvador Pereira da Rosa, português, casado com D. Adriana Rodrigues 1·ntretanto, não há informações cm outras cartas posteriores. Nestas, contudo,
Calheiros, se deve a fundação do engenho Utinga, uma légua abaixo do fala com mais segurança a respeito dos portos existentes ao sul do Cabo de Santo
Cachoeira; é hoje a Usina Central Leão. Manuel Clemente, filho de Luisa Agostinho, das distâncias de Olinda para o sul, o que parece indicar m~lhor
ronhecimento do território. Pode presumir-se daí que Duai·te Coelho nesta cpoca
jú conhecesse o sul do seu feudo. É o que se pode apurar das cartas de 1516 e
11
llREVlS'I'.-\ lnst. His1. Alagoa.~. Maceió, 16 (59) 1932. 1549.
"'ll'ONSECA, Pedro l'<mlino da. Linhagem da família alagoana -gcnçalogia Calheiros de Melo, doe. n. 12
12, do lnst. Hisl. e Geogr. Alagoas.

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11111.1~ regi~\sua existência foi mais modesta, talvez em condições precárias,
Baseando-se em data que teria lido em antiqüíssimo manuscrito do
1111 irl11de da excelência dos terrenos para pastagem, criando-se desde logo. 11:1
convento de Jgaraçu. o cronista alagoano josé Próspero da Silva Caroatá<' 1> admite
111·!.10, uma área de economia pastoril que, aliás, beneficiaria enormemcntt' ;tli
o ano de 1555 como o dessa viagem; o que é, evidentemente, lapso do Autor na
1111ullções de vida da capitania duartina. É que toda esta se abastecia em grande
leitura dos algarismos. 1555 seria verdadeiro anacronismo, pois Duarte Coelho
1 .tia do gaQQ_wstente na região são-franciscana do Penedo.
faleceu no ano anterior (1554); seria admissível J535 ou 1545, parecendo-nos Depois da primeira visita de Duarte Coelho, Penedo caiu em decadência,
preferível esta última data, cm face do que já deduzimos das cartas do donatário.
1111w11te vindo a reanimar-se nos fins da segunda metade do século XVI. Aliás,
Esta data- ade 1545-é aceita também pelo mais profundo conhecedor
/111il11 o território alagoano veio a conhecer progresso a partir das bandeiras que
dos fastos pcncdenses: o cônego Teotônio Ribeiro. Em MSS seus, que tivemos
1 '1111lsaram os caetés do litoral. É quando começa a regularizar-se o povoamento
ocasi~o de ler,~ ilustrado sacerdote registrou a seguinte conclusão, a que chegou
fio aluaUerrit@o...d_~a_g~Portanto, depois de 1560. Inicia-se a concessão
~e?~1s do coteJO entre o que havia escrito anteriormente e o que encontrou
111• sesmarias, e na região do Penedo são elas a de Filipe de Moura, a de Belchior
medito em vetustos manuscritos de vários arquivos que examinou e estudou:
\hares Camelo, a dos Rochas, de onde brotariam os Rochas Dantas, por longo
"10 de outubro de 1545 -Transpôs pela primeira vez a barra do São Francisco,
11•111po senhores do Rio de São francisco, como os chamou o Livro que Dá
Duarte Coelho Pereira, deLxando iniciado um povoado para trás da rocheira ou
penedo"(54) :...... 11.1ião do Estado do Brasil.
Dos Rochas encontra-se notícia de sua presença no Rio São Miguel, nos
Apesar do propósito que determinou a fundação do Penedo, não foi
1 omeços do século XVII, em correspondência do Rei para o Governador D. Diogo
estranho à região o plantio da cana de açúcar. O imperativo econômico da
llolclho. Por carta de 30 de agosto de 1606, fica-se sabendo que joão da Rocha e
co~onização era a construção de engenhos de açúcar. Se ele se cumpriu
'-lt·hastião da Rocha, naturais de Viana, viviam no Rio São Miguel <5;i.
amm~damente na região de Porto Calvo, na de Camaragibe, na das Alagoas,
Notícias antigas registram os nomes de João da Rocha Vicente e seu
havena de levar-se a efeito ainda na do Penedo, se bem que com menor
1 wmro Sebastião da Rocha Dantas - que podem ser, aliás os mesmos indicados
, intensidade ~ E quiçá'. ~cm entusiasmo, logo cedo desanimando e dando lugar às 11:1 carta do Rei, acima referida - como os primeiros povoadores do Rio de São
fazendas de gado, Jª em grande número nos começos do século XVII e l•rnncisco. Admitem as crônicas que eles defendiam os caminhos dos assaltos e
pasticular.men.!~_~rante o domínio holandês':
lurtos que faziam os gentios ou os negros aquilombados; e também acolhiam os
.~que na região penedens~, que assim podemos chamar toda a
area alagoana ao sul do rio São Miguel, houve engenhos de açúcar. Não tiveram tmnseuntes que passavam pelo São Francisco(56l.
1 , o desenvolvimento e a prosperidade que coroaram a economia açucareira nas
Aprimeira sesmaria de que há notícia tenha sido concedida na margem
nlagoana do São Francisco é a de joão da Rocha Vicente, em 1596. Estendia-se
11111a légua para o norte e outra para o sul, e quatr~ para o sertão na ~stacla do
reguengo de Jorge de Albuquerque. No ano seguinte foram-lhe doadas mais duas
<HlCAROAT.~, José Próspero Jeová da Silva. Crônica do Penedo. /?. /nst.Arch. Geogr. .1/agoano Maceió
1 (1) dez. 1872. · ' ' l('guas. Em 1600 recebia outras duas léguas, estas nas cabeceiras da sesmaria
<>·üós M:i~ do cônego Teotônio Ribeiro, valiosíssimos para o estudo da história alagoana, e em particular
da regiao penedense -inclusive um vocabulário de termos regionais da área são·franciscana. encontram-
~e e~ .poder do pro~essor Leônidas Sousa, o conhecido professor Lula, do Penedo, diretor da escola São •"lCORJ{ESPONDÊNCIA de D. Diogo Botelho. R. Inst. Geogr. Brasileiro, Rio dejaneiro, 1. 73 I" parte, 1910.
rarc1s10.' que gen11lme111e me facultou a sua leitura e exame; daqui, os nossos melhores 11•l(JOCUMENTO de 10 nov. 1655, R. lnst. Arcb. <leogr. .4/agMno, Maceió, 1 (1) dez. 1872.
agradcc1mcntos ao professor Lula, uma verdadeira crônica viva do Penedo antigo.

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de D. Filipe de Moura, que também tivera terras na região alagoana da margem ,,,. 111·ccndiWJ o atual território de Coruripe) cm 1774, como se veda "Ideia da \
do São Francisco; a nova data dos Rochas já era vizinha do Rio São Miguel. 1 1111il.1çao da Capitania de Pernambuco"; nas demais freguesias nao hmb
Completava1 ou formava, uma larga sesmaria. 111·1 nltos. Apartir desta época começam a crescer os engenhos nos vale~ do
-1-0f engenhos vieram a criar-se nas vizinhanças do rio Coruripe e do l n1 mfpc e do Poxim, caindo em decadência ou transfonnando-se em fazendas
Poxim; esta área tornou-se açucareira, servida por excelente e rico vale: o do lt 1•,.1tlo os do Peuedo_. - -
. ~oru~1ais para d.entro, penetrando o sertão, começavam as terras de Belchior Nos começos do século XIX, Penedo possuía 250 a 300 fazendas de gado,
Alvares Camelo, fit,'llra célebre na história pernambucana do século XVII. Sabe- o·1111do informação que se colhe nas Cartas de Vilhena<ss); quanto a engenhos,
se que foi capitão-mor e alcaide-mor da Vila do Rio de São Francisco (Penedo), , 11•scentava, que havia "alguns Engenhos de assucar, se bem que de menos
•• onde possuiu grande data de terras, e serviu como familiar do Santo Ofício 1111sldcração". Continuaram assim os engenhos penedenses. Entregues à cultura
embora não se saiba em que tempo<m. Foi ainda o doador elo terreno onde se' du ,tt'l'OZ no vale do Marituba e do Boassica, à pesca no rio de São Francisco e
~J 1
edificou a primeira igreja de N. S. da Penha, no Recife. r11s anuentes, à pecuária nas fazendas de gado, seus habitantes não se prenderam
Na descrição de Verdonck não se indicam engenhos na região penedense, 1111onocultura do açúcar. Esta, na região de influência penedense ou do rio de
l• tida entretanto como rica em outros produtos: gado, bastante farinha, muito .111 Francisco, se concentrou mais no vale do rio Coruripe, onde encontrou
peixe, fumo, pau-brasil, âmbar. Contudo, fazia-se açúcar, embora pouco. Outros l 1t ~dinento, multiplicando-se os engenhos e erigindo-se, mais tarde, uma usina.
relatórios holandeses silenciam igualmente quanto a engenhos na região do É o engenho o centro da constituição social das Alago~to 1
Penedo, donde se pode concluir que ou não existissem, ou, existindo, fossem de tll' tocla a área açucareira do país. Nele se agrupa o elemento humano, seja o \
pequeno valor. Talvez algumas desvaliosas engenhocas. p111vcniente dos grupos indígenas, seja o originado das importações de escravo
Foi no decorrer do século XVH que se alastrou o povoamento da regíã9, 111').(l'O; nele o português é a figura dominante, porque em torno do lusitano se
e criaram-se engenhos de açúcar; os vales do Coruripe e do Poxim prestavam-se 11111stltuíam a economia e a sociedade da região ~çucare-it:a.-\ ~
( para a cultura da cana. E começaram a encher-se de canaviais, de boeíros de É grande, deste modo, a contribuição do lusitano, do português que
,engenhos: de casas-grandes; igualmente-e principalmente-de negros escravos.·' 11•torna às tradições agrárias dos seus antepassados, interrompidas com o surto
- Ê a partir da segunda metade do século x·vn que se desenvolvem os 111 1rftimo das navegações, vindo realizar no Brasil uma nova sociedade de
engenhos no território da vila do Penedo. Onde teriam começado a aparecer é , 1onomia patriarcal, csteada na grande propriedade monocultora. Vem do tronco
mais difícil de fixar pela carência de crônicas contemporâneas a respeito daquela n=== porluguês a formação da sociedade alagoan~:__ _ .
área alagoana. As notícias que se vêm a ter, em melhores condições, são já do o português não encontrou fácil colaboração do elemento indígena. A
século XVIII; do meado deste século, aliás pouco propício à economia açucareira, f11rnrsão de Jerônimo de Albuquerque contra os caetés, acusados de haverem
em virtude do surto da mineração. 11111rlo o Bispo Sardinha, mais fez crescer nas tribos índias a abstenção, se não a
, .í Na "Informação Geral da Capitania de Pernambuco", que é de 1749, p1·rturbação, ao trabalho colonizador empreendido pelo port~~

f cflhemos o número de engenhos existentes no Penedo: sete moentes e correntes;


res de fogo morto. Seriam sete na freguesia do Penedo e dois na do Poxim (aí
Quando se verifica a jornada das bandeiras desbravadoras no tcrrit6rio
1l.1goano, permitindo então consolidar, em bases menos instáveis e mais
171
l COSTA, Pereira da_ AInquisição e sua iníluência em Pernambuco. R. Inst. .4rch. Geogi: Pernambucano. 1 "1'11.llENA, Lu[s dos Santos. Cartas de Vilhena. Notícias soterapolitanas e basílicas. v. 2, Bahia/Salvador/
r~ecife, n. 46, 189ft.
1922.

84 85

L
solidamente fincadas, a expansão da conquista portuguesa, caetés e potiguaras,
o que não se pode duvidar é que o negro apareceu nas Alagoas quase
l olll 0 primeiro branco, afirma o historiador Alfredo Branc1ão<61>; apareceu nos
abacatiares e aconans, cariris e chucurus, afora outras tribos, se espalhavam
, 11t\1..nhos, com os C$1aviais, com os roçados, com o povoamento coloni1ador do
pelo sul da Capitania de Duarte Coelho. São, porém, aquelas duas primeiras -
caetés e potiguaras -que mais de peito entram em contacto com os colonizadores, h'rrltório alagoan~ _ _
l.. Apareceu para oferecer a sua grande e in~stimável colaboraçao ~a obra
pela sua situação particular de estarem localizadas no litoral; aqueles, os caetés
1olonizadora; na obra econômica, que se sintetizou no engenho de açucar. É
no sul, os potiguarcs no norte, na região de Porto Calvo. 1;1ra engenho que o negro é trazido; nele emprega sua força. I~tegrando-se na
Oque parece é que a bandeira de Jerônimo de Albuquerque, se não destruiu 1 0
formação social da terra, o negro influiu no colorido da populaçao:_Engrosso~ a
aquelas tribos, afastou-as para fora da área de ocupação. E tanto isso se aproxima 111assademográfica. Participou da mestiçagem que foi grande na r~~ao açucaretra_,.
da verdade que é fácil verificar que não aparecem, nos aldeamentos que se apesar dos preconceitos criados com a distinção de c!~s_es soc1rus.""
constih1em no solo alagoano a partir do século XVII, elementos descendentes É 0 negro escravo o grande colaborador do senhor de engenho. E este
daquelas tribos; mas, surgem os restos dos cariris e chucurus em sete destas aldeias, seu serviço foi de tal valia que Antomil, repetindo Vieira'. o c~nsid~rou "o~ pés e
e carapotós, cariris e aconans, em uma, a de Porto Real do Colégio<59l . nsmãos do senhor11<62>. E ficaram na população, na orgaruzaçao social, no sistema
Em fala à Assembléia Provincial, em 1856, o presidente Sá e Albuquerque t•conômico, as marcas de sua contribuição; marcas ,que. se fixaram não só na
informava não se encontrar cm nenhuma aldeia a raça índia com o seu caráter ,ociedade, senão ainda, e principalmente, no seu prop~~º· __ _ . ,
primitivo. O cruzamento se fizera como que completo, daí originando o E se não fosse o negro com nenhum outro elementonumano tena o
desaparecimento do tipo aborígene puro. ~cnhor de engenho contado co~ a fáinado~"b~güês. Oindígena não se adapto~
Mais ou menos da época da bandeira de Jerônimo de Albuquerque, ou uo trabalho sedentário; demais disso, no caso particular das Alagoas, ele. foi ,
dela participando, é a expedição da gente da Várzea do Capibaribe, comandada olhado, na sua grande maioria, como inimig~ dos colonizadores. E.as band~
por Cristóvão Lins, contra os índios que viviam nas redondezas do Cabo de Santo t•xploradoras de Jerônimo de Albuquerque alicerçaram esse c~~ce1tQ----
Agostinho; nessa ocasião é que esse fidalgo se fixou no território alagoano, Por outro lado, não houve imigração para os centros agncolas alagoanos.
iniciando a sua atividade de povoador de Porto Calvo<60l. A Cristóvão Lins se deve Mesmo no século XIX, quando correntes imigratórias se encaminharam para o
a expulsão dos potiguaras, que ocupavam a região de Porto Calvo, de cuja povoação Brasil - São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo -Alagoas
recebeu ele, mais tarde, o título de Alcaide-Mor. não se beneficiou com a mão de obra~S9'2Jl~eiE~.!!~ notícias de :entativ~ ~o
--se- foi riã época da colonização de Duarte Coelho a entrada do negro em sentido de se interessar o elemento alienfgena na ª8Jicultura da en~ proV!_n~1~..
Pernambuco, seu aparecimento nas Alagoas deve datar de alguns anos depois. É A primeira é encontrada na "fala" do presidente José Antomo Sarru;a,
de crer que os negros já figurassem nas expedições de Jerônimo de Albuquerque cm 1854. Sugeria o presidente que fosse feita colonização das matas do Jacu1pe
e de Cristóvão Lins. Esua fixação se verifica com a fundação do primeiro engenho por elementos europeus. Posteriormente, em 1856, o presidente Sá e Albuquerque
nas Alagoas. lembra que seria necessário criar facilidades à entrada de imigrantes no Estado.

9
(")BRANDÃO, Alfredo. os negros na história de Alagoas. Estudos afro-brasileir~s . Rio ~Janeiro, 1935.
<s >s1LVEIRi\, Manuel Lourenço da. Relatório sobre o estado dos índios da Província. ln: CARVALHO, Souza. !follANTONIL, André joão. cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Sao Paulo, 1923. No
Relatório do Pre~idente, de 13 jun. 1862. "sermão da p dominga da Quaresma", em s. Luís (1653 ou 55), o padre Antônio Vlelra, num dos
(<.oicoSTA, Pereira da. Arredores do Recife. R. lnst. Arch.e Geogr. Pernambucano, Recife, 25(119-121), arroubos de sua eloqüência, já proclamara serem os escravos O§ pés e as mãos dos senhores.
1923.

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Omesmo presidente noticia, então, haver encarregado José A11tô11io de
Mt 11donça, mais tarde Comendador e ~trão ,de Jaraguá, de contratar na F11rnpa,
111rn onde 1a viajar, dez colonos morigerados: dois práticos em mineração, 1. o:.
il1•111ais entendidos na cultura da cana. Recomendava o presidente que a escol1H1
l11ssc feita em país estrangeiro, "cujos costumes agrícolas não repelissem os
11ossos". Não são conhecidos os resultados da missão.
Entretanto, quatro anos depois, em 1860, o presidente Pedro Leão Veloso
11rlhuía ao mesmo José Antônio de Mendonça idêntica missão. Na sua "fala", de
1H(10 o presidente Leão Veloso pondera a necessidade de ser ensaiada a imigração,
l11ilalando 10 a 20 famílias de estrangeiros, para a cultura de legumes. OBarão
d1• Jaraguá foi incumbido de estudar na Europa o assunto, de modo a saber se
1·1fa fácil e sob que condições realizar o contrato de famílias portuguesas.
Em relatório de dezembro de 1872, o presidente Silvino Elvídio Carneiro
il 1 Cunha adianta haver o governo imperial autorizado a introdução de 10.000
c11l1111os europeus, no prazo de cinco anos; conclui lan1entando não ter realizado
t .,,,. desideratum, esperando que seu sucessor o faça.
Prossegue, nas "falas" seguintes, o silêncio sobre o problema da
1111IKração. Somente em 1889, nas vésperas da revolução republicana, o assunto
111lt:t à baila. Opresidente Manuel Messias de Gusmão Lira, no relatório de 1 de
11•11s10 de 1889, refere-se à instalação de um Burgo Agrícola, conforme contrato
l • khrado pelo Ministro da Agricultura com Manuel Gomes de Oliveira. OBurgo
~·rn·ola se comporia de 1.000 famílias de imigrantes europeus e nacionais; à
r [Nllil em que o presidente escrevia, entretanto, não estava fixado o local onde
ill·vcria estabelecer o Burgo.
Também à imigração faz referência o governador Gabino Besouro,
1111111ando em sua mensagem de 15 de abril de 1894: "não estabeleci a colônia
111· h11igrantes que projetei fundar no engenho St. Luzia de propriedade do Estado,
l'"' l!llC motivos supervenientes, como a revolta de uma parte da Armada e o
Capela do Engenho "Mundaú", em Rio Largo. 1p.11'l·clmento do cholera morbus em países da Europa, vieram obstar a vinda
Ili l.unílias italianas, que o sr. Mjnistro da Indústria, Viação e Obras Públicas
1111h•11ou fossem enviadas para o início daquele núcleo colonial". Adiantava o
11\l'l'llador que tudo estava pronto para receber os colonos. Entretanto, é possível
11111· dcs não tivessem vjndo, nem a colônia, portanto, tivesse ido adiante.

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Oaproveitamento do engenho Santa Luzia como colônia de imigrant E é de tal forma ~sa influência que a povoação nasce cm funçao do
deixa entrever o desejo de que viesse a imigração favorecer a cultura da cana ,. 1tQ.JllllalY.euomo_um__a necessidade dele\- Éo caso do Pilar, ou .são lrns do
11 11
açúcar. E isto se nota também na legislação baixada pelo governador Gabin ij11111111ue; Passo do Camaragibe ou Rio Largo que manteve o pró.pno n~mL do
Besouro sobre colonização e imigração, quando estabelece que os núcleo 111•.1•11 110 que lhe deu origem. Ocaso, ainda, de Maceió m~sm~, C~Jº. nascimento
coloniais deveriam ser situados nas proximidades de engenhos centrais. i n•scimcnto se faz cm torno do velho engenho de cuia ex1stenc1a nenhuma
Todavia, é de crer que o projeto Gabino Besouro não tivesse exccuÇ 11 111ição resta. , . . .
prática. Em janeiro de 1895, o governador Barão de Traipu dizia, dirigindo-s ., Forma-se assim na vida das Alagoas uma espec1e de ruralismo urbano.
ao Ministro da Viação e Obras Públicas: "e vendo que terminada como estava lulluência rural na cidade; na sua vida; no seu movimento; no seu progres~o.
importância da colonização 11 ... E isto encerra o assunto. Até o engenho San lt1tlo dependendo do engenho de açúcar. Oruralismo açucareiro criou esse tipo
Luzia foi posto à venda. ·
111 rntlro ruralismo, que fazia também as famílias do engenho procurarem as
Não contou, pois, a agricultura alagoana com a colaboração do braço \ il.is ou cidades para as tarefas religiosas, as comemorações, o pass~~-festa. ><;
, alienígena. Contou foi com o português colonizador e com o negro. Onegro foi Essa influência do engenho encontrou, entretanto, forte reaçao, quai;~o
· mesmo o pé e o braço do senhor; o português pronto para todo o serviço 1111 pl'ríodo holandês - período essencial~ente ur~ano, de .grande ~espre~t1g1~
desdobrou-se na cultura da cana de açúcar. Principalmente como feitor o 111 vida rural. o engenho ressente-se, e e destru1do, confiscado'. mcen.d1ado,
português aparece procurado. Écomum, no século XIX, anúncio para a admissão 1i 11·i·ndiados os canaviais, destruídas as plantações; perturbado assim o sistema
\ de feitor, p~eferindo-se quase sempre o português.
11 on~mico vigente. , , ----:{
~ No senhor de engenho se aglutinam os elementos constitutivos da Quando se inicia o período holandês nas Alagoas a atividade da eco!1omia
sociedade alagoana. São os senhores de engenho heróis na guerra holandesa, l\llCareira começava a oferecer os seus .prim~iros s~rtos de pro~resso. E certo}
são propulsores da economia regional nos dias de paz. Formam a aristocracia da qiw, até então, a monocultura açucare1ra nao havia açamb~~o ~-d_peío
terra: não só nas Alagoas, e sim em todo o Brasil colonial. É o aristocrata colonial, irl.tlório deAdriaen Verdonck, de 1630<63>, verifica-se não só o pequeno n~mero
em derredor de cuja figura se criam, se desenvolvem, se expandem as famílias ih• engenhos como também agrande produção de outros gêneros: ac peixe, de
1.,1110 , de farinha de mandioca. Tam~m..o fumo merece destaque da parte do
do açúcar; as famílias nascidas em engenho.
São estas famílias que fazem do engenho não apenas um centro social holandês, tanto qu~~~rvaes Carpentier considera o da Barra Grande o melhor.
ou demográfico, além do econômico que já era essencialmente; também um É no território alagoano que se abastece Pernambuco, lembr~ Verdonck.
centro político, à cuja sombra ou em torno de cujos interesses se realiza o lll'IC recebe gado, farinha de mandioca, peixe seco. Mas essa produçao s~n:ente
desenvolvimento da vid~ r~oual. rnmeça a chegar aos holandeses quando Nassau expulsa, em 1637, os ultnnos
o quese verificou nas Alagoas com o engenho também se encontra em rlt•mentos resistentes à ocupação holandesa. _ _ . .
toda a área açucareira: a influência do engenho na vida local. Aampliação da Acultura da cana de açúcar ia, então, apresentand~ seus ensa10~ m~1s }
esfera de influência do senhor de engenho além dos cercados, das divisas, das 11rngress1vos. · os elementos sobre sua situação no periodo holandes sao
fronteiras de sua propriedade. Apenetração da força produtiva do engenho na l1tslamente os primeiros que se encontram acerca da agricultura da cana nas 1
vida dos povoados, das '~las, mais tarde do Município.
''ºVfümONK, Adrien. Descrição das capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Parafba e Rio Grande do Norte.
lt. fnst. Arch. Geogr. Pernambucano, Recife, 9 (55): 215-227,1901.

90 91

Ll
Alagoas; antes desse período as notícias são deficientes e escassas. Os Jivr ,. annes Van Walbeeck e Henrique Moucheron
relatórios, as informações de origem holandesa constituem os primcir llm 1643, o relatono deJoh ·- das duas Alagoas a
detendo-se apenas na regiao
<65} •
documentários sobre a história do açúcar nas Alagoas, que atravessa, naquc li <1 listado das Alagoas ' mos en enhos de 1638, modificados cm
instante, sua fase de progresso. ~111 h e a do Sul - e1~u~~ra. os me~ oa do ~orte o de Sebastião Dias passa a
Em ordem cronológica o primeiro documento holandês sobre Alagoas 1 111111 apenas os propnctanos. na AI g Alagoa do Sul o de Gabriel Soares foi
a conhecida memória de Adriaen Verdonck, apresentada ao Conselho Polític 111 li rnmo de Huybrect eJacob Cloet, e na tro de Gabriel Soares que
. d· d Azevedo aparece ou '
em maio de 1630, isto é, três meses depois da invasão. Verdonck era brabantino 11111110 aDommgos Ro n~es e Carvalho e, finalmente, o de Barbalho foi
e ao que se sabe jã se encontrava na região. Aderiu aos holandeses, mas não lhes 1111· teria sido o de Henrique de iz ares' eito de Porto Calvo.
foi fiel, sendo pouco tempo depois esquartejado por traição. Seu depoimento é 'iulldo a Marten Meynderse'. Nada d . pde obras mais completas sobre o
valioso; trata-se de um homem que morava na terra, conhecendo-a bem. e referimos amda a autores Et
umpre N.
1 1 1 dAs Cabe destacar tres . . 1eu ,
A hof
• Barlcus e Johannes de. <-i s- e
Laet.
Verdonck refere-se à e<istência de "5 ou 6 engenhos" nas imediações 1•• i tot o 10 an e . l . t' . pol'1t1'co-militar da conquista 6u ' nao
e mais com a 11s ona ,. ai .
das Alagoas (a povoação de Madalena, depois Alagoas e hoje Marechal Deodoro); 111111110 preocupo~-s . , . cerca dos engenhos e seus proprietanos, s "º
poderia precisar o número de seis, pois são os três de Alagoa do Sul e os três de 11111 ando em maiores mmuc1as. a 1 t a fatos em que os mesmos estiveram,
u11.111do se refere, às vezes nomma men e,
Alagoa do Norte (Santa Luzia do Norte, atual). Adiantava que estes engenhos
"fazem pouco açúcar e anos hã em que alguns não moem" . 11111·stavam, envolvidos. . A d 7 9 engenhos de açúcar em Porto
·,

No povoado de Porto Calvo "existem 7 ou 8 engenhos, alguns dos quaes t\ieuhoj informa ª. ex1stenc1.ad e douAlagoa do Norte e Alagoa do Sul
" !d · " cons1 eran o
fazem um pouco de açúcar". Creio que na época deveriam ex1stir os mesmos ' .1lvo, a que chama a eia ' - enoriza notícias acerca dos engenhos
nomes que, em 1638, foram arrolados no 11Breve Discurso". Trata-se de segunda '1 hlade"<61J. Barleus, por sua ;ez, nao pi: cita ~s arrematantes dos dízimos de

referência particularizada sobre as Alagoas: "Breve Discurso Sôbre o Estado das tla~oanos<6sJ. Descreve o fabrico ~e aç Al'' até Rio São Francisco, refere-se
111h1ças cm Porto Calvo, Camarag1be e agoas,
quatro capitanias conquistadas de Pernambuco, Itamaracá, Paralba e Rio Grande
do Norte, situadas na parte setentrional do Brasi1"<64l. d 1 as e dos engenhos, etc.
111s trabalhos e avour . e - . sobre engenhos alagoanos durante
d as melhores m1ormaçoes
Oautor considerou as provocações de Penedo, Alagoa do Sul, Alagoa do Contu o, 1 - o de Adriacn van der Dussen, em
Norte e Porto Calvo como compreendendo o primeiro distrito da capitania de o período batavo são as que se acham na re ~çaportantíssima sobre o Nordeste
Pernambuco, a começar do Sul. Adiantando não ter podido obter informações relatório de 1639. Trata-se de u~a peç~ t~ntileza do meu, companheiro de
. devo 0 seu conhernnento a g
completas, refere o número dos engenhos e os nomes dos proprietários. Em açucareiro, e . J , A tônio Gonsalvcs de Melo, neto, que o
Porto Calvo hã nove engenhos: de Manuel Ramalho, dois de Rodrigo de Barros t•studos históricos e pesqu1s~, ose n, . d Álcool
traduziu e anotou para o Instituto do Açucat e o .
Pimentel, dos Alpões, de Manuel Camelo, dois de Cristóvão Botelho, de João
Lins e de Cristóvão Dias Delgado. Na Alagoa do Norte hã os de Sebastião Dias,
Antônio Martins e Lucas de Abreu; na Alagoa do Sul há os de Gabriel Soares, OUCHERON Henrique de. Tr. cit. ref. 30. , 'd ,
Henrique de Carvalho e de Barbalho. · ' BEECK' Johannes. van
1mwM , . & M • dos feitos
lf'·lL<\ET,Johannes de. lhstona ?u anaes
' da Companl1ia . PriviJeaiada
~· das lndias Oc1 ent.tes.
() RiodeJaneiro, 1916-1925. ,. streaoBrasil.SãoPaulo, Martins 1942.
... , , ,. mar1t11ua e terre , ·1 ( )
(fo7J r<JEIJHOP Johan. Memora' e1nage 01 t• dos durante oito a.nos no 8ras1 ...
lf~>nussEN, Adrien van der. Tr. cit. ref. 16. . • , • d f 't
l'••lBARLEUS, Caspar. Jlistor1a os e1 o r
i s ecentemente pra ica
Rio de janeirn, 1940.

92
93

L
Ai se encontran1 os nornes de alguns dos dez engenhos de Porto Calvo e 1111 vnle entre os rios Jetituba e Castanha. Foi um dos incendiados na excursão da
os no1nes dos das AJagoas, exceto o de Lucas de Abreu, onde só aparece o nome \i< iszcwky em 1636; figura na relação de van der Dussen como destrtúdo t, a~
do proprietário. Também informações sobre o estado em que se encontrava cada qll<' parece, não mais foi reparado e replantado, desaparecendo inteiramenlc. L
engenho, se moente ou não, be1n assin1 acerca dos lavradores. 11 ·rto que no vale citado há atuahnente engenhos; nenhum, entretanto, con1
Dos citados dez engenhos de Porto Calvo nossas pesquisas não q1111lquer tradição de antigüidade. _
conseguirain identificar inteirainente quatro: o de i\ilanuel Ratnalho, o dos A.lpoins, Tudo indica que o engenho de Cristóvão Dias Delgado nao se reconstruiu.
o de Cristóvão Dias Delgado e o de Don1ingos Gonçalves Margaen. O primeiro, 1111cumenta esta alegação o fato de que em, 1699, Apolinário Fernandes Padilha,
informa o cronista, pertencia, na época do relatório, a David de Uries, estando .10 requerer terras para povoar e lavrar e fazer um engenho de açúcar, faz ~eferê~cia
arruinado, mas estava sendo reparado e replantado. Nenhuma indicação ten1os to engenho de Delgado. Diz o requerente, ao indicar o limite da ses mana ~e~d~:
para admitir qual seja este engenho; van der Dussen não lhe dá o norne, nen1 \ 111 ncçando donde acabão as terras donde foi antigainente engenho de Cnstovao
mesn10 a invocação religiosa, elementos que poderiam servir de pista. Por outro 111us chan1ado Gitihiba"<73l.
lado, nem nas crônicas alagoanas, nem em genealogistas, ne1n em qualquer Com esta indicação fica-se sabendo que o engenho de Delgado não foi
outra fonte, encontramos subsídios para identificar o seu proprietário Manuel 11•construfdo, pelo 1nenos até 1699, bem assün se denon1inava Getituba, pois
Ramalho - talvez algum judeu que se tenha instalado nas AJagoas. '~'·tihiba não pode deixar de ser grafia errada daquele nome, que é justamente
Quase o 1nesmo sucede corno engenho dos Alpoins, que, aliás, estava o do rio cm cujo vale se ergueu aquela fábrica ele açúcar. Sabe-se que Cristóvão
arruinado. O quase vai por conta de havermos encontrado dois Alpoins nas Ilias Delgado foi morto pelos holandeses, ele e um seu filho, possivelmente em
"Denunciações de Pernambuco". Un1, Cristóvão Alpoiln, é vereador da CâtnaraC69l; ll11s de 1635, corno se depreende da seguinte passagem de Duarte de Albuquerque:
outro, João Alpoim é morador na freguesia de Santo Amaro<70l. Urn João AJpoim 11 inimigo ... havia n1orto o 1nesmo Delgado e seu filho, pela razão de ter o nosso
0
aparece citado por Laet entre os senhores de engenho que, em 1635, receberam .1lkrcs Souto 111orto no mesmo engenho sete ou oito holandeses"<74l . Do 1nesmo
intilnação dos holandeses Gll . Talvez se trate de u1na rnesma pessoa; o 1norador Hvro do donatário de Pernambuco infere-se que o engenho de Delgado estava
de Santo Amaro e o senhor de engenho nas AJagoas. pl!rlodas fortificações e redutos holandeses en1 Paripueira, "ainda que - esclarece
Do de Cristóvão Dias Delgado sucede o 1nesmo, embora dos quatro seja •
um pouco para o 1ntenor • H
.
aquele ele que possuín1os alguns bons informes. Johanncs de Lactml refere-se a Nenhun1a infonnação mais ponnenorizada colhemos, do mesmo n1oclo,
este engenho co1110 sendo nas proximidades do engenho Santo Antônio, de Nobre 0 engenho de Domingos Gonçalves, moente e tendo lavradores con1 tarefas
Rodrigo de Barros Pimentel, embora, ern outro passo, chame o próprio engenho plantadas. Cremos tratar-se de engenho novo à época do relatór~o a que. nos
de Delgado de Santo Antônio, o que nos quer parecer um lapso. O engenho rcportainos: não figura no "Breve Discurso", do mesmo modo que nao vem citado
situava-se em Paripueira) ao sul do rio Santo Antônio Grande, e, ao que suponho, por outros autores contemporâneos do domínio holandês. Contudo, encontra1nos
110 diário de ~fatias van der Broeck, que é de 1645, referência a este engenhOi por
corresponde ao chainado engenho S. Cristóvão do 1napa de Yingboons, ficando

(lo'>l pRIMEIRA visitação, cit. ref. 15.


P•ll[)E,'rl, ibidem. "HREGISTRO de sesmarias e datas de 1erras: !689-1730, ms, v.J,, da IJiblioteca Púhlica Estadual de
P 1lLAET, Johanncs de. Op. cit. ref. 66.
Pernambuco.
<nirnEM, ibidem. 111>cOELllO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil, 1630-16~8. Recife, 1944.

91 95
ela se fica sabendo que se situava nas proximidades do engenho Santo Antônio(7 Ooutro, o Santo Antônio também chamad? Santo Antônio ~ram~~·.
ou melhor ao norte; pois a expedição vinha descendo para o Sul. O nome '111 h'r sido o primeiro levantado pelo próprio Rodngo de Barros'. dc~cndo S'( 1
1 11lcmcnte feito a que alude o "Breve Discurs~11 ,_em .1638. E isto porq11< . o
proprietário é registrado Marzagão - Domingos Gonçalves Marzagão.
Duas indicações temos ainda a respeito do proprietário desse engenh Morro foi. a nosso 'ver, , um dos erigidos por Cristovao Lms, tendo fchegado à...,
i111 de Rodrigo de Barros Pimentel por herança, da mesma orma que,
Uma refere-se ao seu nome. Encontramo-la em Borges da Fonseca, segundo
qual se depreende que se chamava Domingos Gonçalves da Costa, sen
1~,,11•riormente,
1
quando das lutas da restauração, estava e~ poder de M~uel
Marzagão apelido; casou-se na família Camelo, a que estava ligado o céleb t 1111l'lo Quiroga. 0 sant o Antônio Grande foi levantado a margem do no do
.
Belchior Álvares Camelo, dono do boi de Nassau - o que voou no Recife - llll'~nio nome e hoje é usina. . é
O Sã~ Francisco, que figura como de Manuel Camelo Qutro~a, . o
proprietário de terras em Pernambuco e nas Alagoas, capitão-mor e Alcaide..
·at também levantado por Cristóvão Lins. No Valeroso Luc1deno,
mor do Rio de São Francisco, familiar do Santo Offcio e - acrescenta o genealogista 11w~1110 Escurl • d E · {(77> nome
- instituidor do "Morgado de Santo Antônio a que chama das Alagoas". O título t11ronlram-se referências a Manuel Camelo como senhor o scur1a , d
111111 que o engenho aparece em vários episódios das lutas que se travaram quan o
da família Camelo, infelizmente, não se encontra na Nobilarqu ia
Pernambucana, se bem que anunciado em vários trechos. Marzagão era 1\ 1 Insurreição de 1645. , , d l tó ·
também cavaleiro da Ordem de Cristo. . Este e os dois de Rodrigo de Barros Pimentel m01am a época o re a no
'lt.u.lo e tinham lavradores, estando planta~as 43 tarefas no Morro, 49 no Santo
A segunda indicação nos informa que Marzagão, ou ainda Mazagão, foi
um dos quatro representantes do povo da jurisdição de Porto Calvo na Assembléia Antônio e 23 no São Francisco ou Escur1al. .
Os dois engenhos de Cristóvão Botelho estavam arrumados; f?ram
Geral convocada por Nassau. As representações eram de dois pelos escabinos e
1'1111bém vítimas de incêndio de 1636. De um não aparece o nome. :re~um1mos,
quatro pelo povo, todos portugueses. Domingos Gonçalves Marzagão foi um destes
quatro<16>. ,
porém tratar-se do Buenos Aires ' e isto em virtude da ascendenc1a de seu d
Dos demais engenhos conseguimos todos os elementos identificadores, iro )ri~tário de então que era neto de Cristóvão Lins. Ooutr~, co~ º.nome e
não sendo, por isso, diffcil reconstituir sua evolução. Dos dois de Rodrigo de
1Novo, 1 admitimos
.. ª,
. o Maranl1- 0 também construído por Cnstóvao Lms dentro
seJa
Barros Pimentel, um - o do Morro - ainda hoje existe. Foi uma das vastas th sesmaria do Buenos Aires. f: tadas
sesmarias do norte alagoano, e é ainda uma propriedade de grande extensão. ' Temos, finalmente, o engenho de Bartolomeu Lins com 63 tare as ~1~ .
e moendo E , o engenho do Meio ' depois BomJesus, e finalmente antiga . usma
-
Seu nome aparece na crônica holandesa em várias ocasiões, inclusive em
om~ Confirmam esta afirmativa: primeiro, ser Espírito Santo a sua ~nvocaç~o
episódios românticos como o do rapto da filha de Rodrigo de Barros Pimentel.
No século passado era conhecido como "sesmaria da Conceição do Morro", ~~~~~ª n~me com que aparece localizado, no mesmo ponto onde amda ho1e
conforme um documento de demarcação existente no cartório de Porto Calvo, e está no' ma a do livro de Barleus (edição holandesa); segundo, .porque nu~a
do qual possuímos cópia. :. d p1886 José de Barros Pimentel declara havê-lo recebido (era ent:o
csc11tura e , . · 1 ·, · de C1ist6no
chamado do Meio) por doação de sua irmã Bntes P1mente' vmva . '
. o restaurador de 164~'' que• por sua vez ' era filho de Bartolomeu Ltns.
Lms,
<mBROECK, Mathias van der. Diário ou narração histórica. R. lnst. Hlst. Geogr. Brasi1eiro, Rio de
Janeiro, t. 40, parte 1•, 1877.
<7'>REVJSTA DO INSTITUTO ARCHEOLOGICO E GEOGRAPHICO PERNAMBUCANO, Recife, t. 5, out. 1886. r.:lCfü\00, Frei Manuel. Op. cit. ref. 7.

96 97
Três são os engenhos daAlagoa do Norte arrolados na relação de van der 1Nn'i a Senhora da Ajuda data de quase o mesmo ano que o Nossa Senhora
Dussen: o de Nossa Senhora da Ajuda, pertencente então a Jacob Cloet, o de 1m·11rnação; a diferença talvez deva ser de dois a três ano~.
Nossa Senhora da Encarnação, de Antônio Martins Ribeiro, e o de Luc~ de o Dr Leite e Oiticica que foi o senhor do Mundau, encontrou em
111,1çocs re~izadas na capela do engenho, uma inscrição com data ele 1613°'».
Abreu. Os dois primeiros estavam moendo e tinham, respectivamente, 57 e 41
tarefas plantadas; o terceiro estava destruído e fora confiscado. 111111 111 ~e deduz que àquele ano já existia a capela do engenho. 011 melhor: deve
• Já vimos que o de Antônio Martins é o mais antigo da região, e também 11 141 11 se do ano da própria construção. Antes de Cloet, foi propriet(trio do Mundaú
que se chamava Garça Torta, onde ele residiu, como se verifica de referência de 1 h.1~tlao Dias.
Borges da Fonsecaºª>. Com o nome de Garça Torta chegou até aos nossos dias, e Este Sebastião Dias deve ser o próprio construtor do engenho, e, pelas
Nossa Senhora da Encarnação deveria ser a invocação de sua capela. Todavia, essa 1111 11 1·uções genealógicas de Borges da Fonseca, fica-se sabendo ser ele avô .d~
invocação desapareceu com o correr dos tempos para dar lugar à Nossa Senhora , h.isiião Dias Maneli, herói da guerra contra os Palmares. Em 1660 cr,t
da Anunciação. 1anto a capela como a casa-grande do engenho foram remodeladas I'' oprlctário do Mundaú o capitão Tomé Dias de Sousa, c~jo pai se cham~~n
entre 1890 e 1899 pelo então proprietário José Antônio Rodrigues Braga. ·,..i 1astião Dias Madeiro. Tomé Dias casou com Isabel Manel! e do seu cons61 c10
Tal fato - o da substituição do padroeiro do engenho - era comum. A
11 • 1 ~ccu Sebastião Dias Maneli que haveria de figurar com tanto brilho .na.lu~a
mudança do proprietário acarretava a adoção de outro padroeiro, de acordo com 111to11 contra os negros palmarinos, constituindo-se uma das três fi~ras pnn,c1prus
o santo ou a santa de devoção de cada dono; no caso, aliás, de cada dona, a i•lc, Bernardo Vieira de Melo e Domingos Jorge Velho. O cap1tao Ton:e Dias
senhora do engenho, que, na espécie, deveria ser sua vontade sobreposta à do iluda em 1672 era senhor do Nossa Senhora da Ajuda, como se verifica de
~arido~ Em v~rios engenhos alagoanos se encontram essas alterações de •til\ petição, pedindo traslado da provisão régia passada em favor dos senh~rcs
mvocaçao. O Sao Francisco do Escorial, passou depois a Nossa Senhora da tli• t•ngenho e lavradores, petição essa publicada no volume XVI 0932) da Revista
Conceição; a Nossa Senhora da Encarnação do Garça Torta, a Nossa Senhora da cio Instituto Histórico de Alagoas.
Apresentação; e há outros casos a registrar. Não será 0 primeiro Sebastião Dias o já referido construtor do engenho?
Registre-se ainda que o engenho Garça Torta, ou Nossa Senhora da Nao teria ele próprio, posteriormente, ou seu filho Tomé reavido o engenho em
Encarnação, ficava vizinho da sesmaria de Domingos Jorge Velho, que lhe foi vlrlude da expulsão dos holandeses? São perguntas que, a meu ver, merecem
doada em 1698, de acordo com o capítulo 6das Condições ajustadas pelo mestre- n·spostas afirmativas, baseando-se, sobretudo, na ~ircu.nstância de que, por anos
de-campo para a extinção do Quilombo dos Palmares. Ébem possível que servisse ~t·guidos, o engenho continuou na posse da família Dias. .
de limite, quando não mesmo caísse dentro da sesmaria (compreendendo-se os somente para o engenho de Lucas de Abreu não encontramos ,sufic1~ntes
desconhecimentos geográficos da época e a ausência de mapas), pois o Garça elementos para uma completa identificação. Talvez p~r est'.11'. destrmdo, na~ se
Torta se ergue, ou se erguia, justamente na linha por onde deveria passar a encontram notícias do seu nome, nem da invocaçao rehg1osa, que, porem,
descrição da sesmaria do bandeirante paulista. acreditamos ser Santo Antônio, de conformidade com a indicação de Barleus,
Da mesma época do de Martins Ribeiro é o engenho Nossa Senhora que não dá 0 nome do proprietário ou do engenho, depois denominado Satuba;
da Ajuda, invocação religiosa do hoje engenho Mundaú, nome com que vem
sendo conhecido desde muitas dezenas, senão centenas, de anos. o Mundaú
c;s>FONSECA, Antônio Vitoriano Borges da. Op. cit. ref. 36. (l'llLEITF. E OITICICA, A igreja de ~. s. da Ajuda no engenho Mundaú. R. lnst. Arch. Gogr. Alagoano,
Maceió, 5 (l): 44-53, dez. 19 13 (1914).

98 99
sua localização no mapa de Vingboons corresponde exatamente à posição do Este São Miguel é o mesmo Sinimbu ou Sinimbi, com que aparrce
engenho desse nome, cuja invocação religiosa era Santo Antônio. cm outras referências contemporâneas, inclusive no mapa de Barleus (cdlçao
Em nenhum cronisla contemporâneo acham-se melhores informações holandesa), em que tanto o rio como o engenho trazem o nome de Sinimby. O
que possam trazer maior luz ao assunto. Oque adianta, por exemplo, o relatório papel do engenho Sinimbu na história política das Alagoas foi dos mais
de Walbeeck e Moucheron, é que somente a capela estava de pé. importantes, e à sua existência está ligada a ação heróica de O. Ana Lins, mãe do
Com referência aos três engenhos da Alagoa do Sul, nenhuma dificuldade Visconde de Sinimbu. Adedução de tratar-se do mesmo engenho fazemo-la ainda
oferecem à identificação. Conservaram os nomes através dos tempos, e seus cm virtude de encontrarmos no mapa de Vingboons o São Miguel situado no
proprietários foram figuras conhecidas na obra de povoamento e colonização mesmo ponto em que existiu o engenho Sinimbu.
das Alagoas. O primeiro fundado na região foi o chamado Velho, erigido por De seu fundador, Antônio Barbalho Feio, escasseiam notícias, não se
Gabriel Soares. conseguindo informes suficientes acerca de sua vida e de suas atividades. O
Na relação de van der Dussen o Velho aparece como de Domingos relatório de Walbeeck e Moucheron registra haver Antônio Barbalho Feio se
Rodrigues de Azevedo. Aeste, Gabriel Soares havia vendido o engenho, como já retirado depois de haver vendido o engenho; afigura-se-me que esta retirada foi
dissemos. Vendendo-o, Gabriel Soares passou a ser senhor do engenho Novo. t~m 1635, quando se deu o célebre êxodo guiado por Matias de Albuquerque.
Teria construído este engenho, a que, aliás, não se refere no testamento, ou o Assim Antônio Barbalho teria ido para a Bahia. Realmente, os sobrenomes de
111 teria herdado de Henrique de Carvalho, seu sogro? Barbalho e de Feio desapareceram das Alagoas; e encontram-se na Bahia, como
1 Esta última hipótese parece-me mais possível, pois que Henrique de se verifica da "Genealogia Bahiana", de Frei Jaboatão. _
Carvalho, que aparece senhor de engenho no "Breve Discurso" (1638), não figura Era esta a situação dos engenhos alagoanos na época do domínio holandês; )
na relação devan derDussen (1639), nem no relatório de Walbeecke Moucheron da desenha também o panorama da agricultura da cana de açúcar na região. Não
(1643). Éadmissível esta hipótese, isto é, do falecimento de Henrique de Carvalho foi, entretanto, de felicidade para a região alagoana o período de sujeição ao batavo.
neste espaço de tempo, ficando o engenho para sua filha e, conseqüentemente, Nos habitantes da região po1to-calvense encontraram os invasores completa reação, /
para Gabriel Soares. sendo poucos os casos de macomunação de elementos luso-brasileiros com 1
Entretanto, Gabriel Soares, no seu testamento, alude estar fazendo holandês, embora alguns tenham sido de figuras ilustres, mais tarde reabilitad
engenho. O que parece é que, nesta época, ele estava reconstruindo ou pela participação intensa e corajosa na can1panha de expul~ão. _
remodelando o engenho, o que se pode concluir em face de dois pontos: a AhistóriadolJeríodo holandês nas Alagoas é a histona üa destruição da
informação de Moucheron e Walbeeck de que "a casa de moenda não está t•rnnomia açucareir ' · 'i ient Oflamengo volta-se para a cidade; para
completa, nem a casa de purgar coberta" e, por outro lado, a circunstância de o Recife, principalmente. Aluta como que tem por fim destruir a organização \
ser engenho novo, ou mais novo, e de ter a mesma invocação religiosa do engenho l'conômica, se bem que tenha sido essa organização - o açúcar - a atração do )
figurante na relação de van der Dussen, isto é, Nossa Senhora do Rosário. holandês para o No~.:..- __ -
Oengenho São Miguel, pertencente a Marten Mcynderse, fora antes de É a partir de setembro de 1631 que o território das Ala~?-5 ,Pn,.s..sa a '
Antônio Barbalho Feio. Não moía, e com certeza estava arruinado. É o mais 1omar parte ativa na luta flamenga. Logo depois se verifica a déSe7Ção de Calab:tr,
antigo engenho do vale de São Miguel, onde floresceu, depois, a lavoura canavieira rnjo conhecimento da terra permite uma rápida modificação no rumo da guerra.
com a fundação de novos e importantes engenhos. !\ln maio de 1633, Calabar conduz os seus novos senhores ao Norte das Alagoas.

100 lül
Sucedem-se os saques, incêndios de caravelas, degolamentos de moradores em
Porto de Pedras e Porto Calvo.
Aseguir marcham os flamengos para o Sul da capitania. O açúcar
encontrado a bordo de uns barcos em Porto Calvo é apreendido. Descendo depois
para Camaragibe, novos incêndios praticam, queimando os invasores tudo aquilo
que não puderam conduzir. Mais ao sul, depois de atacado o Porto do francês,
entram na Alagoa do Sul ou Madelena, ateando fogo na vila que então contava
mais de 100 casas<80>.
Em Santa Luzia do Norte encontram os invasores a notável resistênda
do capitão de milícias Antônio Lopes Filgueiras, que com sua sogra, D. Maria de
Sousa, e seus cunhados, participa da luta, vindo a falecer dos ferimentos recebidos.
Adefesa encontrada impediu que os holandeses fizessem com Santa Luzia o
que haviam feito com Madalena: incendiá-la.
Decorreu todo em Juta o primeiro período do domínio holandês, e
Alagoas, se bem que fosse o celeiro donde saíam o gado e farinha, peixe e carne
para os senhores da terra, não se viu livre de participar dessas lutas; e mesmo C,nsa-grande do engenho "Novo", hoje usina, em Porto Calvo.
depois que Nassau iniciou seu governo, os alagoanos não deixaram de participar
dos combates, das lutas, das guerrilhas, pela libertação do solo nativo. Não
somente os filhos de D. Maria de Sousa são heróis dessa peleja; outros alagoanos
avultam nessa resistência.
Aos cinco filhos de D. Maria de Sousa e Gonçalo Velho -Antônio, Estevão,
Gonçalo, Gil e Luís - todos empenha.dos na luta, e os três primeiros deles
sacrificados, uns nas mesmas pelejas, outros posteriormente que seu cunhado,
Antônio Lopes Filgueiras, juntam-se os cinco irmãos Viana, também mortos na
guerra. Cosme, Francisco, Antônio, Lourenço e Manuel Viana sacrificaram-se na
resistência contra os holandeses, morrendo Cosme, o último dos irmãos, no
combate de Porto Calvo, em 1637. Além dessas duas famílias tão grandemente
atingidas, contam-se ainda os Marinho Falcão, Lins, Acioli, Vasconcelos, ou sejam
as grandes figuras da colonização alagoana que, nas suas fanu1ias, sentiram os
efeitos da luta contra o invasor<s 1>.
cso>coELHO, Duarte de Albuquerque. Op. cíl. ref. 74.
csnÍND!CE nominal e alfabético de todas as principais figuras que militaram na guerra contra os holandeses
desde a invasão de 1630 até a expulsão em 1654. R. lnst. Arch. Geogr. Pernambucano, Recife, 1. 2,
n. 21 , out. 1868.
Casa-grande do engenho "Uruçú", hoje usina, em Passo de Camaragibe.

102 103
./ -....Eesses efeitos refletiram-se na economia local, prejudicando a agric111t11ra
11'.Icana de açúcar que começava nas Alagoas a ampliar-se em bases sólidas
Hntre os engenhos incendiados, contam-se os que em 1636 os holandese~
destruíram: dois de Cristóvão Botelho, um de Bartolomeu Lins, outro de Rodrigo
tlc Barros Pimentel, outro de Cristóvão Dias Delgado. Do relatório de Walbeeck e
Mouchcron, de 1643, consta que Domingos Rodrigues de Azevedo estava
preparando madeira para reparar o engenho; faltavam-lhe a casa da moenda e a
mda d'água.
No engenho Novo, de Gabriel Soares, não estavam completas a casa de
moenda, nem a de purgar. No engenho de Mcynderse, que o havia adquirido de
Antônio Barbalho Feio, nada tinha de pé, senão a casa de purgar, as caldeiras de
moenda e a mesma moenda. Nos engenhos da Alagoa do Norte e de Jacob Cloet
só tem a casa de purgar; o resto estava arruinado. Ode Lucas de Abreu só tinha
de pé a capela. Também o de Antônio Marins Ribeiro não se podia fazê-lo moer<82>.
Não era somente a destruição; era também a perturbação do serviço.
Conta frei Manuel Calado(s3) que se algum senhor de engenho devia alguma
coisa a elementos da Companhia, estes mandavam pôr-lhe olheiros nos engenhos,
Impedindo tirasse qualquer quantidade de açúcar para fazer doces para os
t•nfermos, e ao contrário levando tudo quanto produzia o engenho, além do
sustento que o proprietário era obrigado a dar ao olheiro durante a safra. Se o
senhor de engenho não podia pagar toda a dívida, por ser pequena a sua produção,
os holandeses tomavam o açúcar dos lavradores, mesmo que estes nada
devessem; mandavam cobrar do senhor de engenho o açúcar apreendido.
Em terreno, onde se erigiu mais tarde um elos mais ilustres engenhos
nlagoanos - o da Mata Redonda - travou-se em janeiro de 1636 a célebre
batalha ele Mata Redonda; nela perdeu a vida o comandante dos exércitos luso-
brasileiros Rojas y Borja. Nenhum dos cronistas que descrevem a batalha ou a
ela se referem, indica a existência de engenho no local; mesmo nas relações de
engenhos anteriores ou posteriores a 1636, não aparece nenhum engenho na
região. Daí poder concluir-se que o engenho Mata Redonda somente mais tarde

1" 1\VALHEECK, Johannes van & MOUCHERON, Henrique de. Tr. cil. rcf. 30.
º">CALADO, Frei Manuel. Op. cit. ref. 7.

105
se construiu; quando, é que não se pode fixar com segurança. Tudo indica, porém, ' o que se sabe, porém, é que o povoamento planejado por Nassau nào \
ler sido posterior ao período holandês.
Foi em 1636 que Alagoas sofreu mais terrivelmente o efeito da ocupação
flamenga. Arciszewsky propôs ao governo do Recife o incêndio e destruição de
1111 !cito. Alagoas permaneceu na mesma situação. Asua economia destruída; os 1
w11s engenhos parados, se não inteiramente arruinados Adestruição fora qum;c
rnmpleta, e havia de fazer-se sentir por muito tempo. Pelo menos, por todo o
J
roças, canaviais e casas nas terras entre Paripueira e Porto Calvo, transferindo- 1wríodo holandês. -~ _
se para o Norte do rio Manguaba os moradores que quisessem aliar-se aos -tAdestruição, de fato, atingiu aos principais, senão a todos os engenhos
invasores. Uma extensão de dez milhas seria destruída. O plano do polaco foi tlt• açúcar existentes no território alagoano; e o período holandês, restabelecidas
aprovado, e afixaram-se editais nas capelas e nos engenhos marcando o prazo .1s tréguas que se prolongaram até 1645, não permitiu o reerguimento da cultura
de três semanas para os moradores decidirem. A1Ode janeiro de 1636 expirou 1la cana de açúcar.;ü flamengo se preocupou com a vida urbana; e esqueceu a
o prazo, e a 13 de começou a destruição. organização rural. E os senhores de engenho tiveram de preocupar-se menos
Nesta destruição é lançado fogo aos engenhos de Cristóvão Botelho, de l'Olll a reorganização de seus engenhos que com o preparo da luta contra os
Cristóvão Dias Delgado, de Bartolomeu Lins, de Rodrigo de Barros Pimentel; htvasores; o preparo da resistência, da reação contra os holandeses, da
também é incendiada a casa de frei Manuel do Salvador, o mesmo Manuel Calado, 1t·stauração do domínio lusit~noJ
do "Valeroso Lucideno", procurado pelos holandeses para ser preso ou m()rto, Grande foi a participação do senhor de engenho na luta da restauração.,..
pois nele reconheciam o cabeça da resistência<s1>. - Chefiou os grupos alagoanos um senhor de engenho: Cristóvão Lins, neto do
Em J641, depois de percorrer a região entre o Recife e o rio São Francisco, povoador; nas suas tropas se reuniram outros senhores de engenho não menos
Adriaen van Bullestraten afirma que Alagoas está quase completamente despovoa.ela. 110Láveis, ou seus parentes ou simples lavradores - Francisco Sousa Falcão, Leão
Eé então que Nassau cuida de povoar Alagoas, fazendo do seu território a fonte de Marinho Falcão, Leandro Pacheco Falcão, Vasco Cibaldo Lins, Manuel Bezerra,
produção para Pernambuco, já entregue à monocultura açucareira. Manuel Camelo Quiroga, Baltazar Leitão de Holanda, Julião de Araújo, e outros.
----Naêâfta oficial em que propunha aos diretores da Companhia na 1>ois patriotas depois denunciaram ao inimigo os planos da revolta: Sebastião
Holanda este plano de povoamento, Nassau a.firmava que durante o tempo em Carvalho e Fernão Velho.
que Alagoas esteve despovoada, o Brasil - o Brasil holandês, é claro, isto é, o De 14 de julho de 1645 é o edital assinado por Pedro Marinho Falcão e
Nordeste dominado pelos invasores - nunca pôde manter-se com seus próprios outros "governadores e capitães generaes desta guerra", informando o
recursos, tendo necessidade de recorrer a víveres importados, em grande 1ompimento das hostilidades contra os invasores. "Foi:rios postos para fazer gt~erra
quantidade, de Portugal, do Rio de Janeiro e de outros lugares. ,, fim de recuperar a nossa liberdade e restaurar a nossa pátria", declarava o
' É nessa ocasião que Walbeeck e Moucheron são designados para visitar 1locumeÕt~asSinado nãõiãiori~or senhores de eng_enho. Ea restauração inicia-
a região, a fim de oferecerem sugestões. O relatório é, sem dúvida, uma peça ' l', vencendo os patriotas os holandeses em Porto Calvo em setembro de 1645.
importante para o conhecimento das Alagoas na época; e não só para isso e Assim o território alagoa.no restaurou-se primeiro que o de Pernambuco; o q11c,
também para se conhecerem as causas do fracasso da colonização rural do Brasil 1•11tretanto, não fez a gente das Alagoas ficar inativa, mas, ao contrário, levou-a a
pelos holandeses. participar das lutas em Pernambuco.
Muitos patriotas alagoanos foram presos pelos holandeses; alguns
<M>LIMA, Fernandes. Ephemeridcs do município de Cainaragibc. R. Inst. llist. Alagoas, Maceió, 60 (17): ~ofreram torturas. O caso de Rodrigo de Barros Pimentel. Outros conseguiram
38-61, 19.~3.

106 107
'
comprar a sua liberdade à custa de bons cruzados: cem, duzentos, alguns subindo
mais, e "houve homem que comprou a liberdade por quatro mil cruzados". CAPÍTULO II
infonna frei Manuel Calado. Também D.Jerônima de Almeida, mulher de Rodrigo
de Barros Pimentel, peitou o inimigo com 90 caixas de açúcar, com o que escapou , .. ,:..
de morrer - é ainda, no seu ''Valeroso Lucideno", frei Calado quem conta. O BANGUE E A ECONOMIAALAGOANA
Dentre os patriotas alagoanos o primeiro preso é um senhor de engenho:
Rodrigo de Barros Pimentel, tronco da família, que se portou heroicamente,
Os sistemas do bangüê. Anecessidade d'águà. Abarcaça e sua importância
apesar dos maus tratos sofridos. Esua mulher, D.Jerônima, foi uma colaboradora
llíl economia açucareira. Ocarro de boi e o cavalo.
ativa junto aos restauradores.
/ - - -so- depofs de-inteiramente restaurada a pátria é que se inicia a Aexclusividade da cultura. As culturas ancilares. Otabaco. Oalgodão. A
reconstrução dos engenhos de açúcar. Começa uma nova fase para a economia
1
l.1rinha de mandioca. Período de crise.
açucareira das Alagoas, como, de resto, para a de Pernambuco, 'os engenhos, os Aevolução dos engenhos. Seu número cm várias épocas. Fausto e
senhores de engenho, os lavradores procuram reerguer sua economia. Entretanto,
rl!•cadência do bangüê. Oengenho a vapor.
começavam a sentir, logo depois, os efeitos de novas perturbações na sua vida,
na organização de sua ativa econômica. Desta vez, são os negros palmarinos A cultura da cana. O trabalho nos engenhos. O braço escravo.
que, descendo dos seus mocambos, destroem plantações, roubam escravos, ~il'lhoramentos introduzidos na agroindústria açucareira. Aestrada de ferro. O
incendeiam canaviais. 1lo no comércio do açúcar.
1
Ocomércio açucareiro no século XIX. Falsificação do produto. O"açúcar
r11forcado". As estradas. Anavegação marítima. As safras e a exportação de escravos.
O engenho central, seu aparecimento. Como se manifestaram os
presidentes da Província. O bangüê e o engenho central. O problema da
111ccanização da lavoura. Arotina e suas causas.
A abolição da escravatura e o bangüê. A situação do trabalho nos
1•11genhos. Idéias surgidas.
Oespírito associativo. OComício Agrícola do Quitunde e Jetituba, suas
rl'alizações. ASociedade de Agricultura Alagoana. Congressos Agrícolas.
Acrise agrícola nos princípios do século XX. O engenho e a usina. O
l'omércio do açúcar. Acrise de 1929. O Instituto do Açúcar e do Álcool e sua
rt~percussão na economia açucareira. O Congresso dos Bangüezeiros e os
l'Ornecedores de Cana. Cooperativismo.

108 109
Do que era a cultura da cana nos primórdios da colonização, e até mesmo- )
nos princípios do século XVIII, deixou-nos precio~~J,~foT!ªS?,~s8 ~ro~fs~ajesuíta
Antonil. O seu livro que fala da "Cultura e Opulência do Brasil", recolhe toda 1
sorte de notícias acerca da rnltura da cana de açúcar, realizada através dos
engenhos: a razão do nome, as engenhocas, os engenhos reais, o pessoal, o
!
S<'nhor de engenho, a escravatura, as divisões do engenho, a capelão, o feitor, as
tc·rras para plantio de cana, os matos, a escolha do terreno, as espécies de cana,
as condições de tempo, as pragas, a casa de moer, o movimento da moenda, o '--
madeiramento do engenho, as caldeiras, o caldo da cana, o cozimento do melado,
as formas de açúcar.
Também, referente à parte histórica, deixou Frei Vicente de Salvador, na
'ºª História do Brasil, valioso noticiário, registrando o desenvolvimento da
economia açucareira na colônia. Da época holandesa o registro de Gaspar Barleus
nada deixa a desejar, informando minuciosamente acerca da fábrica de açúcar,
elas suas várias formas, da colonização do escravo, etc. E deste período não só
Barlcus, também Nieuhof se desdobra em noticiar tudo o que se refere ao açúcar.
Do meado do século XVIII, é a descrição de D. Domingos de Loreto Couto,
uma das mais completas e minuciosas conhecidas. Lembrava o padre benedítino
os tipos de engenho d'água: o "copeiro", quando as águas vêm do alto, o "meio
copeiro" ou "covilhete", se as águas correm baixas. Este, o "rasteiro", exige mais
água; o "copeiro" é o melhor. Os engenhos de bestas são chamados "molinotes'',
e reclamam mais escravos que os de água. Refere-se ainda o padre à casa de
engenho e à das caldeiras com suas exigências de dimensões. Descrição minuciosa
e ilustrativa é, realmente, a do padrç. Loreto Couto.

111
J
Õque estes cronistas e historiadores dizem acerca da cultura da cana É também na água, na água dos rios e na água do mar, qur o hangúf·
da indústria do açúcar, é, de certo modo, aplicável às Alagoas nos primei 11111r.1 o melhor colaborador para o transporte de sua produção. Autili1a~.l<I
tempos. Éaplicável porque se observam no território alagoano as mesmas norm 11 1 .11ioas e das barcaças se fez a grande. É um papel relevante este que cxcrt<''il1
de plantio, o mesmo sistema de produção, a mesma técnica de fabrico, o mesm h.1rcaças e as canoas na produção do açúcar; no seu comércio ~bém. ;
processo econômico. Era este o sistema que o bangüê presidia.1 Cortado o território alagoano por um vaso sistema hidrográfico, é natural
Uõ engenho dágua aos trapiches - os engenhos movidos a bois jlll .t 1gua dos rios seja meio de transporte mais fácil~º. escom11~nto da ~rodução.
conheceu o território alagoano todos os tipos de fábrica de açúcar. Assinala Frei :h~im foi ainda no século XIX em grande escala, diferente nao devena ser nos
Vicente que os tipos primitivamente conhecidos eram o dos pilões, o de mós, 1ulos anteriores, quando os meios de transporte eram mais deficientes.
e o de eixos; mais tarde, devido ao ensinamento de um padre espanhol, ficou· Em jornais do século XLX é comum anúncio de barcaças cujo tamanho
se conhecendo o de três paus ou "entrosas". Mas o que parece sem dfü~da é n11 1111portância é medida pelo número de sacos ôu caixas de açúcar que podem
~1e o engenho d'água foi o tipo primitivo do nosso engenho de açúcar. ,11111\uzir: ''Vende-se a barcaça Flor deJaraguá, que pega em 24 caLxas de açúcar",
Na época holandesa ele já existia, ou ainda existia, em vários ~ngenhos, 1 h (Diário das Alagoas, 4 abr. 1859); "Vende-se a barcaça Boa-Ventura, de
conforme se pode verificar das relações ou relatórios conhecidos. Pelos tempos 11111' de 20 caixas de assucar, com todo o seu aparelho, pronta a navegar, etc.
afora continuou existindo; ainda hoje existe. Era natural que o engenho d'água thh•m, 22 abr. 1861).
ocupasse posição de relevo na economia açucareira. o bacharel Félix da Costa Morais anunciava no Diário das Alagoas,
r J --v\Cultura da cana procurou sempre as proximidades das regiões de rios \rnder as madeiras necessárias e de melhor qualidade para a construção de
~de riachos, e não se distanciou, por interesses comerciais, do mar. Éna água 11111 a barcaça de trinta caixas; madeiras, de resto, tirada das árYori; ~ s~u
dos rios, dos pequenos rios , que o senhor de engenho encontra o melhor 1 ·n~cnho onde diziam existirem "boas mattas" e, segundo acrescenta, propnas
) colaborador para sua organização econômica. É no rio que ele vai buscar_não para plantação de canna" (Idem, 12 nov. 1860). . , .
somente a água para movimentar a moenda; nele está a água para dar umidade Em 1893, ao ser lançada ao rio uma barcaça. O Munmp10, de
ao solo, para o transporte da produção, para o banho dos animais; também para 1,amaragibe, assim registrava o fato: "Hontem foi lançad~ nas águas ~o
• Cmnaragibe uma barcaça nova, construída no estaleiro desta cidade, de lotaçao
/ o seu banho e o de sua fan1ília.
"A água foi elemento nobre na velha paisagem de engenho do Nordeste", 11t• cerca de 300 sacos e de propriedade do Sr. Francisco Lima. Por ocasião de ser
assinala Gilberto Freyre, para acrescentar logo depois: "O engenho honrou a .1hençoada pelo Revmo. Vigario d'esta Freguesia, receb~u o n~m_e de On~ina"
água, não se limitou a servir-se dela"<n. (O Município, 17 ago. 1893). Não faltava à barcaça o ritual cnstao do ballsmo,
Ainda na água os engenhos vão buscar seu nome de batismo. Nas Alagoas romo não faltava também ser assinalada a possibilidade do seu carregamento.
o caso é comum: Riachão, Poço, Ribeira, Água Comprida, Água Fria, Vale, Água Também el'Q ~arca~ se faziam viagens. Senhor de engenho ou doutores
Clara, Riacho Branco, Riacho de Pedras, Rio Largo, Porto Dágua, Poço Redondo. Olhos de senhor de engenlio, comerciantes, famílias, viajavmn em barcaças:
Quando não foi buscar seu nome no do rio ou riacho vizinho: Camaragibe, para Macei.ó, para o Recife. Em barcaças, e às vezes cm jangadas, sujeitando ·!I<'
Jitituba, Castanha, Santo Antônio Grande, Utinga, São Miguel, Jiquiá, Mundaú. a desastres, como, por exemplo, o de que nos dá notícia um jornal da época: a
embarcação foi apanhada por forte tormenta na altura dos morros ele Can1arag~bc,
e virou, ficando submergido um ilustre engenheiro, filho de abastado e notavel
WfREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de janeiro, 1937. senhor de engenho, grande figura política do Império. Oengenheiro veio a ser

112 113
salvo, perdendo, entretanto, cerca de três contos que trazia em dinheiro (0 111.1ls uma boa gratificação se fosse descoberto ou preso o ladrão. Osenhor <k
Município, 6 jul. 1893). 1 111•.<
•nho Arandu de Baixo não negociava nem vendia seus cavalos, motno po1
r-----Outro meio de transporte comum na vida do bangüê, e hoje incorporado qt1ll considera furtado todo cavalo com a marca do seu engenho enconlr1do c111

, paisagem rural das Alagoas e do Nordeste, é o carro de boi. Carro de boi 111.IC>s de terceiros.
~arregando cana, carregando sacos de açúcar, carregando também passageiros, ,Também os cavalos que roubaram ao Dr. Ambrósio Cavalcanti eram
carregando mudanças - móveis, utensílios, etc. Deles se serviam senhores de 1lp11s éompletos: um "castanho claro grande, nutrido, castrado; com uma
engenho transportando-se com suas famílias em passeios à capital ou em visita l'~lrclinha na testa, e com a letra-e- sobre cada uma das ancas"; outro, "preto
a_engenhos vizinhos. 111dino, castrado, bom corpo, nutrido, com igual ferro sobre as ancas"; o terceiro
ôêarro de bois chiando pelas estradas, constitui elemento imprescindível ".1l11da poldro, enteiro, cardão, vermelho, gordo, crinas pretas, curto de corpo,
à paisagem do bangüê. A sua utilização completa-se com certos requintes que 111111 o mesmo ferro dos 2 primeiros, mas sobre os dois quartos, em vez de ser

seu uso reclama. A escolha dos animais, por exemplo, para a formação das 111ts ancas" (Diário das Alagoas, 27 maio l 870).
juntas: os de coice devem ter o pescoço alto, os cambão as cabeças mais baixas "Castanho, com os quatro pés brancos, bem andador" era o cavalo que
em virtude do esforço de tração<2>. 11111 certo Francisco de Barros Lins furtou do engenho São Caetano (O Liberal,
Ocavalo foi elemento nobre na vida do bangüê. Dele, de sua colaboração (1 :tbr. 1876).

ao homem, fixou páginas admiráveis Gilberto Freyre<~J ao lembrar o "amor todo À procura de cavalos roubados são constantes os anúncios em jornais.
especial do aristocrata da canna pelo cavallo". Em anúncio de jornal do século A11üncios em que os senhores de engenho como que revelam pôr a mão à cabeça
passado encontra-se notícia de importação de "animais cavalares próprios para qmmdo lhes furtavam um cavalo; às vezes cavalo de eS'tirnação, outras vezes
serviço de engenho" (Diário das Alagoas, 7 jan. 1859); cavalos importados do 1•:tvalos nutridos, gordos, tipos aristocráticos. Oroubo de cavalo foi uma indústria
Rio Grande do Sul para os engenhos alagoanos. que encontrou sempre boa fonte nos cercados de engenho.
Dos cavalos do senhor de engenho, aqueles a que se refere Gilberto Contra roubos de cavalos das estribarias de engenhos era que
Freyre, que completavam a figura do proprietário, cavalos de tipo aristocrático - n~clamava O Município, de Camaragibe, escandalizado com as atividades
com pés ou mãos brancos, preto andrino ou castanho, nutrido, curto do corpo - de que chamava "companhia do cabresto". Daí os anúncios nos jornais, as
surgem alguns exemplares em jornais do século XIX. Anúncios pagando bem a hoas paga e recompensas a quem apreendesse o cavalo; pagamento e
quem apreender o cavalo roubado. Oproprietário do engenho Sono recompensa 1·ccompcnsa muitas vezes iguais às oferecidas pela captura de um negro
bem a quem apreendesse ou desse notícia de "um cavalo castanho, bastante fugido. Principalmente dos bons negros, especializados: cozinheiro, mestre
r-t- ' l .
grande e novo", com "os quatro pés brancos" e outros sinais (Diário das Alagoas, de açúcar, remeiro.
14 abr. 1870). Ao cavalo também se refere em sua fala de 1862 o presidente Souza
Atrás de cavalos que lhe roubaram é de se ver o interesse do Dr. Ambrósio Carvalho, das Alagoas, mas aí para encontrar nele o símbolo da incerteza da
Machado da Cunha Cavalcanti em reavê-los ao pagar 50$000 por cada um e ltabitação, da vida errante, dos seus donos. Dos donos a que ele se referia: os
1rabalhadores livres, "os proletários rurais", procurando de engenho cm engenho
tcrras para plantar canas. Terras que lhes eram negadas, e daí sua ociosidade,
C1>SETB, ~lario. Senhora de engenho. São Paulo, s. d. seu des~rnor ao trabalho, pela "circunstância de morarem em terras alheias
fJ)fRYRE, Gilberto. Op. cít. rcf. 1.

. 114 115
cujos donos recusam vendê-las, inda que não possão cultivá-las, e teem o arbítrio
de ~s a mudar-se inopinadamente11 <4>,
~ u domínio que a monocultura açucareira logo assumiu na economia
/ alagoana, veio facilitado não só pela riqueza que a produção proporcionava, mas
, também pelas condições adequadas de terreno para o cultivo da cana. Osolo, pela
' água e pelo terreno de massapé, e o clima das Alagoas pem1itiram o fácil
-desetWol\li_]lento da cultura no território alagoano. j
,....-----Jlintam-se a estas causas o trabalho humano, a orientação do senhor de
engenho aliada à eficiência do escravo preto, e têm-se as razões pelas quais
encontrou a cultura açucareira nas Alagoas notável progresso, de modo a deixar
1
de lado a produção de outros gêneros. Amonocultura do açúcar foi facilitada,
nas Alagoas, pelas condições propícias que encontrou o seu desenvolvimento.
::,...;:::--- Apesar de se ter prendido à cultura da cana, à sua exclusividade, ao seu
lado havia, em engenhos, plantio de outros gêneros: do feijão, do milho, da
mandioca, da macaxeira, das batatas, de legumes. Mas, isso nem sempre em
( grande escala, e quase mais para o consumo próprio. Aprincípio mesmo, nas
Alagoas, houve cultura desenvolvida de tabaco, a que se referem cronistas
coloniais. Antonil, por exemplo.
) O S. J. registra, no seu sempre valioso livro sobre as riquezas do Brasil,
que o das Alagoas e o da Cachoeira da Bahia era o melhor fumo do Brasil. Do
nosso adianta: a produção cada ano era de 2.500 rolos, com um preço de 16$620,
"por ser melllor o tabaco"<;>, notícia essa que Aires do Casal, nos princípios do
século XIX, confirma, acrescentando que era "de tão boa qualidade que se
comprava quase cinqüenta por cento mais caro que o da Bahia"<6>.
Já de antes, do período holandês, há referências ao tabaco, como recorda
Watjen, ao dizer que, durante a invasão batava, a produção aJagoana prosp~rava,
e documentos holandeses consideravam excelente o produtoO>.

<'>CARVALHO, Antônio Alves de Souza. Falia dirigida à Assembléia Legislativa das Alagoas, pelo
Presidente (•••) na abertura da ta sessão ordinária da 14ª legislatura (...) Maceió, 1862.
<s>ANTONIL, André joão. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo, 1923.
<6>CASAL, Manuel Aires de. Corografia brasílica ou Relação histórico-geográfica do Reino do Brasil. São
Paulo, 1943. 1ssentamento de cozinhar melaço de engenho bangüê (cozimento a fogo nu).
17lWATGEN, llermann. O domítúo colonial hollandez no Brasil. São Paulo, 1938

117
116
Q / .""Mas, a crescente absorção da cana de açúcar, reclmnando sempre terras 11111os no domínio quase absoluto que têm tido na economia alagoana. Pois o
1 otl:to sempre figurou ao lado do açúcar; algumas vezes até suplantou ·O
~ e. m~s .te!ras, alastrando-se por todos os terrenos de rnassapê, foi levando à
d.1mmu1çao a produção dos outros gêneros: da mand1oc~ gg_f~jjão, do milho, Na segunda metade do século passado suã posição cresceu <' o 'tlgoúfio
~,as verduras. Foi também esquecido o tabaco. 1t 11• 11111 grande surto de progresso nas Alagoas. Foi então que procurou fa1<•r
-- O-a1godão foi outro produto que sempre figurou na vida econômica das 11111hra ao açúcar, como de fato fez.\Período houve em que as rendas provinciais
Alago~. Sua introdução é atribuída ao Ouvidor josé de ~MendonÇãctc-Ma!_os Moreira \11l,u11 do algodão. Do alto preço obtido pelo algodão.
e verificou-se nos últimos anos do século XVIII. Fraca e..i.o.Q.ecisa a princípio, ~ Em relatório de abril de 1865 o Inspetor da Tesouraria Provinci:tl, Dr.
cultura do algodão só nos meados do século XIX começou a toillar vulto. M.11 l:tno joaquim da Silva, afinnava: "A grande importância, que conti11u:1 a ter
Embora historiadores alagoanos tenham insistentemente atribuído o 11111·r em relação comercial, quer em relação industrial, o algodão, o mais ilnporlalllt'
plantio do algocL'io ao Ouvidor Mendonça, sabe-se entretanto, que já na ouvidoria 1lu-. produtos de exportação desta província, e o desenvolvimento de sua cullura, ~
de seu antecessor, Francisco Nunes da Costa (1777-1779) se plantava a malvácea 1111 lgem mais poderosa do crescimento de nossas rendas". Oaçúcar estava rl'lq,:íHlo
nas Alagoas, graças às recomendações do Governador José César de Meneses da 1 ·,l'gundo plano. O algodão atingia, então, a fase áurea; alcançava pn·ços
Capitania de Pernambuco, àquele ti tular. Refere, com sua autorid~de 111111pensadores. Mais do que compensadores.
incontestável, mestre Rodolfo Garcia que, em 1778, o governador mandava para E era isto que determinava a procura do plantio do algodoeiro> ;1 ponto
111• muitos agricultores desistirem da cana de açúcar, então com sensível llíllx;1
a Corte amostras de panos de algodão tecido nas Alagoas<8>. Em Penedo e Porto
Calvo - acrescenta - fabricava-se pano ordinário, usado principalmente pelos 111• preços, para se dedicarem ao algodão, cujo preço alto era remunerador dos
escravos e gente pobre. 1r.1halhos empregados. _
Afase prestigiosa do algodão foi a guerra interna dos Estados llni<los
Oque se deve realmente ao ouvidor Mendonça é ter sido por ele instalada
t 1•ssada a luta o algodão brasileiro caiu; e nas Alagoas o reflexo da situação Sl' f'l'I.
uma f~itori.a no engenho São Miguel, em Atalaia, pertencente ao coronel joão
1•11tir com a baixa dos preços, com o desaparecimento das grandes procuras.
de Fanas Blttencourt, para os fins de cultura comercial do algodão. Nessa feitoria
111111 a falta de sua saída. O açúcar, porém, mantinha-se suportando a sil11a~.10
trabalhavam escravos africanos e índios das aldeias de Santo Amaro e Cabeça do
qicsar da crise em que se debatia\
Cavalo; sua instalação data dos começos do século XIX. São informações que se
No século XIX as crisêsde-farinha documentam a deficiência da prmh 1ç:10.
podem colher na valiosa memória do Professor joaquim Inácio Loureiro sobre o
No Diário das Alagoas, de 27 de abril de 1859, registra-se: "Não só na barl':I
algodão nas A1agoas(9>. Também na feitoria plantavam-se café, jaqueiras e outras
Maria & Deolinda como também no brigue S. Barbara veio grande porção <ll'
fruteiras.
l.1rlnha, montando a 1.600 sacos. Seja bem vindo este socorro do Rio, e sirva d('
O fato é que a cultura do algodão se deu amplamente nas terras f 1 ' "' "-t
..-.i.,..\. .
h•nitivo a falta da que podíamos ter do interior da nossa província". Tam brm da
alagoanas. Esaliente-se a coincidência do plantio da malvácea para fins mercantis
Bahia era importada farinha de mandioca.
se ter verificado em terras de um engenho de açúcar; algodão e açúcar dando-se E essa falta era acentuada nos engenhos, pois para os scnhorl's de
r11genho eram encaminhadas grandes porções das quantidades importadas elo
MGARCIA'. Rodolfo. ACapitania de Pernambuco no governo de José César de Menezes (1774- J787) R. 1111. O Diário das Alagoas, de 12 de maio 1859, chama a atenção para essa
Inst. Hlst Geogr. Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 84, 1918 (1919).
l'lrcunstância: 11Chegarão 2.000 sacas com faiinha, 500 forão vendidas à população
"'>LOUREIRO, Joaquim lgnácio. Cultura do algodão em Alagoas. Anais da I" Conferência Algodoeíra v 11
11, São Paulo, s. <l. . 1• rt outra a quem? Aos srs. de engenhos •
/

I18 119
Uma nota de O Liberal aconselhava aos proprietários a plantarer , , . as d~enta 0 interesse com q1u• a
mandioca, pois havia reclamações contra o alto preço da cuia em São Luís d Oincremento do numero de fabnc_ di a entretanto que a cul1ma
r . ll da nas Alagoas Nao se g' ' ' lb .
Quitunde; e admitia mais que quem não planta, tendo terrenos para fazê-lo, •·llnra da cana io1 o la ' ,. . d' A economia do açúcar í e .t!la
não podia queixar-se do preço da farinha (O Liberal, 31 ago. 1878). O que s h ~1· economicamente satls.fatona;. longe , isso. vinha de certo modo prejudicar
verifica, não há esconder, é a carência de produção de gêneros alimentícios par 1 i·11tão em uma de suas cnscs mais agud~; qu~
' · ~ ·ado bangüê l - -
consumo dos próprios engenhos. u 11\1110 progressista de ex1stenc1 ~ t .do eixo~conômico pifa o sul, que
't ação o deslocamen o e o
O ponto a que chegou essa carência, denunciam-no as medidas Agrava essa s1 u _ d - cafeeira. Primeiro, 1ora n
, 1 XIX m a expansao da pro uça0 . , .
governamentais. Duas delas se traduziram em resolução e lei provinciais. A , n•petia no secu o co ' _ na para as zonas de nuneraçao,
ai a grande migraçao 1rnma N d te
primeira, em 183 7, autorizando o governo da Província a mandar comprar fruinh iu·riodo coloni com V leno século XIX arrebata ao or es
de mandioca para ser vendida ao povo pelo mesmo preço porque tiver sido ih•pois, o progresso ~a ~ultur~ doca ed~: ~ ocas que traze~n à cultura do aç~c'.11' 1
adquilida, saJvo as despesas; para taJ compra era aberto um crédito até 1Ocontos ' hegemonia econom1ca. Sao estas p nômica tenha procurado res1~tir,
. . e bem que a estrutura eco _ ·d, s
l
de réis (Res. n. 3, de 3 de março de 1837), elevado para 15 contos pela Res. n. p111juízos financeiros, s . . d novas fontes de riqueza entao surgi a
t t11110 de fato, resistiu, aos nnpulsos as -- -
31, de 14 de março de 1838. A segunda data de 1854, e se trata da lei n. 254,
de 8 de maio, autorizando o presidente "a despender a quantia que for necessária 1111 país. . , ~~'ou 0 ~xclusivismo da cultura açucareira. O
com a compra de farinha de mandioca, a fim de abastecer o mercado público Foi então que mais .se arra1g t , mais agravados nos fins do século
pelo seu custo, incluídas as despesas". . r'meffos desencan os, - · a
h11ngüê sofna os seus p ' . d 1 imento técnico da produçao cnav
1 Ao começo do século XVIII, cm 1718, contava Alagoas, somente a vila \IX com o aparecimento da usma. O esen~~ v t' ha na a nos bois, nas
agu'

··~ do bangue que m '


).
das Alagoas, 23 engenhos, número esse que ascendeu em 1730 a 47. Em 1749 illflculdades à vida do bangue - s elementos fundamentais, os
,, tr sas11 no trabalho escravo os seu.
possuía a comarca 61 engenhos. Nas últimas décadas do século XVII, segundo hct1t11s, nas en o , . - .
se depreende da Idéia da População da Capitania de Pernambuco, haviam cuHtentáculos de sua vida... A , , nos arrancos progressistas da usma, \
na vila de Porto Calvo 33 engenhos, dos quais 4 de fogo morto; na das Alagoas 30 O fastígio do bangue encontra ai, b ar t11do. Agrande economia do J
· omeça a açam are ·
engenhos, e na do Penedo 9 engenhos. Segundo as freguesias assim se sua hora amarga. ~ u~1~a c , re resentada pelo bangüê. Já não é preCJso
localizavam: 12 engenhos, todos de bestas, em Porto Calvo, 11 em Camaragibe, içúcar faz concorrenc1a a pequena, P assado O passado brilhante do
• ag'tia o boi o escravo; isto ficava para o p .
5 em São Bento, 2 em Mcirirn, 10 em Alagoa do Sul, 9 em São Miguel, 8 em 111a1s

, • -
Alagoa do Norte, 3 em Santo Antônio Meirirn, 7 cm Penedo e 2 em Poxim<ioi. Nos bangüê 1 do ban .. ê fora dos séculos anteriores. O
primórdios do século X1X o número de engenhos estava elevado para 120, Este passado, o do esplendo~ gu, '. do bangu··ê· o lugar do açúcar
d, · de declímo do prestígio '
"reputados bons", segundo Vilhena<1t). Era de 316 o número de bangüês na metade XJX já apresenta os ln ICIOS , . final do século é apenas o
d0 elo cafe no sul. Assun, 0
do século XlX, época cm que se registra o surto da produção, de modo a anotar- passava a ser ocupa P _ 'd radável para o engenho.
se, em 1859, a existência de 479 engenhos. ponto culminante desta situaçao esag . e em jornais anúncios de vendas de
Em todo o século XIX, encont~am-s -o o escondem. É o caso elo
_ J'cam 0 motivo· outros na ·
engenhos; alguns nao exp I . B
d ·xo que confessa llfaltadc suficientes
111
< >A.'iAJS DA BIBLIOTECA NACIONAt, Rio de Janeiro, v.40:1918 (1923). proprietário do engenho Cach~e1ra_ e : te Negro que convoca seus credores
00
forças"; ou ode Antônio Pantaleao Bezerra on
\11.HE:\A, Luiz dos Santos. Cartas de l'ill1ena. Notícias soteropolitanas e brasílicas. Bahia (Salvador) 1922.

120 121
por achar-se impossibilitado de pagá-los sem alienação de seus bens. (Diário Esta situação, ade venda de engenhos e a de cobrança de dívidüS. traduz
das Alagoas, 25 fev. 1861). Hlli llldades por que passava então a cultura da cana de açúcar. O n1climcntar
Falando linguagem chu·a o dono do engenho Sabauma Grande anuncia ,•• ,!lo de fabrico era prejudicado pelo adiantamento dos métodos doe; c11g1•11hos
a venda da propriedade "para acabar com suas dívidas". (Diário das Alagoas, 1111 .1ls, já para não falar do engenho a vapor. _
11 abr. 1863). Com o engenho se vendiam ainda 25 escravos e 40 bois mansos. Data dos primeiros anos da segunda metade do século XIX.a int rod 11ç.ao
Também Francisco Henrique da Silveira, senhor do engenho Boa Vista, 1 111 • 11 ~cnho a vapor nas Alagoas. Na sua fala de 1851 à Asscm?l~1a l,'t'~islat1va
anunciava a venda de sua propriedade "por não ter forças para o trabalho do 1 pH·sidente José Bento da Cunha Figueiredo refere-se à cx1stc11rn1 tk d<11s
mesmo". (Diário das Alagoas, 15 abr. 1861); forças, de certo, financeiras, como 111~·i•nhos movidos a vapor, um em Passo de Camaragibe, outro cm Santa Lili ia
as alegadas por D. Germana, viúva do finado Antônio Joaquim da Silva Giquirí, 111 ; orte. o presidente não informa os nomes dos engenhos; quer nos pa.n•n•r
ao anunciar a venda <lo seu engenho Boa Hora "por não ter força para trabalhar llll l' HlíltO, que se trata do engenho do Meio, o de Passo de Camarn~1lw. l'
com ele" (Diário das Alagoas, 9 fev. 1863). pi 11vavelmente do Riachão, o de Santa Luzia, então pertencente ao con 1c11dador
E não somente estas; vendas sem motivos alegados são comuns em I •Ih• Pitanga. .
jornais do século XIX, como é também comum protesto contra venda de Em 1852 o mesmo presidente já menciona 5 engenhos a vapor, 1guahm•11tt·
propriedades por ·ter dívidas o senhor do engenho. De Pernambuco, protesta-se , io lhcs discrirnimmdo os nomes. Dele são, porém, as seguintes info.'.·1~açcws <~t'
1
contra a venda do engenho d'água do Sr. Máximo Marinho da Rocha VanderJey l ll';itcr importante para a história da agricultura da cana nas Alagoas: Ja.ha pom:o
"porque esse engenho está sujeito a grande débito do sr. Má.ximo" (Diário das •IH'garam os jogos de aparelho de força.ce1:trífuga para cl~rificar ou ~nstali1:ir e~
Alagoas, 12 jul. 1862). ,.,~ 11 car; mandado vir pelo govemo provmctal cm conformidade da lei n. 1~7, .<lt
Aliás, os anúncios de vendas de engenhos nos facilitam um conhecimento •K de junho do ano passado. Foram arrematados um pelo diretor geral dos 111chos
melhor da situação das propriedades; da falta de outras culturas, por exemplo. 1us(· Rodrigues Leite Pitanga, e outro pelo commendador Jacinto Pae~ de Mc11clo1 iça,
ujdtando-se ambos às despesas que devem fazer com o engenhe1~0 co1111.·t~·l' t:1do
Fica-se sabendo, além disso, que o terreno é ótimo para plantação de cana;
como também que as terras se prestam para outros produtos, mas não são · COJI OCa-los . Conta-se ainda um outro apparelho da mesma natuH z.1 110
1
p.ll'll Vtr
cultivados. Ainda engenhos com matas- "com excelentes mattas'\ alguns; outros
1·11gcn ho Tres nAccas
A

ª"' , do commandante superior José Antônio de Mendo11<.;a. o


"com mata virgem". pi ltneiro agricultor que na província iniciou o.p~ocesso de purgar o assu:m·, ~·'.11.11 t~
De algumas centenas de anúncios de venda de engenho que tivemos ,nixílio de tacs maquinas, das quais consta existirem no Penedo algumas fc 1t,1s dt
ensejo de encontrar, somente em três se faz alusão à existência de plantio de nrndcira pelo engenheiro Mornay". . , . .·.
mandioca - um, o engenho Pirajá, "com muitos e ótimos terrenos tanto para o Alei n. 167' a que se refere o presidente, automou o governo. a a<.l.qu1111
plantio de canna, como de mandioca, e outros cereais" (Diário das Alagoas, 15 dois aparelhos até 5:000$000, a fim de serem vendi~os aos propr!ctártos dt•
jun. 1859); outro, o São Francisco, incluindo na venda, além de escravos, t•11gcnho que concorressem à arrematação, com o abatimento de 20 %. -
animais de roda, bois mansos para carro, vacas, carros, carroças, palntação de O trecho citado do presidente josé Bento nos faz crer que o Barao ele
capim, mais "vinte mil covas de mandioca plantada este anno" (Diário das 111raguá se antecipou aos dois outros senhores de e~genho ref~:i~os no emprego
Alagoas, 12 jul. 1859); o terceiro, o Espelho, que possuía plantadas oito mil (l 'L ma'quina a vapor cabendo-lhe assim a primazia no terntono das ~lag_o;'\S.
covas ou mais de mandioca, além de possuir casa de farinha com seus pertences I ' ) A ' o O' 'o estudo b1ogranco
Corrobora essa crença a circunstancia de oDr. Leite e itic1ca, no
(O Liberal, de 24 set. 1887).

122 123
do comendador Pitanga, nada ter referido sobre a introdução das máquinas no
seu engenho02>. 111 ,·sldente, da extinção do tráfico~ da epide~a d? c?Iera; aos propric.tárlos
1111 ,11s surgia 0 recurso à colonizaçao estrangeira, prmc1palm_ente ~s açoriunos,
Assim, pelo que informa o presidente José Bento, Alagoas possuiu
111111 "pela sobriedade com que se alimentam e pela profissao ,aw:1~?la ~ que
engenho a vapor 36 anos depois de sua introdução no Brasil, pois o primeiro ,1wm, são talvez os mais adaptados para a colonização nesta provmc1a , adiantava
data de 1815, montado na Bahia. Foi seu maquinista o inglês Falconer, que
também montou outros em Pernambuco e Bahia. 11111·csident€. - - - - -- ---:--- ~ .
Ao mesmo tempo que a parte industrial merecia atenções do governo
(Às calamidades climáticas e ao c~~~ra, retleth~do na v~da econ~m1ca, ,
~ 1 ·Hue-se uma fase de crise para o bangue. Concoma ta~be~ para isso a
e dos proprietários, não era esquecida a cultura da cana. No propósito de dar· illminuição progressiva do braço escravo, em virtude da paral1zaçao do tráfi~o: O}
lhe melhor orientação é que o governo provincial, baseado na lei 266, mandou i·ngcnho atravessa momentos diffceis, salientado~ em te~os claros nos relato~os
ao Rio de Janeiro os senhores de engenho José Vieira de Araújo Peixoto, •icom mi "falas" P_!.~iais_@~a,~ O relatório_do Vtce-pres1dente Roberto Calheiros
o fim de lá estudarem o novo systema de plantação de canna adaptado com ih• Mérõ,em 1859, evidencia suas apreensoes pela sorte da lav?ura.
muita vantagem pelos ilustrados inglezes Dogdson e Coats nas suas fazendas Lembra 0 presidente as causas que determinam as dtfi~uldades ~om
estabelecidas no termo de Itaguahy"< 13>. Os dois proprietários foram bem que a lavoura vem lutando: falta de capitais, ausência de instruçao apropnada
sucedidos, e regressaram - adianta a fala" presidencial - munidos de
11

1m classe agrícola, a prática rotineira seguida. Estas, e ou~ras que se. foram
instrumentos agrários de reconhecida vant:1,gem e perfeição, ensaiando o sistema mimulando, são indicadas em relatórios ou falas postenores por diversos
nos seus engenhos Mundaú e Ponte Grande. Contudo a experiência foi abalada presidentes, como causas do enfraquecimento da lavoura; e a lavoura era a da
pelas condições do tempo, não propícias à plantação de cana de aç(1car, e pela
cana de açúcar. ~ . . _
epidemia do cólera, então irrompida na Província. {As crises sucessivas que atingem a economia açucareira, nao eram
"Os senhores de engenho, suas famílias e escravos soffrerão grandes novidade. constituíam como que parte integrante de sua própria estru~ura.
danos nas suas saudes; muitos foram ceifados pela epidemia" - infotma a mesma ffcsultavam, em primeiro lugar, é lógico, do sistema .m~no~ultor que domma a
11
"fala que acrescenta ainda terem sido vítimas a esposa do Dr. Oiticica, três
,
Indústria do _aç.ikar.fE vinham assim desde seus pnmordios, a.ponto de o Sr.
filhos seus e 15 escravos, e do coronel José Peixoto alguns escravos, tendo a sua Gileno í){ Caru<14> observar que as crises de açúcar no Bra~tl se tornaram
própria vida corrido perigo. Apesar dos contratempos o ensaio realizado não endêmicas; e dentro do Brasil, Alagoas não poderia fazer exceçao. . .
deLxou de apresentar vantagens, e despertou interesse entre os senhores de o presidente Pedro Leão Veloso, em 1860, ao acentuar a cns~ ad;m~a
engenho que procuraram conhecê-lo. com a repentina cessação do tráfico de africanos, refere-se que fora d~ mdustna
É ainda o presidente Sá e Albuquerque que na "fala" da sessão de l 857 agrícola nenhuma outra fonte de riqueza temos. Oquadro que a agncul~ra da
admitia que os agricultores despertavam sua atividade, diante da diminuição do ~rovíncia oferece - adianta- nada tem de alegre,. e mais triste.se~á o porvir. Para
braço escravo na cultura do açúcar. Esta diminuição provinha, segundo o
0 presidente duas soluções poderiam ser enc~nmhadas: a c~1açao de pequenas
colônias agrícolas e a instituição de estabelecimentos de ensmo agrf~ola.
1
"\EITE E Ol'flCICA. Memorial biográfico do Comendador josé Rodrigues Leite Pitanga. R. lnst. Arch. "As trevas da rotina" a que se referia o presidente, contmuav~m a
Geogr. Alagoano, Maceió, v.6 a 8, jan-jun.; jul-dcz. 1915; jan-jun. 1916. dominar a grande cultura, assim classificada a do açúcar e a do algodão; o
onsÁ ll ALBUQUERQUE, Antônio Coelho de. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Prov. Alagoas
(...) Recife, 1856.
o•>CÃRLI, Gileno Dé. Aspectos da economia açucareira. Rio de janeiro, 1942.

124
125

)
problema do crédito agrícola era encarado como necessidade urgente, , 1111rnrriam vários fatores-faltade crédito, diminuição de braços, falta de c11si110
pormenorizando a questão da lavoura da cana o presidente Leão Veloso mostrav t"rlrola - a que se juntavam outros: a irregularidade das estações e a b1ll\a do
se interessado em obter, para a província, uma máquina citada na obra p11•ço do açúcar. Adiminuição das safras de açúcar e a baixa do preço do prutlul11
lavrador prático da canna de assucar, de Leonardo Wray. Esta máquina 111lam subir a exportação de escravos, acarretando a luta pela carência de braços.
máquina avapor auxiliar locomotiva- tinha sido utilizada, com êxito, em Demerar Mais tarde, em 1872, o presidente Silvino Elvídio Carneiro da Cunha,
e executava os seguintes trabalhos: ara cm todas as direções; grada e despedaça .qtl'Sar de não esconder a rotina ainda existente, proclamava alguns
terra até reduzí-la a pó; abre regos de 6 em 6 pés para os olhos da cana; Hmp 1111'lhoramentos introduzidos: "Entregue aos seus próprios recursos, e presa ainda
amanha, e faz primeira chegada de terra às canas novas; leva aos carros ou vaf 1 rotina dos nossos antepassados, apenas se lhe descobre algum adiantamento,
que estão nas estradas, as canas cortadas dos canaviais; leva os carros ou vagõ ·I' lhe observa alguma transformação na substituição das antigas machinas de
carregados de cana para as moendas e os faz voltar com bagaços; distribui o bagaç 111.1deira pelas de ferro, dos inotores de ani_maes pelos de vapor, à excepção
pelo canavial, há pouco cortado; nivela os camaliões e cobre a palha; leva , i1 111111 ou outro estabelecimento, bem como os do Exmo. Sr. Barão de Anadia,
campos os carros de estrumes e espalha-os; leva areia, quando necessário, p 11111lc à par do gosto e asseio se vê alguma coisa de progresso e aperfeiçoamento
11 15
os campos para também espaUlá-la; põe areia nas estradas e nivela-as quando 1111s meios e modos de dirigir o trabalho agrícola < >. •
preciso; bombeia água para irrigação, se necessário; esgota os terrenos; leva para o Este presidente se antecipa, numa declaração sobre organização de
embarque os carros carregados e daí os trás canegados de carvão; serra tábuas e 11.1halho, ao que hoje se vem realizando no Brasil, justamente na economia
as plana; além de outras muitas coisas menores que de tempos aparecem. 1t;11careira; antecipa-se ao afirmar que seria de efeito maravilhoso "uma lei agrária
Os sucessores do Sr. Leão Veloso não falam da nráquina citada; referem· q111• regulasse d'um modo efficaz os contractos entre o agricultor e os trabalhadores,
se, entretanto, às dificuldades por que atravessava a lavoura, indicando causas ,. prohibisse sob a sanção de penas mais ou menos rigorosas a vadiagem".
do seu definhamento, e ainda dos processos rotineiros usados na cultura da Ao mesmo tempo que cresce o número de engenhos, tentam-se, ou são
cana de açúcar. No decênio de 1850 a 1860, a maior produção de açúcar fora na 1111roduzidos, melhoramentos na lavourada cana e ainda na indústria do açúcar.
safra 1855-56 que alcançou uma exportação de 877.879 arrobas; caindo no ano o desenvolvimento técnico começa a oferecer seus primeiros aspectos mais
seguinte, tende a melhorar, aumentando cada safra, até alcançru· 712. 719 arrobas 1111portantes. O problema da irrigação já cm 1868 era focalizado pelo presidente
na de 1858-59. É o que nos indica um quadro incluído na "fala" do presidente '\llvério Fernandes de Araújo jorge, ao admitir a possibilidade de se introduzirem,
Souza Carvalho em 1861. 11 1 Província, algumas máquinas de irrigação a vapor.
É este presidente que na sua 11fala" do ano seguinte se refere à progressiva Não somente este era o problema de primeira monta: outros se incluíam
falta de braços escravos como a questão que mais deve preocupar. Desaparecido 11;1 relação dos reclamados pela agricultura do açúcar. O dos transportes vinha

o tráfico, a população escrava era ainda sangrada com a exportação que se elevou ·.p11clo desde muito posto em relêvo, acentuando os presidentes provinciais o
de 1852 a 1857 a 1.598 escravos; de 1857 a 1862 saíram 656. 2.254 escravos 1111tu estado das estradas, a sua falta, ou a sua deficiência; o que acarretava, e111
saídos em dez anos "além daqueles - admite o presidente - que teem sabido 11111seqüência, dificuldades para o escoamento da produção, produzindo
sem pagamento do imposto". d1 $ânimo entre os agricultores.
1

O presidente João Marcelino de Souza Gonzaga, na sua "fala" de 1863,


não esconde ser mau o estado da agricultura alagoana. Para esta situação 1l!t\llA. Silvino Elvídio Carneiro da. Relatório com que o exmo. sr. dr. (...) presidente Pro1•.
1 1

Alagoa~, instalou a lª sessão da 19• lcgislatura (. ..)Maceió, 1872.

126 127
O mesmo presidente Silvério jorge infonnava que o açúcar e o algodão ll11ha férrea. São numerosos os engenhos que têm suas terras cort~tt.las pcln
bradam pelo melhoramento das estradas; ele, e anteriormente o presidente 1 ~trada de ferro. A partir do Rocha e o Cajueiro, os dois primeiros encontrados
Antônio de Barros Moreira que se declarava convencido de que a lavoura pdo traçado, seguem-se numerosos engenhos, tanto da margem direita como
necessitava de estradas para a sua prosperidade. "O custo do transporte - 11:! esquerda do Mundaú.
acentuava - e a sua impossibilidade, às vezes, é a principal causa do Em certas ocasiões indicadas convergem os produtos de vários engenhos
esmorecimento do agricultor"06>. mais afastados da linha férrea; aJguns mesmos situados em Capela ou Viçosa,
Apesar de estudos feitos nunca se tornou realidade a estrada de ferro 1•111 Pilar ou em Atalaia. Alguns dos engenhos beneficiados são o Coité Velho,
do norte, cujo traçado cortava a região canavieira do norte alagoano. Se cm 1871 Conceição, Mundaú, Varge Grande, Sítio do Meio, Gregório, Satuba,
os estudos já abrangiam a área de )acuípe a Pioca - área que compreendia não sa1mcaia, Campinas, jardim, Cachoeira, Satuba Segundo, Coitezinho,
só algumas cidades, vilas e povoações, como também numerosos engenhos: IHlnga, Pinto, Pedra Grande, Cafundó, Garça Torta, Coité No~o, Oficina,
São Caetano, Ouas Bocas, Flores, Minas, Guariba, Capricho, Mato Grossot 1.ngoa de Una, Rio Largo, Pau Amarelo, Riachão, Bom Jardim, Agua Clara,
_Jixo, Serra d'Água, Travessão, Timbó, Vale, Maranhão, Unussu, Pipiri, llrucu, Gitirana, Itamaracá, Pindoba, Cabaços, Remédio, Boa Vista, Bom
Sá'Cramento, Santo Antônio Grande, S. Rita, Salvador, Mariangá, e outros ttcgalo, Salamanquinha, Antas, Caroatá, Camboim, Goiana, Duas Ruas,
- cm 1872 lamentava o presidente Silvino Elvídio que ainda não estivessem Uois Galhos, Cachoeira Grande.
iniciadas as obras da estrada. E é de crer que nunca tivessem começo, pois em Já nas proximidades do atual Município de União, então chamado
1893 falava-se no projeto de um ramal de estrada de ferro de Itamaracá a Porto li 11peratriz, cessam de aparecer engenhos; começam a surgir pequenas povoações,
Calvo, passando por Camaragibc, "o que por si só constitui um poderoso hoje já transformadas. Orelatório é documento interessantíssimo, principalmente
incremento para o trabalho e conseqüentemente para a riqueza pública e pl'los seus mapas, para conhecimento da posição e situação dos engenhos do
particular" (O Município, 8 jun. 1893) . \ .tlc do Mundaú naquela época. Há também informações econômicas. Ade que
Construiu-se, porém, a estrada de ferro central. Do relatório do (! 1 ngenho Rocha produz 1.000 pães de açúcar, por exemplo, enquanto o engenho

engenheiro llugh Wilson sobre os estudos da construção dessa estrada, o que se e ajueiro produz apenas 600 pães.
verifica é justamente a preocupação de sen~r à região canavieira dos vales dos 'í\1àêlãcfa estrada de ferro central, porém, somente veio a concretizar-se
Mundaú e do Paraíba01>. Aqui e ali o técnico vai mostrando a conveniência de na década de 80, quando foi construída. Alinha principal teve sua inauguração
certos pontos como centro de convergência da produção de engenhos. Eo traçado n11 dezembro de 1884, e ligava Maceió àcidade de União, atraxéslie l!ffi_percurso
da linha, dentro do território alagoano, é quase todo cortando terreno de engenho; 1k' 88 <Iill!.ômetros costeiando o rio Mundaú. m ramal partindo da estação de
passando, às vezes pelo cercado da casa-grande. 1nurenço de Albuquerque, percorrendo 62 quilômetros, alcançando a cidade de
Os mapas que acompanham o relatório do engenheiro, permitem se \lçosa, acompanhando a margem do rio Paraíba.>
examine e se conheça a posição dos engenhos do vale do Mundaú servidos pela "The Alagoas Railway Limited" passou depois a propriedade do governo
h'clcral, sendo arrendada à empresa "The Great Weslcrn of Brazil Railway
!•"lfü\RROS, Antônio Moreira de. Relatório apresentado à Assembléia Legislaliva Provincial das 1.ompany Limited", cm cujas mãos ainda continua. Hoje liga Maceió ao Recife: o
Alagoas (...) Maceió, 1867. 1.11ual de Viçosa foi prolongado até Palmeira dos Índios, depois até Porto Real elo
1" 1WILSON, Hugh. Relatório sobre os estudos técnicos da Estrada de Ferro Central das
1 olégio, na margem do São Francisco.
Alagoas. Maceió, 1870.

128 l29
~

)'Ainfluência des~a estrada de ferro na '~da comercial do Estado foi grande. ~I Depois-a luta entreãs próprias usinas, umas querendo engolir ~L" 011trns,
Acirculação econômica passou em grande parte a se fazer em torno da área 1 mais fracas cedendo por fim. E alastrando-se na beira dos trilhos da fcrrmfa
beneficiada. Daí a decadência de algumas zonas, antes verdadeiros empórios o~ canm~ais; canaviais de propriedade da usina ou de antigos engenhos, agorn
. -C.QI~ do Norte do Estado, por exemplo. Também o Pilar. \ 'ihnples fornecedores, transformados em fogo mortô. Parece que o episódio não
/ Adecadência do Pilar proveio, de certo, da construção da estrada de lnl peculiar às. Alagoas; antes se tornou típico de toda a região açucareira, onde a J
ferro. Até então aquela cidade era um dos maiores centros comerciais de Alagoas. 11slna encontrou na estrada de ferro elemento com que se aliar para facilitar a
Numerosas eram as casas de exportação e importação; as lojas de miudezas; os obtenção d~nas necessári:S ~ B!as...!Jl.QfilLdas todo~ . 1
estabelecimentos comerciais. Nascida em engenho, e em torno dele crescendo e Assim o progresso tecn1co - o do__!!'~sporte aliado ao do fabrico -
desenvolvendo-se. Pilar tornou-se importante núcleo do comércio açucareiro, 1•ontribuiu para a decadência do b~Estc seservia ae estradàae -fêfflr nõ
talvez pela facilidade e barateamento do transporte para a capital, pela lagoa e 11-:.tnspórtecteseú prodUtÕ, ma<; no fundo se prejudicava. Pouco a pouco se sentiu
canais. De Atalaia, Capela, Anadia, Viçosa, o açúcar descia para o Pilar, e daí em 1•ssc prejuízo com a utilização da ferrovia.
barcaças era transportado para Maceió. Os engenhos mais afastados da linha férrea- os do norte, por exemplo,
Aestrada de ferro, porém, deslocou essa situação comercial. Fez convergir os do vale do S. Miguel ou do Coruripe - tinham de utilizar outros meios de
para as estações das margens do Mundaú ou do Parafba a produção açucareira 11,tnsportes. Nem a estrada do norte, nem o ramal Itamaracá-Porto Calvo se
dos engenhos da região. Como que acabou o comércio pelas lagoas, em barcaças. lizeram; e o açúcar tinha de contar com os rios, com o mar, com a estrada de
Decaiu o Pilar, engenho que crescera, prosperara e chegara a cidade. Omesmo rodagem para o seu transporte.
que acontecera a vários outros engenhos. Com os rios sempre podiam contar; com as rodagens era mais difícil. O
Mas na verdade também a área bangüezeira que passou a servir-se da próprio engenheiro fiscal da província,Jacinto de Jaraguá, reconhecia, em relatório
estrada de ferro, veio a sofrer os efeitos do progresso do meio de transporte. Aí ilO presidente: "as estradas d' esta natureza que existem na provincia ~stão em tal
mais que o declínio houve o desaparecimento total: a absorção pela usina. A 1•stado que o transporte das mercadorias que por elas transitam, só e mal pode
lj ferrovia se constituiu um aliado poderoso, ou fraterno, da usina no alargamento Sl'r feito em costa de animaes, ou em carros de eixo fixo dos que se empregam
1 latifundiário desta. Oque não exclui - cumpre salientar- a influência da estrada nos estabelecimentos rurais; tornando-se esses mesmos meios de transporte
de ferro em favor da facilidade de comunicações entre os vários núcleos humanos, hastante perigosos na estação invernosa pela intranqüilidade em que fica a maíor
do barateamento e rapidez dos transportes, e ainda beneficiando de modernas parte de cada uma d'essas estradas com excepção, apenas, d'aquelas que ficam
condições sociais os hábitos das populações por ela servidas, por lhes permitir nas vizinhanças ela capital, por serem reparadas sempre que necessitam d'esse
contacto com o progresso material mais atual. 111elhoramento" 08>.
Usina e estrada de ferro como que se uniram para acabar o bangüê. Pelo o rio, sim, o rio é que era a via de transporte certa. "Não fossem os rios
menos nas Alagoas, na área servida pela Great Western - e não apenas pela Coruripe, Jequiá, São Miguel, Lagoa Manguaba, Sant'Antônio Meirim, Santo
Great Western, mas igualmente pelas linhas de bitola estreita das próprias usinas, Antônio Grande, Camaragibe e Manguaba, todos navegáveis em um percurso
verdadeiros prolongamentos ou traços de união daquela- foi o que se observou: que regula de 2 a 7 leguas, impossível seria transportar para o Recife e Maceió,
a estrada de ferro facilitando a expansão da usina. Na margem da linha férrea,
de Maceió a S. José da Laje, por exemplo, o bangüê foi desaparecendo; ou se 11•1JARAGUÁ, Jacinto de. Relatório do engenho da Província. ln: CUNHA, Sítvino Elvídl<> Carneiro da.
transformou em usina, ou se entregou a esta. Relatório cil. ref. 15.

130 131
11111hccidas, esparsas, e ainda não devidamente estudadas, permitem nos V<'r
os produtos de nossa agricultura" - adiantava o Dr. Messias de Gusmão, depois
~111• sempre foi pequeno o índice do nosso comércio, em conseqüência de diversos
de haver afinnado que não possuía o Estado nem estradas rurais, nem vicinai~.
l 1lt11'CS.
nem estaduais, mas caminhos de difícil percurso no inverno09). ,
Ko ano de 1836-37 a nossa exportação de açúcar foi de 36.309 arrobas,
Oséculo XIX começou abrindo novas perspectivas para o açúcar depois
111111cçando acrescer nos anos seguintes. No ano de 1844-45 alcançou 288.497
de enorme baixa de preços que se registrara, de modo geral, no século anterior.
11 robas, quantidade que a seguir logo decaiu. No decênio de 1840-41 a 1850-51
Ao começo de 1800 houve fatores que vieram influir para novos impulsos na
,. S('ll1pre de instabilidade a posição das exportações do açúcar alagoano.
economia açucareira, concorrendo para sua elevação.
Apartir de 1850 é que a exportação de açúcar começa a crescer com
Entre eles cumpre destacar um de natureza técnka, que foi a introdução
111:1ls segurança. No ano de 1855-56 alcança o mais alto volume do decênio com
de novo tipo de cana: aquele conhecido no Brasil como 11caiana", plantada em
X77.879 arrobas. Àqueda verificada no ano seguinte logo se segue o aumento
1810 na Bahia, depois de haver sido introduzido sete anos antes no Pará. Outro
1111 volume, embora ao findar o decênio tenha este caído a pouco mais da
foi de natureza política, e mais imediatamente concorreu para melhoria dos
q11a11tidade do primeiro decênio apreciado. Estas oscilações originavam-se,
preços do açúcar brasileiro. Referimo-nos ao conjunto de acontecimentos de
1•vidcntcmente, das safras, cujas condições refletiam. Havia, porém, outros fatores
que participam a guerra de Napoleão, a desorganização do trabalho na indústria
1111luindo, sem dúvida, para esta posição do comércio açucareir9._
do açúcar nas colônias inglesas e espanholas, ·etc. Asituação geográfica das Alagoas, colocada entre dofs Importantes centros /
Verificado o decréscimo dos estoques mundiais, houve intensa procura
f omerciais - Pernambuco e Bahia - nunca permitiu tivesse o seu comércio a
do açúcar, o que, elcyando os preços, contribuiu para que corressem os
t'\:pansão ~e seria d~ esperar, correspondent_e ao desenvolvimenJq_ agrícol~
agricultores para o plantio de cana. As perspectivas altamente compensadoras
1'otnércio regional sempre sofreu os efeitos dessa posição. E no decõITer do
por esta apresentada, deram em resultado o aumento da exportação, em
conseqüência do aumento de produção, e a elevação dos preços. Estes que sempre
'11nilo XIX, principalmente na segunda metade, a partir de 1850, quando temos
hllormações mais constantes através dos relatórios ou "falas" presidenciais, fácil
se mantinham oscilantes entre 1$600 e 1$800, atingiram, em 1817, a 2$700 e
1• \Cri ficar a estagnação comercial, o pequeno movimento registrado, adefi~iência
2$800 por arroba.
dos resultados.
Pernambuco que exportou, cm 1808, apenas 4.271 caixas de açúcar, viu
_ /contribufa para essa situação não apenas o fator geográfico; outros fatores
rapidamente crescer este volume. 12.801 caixas saíram em 1809, e se bem que
rrílctiam-sc também, destacando-se entre eles a deficiência de estradas que
tenha descido a exportação a 9.840 em 1810, e a 7.749 em 1811, novamente
lrouxessern os produtos do interior para os portos de embarque, a escassez da
cresceu para alcançar 15.500 caixas em 1816.
1111vcga~.o..-maRtima e, -algumas -vezes, -a inferioridade- do- produto alagoano ...A
_ Infelizmente, para as Alagoas, não dispõe o estudioso de estatísticas
11ste último respeito cumpre lembrar, em primeiro lugar, que nunca houve,
amplas e precisas. De certo, nos vo1úmesuesaícla de Pernambuco, devem estar·
~1·11ão esparsas e rápidas, iniciativas que merecessem continuidade no sentido
incluídas quantidades do produto alagoan·o, pois que só em 1si7-:-\lago~-se
111! fomentar, em condições aperfeiçoadas, técnicas e modernas, a produção
emancipou politicamente de Pernambuco. As ·esratísticas de exportação
- -- .1lagoana. Por outro lado, o aparecimento de produtos de má qualidade, às vezes
falsificado, concorria para o desprestígio dos gêneros alagoanos.
ll?lGUSMÃO, Messias de (relator). Relatório da Comissão da Sociedade de Agricultura Alagoana
sobre a indústria assucareira de Alagoas. Maceió (1905).

133
132
No caso particular do açúcar, o presidente josé Antônio Saraiva, em 1854, 1 ousa supre-se a parte abatida, para ter os saccos sempre cheios. No fim de 12
já se referia ao assunto: à falsificação do produto, o que concorria para agravar o llonis está prompto. E no espaço de 24 horas pode estar vendido o a.'isucar no
mau estado do comércio. Era então o presidente provincial quem proclamava: 11u·1·cado. Não há precisão de formas, nem de casa de purgar"
"Não sendo bom o estado do nosso comércio, é elle ainda aggravado pela fraude O açúcar assim aparecido provocou a baixa de preços, e se succdcr~tm
de que tem usado alguns fazendeiros, falsificando o peso e a qualidade do assucar, 1' reclamações, provocando deliberações da Associação Comercial de Maceió.

o que tem desacreditado esse genero importantíssimo de nossa produção nos UM negociantes da Capital, depois de entendimentos com os da Uahht e de

mercados europeus". E lembrava o presidente que, a exemplo do algodão, cuja l'i•mambuco - que, de certo, reclamaram o produto - manifestaranHc contra
inspeção reabilitara o produto, melhorando-o, fosse criada a inspeção do açúcar. 11 11 :1çúcar enforcado", recusando-se a receber todo aquele que não fosse fabricado

Mas a argumentação do presidente Saraiva não concorreu para pifo sistema antigo que apenas deveria ser melhorado.
desaparecer a falsificação do produto. E era de se ver a que ponto chegara, de Onovo tipo traria, se se expandisse, evidente dcpreciamento do principal
maneira a constar de um relatório presidencial. Quando não havia falsificação, 1.11110 da exportação da província; salientava-se como causa principal disso a
haveria a exportação de artigo inferior. Foi o que sucedeu, em 1875, abalando os 1·1 ande quebra que o açúcar assim preparado sofre em curto período.
meios comerciais de Maceió. Uma nova invenção no fabrico do açúcar macho As experiências de pesagem do açúcar demonstraram a grande diferença
1 'istente. Feito repeso de 30 sacos com açúcar em bom estado, verificou-se a
ou bruto- foi como classificou o Diário das Alagoas o aparecimento do "açúcar
enforcado". qm·bra de 80 quilos em 16 sacos, pesados há 12 dias, e a de 173 quilos em 14
O"açúcar enforcado", segundo o resumo feito pelo mesmo jornal (n. ;1ros, pesados há 28 dias; no primeiro caso corresponde a 5 quilos por saco ou
/' 1u, e no segundo a 12 e meio quilos por saco, ou 17,5%.
229, de 8 de outubro de 1875) para os seus leitores, assim se descreve: "O
proprietário deve preparar a casa da caldeira em ordem que possa conter de 80 No comércio de Pernambuco foi feita idêntica experiência, constatando-
a 100 forcas de ensacar; e um recebedor para contar o pouco mel de furo que •' resultados semelhantes com a grande quebra encontrada no produto. Em
escorre dos sacos. Com estes preparos deixa correr o melasso a sua marcha, 1111· dessa experiência resolveram os comerciantes tomar uma resolução,

como do estylo na taxa de coser tendo o mestre de assucar todo o cuidado para 11 .1tl11zida na seguinte nota da Associação Comercial que transcrevemos pela
que não queime; e quando estiver no ponto do assucar, a que chamam - cara 1111portância de que reveste como documento acerca da economia alagoana; "A
lisa - e é fácil de saber-se introduzindo-se a bomba de boca para baixo dentro l1111ta de direção desta Associação comunica a todos os interessados, que os
do melasso, levanta-se, e escorrer rapido demora-se um pouco, repetindo:se o n1•ftoçiantes exportadores desta praça resolveram, como se vê da concordata por
mesmo processo levantando-se no cobre, e se ficar balias de espumas, rio fundo 1ll<•s assignada e depositada em poder desta direcção, pagar desta data em diante

tira-se para o resfriador, e bate-se bem até granitar o assucar: e dahi vai Jogo 11/1odia15 do corrente mez, o assucar denominado enforcado por menos 200
para os saccos, que devem estar nas formas. Advirtindo-se que os saccos quando 1 ('111 15 kilog. do preço que gozar no mercado o assucar bruto regular, e não

vão para as forcas vão molhados, e bem molhados, de sorte que exprimidos 111111prá-lo por preço algum daquella data em diante. Esta resolução foi tomada
devem ser para tapar os poros do panno. Logo que se bota o melasso nos saccos 1lt•pols de consultados os interesses geraes, e com o fim de evitar a depreciação
1111 .1ssucar da província, e portanto a direção d'Associação Commercial pede a
principia a correr o mel de furo; os saccos ficam pretos e sujos, porém dahi a
seis horas começa a clarear até tornar-se limpo, enchuto, e fica duro como uma tudos os senhores proprietários e agricultores que abandonem semelhante
pedra. Notando-se que, quando o mel sahe abaLxo o assucar nos saccos, alguma )11lt·ma enquanto não tivermos novas machinas que melhorem o assucar, a

134 135
ponto de poder competir com igual producto fabricado cm outros paizes; e mesmo
em outras provícias do Império. Esta direção sempre solicita cm promover o
interesse do commercio e da agricultura da provincia que lhe estão confiados,
apressa-se a vir a imprensa para dar publicidade a resolução tomada pelo
commercio, afim de evitar os prejuízos que resultariam a todos se continuassem
a adaptar o novo systema de assucar denominado-enforcado. Assim esta direcção
espera que de todos será bem acolhida a sua publicação. Associação Commercial
de Maceió, 3de novembro de 1875. - José Virginio Teixeira de Araujo, presidente
JI - Candido Venancio dos Santos, secretario - Francisco Ferreira de Andrade,
111: thesoureiro 11 • (Diário das Alagoas, 4 nov. 1875).
Contudo, a falsificação do produto não era causa única do enfraqüecimento
comercial. Adeficiência de estradas não deve ser esquecida. "Na província não ha
estradas - exclamava o presidente Agostinho Luís da Gama em relatório de 1859,
e acrescentava: "o que ha são apenas veredas escabrosas que bem mostram terem
sido gizadas ao acaso pelos primeiros descobridores do paiz". Ml'llOr de engenho
Não era diferente que no ano seguinte falaria o presidente Souza Dantas:
"as vias de comunicação terrestre ainda se acham quase no estado primitivo; as
estradas são más e os rios carecem de boas pontes". Mais tarde, em 1876, o
presidente Moreira de Barros citava o problema de estradas como fundamento
para a prosperidade da lavoura; não só a deficiência, a falta de estradas, mas
alnda o custo do transporte.
Relacionavam-se intimamente o aumento das safras e os preços obtidos
na anterior, bem assim a facilidade do escoamento do produto. O fato, isto é, o
entrelaçamento dessas condições no fomento da lavoura, figura como tema em
vários relatórios presidenciais; e o presidente Souza Carvalho apontava-o
referindo-se à exportação do açúcar no período de 1850-60: "teem influído em
grande parte sobre a maior produção de cada anno os preços do mercado nos
annos anteriores".
Havia, além disso, deficiência de navegação marítima, ainda notada nos
nossos dias, considerando-se o período normal de antes da guerra. No meado
do século XIX o porto de Jaraguá era visitado por navios da Companhia Brasileira,
da Baiana e da Pernambucana. Os desta apareciam duas ou três vezes por mês,
Moenda de engenho

136 137
e tocavam nos portos de Camaragibe, Porto de Pedras e Barra Grande. Os da 111 11ando elementos que justificam a sua alegação. "De 1860-1862 - diz S.
Baiana tocavam duas vezes por mês na cidade do Penedo, tanto na ida como na 1 · mais avultou a exportação, o que foi subseqüente à baixa no preço do
11rar, que começou a operar-se no anno financeiro de 18~-1859"w ,'o\ 1
1
volta. Os da Brasileira que navegavam entre o Rio de Janeiro e o Pará, visitavam
o porto de Maceió quatro vezes por mês. l11nlnuição da produção de açúcar e o seu baixo preço, e ainda a menor j'
Esta navegação ainda era, evidentemente, insuficiente, em particular , ullwlta de algodão, determinaram as grandes exportações de escravos cm
pela posição topográfica de Maceió entre os importantes centros do Recife e do 1M110, 1861 e 1862; com o produt~ dessas vendas os agricultores satisfaziam
Salvador. Pelo interior escoavam-se os produtos para as Províncias vizinhas; o 1·11~ collli?IQlDissos anteriores' -- , _
comércio da Capital não atraía os produtos do interior, e isto talvez tivesse na "O que os factos demonstram - acentua o presidente -e que a exportaçao
existência de estradas más a sua causa principal. llr 1·scravos da província - é maior ou menor, conforme é mais ou menos
Apesar de encontrarmos em relatórios presidenciais ou em notícias ll~ongeiro o estado da agricultura do assucar, porque é esta a que mais occupa
outras, informações acerca da exportação do açúcar alagoano para portos ,, hraços escravos". E mais adiante, justificando seu ponto de vista, diz: "Em
europeus, podemos admitir que essa exportação se fizesse via Pernambuco ou 1ti~7-58 houve boa safra de assucar e o seu preço elevou-se alguma cousa, e por
Bahia. Somente em 1879, na administração josé Torquato de Araújo Barros, foi 1\!),em 1858-1859 exportaram-se apenas 44 escravos. Em 1858-1859 a safra
inaugurada a navegação direta entre Alagoas e a Europa. O governo provincial 1·1! menor, e o preço ainda baixou, e por isso foi que em 1859-1860 exportaram-
realizou contrato com a Mala Real Inglesa, e em 13 de fevereiro o vapor "Minho'' ,. 77, Em 1859-1860 a safra foi muito pequena, e o preço ainda baixou;~
chegava a Maceió, fazendo a primeira viagem da nova linha contratada. 11111scqüência foi que em 1860-1861 subio extraordinariamente a expo11ação".
Em relatório de 1880 o presidente Cincinato Pinto informava que estava Hc•;1lmentc, exportaram-se 287 escravos em 1860-61.
sendo observado estritamente o contrato. "O commcrcio- adiantava- ha colhido No decênio entre 1850 e 1860 a exportação do açúcar oscilou entre um
as vantagens que esperava desta navegação, a qual igualmente tem contribuído 11 un!mo de 330.951 arrobas e um máximo de 877.879 arrobas, aquele no ano
para o aumento da receita pública, pelos direitos de importação pagos sobre as 11 11:mceiro de 1850-51, este no de 1855-56. O valor total do açúcar despachado
mercadori~ trap~2rtadas"<20l. 11•vi: mais alto preço no ano de 1856-57, alcançando 2.191:230$474.
~Ao lado desse problema de transportes dois outros devem ser incluídos: Parece que o primeiro melhoramento introduzido nos engenhos
a falta de braços oriunda da supressão do tráfico de escravos, e a inexistência de .1lagoanos, tirando-os da rotina em que até então permaneciam, foi o
11
-cs.ta.lwkclrnemes- de-cré_gi~ m particular às Alagoas a falta de braços não chegou 1'lscntamcnto do "moderníssimo aparelho de coser açúcar ao vacuo , como
a ser tão alarmante, embora os presidentes insistissem em indicá-la como fatores 11oticiou o Liberal (n. 35, de 2 de março de 1878) . A iniciativa coube aos
dos mais importantes. É certo que a exportação de escravos sempre foi grande. • 1 ~rlcultores Félix José de Gusmão Lira, no engenho Unussu, e Dr. Ro~endo César
Entre 1852 e 1860 cerca de 2.300 escravos saíram das Alagoas, o que se foi llt• Góis, no engenho São Salvador. Ofornecimento das novas peças foi contratado
acentuando nos anos seguintes. rnm a firma dos herdeiros Bowmann, do Recife.
Um presidente da Província, o Sr. João Marcelino de Souza Gonzaga,
relacionou o aumento da saída de escravos à baixa do preço do açúcar,

(lo>sfLVA, Cincinato Pinto da. Falia na abertura da ia sessão ordinária da 23ª legislatura 1111 GOXZAGA, joão Marcelino de Souza. Falla do Presidente da Província das Alagoas. Maceió,
provincial. Maceió, JSSO. J863.

138 139
E°.1 1879 o engenho São Salvador já trabalhava com o novo aparelho
;~;avam, e certo, os evaporadores ~es~nados a condensar 0 caldo até 23º ou
11 l1111go de todo ele estende-se uma cadeia de pequenas foices que movem-se
~' Baumé Os evaporadores subst1tuiam as antigas baterias Labat. AJnda
11111ltaneamente no ato de lavarem-se os cristais. O mel que se derrama dos
1ht,1ls pelas turbinas torna por uma bica para um tanque preparado dt·
incompleto o ap~relhamento inaugurado produzia = 3.450 kg de açúcar cm
rama todo reduzido a pequenos cristais em menos de 12 horas. h111·nto, e aí quando acumulado sobe novamente para a caldeira a vãcuo
111111 de reduzir-se a açúcar de segunda sorte, continuando-se igualmente o
Excusando-se de não poder descrever toda marcha do trabalho não só
1111•~1110 processo, pois que o mel deste presta-se ainda no preparo do açúcar
pelos ~ornes técnicos particulares e funções próprias de cada peça, como t~bérn
por nao conhecer exatamente cada peça de per si, um correspondente do Diário 11" terceira sorte".
das Alagoas escrevia de São Luís do Quitunde uma minuciosa informação dos Assim, os engenhos São Salvador e Unu_ssu marchavam na vanguarda
serviços efetuados como o aparelho introduzido. 1111~ melhoramentos materiais, escrevia O Município, de São Luís do Quitunde,
. Se.ria supérfluo transcrever toda a descrição da corrcspon(lência; ela 1·111hora, na sua notícia, não esquecesse de ponderar que a reforma não se pode
1 harnar radical, por motivos técnicos que explica, se bem que saliente o muito
n:mudenc1a o processo de fabrico do açúcar que, começando ainda pelo antigo
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que fizeram os senhores de engenho pelo progresso significativo para a época;
sistema de esmagar e espremer as canas em tambores ou moendas movidas
~ vapor, tem a seguir o caldo depositado em dois grandes vasos quadriláteros ilrpols dele só chamar a atenção o engenho central.
mterme_ados ~e serpentinas aquecidas a calor lento do vapor. Aí se opera a Dos melhoramentos reclamados para a indústria do açúcar destaca-se,
defccaçao ou hmpeza do caldo através dos defecadores, sendo após levados para dr fato, a introdução dos engenhos centrais, que a partir de 1875 aparece não só
asA baterias até condensar-se em xarope de 23º ou 25º Baumé. Retirado daí para 11os relatórios presidenciais senão também em noticiário de jornais. Nesse ano,
11 presidente João Vieira de Araújo lembra à Assembléia Provincial a conveniência
tres ~andes tai:ques, onde demora por algum tempo, o caldo vai encher a
caldeira ~neun:atic~ de capacidade para cozer e derramar de um só facto 2.250' il1' serem criados engenhos centrais, a exemplo dos projetados em algumas outras
kg de açucar cnstal1zado em rama. prnvíncias, indicando a concessão de alguns favores a empresa ou a particular
Ocozi~ento e ~abrico dessa quantidade de açúcar é operado em cinco q11e se propuser ao seu estabelecimento.
11 ou seis horas; ai estava 1ustamente o valor do melhoramento, isto é, fabricar tão Para a execução da idéia ponderava o presidente a necessidade de
gr:nde quantidade de açúcar em tão pouco tempo. Assim cozido e preparado, 0 dividir a região açucareira em três ou mais secções centralizadas nos vales
açuc~r é depositado, ~or algumas horas, em um tanque de ferro, e apenas 1los principais rios - do Mundaú, do Paraíba, dos do norte da província. No
re~fn~d?r pode-se passa-lo pelas turbinas ou centrífugas, que clarificam os
mesmo ano a lei provincial n. 864, de 3 de maio, autorizava a presidência a
1ontratar com quem melhor vantagem oferecesse o estabelecimento de três
cns~~1s., tornando-se de bela e deslumbrant~ alvura", esclarece a correspondência
( Dtar10 das Alagoas, n. 290, de 23 de dezembro de I879); 1•11gcnhos que se compreenderiam nas zonas da capital, Pilar, Atalaia, Alagoas,
. Mas nã? ficava aí o melhoramento; a notícia acrescentava outros Camaragibe e Porto Calvo.
m~or~es~ "ha.am~a sobre as turbinas uma espécie de côxo de ferro onde os
O prazo para a apresentação das propostas findou-se sem que se
cnsta1s sao pn~eiramente lavados nagua afim de poderem separar-se do mel ;1presentasse candidato. Um segundo edital foi divulgado, e da mesma forma
no ato de func10narem as turbinas; e a tal espécie de côxo ouvimos dar 0 não apareceu proposta. Em 1878 o presidente Francisco de Carvalho Soares
nome de mexedor, e que não nos parece impróprio porque internamente e Brandão lamentava essa situação, para, exaltando a importância dos engenhos
centrais porque "realizam o princípio da divisão do Trabalho" e constituem " o

140
141
meio mais prompto de obtermos em grande escala as vantagens dos mei ~ <187. Nesta nova distribuição 2.257:000$000 cabiam às Alagoas; mas se
aperfeiçoados do trabalho", lamentar também o atraso, a rotina, as dificuldades 11111slderava distribuição por fazer, o que prova não se ter invertido até cntao
a carência de capitaís com que se defrontava a lavoura(22>. 111111lquer importância em engenhos centraís nas Alagoas.
)'É, particularizando a situação do açúcar, destacava como sua primeira Com a proclamação da República, o capital de 30 mil contos foi elevado
necessidade a existência de meios de transporte, avultando ainda a introdução 11 ,tra 60 mil, mas baixaram os juros para 6% (decreto nº 525, de 26 de junho de
1. de processos de cultu~Jnc.1ºsQ.túabricQ..1!!aisJW.frfe~~ justificando-se IK?O). A partir de então, encontram-se na legislação federal numerosos atos
~a dar uma idéia do atrazo em que está, sob esta última relação, não 4 rt•ferentes à fundação de engenhos centrais nas Alagoas. O decreto nº 239, de 1
preciso mais do que dizer-vos que, tendo a canna, termo médio, 8% de assucar 111· março de 1890, por exemplo, alterava o decreto nº 10.439, de 9 de novembro
em relação ao seu peso, não se tira entre nós mais da terça parte d'essa 110 tmo anterior, para, elevando o capital da Companhia dos Engenhos Centrais
quantidade, ou 6% no máximo". 1111 Estado da Parafba e Sergipe, transferir também os três engenhos previstos
Também o presidente Cincinato Pinto acreditava que os engenhos centrais 111·ste último Estado para as Alagoas. Cada um deveria moer 300 toneladas de
viessem dar grande impulso à agricultura alagoana; e admitia que à sua falta n111a, durante a safra calculada em 100 dias.
continuasse a lavoura sob o peso da crise e escassez de recursos. Entretanto, só Em 1890, pelo decreto nº 616, de 31 de julho, era concedida aos
em 1879 aparece concorrente à construção de engenho central. rogcnheiros josé de Barros Wanderley de Mendonça e Luís Filipe Alves da Nóbrega
É o engenheiro joão Camilo Afonso Costard, com quem o presidente ,, Harantia de juro de 6% ao ano para o estabelecimento de dois engenhos centrais
Cincinato Pinto realiza, em 9 de janeiro de 1880, o respectivo contrato para a nas Alagoas. O capital seria de 1.500:000$000 e as fábricas se ergueriam em
construção de um engenho na região do Pilar, Alagoas e Atalaia. Aconcessão dos Porto Calvo e Maragogi; cada uma teria a capacidade de moer 250 toneladas de
dois outros far-se-ia se o primeiro apresentasse bom resultado. 1·:ma por dia, trabalhando pelo processo de difusão.
----P. Aesta época começa a crescer legislação do governo impe1ial acerca da Ainda em 1890 outra garantia era concedida à Companhia dos Engenhos
criação de engenhos centrais. Data de 1875 a primeira providência a respeito: o c:1·ntraís nas Alagoas (em Murici, Pioca e São Luís do Quitunde) e um em
decreto n. 2.687, de 6 de novembro, autorizava o Governo a garantir juros de 7% Laranjeiras, Sergipe. Odecreto 887, aprovando a designação dos Municípios para
às companhias que se propuserem a estabelecer engenhos centrais para fabricar .rtle de engenhos centrais concedidos àquela mesma Companhia, incluía mais
açúcar de cana. Somente em 1881 foi regulamentada a concessão de engenhos três nas Alagoas: no Pilar, em Coruripe e em Atalaia.
centrais, muito embora já estivessem concedendo garantias financeiras. Posteriormente, o decreto nº 888, de 18 de outubro daquele mesmo
Pelo decreto 8.357, de 1881, que elevava para 30.000:000$000 o auxílio 11110, modificava prazos para as obras da Companhia, estabelecendo também
anterior, era atribuída às Alagoas a quota de 1.200:000$000. Em dezembro de •111c os engenhos centrais seriam seis nas Alagoas, um em Sergipe e outro na
1888, pelo decreto n. 10.100, nova regulamentação era baixada para a concessão Paraíba. Em outubro de 91 o decreto n°637transferiaàCompanhiaPromotora
de engenhos centrais, o que mais uma vez se repetia em 9 de outubro de 1889 ele Indústria e Melhoramentos as concessões de três engenhos centrais, dos quais
com o decreto nº 1O. 393, que dava outro regulamento à execução do decreto nº clois nas Alagoas: um em Porto Calvo e outro em Maragogi. Da Companhia era
4Uperintendente nas Alagoas o engenheiro josé de Barros Wanderlcy de
wiBR.\NDÃO, francisco Canalho Soares. Falia com que o Exmo. Sr. Doutor (...) Presidente da Mendonça, e acrescente-se que, em 1897, já estava em liquidação como se vê do
Província, Instalou a lª sessão ordinária da 22" legislatura provincial das Alagoas em 16 .\lmanak do Estado das Alagoas para 1897. .
abr. 1878. Maceió, 1878.

142 143
Neste mesmo ano de 91 haviam sido aprovados pelo Governo Feder 11t1ham batendo os presidentes da Província. O bangüê continuava a viver d)
planos e orçamentos de obras de engenhos centrais: o decreto nº 391, de junho , •1l'.1boração da água, das bestas, dos bois; raros ainda os que se movlam .1 v.1pm.
o plano e orçamento das obras projetadas, desenhos dos aparelhos e descriç- Oengenho central estabelecia a divisão de atividades: a agrícola, de um.1
dos métodos de fabricação do engenho central de Porto Calvo; e o decreto n p.u'lc, e de outra parte, a industrial; o fabrico de açúcar separado da lavoura da
519, de 10 de setembro, o orçamento das obras projetadas para os engenh 1 .111a, tal como referia o presidente Sousa Brandão. Mas o atraso agrário, aquelas

centrais de Maragogi (e de Barreiros também) e adotava para esses engenhos ··1rcvas da rotina", indicadas por um presidente da Província, não permitia o
plano e desenho dos aparelhos e descrição do método de fabricação de açúc 1·q11ilíbrio de relações entre a agricultura e a indústria. Cedo esta distanciou-se
do de Porto Calvo. t1.1quela; enquanto o progresso técnico do fabrico crescia quase geometricamente
Mas voltando ao exame do que se vinha fazendo nas Alagoas, ainda e engenho a vapor, engenho central, usina, esta sempre se aperfeiçoando com
dias do Império, para o desenvolvimento técnico do fabrico do açúcar, podemos novos melhoramentos - a lavoura nem ao menos crescia aritmeticamente:
ver, entretanto, que o engenheiro Costard, com quem o governo Cincinato Pin 111tmtinha-se estagnada, dentro de normas ou sistemas retrógrados.
contratara a construção de um engenho central, não se desincumbiu de su Foi esta, sem dú\~da, a causa de determinar o fracasso do engenho central,
tarefa; o governo, um ano depois, solicita-lhe informações, e nenhuma resposta 11l' modo a permitir, com o aperfeiçoamento da usina, a absorção por esta da
obtém. Em 1882 não fora dado começo aos trabalhos, e é de crer que nunca 1
1;1rte agrícola; era uma necessidade imperiosa - a de canas cultivadas por
fosse dado, pois cm 1883 o governo imperial aprovava os planos de orçament 111clhores sistemas - que levava a usina à expansão latifundiária, ao crescimento
de diversos engenhos centrais com a construção a cargo da The North Brazilian h'rritorial, açambarcando terras, as terras dos antigQS engenhos cheias de
Sugar Factories Company Limitecl, autorizada a funcionar no país pelo Decreto 1'XlCílSOS canaviais.rAusfr1a;-para atender ao seu consumo de matéria-prima,
h·vc de dedicar-se à lavoura da cana; teve de dedicar-se à agric~lltura, e não
nº 8.882 de 17 de fevereiro de 1883.
Entre os engenhos centrais previstos figurava um em Camaragibe, e 1•xclusivamente à indústria como deveria ser o engenho ~~ntral.\
-----
posteriormente incluía-se outro no Pilar; em substituição ao engenho Mecejana E é fácil constatar-se ainda hoje, -no quãciro das usinas alagoanas, e
li no Ceará. As regiões mais açucareiras das Alagoas ficavam assim servidas desse t reio que mesmo de toda a região açucareira do Nordeste, que as de melhor
D melhoramento. l'l'ndimento de produção são justamente as que cuidam tecnicamente da lavoura;
Parece, porém, que a construção dos engenhos centrais de Can1aragibe .1s que dedicam também atenção à agricultura da cana, e não só à indústria do
e Pilar não se levou a efeito. Em 1885 ainda não haviam começado as obras, e ,1çúcar. O caso da Usina Central Leão, nas Alagoas, por exemplo.
relatórios presidenciais posteriores a elas não se referem. Refere, no entanto, a Foi justamente na época do aparecimento das usinas, ou por influência
mensagem do governador Gabino Besouro, em 1892, a existência do Engenho tlclas, que começaram a utilizar-se diferentes variedades de cana nas Alagoas.
Central Brasileiro, e informa ter-se acabado de montar e inaugurar o Engenho Neste sentido um pioneiro foi Félix Gustavo de Wandesmet, Barão de Wandesmct.
Central dos Srs. Amorim Leão & Cia.; já estavam em andamento as obras de Aele se deve o plantio da usina Brasileiro de novas variedades de cana: a
um terceiro - o Cansanção de Sinimbu, cm São Miguel dos Campos. ncmcrara, a Barbados, a \Vhite Transparent. Da Demerara e da Barbados,
,"O desenvolvimento que a esta época atinge a indústria açucareira abre saliente-se que diversas variedades delas foram plantadas pelo Barão de
para o bangüê a sua fase mais difícil; o declínio do seu fastígio corresponde ao Wandesmct na Brasileiro.
( aparecimento ruidoso das usinas, dos engenhos centrais pelos quais tanto se
Até então predominava a cana manteiga que açambarcara as terras,
afastando outras variedades como a caia.na, a roxa, a P. O. J. A manteiga era

144 145
também conhecida como CavalcantL nome do senhor de engenho Manuel ohservações, que temos feito progresso regressivo - permitam que assilll no~
Cavalc·mti de Albuquerque, do Cachoeirinha em PE>rnamhuco que a havia 1' prcssemos - da nossa rotina que já foi mais progressista no seu atra.so"'

obtido de cruzamento por vi-a sexual. A manteiga ou Cavalcanti rapidamente E falando, com tão eloqüente sinceridade, a um certame eco1101111l'O
invadi u os canaviais alagoanos e começou a ser substituída - apesar de que visava justamente estudar os problemas da indústria do açúcar a
proclamado seu elevado rendimento agrícola- pelas variedades importadas pelo Conferência Açucareira do Recife - focalizava o Dr. Messias de Gusmão algumas
Barão de Wandesmet. 1l.1s causas determinantes desse atraso, dessa rotina. Lembrava, por exemplo,
Em anos sucessivos no'as variedades foram introduzidas pelo usineiro 1111e não chegava a 5% o número de engenhos que usavam o arado e a grade,
da Brasileiro; e também outras usinas e engenhos passaram a plantar diferentes 1•111bora, há 30 anos atrás já se fizesse mais uso deles. Também a falta de espírito
variedades, procurando assim a seleção da cultura agrícola para completar o ,ISliOciatirn entre os senhores de engenho.
aperfeiçoamento do trabalho industrial. Desta fom1a a usina absorvia a atividade Em que pese todo desenvolvimento registrado na indústria do bangüê,
agrícola, o trabalho da lavoura, que o engenho central preconizava separado da r fácil verificar que não o acompanhou, no mesmo ritmo, a parte da lavoura.
indústria. Bsta poucas medidas de melhoramento apresenta. Acultura da cana vem sem pre
f Fora isto uma conseqüência da desequilíbrio nas relações técnicas da na rotina técnica e na dependência da natureza.
agricultura e da indústria no caso dos engenhos centrais. :\o fundo, porém, o Amecanização da agricultura para muitos é mito, afirma o Sr. Gileno Dé
prejuízo era do bangüê. E isto se sentia. f .íru<•;>. e não será demais acrescentar que mesmc{na grande indústria do açúcar
Oreflexo dos engenhos centrais na situação dos bangüês não passava ,1 parte agrícola apresenta quase nenhum progresso técnico. O que tem valido a
despercebido aos senhores de engenho; um deles, o Barão de Muribeca, volta-se l':.Sa cultura é a excelência do ambiente; a qualidade dos terrenos; a riqueza dos
para o assunto, chamando a atenção dos seus colegas no Congresso Agrícola do ~itlcs; as condições geográficas do meio. E sustentando a estrutura agrícola o
Recife: "Mas é preciso haver cuidado na fundação d'esses estabelecimentos. É dl·terminismo econômico de nossa formação histórica\
preciso, além d'estes, 4ue aquelles que, como eu, teem feito alguns A falta de racionalização na cultura da cana ainda contribuía para
melhoramentos nos seus machismos, não trabalhem para os outros, para os .1rnrretar essa situação de rotina. Anatureza é que era pródiga; a natureza quando
espertalhões 11 <23>. 11.10 acossada pelas irregularidades climáticas, pelo retardamento das chuvas,
Na verdade, o bangüê não estava preparado para a luta que se abria. uu pelo excesso delas. A natureza, a que se referia o relator da Sociedade da
Nem na parte referente à cultura da cana, nem na do preparo industrial, dispunha \~ricultura, era sem dúvida o massapê. O"riquíssimo massapé" que consideram
o bangüê de recursos técnicos que permitissem assegurar o seu desenvoh~mento. 111comparável para a cultura da canna".
Em 1904, um líder da cultura açucareira proclamava num meio desalento Mas a irracionalízação dos processos técnicos até então utilizados - nada
de quem lutava em vão para conseguir melhoria para os engenhos alagoanos: que assemelhasse a uma cultura aperfeiçoada - podia ser culpada da crise r111
"Os nossos processos de cultura são os mais rudimentares, e vêm inalteráveis q11e se debatia a lavoura da cana. Crise de trabalho; crise de preço; também
dos tempos coloniais". Eacrescentava o Dr. Messias de Gusmão, esse líder, nome rrlse de capitais; crise ainda de fretes; crise, enfim, de tudo.
que ocupa posição de primeira linha na história da agricultura alagoana: "É
triste dizei-o, mas é a verdade, tendo em seu apoio os factos e umas tantas
11,tsr.t.i.O. Messias. Relatório cil. ref. 19.
fll>TRIBALHOS do Congrc~so Agrícola do Recife: ou!. 1878. Recife, 1879 e\Rll, Gilcno Dé. Op. cit ref I4.

146 147
1
Talvez pela carência de melhores bases o ba~güê não podia cli~!~"~:1~ ~
Crise de homens - não escondia a palavra autorizada do Dr. Messias ltlíl as condições em que esta surgia, absolutamente liberta do trabalho c~cr a~o1
11
Gusmão. Eé neste ponto que ele tem expressões de absoluta segurança ao encarar dt· um lado, embora, de outro lado, acentuasse a tendência de expansão.ternton·1I
a questão do bangüê, ou particularmente da lavoura da cana. Arotina existente 1111latifúndio, do devoramento de terras para o plantio da cana. Aperfe1çoamcnto
era também produto da falta de conhecimento das novas gerações que chegavam. 11.1 monocultura.f
Antigamente os fillws criados ao lado dos pais habituavam-se cedo ao trabalho Dessa expansão resultou, pela base econômica da u~ina e sua fome de
agrícola, e engolfavam-se nos segredos da terra, das máquinas, dos processos, atéria-prima, 0 progresso do latifúndio nas terras a.çucaretras das Ala?oas -
111
adquirindo prática e experiência.
11,is Alagoas e dos demais Estados com a econ?~ta baseada no açucar -
Depois, a freqüência aos colégios e academias nas capitais afastava os wrlficando-se, cm conseqüência, maior predomm10 da monocultura Acom o
filhos dos senhores de engenho; afastavam-se não apenas dos pais, também do icrlffcio senão a irregularidade e a deficiência, do suprimento de outros generos:
e:1rnc, lefte, ovos, legumes, grãos alimentícios, cereais ~m.
engenho, das plantações, da convivência com o serviço. Evoltando doutores ou . .
não apresentavam-se superiores ao meio: meio de gente ignorante, de que não Em 1888 a abolição da escravatura atingiu em cheio a econorn_~~
se podiam aproximar para não cair na mesma rotina. • 1~ 11 careira, mais que qualquer outra, porque era ~o trabalho escravo que o bangue
Aargumentação do senhor de engenho do Castanha era reprodução de .ustentava sua eficiência. Amonocultura do açucar encontrava no escra:o u~a
um quadro real; de um quadro que, algumas dezenas de anos antes, era dt• suas forças; nele repousava a segurança do trabalh?, porque a srtuaçao
proclamado pelo Delegado do Comício Agrícola do Quitunde e Jetituba no •'l'Onômica não permitia ao bangüê sustentar o traball~o !1vre~_ __
Congresso Agrícola do Recife de 1878. Dizia então o Dr. Manuel Balthazar Pereira A perturbação surgida para o engenho transformava a estrutu~a
Diégues Júnior na sua memória àquela reunião: ''Adaptem-se as escolas às i·i·onômica do açúcar; do açúcar e da própria vida dos engenhos. Aecon~m1a
localidades. Oensino é um meio, não é um fim, por isso deve acompanhar o fim açucareira que era a grande lavouradas Alagoas, c?mo ~o Nordeste, se mantinha
a que se propõe aquelle que os reccbe 11 <26l . li~ada ao negro escravo; tanto a ele como ao patnarcahsmo estruturando-se na
Sentenciando nestes termos, admitiu a seguir o delegado alagoano: "SI h1se da monocultura e do latifúndio. .
a escola é do campo, o ensino seja inclinado à agricultura e conhecimentos '' A"debâcle" econômica surgida era uma conseqüência~~ golpe so~ndo
connexos". E acrescentava: "Acima da escola primária devem estar escolas llclO açúcar. Nele repousava, no período colonial, como no Im~~no e depois na
profissionais práticas, propriamente para os operários, agrícolas no can1po1 República, 0 processo da economia nordestina, a que se fthavam Alagoas,
comerciais na cidade, e de artes em toda parte onde eUas existem". ,tlingindo assim a região os reflexos da situação. Tanto a das Alagoas como a do
Acrise em que se debatia o bangüê tinha raízes profundas; não era das Nordeste é a história do açúcar.
menos importantes a condição do trabalho, ajustada até 1888-quando surge a '"A ele coube reunir a população, fixando-lhe pela monocultura
grande crise de braços - ao sistema da escravidão. Não será supérfluo salientar latifundiária e escravocrata a área geográfica, que coincidia com as. te~r~'I de
aqui este aspecto: o das condições do trabalho baseado na escravidão. Constitui cultura da cana. Nele se aprofundou a organização social peta co.nst1tu1~ao da
ele um dos pontos essenciais de nossa formação social e econômica, f:lrnília, desenvolvida numa quase endogamia que criou o ~ipo ans~ocrát1co do
fundan1entada na monocultura latifundiária e escravocrata. senhor de engenho. · .L,, u ....,.,.._,_,., t"
1'>(. -

111lFREYRE, Gilberto. casa-grande & senzala. 4. ed. l. 1, Rio de janeiro, 1943.


w»TRi.\J:lALHOS, ci1. ref. 23.

149
148
De modo que pesava sobre o açúcar, - não tanto sobre ele, mas sobre a .1g.1r o salário aos trabalhadores indispensáveis ao plantio ela futura safrn e
11
forma de exploração monocultora e escravocrata, - a condição criada com a 1
o\llC'ita da presente". E estudando o que chamava "triste situação e futuro tão
abolição. Já a suspensão do tráfico de escravos iniciara essa situação, de que u •llll ,tçador", a comissão admitia que a Província estava ameaçada de' não ler
ato de 13 de maio foi o ponto culminante. .1fra no ano indicado, nem prepará-la para o futuro.
Uma comissão designada pelo presidente da Província em 1874 para Oprojeto visava o levantamento de um empréstimo, pela província, de 250
estudar o estado da lavoura alagoana, ao referir-se à situação do açúcar, admitia 1 ~no contos de réis, a ser contraído com capitalistas e comissários de açúcar da
que essa cultura tinha contra si ''o serviço escravo, a imperfeição dos processos, p1.1ça de Maceió ou em qualquer outra, para ser emprestado à lavoura. Caberia à
a imposição dos direito de I3% gerias e provinciais, e a negação de estradas". E 1.1lxn Comercial movimentar esse empréstimo, facilitando-lhe aos agricultores sob
reconheciam os componentes da comissão - Roberto Calheiros de Melo, Manuel l"'i 1hor agrícola, e não podendo ser superior a um conto de réis para cada agricultor.
de Vasconcelos, José Alexandrino Dias de Moura e João Francisco Dias Cabral - o presidente respondeu não lhe parecer aceitável a idéia sugerida,
que a maioria dos proprietários se sentia desanimada; e para debelar a crise da .1kgando que a Província correria o risco de total prejuízo, sem certeza de
lavoura a comissão apontava algumas medidas, resumida cm sete itens: a) 111nseguir o seu fim. O ofício do presidente, longo e justificando a negativa,
suspensão dos direitos de exportação arrecadados pelo Estado, ficando apenas à 11'J.11l1Tientava ainda não ser lisonjeiro o estado financeiro da Província, além de
Província esse privilégio como garantia à multiplicidade de seus compromissos; 1im• por ser recém-chegado não se sentia habilitado a propor à Assembléia as
b) criação de bancos territoriais; c) fatura da via férrea na zona central e de boas 111cdidas sugeridas.
estradas de rodagem nas demais; d) desobstrução do rio S. Miguel; e) isenção de Ao concluir informava que levaria o assunto ao conhecimento do Governo
todo o serviço militar aos moradores nos centros agrícolas, para que haja afluência 1:mtl, de modo que este ficasse sabedor da necessidade do auxílio incluindo-o
de braços e diminuição de salários; t) oiação de escolas modelos ou auxílios a 1•i11rc os benefícios projetados para a lavoura de todo o país, e aconselhava àlavoura
indivíduos e associações que se dedicarem ao estudo da agricultura; g) difusão .1~socia.r-se para debelar a crise, obter os recursos de que precisava, regularizar os
de impressos que vulgarizem os processos no plantio, colheita do algodão, rotearia .1•11s trabalhos, melhorar seus produtos e ensaiar outros gêneros de cultura.
das terras para cana e processos de fabricação de açúcar<28>. oespírito associativo a que se reporta o presidente, já tinha sido ensaiado
Logo depois da abolição, em julho de 1888, a Sociedade Auxiliadora da 11;1s Alagoas, através do Comício Agrícola do Quitunde e jetituba, que vei-0 a ser

Agricultura dirigia uma representação ao presidente José Cesário de Miranda 11ina das primeiras associações de agricultores fundada no Brasil. Além de ter
Monteiro de Barros, acompanhada de um projeto de auxílio à lavoura. Esta 11ldo uma das primeiras, no gênero, instituída no país, oferecida ainda a
representação é um documento expressivo acerca da situação da agricuJtura drcunstância de ter trazido novo aspecto à vida rural das Alagoas, embora em
alagoana, de "circunstâncias affiictivas, desesperadoras". pl·queno tempo de vida. _
"A lavoura - dizia a comissão da S.A.A., composta dos Srs. Francisco de Se não logrou êxito a tentativa de associação dos lavradores, nao há
Paula Leite e Oiticica, Manuel Messias de Gusmão Lira, João Dias de Castro 1•sconder que o Comício trazia um programa de resultados eficientes. Eem 1878
Guimarães, Ricardo Brenand Monteiro e Manuel Balthazar Pereira Diegues Júnior o presidente Soares Brandão proclamava: "Tem o Comício promovido diversos
- a lavoura sem o braço escravo para o trabalho está hoje sem capitais para melhoramentos materiais, que se hão levado a effeito à custa das mensalidades,
trabalho e dedicação dos sócios 11 <29).
u8>ARAUJO, João Vieira de. Falia do Presidente (...) à Assembléia Provincial, em 15 mar. 1875.
Maceió, 1875, anexo. rnriRAND.:\0, Francisco Carvalho Soares. Falta cit. ref. 22.

150 151
O Comício se reunia em São Luís do Quitundc e abrangia proprietários Outra sugestão, amplamente debatida, e que permitiu fossem
rurais dessa então po\'oação, de Jetituba, de Soledade; zona compreendida na área 1prcscntadas algumas idéias ainda hoje atuais, tendia a fixar que os propriet1rio ,
açucarcir.t d.às Alagoas, vhenclo no rale do Santo Antônio Grande, era natural que .•,ociados do Com1c10, somente admitissem moradores ou engajado:i m~d1:111ll
seus associados fossem quase todos senhores de engenho. Ese não todos, mas os .1presentação, por estes, de atestados ou informações de pessoas fidedignas
principais problemas que o Comício agitou, diziam respeito aos engenhos da região. uhre uma conduta civil e moral e aptidão para o trabalho. Uma prO\~dência
Opróprio presidente Soares Brandão, no relatório a que já nos referimos, 1p11• em nossos d.ias se sugere e se debate. Apesar de aprovada é de crer que,
cita alguns dos melhoramentos realizados pelo Comício pelos quais se vê 1lrpois do desaparecimento do Comício, fosse esquecida, ficando por isso mesmo
envolverem interesses dos engenhos da zona. São, entre outros, os seguintes: 1h1da atual, quase setenta anos depois. r• .. r
três pontilhões de madeira lavrada de diferentes dimensões, sendo um sobre o Aquestão da admissão de trabalhadores por empreitada foi focalizada
rio Cachoeira, entre os engenhos Castanha Grande e Roncador, na estrada 1111 Comfcio, e combatido esse hábito pela circunstância de não estar a população
que dá saída aos produtos de jetituba, e dois sobre o rio, entre os engenhos São 111rnl preparada para receber o sistema. Ficou estabelecido que só se fariam
Francisco e Coronha, na estrada que dá saída aos produtos de Soledade; cerca l'rviços por empreitada nos seguintes casos: nas operações de artes e ofícios;
de 12 km. de estrada, quase inteiramente nova, com 4 metros de largura, desde 1111 corte e fatura de madeira; no corte de cana por pães de açúcar; nos casos que
o engenho São Francisco até o engenho Socego, sendo abandonada por 11 fossem feitos adiantamentos quando os trabalhadores ou outros empregados

imprestável a estrada antiga; cerca de 1 km. de caminho consideravelmente uh•recessem garantia.


melhorado na estrada principal do vale do rio Santo Antônio Grande, no lugar Em particular quanto ao açúcar alguns problemas interessantes
"Pomada"; diversos reparos na subida e descida da Chã do Catucá, por onde 1111·rcceram a atenção dos associados do Comício. Um deles - o da reforma nos
atravessa a estrada que dá saída aos produtos da ribeira do jetituba; duas estivas '"cotamentos" dos engenhos. Reforma, esclarecia um associado, Sr. Pereira
de madeira lavrada, uma sobre o riacho Catucá, e outra sobre o córrego Camaçari. li t Silva, que tivesse por fim fazer funcionar o vaso morto ou tacha de receber,
Conseguimos encontrar, transcritas em OLiberal, atas das reuniões do 11p finalidade poderia ser atendida por um coche, de madeira ou de cobre, de
Comício, cujos arquivos ignora-se por onde andam. Através destas atas, referentes 111 ior ou menor dimensão. O problema en\'olvia técnica de produção, e daí o
a quatorze sessões, se pode verificar a soma de atividades que realizou aquela hllrresse que a d.iscussão despertou.
associação; pode-se também examinar a série de assuntos estudados. Ainda sobre o fabrico de açúcar, falou cm sessão de 30 de setembro de
O Comício não se preocupou, apenas, em estudar os problemas 1~ 17, o Sr. José Paulino, condenando o uso de vasos de ferro fundido para os
propriamente técnicos da lavoura; dedicou-se também em debater temas ligados .,1•11tamentos, cuja procura provinha do seu custo, e argumentava que 11 a
a transportes, a saneamento da região, a desobstrução de rios, a contratos de fl1h'rioridade do preço indica que não se pode nelles depositar confiança". Não
trabalho. É sobre as condições higiênicas de São Luís uma das primeiras fui l'squecido o furto de açúcar, tema focalizado e discutido com a apresentação
indicações debatidas; sugeria que fossem pedidas à Câmara Municipal 1lr sugestões práticas que visassem impedir as vendas clandestinas e os
providências no sentido de melhorar as condições sanitárias de povoação, "onde 11t-~.1parecimentos de sacos do produto, ora na casa de purgar, ora nos trapíches.
febres de mau caracter vão se tomando endêmicas", e indicava como necessidade Na parte propriamente técnica da produção foi tratada a introdução dos
imediata: o aterro dos barreiros existentes nos quintais das casas; tiramento de 1111 lms e Wetzcl para concentração do caldo da cana. Otacho de Wetzel substituiria
barro para tapamento de casas e serviços de pedreiras nas colinas além das uchas de cozimento, e a iniciativa foi considerada não só acessível como
baixas que circundam a povoação; extinção da criação de porcos. 11111•ssária à melhoria da produção.

152 153
Não era este o único melhoramento pleiteado para a indústria do açúc la :1 entrada de açúcar na vila. Deste modo reagia às eÃigências ex:1g{·ratbs
outros já vinham registrando nos bangüê..5 alagoanos. Asubstituição das almanj 115 pelos armazenadores e proprietários de embarcações.
pelas máquinas a vapor, a utilização das turbinas em lugar dos tendais, as mocn Outra associação que marcou sua passagem com vanas m1c1atJva.s, fo1 :1
horizontais de 4 \t'2 palmos de comprimento e 20 polegadas de diâmetro 1dl'tlade de Agricultura Alagoana, fundada a 8 de maio de 1901. Coube-lhe
detrimento das moendas verticais e chapeadas são alguns dos melhoramen llt.ir uma m~sta: a Revista Agrícola. a primeira- e tal\'ez a única- no gênero
que, na época, eram apontados na indústria açucareira. Ajuntam-se-lhes ainda ,1,tl'nte no Estado.
adoção de caldeiras multi-tubulares e o aumento das torres ou chaminés. Esta época, o começo do novo século, encontrou a lavoura das Alagoas
Não se restringiu o Comício a tratar de assuntos meramente técnicos hh.ttcndo-se numa crise difícil, principalmente na indústria açucareira. E essa
como já registramos. Alargou seu campo de observação a todos os problemal rbt· se tornava aguda, ao que parece, pelo excesso de impostos. É o que se
que direta ou indiretamente se ligassem à agricultura. O ensino rural, po ~ltc·1Ha nas conferência ou congressos agrícolas então realizados: a Conferência
exemplo. Aeste respeito o então acadêmico de direito Manuel Balthazar Perel Ai, 11rnreira da Bahia, em junho de 1902, a Conferência Açucareira de Pernambuco,
Diégues Júnior, depois pedagogo dos mais conhecidos na vida educacional 1111 1905, o Congresso Agrícola das Alagoas, em maio de 1901.
Alagoas, elaborou, a pedido do Comício, um programa do ensino profissional Este congresso foi o primeiro que se efetuou nas Alagoas, e precedeu-o
rural. O programa visava animar a iniciativa particular, e assentava em dois fi 11 .11ização de congressos parciais nas regiões agrícolas, particularmente as
fundamentais: a) melhorar as condições de trabalho, ativando as forç 1 111.1v1eiras -do norte, abrangendo os Municípios de Camaragibe, onde se realizou
produtoras, para que a riqueza proporcione o bem estar; b) instruir os homens ~ 1«11nião, São Luís, Porto de Pedras, e Porto Calvo; de Santa Luzia do ~orte; e de
para o exercício dessas forças, quer para o exercício direto pelo ensino das M111 lci. A do Norte efetuou-se em 20 de janeiro, a de Santa Luzia em 25 de
e conhecimentos úteis, quer para o exercício indireto pelo ensino da moral soei 111.11ço, e a de Murici em 13 de abril.
e direito político. Do norte partiu a representação ao Go\'erno do Estado, documento de
Eo panorama do ensino, não se restringindo a cursos teóricos, abran pr··ssivo valor sobre a situação agrícola das Alagoas; a ela deran1 solidariedade
também trabalho de cultura no campo, e incluía o ensinamento de noÇ ti proprietários das demais regiões, resultando ainda a reunião do 1ºCongresso
práticas, de modo a criar um espírito eminentemente realista e apto à aplicação :\p.r tl ola130>.
dos seus conhecimentos à lavoura. o 1° Congresso Agrícola foi presidido por Messias de Gusmão, e teve
O espírito associativo não encontrou ambiente propício nas Alagoas. Ã 11mo seu orador principal o Dr. Afonso de Mendonça, grande figura de agricultor,
sua falta se deve não só a existência rápida do Comício, como também o pequeno 11d.l vastidão dos seus conhecimentos, pela segurança dos seus conceitos, pela
êxito que assinalou a vida de outras associações fundadas posteriormente. No 11111preensão clara do problema agrário. OCongresso, à vista das argumentações
próprio Comício não era raridade a queixa de associados contra outros - inclusive ti" \fonso de Mendonça, deliberou representar ao Congresso do Estado,
contra o próprio presidente - pelo não cumprimento das resoluções aprovadas. 111•11tuando as causas da crise e solicitando a redução dos impostos de exportação
E esta ausência de cooperação se constituiu um dos elementos determinantes uhrc o açúcar e seus derivados para 4% com 25% adicionais, tendo csla
da falta de maior assistência e progresso à lavoura.
Entretanto, quanto ao Comício, é indiscutível o prestígio de que gozou.
Asua influência chegou a ponto de paralisar durante oito dias, no vigor da safra, \ uca da reunião do Norte e a represen1ação foram publicadas pelo Gutenberg, de M:tceí6, aquela
11~edição de 2 de fevereiro, está nos números de 5 e 6 de fevereiro, tudo de 1901.

154 155
p1'1 l·cntagem a seguinte aplicação: 1% para institutos de caridade, e ~ í11f,
1. tlnados ao estabelecimento de campos de demonstração e exprriti11cia t'
il11'11são do ensino agrícola.
Acrise, entretanto, não era nova, vinha desde o século anterior, e como
1i111os fora agravada com a abolição da esçravatura que afastara dos engenhos
11·1 íiltimos elementos do trabalho servil,. Aeconomia agrícola do açúcar não
1•\t.wa preparada para receber o trabalho livrei _
Áescassez do braço escravo queSê vinha acentuando com as medidas
.ulotadas, quer com a lei do ventre livre, quer através da aplicação do fundo de
1 111anciQ_ação, reclamava melh_or atenção ~os serviços agrícolas' Os presidentes

11.1 Província focalizavam o assunto. E aconselhavam a colonização estrangeira,


111 incipalmente de elementos portugueses. Mas não se positivou nenhuma medida
111 slc sentido.
1

Já em 1874 o presidente Luís Rômulo Peres de Moreno acentuava: "A


1~ricultura está passando por uma grave crise e definha a olhos vistos". Abaixa
tlt• preço, a falta de estabelecimentos de crédito, o deplorável estado das vias de
1 ornunicação, a ausência de instrumentos agrários aperfeiçoados, eram alguns

tios fatores desse definhamento, aos quais o presidente juntava mais outros: os
ll11postos gerais e provinciais de que a classe estava sobrecarregada.
E era isto que os demais presidentes registravam em seus relatórios.
~.1s vésperas da Abolição, acentuam-se as causas, surgindo também as
1011seqüências das grandes secas de 1877. Embora o presidente José Eustáquio
J.1cobina antevisse, em 1881, prosperidade para a lavoura, observa-se, entretanto1
1111c o seu sucessor salientava a carência de desenvolvimento da agricultura, e
1·111 1884 o presidente Henrique de Magalhães Sales referia-se às dificuldades
rnm que lutava a agricultura.
Foi essa situação, mais agravada com o 13 de maio, que perdurou na
.1Aricultura e na indústria do açúcar. Entrou pelo período republicano e chegou
.1 ronhecer os anos do novo século. De modo que um ou outro ano melhores
11:10 puderan1 compensar a série de dificuldades amontoadas na vida da lavoma.
/ Acrise que era principalmente da lavoura, refletindo sobremodo no
h.mgüê, ocorria justamente quando começava o incremento, no Estado, da criação
dr usinas. Possuía então Alagoas cerca de 1.000 engenhos, seis usinas, afora
156
157
,

meios-aparelhos. A baixa do açúcar, acarretou as dificuldades sofridas p Nas Alagoas, esta reação se fez através do congraçamt'nlo dos
engenho, havendo mesmo alguns que deixaram de fabricar açúcar na safra 1 111güezeiros e fornecedores, reunidos em congresso em maio de 19n. O qtH'
1903 para 1904 a fim de vender mel às usinas. ! 11•allzou, dentro de uma orientação objetiva, esse certame, marca os priml'iros
- E curioso notar, aliás - com já fez o Sr. Gileno Dé Carii<31) - que p.1ssos, primeiros e seguros, para a vitalização da estrutura econômica do bangüê.
exportação alagoana de açúcar decaiu a partir de 1893. Os dados estatístic 1 do 1° Congresso dos Bangüezeiros que partem algumas iniciativas felizes, entre
arrolados por aquele publicista, mostram que tanto a produção como a exportaç 1üs a de um censo dos bangüês, visando, através de um profundo e bem orientado
de açúcar, no período de 1893 a 1916, raras vezes alcançaram suplantar 1t1q11érito, a conhecer na sua exatidão e na sua amplitude as condições existenciais
elementos do primeiro ano da série apontada. d11 c'ngenho de açúcar.
Dentro desse período, entretm1to, ano houve- o de 1913-em queAlago Ao lado da discussão e de conclusões sobre assuntos de interesse da
liderou a exportação nacional do açúcar, concorrendo, com 74,5%. Ao fim do perí prn<lução agrícola, estudou o Congresso alguns temas referentes a aspectos sociais,
citado havia no Estado 8 usinas e 7 meios-aparelhos, andando ainda na vizinhanç 11·11nlndo para isso material preparado por uma comissão cultural de que se
dos 1.000 o número de bangüês. Éde notar que na exportação de açúcar alagoru 11•rcou. E essa comissão cultural ofereceu algumas conclusões interessantes,
o predomfnio_ª1_é então continuava a ser da produção dos bangüês. 1rdtas ~<10 Conzi:esso. - _
É em 1922 que a usina começa a dominar, vencendo o bangüê n / o io Congresso dos Bangüezeiros marca o início de nova era para o
exportação. Já então a crise do engenho alcançava situação alarmante. A bai h,ltlgüê,D.á então estava definida a luta entre a usina e o bangüê, em que este se
dos preços concorria para agravá-la; a falta de crédito) as dificuldades ll1•batia para a sua sobrevivência. O fornecedor era o tipo perfeitamente
tra1u;2ortes completavam os fatores da crise: · 1 :1racterizado; e nele se transfigurava o velho senhor de engenho de outrora.

Foi debatendo-se nesta situação que o açúcar, o de bangüe M:ts, agora sem direitos, vivendo à custa da usina, plantando cana para os outros
principalmente, chegou à crise mais aguda: a de 1929. Dela resultou, fomenta 11wcrem.
por circunstâncias econômicas que envolveram em cheio as condições polític / Daquele Congresso se pode dizer que começou uma era de ressurreição,
do momento, a revolução de 1930. Acrise de 1929, se bem que tenha agrava principalmente por haver fixado alguns aspectos fundamentais da situação dos
a situação da lavoura da cana e da indústria do açúcar, proporcionou, com , 11gcnhoslPara definição desses estudos não faltou abangüezeiros e fornecedores
implantação do período revolucionário, a criação de uma série de providências .1 rolaboração de homens de cultura, de estudiosos dos problemas regionais:
visando a amparar tanto a lavoura como a indústria. llarrcto Falcão, Valdemar Cavalcanti, Mário Marroquim, Durval Cortês, Reinaldo
. É quando nasce a Comissão de Defesa do Açúcar transformada depol 1,;una. E o fato é que os resultados se fizeram refletir pelos anos seguintes.
em I~uição do Açúcar e d~<\ princípio o bangüê não encontro 1mduziram-se na criação do Sindicato dos Bangüezciros, na Cooperativa dos
ambiente parãrevigõrarsua-economia; foi até mesmo ameaçado de "mort 11.1ngüezeiros e Fornecedores da Cana, na obtenção de crédito para as atividades
brusca", quando a política do LA.A. visava dar todo apoio à grande indústria d il:i lavoura canavieira. E esse resultado foi mais além.
'._~car em detrimento da pequena, que é a do bangÜê~Sente-se, entretanto, /compreendendo que no cooperativismo repousa a possibilidade <la
forrnittávet1'õrÇa~l11íõ,doSVettmiêngenhos que traziam n 1illvação d9_bangüê, a ele recorreram os _§enhores de ev.~.nho..IE cooperativismo
origens de sua lavoura a tradição mais pura da economia nacional. 11os melhores moldes, como o adõtãram os senhores de engenho do vale <lo São

u1>c,illLI, Gileno Dé. Op. cit. ref. 14.


--- "lguel, isto é, reunindo-se para a fundação de uma usina de açúcar. Só assim,

158 159
pela solidariedade e pela união, é que o bangüê não morrerá da "morte brusca ,
com qu açaram. e \l'ITULO III
Do ponto de vista econômico o bangüê tem de reconhecer que a evoluç
••A
r,ecnica e a modernização da produção não permitem mais sua existência liv
Para salvar-se, acompanhar essa evolução e essa modernização é o recurso q
O BANGUE E O ESCRAVO NEGRO
lh~inhando assim, pelo menos nas Alagoas.\
- Em setembro de 1943, os senhores de engenho do vale do São Migu
reuniram-se e fundaram a Cooperativa dos Plantadores de Cana de São Migu Os primeiros escravos nas Alagoas. População geral e população escrava.
dos Campos; com um capital subscrito de 630 mil cruzeiros, deram início O, Upos étnicos introduzidos.
tarefa de fundar uma usina de açúcar para o que não lhes faltou o apoio mo
e material do Instituto do Açúcar e do Álcool. Dois anos é que depois a usina e Palmares. Os negros palmarinos e os engenhos. As entradas contra os
realidade; começou a funcionar cm janeiro de 1946 a usina Caeté, primei 1111llombos. Outros quilombos. Notícias de jornais.
fábrica de açúcar, pelo sistema cooperativista, inaugurada não apenas no Brast
Negros fugidos. Os motivos da fuga. Oescravo e o senhor de engenho.
mas em t9_dª a América do Sul.
"b bangüezeiro vinha sofrendo a transformação da sua economia sob li tratamento ao escravo.
influência da usina que pouco a pouco o absorvia. Aconcorrência técnica esmaga
o bangüê; a pequena indústria do açúcar cedia à grande. Obangüezeiro deixava Negros doentes. Negros marcados. Doenças de carência. Defeitos físicos.
\Produzir açúcar para apen-ª5 p1antar~ana e fornecê-la à usina. Era o fornecedor li que revelam anúncios de jornais do século XIX.
- ..... Com a usina cÕoperativista ele passa~r-<teslnleSmo,
não mais do seu bangüê, cuja ferragem pára de trabalhar, mas da sua usina, Cores de escravos que aparecem em anúncios. Habilidades do negro. A
usina de que é cooperado. Não é só a salvação econômica; é também a salvaç 111•p,m doceira, cozinheira e ama de leite.
social. O bangüezeiro sobreviverá dignamente no meio desta competição que
técnica de produzir vai criando no mundo inteiro; que se vai refletindo no Bras Apopulação escrava no século XIX.Aaplicação da quota de emancipação.

--
em particular na sua indústria açucareira ......
- -Oé xemplo foi imitado. Os bangüezeiros do vale do Manguaba, em Po
Calvo, querem ter também a sua usina. E começam a plantar os marcos
\i:lllumissões espontâneas. A falta de braços na agricultura. O que dizem as
l.11.ls presidenciais. O trabalho livre.

Comandatuba. No vale dos quatro rios, do Manguaba, do Comandatuba, do Moic


do Tapanumdé, onde nasceu no século XVI a agricultura da cana e a indústria
açúcar das Alagoas, irá renascer a industrialização; agora não mais pelos process
rotineiros - nem o da água, nem o das bestas - mas pela técnica moderna da usln
e esta fundada pelo sistema cooperativista. Desaparecerão os bociros dos engcnh
cl'água ou de animais para cfa.r lugar a uma chaminé mais alta: a chaminé da usi
irá falar grosso, dando nova \~da ao feudo de Cristóvão Lins.
161
160
11 Os-engenhos alagoanos receberam os primeiros escravos negros ao
tllt~smo tempo que receberam os primeiros brancos colonizadores. Àépoca em
1111c começava o povoamento regular do território alagoano, através dos engenhos
111' açúcar de Cristóvão Lins no norte, e os dos vales do Mundaú, das Lagoas do
Norte e _do Sul, e do Parat'Q3{ já Pernambuco dispunha de regular população
1·~crava, e é de crer, por isso, que as bandeiras dirigidas para as Alagoas se fizessem
11 ompanhar de negros.
Segundo Gandavo<0 , haveria na capitania de Pernambuco, na época em
1111c escrevia (1570) mil vizinhos. Seria, assim, uma população de cerca de 6.000
h•thltantes, admitindo-se uma média de seis pessoas por casa. Parece-nos, - -
1111lretanto, pequeno o cálculo de Gandavo, a não ser se o restringirmos apenas a
elllnda e suas vizinhanças, não abrangendo assim a estimativa a população rural
,••1 dos núcleos mais afastados.
Acreditamos mais exato o cálculo de Cardim, poucos anos depois de
1i.mdavo, ao admitir para Olinda e seu termo, aí incluídas as propriedades rurais,
JllulS de vinte mil colonos, além de outros tantos negros e índios. Também se
.1proxima a estimativa de Gabriel Soares calculando a população escrava de
l't'rnambuco de 4 a 5.000 pessoas. --
/ Nas Alagoas, como para as demais partes do Brasil, é a lavoura canavieira
1111c atrai o escravo negro. Este se integraria de tal forma na estrutura do sistema
1·ronôrnico, presidido pela cana de açúcar, que se constituiu, como salient0tl
11
A11Lonil, na sua já célebre e conhecidíssima frase "os pés e as mãos do senhor J

" 1C:ANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil. Rio de Janeiro, s.d.

163
De fato, a manutenção do engenho reclamava grande escravatura. 111 :111de maioria, Congo, Rebôlo, da Costa da Mina, Benguela, Caxanguc; raros os
Informa D. Loreto Couto<2l que para o trabalho de toda a fábrica são necessários ·li' Moçambique, ou da Cabinda. ~a venda do engenho Massagueira, em 17<>0
sessenta escravos; alguns engenhos têm até duzentos, e todos são indispensáveis. , 111ram sete escravos, dos quais três de Angola e os quatro restantes crioulos.
Oescravo era preciso para tudo: para cortar e carregar a cana, para meter lenha, O padre Antônio Fernandes Mendonça parece preferir negros da Guiné.
para limpar as caldeiras, para as tachas, para o mel, e assim por diante. No seu testamento de 1770 figuram nove africanos dessa origem. Outro sacerdote
Nos trabalhos da casa do engenho e das caldeiras, _os escravos são
r~~u~ .-. q11t~ deixou escravos vindos da Guiné foi o padre José de Barros Pimentel, em
mudados à meia-noite; descanso só tinham no dia de preceito. Oresto do tempo 1t1jo testamento de 1787 aparecem dois Cosme, negros da Guiné; e também um
era dedicado à atividade no engenho. Não se pode contestar a frase de Antonil, ln.lo, de Angola.
que é, realmente, expressão da verdade. São de Angola ainda os escravos deixados no testamento de D. Maria
Data dos últimos cinqüenta anos do século XVI a introdução do negro l•t~~ do Canno, em 1825; também os referidos, em 1807, no testamento de D.
nas Alagoas. É de admitir-se que o seu aparecimento, em condições mais l.líludina Maria do Espírito Santo. De Angola são os escravos que figuram no
regulares, se tenha processado com a fundação dos engenhos; entretanto, não é lr'11 tamento de José do Rêgo em 1712, de D. Ana Francisca.das Neves em 1810, de
de desprezar a hipótese de que elementos negros tivessem participado da bandeira l 111s Fernandes de Melo em 1793.
exploradora de Jerônimo de Albuquerque, em 1557, o qual, de certo, se teria De maioria Angola eram os escravos deixados no testamento de José
feito acompanhar de escravos. E começaram os contigentcs negros a penetrar 1..1sado de Lima, em 1827. De Angola, Costa da Mina, Guiné são os sete escravos
nas. A!_agoas.._
ljllC figuram no termo de seqüestro, de 1803, no engenho Lama. No testamento
f Para a fàvoura da cana é que eles se dirigiam. Os engenhos, os canaviais,
<11• n. Maria Joaquina de Gusmão, em 1832, aparecem escravos negros de Angola,
os carros de bois foram atraindo a população negra cujo crescimento não se fez
l'osta, Congo, Rebôlo, Moçambique, Benguela, Caxangue (Cassangue) 0>.
esperar. É justamente na área canavieira que se vai concentrando o elemento
africano, importado como escravo para a exploração monocultora da terra.
/ o que não resta dúvida, por estes elementos conhecidos, é que foram
h.111Lus os contingentes maiores de negros nas Alago~. Essa procedência para a
- Seria diffcil, para não dizer impossível, fixar os tipos étnicos negros
~1·1·a de Pernambuco e Alagoas, como também do Maranhão e Rio, é ponto
introduzidos nas Alagoas. Nem mesmo pelos anúncios de jornais alagoanos do
século passado, podemos apurar os principais tipos entrados. As referências mais rlrfinitivamente aceito pelos estudiosos dos problemas afros no Brasil. Entre
tl()S, o maior volume de penetração escrava foi de origem bantu, através dos
comuns são a "negros de nação", que é o africano de origem, "cabra roxo",
1•11s diversos tipos: o angola, o congo ou cabinda, o benguela, o negro de
''pardo", "mulato claro"; o grupo étnico propriamente não é indicado. Raro é o
anúncio em que fala em "angola" ou "congo" ou cm "nação Brasil". Moçambique, o angico ... Há ainda outras denominações, que são de pro\1~ci~
1111 pequenas regiões da zona afro-austral, habitat dos bantus, conforme referencia
O exame de testamentos e inventários de senhores rurais alagoanos
permite, de certo modo, conhecermos as "nações" que contribuíram para a clr Arthur Ramos<4).
população negra das Alagoas. Em alguns desses documentos, tão importantes Não chegaram aos nossos dias documentos sobre a procedência dos
para o estudo da história social alagoana, encontramos negros de Angola em \''cravos importados, em que pudéssemos basear nossas informações. Um

· ·o~ documentos referidos são da.Coleção "Bonifácio Silveira", publicados na seção "Patrimônio lfütórico",
<1icoUTO,
Domingos de Loreto. Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco. Anais da Biblioteca ti~ Gazeta de Alagoas, de Maceió.
Nacional, Rio de janeiro, v. 24-25, 1902-1903. llAMOS, Arthur. O negro brasileiro. 2. ed. São Paulo, 1940.

164 165
11
idealismo quase sádico mandou-os queimar. Aqui nas Alagoas conhecemos d.ois Dão-lhe também o nome de "fumo da costa", e confundem-no com a "liamha j
livros de registros de compra e venda de escravos, que escaparam à inquisição 11111 e outro nomes traduzem a origem do bantu da planta trazida para as Alagoas
republicana, e estão recolhidos ao arquivo do Instituto Histórico. Dentre 134 11dos africanos importados.
escrituras somente oito registram a África como nacionalidade do negro vendido; EKoster 0> informa que eram conhecidos com nome de Angola, Congo,
quatro dizem de um modo geral "africanos"; duas referem: "de nação"; uma de ttcbôlo, Angico, Moçambique, todos povos bantus, os negros entrados em
''natural do reino de Angola"; e outra: "nação da costa"<)). As demais escrituras t•crnambuco. Também Tolenare encontrou em Pernambuco os angola e os
dão como lugares de nascimento dos escravos vendidos: Bahia, Pernambuco e 1·11blnda e benguelas, salientando que os primeiros são "mais hábeis e úteis para
3
A.lagoas; nas Alagoas - Pilar, Alagoas, São Miguel em abundância. 11 serviço nas cidades" e os outros "dóceis e excelentes para o trabalho agrícola"< >.
À falta de documentação positiva sobre os tipos étnicos encontrados, 1!111 Pernambuco, ainda, à época do domínio holandês, nos leilões de escravos
teremos de recorrer aos elementos subsidiários que possam adiantar-nos alguma 11~ preferidos eram os de Angola porque revelaram muita disposição para o
coisa. Pela lingüística, isto é, pelo vocabulário ainda hoje usado ou pelas ll:tbalho<9>. De Angola eram importados os negros desde 1641. /
denominações de pontos geográficos, evidenciaremos o predomínio dos bantus Onde também se encontra um argumento em favor da origem bantu
Como também o veremos pela referência de cronistas e viajantes dos séculos llos negros nas Alagoas é na "ausência de tradições religiosas ou culto de
passados, e pelo folclore. A língua, através da qual os negros influenciaram n fülmais"<10>. De fato, os negros nas Alagoas não se deram à prática de cerimônias
dialetação alagoana, como na de todo o Nordeste, foi o dialeto quimbundo, ri•llgiosas próprias; ao contrário, o sincretismo religioso foi rápido, aceitando os
considerado como uma espécie de língua geral dos negros do norte e do sul, negros a religião católica, com a qual confundiram os seus santos.
enquanto o nagô influiu na Bahia por intermédio da cultura sudanesa<6). E o Estamos assim diante de um fato perfeitamente fixado: foram bantus os
quimbundo é caracteristicamente bantu. Na nossa linguagem popul 1111vos negros que entraram nas Alagoas. Não chegaremos a afirmar terem sido
encontramos termos puramente quimbundos: calombo, inhame, capiong o~ únicos; posteriormente, por intermédio da Bahia, através de fugas de escravos,
cangote, naníca. Nomes que se caracterizaram no Nordeste como angu, bengo 110:; chegaram outros tipos africanos, do grupo sudanês, como os haussá, por
bunda, cafuné, cachimbo, são quimbundo. E os nomes mais expressivos rn•mplo. Destes, devido às lutas religiosas na Bahia, muitos fugiram.
existência da cultura da cana de açúcar entre nós vem do negro: bangüê, cachaç Da revolta de 1813 a dispersão foi grande. E chegados nas Alagoas
canga, moleque - o da bagaceira - , bagaço, senzala. E nos próprios nomes 1t·11taram uma sedição em 1815, sedição essa ainda não inscrita na história
engenho a influência africana se revela: Cumbe, Luango, Cafundó, Cassamb 110cial, mas que se pode conhecer através de documentos contemporâneos. Num
Zumbi, Sabalangá, Mumbaça. 1Mcs, oficio do Ouvidor Batalha, informando a prisão de diversos cabeças da
Na geografia alagoana palavras quimbundas encontram-se com fartu 11rojctada rebelião, revela-se a presença de haussás, quando diz que nela
e entre elas podemos lembrar: Lunga, Mutange, Cambona, Cafuchi, Calun ''principalmente entravão escravos de nação ussá, sendo o resto da escravatura
Quebrangulo. E o fumo popular, proibido pela polícia, a maconha, palav
quimbunda, é alagoano, pois se encontra em grande escala em nosso Estado
' KOSTllR, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. São Paulo, 1942.
1'1)11.llNARE, L. f'. de. Notas dominicais (...) R. lnst. Arth. Geogr. Pernambucano, Recife, 11 (61-62)
muvRO de registro de compra e venda de escravos: 1873-1875, 2 v., mss. do Instinito Histórico e Gcográíl t m1r. e jun. 1904.
de Alagoas. 'WATGBN, Hermano. O domínio colonial hollandez no Brasil. São Paulo, 1938.
C6>MENDONÇA, Renato de. Influências africanas no português do Brasil. São Paulo, 193S. 'llllANDÃO, Alfredo. Onegro na História de Alagoas, ln: Estudos afro-brasileiros. Rio de janeiro, 1935.

166 167
em geral, simplesmente sabedora"ºº. Ogrosso da escravatura era do grupo bant <lulné. E Feliciano Coelho de Carvalho e Diogo Meireles informam o nome do
cujos povos encheram os engenhos alagoanos. Os congos, os bcnguelas, os angol chefe da expedição: Bartolomeu Bezerra<m.
se foram espalhando pelo litoral, pela região açucareira. Se o quilombo mereceu a atenção do governo de D. Diogo Botelho é
Espalharam-se pelos engenhos na disseminação econômica qu porque já estava respeitável; e não deveria ser novo. Também, a ele, ao quilombo,
asseguraria a conquista do território. São estes os contingentes escravos que ~r refere outro documento anterior, muito anterior, ao domínio holandês.
constituir os núcleos de onde sairão os trabalhadores dos engenhos. De on Ht•almente, o Livro que Dá Razão do Estado do Brasil já assinala o quilombo
sairiam também os habitantes dos Palmares. dos Palmares como núcleo bem desenvolvido. Àfl. 26v. daquele importante MS
Palmares é uma página que não se pode isolar na história do Brasil, Informa-se que aos Palmares "ordinariamente se acolhem fugindo ao trabalho
cm particular da das Alagoas. Na luta pelo domínio da terra, o culontiador us escravos desta Capitania"; lembra também as correrias e assaltos que os negros
primeiro teve de vencer o elemento indígena; depois o elemento negr rometem provocando os brancos. Estes muitas vezes capturam quilombolas,
concentrado em Palmares. Entre um e outro, o luso-brasileiro enfrentou a invas mas tão logo se soltam nos trabalhos, voltam novamente para os Palmares 04>.
holandesa. Foi ensopando-a em sangue .q-1:1e-se'1tdtrbotra tena para as plantaçõ Grande era o domínio territorial abrangido pelo Quilombo dos Palmares:
de cana de açúcar. os vales do Mundaú e do Paraíba constituíram seus pontos centrais, estendendo-
Vem de antes da invasão holandesa a formação do quilombo palmarino \t' a área palmarina para o sul até imediações do Penedo, e para o norte até além

Não é possível precisar o ano em que começou a formar-se; podemos, entretan 1los limites atuais com Pernambuco<15>. Pode-se ter uma idéia dos limites
admitir que data de fins do século XVI. Ao ver de Inácio Acioli o quilombo 11almarinos, relendo o que vem informando num bando do Governador Fernão
formou durante a invasão holandesa em Pernambuco, afirmativa que te de Sousa Coutinho. Neste documento, datado de 26 de novembro de 1670, isto
encontrado acolhida por parte de outros historiadores. Acrescenta o cronis ~' quando começa o aceso da campanha contra o quilombo, se encontra o
baiano que teve início com quarenta africanos, "escravos de vários engenhos ~cguinte: "... e outro sim não comprehenderá este bando a nenhuma pessoa de
vila de Porto Calvo, por buscarem a liberdade"<12>. Tudo indica, porém, que 11ualquer qualidade ou sorte que seja das que se acharem nas fronteiras dos
quilombo já existia no começo do século, sendo anterior a 1624. 11atmares - a saber-Rio de Sam Francisco, Alagoas, Porto Calvo, Una e Serinhaem
No governo de D. Diogo Botelho se fez uma jornada contra o quilombo por estarem vesinhos aos ditos palmares para cuja defensa se lhes concede o
É o se verifica da justificação sobre os serviços daquele governador que, uso das ditas espingardas ... 11 <16>.
apresentar o rol de suas realizações, incluiu, no item 16, uma jornada con Como se vê quase todo o território alagoano estava abrangido pelo
"os negros da Guiné, alevantados, mui damnosos aos moradores desse Estado" 11ullombo negro. Penedo, Porto Calvo eAlagoas, as vilas alagoanas então existentes,
Pelo requerimento do governador sabe-se que os negros se distribuíam por qua ~cntiam os efeitos da situação dos Palmares. Suas propriedades eram ameaçadas;
ou cinco aldeias muito grandes. Depondo na justificação o capitão João Barb
de Almeida - e como ele outros declaram - disse ser verdade que o governa.d
tinha mandado fazer uma jornada para ir aos Palmares e desbaratar o gerttio micoRRESPONDêNCIA de Diogo Botelho. R. lnst. IUst. Geogr. Brasileiro, Rio de Janeiro, 1. ... par1c 1
(1910) 1911.
''ºl,IVRO que dá razão do estado do Brasil, acompanhado de vários mapas. MS exlstenle no arquivo do
l">Ofício do Ouvidor Antôuio Batalha, ms do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
mlSILVA, Inácio Acioli de Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da Província da Bahia. v. t "''DRANDÃO, Alfredo. Tr. cit. ref. 1O; _ _ Viçosa de Alagoas (...)Recife, 1914.
Bahia (Salvador) 1925. ''"'DOCUMENTO n. 300, da coleção Studart. R. Inst. do Ceará, Fortaleza, 35 (35) 1921.

168 169
seus negros e negras raptados; seus canaviais incendiados, como sucedeu co ~rc111eológico de Pernambuco. Encontram-se nele não só precisas informaçol'S
os de Cristóvão Lins, no seu engenho de Porto Calvo.l p11.1 conhecimento do território alagoano na época, em particular dl' s11a
E foram os engenhos, que eram os principais núcleos econômicos da i•1·o~rafia como ainda valiosos subsídios para conhecimento da repúbllca 11cg1 .1.
1 época, que mais sofreram com os negros palmarinos. Não só roubos, depredações, 11•111bra 'por exemplo, que havia nos Palmares "roça abundante": milho,
-ind\ndios; também as-fugas.d.c_negr~ Admite mesmo Rocha Pita que o quilombo 11 111 ndloca, feijão, bananeira. Foi a primeira tentativa policultora numa região
se formou de um grupo de escravos fugidos dos engenhos de Porto Calvo. O que 11111nocultora.
não resta dúvida é que saíam dos engenhos, onde mais se concentrava a população Aexpedição de Baro é pouco conhecida. Os documentos referentes a
negra, os contingentes humanos que engrossavam o número de habitantes dos ··~til viagem ainda não foram publicados. Sabe-se que o projeto de Baro era
Palmares. .tlilCar "o pequeno Palmares", mas viu-se diante do "grande Palmares". Uma
Do quilombo fizeram-se sentir efeitos econômicos e sociais na vida 1,irta do próprio chefe holandês informa que a luta foi renhida. Houve mortos de

alagoana. Principalmente na vida de engenho, sobretudo aqueles localizados l.ulo a lado, e o Palmares foi incendiado. Ainda segundo Baro o quilombo estava
mais perto do quilombo. A exístência dos Palmares perturbou a economia 111rcado por duas ordens de estacadas e era tão grande que nele moravam quase
açucareira. Se a princípio não puderam atentar na sua importância, em virtude 11111 famílias, além dos negros solteiros.
de estarem preocupados com a destruição do domínio holandês, depois de 1645, Baro também fala do~ ãspectos policultores da agricultura palmarina,
verificaram os senhores de engenho o perigo que os ameaçava. Roubos de .11) referir que em volta da estacada havia muitas plantações de mandioca e enorme
escravos, ataques dos negros, tudo isso trazia desassossego aos engenhos 1111antidade de galináceos; não possuíam ao palmarinos, porém, qualquer o~tro
alagoanos. .111lmal de grande porte.J· -
No velho Garça Torta, à margem do Mundaú, conserva a tradição o Estas duas são as únicas entradas holandesas conhecidas. Um
nome do "Zumbi" à ladeira que da chapada conduz à planície do engenho; por documento holandês de 1638, referente aos Palmares, informa também que os
ela os palmarinos, capitaneados pelo próprio Zumbi, desciam nos seus freqüentes quilombolas estavam tão fortes e atrevidos que roubavam os moradores, feriam-
assaltos para furtar gado, cavalos, roupas. Esses assaltos determinaram, aliás, o 11os, punham fogo às casas, e levavam consigo os cativos que encontravam os>.
abandono da propriedade por muitos anos<m. De 1667 a 1694 contam-se quatorze entradas luso-brasileiras, e foram
Para enfrentar os palmarinos numerosas entradas foram organizadas. das, em ordem cronológica, as chefiadas pelas seguintes pessoas: Zenóbio Acioli
Aprimeira de que há notícia é a organizada no governo de D. Diogo Botelho, e tlc Vasconcelos (1667); Antônio Jácome Bezerra (1672); Cristóvão Lins (1673);
teve Bartolomeu Bezerra corno chefe. Consta a notícia na correspondência do Manuel Lopes (1675); Fernão Carrilho (1676-1677); Gonçalo Moreira (1679);
governador, e a ela já fizemos referência um pouco atrás. No período holandês André Dias (1680); Manuel Lopes (1682); Fernão Carrilho (1683);João de Freitas
conhecem-se duas: a de Rodolfo Baro em 1644, e a de João Blaer em 1645. da Cunha (1684); Fernão Carrilho (1686); Domingos Jorge Velho (1692); e
Desta última, a de Blaer, ficou um documento importante; o diário da viagem Bernardo Vieira de Melo, Sebastião Dias e Domingos Jorge Velho (1694).
que, trazido por Alfredo de Carvalho, foi publicado na Revista do Instituto

u•>A:; informações sobre a expedição de Baro e outras referências a documentos holan~cses nos forn~n
1
>7JFONSECA, Pedro Paulino da. Linhagem da família alagoana, doe. do arquivo do lnst. llist. Geogr. gentilmente fornecidas por José Antônio Gonsalves de Melo, a quem agradecemos a preciosa colaboraçao
Alagoas. · prestada.

170 171
Pouco se conhece acerca da maioria destas entradas. Não ficaram crôn ic 1111 traglbano que recebeu o nome de Carrilho, conservado até alguns :lllos
ou descrições que permitissem reconstituí-las nos seus pormenores, ou, u h, quando se transformou em usina Camaragibe. Sabe-se ainda que Carrilho
menos, nas suas linhas gerais. De alguns destes capitães encontra-se referênd 111vll1 missa na igreja do Bom Jesus, Pad.ro~iro da expedição. Acerca desta cnLrada
em documentos contemporâneos, em particular em justificações por eles feit 11· 11c1rnão Carrilho encontram-se ainda excelentes informações em documentos
para obtenção de emprego. Ocaso de Fernão Carrilho, a respeito de cujas entrad 1111hlkados no livro de Ernesto Ennes.
se conhecem melhores informações. Sobre ela e sobre outras entradas. Afinal, principalmente, que foi a
Em 1699, pleiteando o seu provimento no cargo de capitão da Capitanft clr1 l111a quarta luso-brasileira, quando, em 1694, os palmarinos foram vencidos
do Ceará, Fernão Carrilho fez uma síntese de suas atividades, lembrando as suar p..!.t Lríplice aliança: Bernardo Vieira de Melo, Sebastião Dias e Domingos Jorge
expedições aos Palmares(l9l. Anterionnente, em 1681, Carrilho pleiteou su \1•lho. Atacados em três pontos diferentes, os negros não puderam impedir a
nomeação para capitão-mor da mesma capitania do Ceará. Já então havia feito 11111quísta do reduto. Morreram muitos, escaparam outros, entre eles o Zumbi,
duas entradas ao quilombo. Na primeira, com o posto de capitão-mor da guerra 111w clias depois era entregue, traiçoeiramente, a André Furtado de Mendonça,
dos Palmares, fez "grandes damnos e destroições nos negros matando e cativando 11111• lhe arrancou a cabeça como prova da vitória completa sobre os bravos
muitos afugentando-os para estançias remotas 11 ; na segunda, aprisionou sessenta l" r:ivos dos Palmares 122>.
negros e matou muitos, conseguindo ainda pôr em fuga os restantes inclusive os Não há necessidade de repetir o que foi a vitória final sobre Palmares.
reis; perseguindo-os, veio a aprisionar mais duzentos negros, entre eles a Rainha 1~la escrita nos diversos compêndios da história; está, também, e principalmente,
e dois filhos do rei. Contudo, não destruiu o inimigo; 11 nos Palmares ficou tão 1111 ~rande parte inédita nos documentos, uns já publicados, outros ainda não
pouca (gente) de dividida por varias partes que qualquer tropa de vinte ou trinta , 1111hccidos, existentes nos arquivos portugueses. São de grande interesse tais
soldados acabaria de destroir o inimigo 11 <20l. 1li1t•11mentos, em particular para melhor se conhecerem alguns aspectos da luta,
Da terceira entrada de Fernão Carrilho, em 1683, há um resumo feito ,1•.·11111tos, aliás, que reclamam revisão histórica, entre eles: o papel de Bernardo
por um de seus cabos, Carlos Ferreira, que a descreve ao pleitear sua nomeação \ 11 Ira de Melo; a localização dos últimos combates; o reconhecimento do nome
para o posto de capitão do presídio do Jaguaribe. Por ele se verifica que Carrilho 1k Zumbi que, seguindo a opinião de Studart, nos parece nome próprio, a exemplo
desalojou os negros da serra da Barriga; possivelmente, foram eles para outro d1• Oanazumba, Canhongo, Ganazona, etc., e não ~osto hierárquico ou título
ponto, sendo assim digna de estudo e pesquisa a tese de Alfredo Brandão, ao 1111hiliárquico.
sustentar que o último reduto negro foi na serra dos Dois Irmãos, em Viçosa. 1 ·A destruição do quilombo da Serra da Barriga trouxe descanso e paz aos
Carlos Ferreira lembra que "na investida que se deu no mesmo ano ao ditto 111gcnhos alagoanos. Entrejanto, n-ão..ser!a ele o último que se formava em
outeiro da Barriga sendo dos primeiros que chegarão ao portão da Estacada, e ----
lt'ITitório das Alago~.Se bem que nenhum outro apresente tao - expressiva ·-
. pos1çao
saltarão dentro até serem dezalojados queimando-lhes as suas fortificações"<21}. histórica, conhece-se a existência de vários, quase todos formados por pequeno
Nesta terceira entrada é que Carrilho fez pouso em "paragem 1111mero de escravos fugidos.fA expansão do povoamento, que se definiu após a
conveniente°. Esta "paragem conveniente" parece-nos ter sido o engeiiho 1l16ria contra os palmarinos, constituiu, de certo, obstáculo para facilitar a

MJDOClJMENTO n.502, da Coleção Studart. R. lnst. do Ceará, Fortaleza, 37(37) 1923. 'LNNES, Ernesto. AGuerra dos Palmares (...) São Paulo, 1938; e ainda as obras já citadas de Alfredo
2
' ">JDEM, n.324. R. lnst. Ceará, Fortaleza, 35 (35) 1921. llr:111dão. São importantes também documentos publicados pelo Barão de Studart, na Revista do
21
< >DOCUMENTO n. 490. R. lnst. Ceará, Fortaleza, 37 (37) 1923.
Instituto do Ceará, cit.

172 173
formação de novos quilombos com o mesmo feitio daquele do século XVII, com 1111 noticiário dos jornais. E era de certa importância esse núcleo, tanto o rt.'lc\o
o mesmo grosso volume de população.' 1ulo, na notícia, à captura do seu chefe.
Durante os Palmares e depois dele, no decorrer dos tempos, aparecem Anterior a esses d01s ha not1c1as de um outro quilombo, loca.IJzado nas
realmente alguns outros quilombos de negros escravos, fugidos quase sempre 111.Has de Santa Luzia do Norte. Datam de 1860 as informações a respeito desse
de engenhos. Nenhum teve a extensão e a fama do da serra da Barriga. Este quilombo que, informava o Diário das Alagoas, em 29 de novembro de 1860,
resumiu toda a epopéia do negro no Brasil. Contemporâneo dele é o quilombo · rnmpunha de grande número de escravos, todos bem armados, de facas de
da serra d'Arca, hoje conhecida como serra do Tanque D'arca, no Município de ponta, espingardas, clavinas. Dos engenhos furtavam bois, ovelhas, aves, tudo
Limoeiro; cremos, entretanto, trata-se de um dos mócambos de todo o conjunto llllitnto encontravam.
palmarino, e não um quilombo isolado. Ficava, efetivamente, dentro das raias "Os pobres senhores de engenho e lavradores por tanto reveses sofrem
de influência dos Palmares. Contrá ele, em 1685, houve uma entrada de que foi 1111 ~cu modo de vida, que tão pesados tributos pagam ao Estado, estão agora
participante Antônio Pinto Pereira; este alegou, posteriormente;· ter passado \lfjcitos a novo tributo, que sobre eles derrama um bando de bárbaros
"muitas fomes e sedes, por serem os mattos muito agrestes e secos"<25>. .11tcadores", acrescentava o noticiário do Diário das Alagoas. E para a captura
No decorrer do século XIX, pelo que nos revelam notícias de jornais, se 1los quilombos registravam-se cercos a engenhos da redondeza, inclusive ao
constituíram vários pequenos quilombos, alguns até de mais relevo, reclamando c.11rça Torta, onde chegou a haver conflito, sendo morto um sitiante, "por um
atento estudo por parte dos historiadores. Isto mostra que o espírito de revolta, í1'1•sscs escravos que se achava munido de uma arma de fogo".
que gerou o célebre quilombo do século XVII, não havia desaparecido; e se Entretanto, não era só para assaltar os engenhos e ameaçar aos seus
traduziu, no decorrer dos tempos, em outras formações de quilombos das matas 1·11hores, que os negros fugiam; fugiam também para defendê-los. É o caso de
alagoanas. llwa de negro escravo para alistar-se entre os voluntários da Pátria na guerra
Em 8 de junho de 1861 o Diário das Alagoas noticiava existir no lugar r1111tra o Paraguai. Encontram-se referências a respeito em anúncios de jornal
"Gruta Timbó", ao norte das cidades das Alagoas, um grande quilombo, composto ohrc escravo fugido.
talvez de trinta pretos, "os quais vivem assaltando a quem passa e aos diversos Do mulato José, seu proprietário M. C. d.e Albuquerque Pessoa, um dos
engenhos d'aquela costa". Oengenho Oiteiro fora assaltado dias antes da notícia, cl•111os do engenho Furado, desconfia que ele tenha ido para o lugar Riacho
e dele levaram duas reses e galinhas. Pessoas que se juntaram para atacar o l1111do de Baixo, na Palmeira de Fora, onde tem parentes, e dali para alcançar a
quilombo, foram forçadas a retroceder do ataque, saindo um com bala no peito 1 .ir.ida de ferro de Pernambuco "com destino a alistar-se como voluntário da
cm perigo de vida, e outro bastante chumbado. l'.1tria"(2·i>. Ocabra Sabino fugiu do engenho Rocha para a capital "com o intuito
É ainda ao Diário das Alagoas que devemos informação sobre outro 1lr se oferecer como voluntário", informava o seu proprietário ao anunciar que
quilombo, também 186 I: a da prisão do calhambolajosé Rosa, chefe do quilombo p.1~•LYa bem a quem o apreendesse<25>.
da Mata do Rolo. Para essa prisão informa o jornal que muito concorreu o Sr. Na luta contra os holandeses já fora grande a contribuição do elemento
Manuel Joaquim da Silva Leão, senhor do engenho Oficina. Era outro núcleo 111 lcano. Oescravo negro acompanhou o senhor de engenho no seu sofrimento
negro que assaltava e ameaçava os engenhos da redondeza, conforme se verifica 1 11a sua reação. No exército luso-brasileiro muito negro e muito mulato lulou

'n1(mo DAS AL\GOAS, Maceió, 2 jan. 1866.


11l>OOCUMRKTO n.502, cil. rcf. 19. lllHM, idem, 3 jun., 1868.

174 175
ao lado dos seus senhores contra os invasores. Moradores e cabras de engenh o mesmo historiador, entretanto, baseando-se no romance "A filha do
gente do eito e da bagaceira, pessoal da moenda e da casa grande, juntaram- 11 trao", de Pedro Nolasco, refere casos de castigo nos engenhos de At:1l:1la.
todos no mesmo sentimento de confraternização com os proprietários rurais 1·1 mclpalmente, as novenas, isto é, castigos que se repetiam nove noites seguidas.
reagindo contra os holandeses <26l. 11·, negros escravos, amarrados de bruços em pesados bancos, er:i:n açoit~dos a
Essa reação era natural, e enfrentava as violências, as ameaças, os casti , hlcote de couro cru até o sangue correr. Muitos do padecentes nao resistiam e
que sofriam os escravos da parte dos holandeses. Em 19 de janeiro de 1646 111111'1'i1un antes de terminar a novena. Eram então enterrados na bagaceira.
refere o Breve Diário, foram açoitados e marcados a fogo quatro negros qu Havia também outros instrumentos de suplício: tronco do batente de
costumavam levar ao inimigo as cartas de Rodrigo de Barros PimenteJ<21i. l'Ol'tn, onde o negro ficava preso pelas pernas, o tronco do pescoço, agar~alheira,
É talvez dessa aproximação em horas tão dramáticas - a da guerra ,IN .tlgemas, as peias de ferro fechadas a cadeado. Toda essa série de castigos e de
holandesa e outras que se sucederam - que tenha nascido entre os senhores nír!mentos do negro não foi, todavia, permanente. A datar da segunda ~etade
engenho das Alagoas um sentido mais humano no tratar o escravo. É certo que, do século XIX tornaram-se raros os casos de castigos, e quando os havia eram
pelos anúncios de jornais do século XIX, anúncios assinados pelos próprios 11ll'llos pesados.
senhores de engenho, se pode verificar que estava muito distante de se É de se considerar que isto acontecesse, pois o negro era uma peça que
inteiramente humano esse tratamento. Nem, por outro lado, deixaram de existir , 11i~t dinheiro mercadoria de valor econômico e financeiro, e daí sobravam ao
nos engenhos das Alagoas os mesmos instrumentos de martírio, conhecidos n .. 1·11hor razõe; para tratá-lo favoravelmente. Principalmente, depois da extinção
história da escravidão no Brasil. tio tráfico e das medidas que antecederam o 13 de maio, esse tratamento
Negros com marca de chicote, negros com sinais de suplício, negros 111clhorou consideravelmente, como defesa mesmo aos interesses financeiros
ainda vendidos em pedaço, negros também doentes - com doenças sérias, do senhor.
principalmente as de carência- encontram-se, em grande escala, em anúncios Antes, porém, não era tão doce o tratamento dispensado ao escravo.
de jornal; como se verifica, do mesmo modo, encontrarem-se em documentos ·1,1be-se que nas Alagoas em hábito os senhores botarem para fora de ca:'a o
antigos. Negros fujões, e a fuga em si já era um índice dos sofrimentos do cativeiro, 1·~rravo que, por velhice ou enfermidade, não lhes podiam mais prestar se:v1ços;
são em número enorme, e os anúncios de captura é que nos permitem fixar , rnm abandonados aos sentimentos humanos dos estranhos. Quando ficavam
alguns aspectos de seu físico; físico doente como era doente o seu moral. lums os donos os reaviam.
Éinegável, no entanto, que o escravo merecia também bom tratamento. A tal ponto chegou a coisa que o governo da província propôs em 8 de
Admite Alfredo Brandão<2s> que os engenhos de Viçosa jamais presenciaram as h•vcreiro de 1833 que "todo o escravo que por velhice ou enfermidad: fosse
cenas vandálicas da escravidão. "As novenas de açoutes, os bancos e as lnnçado fora de cas,a por seu senhor, ficaria liberto por esse fato". Aos ju1zcs de
gargalheiras não medraram em minha terra", diz aquele historiador, e acrescenta paz era atribuíqo tornar efetiva essa disposição, dando carta de alforria aos
que se castigos houve erám apenas uma reprimenda às suas malfeitorias, mas 1•scravos <29>. · •
esses castigos não excediam os sentimentos de humanidade. Mais tarde, em 1851, um dos artigos das posturas da Câmara Municipal
ill' Maceió, aprovados pela Resolução nº 180, de 28 de junho daquele an~o,
u0MELO NETO, J. A. Gonsalves de. Asituação do negro sob o domínio holandês. ln: Estudos afro·
brasileiros, Rio de janeiro, 1937. <'Slabelecia que nenhum escravo, qualquer que fosse o sexo, poderia habitar
anBREVE diário, cit,
t•~lBR.\ND.~O, Alfredo. Viçosa de Alagoas (... )Recife, 1914. ' ''MS da Coleção Pedro Paulino, no arquivo do Instituto Histórico e Geográíico de Alagoas.

176 177
fora da casa do seu senhor ou administrador sem consentimento deste ou Marcas não só de feridas; marcas de chicote também encontramos t•111
polícia. il·(t111s anúncios, dos quais selecionamos, do grande rol colhido, os mais típicos
Tais medidas, de certo, refrearam o abuso, e juntavam-se à extinção d .1•11ão os de aspectos mais comuns, deixando de referir aqueles, tambcm t'tll
tráfico, de modo que os senhores passaram a tratar com mais cuidado os seu 1•1.,111de quantidade, onde há apenas suspeitas dado o meio-tom das palavras do
escravos. Daí. se encontrarem duas fases na vida do escravo negro no Brasil ,111(111cio. Sotério e Benedito Serinhaem, fugidos do engenho Varrela, "ambos
quanto aos sentimentos que o cercavam: uma, do regimento de ferro e fog 11•111 cicatrizes de chicotes, pois foram surrados" (D.D., 13-9-859). Cheio de
quando havia castigos para os negros fujões, expulsão e abandono dos doentes 1 l1·atrizes, "também tem bastantes cicatrizes nas costas", além de ter "entre os
outra, menos dura, já se fazendo notar os cuidados dos senhores. Aquela 1wltos de alto a baixo uma cicatriz do cumprimento de um coito" e "uma marca
observada no período colonial de nossa história, quando os negros não tinha ili• ferida" numa canela, era o escravo Joaquim, fugido do engenho Mangabeira
ninguém a seu favor, nem mesmo o S. J. da CompanJ1ia de Jesus, todos caído Ili.A., 12-12-62).
pelos índios; a segunda é a época do Brasil monárquico. Aextinção do tráfico, l O escravo Jerônimo, ao fugir do engenho São Francisco, levava como
que se seguem as providências para realmente impedir o coméreio negreiro, é o 11111 dos sinais destacados "duas ou três grandes marcas no lombo" (D. A., 10-9-
ponto que separa as duas épocas; uma antecede, a outra sucede ao fim do tráfico 1{7.D. Em requerimento ao juízo, em libelQ cível contra João Batista Alves
de escpvos. · ~lontciro, o proprietário Domingos Carneiro de Uma alegava ter sido lesado por
/ _I ~. podemos verificar, através de anúncios de jornais do séçulo: 1t.1vcr recebido um escravo doente: "hum negro ~com huma ferida incurável na
/X, o que eram os negros escravos; o que eram como elementos doentes p1•rna" <31J.
martirizados, vítimas do regime econômico a que serviam. Os tipos descritos Vítimas do regime de escravidão aparecem ainda escravos surrados ou
nos anúncios de escravos fugidos oferecem vasto material para um estudo , om marcas de ferros: Valeriano, fugido do engenho São José , "tem sido por
demorado das condições de existência do negro nos engenhos de açúcar. 11·1.cs surrado" (D. A., 15-4-61) e Maria que fugiu do engenho Lagoa Redonda,
Os anuncios de jornais do século passado apontam um mundo da "ronserva uma marca de ferro no pescoço'' (D.' A., 29-7-862). Tendo "nas costas
escravos com sinais de doença, outros aleijados; são escravos fugidos de engenhos, ·1lg11acs de ter sofrido castigo", o escravo Rcginaldo fugiu do engenho Ferricosa;
pois nos detivemos sempre nas notícias de fuga em que o anunciante era senhor 11 il também corcunda, e como profissão tinha a de mestre de açúcar (D. A., l-5-
de engenho. Constante, por exemplo, fuga de escravos com marcas de ferida.e; H78).
Justina... "marca de ferida no braço esquerdo"<30>; Silvério ... "tem uma cicatriz Tipos de escravos doentes passan1 através de anúnci~s de jornais do
na parte posterior da cabeça" (D.A., 10-1-859); Marculino ... ''tem nos tornozelos ~1·culo XIX, num desfile constante. Januária... "usa de vestuário comprido para
marcas de feridas" (D.A., 5-2-859); Cipriano... "tem marcas de feridas nas pernas" rnhrir a inchação que tem nos pés acima dos calcanhares" (D. A., 9-11-859);
(D.A., 11-8-1860); Roque, crioulo, de 30 a 35 anos ... "pernas finas em uma \11lônio ... além de apresentar 11sicatrizes de bexiga", tem ... "uma perna inx~u.la
delas uma grande marca de ferida, que a conserva mais grossa que a outra'' llt· crysipella" (D. A., 6-4-868); Bernardo ... "tem os escritos grandes, que bem se
(D.A., 15-4-861); Adeodato, crioulo, "tem alguma cicatriz nas costas" (D.A., 3-7 11ivulga" (D. A., 22-11-861); o cabraAmancio ... "tem um escrito bastante grande"
879).

ci"lOJ,\RIO DAS ALAGOAS, Maceió, 23 jun. 1858. As demais referências dos anúndos têm apenas as inicial1 ""MS da Coleção Bonifácio Silveira, publicado na seção "Patrimônio His16rico", da Gazettl de Alagoas,
do mesmo jornal: D.A. Devemos adiantar que todos os escravos citados são fugidos de engenho. de Maceió.

J78 179
(D. A., 2-3-870). Escravos com lobinhos ou caroços: Serafim tem ... 11bem abaixo Escravos comdentes podres: Sabino, de 18 anos de idade... "apodm·c•11do
do peito direito, ou esquerdo um lobinho, que ao tempo que fugiu já tinha o lhes os dentes da frente" (D. A., 10-9-873); ou inteiramente desdentado:-. 1H1
tamanho de uma pequena cabeça de bilro" (D. A., 13-9-859); Benedito, "tem laltando dentes: Serafim... "que representa ter trinta anos de idade... é desdentado
um pequeno caroço na pestana de um dos olhos" (D. A., 29-4-861); José tem (D. A., 13-9-859) ; Valeriano, idade de 30 a 35 anos, "desdentado" (D. A., 15-4
"como sinal mais saliente um grande enxaço na junta de uma das mãos que 861) ; Quirino, de idade de 20 anos, "desdentado" (D. A., 29-7-862); Amâncio ...
parece um lobinho" (D. A., 2-1-866); Amâncio com "um lobinho em um dos "tllsdentado" (D. A., 2-3:870); Leandro, idade de 35 anos, pouco mais ou
braços" (D. A., 2-3-870). 111cnos, é também "desdentado" (D. A., 12-5-70); Melchiades, com 25 anos,
São bem salientes, no rol de anúncios colhidos, os casos de doenças de "temfalta de dentes na frente" (D. A., 4-7-871); o mesmo aç9ntece com Felizarda,
carência. Estas foram, sem dúvida, as moléstias mais comuns na vida do escravo. que "tem falta de alguns dentes na frente" ( OLiberal; 28-2-872); jerônimo ...
Trazidos da África em porões imundos e anti-higiênicos, por vezes em terra "faltando os dentes da frente" (O Liberal, 8-J-878) ; Ana ... "com falta de mor
permaneciam em condições quase idênticas. Contudo, é de admitir que nos 1iartc dos dentes" (D.A., 25-6-877).
engenhos o escravo tivesse melhor ambiente pelo trabalho ao ar livre que Afora os casos de doenças encontram-se em anúncios de jornais do
acentuaria a influência da carência alimentar. ~1·cu l o XIX casos de defeitos físicos. Principalmente falta de dedos, sinal este que
11 acha em vários anúncios de escravos fugido de engenho. Henrique, por
Se o escravo era a classe melhor alimentada, como afirma Gilberto
FreyreG >, não há esconder, entretanto, que era mal nutrido, no sentido de não
2 1•xcmplo, escravo fugido do engenho Mundaú, tem perda da polpa da cabeça de
ter uma dieta adequada. Daí as doenças de avitaminose_~, o raquitismo, traduzido umdos dedos indicadores, e pelo que é defeituoso o mesmo dedo" (D. A., 10-3-
nos casos de pernas arquedas, de perna cambadas ou ttonchas, de pés HSS); Pedro ... "tem um dedo de uma das mãos toto para o lado de dentro" (D.
apaJhetados; ainda nos escravos de tipo seco, magro, de peitos secos ou pernas A., 17-12-858) ; Benedito ... "com o dedo mínimo da mão-direita aleijada" (D. A.,
finas. São, ao que me parece, também os casos de dentes podres ou falta de 11-859); Joaquim, de 24 anos de idade, ao fugir do engenho Cachoeira, em
dentes originados da ausência de regime alimentar conveniente. \11adia, "tem três dedos da mão direita aleijados" (D. A., 25-8-861) ; Laurentino,
Valeriano ... "tem as pernas bastantes tortas" (D. A., 12-1-859); Lourenço... 111ulatinho de 20 anos pouco mais ou menos ... "tendo um dos dedos da mão
"se fazendo reparo tem a perna esquerda um tanto torta para dentro puxando 1llrcita defeituoso" (D. A., 11-6-862) .
a gambeta" (D. A., 7-4-862); Antônio ... "com pernas arqueadas" (D. A., 4-1· Outros sinais físicos nos permitem acompanhar a situação dos escravos.
870); Luísa... "pés apalhetados" (D. A., 19-4-859); Maria... "pés apalhetados" 1:,1simiro tem "olhos fumaçados" (D. A., 25-5-858); Manuel possui. .. "as pupilas
(D. A., 29-7-862); Henrique ... "secco" e de "pernas finas" (D. A., 10-3-858)i dos olhos alguma coisa salientes" (D. A., 22-3-859); Nicolau, fugido do engenho
Casimiro ... "secco do corpo, braços e pernas finas" (D. A., 25-5-858); Carlota... l'rata, tem ... "rosto descarnado" (D. A., 21-10-858); Vicente, fugido do engenho
"seccado corpo" (D. A., 5-2-868); Zacarias ... "pernas um tanto zambas" (D. A., IUncho Grande, embora tivesse um "rosto bonito" possuía "pés descarnados"
6-10-871); Julião... "um pouco cambêta de uma das pernas" (D. A., 12-11· (1), A., 25-10-861); Benedito ... "olhos apitombados" (D. A., 13-9-859) .
873);João, com 15 anos de idade, tem "pernas finas" (D. A., 19-11-879)- são De um negro com moléstia incurável, negro, aliás, com um nome real
tipos, estes, de má nutrição, em virtude da dieta do escravo. Filipe Segundo - nos dá notícia uma escritura de venda de escravo. Ea referência
wm pela recusa do comprador cm assinar o documento, confom1e informa o
t·~rrivão nestes termos: "Declaro em tempo que o compradorJoaquim da Cunha
(jOfREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 4. ed. Rio de janeiro, 1943.

180 181
Memos: "Declaro em tempo que o comprador Joaquim da Cunha Meirell n•rto que a maioria dos anúncios não informa a profissão, enquanto al~uns
declarou que não assignava a escriptura supra do escravo Felippe Segundo, po lil•'lll apenas "sem officío". Há, porém, escravos que reúnem habilidades dlwnm:..
ter, digo por sofrer este moléstia incurável e que assim ficava de nenhum efeito ~ 11 .1hra Serafim, por exemplo. É "remeiro, carreiro e mestre de assucar" (D .\
a compra do referido escravo, ficando tão bem sem efeito a escriptura supra"ªJ>. ' 1 866). Outros são possuidores de dons artísticos. Ocaso do cabra Teodoro,
Também neste livro há notícia de negros vendidos em banda, isto é, 1111 t•ngenho Capivara, em Penedo, que "entende de tanoeiro" e "gosta muito de
quando, existindo mais de um proprietário, um deles vendia a parte que lhe 1t111ção, é muito cantador"; escravo este, cujo anúncio não escondia também o
pertencia. Anúncios de jomais confirmam essas vendas, quando os senhores 1.110 de que ele "entende de ler alguma coisa embora mal" (D. A., 29-11-862). O
informam vender a banda de tal escravo. 1 .1~0 ainda do crioulo Silvério que "é acostumado a tocar nas musicas de barbeiro
Curioso é também acompanhar a variedade da cor com que são ll.1u1lm e clarineta" (D. A., 7-4-862). __
caracterizados certos escravos. Aparecem, embora raros, não só os de nação ' ovalor com que muitas vezes o proprietário oferece a gratificação a quem /
Angola ou de nação Nagô ou os da Costa ou do Congo ou simplesmente africano; •'lléO~trar o escravo fugido, nos deixa claro a contribuição do negro na. vida do \
surgem também os de "cor de canela", "mulato de cor alaranjada"; "mulato de l'llgcnho; contribuição que não é somente de trabalho como profissional ~u ,
corenserada", "crioula cor vermelha", "cabra roxa", "cabra ataiocado". Ocomum, 11wsmo sem oficio. Que é também de natu~eza sociaj, sem e~quecer ~ col~
mais constante nos anúncios, é o pardo, o crioulo, o cor fula, além do preto ou rnmômica, que fazia do escravo o sustentaculo da.ec_onom1a do açucar. )
do cabra. Eessa influência social se fez mais acentuada através da escrava. Asenzala
Não quer isso dizer que não houvesse o negro sadio; havia também, umita vez entrou casa-grande a dentro; entrou através dos moleques, das
embora aparecesse, raramente, o escravo de boas condições físicas. Encontramos, ill'grinhas, das mucamas. É visível, entre nós, a importância dessa influência.
por exemplo, escravos de "rosto bem feito 11, com "dentes perfeitos" ou "dentadura na senzala recebeu a casa-grande muita coisa caracterfstica: doces e quitutes,
compJeta", "cheio de corpo" ou de "corpo espigado". Um tipo completo, de tlanças e cantos, a alegria das festas, a arte da renda num movimento ininterrupto
apreciáveis linhas físicas, era, sem dúvida, a escrava Antônia: "parda, bem clara, cll· bilros que as mucamas trabalhavam dia e noite.
representando 23 annos de idade"... "altur-a regular, cor que pode passar por Como doceira e cozinheira,-das melhores aliás, a escrava negra fez sentir
mulher branca, cabelos pretos, anellados, rosto redondo, testa curta, dentes ·,u:\ influência na vida social. Na economia doméstica a contribuição da escrava
limados, tanto superiores como inferiores" (D. A., 13-5-859). loi grande. Na culinária, em particular. Daí o interesse do que os anúncios de
11
Escravos com habilidades profissionais, com qualidades diversas, jornais do século passado se referem a escravas cozinheiras e doceiras: Compra-
encontram-se também cm anúncios de jornais. Carreiro e trabalha de pedreiro M' uma escrava que saiba cosinhar" (D. A., 22-5-859); "Precisa-se alugar um
é o pardo Henrique, fugido do engenho Mundaú (D. A., 10-3-852). O crioulo preto que sirva para os serviços seguintes: - cozinhar, conduzir ágoa, etc." (D.
Silvério tem dupla habilidade: "é cosinheiro e sabe tocar flauta" (D. A., 10-1-859). A., 3t-8-86); 'Vende-se uma escrava moça, bonita figura, cozinha, lava, engoma,
Cozinheiro encontramos vários; o mesmo sucede com a profissão de pedreiro. perfeitamente" (D. A., 23-2-867). E o proprietário do engenho Novo, no Pilar,
Carreiro, remeiro, trabalhador de campo, mestre de açúcar são profissões oferecia 100$000 a quem pegasse a escrava Paulina, "cabra rouxa, com 35 annos
que aparecem também nos anúncios de escravos fugidos de engenhos alagoanos. (lc idade ... boa cozinheira" (D. A., 26-2-884). Percorrendo o registro de compra
1· venda de escravos em Maceió, entre 1873 e 1878, verifica-se que de 134 vendas,
10 são de negras cozinheiras; a maioria, 51, é de negros agricultores havendo 45
<ll>LIVRO de registro cit. re( 5.

182 183
serviços domésticos. Como se vê havia poucas vendas de cozinheiros. Por 1111•sldente Antônio Neves de Aguiar em 1849, sendo os resultados pouco
conveniência, talvez. 1llll'rentes dos de dois anos antes. O aumento, realmente, foi de cerca tk
Circunstância ainda que não pode ser esquecida, quando se estuda o 100 pessoas apenas.
escravo negro nas Alagoas, é a de referir que foi um escravo de engenho alagoano Coube ao Dr. Espíndola fazer em 1855 um novo cálculo 011
o último enforcado, por pena de morte, no Brasil. A execução se deu a 28 de 11·1·cnseam~nto da população alagoana. Õresultado só foi publicado em 1860, e
abril de 1876, e o executado foi o escravo Francisco, do Dr. Joaquim Telésforo 1rnsava um total de 249.704 habitantes. Crescera o número de escravos para
Ferreira Lopes Viana, senhor de engenho no Pilar. 11418. Admjtindo-se que a extinção do tráfico fora praticamente recente, é de
Ofato está descrito nos jornais da época, e prende-se ao assassinato do ,1l'l'ltar o cálculo feito, embora já se previsse o declínio do número de escravos,
capitão João Evangelista de Lima e sua mulher D. Josefa Marta de Lima, por seus 111mo, realmente, refletiu o censo geral de 1872.
escravos Prudêncío e Vicente, de parceria com Francisco. O crime se deu nas Aí o número de escravos foi de 35. 741 numa população total de 348.009
noites de 26 e 27 de abril de 1874, no Pilar. Prudêncio, encontrado no interior de h.thitantcs. Crescera a população livre: de 295.296 do cálculo de Espíndola, atingiu
Pernambuco, reagiu à prisão, sendo morto, depois de matar o subdelegado de ,, H2.268 no censo de 1872. É naturª'l que isto se verificasse, pois que estamos
Cimbres e um guarda nacional. Vicente e Francisco foram presos e julgados; e 110 período de maior número de 'rlíanumissões; é também a época da lei do
ambos condenados à pena de morte. 11•11trc livre. Havia, por outro lado, cessado o tráfico, e se assinalava a exportação
Do segundo houve recurso de graça, levado ao Imperador, como refere 111• escravos das Alagoas para outros pontos do país.
a 11 falapresidencial" do Dr.João Vieira de Araújo, em 15 de março de 1875; Pedro É certo que a extinção do tráfico não interrompeu de todo, e
li, entretanto, negou o perdão, e dois anos depois do seu crime, Francisco era 1111cdiatamente, a entrada do negro africano. Conhecem-se os casos de importação
enforcado numa praça pública. Foi a última vítima da pena de morte, no Brasil, 1 l:indestina, os contrabandos, alguns dos quais célebres. Nas Alagoas, a tradição

este escravo de engenho alagoano. 1OJ1Serva a notícia de que, após proibida a entrada de escravos, se fazia forte

Um recenseamento levado a efeito na Província em 1824, deu à população , nnlrabando no porto do Francês, em Paripueira e em outros portos do litoral
alagoana um total de 126.991 habitantes; eram escravos 25.717, dos quais-20.145 .tlagoano. Evidentemente, esse contrabando não era a ponto de contribuir em
pretos e 5.572 pardos. O número obtido está superior ao aítcufo de-Veloso de 11fvel alto para o aumento demográfico.
Oliveira, em 1819, se bem que apresente inferior o rota] da populâçã~sc:rava, De modo que tinha seu aspecto natural o decréscimo do número de
que foi estimada em 42.879. Parecem-nos pouco aceitáveis os dados de"'Veleso 1•scravos na então província. Dos 25 mil e tantos do censo de 1824 o número de
de Oliveira, preferindo assim os do recenseamento de 1824, cujas discriminações 1·scravos subiu a mais de 44 mil, vindo logo em seguida a cair para quase 36 mil
em livre ou escravo, raça e sexo, nos permitem não somente melhor estudar a 110 censo de 1872. E essa diminuição se vai acentuando ano a ano.
situação demográfica das· Alagoas, com também acreditar na sua exatidão, Nas vésperas da abolição da escravatura a população escrava das Alagoas
considerando certos os totais verificados. 1•rn de 15.296, sendo 7.449 do sexo masculino, e 7.820 do feminino; é o que
Depois de 1824 não há notícías de elementos censitários ou mesmo llg11ra no registro dos escravos matriculados<34l. Segundo as idades o total se
de estimativas que merecem absoluta fé. Em 1847 o presidente Campos 1llstribuía deste modo: 7.437 de menos de 30 anos; 3.889 de 30 a 40; 2.640 de
Melo mandou proceder ao cálculo da população, obtendo um total de
207.294 habitantes, sendo escravos 39.675. Outra estimativa se deveu ao
'' l'OPlllAÇÃO escrava e libertos arrolados, estalíslica organizada (...) Rio de Janeiro, 1888.

184 185
10 a 50; 867 de 50 a 55; 436 de 55 a 60. Ovalor total dessa população escra Sabemos, porém, pela fala do presidente Antônio 1íbúrcio Figueira, abrindo
clernm-se a 10.Q.iQ:004$500. 13.521 tinham domicílio rural e I.7í8 urban ·~h:io da Assembléia Legislativa Provincial em 18 de abril de 1885, que já havia
Era n.t agricultura que se conccntmam 88.5°'<> dos e:iua\o:i c.\i~ tentc:.. n Jo Jplicada a quinta quota. Não infonna o número de escravos libertadOs
Alagoas· infere-se daí que, a grosso modo o valor da população escrava na zo O relatório do presidente Geminiano Brasil de Oliveira Gois, ao pass:ll' a
rural se elevava a 9.838:224$000. ___... tlhnlnistração da Província ao presidente josé Moreira Alves da Silva, refere-se à
Foi, sem dúvida, essã a êausa de tanto ter preocupado a lavou 1t \l:l quota, na quantia de 40:000$000, beneficiando sua aplicação a 63 escravos.
princi paimente a da cana de açúcar, a campanha abolicionista vitoriosa por etap t111 São Miguel e Atalaia foram alforriados 7 em cada um; 6 em cada um dos
até chegar ao 13 de maio. Os proprietários rurais haviam invertido um eleva Municípios de Maceió, Camaragibe e Traipu. Menos de 5 escravos em mais outros
capital na compra e manuten~ão de escravos, e viram-se de uma hora pa Municípios.
outra despojados desse capital. Ir Segundo a já citada fala do presidente Figueira, existiam, em junho de
Não era por outro motivo, na defesa dos interesses econômicos I HX~, 26.911 escravos. Destes 13.119 eram homens, e 13.792 eram mulheres.
financeiros da Província, que os presidentes, nas suas falas e relatórios, chamav 1,mvam matriculados 7.867 filhos livres de mulher escrava. Três anos depois a
a atenção da lavoura para o trabalho livre, para as medidas que permitissem 111alrfcula registrava sensível diminuição; havia apenas 15.792 escravos, como
substituição do braço escravo sem maiores transtornos. E focalizavam algu 1011sta do livro de matrícula atrás citado, número confirmado no relatório do
outros temas como o da colonização e o da imigração. 1111·~idente Antônio Caio da Silva Prado ao passar o governo em 1888.
Ainda através das informações recolhidas nos relatórios e falas É de notar-se que a população escrava das Alagoas sempre viveu entre
prcsidencias podemos acompanhar a aplicação nas Alagoas, da quota 11\ 25 e os 35 mil; nunca houve crescimento notãvel, nem também baixa muito

emancipação. A primeira aplicada na Província, cm 1875, foi de 81:143$722 'lgnificativa. Os números mais altos daquele extremo são quase sempre
libertando 145 escravos, dos quais 59 do sexo masculino e 86 do sexo femini no provenientes dos cálculos ou estimativas, nem sempre aceitáveis. De modo que
OMunicípio onde houve mais escravos libertos foi Porto Cal'r o com 17; Maceió. o11ümero de escravos nas Alagoas se estabilizou naqueles extremos, oscilando
teve 14, Penedo 13, São Miguel I2, Atalaia 11 e Palmeira 10. Os demais apresentam or .1 para mais ora para menos no decorrer de todo o século XIX.
número inferior a 10. Paralelamente às medidas legislativas do ventre livre e da libertação dos
Asegunda quota foi distribuída em maio de 1880; com 99:983$042 1·,agenários, verifica-se a aplicação das quotas de emancipação, juntando-se
,, libertaram-se 131escravos sendo 18 cm Maceió, 16 em São Miguel, 14 cm Penedo, .llndaos atos de manumissão. Estes não foram em pequeno número nas Alagoas.
,1
13 em Camaragibe, J J em Traipu e 10 cm Porto de Pedras. Não encontramos \lguns eram provenientes de subscrições feitas, outros eram espontâneos, ás
notícia de aplicação da terceira quota. Sabemos, entretanto, pela "fala" do presidente 11•1.cs declarado em testamento.
Henrique de Magalhãe Sales, em 17 de abril de 1884, que a terceira fora aplicada D. Luísa Trindade, no seu testamento de 2 de maio de 1799, feito no
em 1882, importando em 51:244$250, o que pennitiu a alforria de 85 escravos. 1·11gcnho Lamarão, declara que "o mencionado meu escravo Sebastião, pelos
Da quarta temos pequena informação no mesmo relatório. Foram hons serviços que me feito, e eu já ter recebido do dito umas patacas o deixo
alforriados 107 escravos com a importância de 61 :108$960. A quinta quota, lnrro"<35>. Antônio José Lins, consenhor do engenho Poço Grande, declara cm
informa. o mesmo presidente, ainda não tinha sido distribuída cm abril de 1884,
e era do valor de 35:400$000. · 'MS da Coleção Bonifácio Silveira, publicado na seção "Patrimônio Histórico", da Gazeta de Alagoas,
Maceió.

186
seu testamento de 7 de novembro de 1822, que "a Escrava Maria fica forra H11h1•rto Calheiros de Melo via com bastante clareza que a escravidão, ('OlllO
libe1ia". E acrescenta: "Declaro que já passei Carta de Liberdade à mulata Rit , 11•111a de trabalho arraigado à vida rural, havia afastado da lavoura in(mll'ros
e posto que no tempo que lha passei não estivesse apto do meu entendimen 11.1~os que "ou vão procurar no funcionalismo o abrigo da deshonra, ou prefcrer 11
com h1do agora ratifico a mesma carta, e quero que seja firme e valiosa"<36}. 11 hMtr a vida no regaço da consumi'dora m . doIhenc1a
. "G9l
. .
seu testamento de 1870, D. Francisca Fernandes de Moura declara que "de Em 1873 o presidente Luís Rômulo Peres de Moreno considerava, para
forras no valor de um quarto, cada uma, as minhas escravas, a parda Francisc 111 administração, assunto que reclama mui sério cuidado, a aquisição de braços
e a preta Angelica"<37l. 111 t l'S para suprir a falta de escravos, estes tendendo a desaparecer. No ano seguinte
Outros testamentos ainda fazem referência a escravos. O já citadoAntonl 11·pt•tla seus conceitos em prol da colonização. . ·-
José Lins deixa ao Vigário da Freguesia os escravos Rosa e seus filhos Francisco O presidente Antônio Caio da Silva Prado, entretanto, era de opm1ao
Estêvão. "Que se dará pelos justos valores" para pagamento do seu funeral 11111•se devia apressar a abolição do elemento servil. E em 1888, às vésperas da
oitavários e capelas de missas. Por sua vez, D. Maria Joaquina de Gusmão, a li'! llc 13 de maio, o presidente lamentava ter de se afastar da administração sem
redigir seu testamento, em 1832, não esqueceu seus escravos; nem os vivos 11..1lizar o seu propósito; propósito que ele resume nestas palavras: "tinha resolvido
nem os mortos. Além de mandar passar carta de liberdade a três escravos, unl , 11nvocar agricultores da província para urna reunião, onde, discutida
deles na metade de seu valor, mandou que se celebrasse uma capela de missas 11 .mcamente a matéria, fosse tomado um acordo no sentido de eÃ1inguir com
em intenção de seus escravos mortos e vivost,sJ. p11 ssa o elemento escravo, apontadas e aceitas as medidas mais úteis e ~roveito~as
1

Documentos desta natureza encontram-se vários no decorrer do século 1:illl\ substituição pelo trabalhador livre, hoje comprovadamente mais benefico
XIX. Além das libertações em testamento, aparecem notícias de jornal, infonnan , 1,111tajoso à fartura e à prosperidade da agricultura do paíz, fonte preciosa da
acerca dos gestos de manumissão de proprietários de escravos. Tudo isso, sem 1lq11cza pública". . _
dúvida, concorreu para a diminuição sensível da população escrava das Alagoas Ao presidente Caio Prado não faltava visão para en.xergar a s1tuaçao do
ao verificar-se a abolição de 1888. p111hlema, e o apelo ao trabalho livre fundamentava-se em condições reais, claras
Daí, do mesmo modo, os constantes apelos com que os presidentes , positivas; para ele a medida fundamental era regularizar a locação de serviços,
reclamavam o trabalho livre; com que acentuavam a crise de braços na lavoura.
111 mcipalmente dos libertos. Era o aproveitamento dos próprios escravos como
Apelos aos agricultores e maneira a evitarem o descalabro da lavoura alagoana 11.1halhador livre, fazendo a substituição de modo a não trazer prejuízo à indústria
em face das providências que encaminhavam o problema da escravidão ao 1111·1cola.
resultado final da libertação completa. Idéia tão aproveitável não vingou, entretanto, e ao chegar, quase
lA parti~ da extinção do tráfico todos os presidentes incluem este fato 1111•speradamente, a lei da abolição, estava a agricultura sem ele~~ntos para
· entreas causas detenninantes da crise agrícola, lamentando alguns as dificuldades 11·,olver o problema. E o abalo à agricultura veio, informa o relatono do vicc-
para associar o trabalho livre ao trabalho das grandes propriedades~ o presidente pn•sldente J\fanuel Gomes Ribeiro, ao passar o governo, em julho de 1888,
11 l'('Scentando: "todavia mostram-se os fazendeiros resignados e tratam ele
{<">IDEM, ibidem.
tmMs da Coleção Bonifácio Silveira, publicado na seção "Patrimônio Hist6rico", da Gazeta de Alagou,
Maceió. 'llfüLO, Roberto Calheiros de. Relatório apresentado à Assembléia Pro\incial pelo vice-1>1·csidcnle,
t13>mEM, ibidem.
dr.(...) aos 3 de maio 1864. Maceió, 1864.

188 189
reorganizar o trabalho em suas propriedades, para o que muito necessitam 1111 cito, de sol a sol, às vezes até iniciando sua jornada antes do sol 11asct•r.
auXI1io e efficaz coadjuvaç~o do~poderes públicos". 11i·saparecia no escravo o pé de boi dos engenhos~Nem surgiran1 mais llgur.t~
--..........) De sérias conseqüências para a agricultura, em especial para a da c 1t 11 111anas que tudo faziam, como aquela em que se fixa num escravo fugido
que era a grande lavoura sustentada pelo braço escravo, foi realmente a lei áu do padre João Batista de Carvalho Daltro: "sabe ler, ajuda missa, corta cabello,
A abolição criou uma série de problemas, que vieram concorrer para agravar 1 hom cosinheiro, copeiro, sapateiro, conversa bem, entende de gymnastica,

crise, já acentuada pela baLxa de preços que não podiam assegurar salárt 11 .1halha em trapezio, é bom pagem" (D. A., 29-4-879).
' adequad?s paraJlS..trahalhadcms..lh'®/
Ecerto que a exploração agrícola, no norte, sempre esteada no trabal
escravo, não poderia facilmente habituar-se ao trabalho livre. As transformaç
que, desde a colônia, a agricultura - e a agricultura a que nos referimos é
exploração escravista e latifundiária - vinha apresentando, alcançaram um
seus pontos culminantes quando os grandes proprietários rurais tiveram de
um caráter comercial às suas atividades para, deste modo, poder enfrentar
concorrência mercantil dos negociantes estrangeiros que, aos poucos, dominar
o comércio do país. _
j ütrabãlholivre, que em pequena escala fora antes conhecido ~
litftemtmente dominado pelo trabalho escravo, de fundo mais econômico
barateando assim a produção. De modo que as explorações rurais se voltaram
produção para venda, lembra Caio Prado Júnior<40>: em conseqüência, é q
aparece mais completo e avassalador o domínio da monocultura, desprczad
as culturas menores, as de suJ:>sistência, em particu!ar.Í
~sso se deu, principalmente, quando a aberturá dos portos trouxe novaa
modificações à vida nacional, com a facilidade da entrada dos estran~eiros e
realiza~ãculo~o, por estes. Éa fase de maior valorização do trabalho escravo
_ _J Na grande exploração rural mais se acentua esta tendência, e foi o qu
sucedeu nas Alagoas, cuja economia agrícola se fundamentava na cana de açúcar,
produção agrícola e indu.s_triaLque...reclamava grandes recursos.').
- --;Arraigando-se nesta tendência é que se tornou difícil a súbita admissão
do trabalhador livre. Oescravo que fora o esteio da economia rural do Nordeste,
era o trabalhador barato, sem hora de trabalho nas moendas, carregando cana,

441
< >PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil, São Paulo, 1933.

190 191
C!\PÍTULO N
.. /\

O BANGUE EVIDA SOCIAL

Esplendor social do bangüê. Afamília. Os entrelaçamentos de família


1•11trc os engenhos. Os nomes nativistas e os senhores de engenho.

Movimentos políticos e sua repercussão no bangüê. 1817 e 1824 e os


'i1·11hores de engenho. D. Ana Lins. Oengenho Sinimbu, trincheira republicana.

Apolítica regional e o engenho. A cabanada. Os Mendonça. Asedição de


1844. Senhores de engenho entre "lisos" e "cabeludos".

As questões de terras. Suas causas principais. Os conflitos do engenho


Oriente. O caso de Manuel Izidoro, do Malvano. Os proprietários rurais e os
partidos.

Arquitetura do engenho. Acasa-grande. Oengenho Buenos Aires e suas


11 .t<lições. Capelas de engenho. Batizados. Casamento. Morte, Enterros nas capelas
1lt• engenho. Notícias e crônicas de jornais.

Festas nos engenhos. Alimentação. Autilização da mandioca. Comidas


1111 milho. frutas. Os doces. Bolos e quitutes. Artes domésticas. Crochê. Renda.

Uso de jóias e adereços. Venda e jóias falsificadas. Reuniões sociais. O


pl:ino. Visitas. Passar-o-dia. Banhos de rio.

Doenças. A.5 endemias rurais. As epidemias e os engenhos. Ocólera de


IK56; senhores de engenho vitimados.

193
1 A-rigor não se conheceram, nas Alagoas, aqueles aspectos de esplendor
111 lal que tanto caracterizaram a vida dos engenhos e dos senhores de engenho
1111 Pernambuco e mesmo no Recôncavo Baiano. As tradições dos bangüês
1l.1goanos__É.o ~ais modcst~ão há memória das sedas, dos damascos, dos
tlm1rados, das pratas quefanto se fixaram na retina do padre Cardim.
É do padre Cardim a referência: além dos banquetes de extraordinárias
1~11arias, os senhores de engenho agasalhavam os padres visitadores cm leitos
1lt• damasco carmezim, franjados de ouro, e ricas colchas da Índia. É certo que
111do isso não seduziu o padre; e o visitador dos S. J. usou mesmo a sua rede,
de1nonstran~o quanto lhe havia agradado o hábito indígena.
~ Não quer isto dizer que nas Alagoas a vida de engenho fosse de pobreza,
1111 sem beleza social; havia também tradições de fidalguia, de acolhida, de vida
.oçlal com o seu relativo csple11dor.\o que dessa tradição mais recente ainda
1hcgou aos nossos dias - a do comendador e depois senador do lrnpério,Jacinto
Pais de Mendonça, com as recepções ao Imperador e os presidentes da Província
bem deixa ver o que havia de beleza e de encantador nos bangüês alagoanos.
É bem possível que as referências gerais dos cronistas coloniais
ilbrangessem engenhos alagoanos; incluídos estes no território pernambucano,
;ts notícias sobre os engenhos de capitania se estenderiam aos das Alagoas.
Infelizmente, não chegaram à nossa época, relativas aos tempos coloniais, tradições
sociais dos engenhos das Alagoas. As que se guardaram, datam do Império.
Não há esconder, entretanto, que elas ~~riafil.!_xiJ!ir, mesmo co1110
rcílexo da vida dos bangüês pernambucanos Aflsto porque o bangüê é o elemento I'
1
mais expressivo da paisagem social das Alagoas. Nele se congregava a vida social.
I! mesmo quando a luta entre o meio rural e o urbano deu vantagens a este, 11ão

195
decaiu a importância e o prestígio do engenho. Núcleo político e núcleo 1•1·sto de nativismo, as novas famílias com nomes da terra: Pitanga, Oiticica, Caj11cirn.
demográfico, ele o era também social, já pelo modo como se fizera a organização ' t~ outras regiões açucareiras do Estado é ainda o mesmo que se verifica.
soc~Já porque dele é que saíam os chamados homens bons da terra: os Há assim como que casamentos endógamos nas regiões da cana tk
proprietários rurais. 1~ íicar; além da endogamia nas famílias pode-se encontrar ainda essa enclogan 1la
É no bangüê que assenta a formação da família alagoana. Esta nasce do 1L1 região. Oa região da cana do açúcar. Éneste fato que se encontram as diversas
engenho e no engenho; no engenho se desenvolve, amplia-se a engenhos vizinhos, 1111locs matrimoniais numa mesma família ou entre fan1ílias vizinhas do senhor
dilata sua influência aos meios rurais. Saem dos engenhos, dos velhos bangüês 11<' engenho.
de almanjarra, os troncos da genealogia alagoana. Qualquer núcleo demográfico Tal fato nasce, aliás, do próprio povoamento quando se cruzam os Lins
que se constituiu encontra o bangüê a sua base. 1 us Barros Pimentel, descendentes de Cristóvão Lins, o colonizador, com os de
1

Osenhor de engenho é a grande figura da paisagem humana das Alagoas. Uodrigo de Barros· Pimentel, de um ott de outro com os de Gaspar van der Ley,
Não é ·só o homem que preside às lautas mesas de almoço ou de janta na casa- , on1 os de joão Batista Acióli, com os de Felipe Cavalcanti; isto no norte é o que
grande; nem que fomenta o crescimento da população servindo-se das escravas, das 1.1111bém se verifica existir nas outras áreas açucareiras das Alagoas. Encontramos
mucamas, das servas da casa. Também nele se centraliza a organização da família. ll11rros Pimentel nos engenhos ·da margem da lagoa Manguaba como encontramos
É a família que preside à vida social da região alagoana. Preside na casa· l 111s nas ribeiras do Mundaú.
grande, com seus alpendres acolhedores, com suas mesas fartas e cheias, com Gira em derredor do engenho, da casa-grande do engenho, a constituição
suas redes espalhadas pelos pilares; preside tan1bém na capela através das 11.t família alagoana, que evolui ainda através dos engenhos. E quando invade as
cerimônias religiosas: os batizados, os casamentos, os mês-de-maio, os enterros, 1 hfades, formando as zonas urbanas, é como um derramento do bangüê; é

as missas dominicais ·J Gira em torno da família - das famílias de engenho - não 1·\1mndindo os canaviais, a casa de moenda, a casa de purgar, o engenho. As
só a organização social das Alagoas como também a existência de toda a população 1 Idades da região açucareira são, na verdade, um prolongamento do engenho.
1
demográfica do bangüê e de suas vizinhanças. llojc, talvez, mais da usina.
Cedo se desdobrava a família do senhor de engenho, multiplicando-se, 1 É no senhor de engenho que se centraliza a atividade do bangüê. Atividade
pelo casamento, e passando a outros engenhos. Ocasamento em geral fazia-se urlal e atividade política; às vezes também atividade demográfica. Preside aos atos
cedo. Aos 13, aos 14, às vezes menos do que isso, aos 10, aos l 1 anos, casava-se 1dlgiosos e às festas profanas. Échefe da famfüa e de toda agente que vive no bangüê.
a iaiazinha. Ora com o filho de outro senhor de engenho, também agricultor Ilidos os ouvem e o acatam. É também o chefe político, o nativista, o patriota.:/ ~
com o pai; no século XIX tornou-se mais comum o filho doutor: bacharel ou Do nativismo arraigado nas famílias alagoanas surgem as mudanças de
médico, principalmente o bacharel, filho de senhor de engenho, já com a carreira 1111111es de senhor de engenho, adotando sobrenomes que digam respeito a
política traçada no dia em que entrava na Faculdade. .hslmtos regionais. Filipe da Cunha Lima júnior, por exemplo, adota o nome de
Daí é que nascem os entrelaçamentos das famílias. Numa mesma região, Mataraca, anunciando que daquela data em diante passará a chamar-se Filipe
como, por exemplo, na do norte alagoano, vão cruzando-se Wanderley com Barros cl.1 Cunha Mataracaº>. É também o caso da famíla Leite Rodrigues, talvez o mais
Pimentel, Uchoa com Mendonça, Mendonça com Wanderley, Cavalcanti com untável nas Alagoas. Aí por volta de 1831 os innãos Rodrigues deliberaram, numa
Albuquerque, Lins com Acióli; na do centro-litorâneo, através das margens do 11•1mião cívico-regional. Surgem, então, Oiticica, Pitanga, Gejuíba.
Mundaú, se an1pliam os Calheiros, os Gomes de Melo, os Rosas e mais tarde num
lllARIO DAS ALAGOAS, Maceió, 15 jul. 1858.

I
196 197
É o que narra Leite e Oiticica, filho do primeiro Oiticica nativista: os 11ravés de sua longa e atribulada existência. Ora chefe de rebelião, ora pacificador,
innãos Manuel, José e Antônio Rodrigues Leite deliberaram tornar um nome ..1também diretor geral dos índios da Pro\1ncia; da sua figura nos deu um perfil
regiona! e passaram a ser Manuel Rodrigues Leite Oiticica, José Rodrigues Leite ili corpo inteiro, que é também uma larga paisagem da vida alagoana em grande
Pitanga e Antônio Rodrigues Leite Gejuíba, rcspectivamente(2). nt0usão do século XIX, o seu sobrinho e genro, o Dr. Leite e Oiticica, no memorial
Todos três sobrenomes incorporaram-se à descendência, espalhada em hlográfico que lhe dedicou e a que já tivemos oportunidade de .referir.
engenhos ou propriedades rurais do vale do Mundaú, de Anadia, das vizinhanças, Quase nenhuma repercussão teve no seio dos engenhos alagoanos o J
e tiveram sua grande expressão na figura erudita e ilustre do Senador da República 111ovimento pernambucano de 171O, quando Bernardo Vieira de Melo proclamou
Dr. Francisco de Paula Leite e Oiticica, fina?çisr% cronista, orador, que como 11t•pública. Luta entre os senhores de engenho e os mascates, entre a aristocracia
bom Leite Rodrigues, num dos seus assÕmos de dignidade e altive1,, deixou de 11.1 1erra e os portugueses comerciantes, é de estranhar não encontrasse maior
ser Ministro da Fazenda para manter, no Senado, seus pontos de vista doutrinários 1'1 IJ nas Alagoas. Oque parece é que não houve nenhuma campanha preparatória

em matéria financeira. 1•11trc os alagoanos. ~


Os filhos de Manuel Vieira Dantas, senhor do engenho Sinimbu , Do que ficou 'aqui em su0síàios informativos sobre aquele movimento
receberam igualmente nomes regionais: João Lins Vieira incorporou Cansanção desprezando assim o aspecto de partidarismo que tomou cada narrador ou
de Sinimbu, com que se tornaria conhecido na vida pública do rmpério: senador. lil~toriador da luta- sabe-se que nas Alagoas houve reboliço, pequeno embora.
ministro de Estado, chefe do gabinete; Inácio de Barros Vieira suplementou-se t 1capitão-mor José de Barros Pimentel largou-se de Porto Calvo para o Recife,
com Cajueiro; Manuel Duarte Ferreira acrescentou Ferro. Várias outras familias 111.lS voltou à sua freguesia por serem julgados desnecessários seus serviços ali,
fizeram o mesmo, dando a seus filhos ou tomando para si próprios nomes 1wlços que foram preferidos prestasse-os na sua região evitando que os
nativistas. moradores desta se levantassem.
lmbuzeiro,Jatobá, Gitaí, Sipó, além dos já citados, foram nomes regionais Nas Alagoas, apareceu Cristóvão Pais à busca de adesões. Neste sentido
adotados por famílias alagoanas. Nomes que se incorporaram à vida social das propôs aos oficiais da Câmara das Alagoas e a seu capitão-mor Sebastião Dias
Alagoas; nomes que constituíram grandes e ilustres famílias alagoanas. Nos M.1ncli - o mesmo que Bernardo Vieira de Melo havia participado da destruição
meados do século XIX a paisagem rural das Alagoas estava colorida de nomes Jo~ Palmares - adesão à causa. Das Alagoas, talvez levando insucesso, seguiu
regionais como senhores de engenho: os Oiticica, os Gejuíba, os Pitanga, os p.trn o Rio de São Francisco, onde, da mesma fonna, sua missão não encontrou
Ferro, os Massaranduba, os lmbuzeiro, os Cansanção, os Sicupira, os Cajueiro. 11llclariedade(3).
Todo este nativismo nasceu de movimento político, de lutas partidárias Coube a um capitão-mor alagoano, o já citado José de Barros Pimentel,
feridas na entã~rovi.n~eram os engenhos os centros de maior efervescência missão pouco honrosa: a de prender o sargento-mor Bernardo Vieira de Melo,
política. Deles saíam os chefes; saíam também tropas armadas: moradores, qm• a ele se apresentou. Bernardo foi levado para a fortaleza do Brum, e daí
escravo]), índios, ao mando do senhor de engenh<>\ 11.1nsferido para o cárcere do Limoeiro, em Lisboa, onde veio a falecer.
Grande figura a éste respeito foi o comendadorJosé Rodrigues Leite Pitanga, Em 1817 a revolução republicana de Pernambuco encontrou numa
personalidade que vemos envolvida em vários movimentos da história alagoana, ~1·11hora de engenho o seu mais forte esteio nas Alagoas: D. Ana Lins. D. Ana

111 LlllTE
E OITIC!CA. Memorial biográfico do Comendador josé Rodrigues Leite Pitanga. R. Inst. Arch. ''lAKRAÇÃO histórica das calamidades de Pernambuco (...), escrita por um anônimo. R. Jnst. tlist.
Geogr. Alagoano, Maceió, v. 6, jan·jun. 1915. 1:rogr. Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 53, 2ª parte.

198 199
LJns, mulher de Manuel Vieira Dantas e mãe do futuro Visconde de Sinimbu, fez. J.\ encontrou o Sinimbu em fase de plena restauração, reingressando na sua
do seu engenho Sinimbu o grande centro de combate às forças régias. Acavalo 1111portância de antes.
de engenho em engenho, vencendo léguas sem desânimo, animou os receosos e Ainda em 1826 estava D. Ana Lins na faina de restaurar :iua proprn.·tlmlc,
convenceu os descrentes; angariou adeptos e aos escravos prometeu alforria 1111 fins daquele ano o marido continuava ausente da província; referência por
para que pegassem em annas como homens livres, lembra a respeito Craveiro 1•l;L feita, em dezembro de 1826, ao promover a justificação judicial para reaver
CostaC4). .1•11 escravo Joaquim, do Gentio da Costa, "que se auzentou fugitivamente do St'll
Vencida a resistência republicana pela atividade reacionária do Conde poder naquelle dito Engenho11 - o Sinimbu - "e fora prezo e arrematado pelo
dos Arcos, e nas Alagoas, em particular, pela reação do Ouvidor Batalha, não 111lw de Auzentes, na cidade de Sergipe de El-Rei". Na citada justificaçàotsl :t
perdeu a senhora do Sinimbu sua crença republicana. Nem ela, nem o marido. 111stlfcante se apresenta como administradora dos seus escravos e engenho,
Não arrefeceu seu idealismo diante da reação surgida. E em 1824, ao lado do 1c•fcrindo ao "seu ausente marido" em mais de uma ocasião.
marido, vêmo-la ainda à frente dos rebeldes alagoanos. M"aS não foram somente as revoluções de 1817 e 1824 que envolveram
Vieira Dantas concentrou-se em São Miguel, onde combateu 1t•11!{ores de engenho. A rigor mesmo, foram elas as que menos atraíram os
violentamente, vindo, entretanto, a ser preso, juntamente com seu filho Frederico, proprie~áfios rur-aisj Raros os Vieira Dantas; muit~ mais. raras ainda ~ ~· A~a
No engenho, D. Ana Lins levantou barracas da mais feroz resistência concentrando 1lus. Muito embora não tenha sido estranha, nos dois movimentos, a part1c1paçao
os últimos fiéis à revolução. 1h• senhores de engenho.
Na casa-grande do Sinimbu, que Craveiro Costa chamou de "essa A política que partia dos centros rurais, os engenhos de açúcar, era
trincheira da República", combateram os últimos rebeldes até terminar a pólvora h:tscada no prestígio que os senhores davam à coroa: primeiro, à coroa lusa, e
e acabar-se o chumbo. Asenhora do engenho dirige a resistência; assiste o rnntentavam-se com o controle das câmaras municipais, dos postos
incêndio de seus canaviais e das casas dos moradores, pelas tropas legais. Nadai n•presentativos ~ depois, à coroa, à coroa brasileira quando recebiam
porém, lhe quebrava a fibra. 11•presentações mais altas - as deputações provinciais ou gerais, a senatoria do
Quando as forças da legalidade entraram na casa-grande "já não havia 1111pério, as comendas, os títulos de grandeza; e mantinham-se como esteio da
homens na última trincheira da República em Alagoas". D. Ana Lins garantiu a ,11uação política nacional. Mesmo as lutas partidárias entre conservadores e
evasão de sua gente e enfrentou a prisão. Prisão a que foí acompanhada, por llhcrais, não perturbaram o ritmo dessa orientação: de pleno apoio à coroa, de
pedido seu, de seu filho João, então nos seus 14 anos. Mãe e filho foram recolhidos "'~urança das instituições monárquicas.
à cadeia da Capital. De tal modo que movimentos com preocupações de mudança de regime,
Mais tarde, anistiados os rebeldes e libertada a senhora do Sinimbu, 4 1al o caso de 1817 ou do de 1824, não poderiam receber maior apoio e amparo
ainda D. Ana Lins quem assume o encargo de restaurar sua propriedade. Aheróica 11.1 parte dos senhores rurais; dos donos da terra que reuniam nas mãos todos
senhora de engenho enfrentou árduas dificuldades, com a escravaria fugida, os os poderes políticos da época, inclusive os colégios eleitorais.
canaviais arrasados, o gado disperso, as casas queimadas. Quando, porém, o ocerto, entretanto, é que os mais sérios movimentos do século XIX, ou
marido regressou ao lar, livre pela fuga da cadeia do Recife e pela anistia concedida. 1le antes mesmo, foram feitos pelas grandes famílias rurais: os engenhos eram

1MS da Coleção Bonifáclo Silveira, publicado na seção "Patrimônio Histórico", da Gazeta de Alagoas,
mcoSTA, Craveiro. O Visconde de Slnimbu. São Paulo, 1937. M1tceió.

200 201
11 centros de sua irradiação. Foi assim no período colonial e depois no llllprrlo.
1.•lvo a revolução praieira de 1849, que foi mais propriamente do povo, apl's:lr
·li· não lhe ter sido alheia a colaboração de senhores de engenho, as demais .,,10
111lclativas ou têm apoio dos senhores rurais; dos senhores de engenho. E nos
1·11gcnhos são planejadas, concertadas, às vezes iniciadas ou realizadas.
Da cabanada que - diga-se de passagem - nenhuma relação tem com
111ovlmentos de igual nome ocorridos em outras Unidades do Império, no Pará,
ptlncipalmente, da cabanada, pode-se dizer que foi um movimento estimulado
pllr senhores de engenho; senhores de engenho do Norte, os Mendonça
principalmente, aliados aVicente de Paula. Dois senhores de engenho da família
~1l'ndonça - os irmãos coronel jacinto Pais de Mendonça, ·senhor do engenho
('.11rrilho, e tenente-coronel Bernardo Antônio de Mendonça, senhor do engenho
Maranhão - foram principais figuras, ambos aprisionados, sendo que o último
""' â
1111da esteve em Fernando de Noronha.
Engenho "Castanha Grande", da família Messi~; de Gusmão, em São Luis do Quitunde. A rebelião, segundo escreve Moreno Brandão<6>, "radicou-se na
111mplicidade dos proprietários de engenho, que por motivos diversos - medo,
tl1 1~cjo de predomínio ou qualquer móvel, a bafejaram"; e refletiu também na
~ltuação econômica com incêndios de engenhos, ora pelos índios, ora pelos
.ulvcrsários dos cabanos.~ luta era, na verdade, política; e insuflaram a cabanada
'
11" Mendonça, grandes proprietários no vale do Camaragibe, estendendo-se seu
1lomínio até mesmo a Porto Calvo, no vale do Manguaba, e ao centro-litorâneo
1111 região ~goas.
Dos começos da cabanada aparecem as reações dos índios contra os \1
~rnhores de engenh-2\ Tendo sido preso e assassinado o cacique Hipólito, os
111lllos,seus comandados, levantaram-se emjacuípe e com a ajuda dos de Panelas I
cio Miranda deram c~meço a tremendas represálias.\Não só arrasaram e
11·úuziram a cinzas numeros~s engenh-0s, vinte,.. s.egupdo Espíndola, como
\ 11mbém aQrisionaram escravos;~ ainda, narra o geógrafo e historiãdõr alagoano,
"~11rpreenderam três mancebos de família ilustre, em seu engenho, e, depois de
11
p1•11durá-los a uma trave por sobre uma fogueira, os queimaram vivos <7l.

'lllv\NDÃO, Moreno. História de Alagoas, Penedo, 1909.


'I SPÍ1füOLA, Thomaz do Bonfim. Geographia alagoana (...) 2. ed. Maceió, 1871.

202 203
Na sedição de 1844, uma das mais curiosas existentes nas Alagoas pel De certo modo encontravam justificação razoável as questões surgidas
circunstância particular de terem os rebeldes entregue o governo vitorioso 1111ham seus fundamentos históricos como poderemos ver. O começo da
presidente deposto, figuram senhores de engenho; um deles - o coronel Jost 111lonização do território ·alagoano se fez através da concessão de ses1n:u·ias
Vieira de Araújo Peixoto, do Ponte Grande- comandando as tropas que atacaram Lram extensas datas de terra, abrangendo grandes espaços territoriais. Mais tarde,
a capital. Outros participaram do grupo rebelde: os Mendonça - José Antônio 1111 correr dos tempos, essas sesmarias foram dividindo-se; multiplicaram-se
mais tarde Barão de Jaraguá, Bernardo, senhor do Maranhão, seu filho Jacinto r111 outros os primitivos engenhos: -
mais tarde comendador e senador do Império, - José Rodrigues Leite Pitanga, Ora por venda de terra:-ora pela herançà oriunda da morte do senhor de
do Riachão, Barnabé Pereira da Rosa, do Canoé, Azarias Carlos de Carvalho t'llHCnho, ora pela concessão de dote matrimonial aos filhos, as sesmarias se
Gama, do Jaboticaba, Floriano Vieira da Costa Delgado Perdigão, do engenho 11hdividiram, nascendo dentro delas outras propriedades. Erguiam-se novos
Velho, Major Simplício Pereira da Rosa Calheiros, do Utinga, cônego Calheiros, 1·11gcnhos de açúcar. Muito engenho "Novo", tanto nas Alagoas como em
do Rio Largo. l11•rnambuco, não teve outra origem: foi o engenho recém fundado em terras
Do lado contrário encontravam-se também senhores de engenho, entre 11•11didas ou concedidas, que antes pertenceram a engenho mais velho ou
eles os ligados a Sinimbu, chefe do partido liberal na Província, e contra cuj ~··~maria antiga.
predomínio exclusivo de sua família se levantaram outras famílias. Cabeludol Estas subdivisões, o aparecimento de novos engenhos, novas
e lisos, títulos populares, contavam em suas hostes com senhores de engenho, propriedades surgindo dentro das terras da antiga sesmaria - e é comum
eram estes os esteios de cada lado na luta política. ós senhores de engenho co 1·11rontrarem-se sítios vizinhos conservando todos eles um mesmo~ nome que é
seus moradores, com seus escravos, com sua gente; os "cabras" do futuro/ 11 lla antiga propriedade-verificaram-se no decorrer dos séculos. ·Nas épocas de

A maior parte das lutas entre Lisos e Cabeludos teve engenhos de açúcar 11 lsc açucareira mais intenso se tornava esse fracionamento pela necessidade
como cenário; no meio de canaviais, na casa-grande, na casa de engenho, é que 11.1 venda de terra; já que a produção não bastava para o sustento do engenho. t
se travaram árduos combates. Um deles foi o ataque ao engenho Santo Antônio Somente com o aparecimento e conseqüente desenvolvimento da usína,
do coronel José Paulino, chefe de uma das correntes em luta. Grande 11 tios fins do século XIX para começos do XX, fato, aliás, que se intensificou
derramamento de sangue verificou-se nesse encontro . 1111ls vivamente a partir da grande guerra européia, começou a verificar-se o
.-..J AS veze'S;"os senhores de engenho separavam-se por questões polfticasi
outras vezes, por questões de terras. Estas avultaram, e não raro se transformaram
l11u·rso daquela situação; isto é, as necessidades de terra para o plantio de cana
Ili' 1\çúcar, reclamadas pela usina, provocaram a compra das propriedades
em derramamento de sangue. Os casos surgiam, ou pela vizinhança dq 1lil11has. Desaparecem os pequenos bangüês; crescem as plantações de canaviais
propriedades sem limites demarcados, ou por herança quando os interessadot r~r11 ~a usina~
-nem-SempreiJrefer-iam-aguaroar o-pronuru:iamwto da justiçâ\ Hoje, há usinas nas Alagoas que possuem canaviais através de terras de
As questões de terra em engenhos alagoanos se repetiram pelos anos; 1111 ou quatro Municípios: os velhos engenhos cederan1 à pressão da força maior.
seguiram-se por séculos. No século XIX de que se tem melhor documentação, 1 q11:111do os proprietários ainda conseguiram resistir, o mais que obtiveram foi
seja através dos jornais, seja pelas referências em relatórios ou "falas' n1.m•m como fornecedores, plantando canas para as usinas. O caso de vários
presidenciais, foram constantes e acarretaram lutas sanguinolentas. M11llgos engenhos dentro do Estado e de alguns engenhos alagoanos da fronteira
l11111 Pernambuco, atualmente fornecendo canas para usinas pernambucanas: a
•"nta Teresinha ou a Barreiros.

204 205
)

De modo que aquelas subdivisões verificadas no decorrer dos tempo 11·tlrar-se, incendiou casas do engenho e se apoderou das plantações, ocupando
nem sempre se seguiram da necessária demarcação dos limites-; Oexemplo 111tciramente ~ o engenho.
Cristóvão Lins em 1608, quando doou metade do seu feudo a Rodrigo de Barre Orelatório do Chefe de Polícia, Dr. Eustáquio Carlos de Carvalho Gama,
Pimentel, não proliferou. Afalta de demarcação se afigurava dispensável porq h1z um resumo dos acontecimentos verificados nos últimos dias de novembro
muitas vezes a divisão era feita para um filho ou um genro, dada a nov 111• 1878, e pondera que o conflito teve origem na demanda entre os herdeiros da
propriedade como dote matrimonial. Correndo os tempos, porém, passavam llaronesa de jaraguá a propósito das propriedades por estas deixadas, e "como
propriedades a outros donos, e daí começavam as questões de terras. Estas são, 11ao tenha havido ainda uma solução qualquer, os litigiantes têm procurado
evidentemente, uma conseqüência da falta de demarcação que houvesse fix 1111.cr justiça por suas próprias mãos"<8>.
os limites, aliada à ambição de mais espaços para as plantações. Em fevereiro seguinte (1879) novo conflito se verificou no engenho
Avultam estas questões justamente no século XIX porque é o tempo e Oriente; desta vez um grupo de cerca de 80 pessoas armadas, sob o comando de
que as propriedades vão passando a novas mãos, a gente estranha, em virtm Antero Alves do Rego, entrincheirou-se nas senzalas do engenho e abriu fogo contra
não só da decadência do patriarcado rural como também das crises qU' .1 casa-grande. Desta respondeu ao tiroteio o engenheiro Jaraguá, fazendo fogo
permanentes que naquele século perturbaram a economia açucareira das Alago mntra os assaltantes que se retiraram depois de perto de dez horas de luta, deixando
e ainda do Nordeste em geral. É o tempo cm que um agricultor proclama, n 11111 morto e dois feridos. Dos que defenderam a casa-grande, houve cinco feridos.
Congresso Agrícola do Recife, em 1878, que o luxo dos proprietários é mesquinh Ho que conta a "fala" presidencial do Dr. Cincinato Pinto, em abril de 1879.
quando comparado ao tratamento dos grandes fazendeiros do sul. Em 1863 vemos envolvido numa questão de terras, sem, porém, as
Os jornais do século XL'< apresentam aqui e ali casos de questões nmseqüências sangrentas do caso do Oriente e de outros engenhos, o Barão de
terras. Alguns repercutem mesmo em documentos oficiais: nas "falas'' o Ah~aia - Lourenço Cavalcanti de Albuquerque Maranhão. Naquele ano, como se
relatórios presidenciais. Ora trata-se de caso incluído no capítulo sobre wliftca de MSS existentes no arquivo do Instituto Histórico de Alagoas - o seu
segurança de propriedade ou tranqüilidade pública; ora figura na secção refercn 11·querimento e o despacho do Juiz - requereu o senhor do Lama ao Juiz Municipal
à agricultura da Província. Nos jornais o comum é o protesto contra vendas 11.is Alagoas que fossem intimados os proprietários do engenho vizinho, o Gurganema,
engenho, envolvendo questões de posse de terreno. .1 nffo continuarem a invadir os seus terrenos e matas. Orequerimento em causa já

Ora em um vizinho que abrem roçados dentro da propriedade alhcl .iludia a uma anterior questão de demarcação ainda correndo na justiça.
outras vezes são partilhas feitas abrangendo pedaços de terra de outr OJuiz Municipal em exercício, Francisco Rogério Correia, em despacho
propriedades; não raro é a construção de cercado por um proprietário, incluin tlc 20 de março, deferiu o pedido, todo cheio de rapapés ao Excelentíssimo Barão
terreno do vizinho, que não lhe pertence. Eassim os casos se sucedem, crian 1l'Atalaia, grande influência política na região das lagoas, chefe que era da família
questões algumas delas famosas. Slnimbu, o que quer dizer, do Partido Liberal na Província. E para o engenho
Entre elas figura a disputa entre os herdeiros da Baronesa de Jaragu c:urganema partiu um oficial de justiça, intimando seus proprietários a não
quando do seu falecimento. O fato teve repercussão nas "falas" presidenciais 1wrturbarem o senhor do engenho Lama.
em relatórios especiais da Secretaria de Polícia; de outro, Antero Alves do Rc
que se dizia herdeiro da Baronesa. No engenho Oriente, de Maceió, houve 1
.,llAMA, Eutiquio Carlos de Carvalho. Relatório do chefe de Polícia, anexo ao Relatório com que ao
presidente Cincinato Pinto da Silva, entregou a administração o dr. José Torquato deAraujo
uma vez tiroteio, e de outra o engenheiro Jaraguá obrigou a família de Antero Oarros, em 1879. Maceió, 1879.

206 207
Algumas questões, embora com caráter judiciário e oriundas da próp 'il' pessoalmente com o senhor do Conceição. Acompanhado do g~nro, de 11m
demarcação, eram levadas ao governo provincial que decidia. Examinando-se 111'10 e de vários capangas invadiu a casa-grande do engenho e obrigou A11to11io
parte oficial dos jornais do século XIX encontram-se vários desses casos: decis 111• Mendonça a assinar uma declaração, na qual era reconhecida a posst• dl'

governamentais sobre o caso de demarcações ou dispustas de terra. Um dei Manuel Isidoro no terreno disputado. ·
referente ao engenho Itamaracá, do então coronel Floriano Peixoto, em demarcaç De volta, regressando ao Malvano, houve \~olento tiroteio entre a polícia
1• l)S capangas de Manuel Isidoro. No meio dos tiros caíram o genro e o neto de
com o seu vizinho Esperança, antigo Estreito, de Manuel da Costa Pinheiro.
Foi, em parte, questão de terra o fato que envolveu a vida de Manuel Isido Manuel Isidoro. Este voltou ao Conceição, e matou a punhaladas o seu dono.
da Silva ou da Cunha, genro do célebre caudilho Vicente de Paula e que se fize Foi daí que o fato tomou vulto. O Malvano foi cercado; mas o senhor ~o engenho
senhor de engenho do Malvano, de Porto Calvo. Filiado ao Partido Conservador. 1i•sistia bravamente, entricheírado na casa-grande. Soldados e mais soldados
de que era chefe no Município o padre josé Prudente Teles da Costa, obedecend 1•nm1 dizimados nas emboscadas.
à chefia geral da família Mendonça, Manuel Isidoro exercia o cargo de delegado Um dia, o segredo da inexpugnabilidade do Malvano foi vendido por
11111 dos cabras de Manuel Isidoro ao destacamento policial, comandado pelo
polícia de Jacuípe. Por motivos particulares, ligados ao casamento de uma sua
filha, rompeu com o padre José Prudente, que era também senhor de engenho, do rnronel Pedro de Melo. A polícia conseguiu penetrar na propriedade po~ um
Progresso, e em conseqüência passou-se para o partido adversário. 'il'lor ·desguarnecido. Surpreendido o caudilho í~esperadamente, .f?1 ele
Só aí o padre se lembrou das arbitrariedades e dos crimes praticados :tssassinado enquanto seus capangas fugiam e escondiam-se nas matas v1zmhas.
por Manuel Isidoro, e o denunciou à polícia. Fugindo à prisão, recolheu-se no Os ~oldados invadiram a casa-grande, e como troféu da vitória degolaram
0 cadáver de Manuel Isidoro, colocando a cabeça numa barriga de sal para levá-
seu engenho Malvano, disposto a resistir, para o que se fortificou na casa-grande
l:t a Maceió. Ao esperarem o trem na estação de Palmares, a população e soldados
Foi então que surgiu uma questão entre Manuel Isidoro e Antônio Peregrino de
ilo exército que ali se encontravam, tomaram a cabeça de Manuel Isidoro das
Mendonça, senhor de engenho Conceição seu vizinho, a propósito de um pedaço
de terreno, encravado entre as duas propriedades, e que ambos disputavam. inãos da polícia e lhe deram sepultura. . _ ,.
Não terminou aí o caso, já agora tendo tomado fe1çao poht1co-pessoal.
O Conceição era, e, em parte, ainda é, urna das maiores sesmarias
alagoanas, conhecida primitivamente com o nome de "sesmaria do Morro":
os filhos e as filhas de Manuel Isidoro, com auxflio de cangaceiros, mataram o
nasceu do velho engenho do Morro, um dos primeiros do feudo de Cristóvão 11adre josé Prudente e o degolaran1, atirando a cabeça às águas do rio Jacuípe.
Lins. Em 1894 havia sido feita a sua demarcação, como se verifica de relatório
o engenho era o centro das atividades políticas da província, como, de
resto fora na colônia. o senhor de engenho não é apenas o chefe de sua
do engenheiroJacinto de Jaraguá, cujo original se encontra apenas aos respectivos
prop;iedade; seu prestígio alarga-se a todo o espaço que? rodeia e vai jun~ar-sc
autos, no cartório de Porto Calvo.
com 0 de outros proprietários, formando um verdadeiro bloco homogeneo.
Foi entre o vetusto e enorme Conceição e o pequeno e quase novo
Principalmente, dentro de cada região a~uca~eira. . . . . .
Malvano que surgiu a disputa de um pedaço de terra. Compreendendo com que
Às vezes, como sucedeu no penodo imperial, dJVJd1ram-se em partido,
discutia, Antônio Peregrino pediu garantias à polícia, receoso de ser atacado pelo
111as, é de notar que dentro da sua regiãoeles se mantêm em homogeneidade,
vizinho temível.
raras vezes quebrada, e ainda assim sem maior expressão. Os senhores dos
Um contigente foi destacado para garantir o engenho, o que não fez vales do norte sempre juntos; os do vale do São Miguel também. Ainda juntos
Manuel Isidoro desistir dos seus intentos. Eassim, certa noite, resolveu entender-
os senhores do vale do Mundaú ou do ParaJba.

208 209
Mantinha-se nos engenhos a tradição política dos antepassados Era um 1las Chagas Lima Lessa, do Mocambo, de Poxim, de Pedro José da Cruz. do
caso de honra enfileirar-se no partido liberal quem nascia em famíla liberal: ou llarro Branco, de Assembléia, de josé de Mendonça AJarcão Aiala, do BomJcs11i1 ,
no conservador quem descendia de chefes conservadores. Daí formaram-se os ck Camaragibe, de João da Ressure1çâo Luna Lcssa, do São joao da Praia, tk
blocos inquebráveis da solidariedade política nas famílias, aglutinadas. é certo, <.oruripc. Alguns com 100$000, outros com mais, inclusive com 500$000
pela defesa dos interesses econômicos que fixaram e dita\'am os políticos. Dependia talvez do "an1or e dedicação" à monarquia, a que se referia o jornal.
E:itcs últimos traduziam-se quase sempre ao encarreirar o filho para os E a monarquia correspondeu às homenagens recebidas. Distribuíra.m-
postos de representação ou de destaque, contemplar amigos com cargos de 'c os títulos honoríficos, figurando entre os agraciados vários senhores de
vereadores ou ele juiz de paz, obter para si ou para os mais afeiçoados uma patente 1•ngenho que haviam participado de comissões homenageantes: josé Antônio de
de guarda nacional. Por sua vez a chefia do partido, quando este vitorioso, ~lcndonça, do Aurora e Oriente, de Maceió, recebeu o título de Barão de Jaraguá;
comtem piava os correligionários com títulos nobiliárquicos e comendas do lmpério. htcínto Pais de Mendonça o de Comendador da Ordem de Cristo; Lourenço
Saem de senhores de engenho as primeiras e mais altas contribuições t:avalcanti de Albuquerque, elo Lama, do Barão de Atalaia com grandeza; também
para as depesas com os festejos públicos quando da visita dos Imperadores às tlc Barão com grandeza Manuel Duarte Ferreira Ferro, do Ilha, de São Miguel
Alagoas, em fins de 1859. Anunciando o donativo de um conto de réis feito por cios Campos; Mateus Casado de Araújo Lima Arnaud, condómino do Campina,
um senhor de engenho de São Miguel dos Campos, que pediu para ficar oculto o tlt• Santa Luzia do Norte e que era juiz de direito na Capital, teve uma comenda.
seu nome, comentava o Diário das Alagoas: "Este donativo demonstra que os o engenho mantinha, através de seus senhores, sua tradição política.
nossos ricos proprietários e senhores de engenho não são indiferentes à Honrosa Criou-se e formou-se em derredor do engenho o organismo polítco de
Visita que a província vai ter e que não cedem cm amor e dedicação à Monarchia onde sairia mais tarde o municipalismo. Talvez por isso que a vida política na
a nenhuma das outras Províncias do Império" (nº 262, de 16.11.859). província girasse tanto em derredor da economia açucareira. Era natural que
Outros contibuíram e revelaram seus nomes: o tenente-coro11cl Barnabé .issim se desse como conseqüência das origens mesmas dessa formação política
da Rosa Calheiros, do engenho Canoé, concorreu igualmente com um conto de 1 partir do período colonial Na colônia eram senhores de engenho que

réis; Manuel da Cunha Lima Ribeiro, do Cacoeira de Cima, com 400$000; com cll'liberavam e resolviam; quando não compunham as Câmaras Municipais, estas
quantias menores: Silvestre Alves da Silva, do Grarntá,Joaquim Pereira da Rosa ·ram formadas pelos "homens bons", por eles escolhidos.
Calheiros, do Rocha, padre João da Silva Cardoso, do Cafundó, Joaquim Nunes Já mesmo no período holandês, quando mal desabrocham a organização
de Lara, do Cachoeira, Antonio Toledo de Albuquerque, do Água (;Iara, Gregório político-administratirn do Brasil, o papel do senhor de engenho não era só o de
Correia da Mota, do Bom Lugar. llder, o de chefe; era também o de dirigente, que ultrapassava dos limites de sua
Da região de Santa Luzia do Norte, porém, o mais alto donativo foi o de propriedade o limite de sua influência, de suas decisões. A reação contra o
Lllcio Soares de Albuquerque Eustáquio. O senhor de engenho do Jardim holandês se delibera e se promove cm engenho; e são senhores de engenho os
contribuiu com 3:000$000. Mas não só da freguesia do Norte partiram donativos: 1'11cfes da insurreição.
também senhores de engenho de Camaragibe, de Assembléia, de Poxim, Antes mesmo do movimento geral de 1645, ou seja, durante o domínio
concorreram para os festejos. holandês, os senhores de engenho decidem e são ouvidos. Até as decisões dos
Nas relações publicadas pelo Diário das Alagoas aparecem contribuições diretores holandeses são comunicadas aos engenhos. Oengenho e a capela são
de José Martins Ferreira, do Boa Sorte, de Assembléia, hoje Viçosa, de Francisco os núcleos de onde irradiam os avisos, as comunicações, as deliberações. E o
\l'nhor de engenho é que delibera e que transmite os resultados.

210 211
Acapela completa o engenho. Acasa-grande, a casa de engenho, a se Da casa-grande do Buenos Aires, que foi talvez a mais célebre existente
e a capela são as construções características do engenho. Cada uma desempe \lagoas, do ponto de vista de luxo, decoração e conforto, resta a trad1çao dos
o seu papel dentro do conjunto. Uma - a capela - de natureza reJigiosa; '" mármores, das suas capelas, dos seus azuleijos, das suas ban.helra~. d•L'>
outros, de natureza econômica. Mas, todas constituindo a paisagem da vida r
a tania ou, mais tarde, da província. 111,1~ pias; tudo isso se foi destruindo e acabando c~m o tempo. D1six:_rsou-se
tamhôm. E já não restam mais da casa-grande, hoJe somente em rumas, os
A casa-grande tem um papel econômico; não menos importante é o ltll~os do seu esplendor de outrora. Do seu período de fastígio social, em que era
papel social. Na sua construção ela representa a função social do engenho, e
nas suas salas, nos seus quartos, nos seus gineceus, que se constituem os núcl t11111hém centro político. .
Descrevendo uma visita feita ao Buenos Aires, em 1869, um cronista
fundamentais da sociedade alagoana.
Acasa-grande de engenho nas Alagoas não difere, de modo geral, do tl 1ouslderava a sua casa-grande "a mais deleitável de todas as ha~~itaç~es. de
i •llll>O". E este jornalista que, com as inicias O. F. de.A. G:, escre~e~ vanas cromcas
arquitetônico conhecido em engenhos de Pernambuco e em outras ár
ll1t'rca da viagem do presidente José Bento de F1gue1redo Ju.mor ao .norte _da
açucareiras. Aarquitetura é a mesma: a construção obedece à mesma utilizaç
de material. Completa a harmonia- nota Gilberto Freyre<9>- da construção co 1•iovfncia, detém-se em pormenores sobre a estada do Buenos Aires. D01s torroes
o clima, o meio e os materiais peculiares à região. 1 r~uem-se num edifício: num, a capela; outro, a casa de banho.

Não houve nas Alagoas casas-grandes notáveis pela sua construção o interior da capela era forrado de custoso papel dourado; um ~~ar
como sucedeu com algumas de Pernambuco: como sucedeu, em particular, co •llnluoso era enriquecido com a imagem de Nossa Senhora da Conce1çao,
a do Megaípe, impiedosamente destruído, mas que ficou não somente pel p.idroeira do engenho; castiçais de prata, paramen~os ricos; pia de mármore;
fotografias, pelas histórias que dela contam, pelos mal-assombrados, pelí IJUlbém de mármore o piso. Nos quatro lados, seis Janelas de arc~das. Na c~a
tradição, senão também pela poesia de Ascenso Ferreira: 1
1t1 banhos, dois banheiros de pedra inteiriça de mármore e decoraçao de fa~tas1a.
"Qual! Todo mundo só falava À casa-grande do engenho Novo, em Porto Calvo, refere-se amda o
Na linda casa-colonial Cheia de assombrações ... "<10> 1
ronista. Casa de dois pavimentos, tipo pouco comum nos engenhos alagoanos,
Foram modestas as casas-grandes dos engenhos alagoanos. Uma ou outra lt•ndo 0 térreo 0 piso todo de mármore pintado, magnífico salão de ~tar, forrado
se aponta mais notável, e isto já no século XIX: a do engenho Buenos Aires, em tlc papel com interessessantes paisagens dourado e sobre o chao fino tapete
Camaragibe, a do Engenho Novo em Porto Calvo. Também ilustres pela amplidão 1veludado· os ornamentos da capela eram bordados de fios de ouro.
de suas varandas, de suas salas, de seus quartos, pelas suas tradições, e menos ' N~ta casa-grande do Novo hospedou-se em 1680, o i~perador Pedro
pela arquitetura propriamente dita, são as casas-grandes do engenho Prata, do 11, e sua beleza o cronista considera difícil descrever pela v.anedade, ~ompa,
engenho Lama, a do Maranhão. suntuosidade, que há em tudo: "O gosto e variedade das ncas mo~íli~ que
Geralmente, porém, eram casas modestas e simples; amplas, vastas, ornam as salas e diferentes quartos, o esplendor dos tóucados, a eleganc1a dos
fartas, lá isso eram, e ainda se podem lembrar como casas-grandes assim as do enfeites profusamente espalhados, a delicadeza dos bordados e das fazendas de
Prata, do Varrela, do Itamaracá, do Maranhão. Algumas sofreram linho, ou damasco, rendas ou seda, colchas, etc."(li) .
transformações e modernizaram-se em bangalôs.
<?lfREYRE, Gilberto. Casas de residência no Brasil (introdução). Revista do Serviço do PatrimônJo
Histórico e Artístico Nacional, Rio de janeiro, n. 7, 1943. 111>o. f. ~e A. A. Olímpio Euzébio de Arroxeias Galvão. Visita ao exmó. snr. Presidente Dr. José Bento da
0 •>fERREIRA, Ascenso.Cana caiana. Rio de Janeiro, 1939. Cunha Figueiredo júnior ao norte da Província.. Diãrio das Alagoas, Maceió, 19 a 28 maio 1869.

212 213
Ainda cm Porto Calvo, a do Genipapo é outra casa-grande de admirá \l'zes dez janelas; no interior as salas forradas de papel colorido 011 rn111
linhas arquitetônicas; casa-grande acolhedora. cordial, amiga, esta que se escon 1 l nhos. Estes modelos de construção substituíram as antigas ca..o;as·grandcs,
~um~ região pouco perlustrada. Tipo assobrado, a casa-grande do Genipapo
~1 fl ubadas para darem lugar as noYas, ou cmão rdurmadas cm \irtd" dos
mclm entre as melhores feições na paisagem social das Alagoas; a elegância r tr.1gos feitos pelo tempo. :\o interior, os quartos de dom1ir quase sem forro
seu porte domina o ambiente, aliando à majestade de sua altura o senti ~11 scculo passado usou-se forro feito de papel. .:\.5 \ezes, as divisões internas ~lo
acolhedor de sua fisionomia. Talvez se possa considerar a casa-grande l 1111struídas de taipa.
Genipapo uma das poucas dignas de ser minuciosamente estudada, analisand Foi rara, nas Alagoas, a casa-grande com mais de um pavimento; quase
11 11

se os diversos aspectos de sua arquitetura, de sua posição social, num meio rmprc, ou geralmente, era elevada, tipo chamado na região do assobradado ,
111m uma escadaria dando acesso ao edifício. É o tipo mais comum; característica
como o alagoano, tão pobre de casas-grandes expressivas ou veneráveis o
tradicionais como as encontradas em outras áreas; em Pernambuco ou n 111·ssc gênero é a casa-grande do Prata, encontrando-se dele também na região
recôncavo baiano, por exemplo. 11111'tc. Algumas vezes era aproveitada a parte térrea, a chamada rés-do-chão,
1 umo porão, o que encontramos em casas-grandes de engenho de Viçosa.
Também a casa do Maranhão, menos importante embora que a do
Buenos Aires ou a do Novo, oferecia sua contribuição à beleza da paisagem Nas capelas batizam-se os ioiozinhos e as iaiazinhas, celebram-se os
rural d~ Alagoas. Tal como sucede no Prata e em outros engenhos alagoanos, 1.1~amentos da família; nas suas paredes, no seu piso, enterran1-Se o senhor de
altas e imponentes palmeiras colocam-se à frente da casa-grande: palmeiras 1·ngenho, a senhora, os filhos, as noras, os genros, os netos, os parentes. Rara é
,1 capela de engenho que não seja também cemitério; cemitério onde vão repousar
ainda hoje silenciosamente conservadas, sobrevivendo do desvairismo da
destruição da casa-grande do Maranhão, derrubada na ânsia do encontro de 1" membros da família.
grandes tesouros que, dizia-se, estavam enterrados nas suas paredes. ~ão são capelas tristes ou fúnebres essas; ao contrário: na alvura de suas
Apalmeira aparece na paisagem da casa-grande com um simbolismo p;tredes, há um encanto a destacar. Entre altas palmeiras ou cercadas de árvores,
que deve ser cons idera~o ; ela como que representa a importância, a grandeza 11prestes, fruteiras, as capelas dos engenhos oferecem um aspecto de doçura; têm
do senhor de engenho. Ea testemunha do fastígio do passado; vela pelo silêncio um lirismo ingênuo; caracterizam a paisagem geográfica com o seu colorido.
daquele ambiente e põe guarda, como velhos e disciplinados soldados que viveram Na região açucareira das Alagoas as capelinhas de engenho dão uma
e participaram do passado, ao esplendor em declínio. 111nalidade lírica e suave ao panorama Quem percorre o norte alagoano encontra
As casas-grandes são sempre construídas nos pontos de maior elevação aqui e ali simples capelas; raras ou nenhuma as capelas majestosas, imponentes.
do terreno, às vezes ao lado da capela, outras vezes a capela situada mais distante, No trecho entre Porto Calvo e Maragogi, atravessando-se pela estrada de rodagem,
também em outras elevações. Na proximidade da casa-grande a casa do engenho, l'ncontram-se lindas capelas, pequenas e alvas, ora em elevações do terreno,
Na sua vizinhança a senzala. Excluída a senzala que se modificou, destruída, ou dominando a paisagem, ora guardadas por imponentes palmeiras.
então transformada cm casas de trabalhadores, encontram-se ainda, ou então Também nas outras regiões açucareiras - a do vale do São Miguel, a do
transfonnada em casas de trabalhadores, encontram-se ainda, nos nossos dias, Mundaú, a do Paraíba - encontram-se capelas de ingênua beleza. Ado anligo
os outros elementos do conjunto arquitetônico do engenho. engenho Varrela, hoje transformado cm centro de criação, já quase se modificou
No século XIX foí comum a construção de casa-grande erguida sobre cm cemitério. Cercada por um gradil, os espaços são ocupados com túmulos,
colunas elegantes; as balaustradas feitas de ferro; na fachada da casa, seis, oito, monumentos onde são guardados os restos mortais de velhos homens rurais,

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de suas esposas, de seus parentes. Altos ciprestes, espirradeiras, árvores diversas, Também festivos eram os atos de casamento. Do mesmo jornnl k111os
completam a paisagem e embelezam o ambiente. 11111lclário de um casamento, em que se fala tanto no "esplendido jantar de finas
1~1111rias e bebidas delíciosas , como nos brindes que foram erguidos. Ea dança
11
Referindo-se aos engenhos do vale do .Mundaú, lembrava Pedro Paulino
que eles possuíam formosas capelas ricamente ornamentadas; lamentava que 1111 engenho Santo Antônio Grande se prolongou até a madrugada em regozijo
algumas dessas capelas - as dos engenhos Cachoeira do Mirim, Cachoeira 111 casamento<15l.
do Regente, Utinga, Garça Torta, Oflcina, Água Clara, Lamarão, Mundaú Estas capelas de engenho viram muitas meninas de 13, 15 anos, mal
- já tivessem desaparecido algumas, outras estivessem em ruínas, quando 1k~nbrochadas, recebendo solenes doutores como maridos; com menos de 15
constituíam, entretanto, bonitas igrejas. Àépoca em que o venerando cronista 1111 16 anos foi que se casou muita iaiazinha de engenho. Com 13 casou D.
escrevia, somente a capela do Lamarão conservava o seu esplendor primitivo; 11.mcísca Wanderley, esposa do mais tarde Senador Jacinto Mendonça, falecida
hoje, porém, não conserva mais<12l. 1111 Recife dias depois de assistir ao casamento de seu filho Bernardo com uma
Também Tomaz do Espíndola lembra as capelas existentes nos engenhos lilha de senhor de engenho pernambucano, esta, do mesmo modo, nos seus 13
alagoanos, particularizando a do engenho Peixe, em Ipioca, que considera a mos apenas. Eram umas meninas que se casavam as filhas dos senhores de
melhor da então Província, depois da igreja do Coqueiro Seco. Em Viçosa, a 1'llJ.1CílhO.
capela do engenho Bananal, dedicada ao Senhor Bom jesus, caracterizava-se Se eram os pontos das celebrações festivas de batizados e casamentos,
por ser de madeira, o que, aliás, era comum na região, sendo a única de pedra e 1•111111 também as capelas de engenho os pontos para onde convergiam as tristezas
cal a capela do engenho Barro Branco<13>. 1111s dias de luto. Enterravam-se na capela os mortos queridos. Em diversos
Na sua pequenez, nas suas paredes brancas, na sua porta tosca, as capelas 1r~1mnentos, que tompulsamos, senhores ou senhoras de engenho, a começar
de engenhos têm toda uma história, que é a própria história social do engenho: 11111· Gabriel Soares, em 1660, manisfestam o desejo de ser enterrados nas capelas
o nascimento, a vida, a morte de gerações que se sucedem. Elas são o passado e 1li1s seus engenhos; envoltos em hábito de São Francisco, querem que o corpo
o presente; completam com a casa-grande e com a casa de engenho e a senzala ,·j,1 acompanhado pelo pároco da freguesia e demais sacerdotes. Alguns também
o traço característico da paisagem social do engenho: aquele que vai passando 1l1·scjam missa de corpo-presente.
de uma geração a outra as glórias e as belezas do passado. Luís Fernandes de Melo, senhor do engenho Santo Antônio dos Pobres,
Nestas capelas celebravam-se batizados com pompa não só religiosa, mas M.tragogi, estabelecida em seu testamento de 1793: ''Meu corpo será sepultado
também profana; ao lado do ritual católico, as festas, as comemorações, os jantares.
11.1 Capela do Santíssimo Sacramento deste Engenho, denominado Santo Antônio
Ainda nos fins ~!1..t~~~L~ XIf osr2~~za~~~ de engenho eram festejos que abalavam 1l11s Pobres, em Hábito de São Francisco. Acompanhará meu corpo o Reverendo
a redondeza. Lauto almoço, opíparo jantar, multiplicidade de iguarias e variedade
\lg~rio, seu Coadjuntor e mais sete Sacerdotes e os que mais se achar, dizendo-
de bebidas. Num jornal de 1862 está noticiado o batizado de uma pequena, filha de
1111· o meu Reverendo Pároco e os mais Sacerdotes missas de corpo presente
senhor de engenho; e o cronista lamenta não poder dar uma descrição minuciosa
, om a esmola de trezentos e vinte reis, dando-se aos Sacerdotes velas de mela
da festa, que se imagina o que foi pela notícia divulgadaº 4l.
l1hra"('6l. Mais ou menos assim é que falavam outros senhores de engenho.
!"lfONSECA, Pedro Paulino da. Linguagem da família alagoana, doe. do arquivo cio Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas. ' 'li MUNICÍPIO,Camaragibe, n. 27, 1 dez. 1892.
11
llESPÍNDOLA, Thomaz do Bomfim. Op. cit. ref. 7. 'MS da Coleção Bonifácio Silveira, publicado na seção "Palrimônio Histórico" da Gazeta de Alngoas,
u•10 MUNICÍPIO, Camaragibe, n. 3, 8 sel. 1892.
Mnceió.

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Na capela do seu engenho Maranhão, e11terrou-se o Ouvidor Josf
~1cndonça Matos Moreira, que tendo sido um fomentador da cultura algodot•it'.I
llílS Alagoas, era paradoxalmente senhor de vários engenhos no vak du
Camaragibe; outros Mendonça.e; se enterram em capela de engenho. Também
c•in capelas de engenho estão enterrados muitos Lins, muitos Gomes de Melo,
111uítos Wanderley, muitos Holanda Cavalcanti.
Na capela do seu Mundaú, repousa o velho Leite e Oiticica ao lado de
füa senhora e de seus pais, também estes senhores de engenho. Na do antigo
l'au Amarelo descansa Costa Leite. Nas paredes frias do altar-mor da capela do
l't-rricosa guardam-se os restos mortais de Batista Acióli, um dos mais ilustres
~cnhores de engenho, que, tendo passado pelos mais altos cargos de
.uhninistração e de representação do Estado - governador e Senador Federal,
1·ntre outros - nunca deixou de ser o homem do seu engenho; do seu canavial a
11uc ia fazer uma de suas constantes visitas quando caiu morto na porta da casa-
Hrande. ,. 1
Mas era nos dias de festa, de batizado, de casamento, da botada, que a
r:1pela tinha seu momento de esplendor; não apenas a capela, igualmente todo
11 engenho. Reboliço inteiro na casa-grande, nas senzalas, na casa dos lavradores,
na casa de engenho. Principalmente na casa-grande com o preparo dos bolos,
<los doces de goiaba, de caju, de abacaxi, dos vinhos de maracujá, de genipapo,
M caju, dos licores. Acozinha da casa-grande multiplicava-se no preparo dos
1wrus, das galinhas, dos porcos, dos carneiros; no preparo de variados quitutes
1111c iam encher extensas mesas, de ponta a ponta.
Nos dias de festa apenas aumentavam-se mais alguns lugares nas mesas
da casa-grande. De comum nas horas de refeições as mesas se enchiam. Osenhor
dt• engenho presidia a refeição, na cabeceira da mesa. No lado direito, sentava-se
11 elemento feminino, primeiro as senhoras, começando peJa senhora do
1·11genho, depois as moças, por último as meninas; no lado esquerdo ficavan1 os
homens.
Aalimentação era farta, em grande quantidade: carnes de boi, de carneiro,
d1• porco, abóbora, feijão, couves, farinha de mandioca, banana, laranja, mamao.
Alpendre da casa-grande do engenho "Prata", em São Miguel dos Campos.
1:11nbém a carne de charque figurava nas refeições. Aos domingos aparecia a

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galinha e às vezes o peru, este, porém, sempre guardado para os dias de festa: o Como a farinha, o feijão e o milho são gêneros que entram c111 grn11dl'
Natal, o Ano Novo, os aniversários. •111antidade na alimentação dos engenhos. Ofeijão é prato diário, pode ·se dim
Antes de começar a refeição, de pé todos rezavam o bendito: "Bendito e 1111ando não aparece nas feijoadas domingueiras, tão características co1110 ;1s
louvad~ seja o Senhor Santí~simo Sacramento e a puríssima Virgem Maria.
h;lcalhoadas portuguesas, o pacu assado com farofa de carne em !\.'lato Grosso, o
concebida em graça e sem macula do pecado orignal, desde o primeiro instante 1hurrasco e o chimarrão no Rio Grande do Sul, o açaí no Pará, o caruru na
do seu amem Jesus"<11J. Somente depois da oração é que se sentavam e llahia, o tacupi com tacacá no Amazonas.
começavam a refeição. O milho é a parte principal de uma série de quitutes comuns nos
Aanálise do regime dietético nos engenhos mostrará a carência dos 1·11genhos alagoanos, principalmente nos festejos de São João: bolo de milho,
1 uscus, pamonha, angu, mungunzá, canjica. Alguns desses produtos são
gêneros de melhor alimentação, embora esta, do ponto de vista de quantidade,
fosse farta e abundante. As crises de farinha de mandioca, gênero básico na 1onhecidos em todo país, muito embora às vezes se modifiquem os nomes. As
ali~entação do homem rural, documentam a falta dos principais artigos tt•ccitas mais utilizadas nos engenhos alagoanos preparam o mungunzá da
destmados ao consumo das populações. Durante o século XIX há notícia da t•guinte forma: põe-se o milho descaroçado para cozinhar; quando fica bem
intervenção do governo no sentido de importar farinha para o público. 111olinho o milho, põe-se leite de coco grosso e depois acrescenta-se açúcar,
E a farinha importada, em grande parte, era encaminhada para os .1docicando a gosto. Põe-se um pouco de manteiga e juntam-se também uns
engenho~, contra o qu: reclamavam jornais da época. Era escandalizado que o rrnvos de doce. Deixa-se apurar bem o gosto dos ingredientes, fervendo tudo.
Dr.. Messias de G.usmao lembrava, no seu célebre relatório de J904, que até Daí a pouco está pronto o mungunzá.
fannha de mand10ca, Alagoas importava do Paraguai; como importava feijão, Para fazer pamonha, rala-se o milho, e depois de ralado, juntam-se leite
fava, cebola, batatas, alho, etc., da Argentina, do Chile, de Portugal(lsJ. tlc coco, um pouco de coco ralado e sal; se se quer pamonha doce junta-se
T~mbé~ se pode ter uma idéia da situação através dos atos legislativos ;1çtícar, o que é dispensável se se prefere a pamonha não adocicada. Preparada
ou executivos, visando obter a mercadoria; leis ou resoluções ou decretos se 1mistura é a mesma colocada em mochilas feitas com a própria palha de milho;

en~ontram, teste'.11unhando as providências tomadas para suprir o mercado com t'slas mochilas são postas dentro de uma panela com água fervente, e, quando
farinha de mandioca, evitando-se reclamações contra a sua falta. No século atual ht•m durinhas, estão cozidas e prontas para serem servidas.
providências semelhantes se verificaram, o que denota o quanto a monocultura Acanjica é o mesmo angu, sendo adocicado e feito com milho ralado;
do açúcar dominou a economia regional. tlt•pois de pronto polvilha-se com canela. Areceita do angu é esta: mistura-se o
Amandioca era gênero que figurava insistentemente na culinária dos p6 de milho com leite de coco e um pouco de sal; leva-se em seguida ao fogo e
engenhos alagoanos. Na farinha, em bolos, em outros quitutes saborosos: cuscus vai mexendo-se até cozinhar bem. Pode-se juntar, querendo, um pouco de açúcar
de mandioca, bolo de mandioca, etc. Sua cultura, por isso mesmo deveria ser para tornar o angu doce. Outro produto de milho, com grande aceitação e muito
intensificada, o que nunca se deu, resultando daí as crises que qu~ndo em vez mmum nas mesas de engenho, é o cuscus: mistura-se o pó de milho com coco
alcançam os Estados açucareiros. Enão é raro estes Estados importarem farinha t :tspado e um pouco de sal, e junta-se um pouco de açúcar a gosto; em seguida

pela deficiência da sua produção para o próprio consumo interno. püc-sc na cuscuzeira e leva-se ao fogo para cozinhar. Pronto o cuscus, borrifa si·
1om leite de coco a gosto.
<inBRWDÃO, Alfredo. Chronicas alagoanas (. ..)Maceió, 1939. Outra série de quitutes é preparada com a mandioca ou a macachcira.
us>cusmão, Messias de (relator). Relatório da Comissão da Sociedade de Agricultura Alagoana
sobre a indústria assucareira de Alagoas, Maceió, 1905.
Opé-de-moleque, por exemplo, em que entram mandioca, sal, açúcar, leite

221
220
de coco, ovos. Seu preparo é este: mistura-se coco raspado com a mandioca 11111u amêndoa de sabor agradável, produz também óleo precioso, com muito
la\ada, espremida e seca; acrescenta-se sal, açúcar, manteiga, leite de coco boa aplicação no preparo da baunilha"M>.
gema, tudo conforme o gosto. Em seguida vai ao fomo cm forma untada co Na arte do bolo e das formas de bolo ainda se multiplicavam as ath i<ht.lcs
manteiga para assar. Outra forma de fazer o pé-de-moleque é cm folha d" senhoras de engenho. Bolos de várias espécies, enfeitados com papel de
bananeira. trcl.i, siquilhos, broas de goma. Com o açúcar não eram aproveitadas somente
Oque não faltava nas mesas patriarcais da casa-grande eram frut A~ frutas; também o eram a mandioca, o milho, para o preparo de quitutes de
o llHurnto, o caju, a manga, a banana, a laranja, o maracujá, a mangaba, tliH'rsas qualidades. Eeram estes doces, estes bolos, estes quitutes, muitos deles
1 .1racterísticos das casas-grandes, celebrados e consagrados, figurando no quadro
goiaba. Consumiam-nos não só nas sobremesas, mas também nos lanches
O mamão, com suas com suas qualidades estomacais, gozava d 11.1~ atividades sociais dos engenhos.
preferências para as sobremesas; o caju era mais utilizado nas horas d Não se restringia, porém, à arte dos bolos, dos doces, dos quitutes, a
banho de rio, tomado com cachaça como preventivo; preventivo contra 11lvldade das casas-grandes de engenho; não menos celebradas eram outras
resfriados, talvez até contra a esquistosomose, encontrada nos rios ela áre .1rtcs domésticas: as rendas, os labirintos, os crochés, a música, o canto. Em
açucarcira. 11•11niões sociais os momentos de canto, de música, de declamação eram
Xcnhum dos cronistas brasileiros ou estrangeiros deixou de referi ... nhrlgatórios.
se ao caju, fazendo-lhe o elogio. Já Gandavo falava que se comia caju par Das artes domésticas a renda foi talvez a mais característica nos engenhos
refrescar; e Gabriel Soares, não escondia seu amor ao anacardiu• .1l;1goanos, como, de resto, em todos os engenhos de outras regiões. Há o clássico
ocidental e L, citava suas qualidades medicinais, também postas cm rclcv quadro descrito por Joaquim Nabuco, ao referir-se que sua madrinha presidia,
por outros cronistas. 11.1 casa-grande do Massangana, aos trabalhos de rendas das mucamas, cada

Do cajueiro se aproveitava quase tudo nas casas-grandes; faziam-se uma com sua almofada ao colo. Acena descrita em Minha formação é comum
doces secos e cm calda e fabricavam-se vinhos ou licores; a castanha era ruis engenhos nordestinos, e podemos considerá-la particular nas Alagoas, onde
assada ou confeitada. O mesmo faziam com outras frutas , aproveitando-se 11 arte da renda teve instantes de grande esplendor.

no. preparo de doces em caldas ou secos; doces de jaca, de maracujá, de Vejam-se retratos do século passado, e lá estão senhoras de engenhos,
goiaba, de mangaba, de banana, de mamão, de laranja. Muito gostosas u ~, meninas, as moças, todas com seus vestidos enfeitados de rendas ou de
ameixas de caju. hh:os; de rendas os babados, os corpinhos, as saias brancas, as camisas de
Oelogio do cajueiro, como se prestando para "lucrativa exploração' llormir; de rendas os panos que enfeitam as mesas, os "etageres", os consolos,
vem feito com entusiasmo pelo presidente josé Cesário de Miranda Monteiro o:i bibelôs. Aarte da renda alcançou nas Alagoas estágio de grande brilho. Sua
ele Barros que, na sua "fala" de abertura da Assembléia Provincial, cm 1888 procura intensa fazia-a artigo disputado e querido. Que não enfeitava somente
assim clizla: "Seu fruto dá excelente doce, que em calda ou seco, pod~ ,15 roupas femininas, mas que se utilizava também nas alvas, nos roquetes

concorrer com o que de outros países que importamos, e exportado, será dt 1los sacerdotes.
certo neles muito aprecido. O caldo de caju produz vinho delicioso e
medicinal, que com grande proveito tem sido aplicado no tratamento das ""'UARROS,José Cesario de Miranda de. Falta com que o exmo. sr. d. (...)abriu a l8 sessão da 27
moléstias provenientes da impureza do sangue; a castanha, além de ser legislatura da Assembléia Provincial das Alagoas, em 6 out. 1888. Maceió, 1888.

222 223
Ao lado da renda, o croché. Trabalhos em croché são comuns
engenhos. Constiruem distrações. Fazem-se de lã camisinhas, sapatinhos, lu
para crianças, principalmente para os recém-nascidos. No enxoval da cri
que está para nascer, é inevitável a camisinha ou o sapatinho de lã, utilizando
no seu preparo os pontos mais interessantes e mais bonitos.
Se bem que não cheguem aos esplendores de outras regiões açucarei
nem desçam a uma pobreza geral, carecendo de beleza social, os enge
alagoanos apresentavam também o bom gosto dos seus proprietários no uso
objetos de ouro: voltas, trancelins, pulseiras, relógios, anéis de rubi, de esmeral
ou de brilhante. Através de testamentos ou inventários, desfilam jóias, algu
de alto valor, outras de valor estimativo pela tradição que representam.
Aparecem comumente em testamentos de senhores ou senhoras
engenho brincos de ouro e fivelas de ouro ou prata para sapatos. Muita co
em ouro deixou D. Maria Joaquina de Gusmão, em seu testamento de 183
uma cruz de ouro com três voltas de cordão, uma fivela de ouro para cinto,
par de argolas de brilhantes encastoado em ouro, um anel de brilhante, outro
topázio encastoado em ouro, um anel de crisólitas encastoado em ouro, um
de argolas de crisólitas encastoada em ouro.
Outras referências a adereços ou jóias de ouro e prata, com igualmente-
crucifixos ou cruzes também de ouro ou prata, aparecem em vários testamen
que tivemos ocasião de ler no farto material da coleção Bonifácio Silveira. Antõ
Luís de Moura, em 1798, por exemplo, deixou duas abotoaduras de ouro
pedras e dois pares de botões de ouro para punho. Quatro pares de botões de o
figuram no testamento de Manuel Carvalho Monteiro em 1808. E aí por diante
Mas, houve senhores de engenho que muitas vezes se viram engan
na compra dessas jóias, adquirindo peças falsas. Foi o que aconteceu com J
Lopes Ferreira de Omena, senhor do Antas. Veio pela imprensa reclamar con
o joalheiro Rafael que lhe vendeu jóias falsas, compradas com letras promissórt
"Como o adereço é de \~dro e não de esmeralda, e tem sido assim iludida a s
boa fé e ignorância", o senhor de engenho Antas anunciava ir ao juízo compe
propor "ação de destroca" (Diário das Alagoas (DA) nº 32, de 9 de fev. 1
Talvez, o joalheiro lhe tivesse levado algum bom trancelim ou correntão de rei

224 225
Também o senhor do Sinimbu, Epaminondas da Rocha Vieira, futu Eram jóias, as autênticas, que apareciam enfeitando as senhoras de
Barão de São Miguel dos Campos, título que recebeu em dezembro de 1870, ngcnho ou mesmo os senhores de engenho - os anéis, os correntõcs de rcl6glo,
viu enganado pelo mesmo JOalhciro. isto é, por "um destes 1oalhe1ros que se 11. relógios, os broches de gravata - nos dias de festa. Nas reuniões sociab. ~' .

chamar Raphael, mas cu não affirrno, por que elles andam pelo centro 1asrunentos. Nos batizados. Igualmente na festa da botada, que constitui a grande
província mudando os nomes" (DA, 28 abr. 1866). Este joalheiro vendeu u dJl:t anual do engenho, ao lado, o que não era raro, da festa do padroeiro da
relógio de ouro dizendo ser cronômetro verdadeiro. O mesmo Raphael ven 111opriedade.
por 4:000$000 algumas jóias a Francisco Gonçalves Beiriz, senhor do Castel ~ Das reuniões sociais em engenho, coisa rara, aliás, pela própria situação
mas "só um trancclim era de ouro sofrirel, o resto era falso" (DA, 27 jun.18 d.Ili casas-grandes isoladas em propriedades distantes umas das outras, restam
Oque parece é que, na época, inundou a zona rural alagoana uma tu tradições de inigualável beleza. Cantavam-se árias ou canções: tocava-se piano;
de vendedores ambulantes, mesmo judeus, comerciantes de jóias antigas. Pel tl1•clamava-se. Serviam-se siquilhos, doces de goma, vinhas de genipapo, ponches
jornais vêm recalmações de São Miguel dos Campos, de União, de Camaragi 11!• maracujá, refrescos de mangaba. Celebrizaram-se algumas festas ocorridas
As vendas eram feitas mediante letras promissórias com largo prazo 1•111 engenhos, como as do Buenos Aires, estas principalmente quando da visita
possivelmente, levando também nas trocas alguma jóia antiga da família. Protcs tio presidente José Bento Júnior em 1869. Descreveu-as o cronista da viagem,
contra o joalheiro Rafael, também contra Nathan Klein, Block & Cia. Arespet N·ondendo-se nas iniciais O. F. de A. G.
deste último, Manuel Joaquim de Melo, senhor do engenho Todos os Sant Lembra o cronista que à noite houve no engenho "vários entretenimentos
de Camaragibe, avisa 11QUe tendo comprado aos snrs. Block & Cia. algumas jói rir prendas e outros, próprios das boas sociedades familiares"(2°>. Estes
e passando uma letra de oito contos e noventa mil reis, pessoa alguma f rntretenimentos deveriam ser jogos, números de canto, declamação; declamação
negócio com dita letra porque tendo sido o abaixo assignado iludido, existe se Rlnt, tanto que o Sr. José Inácio de Albuquerque Xavier improvisou uma poesia
ter as mesmas jóias para dito pagamento ou dar-se novo valor conforme ~obre aqueles instantes memoráveis, a qual começava com esta quadra:
averiguação que se proceder no exame das mesmas jóias"; e acrescentava q "Buenos Aires! Esplendente Elíseo!
os Srs. Bolck teriam de restituir dois trancelins de mais valor em troca de out Imagem viva de virgíneo sonho!
que havia comprado. Realidade que se crê fantástica!
Ainda contra os Block reclamam João de Deus Pereira Lima e Teotôn Eden sublime, enlevador risonho!"
Pereira de Melo, senhores do engenho São João, de Maceió, prejudicados q E por aí prosseguia o poeta, cantando em quadras os momentos
foram nos valores e nas jóias falsificadas. Já José Lopes Ferreira, do engen ~radáveis que o ambiente do Buenos Aires estava proporcionando: os passeios,
Bom Regalo, de União, avisa que ninguém faça negócio com uma letra 11.~ alamedas, os jardins, o bulevar, as reuniões noturnas.
600$000 aceita ao joalheiro Nathan Klein. Como se vê parace que o senhor O primeiro engenho do Norte da então Província que possuiu piano,
Sinimbu tinha suas razões para duvidar dos nomes dos joalheiros que andav 1.1lvez o primeiro em todo o território alagoano, foi o Várzea Souza, cm
pela zona açucareira alagoana, não só, como bons judeus, o que tudo incU Cmaragibe. Engenho de boas tradições este; pertencia no meado do século à
fossem arranjados autênticos relógios, ou trancelins de ouro, como sue l;tmflia Barros Pimentel, em cujas mãos, creio, nascera, nunca mudando de
com o senhor do engenho Todos os Santos, como passando aos proprier dono. Depois, em 1897 estava com a fanu1a Albuquerque Lins. Dadas as origens
rurais jóias falsas.
1
"' 0IÁRIO DAS ALAGOAS, Maceió, 20 maio 1869.

226 227
comuns das famílias Lins e Barros Pimentel, é de crer não tivesse saído de uma 1• não será demais ver na influência maléfica de suas águas - pela transmlssao
mesma família. ele endemias aniquiladoras - uma das causas da apatia, da indiferença, üo qul·
Visitas em engenhos, de um a outro, faziam-se sempre à tarde. As noites se chama preguiça, do trabalhador rural.
escuras, com estradas ruins, não facilitavam os encontros sociais depois das 6 Em memorável relatório apresentado em 1858 ao presidente d~t
horas da tarde; às 18 horas de hoje. Daí reservarem-se as tardes para as visitas. Província, o Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola, médico e geógrafo, fixava a
De preferência as tardes de domingo, pois durante a semana as ocupações do Influência ~s!_i~ ~~~?,.~ para a ~;1~~q~e_d~915~ par~~ ªPª'.~~m~nto .,
senhor de engenho não permitiam sua saída. ~lc febres intermitentes que reinan1 endem1camente durante o ano mte1ro. E
Durante a semana comum era passar o dia. As moças do engenho iam 1•stcs rios são justamente os pontos centrais da cultura açucarcira; nas suas
visitar as primas, ou as amigas, no engenho vizinho lá passando o dia. Iam de margens, nos seus vales, servindo-se de suas águas, é que vivem os engenhos de
carro de bois; posteriormente, nos engenhos que o possuíam, utilizava-se o cabtiolé; .1çúcar.
mais modernamente as moças aderiram ao espírito amazônico, e viajavam de "Porque depois de seus transbordamentos - escreve o Dr. Espíndola no
cavalo. Cavalo manso, ensinado mesmo a conduzir as meninas do engenho. citado relatório(21 > referindo-se aos rios do Estado, entre eles alguns
Opassar-o-dia movimentava o engenho; a alegria das moças enchia de t•minentemente açucareiros: o Camaragibe, o Mundaú, o Paraíba, o Jetituba, o
ruído as casas-grandes. Às vezes também participavam desse ruído os primos. E Santo Antônio- deixam por sobre as margens muitíssimas substâncias vegetais
nasciam daí muitos casamentos oriundos das paixões brotadas nesses I' animais, que vão sendo decompostas pela ação da luz solar, e fornecendo
encontros íntimos, de família. dcst'arte inçessantemente o elemento da intoxicação paludosa: são mais
Nestes dias a oportunidade para os banhos de rio era ·mais bem lreqüentes ainda nas margens das lagoas, bem como nas da lagoa do norte e do
aproveitada. Quase sempre cada engenho tinha o seu "banheiro" no rio: o lugar fül, cujos leitos são em grande parte de lama". Estas condições provocadoras da
mais apropriado para tomar banho. Havia o "banheiro" para os homens, e o Insalubridade concorriam para o aparecimento de moléstias e endemias, cuja
"banheiro" para as mulheres. Escolhia-se sempre lugar onde grandes árvores repercussão se fazia sentir prejudicial na vida dos engenhos. Sofriam as massas
pudessem fazer sombra, esconder os banhistas, cobri-los dos olhares curiosos 1n1balhadoras, com a acumulação de doenças que acarretava mal-estar e apatia.
dos estranhos. Mas não vamos culpar somente os rios. É certo que eles foram às mais
Nem sempre estes banhos de rio oferecian1 satisfatórias condições de das vezes o foco transmissor; serviram, e servem, de intermediários como é o
higiene. Havia mais prazer e distração em banhar-se nas águas do rio do qa~ rnso do esquístossomo, cuja doença, a esquístossomose, é geralmente encontrada
mesmo utilizá-las para higienização do corpo. Écerto que pouco se conhecia o 11as populações da região açucareira. É indiscutível, porém, que havia nos rios
banho de chuveiro ou de cuia; nos engenhos sempre foi comum e preferido o r.ausa a ser removida, tanto assim que, anos depois, em outro relatório, o mesmo
banho de rio, quaisquer que fossem as suas ameaças de doenças. Dr. Espíndola indicava, como primeira medida necessária ao melhoramento da
As condições sanitárias das zonas açucareiras não eram das melhores salubridade pública, a abertura e limpeza dos rios e dcssecação dos pântanos (Ul.
em virtude mesmo de sua situação geográfica, dada a freqüência de febres
justamente nas margens de rios, cujos vales servem à agricultura da cana. O
''ºf:SPÍNDOLA, Thomaz do Bonfim. Relatório apresentado pelo Inspetor de S11úde Pública, anexo ao
Camaragibe, o Santo Antônio Grande, o jetituba, o Mundaú, o Paraíba, por l~elatúrio do presidente da Província. Maceió, 1858.
exemplo. Todos estes rios são focos de doenças; são transmissores de moléstiasj 11111<clatório do lnspector de Saúde Pública, anexo ao Relatório do presidente josé Bento Júnior, cm 31
out. 1868.

228 229
Encontram-se comumente em relatórios ou "falas" dos presidentes
Província, palavras pouco animadoras acerca das condições de salubridade
diversas cidades e vilas. Algumas falam em "estado pouco lisougeiro"; outras
mai~ reais, referem-se às epidemias constantes, às febres intermitentes
ré~iténfeS:-Multo concorriam para a existência de tais condições a deficiên
de conhecimentos sanitários, e também o pouco cuidado com os assuntos
higiene. A ponto de o Inspetor da Saúde Pública apontar, em 1868, co
necessidades imediatas a transferência para longe do centro da cidade - isto e
Maceió - da - a estrebaria da polícia, e fazer-se a limpeza e amurar o cemité
dos cólericos. Se isto se passava na capital, pode-se imaginar o que ocorria
interior.
Não seria diferente a situação, e o problema do saneamento não
estranho aos debates que preocuparam oComício Agrícola do Quitunde eJetitu
Uma de suas primeiras indicações foi no sentido de a Câmara Municipal melho
condições higiênicas da povoação de São Luís do Quintude, "onde febres df 1 ngenho "São Pedro", do Dr. José Sayão de Barreto Falc!ão, em Viçosa.
mau caráter vão se tomando endêmicas, pondo em risco preciosas vidas
perturbando as relações comerciais"<23>. Elembrava como conveniente o ate
incontinente dos barreiros existentes nos quintais de quase todas as casas,
tiramento de barro para tapamento de casa e serviços de pedreiro nas colin
além das baixas que circundavam a povoação, a cessação da criação de porc
Em outra oportunidade, em relatório assinado pelos Srs. Joaqut
Machado da Cunha Cavalcanti, Manuel Messias de Gusmão Lira, José Paulino
Albuquerque Lins, Manuel Cavalcanti de MeloJúnior e Francisco de Paulo Beze
Cavalcanti, o Comício dirigiu-se ao engenheiro Inocêncio Galvão de Queiro
comissionado pelo governo para investigar os meios de melhoramento n
condições sanitárias de São Luís do Quitunde. Aexposição do relatório origi
se do debate travado no Comício sobre o assunto, debate esse que encheu t
uma sessão, como se vê da pormenorizada ata que o recolheu <24>.
Oque o relatório refere acerca das condições sanitárias do vale do San
Antônio Grande, pode ser extensivo aos outros vales açucareiros, pois em toda

OllATA da sessão de 10 de jun. 1877. O Liberal, Maceió, 3 jul. 1877.


a4>ATA da sessão ordinária. O Liberal, Maceió, 4 set. 1877. Casa-grande do engenho "Bananais", em Viçosa.

230 231
região da cana de açúcar os rios têm idêntica situação. Não é particular ao Grande, do tenente-coronel José Vieira de Araújo Peixoto, este esteve cm perigo
do Santo Antônio Grande a influência do fluxo e refluxo das marés, tam de vida; perdeu vários escravos. Outra vítima do cólera de 1856-57 foi o tr1wnte·
notada em outros vales; nem a vegetação espessa e luxuriana, indican coronel Bernardo Antônio de Mendonça, filho do Ouvidor Mendonça e um Jo~
~~!°:z~t!º <~~I? }~~~d\_J SS,trJ,11}2S,a~ .~)~g~ tPfÓ.P,rja {~o. ~s~~~p~ento cabeças da Cabanada de 1832; morreu no seu engenho Maranhão, em cuja
m1asmas m~!_Il~ticos, é peculiar à povoação est'úãada, mas geral a todas capela deve ~star enterrado.
povoações, ou a tôda a região da cana de açúcar. Tanto os casos de cnde Além das perdas humanas, as perdas materiais: as lavouras desprezadas,
como as epidemias citadas são ou foram conhecidas em toda a área açuc '\.os serviços abandonados, a má herva tomando conta da terra onde
das Alagoas. Não se restringiu a determinado ponto. desabrochavam as canas, as mandiocas, o milho, o feijão.
A maior parte das doenças encontradas na região do açúcar - e
tanto nas Alagoas como em outras áreas açucareiras - provém da escravidão;
trazida pelo escravo negro. Aeste se devem várias doenças comuns nos engen
a esquistossomose, a bouba, a frialdade ou hipoemia tropical, o bicho-do-pé,
maculo (este desaparecido com a extinção do tráfico), a filariose; do ainh
tão celébre nas doenças de origem africana, não se conhecem muitos casos n
Alagoas, afirmaAbelardo Duarteas>, que lembra apenas um que lhe foi inform
Não se devem propriamente ao negro, mas ao regime monocultor-latifundi
outras doenças: as de carência, de que o próprio foi a maior vítima como
examinamos no capítulo sobre o negro escravo.
Mais prejudiciais do que as endemias foram as epidemias. Turríveis epide
que assolaram Alagoas, pertubando-lhe o ritmo de sua economia. Ado cólera, as
febre amarela, nos meados do século XIX, foram das mais terríveis. Os engenhos
escaparam do morticínio que caiu sobre a Capital, as cidades, as vilas. Neles,
pela concentração da população escrava, sem satisfatórias condições de higi
também o flagelo colheu suas vítimas. Os relatórios dos presidentes da Provín
mostram os dolorosos espetáculos assistidos. Atradição oral conserva as históri
As páginas dos jornais_contemporâneos guardam o registro.
Do cólera, em 1862, um dos focos maiores foi o engenho Cas
Grande, em São Luís do Quitunde. Inúmeras vítimas registram-se ali. E co
no Castanha Grande em outros engenhos. No Mundaú, o Dr. Manoel Rodrigu
Leite e Oiticica perdeu a esposa e três filhos, além de quinze escravos. No Pon

(lS>DUARTE, Abelardo. Nosografla do negro em Alagoas. R. lnst. Hist. Alagoas, Maceió, v. 21, 1940-41.

232 233
CAPÍTULO V
.. "
O BANGUE E ACULTURA

Relações entre a economia, a arte e a literatura. Fins econômicos da


formação territorial das Alagoas. Manifestações culturais. Revistas e jornais de
natureza agrícola.

Ocomplexo "açúcar" na literatura alagoana. Estudos econômicos sobre


o açúcar. Memórias e relatórios. Oaçúcar nas sínteses históricas do Estado.

Os poetas e os assuntos regionais. Poesias sobre motivos de engenho.


Poetas de Viçosa. Evocações do Buenos Aires.

Manifestações artísticas. Pintores que procuraram temas nos engenhos.


Outras manifestações culturais.

Figuras ilustres provindas de engenhos. Políticos, juristas, sacerdotes,


soldados, intelectuais. Aagricultura e o filho doutor. Oensino: carência do ensino
rural. Influência dos cursos superiores na vida rural. Expoentes do bangüê na
cultura alagoana.

235
-
Não há nas Alagoas grandes surtos de manisfestações literárias. E isto,
lalvez, por condições próprias de sua vida econômica, reclamando a tarefa de
lodos os seus filhos no entrelaçamento dos diversos setores em que se divide a
1•conomia. As relações entre a economia, a arte e a literatura não podem ser
l'Squecidas nem relegadas, porque existem e se manifestam.
f As expansões literárias ou artísticas, quando se verificam, estão sempre
:t refletir um estado econômico, que, de modo geral, não as determina, é certo,
11\as está com elas relacionado, e muitas vezes predispõe o aparecimento dos
lrnbalhos intelectuais. Éque oambiente não concorre para a elaboração artística
1111 literária, quer pela d.ificludade da publicação ou divulgação, quer porque a
n:ttureza do país faz do seu homem um propenso à agricultura.
Nos países de limitado território, em que há necessidade de diversificar
.1~ profissões, a literatura ou a arte surgem mais espontâneas, mais importantes;
h11 os grandes intelectuais e os grandes artistas. Ao contrário, nas áreas territoriais
nl<•nsas, em que o solo se renova pela própria natureza, o homem é menos
~1·1l11zido pela literatura ou pela arte, porque é chamado, mais particularmente,
' rnldar da economia coletiva, de sua agricultura. É o caso do Brasil.
r País de natureza agrícola, e assim exaltado desde a hora da descoberta,
1 onserva este caráter, e é por isso que nos campos está o grosso da população,

~lrnfdos seus filhos pelo trabalho da terra. Não há margem para atividade
llHl'lcctual como meio de subsistência, isto é, como profissão; ao contrário: ela
t no Brasil simples direção, recreação de horas vagas, gosto para entreter o
1hpfdto. Anatureza física atrai o homem para o trabalho, e porque a terra é vasta
ainpla, renova-se e cultiva-se sempre. Não é aproveitada inteiramente a força
lnh•lectual, a sua capacidade. 1 ·

237
Assim é, pois, o caso das Alagoas se particularizarmos o fenômeno em Oprimeiro número da Revista Agrícola circulou em setembro de 1901,
relação ao Estado. Não há margem para atividades intelectuais puras; a arte ou a quatro meses depois de fundada a Sociedade de Agricultura Alagoana, de que er;i
literatura não podem constituir profissões, nem dão ensejo a que isso se torne orgão. Tinha como redator-diretor o Dr. Francisco Isidoro Rodrigues da Costa. lmun
exeqüível, porque as profissões de natureza econômica exigem o trabalho de redatores Costa Leite, Fernandes Lima, Messias de Gusmão, Afonso de Mendonça,
todos. Pela própria origem da terra, pelo espírito de sua colonização, pela evolução Guedes Nogueira e professor Loureiro. Otema da revista fora encontrado em palavras
de sua história, sente-se a natureza econômica da constituição alagoana. de Sully: "Os bens da terra são os únicos inesgotáveis; tudo floresce a agriculturai'.
Os primeiros núcleos alagoanos fundaram-se para defesa do solo, , Oeditorial que apresenta o programa da Revista Agrícola, exalta o valor da união
preservando-os das ameaças estranhas de modo a resguardar as forças )elo que proclama a necessidade de unir-se a classe agrícola.
econômicas que nele repousavam. Os característicos desta fundação encontram- Não tivemos oportunidade de conhecer todos os números da Revista
se na regularidade com que os três núcleos fundamentais - Porto Calvo, Alagoas Agrícola. Dentre os artigos publicados no primeiro número um é particular
e Penedo - foram exigidos: junto ao litoral, em elevações e em distância sobre o açúcar: "A crise do açúcar". Assina-o o Sr. A. G. Nogueira. Em outros há
promocional um dos outros. Esua finalidade era a defesa da terra, impedindo o referências ao açúcar, principalmente na carta-relatório do Dr. Leite e Oiticica
comércio estrangeiro para fazer o seu <1>. sobre a incumbência que lhe fora atribuída- a ele, ao Dr. Clementino do Monte
Como era preciso realizar esse comércio, os colonizadores fizeram-se <' ao comendador Luís Leão - de solicitar auxílio do Governo da União para a
agricultores de modo a obter da terra os elementos que os faziam comerciantes. lavoura alagoana, e também no artigo assinado por "Um congressista" sobre o
Nessa tradição é que repousam as condições atuais. E porque assim é, pequenas Congresso Agrícola do Norte do Estado.
são as manifestações culturais nas Alagoas se bem que, possamos apresentar Encontram-se ainda na revista ofícios da Sociedade acerca da concessão
grandes poetas, grandes escritores, grandes pensadores, grandes músicas, e tle tarifas protetoras para o açúcar argentino, além de quadros estatísticos de
também grandes pintores, o maior dos quais porém, nunca se seduziu peta l'Xportação de açúcar pelo porto de Maceió de 1891 a 1900, com comentários do
natureza de sua terra: Rosalvo Ribeiro. l>r. Francisco Isidoro, de exportação no primeiro semestre e nos meses de julho
Também pequenas são as manifestações intelectuais - literárias ou a agosto de 1901.
artísticas - que tenham por tema o açúcar: ou o engenho, a cana de açúcar, o Em outros números da revista lêem-se ainda artigos sobre açúcar, como
senhor de engenho. É certo que entre os nossos homens de cultura literária ou o do Dr. Messias de Gusmão no segundo. Como o anterior de A. G. Nogueira
política aparecem nomes ilustres provindos do bangüê; alguns nascidos em focaliza a situação crítica por que então passava a lavoura canavieira. Sendo o
engenho e nele criados. OVisconde de Sinimbu, por exemplo: orador, estadista, açúcar o principal produto da economia do Estado, é justificável que grande
conselheiro de Estado, presidente do Gabinete, Senador do Império. parte da revista seja dedicada a ele; quadros estatísticos de exportação destacam
Um dos traços mais significativos dessa manisfestação intelectual ;l posição líder do açúcar e mostram sua influência na economia regional.
provinda dos meios rurais, seria a existência de jornal ou revista dedicada aot Dedicado à lavoura, o jornal OMunicípio, de São Luís do Quitundc, foi
problemas econômicos. Somente duas iniciativas se apontam neste campo: 1 o primeiro de propaganda agrícola que se editou no Estado. Apareceu em 1880.
Revista Agrícola e o jornal OMunicípio, de São Luís do Quitunde. llra propriedade de uma associação, possivelmente o Comício. Tinha como

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CllDJÉGUES, joaquim. Aliteratura e a arte. O Momento, Maceió, 12 e 19 mar., 30 abr. e 7 maio 1894
redatores Messias de Gusmão.Joaquim Machado Cavalcanti e FélixJosé Gusmão
l.lra. É muito raro hoje em dia encontrar-se uma coleção ou mesmo número

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esparso de O Municípi_o. Na biblioteca Nacional há dois exemplares: os de ns. magníficas sugestões sociológicas aparecem. Escreveu-o o velho sc11hor d<'
1, de 29 de janeiro de 1880, e 45, de 18 de novembro do mesmo ano. engenho como contribuição da Sociedade de AgriculturaAlagoana à Canforem ia
No primeiro número deste jornal, que tinha uma tiragem de 350 Açucareirado Recife, convocada para 1904, mas só realizada em 1905. Ocpols
exemplares, bem expressiva para a época e para o meio, há a transcrição de um de considerações sobre o congresso e sobre congressos açucareiros em geral, o
artigo sobre o fabrico de açúcar na ilha Reunião; publica uma nota acerca de minucioso documento passa a tratar da cana de açúcar.
melhoramentos no fabrico de açúcar, introduzidos pelos agricultores Dr. Rozendo Interessantes observações vai alinhando o senhor de engenho do
Cesar de Góes e Félix de Gusmão Lira nos seus engenhos São Salvador e Unussu, ""Castanha, principalmente ao referir-se à rotina da cultura agrária nas Alagoas,
respectivamente. A respeito desse assunto, tivemos ocasião de referir mostrando que, apesar da prodigalidade da natureza, nada existe que se assemelhe
minuciosamente no capítulo sobre o bangüê e a economia alagoana. à cultura nacional ou aperfeiçoada. A percentagem de extração indica o
Embora não de natureza especialmente agrícola, inteiramente dedicado rudimentarismo do processo industrial: 6 a 7% de açúcar, e 40 a 60 toneladas de
à lavoura, é o jornal O Município, de Passo de Camaragibe. Inseria em suas cana por hectare.
páginas muita notícia útil e interessante, além de artigos. Entre seus editoriais Detém-se o Dr. Messias de Gusmão em apreciar as condições da terra,
encontram-se alguns de maior importância para a época, e talvez ainda hoje; destacando o papel dos rios como via de comunicação, e do solo de massapé
artigos contra a devastação das matas, contra os roubos de cavalo, em favor da na cultura canavieira. E lembra que já em 1894 o cônsul inglês do Recife
construção da estrada de ferro do norte. considerava, em relatório ao seu governo, ser o Estado das Alagoas o melhor
O Município - de que tivemos a alegria de percorrer toda a coleçã9 - terreno para a criação de engenhos centrais. Mostra como a lavoura da cana
começou a publicar-se em 1° de setembro de 1892 e suspendeu sua publicação luta contra toda espécie de crise: crise de trabalho, crise de preço, crise de capitais,
em igual data de 1893; durante um ano divulgou 95 números. Muito interessantes crise de fretes, crise de tudo, enfim.
eram a suas notícias de festas, de aniversários, de casamentos, de batizados, de Não fica, porém, o relatório em palavreado ou comentário técnico apenas;
nascimentos; de botadas de engenho, de batismo de embarcações; divulgava lrata-se dos aspectos práticos da lavoura: a criação das safras, com as suas
também preços de açúcar, situação da safra, etc. circunstâncias favoráveis ou negativas, a colheita, os apontamentos, os processos
./ O tema do açúcar - e quando dizemos açúcar estamos referindo-nos a de plantio - "rego" ou "mergulho", os sistemas de trabalho - por empreitada e
todo o complexo que ele representa: o engenho, a cana, a casa-grande, o senhor por conta, os salários, o corte de cana, o uso de instrumentos - a foice, gancho
de engenho, o escravo negro - nunca mereceu maior atenção dos nossos escritores de madeira, machado, enxada que "são os únicos instrumentos com os quais
ou poetas. Não há grandes páginas, ou mesmo coisa medíocre, que se tenham fazemos a cultura da cana". Esta última merece maior atenção do relato que
servido do assunto. Nenhum capítulo como "Massangana" ou que dele se aproxime desenvolve amplas considerações sobre o assunto; sobre o uso de instrumentos
ou o imite. Anão ser estudo de natureza técnica ou econômica. Como os trabalhos agrários, lamentando a ausência do arado.
do Dr. Messias de Gusmão ou do Dr. Francisco Isidoro, por exemplo. Tratando da parte industrial o senhor do Castanha faz uma completa
- Deve-se ao Dr. Messias de Gusmão - Manuel Messias de Gusmão Lira- 1• minuciosa descrição, incluindo a moagem, as caldeiras e sua classifição, a taxa
notável relatório sobre a economia açucareira nas Alagoas <2>. Uma peça llccozimento, o preparo do açúcar bruto ou purgado, a separação das qualidades,
importantíssima, onde aqui e ali, ao lado de substanciosos conceitos técnicos, o rctamc, etc., não esquecendo também os mestres de açúcar. Concluídas estas
WGUSMÃO, Messias de (relator). Relatório da Comissão da Sociedade de Agricultura Alagoana
l'O nsiderações todas sobre a lavoura da cana e a indústria do açúcar, é que começa,
sobre a indústria assucareira de Alagoas. Maceió, 1905. 110 relatório, a ser estudada a cultura açucareíra no Estado.

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São outras tantas e eruditas páginas de considerações e observações colonizadores, não lhe tendo chegado ainda os progressos da cultura 11u.•ca11ira.
interessantes em que o relatório pormenoriza infonnações. Não só o número de Os processos de cultura são os mesmos dos tempos coloniais: a foice, o 11md1:11lo,
engenhos corno o problema de transportes, em particular a utilização da barcaça, a enxada.
são focalizados pelo Dr. Messias de Gusmão; ele também se refere aos negócios, Não esconde também que é desoladora a posição da agricultura peran lt•
às ta.xas comerciais, ao crédito à lavoura, aos estabelecimentos bancários, aos o trabalhador rural, geralmente compondo uma população nômade. ODr. Afonso
impostos, às condições agrológicas, aos fretes, ao custo da produção, à de Mendonça, a esta altura, traça um programa social da vida rural, mostrando-
produtividade nos terrenos, às despesas diversas dos engenhos, à falta de lhe os diversos contornos: a questão da propriedade, os furtos de animais, a
trabalhadores, às diferenças entre zonas açucareiras - a do norte e a do centro-, à tolerância dos crimes, a desorganização geral do trabalho. Epondera que não M
importação de outros gêneros, às crises, à exportação do açúcar, etc. falta de braços, mas desorganizações e indisciplina.
Esta alentada exposição é indiscutivelmente um trabalho fundamental ao Resumindo seu ponto de vista esclarece o Dr. Mendonça: "a nota
estudo da cultura da cana de açúcar na..~ Alagoas. Nele se encontram ricas sugestões dominante da situação cultura de nosso Agricultura é o mais completo atraso
sobre a indústria açucareira, quer a respeito de sua formação orgânica e seus devido à ignorância dos processos da cultura mecânica e de tudo o que diz respeito
processos de execução, quer acerca das causas de seus males e dos remédios à ciência agrícola, e a indisciplina do trabalhador rural, ignorante, preguiçoso,
reclamados para debelá-los. Os elementos e observações reunidos pelo Dr. Messias nômade, enfraquecido, circunstâncias que concorrem poderosamente para o
de Gusmão ainda hoje merecem ser considerados pela extensão de problemas resultado pouco rudimentar da produção".
que abarcou na sua visão da lavoura e da indústria do açúcar nas Alagoas. Na segunda parte do seu valioso estudo o Dr. Afonso de Mendonça mostra
Tanto ele como outro trabalho não menos notável: o do Dr. Afonso de que é pouco lisonjeira a situação das culturas na sua fase industrial.
Mendonça sobre a agricultura alagoana, publicada no Indicador Geral do Particularizando a cultura da cana diz que a sua industrialização tem andado
Estado de Alagoas em 1902G>. Um estudo sobre a agricultura do Estado; estudo mais rápida que a lavoura. Mostra a situação das usinas e dos engenhos. Considera
de alto valor não só científico ou técnico ou cultural, ressaltando em suas páginas indispensável a melhoria das condições da lavoura, de modo a igualmente
modernas concepções do articulista sobre problemas econômicos. Em particular melhorar o rendimento por hectare, ao mesmo tempo que melhore a qualidade
sobre o açúcar. y do produto. Baseando-se no conceito de Leonardo Wray, de que "a verdadeira
Oerudito estudo do Dr. Afonso de Mendonça está dividido em seis partes fábrica do açúcar é o cana\fal", acentua a necessidade de ser melhorada a lavoura.
a saber: Terra e Trabalho; Indústria Agrícola; Cultura rotineira e cultura mecânica, Na parte terceira, dedicada à cultura rotineira e à cultura mecânirn, o
Produção Agrícola e Cultura Intensiva; Estatística e situação comercial; e Situação Autor mostra que as dificuldades financeiras impedem que seja dado maior
Econômica e Financeira. Em cada uma dessas partes demonstrou o Autor o impulso à mecanização da lavoura, mesmo porque faltam meios indispensáveis
valor de seus conhecimentos e a segurança de sua cultura, realmente profundOI à aquisição da instrução técnica. Indica a urgência da mecanização da cultura,
aqueles, e vasta esta. dizendo caber importante papel, a este respeito, ao Estado, pois a cslc
Tratando da cultura agrícola nas Alagoas, acentua que a nossa agticutu primordialmente deve cumprir desenvolver os melhoramentos reclamados pelas
ainda usava, naqueles tempos, as mesmas vestes que lhe legaram os prlmltiv forças econômicas.
"A criação de um Instituto Agronômico - diz o Dr. Afonso de Mendonça
tn MENDONÇA, Afonso de. Agricultura. ln: COSTA, Craveiro & CABRAi., Torquaro (org.) Jndica - de campos de experiência e demonstração, com uma organização cuidadosa
geral do Estado de Alagoas. Maceió, 1902.

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e fora da exploração política, a difusão do ensino agrícola nas escolas, deverá cercando-a de garantias, proporcionando-lhe o crédito que reclama, atrnindo ;t
ser 0 primeiro passo11 • Não era sem razão que o ilustre economista indicava estes rnnfiança do capital.
elementos como fundamentais; ainda hoje, indiscutivelmente, o são. I O consubstancioso estudo do Dr. Afonso de Mendonça, que é s<'llt
Nos estabelecimentos o lavrador se habilitará não só quanto às condições constestação, um dos mais equilibrados e perfeitos trabalhos sobre a economia
técnicas de plantio como ainda quanto à mecanização; além disso poderá, pelo alagoana, merece ser lido por quantos queiram ter uma visão completa e um
estudo, compreender um dos aspectos fundamentais da lavoura: o de que as panorama perfeito da vida agrícola das Alagoas. Ele retrata bem a cultura de
condições de terreno, de clima, de meio, diversificam a cultura. '"&eu autor, uma das mais altas e mais sérias aparecidas nos meios agrícolas do
Propugna, assim, pela implantação de métodos mecânicos, sob Estado.
orientação do governo. Isto permitiria a ampliação das possibilidades da lavoura, ~ Também o Dr. Francisco Isidoro Rodrigues da Costa é nome a se inscrever
acompanhando o incremento da industrialização. entre os que cuidaram do tema açúcar. Coube-lhe secretariar a Revista Agrícola,
Na quarta parte o estudo focaliza o problema da carestia da cultura onde escreveu interessantes trabalhos; também se lhe deve a coordenação dos
agrícola, para mostrar, na parte seguinte, a quinta, que à deficiência de dados pontos de vista alagoanos sobre o problema açucareiro, reunidos para debate no
estatísticos não se pode fazer uma determinação precisa da situação agrícola do Congresso Agrícola de 1905<~> rl
Estado. Critica os que desprezam as estatísticas, e mostra que as administrações O trabalho compreende duas partes: a primeira é uma síntese do que
julgaram dispensável e supérflua a organização de quadros estatísticos, como tem alcançado a lavoura alagoana, bem assim dos meios empregados pela
vinham sendo levantados e preparados pela Recebedoria Central. Sociedade de Agricultura para feliz êxito das medidas necessárias, em particular
Faltam elementos para um cálculo melhor da exportação. Todavia, pelos na aplicação das conclusões aprovadas pela Confederação açucareira da Bahia,
dados reunidos, o autor refere-se ao açúcar para afirmar que o melhor produzido, cm 1902; a segunda reuniria informações e estatísticas sobre a indústria
no Estado, é o fabricado nos municípios do norte, cujas marcas são em grande açucareira no Estado, mas - como é explicado no fim do folheto - não foi possível
proporção exportadas para o Recife, donde a exportação se faz como de serem impressos os quadros de estatística: produção, exportação, preços, etc.,
procedência pernambucana para os mercados consumidores do país, nos quais Inclui, porém, onze itens ou sugestões apresentadas pelo autor à Segunda
o açúcar das Alagoas goza injustamente de uma cotação inferior ao de Conferência Açucareira no Recife.
Pernambuco. Balanceando as realizações em prol da lavoura da cana, acentua o autor
Tratando, no último capítulo, da situação econômica e financeira, diz: que se a situação não é lisonjeira, contudo não é desesperadora ou aflitiva; e isto
precária e desanimadora é a posição de nossa Agricultura perante os três graças aos agricultores e amigos da lavoura que se congregam e trabalham, não
instrumentos de produção: "terra, trabalho ecapital". Eacrescenta: "Se o primeiro poupando esforços nem sacrifícios, em benefício da causa da agricultura regional.
temo-lo de primeira ordem, o segundo é mau por sistema e por organização, e o Oinventário salienta também o que vem fazendo a Sociedade de Agricultura
terceiro é deficiente e caro". Alagoana.
Entre os elementos que concorrem para agravar dia a dia a situação da Adescrição ou inventário, nomedadopeloAutoraoseu trabalho, informa
agricultura, inclui o sistema tributário que afeta profundamente as relações entr8 oque se está realizando nas Alagoas, na aplicação das conclusões da Conferência
o trabalho e o capital, e a deficiência de capitais, de que a agricultura alagoana:
não dispõe. Econclui dizendo ser necessário tornar a agricultura remuneradora. (~>COSTA,Fmncisco Izidoro Rodrigues. Conferência assucareira. Informações e cstat(stlcas sobre a
indústria assucareira no Estado de Alagoas. Maceió, 1905.

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Açucareira da Bahia. focaliza, assim, aspectos referentes aos mais diversos ~forte, reunido no Recife em 1878. Esta memória, interessante e valios~1 sohn• :1
assuntos: aos impostos interestaduais, às escolas de agricultura e campos de l'Conomia alagoana, aborda cm todos os seus aspectos as condições cconôi 1mas
experiência, aos empréstimos à lavoura, e ao crédito agrícola, inclusive as <la então província; fixa seus sinais mais característicos e acentua os contornos
tentativas para instalação de um banco de crédito agrícola, aos sindicatos ou mais nítidos de sua evoluçãom.
cooperativas agrícolas, à necessidade de estabelecimento de warrants e de A memória faz uma análise circunstanciada dos diversos aspectos
empresas de armazéns gerais, à organização do trabalho e polícia rural, l l'Conômicos das Alagoas, destjtcando, inicialmente, o papel exercido pela
devastação das matas, a respeito de que informa que "nada se tem feito até "l,tgricultura em que assenta a base da riqueza pública e particular da então da
hoje", porque " não foi ainda organizada uma lei que vedasse a derrubada das então província. Salienta as condições da natureza alagoana, lembrando a
matas que continuam a ser estragadas pelo machado e fogo", à estatística agrícola, importância dos rios na economia das Alagoas.
às estradas municipais, à seleção de canas, etc. Acompanhando sua dissertação de dados estatísticos, apresenta quadros
Ominucioso relatório que acrescenta ainda informações acerca de freteS cm que se evidencia a preponderância do açúcar e do algodão como os dois
marítimos e terrestres, prêmios de estímulos, citando o decreto nº 324, de 21 de principais produtos provinciais. Refere-se também às rendas públicas e ao
janeiro de 1905, que concedeu diversos favores à lavoura do Estado e subvenções, comércio, exportação e importação.
permite que se tenha um bom panorama da cultura da cana de açúcar nas Vai a memória desenvolvendo com objetividade os diferentes pormenores
Alagoas, nos primeiros anos do século XX; oferece um conhecimento amplo do panorama econômico das Alagoas, tais como a criação de indústrias, o
seus diversos problemas, das realizações já verificadas, do que se pretende realizar. desenvolvimento do crédito, a introdução de sementes selecionadas, etc. E
No rol das sugestões à Segunda Conferência Açucareira, o Dr. Francisco 1>ondera que os habitantes das Alagoas ainda não tentaram apenas aquilo que as
Isidoro lembra como medidas aconselháveis, entre outras, a organização suas forças não permitem, contando para isso com a colaboração dos poderes
trabalho por meios de leis garantidoras da propriedade e do operariado, provinciais e municipais, apesar de viverem estes "sob o jugo férreo da
supressão do imposto de exportação o açúcar ou, na impossibilidade da supressão centralização".
a sua redução ao mínimo, a organização do Código Rural ou Florestal, a dífus Entre as necessidades reclamadas para a economia regional aponta ainda
do ensino agrícola, a criação de um Ministério da Agricultura, etc. Algumas idéi o Autor a existência de capitais ao lado de outras medidas que beneficiaram o
já hoje realizadas; outras em franco caminho de realização. aumento da produção: leis agrárias que regulem as relações entre os grandes e
Agrande virtude do trabalho do Dr. Francisco Isidoro era não lhe faltar pequenos lavradores; leis que regulem, facilitem e tornem obrigatório o trabalho
senso necessário para reconhecer a ausência de certas iniciativas ou er do homem livre; criação de bancos; instrução profissional elementar e superior,
cometidos. Isto lhe permite examinar os diversos assuntos com absolu técnica e prática; melhoramentos no cultivo da terra, plantio e colheita;
autoridade, e além do mais com elevado critério técnico. Era, realmente, m regularidade do sistema de viação terrestre, férrea ou de rodagem, e fluvial ou
do ponto de vista técnico e prático que o Dr. Francisco Isidoro focalizava marítima; prevenções contra as secas periódicas; regular a distribuição dos
questões ligadas à vida da agricultura açucareira do Estado. tributos; criação de associações nos locais agrícolas e comerciais; alarganwnto e
Anterior a estes estudos, relatórios ou memórias, é o substanci garantia das prerrogativas e autoridades provinciais e municipais.
trabalho que, como representante do Comício Agrícola do Quitunde eJetituba,
111
Dr. Manuel Baltazar Pereira Diégues Júnior apresentou ao Congresso Agrícola DIÉGUES JÚNIOR, Manuel Baltazar Pereira. Memória apresentada ao Congresso Agrícola <lo Rrdíe.
ln. lrabalhos do Congresso Agrícola do Recife: out. 1878 Recife, 1879

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São temas, todos estes, de elevada importância, alguns deles ainda h cc onômicas regionais na época, alinhando, em abono de sua afirmação,
oportunos. Arespeito de cada um o Autor da memória vai expondo comentáriot hlll•ressantes e valiosas informações.
em face da situação das Alagoas. Na parte relativa à instrução desdobra estes Moreno Brandão, nos trabalhos citados, como igualmente sucedeu com
comentários para fazer algumas afirmativas, hoje incluídas nas modernas 1~pf ndola - Tomaz do Bonfim Espíndola - na parte histórica de sua obra
tendências do ensino, em particular quanto à adaptação das escolas às localidades, f1111damenta1<8>, deteve-se na apreciação dos fatos políticos e acontecimentos
isto é, a escola regional. "O ensino primário deve ser geral, mas útil, prático e militares. É certo que Espíndola arrolou magníficas e múltiplas informações
não abstrato; se a escola é da cidade, o ensino seja inclinado ao comércio e à ~obre Alagoas, constituindo seu livro obra indispensável ao estudo da história e
letras; se a escola é do campo, o ensino seja inclinado à agricultura e il.t geografia alagoana, em que pesem algumas falhas de que a mesma se ressente.
conhecimentos conexos" - afirma. Na síntese que escreveu acerca da história alagoana<9>, Manuel Baltazar
Trata a seguir dos problemas de transporte na Província, onde eles são l'l~reira Diégues também se deteve na apreciação dos fatos econômicos. Trata-se,
não somente deficientes como ainda caros, ajuntando informações e dados 11llás, de um magnífico resumo, cujo título bem lhe corresponde; é uma notícia
estatísticos. Conclui afinal expondo a necessidade de reuniões como a do pequena, porém utilíssima, em que são Indicados, nos seus pontos fundamentais,
Congresso, que visem a criar elementos prestigiosos e fortes, capazes de pedir ao 11S rumos da evolução alagoana; a marcha da sua história enquadrada nas
governo com força e autoridade aquilo que a Província, ou em particluar a lavoura, rondições políticas, econômicas e sociais que a determinaram ou influenciaram.
necessita. Nfto só pela síntese feita senão ainda pelo plano adotado, é excelente resumo
Tendo sido a cana de açúcar o motivo econômico da colonização, não histórico sobre Alagoas, apenas carecendo ser modernizado e ampliado nos seus
poderia ser esquecida no estudo da história regional. É que a cana est' 1iontos essenciais.
intimamente ligada à vida alagoana, não se separando uma da outra. É certo Outros estudiosos também tratam do açúcar. Entre os mais novos,
que nem assim se tem compreendido, tanto que a alguns cronistas pouco relew podemos lembrar, por exemplo, Humberto Bastos, que estudou a evolução do
mereceram os aspectos econômicos regionais. .1çúcar nas suas relações com o conjunto econômico e a vida político-social do
Ao contrário de Moreno Brandão, substancioso historiador alagoano, l!stado<10>. Neste trabalho, também dedicado à análise da contribuição de outro
que nada referiu sobre a economia regional<6), Craveiro Costa, estudando a história produto de importância na economia regional - o algodão - o A. demorou-se
das Alagoas, reservou um capítulo à evolução econômicam. Nesta parte estudou, cm apreciar os diversos aspectos, uns de natureza histórica, outros de origem
se bem que em linhas gerais como comportava o conjunto do seu trabalho, os geográfica, outros ainda de fundo econômico, que ressaltam a posição do açúcar
diversos aspectos da economia alagoana, a começar do plantio da cana de açúcar. na estrutura alagoana.
No decorrer do livro, aqui e ali, Craveiro Costa também se referiu aos Aum estudioso dos problemas econômicos regionais, nome que avançou
fenômenos econômicos, pondo-os no devido relevo; em particular no capítulo além dos limites territorias de sua terra, deve-se interessante trabalho sobre o
sobre a emancipação política das Alagoas, frisou a influência das condições
1•l1JSPÍNDOLA, Thomaz do Bonfim. Geographla alagoana (...) 2. ed. Maceió, 1871.
c61 BRANDÃO,Moreno. História de Alagoas, Penedo, 1909; - . Esboço da História de Alagoas. ln: O mo1ÉGUES JÚNIOR, Manuel Balthasar Pereira Diégues júnior. Notícia histórica. ln. COSTA, Craveiro &
centenário da emancipa~ão de Alagoas. Maceió, Instituto Archeologico e Geográphlco Alagoano, CABR.\L, Torquato. (org.) Indicador geral do Estado de Alagoas. Maceió, 1902 e transcrilo por
1919. Adalberto Marroquim, em Terra das Alagoas, Roma, 1922.
cncosTA, Craveiro. História das Alagoas (...) São Paulo, 1929. OtlBASTOS, Humberto. Assucar a algodão. Maceió, 1938.

248 249
bangüê na formação econômica das Alagoas. Trata-se de Barreto Falcão, estatístico Também com valioso contigente de elementos estatísticos é o li\ ro cm
e economista. que preparou interessante monografia acerca do bangüê, quando que Craveiro Costa reuniu informações históricas geográficas econõmins, "ocials
da realização do Iº Congresso dos Bangüezeiros e Fornecedores de Cana 0 1>. e demográficas sobre Alagoas 02>. Nas suas páginas encontram-se preciosos
Depois de fazer um restrospecto histórico do bangüê, nas Alagoas, Barreto elementos sobre o açúcar e sua participação na cidade regional. Ao tratar de
Falcão analisa estatisticamente a posição do engenho na vida regional. Situa-a cada um dos produtos alagoanos, Craveiro Costa abre a lista com o açúcar, em
no seu exato sentido, utilizando estatísticas sem abuso de números, mas cm cuja apreciação se detém, através de 16 páginas, dando-nos uma síntese histórica
condições adequadas. 1ta indústria açucareira; desce a aspectos técnicos da produção; alude a fatos
Sendo este trabalho escrito como conferência, nem por isso nele se históricos; refere-se à técnica empregada desde o plantio à colheita, e ao
encontram frases de efeitos oratórios. E desenvolve seu estudo abordando os desenvolvimento industrial - do bangüê à usina. Em outras oportunidades volta
pontos essenciais da influência do engenho na vida alagoana. "Não fosse o a focalizar a importância do açúcar na vida alagoana.
"fenômeno açúcar" - diz Barreto Falcão-sem dúvida as coisas da nossa história Alagoas em 1931 é uma fonte preciosa para conhecimento~das Alagoas
hoje estariam contadas de maneira diferente". nos seus diversos aspectos. Esclarecido e culto, orientado pelos melhores métodos
Acentuando o aspecto da influência do engenho no desenvolvimento de pesquisa e interpretação, Craveiro Costa soube imprimir a este seu trabalho
das capitanias, passa a analisar as diversas fases do ciclo açucareiro nas Alagoas, um caráter informativo não só útil senão ainda ilustrativo. Daí encontrarem-se
mostrando como se deu a nossa expansão demográfica, graças ao bangüê, cujo em suas páginas subsídios importantes para conhecimento do passado e do
predomínio se faz na formação da riqueza regional. Outro ponto também presente da economia das Alagoas, em especial do açúcar.
abordado é o que se refere ao aparecimento de outros produtos, que apesar de Os motivos regionais não conseguiram atrair a inspiração dos poetas
surgirem às vezes com alguma força - como no caso do algodão - não mataram algoanos. Falamos dos poetas maiores; dos de antologia, dos já imortais, dos
o açúcar. nomes ilustres. Nenhum desceu das suas torres de marfim da inspiração para
Por fim, passa a analisar a luta entre a usina e o engenho, consideran cantar um engenho; para se embriagar no cheiro do mel-de-furo; ou para
aquela "algoz do bangüê". Evidencia que apesar da expansão da usina, o ban · encontrar lirismo na vida rural.
resistiu, continuando a ser sustentáculo dos orçamentos pela sua contribuiç Se excetuarmos Ciridião Durval, mais imortalizado por um patético
para as rendas públicas. Conclui mostrando que o bangüê pode resistir à "mo soneto sobre o amor matemo em que aparece uma Isaura, "a mais cruel de
brusca" com que foi ameaçado, aperfeiçoando e melhorando suas condiç todas as perdidas", a querer o coração de mãe de Fausto, o "mísero rapaz", do
sem ceder à usina seus direitos de vida. Direitos que beneficiam sobretudo que pelo seu longo e monótono poema sobre a terra alagoana, pouco, ou quase
classes pobres, pois "o açúcar bruto é o açúcar do pobre". nada, há a registrar. No seu canto sobre as Alagoas, Ciridião descreve as cidades,
Otrabalho de Barreto Falcão, na síntese de suas afinnativas e na evldênc as vilas, as localidades das Alagoas; também os rios, as montanhas, a Paulo
de fatos que a análise estatística demonstra, fica como uma das contribuiÇ Afonso, "feroz urso de pedra".
sem dúvida, fundamental para o conhecimento da participação do bangüê Mas infelizmente a musa que Ciridião Durval evocou para ajudá-lo a
vida alagoana; e não só na sua economia. tanger na sua lira "doces trenos de amor puro e sincero", não levou o poeta

mlfALC'ÃO, Pedro Uarreto. O bangüê na economia de Alagoas, Maceió, 1937. "l)COSTA, Craveiro. Alagoas em 1931. Maceió, 1932.

250 251
Jorge de Lima tem sabido utilizar sua força lírica e a sua inspiraçao para
alagoano a se deter muito no bucolismo da paisagem dos canaviais. Passou c·vocar o engenho, os canaviais, as casas-grandes; são coisas que na sua p1H·sl:t
ele sem pousar a sua imaginação; não deu confiança nem mesmo ao ambiente ~e encontram, é certo que, algumas vezes, quase corno fundo de pal11d. l'.111
rural da sua Tatuamunha, a respeito de onde só se fala restritamente do ponto;
''Essa nega fulô" conta urna história que é bem típica do engenho; e aí narra a
onde "se embalou o infantil berço";
rena passada com urna negra escrava "no bangüê dum meu avô".
Do mais celebrado poeta alagoano, Guimarães Passos, nada ficou que Também em "Madorna de láia'', incluído nos Poemas Negros, se
ao menos de leve, lembre a terra natal. Celebrizou-se como o soneto "O te
'\encontra lembrança do "cheiro de mel da casa das caldeiras", se já não bastasse
lenço", que há alguns anos passados era de inclusão obrigatória em todos OI
aquela preguiça molenga, dengosa, bem proporcionada por urna rede armada
serões sociais alagoanos; nenhuma senhorita o desconhecia, nem deixava
l'ln varanda de casa-grande.
dizê-lo, muitas vezes ao som da Dalila. Infelizmente, de Guimarães Passos, n
Em jorge de Lima encontrou Gilberto Freyre "um dos maiores poetas
mesmo "A casa branca da serra" pudemos identificar como localizada nas Alagoas.
brasileiros de todos os tempos" 03l; mas não somente o poeta evocou os engenhos
mas, ao que parece, situada bem longe dela.
João Coelho Cavalcanti, o "Barafunda", filho de senhor de engenho e em alagoanos, pois o romancista, que igualmente há nele, também o fez. Em
Calunga, por exemplo, há muito cenário, muita cena, muito aspecto de engenho.
engenho criado, preferiu cantar ocoqueiro da Pajuçara; bem poderia ter recordado
Outra grande expresssão lírica da poesia alagoana, talvez mesmo o seu
os pau-d'arco, as jaqueiras, as mangueiras, e igualmente os canaviais, a casa-
grande, a capelinha, a senzala do Quitunde, do seu engenho. Um belo, imenso. maior poeta, Correia de Oliveira, não se deíxou embeber nas sugestões do mundo
rural. Recolhendo-se a urna fazenda de União, a Caípe, num meio onde os
antigo coqueiro da Pajuçara atraiu-lhe a inspiração, e ei-lo a perpertrar um soneto
vendo no coqueiro a "estátua colossal de um velho deus pagão". Também o Sr. canaviais cresciam e safrejavam abundantemente, nada do ambíente inspirou o
Tito de Barros é dono de um soneto sobre o coqueiro; creio, porém, não ser o poeta. Deixou-nos, entretanto, algumas poesias de bela expressão, inclusive um
mesmo coqueiro que inspirou o "Barafunda". Toda a praia das Alagoas é um soneto, que, embora não se tendo popularizado, é uma das páginas mais cheias
extenso coqueiral. ele lirismo e perfeição poética na histó1ia da poesia nas Alagoas: "Carta Aberta",
De geração mais nova, embora não o seja mais atualmente, talvea quatorze versos que contam encantadoramenrte a história de um amor não
somente Jorge de Lima, na sua fase modernista, se tenha lembrado dos bangütl correspondido, aliás ao que parece, o do próprio poeta que por isso mesmo se
alagoanos. Foi o período de volta ao passado, de busca das tradições, que SI refugiou na sua fazenda Caípe.
manifestou então não na poesia moderna, aí por volta de 1927-30. EJorge de Onde os motivos de engenho inspiraram poetas nem sempre grandes
Lima, num de seus poemas, recorda a morte que vão sofrendo os bangüês ti poetas, mas bons amantes da terra natal, foi em Viçosa; lá os engenhos têm
mãos de polvo da usina: merecido a inspiração de seus poetas, principalmente de gente mais nova. No
centenário da criação da vila, o álbum cornernorativo04) inseriu nada menos
"Ah! usina, você enguliu os bangüezinhos do país das Alagoas!" de três poesias, duas delas modernas (o modernismo estava então em pleno
assanhamento), e outra um soneto. Assinaram-nas pseudônimos, um deles logo
Neste "Bangüê", que é o título do poema, mostra Jorge de Lima
diferenças entre o bangüê e a usina, como unidades ecnômico-socialt '"' FREYRE, Gilberto. Prefácio aos Poemas negros, de Jorge de Lima. 1\s poesias citadllS dl' jl)rgc de
Lima de são tiradas deste livro e dos Poemas escolhidos(...) Rio de janeiro, 1932.
exclamando a certa altura: "O meu bangüezinho era tão diferente" ... E termt 111>ÁL.BUM do centenário de Viçosa(. .. ), Viçosa, 1931.
numa evocação quase dramática: "Bangüê! Ouve a voz de quem te chama".
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ltlcntificado; outro facilmente conhecido; o terceiro não pesquisei ainda o 110111c
próprio do dono.
Osório de Olivares, que não é outro senão josé Aloísio Vilela, folclorist:t
1los mais autorizados nas Alagoas, conhecedor como nenhum outro dos segredos
do coco, das danças populares, dos folguedos tradicionais alagoanos, assina o
Noneto "Evocação". Ea evocação é do engenho Boa Sorte, evocação de sua antiga
'(asa-grande, de que só restam ruínas. Ouçamos, na poesia de Osório de Olivares,
11 lembrança da fundação do engenho Boa sorte, um dos mais antigos de Viçosa:

"Numa paz comovente e patriarcal,


Bem ali ao pé daquela capoeira,
É que se erguia a casa colonial
Do português José Martins Ferreira.
Mais adiante o alambique, a bolandeira,
A senzala dos negros e do curral.
Finalmente, o engenho, a bagaceira,
Quase rente do grande canavial.
Eevoco toda glória que passou,
Todo trabalho insano, nobre, ousado,
Do legendário avô do meu avô!
Efico a imaginar o tipo forte
Do grande bandeirante denodado,
Do heróico fundador do "Boa Sorte".

Théo Brandão, também ilustre e erudito folclorista, escreveu um poema


moderno sobre o mesmo engenho Boa Sorte, de que foi proprietário um se~
Des~rr_ibargador José de Medonça Matos Moreira, Ouvidor Geral da Comarca e senhor
avô. Neste poema, de linhas modernas, conforme as tendências literárias que
de vanos engenhos no norte daAlaogoas. então (1931) caracterizaram as atividades do seu autor, o que o levou de certo
aos trabalhos folclóricos, Théo Brandão, sob o pseudônimo de joão Guadalajara,
evoca assim o velho bangüê viçosense:

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"Engenho Boa So1te! No teu bueiro de tijolo.
Que sorte ruim a tua, Ah! meu engenho de cana das terras do Norte!
Meu engenho de cana! Que sorte ruim a tua
Como estás tão velho, tão paralítico Engenho Boa Sorte!. ..
Tão abandonado,
Engenho Boa Sorte! Por último, Cortês Moderno relembra a figura do mestre de açúcar num
Nunca mais eu ouvi o teu apito alegre, poema sob o título "Boca de Fornalha". Nesta poesia há uma rápida descrição do
Nunca mais eu vi as tuas moendas rodarem, ~trabalho de fornalha nos engenhos. E quando o mestre de açúcar chama o
Nunca mais eu vi o bagaço arder no meio da fornalha ... fornalheiro este acode prestes:
Ah! Cadê as canas verdes, "O Mestre, porém, não está contente,
Cana fita, Sombrio, vai de um canto a outro
Cana crioula, Da casa da Caldeira.
Cana demerara, Dá uma ordem seca ao caldereiro,
Que tu chupavas nos dentes das moendas? Muda um cobre do gancho,
E cadê o seu sangue, Ajuda o caldeirote,
Esse caldo esverdeado que corria nas bicas de pau? Toma da espumadeira
Cadê este mel quente Evolta a chamar, irritado: eh!
Fervendo, cozinhando, OFornalheiro atende; aborrecido: eh!
Nas tachas de cobre de assentamento? - Balança fogo, balança o fogo p'ra caldeira!"
Cadê tua vida, Engenho Boa Sorte?
Cadê a bagaceira que desapareceu? Quem, porém, se deteve, aí por volta de 1922, na lembrança saudosa do
Os cambiteiros que traziam a cana, engenho Barro Branco, também de Viçosa, de onde procedem seus antepassados,
Os caldereiros remexendo o caldo, foi o já então notável líder comunista Otávio Brandão. Em cinco quadra<;, de
Ofornalheiro, o mestre de açúcar,
Omaquinista, o homem da moenda, rimas perfeitas e métrica suave, Otávio Brandão despiu-se de sua cultura
Cadê tudo isso? marxista, de suas qualidades de líder político, para recordar o velho engenho de
Ah! hoje apenas és uma carcassa velha... seus antepassados; engenho de onde saiu sua mãe. Éesta a poesia que não nos
Foi a Usina que te assassinou ... furtamos de transcrever para que se não perca esta passagem lírica na vida de
Foi a Usina que estendeu os braços das estradas Otávio Brandão, a cuja cultura, a cuja visão político-sociológica se deve um
De ferro. substancioso livro sobre as lagoas alagoanas: Canais e Lagoas. Opoema tem o
E encheu as mãos dos seus vagões gulosos título de "Saudades" e subtítulo de "Engenho Barro Branco". Leiamos:
Com a cana verde que era o teu sustento! ...
Ao redor de ti, "Como te amo solar de lindas ilusões
Onde, na parte da morte, os meus antepassados
Otapete brando da bagaceira, Enclausuram vivaz nos corações gelados
Nem a fumaça azulada que tu fumavas Operfume sem par das mortas _gerações.

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Dormem no açude verde os brancos nenúfares, Emoldurado por um muro alvíssimo,
Canta na várzea alegre o palmeira! esguio Que surge altivo de virente alfombra,
E exaltam-se ondulando em cheio pelos ares Uma alameda de frondentes árvores
Do vaqueiro o aboiado e da cigarra o chio. Soberba orla-o, espargindo sombra.
Ultrapassemos o segundo pórtico,
Airmã querida abre a janela. ó que paisagem! Que já eleva num terreno liso;
Olha a mata, a capoeira, o paul Mas, não; aqui nos paralisa o êxtasis,
E travessa o pomar de trêmula folhagem Nos orla os lábios infantil sorriso.
Em direção à forma onde dorme a água azul. Que aparatoso e opulentado âmbito!
Oh! Como tudo acorda-se formoso!
Por aqui já viveu minha mão carinhosa, Vergel florido ostenta-se prismático
Foi plantado o arvoredo, amplo e sombrio estuário, E o ambiente exala-se cheiroso.
O jambeiro, a pitanga, o jasmineiro, a rosa,
Pela bondade heril do meu avô lendário. As trepadeiras vicejando harmônicas
Junto do meu pau d'arco esguio e louro, Ali conchegam-se a formar caprichos;
Das raras débeis se enlaçando artísticas
Palpita a excelsa gloria exul dos pindobais, Surgem quiosques, c'ramanchéis e nichos.
Ecanta no planger das aracuãs em coro
Aalma verde e viril dos virgens canaviais ... " Sob estes verdes textos umbrifercs,
À hora langue de calmosa sesta,
E foi só o que a poesia alagoana trouxe dos engenhos; neste rol, devemos Ou quando à tarde as nuvens do crepúsculo
incluir também um longo poema improvisado no Buenos Aires, durante um Em nós despertam a saudade nesta;
dos entretenimentos oferecidos ao Presidente da Província, Dr. José BentoJúnior, Ou quando a lua se desliza argêntea
quando de sua visita ao norte das Alagoas. Improvisou-o o Dr. José Inácio de Num céu ccrúleo; sermos dois amantes,
Albuquerque Xavier; publicou-o na íntegra o Diário das Alagoas (21 de maio Sentindo os raios de uns olhares flácidos
de 1869), incluído na crônica que sobre a viagem escreveu um jornalista sob A se infiltrarem tão suavisantes! ...
as iniciais de O. F. de A. G. Como curioso documento da literatura de então, aqui
vai a poesia, toda ela uma descrição do ambiente proporcionado pelo engenho Silêncio! Além campeia um habitáculo
- Encantador acervo de elegâncias; -
Buenos Aires, propriedade da família Mendonça: Bafeja-o sempre aragem odorífera,
Cetíneas flores prestam-lhe fragãncias.
"Buenos Aires! Esplendente Elíseo!
Imagem viva de virgíneo sonho! Aqui branqueia o vulto de uma estátua
Realidade, que se crê fantástica! Por entre os ramos de mimoso arbusto;
Eden sublime, enlevador, risonho! Esguicha ali o chafariz de mármore,
Humente a planta e o arvoredo adusto.

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Naquelas ilhas um pomar simétrico Foi o prelúdio de saudoso cântico,
Ostenta frutos de tão belas cores! A voz pipila tão suave e flébil!
Formosos bandos de canoros pássaros
Nos ramos poisam, descantando amores. Depois as teclas do piano trêmulas,
Acordam notas mais aceleradas,
Deste retiro embelecido e término E as melodias sob os dedos mágicos
Merece encômios, atenção profunda; Da pianista são aveludadas.
Que dois alvergues brilham tão idênticos?
Apoesia santa o peito inunda. Sorrisos meigos e palestra estética
E amenos brincos formam-lhe intervalos.
Pertence um lado às abluções ascéticas, Eu silencio. É minha voz exânime.
Se encontra nele o emblema da candura; Enleios tais por que rememorá-los?
Pertence o outro às abluções corpóreas;
Na pedra jorra a límpida frescura. Buenos Aires! Asaudade \~vida
Lancina a quem tu dispensaste afagos.
É noite. Um grupo se dispersa ávido Jamais as nuvens tormentosas, túrbidas
De aroma e brisa no pomar silente; Enoitar possam teus encantos magos!
Dos ramos luzes pendem. Que espetáculo!
Aluz é fruto, é íris transparente. A poesia é toda uma evocação do engenho, da casa-grande, das
festividades em homenagem ao Presidente, dos passeios, da iluminação, das
Se animam todos e uma voz poética noites alegres de música e canto.
Às vezes se ouve, semelhando um canto Se na literatura ainda aparecem estas manifestações, não as encontramos
Os sons vibrantes de longíqua música tão fecundas e constantes em outras artes. Estas tiveram menos interesse pelos
Aumentam mais ainda aquele encanto. motivos regionais. Ocaso da pintura, por exemplo. Veremos que raro foi o tema
Se eu distancio-me e subindo ao átrio regional a merecer a atenção dos nossos artistas.
Oenrubescido pavilhão contemplo; Rosalvo Ribeiro, o maior pintor alagoano, um dos maiores do Nordeste
As suas luzes, que cintilam múltiplas e do Brasil, não se seduziu pela paisagem regional - nem a ffsica, nem a cultura,
Clarões semelham de festivo templo. nem a humana. Seus olhos se encheram do mundo europeu, particularmente
do mundo francês. Nunca se acostumaram às claridades, às cores vibrantes da
Retrocedamos para a sala esplêndida, natureza alagoana. Amorteceram-se nos meios tons, nos cinzentos da Europa.
Os cristais estão formando prismas: Não há, na obra de pintor de Rosalvo Ribeiro., nenhum trabalho de fôlego
Entrar ousemos. Eu penetro tímido sobre o assunto alagoano. Seus grandes quadros, seus trabalhos célebres, são de
No santuário de inefáveis cismas. ambiente europeu, em especial assunto de guerra. Da guerra franco-prussiana
Uma cascata de harmonia estrídula colheu muito material. E suas telas notáveis são justamente as de natureza
Irrompe, e em breve já se ausculta débil; militar: "La charge 11, "La Soumission"; 11Asentinela perdida11 ; 110 tambor11 •

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Deixou, é certo, alguns pequenos quadros, quase esboços, simples de Gusmão, tendo em engenho vivido e sendo ainda hoje um cncanlatlo pelo
desenhos, sobre trechos da praia de Pajuçara, e talvez mais nada. Amaioria dos engenho d'água, pelo cheiro do mel, pelo gosto do caldo de cana, o desemb;trg.1dor
pintores alagoanos, de modo geral, seguiu-lhe o exemplo. Poucos fixaram em Carlos de Gusmão deu à sua casa o tipo de casa de engenho, não casa-gr:u1llt•1
tela a paisagem alagoana.Tanto Virgt1io Maurício, de estilo puramente acadêmico, mas casa de engenho, com pequenas alterações, feitas posteriormente.
como Carlos Leão, nada apresentam de notável como tema regional. Outros derramamentos literários sobre engenhos se encontram,
De outros pintores quase se pode dizer o mesmo. Miriam Lima tentou esparsamente, em crônicas de jornais; algumas dedicadas especialmente a
apanhar alguns temas alagoanos, e o fez com bom resultado: a cena de descascar passeios ou visitas em engenho têm excelente material informativo, outras têm
coco, outra de amolar a foice para ocorte da lenha ou do coco, etc. "Descascando apenas expansões de gosto literário, nem sempre, porém, de bom gosto.
coco" e "A doceira" são dois dos seus quadros de natureza regional. Destas expansões recolheu grande parte o Diário das Alagoas, ora ao
Foi mais além José Paulino. Este se tem dirigido particularmente para descrever viagens de presidentes da Província a regiões alagoanas, ora a publicar
os assuntos da paisagem alagoana. Nascido em engenho, descendendo dos crônicas acerca de passeios ou viagem a engenhos. Éaí que se encontran1 alguns
primeiros Lins e dos primeiros Albuquerques, seduziu-o a vida rural. Seus olhos subsídios interessantes relativamente a aspectos da vida rural do século XIX, nas
sentiram a importância dos panoramas bucólicos; dos aspectos de engenho. O Alagoas; subsídios que permitem um conhecimento não só de certas
engenho, realmente, aparece entre os temas de sua predileção, que são dirigidos particularidades, mas de toda a região visitada.
para as paisagens: praias, coqueirais, matas, etc. Devido à pena de um Pires de Freitas são três crônicas que o Diário
Entre os quadros deJosé Paulino acham-se telas sobre engenhos: um aspecto das Alagoas publicou, em 7 de setembro de 1860 sob o título "Viagem ao engenho
do engenho Mato Grosso, onde, creio, nasceu o pintor; outro, de engenho d'água Santa Clara, sua instituição". OAutor descreve a viagem, a chegada e recepção
com a roda moenda; outro, uma cena em engenho, vendo-se o cercado e árvores; e no engenho, a festa inaugural com a "botada". Carecem estas crônicas de maior
pouca coisa mais. Deveria esperar-se muito mais coisa, de natureza regional e da interesse informativo.
paisagem dos engenhos alagoanos, da parte de José Paulino; desde criança sentindo Igualmente, nas páginas do Diário das Alagoas apareceu, no número
o cheiro do mel-de-furo, trazendo no sangue a ascendência de bons senhores de 248, de 26 de outubro de 1860, uma "Descrição de viagem ao engenho Salfado11 ,
engenho, sabendo econhecendo coisas interessantíssimas da vida do bangüê alagoano, sob as iniciais P. J. V. C. M. Não é diffcil a identificação do autor, principalmente
o pintor bem poderia voltar-se para os temas de engenho; das casas-grandes, das por alegar sua qualidade de sacerdote que ia batizar uma filha do senhor de
casas de engenho, da bagaceira, das moendas, das senzalas, etc. engenho. Trata-se do padre Jonas V. Cursino de Macedo, cujo nome, aliás, esteve
Ficaram nestas as manifestações artísticas de pintores alagoanos sobre envolvido naquela época em questões políticas.
temas de engenho. Se numa arte como a pintura foi, ou é, escassa a contribuição Não oferece esta crônica subsídio importante em informações que
dos pintores alagoanos, bem se pode ver o que irá pelas outras artes. Pela música. mereçam ser reproduzidas. Oque não sucede, entretanto, com a série de crônicm;
pela escultura, pela arquitetura. a que já nos temos referido tantas vezes de O. F. de A. G., ricas de informaçõt's
De arquitetura, ainda se encontra uma manifestação, ou esboço de sobre Camaragibe, Porto Calvo, o rio Camaragibe, Porto de Pedras, o rio Manguaha,
manifestação: a planta da residência do desembargador Carlos de Gusmão, no o engenho Buenos Aires, o engenho Novo, as homenagens, os passeios, os
Farol, feita pelo seu sobrinho, arquiteto Messias de Gusmão. Filho de senhor dt brindes pronunciados nos jantares e almoços; tudo referente à viagem tlo
engenho, ilustre e veneranda figura da vida econômica das Alagoas, o Dr. Messias presidente José Bento Júnio à região do norte alagoano.

262 263
Se escasseiam trabalhos literários sobre engenho ou sobre açúcar nas o nome de Conselheiro Lourenço de Albuquerque. Também não alago•mo dt·
Alagoas, temos entretanto, de reconhecer que dos engenhos têm saído destacadas nascimento, mas inteiramente integrado nas Alagoas, em cujas atividades políticas
figuras da nosssa vida cultural. Eles não foram somente núcleos demográficos participou com posição de liderança, foi Lourenço Cavalcanti de Albuquerqut'
ou sociais; talvez porque foram isto constituíram-se ainda a fonte emanadora de Maranhão, Barão de Atalaia.
vultos marcantes no direito, na oratória, na literatura, na política, no clero, na De engenhos alagoanos saíram para luminosa trajetória na vida judiciária
poesia, nas armas, na cultura, enfim, das Alagoas em particular, às vezes, do país, Espiridião Elói de Barros Pimentel, Antônio Buarque de Lima e Inácio
igualmente, do Brasil em geral. Mendonça Uchoa, todos ministros do Supremo Tribunal Federal. Também passou
Algumas figuras expressivas da vida alagoana - da sua história, da sua pela magistratura, chegando a desembargador do Pará, o barão de Anadia -
literatura, da sua política, da sua cultura - saíram de engenho. Nascidos em Manuel Joaquim de Mendonça Castelo Branco - mais ligado, entretanto, à vida
engenho tornaram-se nomes de repercussão às vezes mais do que regional, e política de sua província, onde o irmão, jacinto Pais de Mendonça, foi chefe
sim nacional. Sinimbu, por exemplo. político de grande prestígio.
Filho de Manuel Vieira Dantas e D. Ana Lins, heróis republicanos de 1817 Outro magistrado nascido em engenho alagoano - no Ponte Grande,
e 1824, ainda criança participou dos sofrimentos intlingidos pela autoridade régia de Pioca- foi odesembargardorJosé Cândido Pontes Visgueiro. De tri~te memória
à sua mãe, acompanhando-a à prisão, na cadeia da capital. Dedicando-se à vida é o nome desse magistrado, envolvido que esteve em crime que abalou a opinão
política galgou os mais altos postõs no Império: presidente em exercício da província nacional, ocorrido no Maranhão. Pontes Visgueiro foi proprietário de um sítio à
das Alagoas, deputado geral, ministro de Estado, presidente do Conselho, Senador. margem do canal Grande, defronte à Massagueira, conhecido durante muito
Na sua vida de agricultor, em passagem rápida que quase não se conhece, tempo pelo seu nome - sítio Pontes Visgueiro - e hoje denominado "Ribeira".
Sinimbu deixou uma marca característica de suas idéias progressistas: foi o Originada do Ouvidor José de Mendonça Matos Moreira, a família
introdutor do arado na agricultura alagoana. Sobre sua personalidade, Craveiro Mendonça foi outra que teve largo domínio na vida política e social das Alagoas.
Costa escreveu um livro que merece ser lido. Português de nascimento,josé de Mendonça Matos Moreira veio para as Alagoas
Ligados à família de Sinimbu, aparecem outras figuras ilustres inte~ como Ouvidor e foi mais tarde Juiz Conservador das Matas, cargo este último de
na história dos engenhos alagoanos: seu innão Manuel Duarte Ferreira Ferro, que somente há notícia ter havido nas Alagoas e nos Ilhéus. Os seus seis filhos
depois Barão de Jequiá, com grandeza, um dos participantes do movimento espalharam ampla descendência legítima ou ilegítima, pelo litoral e centro das
revolucionário de 1824, e que, escapando da prisão, desta conseguiu arrancar Alagoas, alargando-se mais tarde por outras áreas do Brasil: São Paulo, por
seu pai e outro irmão - o tenente Francisco Frederico Vieira da Rocha; o mais exemplo.
tarde Barão de São Miguel dos Campos, Epaminondas da Rocha Vieira, que foi Afilharada não lhe nasceu de casamento legítimo; ele próprio o confessa
senhor do Sinimbu; o conselheiro Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, embora em seu testamento, precioso documento para a história social das Alagoas,
não alagoano de nascimento, mas exercendo atividades políticas na Província, guardado no arquivo do Instituto Histórico: "declaro que por fragilidade humana
de que foi representante na Câmara. Como ministro da Agricultura, Comércio e tive de Dona Maria Sousa Alarcão Ayala os filhos seguintes: José de Mendonça de
Obras Públicas em 1889, referendou o decreto nº 10.256, de 22 de junho daquele Matos Alarcão Ayala,jacinto Paes de Mendonça, Bernardo Antônio de Mendonça,
ano concedendo privilégio para a construção de um ramal férreo, partindo do Bárbara Francisca Xavier de Mattos, MariaJosefa Diniz de Alarcão Ayala, e Antônio
engenho Riachão a Atalaia, motivo por que foi dado à localidade início do ramal de Mendonça de Alarcão Ayala; todos eles existem e são meus filhos naturais,

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porque a referida sua mãe se achava no estado vidual e conhecendo eu que aa
Leys do Impé1io pela distJncta condição que me compete na ordem da sociedade
os inhabilitarão por meio de sucessão abintestato", etc.
Intercruzando-se com outras famílias de engenhos alagoanos,
espalhando-se por outras áreas regionais, os filhos do Ouvidor Mendonça
cresceram a família, alargando a base do domínio territorial nas Alagoas; e, ern
conseqüência, de domínio econômico e social. Inclusive com famílias de
Pernambuco se cruzaram os primeiros Mendonça: com um Pais Barreto -
Francisco da Rocha Pais Barreto-casou D. MariaJosefa e com a irmã do Morgado
do Cabo casou o primeiro Alarcão Ayala. E igualmente seus netos e bisnetos.
Esta descendência do Ouvidor Mendonça se foi desdobrando em vários
ramos, entre eles os Moreira de Mendonça, os Mendonça Uchoa, os Cavalcantl
de Mendonça, os Wanderley de Mendonça, os Alarcão Ayala; e, por outro lado,
espalhando-se em funções de maior relevo nas atividades parlamentares,
judiciárias, de engenharia, não raros titulares do Império: o ministro Inácio de
Mendonça, Uchoa, o comendador e senadorJacinto Pais de Mendonça, o deputado
Bernardo Sobrinho, o desembargador Jacinto d'Assunção Pais de Mendonça, o
engenheiro, secretário de Estado e deputado Wanderley de Mendonça, o
engenheiro Antônio Pedrosa de Mendonça, o Barão de Muricí, o Barão de Mundaú,
o Barão de Anadia, o Senador Mendonça Martins.
José de Mendonça Matos Moreira veio de Portugal, já de brasão em punho.
Nele figuravam os sinais das famílias que lhe eriqueciam o nome. Em suas
armas, um escudo aquartelado, encontram-se em cada quartel as armas dos
seus nomes de família: no primeiro, a dos Mendonça, no segundo, a dos Vieira,
no terceiro, a dos Matos, e no quarto, a dos Moreira. Obrasão lhe foi passado a
5 de agosto de 1773.
Oseu nome nas Alagoas ligou-se a vários empreendimentos de relevo;
são de sua autoria dois excelentes relatórios sobre as matas alagoanas, e aos
quais já fizemos alusão no Capítulo I. Também o desenvolvimento da cultura do
algodão se liga a ati\~dades suas, quando Ouvidor das Alagoas; foi um estimulador
da produção algodoeira, ora promovendo a fundação de uma feitoria na Atalaia, Dr. Afonso de Mendonça Uchoa, senhor do engenho "Meirim".
ora incentivando o plantio na incipiente povoação do Riacho do Meio, o hoje
Município de Viçosa.

266 267
O nome do Ouvidor está ainda associado a, pelo menos, dois fatos d1·
ordem religiosa, que me parecem de certo modo inéditos. Enco11trl'I
referências a respeito em antigos MSS de Pedro Paulino, inca11:-i.t\l'I
pesquisador das coisas alagoanas, guardados no arquivo do Instituto Ilistórlco
de Alagoas; entre eles um excelente esboço de Dicionário Histórico,
Coreográfico, Geográfico, Industrial da Província.
Um dos fatos é o de ter sido José Mendonça Matos Moreira o instituidor,
mais ou menos em 1790, da capela de Nossa Senhora do Livramento, em
Maceió. A igrejinha ficou, por quase um século, a constituir-se; só em
fevereiro de 1883 é que teve lugar a bênção e elevação da cumieira.
Outro é o de se lhe dever o grande estímulo que tomaram as
festividades do Senhor Bom Jesus do Bonfim em Taperaguá, festividades
célebres, em particular nos fins do século XIX e princípios do atual. Mas
antes disso o esplendor da solenidade e da pompa das festas de Taperaguá
foi nos quase vinte anos de ouvidoria do Desembargador Mendonça.
Sanefas, colchas, cortinas e outras peças de uso da Igreja - pálio, casulas,
frontal, véus, etc. - de damasco carmezim com franjas de ouro umas e de
retrós, outras, foram doadas, em grande quantidade, pelo Ouvidor
Mendonça. Muitas destas peças ainda existiam no começo do presente
século; e, possivelmente, ainda hoje existem.
De autoridade judiciária, transformou-se josé de Mendonça Matos
Moreira cm senhor de engenho, dos melhores engenhos, aliás, na região norte
da então comarca e depois Capitania. Talvez uma influência do meio; das
condições sociais do ambiente em que veio atuar como magistrado. Ao falecer
legava nada menos de seis engenhos: o Maranhão, o Unussu, o Carrilho, o
Buenos Aires, o Vale, e o do Meio. De como estes engenhos lhe chegaram às
mãos, as crônicas pouco falam; não são muito claras a respeito.
Dr. Messias de Gusmão, senhor do engenho "Castanha" e líder O fato é que, coincidindo com a decadência econômica dos Lins, dos
da agricultura alagoana em seu tempo. Vasconcelos, dos Acióli, que eram os grandes senhores de engenho do nortr
alagoano, se verifica a posse do Ouvidor Mendonça nas principais proprlcdudcs
que àquelas famílias pertenciam. Exceto o Carrilho, de que era dono o
capitão Antônio José Acióll, os demais citados - cinco ao todo - eram de

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pessoas das famílias Lins e Vasconcelos, quando passaram à propriedade do
Ouvidor.
Assim preparou o desembargador e ouvidor da Comarca das Alagoas, a
base econômica que deveria deixar aos herdeiros. Distribuiu-lhes os melhores
engenhos da região mais rica das Alagoas na época; e foram continuando na
descendência essas propriedades, algumas delas já alienadas, pertencendo
atualmente a outras famílias, a outros proprietários. Mas o certo é que não se
restringiu àqueles engenhos o domínio da família Mendonça; alastrou-se a
outros, ora pelo casamento em famílias proprietárias, ora pela aquisição de
novos.
A partir do meado do século passado os Mendonça aparecem
dominando a política alagoana; seus nomes se encontram sempre na
liderança de movimentos; o da cabanada, o dos lisos e cabeludos, o da luta
contra a família Sinimbu. Mas não só de movimentos armados, também de
movimentos sociais: o da recepção ao Imperador Pedro II, o de bailes a
Presidentes da Província, o de recepções a novos Presidentes. Foi com a política
geral da conciliação, de que resultou a preponderância dos elementos
conservadores, muito embora os desagregamentos que logo se verificaram,
que começou o completo, ou quase completo, predomínio dos Mendonça; os
meados do século XIX, portanto. Iniciou-se esse predomínio pelo prestígio
financeiro do Barão de Jaraguá, José Antônio de Mendonça, e alicerçou-se, logo
depois, com o prestígio político, e sobretudo eleitoral, de Jacinto Pais de
.Mendonça, o segundo deste nome.
Chefe político da zona do norte, onde possuía com sua família
excelentes propriedades agrícolas, os melhores engenhos da região, alguna
vindos de Cristóvão Lins, o comendador Jacinto Pais de Mendonça irradiou
influência por toda a província. Nenhuma figura política alagoana alcançou no
Império, nem tavez na República, força, a influência, o comando que este
neto do Ouvidor José de Mendonça Matos Moreira. Como deputado geral
Dr. Miguel Palmeira, senhor do engenho "Prata''.
\ acolheu fidalgamente o Imperador Pedro II, na sua passagem pela província,
l oferecendo-lhe, como particular, hospedagem que nenhum governo ou
qualquer outro particular lhe deu. Alguns anos depois, em 1871, era feito

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Senador do Império, onde permaneceu até a dissolução do Parlamento com cidade de São Luís do Quitunde em terras do seu engenho, com o cupriclw
vitória da República. particular de dar à nova comuna uma planta e organização do plano para as
Desse homem público, que teve na sua província maior soma de influênci ruas e praças, elaborada pelo engenheiro alemão Carlos Boltenstem:J~sé Paulino
e prestígio que um Sinimbu ou Tavares Bastos, sendo, por isso mesmo de Albuquerque Sarmento, Ambrósio Lira, jornalista e político, Ambros10 Machado
veementemente combatido pelos adversários<1», contam-se coisas fantásticas, dado da Cunha Cavalcanti, que foi governador de Pernambuco, Manuel Cavalcanti de
o conforto de que se cercou, o luxo de sua residência, a riqueza de suas instalaç Albuquerque, Batista Acióli, governador do Estado (1915-1918) e mais tarde
Refere-se, em particular, à maneira como recebeu o Imperador, na sua passage Senador da República, Fernandes Lima, parlamentar, jornalista, governador do
por Alagoas, quando da viagem dos imperantes ao Norte. D. Pedro '~sitou os se Estado em dois períodos.
engenhos Buenos Aires, no vale do Camaragibe, e Novo, no vale do Manguaba. De Messias de Gusmão guarda-se a recordação, entre muitas outras de
Na viagem do engenho Novo à Colônia Leopoldina, o então deputado Jacinto de sua brilhante vida pública, no caso da escolha de seu nome para Senador Federal
Mendonça fez acompanhar os governantes de luzidia comitiva. por Alagoas. Aberta vaga na representação alagoana com a renúncia de .Pedro
Durante a jornada, à hora do almoço, a caravana parou no meio da Paulino, o diretório do Partidosituacionista resolveu apresentar o nome do ilustre
mata, onde a esperava um os maiores banquetes já assistidos; e sob frondosat agricultor. Neste sentido o Dr. Rêgo Melo, presidente do Diretório, telegraf~u ª
árvores, ao chilrear dos pássaros, servindo-se em cristais e baixelas de prata Messias de Gusmão que se encontrava no Recife, consultando-o. O candidato
pois para ali tudo o velho Mendonça transportara - D. Pedro almoçou respondeu laconicamente: "Nem mesmo ante as exigências dos amigos : _
11

esplendidan1ente. Ainda hoje este trecho da estrada é célebre pelo notável almoço No dia seguinte recebia, porém, dois telegramas: um da com1ssao
com que o mais tarde comendador e senador do Império acolheu o monarca. executiva do partido comunicando haver sido publicada a sua candidatura e
Conta-se mesmo que Jacinto Paes de Mendonça gastou com apelando para que não criasse dificuldades; outro do Governador Gabino Besour?,
hospedagem do imperante do Brasil, na sua passagem nas Alagoas cerca rogando-lhe aceitar a candidatura mesmo com sacrifício, em bem da harmoma
duzentos contos de réis, quantia verdadeiramente alucinante para a época; só política e do interesse de sua terra.
aquisição dos aparelhos de louça para as refeições do Imperador custou ce Osenhor do engenho Castanha ainda tentou resistir, e procurou am~aro
de cem contos. Recebeu o título de comendador e mais tarde o monarca à sua reação no auxílio do seu tio, padrinho e chefe de sua família, Dr. Ambrosio
escolhia, dentro da lista tríplice, para a senatoria vitalícia. Machado da Cunha Cavalcanti, então '~ce-governador de Pernambuco, a fim de
Ainda da família Mendonça aparecem outros nomes ilustres: Bem que este interviesse junto ao governador Besouro e ao Dr. Rêgo Melo para ~ue
Antônio de Mendonça Castelo Branco, deputado geral, o Barão de Murici, o Dr retirassem o seu nome da chapa. Messias de Gusmão argumentou como pode,
Afonso José de Mendonça, ta.lento dos mais raros e cultos. Outros nomes que enquanto o Dr. Ambrósio o ouvia calado. A.ludiu até, como último argumento,
insculpiram na história das Alagoas, principalmente na sua vida política, vie embora sem justificativa que o amparasse, à sua incompetência para o lugar.
dos engenhos: Manuel Messias de Gusmão Lira, que foi presidente da Províncl Quando acabou de falar, o Dr. Ambrósio, com a gravidade que o caracterizava,
e Senador da República, Joaquim Machado da Cunha Cavalcante, fundador respondeu-lhe: . . _ ,
- "Seu" Messias, distinções políticas como postos de sacnfíc1os nao St
os>rR\ÇOS biográficos do Senador Pnis de Mendonça e sua estirpe. 2. ed. aum. Recife, s.d. Este folheto solicitam, mas também não se recusam; não peço a ninguém o que me pedes e
de autoria anônima; atribui-se, entretanto, ao dr. josé Ângelo Márcio da Silva, brilhante jornalista
escritor alagoano, adversário político do Senador. penso que deves aceitar a indicação.

272 273
...

Ea 24 de maio de 1892 Messias de Gusmão era eleito senador fede Manuel Cavalcanti Filho foi sogro de Oliveira Lima, em cujas "Memórias"
por Alagoas, permanecendo no Senado até 1896, quando terminou o mandat se encontram várias referências a seu respeito. Embora vivendo em Pernambuco
Também alagoano era o Dr. Ambrósio Machado; nascido no engenh manteve-se ligado às Alagoas através de outros elementos de sua família o:;
Laranjeiras, da então freguesia de lpioca, residiu com seu pai no engenho Cavalcanti, de São Luís do Quitunde, de onde saiu ilustre descendência não só
Castanha Grande. Foi deputado provincial e juiz municipal até 1856, quan no século passado, senão ainda no atual.
se exonerou, partindo no ano seguinte para a Europa. Dentre estes Cavalcanti cabe ainda destacar o Dr. Ambrósio Cavalcanti
Aí obteve, em novembro de 1858, o grau de Doutor de Ciências Políticd de Gusmão Lira, inteligência das mais brilhnates de sua geração; era sobrinho
e Administrativas pela Universidade de Bruxelas. Percorreu alguns países ~ do Dr. Ambrósio Machado e foi senhor de engenho no Unussu e no Peri-
Europa, regressando às Alagoas em 1895. No biênio 1862-63 serviu como Peri. Republicano histórico, fez parte da Constituinte Estadual das Alagoas em
deputado geraL 1891 sendo relator da comissão elaboradora do projeto constitucional.
Depois de casado com D. Antônia da Silveira Lins, filha do Barão ' Falecendo muito moço, em 1892, deixou um dos nomes mais ilustres
mais tarde Visconde de Utinga, passou a residir no engenho Unussu. Voltou l de sua época na vida pública das Alagoas. Além disso, sabe-se das idéias
Câmara Geral cm 1867, ali permanecendo até 1868, quando aquela casa do progressistas de que era possuidor. Sob sua influência, seu pai, o velho Coronel
Parlamento foi dissolvida com a vitória do Partido Conservador, então elevado Félix José de Gusmão Lira, montou no engenho Unussu, moder~os
ao poder. aparelhamentos, que vieram tomá-lo não apenas um dos precu~ores d~ ~sma,
Voltando ao norte passou a residir em Pernambuco, no engenho Arandu mas igualmente um espírito renovador dos processos mdustna1s do
de Baixo, como rendeiro de seu sogro. Ingressou na política pernambucana, O aproveitamento da cana de açúcar.
cm 1880 disputou eleição em Santo Antão contra o governo. Registrou-se, então Fernandes Lima é outra figura ilustre da região açucareira do norte do
violenta luta armada, conhecida com o nome de hecatombe de Vitória, nomt Estado. Homem de seu Município - o de Camaragibe - projetou-se na yida
de Santo Antão. Mudou-se em 1882 para o engenho Gaipió, em Ipojuca. política do Estado, chefiando a corrente democrática que co~~ateu, a ~hama<l:3-
Dois dias antes da abolição libertou todos os seus escravos, e nol oligarquia Malta desde o começo do século. Passou pelas pos1çoes pubhcas mrus
primeiros anos da República serviu como vice-governador de Pernambuco destacadas: intendente municipal, deputado estadual, deputado federal,
quando governador Barbosa Lima. Foi o Dr. Ambrósio Machado uma das mall governador do Estado em dois períodos, senador federal. ,.
expressivas figuras da lavoura nordestina, ligado o seu nome à vida rural crn Em Fernandes Lima havia um característico marcante: o seu espmto
Pernambuco eAlagoas; e politicamente estendeu-se sua atividade aos dois Estados democrático, de que sempre deu provas. No governo ou fora dele, porém, um traço
sempre realizando-a com dignidade, brilho e inteligência. ainda mais se tomava visível em sua atuação: o espírito local. Em nenhum outro
Im1ão de Ambrósio Machado era Manuel Cavalcanti de Albuquerque homem público das Alagoas talvez tenha sido tão significativa esta marca-:- a do
Filho, que depois de residir largo tempo nas Alagoas se fixou cm Pernambuco apego ao seu torrão natal; e daí, possivelmente, a interpretação de suas. atitudes,
Aí, no seu engenho, iniciou o plantio da cana pela semente, criando a qualidade de seus gestos, de sua orientação política, nem sempre afastadas do sentido quusc
hoje conhecida como cana "Manuel Cavalcanti" ou simplesmente "Cavalcantl'' diríamos do senhor rural. Do bom e do autêntico senhor de engenho.
A experiência do plantio da cana pela semente repercutiu em outros círculOI Não estaríamos longe de admitir nesse sentido - o sentido da fonnação
açucareiros, e nos Estados Unidos é apontada como iniciativa cm prol do rural - o fator mais decisivo do choque político de 1926, em que ovelho democrático
melhoramento da produção.

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se defrontou com uma época de renovação; de renovação arejada e construtiva, viúva, D. Ana Luísa Vieira de Sinimbu, filha da heroína de 1818 e 1824 e irmfi d1'
derruindo os velhos hábitos quase rurais para injetar na vida alawana novas diretrizes. João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu.
Eram duas mentalidades que se encaravam: diferentes no fundo e na fonna - de Desta luta entre o Barão de Atalaia e o Barão de jaraguá o episódio 111.1i
um lado, o espírito rural; de outro, o espírito urbano, de fonnação livre. curioso é o que guardou a tradição. Oprimeiro residia em seu palacete, edifício
No vale das lagoas aparecem também eminentes figuras: José Rodrigues primitivamente conhecido como sobrado do Camocho, - prédio que foi sede do
Leite Pitanga, Silva Leão, Leite e Oiticica, Luís de Mascarenhas. Não provindos de Telégrafo Nacional e é hoje de diversos consultórios médicos, na rua Dois de
engenho, mas a ele ligados, são ainda dessa região o historiador Melo Morais, o ',Dezembro - com excelente vista para o mar, e o mais elevado e distinto de
pensador Tavares Bastos, o político Lourenço Cavalcanti de Albuquerque Maceió na época. OBarão de jaraguá, por pirraça ao adversário, fez erguer pouco
Maranhão, Barão de Atalaia. adiante o seu palacete particular, isto mais ou menos em 1840. É o ediffcio
Do Barão de Atalaia sabe-se que foi político de grande prestígio nas conhecido como Palácio Velho,do qual já foi derrubada uma parte (a que dava
Alagoas, representando na Província, como chefe da família, a orientação do seu entrada para a rua do Comércio, defronte ao Hotel Bela Vista). Resta, entretanto,
cunhado o Visconde de Sinimbu, cuja atividade política se tornara de âmbito a parte que dá para a praça da Catedral. E este edifício1 o Barão de jaraguá o
nacional. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque Maranhão, refletindo na área construiu mais alto, mais vasto que o do Barão de Atalaia, para que - é o que
regional o poder político do cunhado, deteve uma força eleitoral imensa, em conservam as tradições da cidade - este perdesse a vista que desfrutava de sua
particular na primeira metade do século XIX, quando ainda não se haviam residência. Até aí chegavam os acintes das lutas políticas das Alagoas.
inteiramente definido, no território da Província, as correntes liberais ou Do vale do Paraíba surgem algumas figuras não menos expressivas:
conservadoras; através dela elegia as representações provincial e geral. Epaminondas Gracindo, Apolinário Rebelo, josé Aprígio Vilela, Olegário Vilela,
Foi contra esse poder de família, de uma família - a Sinimbu - com as chefes políticos influentes. O vale do São Miguel que deu Sinimbu e Ferreira
suas ramificações de Cavalcanti e Albuquerque, que outras famílias se levantaram Ferro, deu também o comendador Miguel Soares Palmeira, prestigioso chefe do
com a rebelião de 1844. Na reação então verificada se constatou o poderio político Partido Liberal no Estado.
de outra família: a Mendonça, sustentada pela bolsa rica do comendador jo~ O comendador Miguel Palmeira foi um dos três últimos titulares do
Antônio de Mendonça, Barão de )araguá. Apartir de então - diversificadas as Império nas Alagoas, não tendo chegado, porém, a receber o título. Em junho
diretrizes partidárias e fonnados os dois núcleos liberal e conservador-se sendu de 89, com a subida do Gabinete Liberal, ele, Paulo jacinto Tenório e josé Miguel
o crescimento desta influência, reflexo, aliás, da hegemonia conservadora de Vasconcelos, foram agraciados com os títulos de Barão: Barão de Coruripe o
verificada no panorama político do país. Aliaram-se os Barros Leite, os Pereira comendador Palmeira, Barão de Palmeira dos Índios o segundo, Barão de
da Rosa, os Pitanga, os Araújo Peixoto, em torno dos Mendonça, cuja chefia Urupema o terceiro. Cinco meses depois caía o Império, e por qualquer
política que era a do Partido Conservador, se concentraria um pouco depois em circunstâncias, neste espaço de tempo, os agraciados não haviam tirado ainda
Jacinto Pais de Mendonça. as respectivas cartas nobiliárquicas.
OBarão de Atalaia possuiu comendas da Ordem de Cristo e da Ordem Outro Palmeira ilustre foi o segundo Miguel Soares Palmeira, filho
da Rosa; e em 1858, por decreto de 19 de fevereiro, foi feito Barão de Atalaia, e do comendador de igual nome. Orador, jornalista e político teve brilltamc
mais tarde Barão com grandeza por decreto de 14 de março de 1860. Faleceu em atuação na vida alagoana, embora curta, pois faleceu aos 56 anos. Exerceu
Nova Friburgo aos 13 de fevereiro de 1867, sobrevivendo-lhe nove anos ainda a cargos de magistratura no Estado do Rio e em Mato Grosso; foi deputado federal

276 277
por Alagoas na 10ª legislatura (1918-1920) e candidato duas vezes ao Governo
do Estado pela Concentração Republicana em 1896 e 1900, não logrando,
todavia, ser eleito.
Foi ainda de engenho alagoano- do Riacho Grande, onde nasceu, e do
Itamaracá, onde se criou -que surgiu para importantre papel na vida brasileira
o mais tarde chamado Marechal de Ferro: Floriano Peixoto. Aespada de pau do
menino de engenho haveria de transformar-se, como se transformou, na espada
do soldado que defenderia a Pátria no Paraguai e consolidaria as instituições
republicanas na hora em que elas perigaram.
Em engenho, Floriano plasmou a fisionomia moral e intelectual com
que serviu ao Brasil. No canavial e na bagaceira, e aos exemplos de seus
antepassados, é que Floriano forjou a alma indomável, e aquela cara sizuda e
enérgica era o retrato do senhor de engenho que não chegara a existir; do senhor
de engenho que se transfonnara em soldado: em soldado da República.
Outra grande figura ligada à vida agrária alagoana: o Barão de \Vandesmet. Casa-grande do engenho "Sinimbú", em São Miguel dos Campos, já derrubada; nela nasceu,
em 1810, o Visconde de Sinimbú
Francês de nascimento, trazendo no físico e no trato as marcas acentuadas de
suas origens fidalgas e aristocráticas, integrou-se na aristocracia e na fidalguia
dos canaviais alagoanos. Écerto que numa época em que esta aristocracia e esta
fidalguia estavam já cm declínio; modificou-se a paisagem social com a
transformação econômica. Obangüê evoluindo para a usina.
E ninguém melhor que o Barão de \Vandesmet soube compreender o
que havia de importante nessa transformação; e fundou a primeira usina nas
Alagoas: a Brasileiro. Não ficou estagnado na aristocracia; ao contrário:
acompanhou o progresso econômico. Sua figura bem merece um exame à parte;
um exame dentro do estudo dessa transformação econômica das últimas décadas
do século XIX: o da evolução para a usina, o da decadência do patriarcalismo, o
da transformação do trabalho escravo do negro africano em trabalho livre do
branco europeu.
Vieram de engenho homens políticos e também homens de cultura.
Numa época em que a cultura intelectual pouco se irradiava, eram ainda os
engenhos que forneciam os melhores homens de atividade intelectual, pela
educação que proporcionavam os senhores a seus filhos. Principalmente, no
Casa do engenho "Sinimbú", em São Miguel dos Campos, já derrubada.

278 279
século XIX em que a fundação dos Cursos jurídicos de Olinda e São Paulo facilit'.iva o doutor se transformara num desajustado ao seu melo; els o q11<· ~t·
ao menos ricos o estudo, agora não em Coimbra, mas na própria Pátria. Foi a deu, no segundo reinado, com o aparecimento dos filhos de senhor de c11gt•11lm
época em que a continuidade da agiicultura sofreu grande abalo, pelos doutoreli feitos doutores. Saídos de engenho, aeles, porém, não voltavam. Em conseqiir11<:h1
que não se ajustavam mais à vida rural. Que preferiam as capitais, os centros as tradições solarengas iam desaparecendo, as propriedades, orgulho de família,
populosos, a vida de sociedade, os postos políticos. iam passando a mãos estranhas, quando não de todo abandonadas.
Realmente, com o doutor- o bacharel de Olinda ou, mais tarde, o médico Mas, antes que predominassem as preferências do senhor de engenho
da Bahia - começa a decair o patriarcado rural, e em conseqüência desaparecem pelo filho doutor, o que houve nas grandes famílias rurais foi o encaminhamento,
as grandes famílias na propriedade sucessiva dos engenhos. Os filhos de senhor pelo menos, de um dos filhos para o sacerdócio; comumente, não era ouvida a
de engenho, voltando doutores dos cursos jurídicos, instalavam-se na capital, e vocação, porque a honra de ter um filho padre fazia com que, desde cedo, um
por iníluancia mesma elos pais, começavam a sua carreira política. fosse escolhido para a missão. Nem sempre bem cumprida, é claro. Pela falta de
Iniciava-se essa carreira por uma promotoria, onde o novel bacharel, vocação ou pelos exemplos ancestrais, o fato é que muito sacerdote foi mais
esquecido dos seus engenhos e dos seus canaviais, procurava servir ao seu partido, proprietário agrícola que servo de Deus; muito mais civil que eclesiástico. E isto
principalmente cm época de eleições. Da promotoria para a deputação provincial; não somente como senhor de engenho, dono de outros homens, os seus escravos
mais tarde para a deputação geral, tão logo lograsse os êxitos de orador eloqüente, negros, senão ainda como homem mesmo, pais de filho que lhe iam enchendo a
e às vezes para uma presidência de Província. casa-grande.
Também se dava a hipótese de seguir a magistratura, e vêmo-lo, então, Se nos meados do século XlX vamos encontrar vários sacerdotes senhores
Juiz de Direito, de onde acontecia ser chamado a uma chefia de polícia. Era o de engenho - Zen6bio Aci61i Lins em Porto Calvo, Sebastião José de Morais Belo
passo para o início da carreira política, aliada à magistratura, terminando por ir em Porto de Pedras, josé Gomes dos Reis em União, Antônio Gomes de Melo e
assentar-se numa Relação Provincial, ou, se a sorte o amparasse mais longamente, João da Silva Cardoso em Santa Luzia do Norte, João deAr~újo Li~a em Com.ripe,
no Supremo Tribunal. entre outros - não quer dizer que fosse isto novidade. ja em seculos anteriores
Filhos de senhor de engenho das Alagoas não fugiram dessa rotina; e outros sacerdotes aparecem à frente das propriedades rurais que herdaram.
daí encontrarmos galhos de famílias alagoanas surgirem em outras províncias, Senhor de engenho foi o padre josé de Barros Pimentel, do hábito de
mais tarde em outros Estados. É que também a agricultura da cana e a indústria São Pedro, neto do primeiro Rodrigo de Barros Pimentel; no seu testamento de
do açúcar nas Alagoas sentiram os efeitos do doutor. Do doutor que não mais se 1787 deLxa, ao lado de seus crucifixos e de suas imagens, algumas cabeças de
ajustava aos trabalhos do engenho. gado e outras de escravos africanos.
Nem sempre se levava em conta a vocação profissional do rapaz. Oque Outros sacerdotes vindos de engenho: padre Franscisco Rodrigues Uma
importava era o título do doutor. Nem os exemplos sen~am para mostrar os e padre Francisco de Assis Barbosa, figura que aparece no cenário político da
prejuízos que a lavoura sentia, com essa situação, vendo seus melhores elementos Província em várias ocasiões; padre Elói Brandão, erudito orador sacro; padre
afastados da casa-grande. Melhores elementos, sim, porque poderiam concorrer José Prudente Teles da Costa, senhor do engenho Progresso, cm Porto Calvo, t•
para o aperfeiçoamento das condições de produção, desenvolvendo a lavoura. chefe do partido Conservador em Jacuípe, vitimado pelos filhos do caudilho
Daí a decadência agrícola e, por outro lado, o aparecimento de novas famílias
Manuel Isidoro, senhor do engenho Malvano.
nos engenhos em sucessão aos tradicionais donos, os donos de duzentos,
trezentos anos.

280 281
t- Foi entretanto, o crescenteaumento dos doutores que trouxe modificação O programa apresentado ao Comício Agricola do Quitundc e Jcliltth:t
quase completa na vida rural: a mudança dos hábitos, o desaparecimento das é uma peça de interessse para a história do ensino no país, em particular p:ir.1
grandes famfüas, a implantação dos elementos estranhos, odomínio de senhores se verificar como já na segunda metade do século XIX, dentro ainda do cspinto
não ligados à terra. Foram estas algumas das conseqüências que, infelizmente, os rotineiro implantado pelo Império através de suas instituições e de suas
velhos proprietários rurais não perceberam. Não importava à vaidade dos pais organizações, homens do Nordeste cuidavam de melhorar o regime de trabalho.
prescrutar antes a inclinação do filho ou então ajustá-lo ao meio; o que eles E qfaziam com a preocupação de ensino com caráter rural. Infelizmente, a
desejavam era o doutor na família. Quantos bons agricultores não se perderam? idéia não vingou; e o ensino continuou, como até hoje, na mesma rotina.
Quantos ótimos senhores de engenho não se transformaram em péssimos O bangüê não encontrou no sistema de ensino fonte de estímulo para a
doutores? + sua renovação, seu progresso. Ao contrário; apesar disso sempre saíram de bangüês
Faltou ao país, em particular às suas áreas agrícolas, a existência de alagoanos figuras ilustres na vida cultural das Alagoas. Para não relembrarmos
escolas de agronomia ou de agricultura prática; seriam elementos de atração mais uma vez um Sinimbu, o maior de todos, como estadista e como agricultor
para os filhos de senhores de engenho, desviando-os das escolas de direito ou de também, não só por ter procurado libertar tanto quanto possível a lavoura do
medicina. A instrução no Brasil, e não a educação - porque educação não trabalho escravo, como ainda por ter sido o primeiro senhor de engenho nas Alagoas
houve e não há - foi sempre urbana; nunca se preocupou com as populações a trabalhar com o arado<l7), um Leite e Oiticica, financista, político, erudito em
rurais, de modo a adaptá-las ao seu meio. O método, a espécie, o sistema do vários assuntos, Senador da República, autor de interessante e original monografia
ensino eram, e em parte são ainda, o mesmo tanto para a zona urbana como sobre a arte da renda no Nordeste, um Messias de Gusmão, não só político, senão
para a rural. Não havia diferença. Daí o mal instruído da zona rural sair para a ainda economista arguto, integrado à vida agrícola, seja como senhor de engenho,
urbana; inadaptado àquela, tornava-se igualmente um desajustado a esta. seja como presidente da Prmfacia ou Senador na República, um Roberto
Entretanto, aos homens da vida agrícola das Alagoas não passou Calheiros de Melo, médico, vice-presidente da Província e do Estado, Senador e
despercebida a importância de tal assunto, isto é, da criação de cursos presidente do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano, um Afonso de
profissionais. O Comício Agricola do Quitunde e Jetituba, cujos sócios, na sua Mendonça, espírito culto, conhecedor da mais moderna técnica agrícola, e outros
maioria, eram senhores de engenho, preocupou-se em desenvolver o ensino a cujos nomes no decorrer deste trabalho já fizemos referência, é possível lembrar
profissional e rural. ainda muita gente boa na vida intelectual vinda do bangüê.
A respeito cogitou de preparar um plano ou programa de escola Jornalista vibrante como José Ângelo Márcio da Silva, fecundo como
profissional ou rural, a ser executado pela associação. Para elaborá-lo foi Rodrigo Correia de Araújo, erudito como Ambrósio Lira, ou artista da palavra
convidado um homem que se vinha dedicando, desde sua juventude, às como Costa Leite; médicos como Pedro da Cunha Carneiro de Albuquerque ou
tarefas pedagógicas: o então acadêmico de direito Manuel Baltazar Pereira Diégues Pedro Monteiro; ou como Moreira e Silva, notável formação de cientista; talento
Júnior. Elaborando esse programa, que encontramos publicado na imprensa da criador de mecãnico como Augusto Acióli de Barros Pimentel; criador de riquezas
época06>, defendia o seu autor a tese hoje conhecida como "escola regional". e fomentador de progresso econômico como Silva Leão, Francisco Leão, ou Carlos
Lira; pesquisador e cronista como Francisco Isidoro; advogado, parlamentar como
06
>0 LIBERAL, Maceió, 22 sei. 1877. Um estudo do técnico de educação Pedro Calheiros Bonfim,
transcrevendo o programa de ensino rural foi publicado em Arquivos, órgão do Ministério da Educação
e Saúde, Rio de janeiro, l (1) jan-fev. 1947. ollCOSTA, Craveiro. O Visconde de Sinimbu. São Paulo, 1937.

282 283
Demócrito Gracindo; historiador como Alfredo Brandão; sacerdote culto
brilhante como padre Elói; político e advogado como Alfredo Lima, sempre li CAPÍTULO VI
ao seu Município, do qual não saiu para as vitórias mais amplas que a inteligêncl
lhe proporcionaria; foram senhores de engenho, ou em engenho nasceram, o " A

ainda a ele estiveram ligados. Filho de senhor de engenho, e em engenho nasci O BANGUE E O FOLCLORE
foi o poeta João Cavalcanti, mais conhecido pelo pseudônimo que adotou
·~oão Barafunda", humorista e crítico, orador e poeta. Também tinha suas raíz
em engenho Aloísio Branco, grande inteligência de poeta e prosador, larga cult Manifestações folclóricas sobre engenho e açúcar. Oengenho e o folclore.
em sua idade, o maior talento da geração, morto na casa dos trinta anos. Ociclo do açúcar.
Outro nome, vindo de engenho alagoano, que não pode ser esquecido ococo, dança originária de engenho. Versos de coco referente a assuntos
Emílio de Maya. Morrendo em plena mocidade, com uma carreira intelectual de açúcar e de engenho.
triunfante e uma vida política vitoriosa, poeta, escritor e parlamentar, dedicou Poesia popular. Emboladas. Cantigas.
se ao estudo de problemas alagoanos; entre eles, o da economia açucareira, t Lendas e superstições. Medicina popular. Adivinhações.
respeito de que deixou discursos pronunciados na Câmara dos Deputados federais Festas tradicionais dos engenhos. Abotada. Apeja. Costumes ligados à
e em outras oportunidades. De sua inteligência e de seu conhecimento das vida dos bangüês. . .. ,
questões alagoanas, e em especial das ligadas ao açúcar, muito teríamos de lucrar Aspectos lingüísticos do engenho alagoano. Bras1lemsmos da area
se não tivesse desaparecido com pouco mais de trinta anos, em março de 1939, cana,~eira.
Provindo de engenho do norte alagoano, do velho tronco dos Lins e dos
Albuquerques, era Albuquerque Lins que foi presidente de São Paulo e canclidato a
vice-presidente da República na chapa com Rui Barbosa. Cedo afastou-se de sua
terra e, ligando-se à política paulista, nela teve trajetória feliz, através de diversos
cargos públicos a que foi levado pelo eleitorado de São Paulo. Como este outros
alagoanos deLxaram os seus engenhos, os seus rincões, as suas famílias; e em
outras terras revelaram os mesmos sentimentos, a mesma herança de trabalho e
de inteligência recebida de seus antepassados, senhores de engenho das Alagoas.
Descendendo de senhor de engenho, alguns nascidos mesmo em casa·
grande de engenho alagoano, podem ainda ser evocados alguns nomes hoje em
evidência no cenário nacional, ou em particular na vida regional: o jurista Pontes
de Miranda, o general Góis Monteiro, o industrial Alfredo de Maya, isto sem
lembrar alguns outros, da geração mais nova, que se espalham hoje pelas
Academias de Letras, pelo clero, pelas artes, pelo Parlamento, pelas indústrias,
pelo comércio.

284 285
Ainda não se fez uma obra de sistematização do folclore alagoano. Estudos
esparsos existem, alguns bem interessantes que podem servir de base para essa
sistematização: os do Sr. Téo Brandão<1l, por exemplo; outros constituem subsídios
valiosos para o erudito que se dê ao trabalho de classificar e sistematizar as
diversas manifestações demológicas do Estado.
Écerto que o estudo do floclore brasileiro em geral ainda não possui uma
sistematização definitia. Várias tentativas têm aparecido neste sentido, entre elas
as de Gustavo Barroso, Lindolfo GDmes eJoaquim Ribeiro, ao tentarem a divisão
do folclore nacional cm ciclos. Todavia, nenhum dos planos apresentados pennite
aceitação integral; são, se não incompletos, ao menos não inteiramente satisfatórios.
Parece-nos, entretanto, que joaquim Ribeiro foi quem melhor se
aproximou da realidade com a classificação dos ciclos em decorrência do motivo
econômico da região. Baseando-se no método histórico-cultural pôde fixar
algumas áreas etnográficas brasileiras; e constituem elas os ciclos temáticos do
folclore brasileiro. Todavia, a classificação de Joaquim Ribeiro oferece margem a
algumas dúvidas, motivo por que me parece fundamental partir a fixação dos
ciclos da época histórica em nossa evolução como povo.
Evidentemente, se nos restringirmos a um critério - ou o antropológico
de Silvio Romero, ou o temático de Lindolfo Gomes, ou o histórico-cultural de
Joaquim Ribeiro -sentiremos a deficiência da classificação. Há, por isso mesmo,
necessidade de adotannos um critério que permita acolher todas as manifestações
folclóricas, ao mesmo tempo que faça concessões aos critérios anteriores. Éque
teremos de estudar o folclore, inicialmente, dentro da época de cada manifestação;
e ainda em relação à região onde surgiu essa manifestação.

lllfiRA'íD.~O, Théo. Discurso no Instituto Histórico de Alagoas e Sistematização do folclore alagoa110. Joru:ll
de Alagoas, Maceió, 31 maio 1942.

286 287
Não há negar que, no campo do folclore, a regionalização das pesquisas colonial; este precede àquele, e lhe subsiste a.inda, depois da restauruçfio <11•
é fator decisivo ao bom êxito dos estudos já no que se refere ao levantamento 1654, indo, então, até a proclamação da Independência em 1822
Dentro desta.s épocas encontraremos ciclos naturais, se as::i1m põdl·111os
de mapas culturais de cada região, já para que as generalizações - mesmo que
não se esqueça o perigo que elas envolvem - possam ter qualquer fundamento chamar o agrupamento sob determinado motim básico de temas folclóricos, dt•
científico ou ao menos experimental. É certo que no folclore brasileiro ht manifestações populares, traduzidos só na poesia ou na cantiga, senão ainda
dificuldade de encontrar um só elemento generalizado a todo o país; há em nas danças dramáticas, nos bailados, nos cantos, nas lendas. Chegaremos a
e\~dência de que, dentro de cada época, resumidamente, poderíamos abrigar
alguns casos, variantes mais ou menos aproximadas em certas lendas ou
crendices ou em música. Em música, por exemplo, não é possível confundir a alguns ciclos, passíveis, é claro, de alargamento com a inclusão de outros,
marcha nordestina (o frevo) com a marcha carioca. desdobrados porventura dos já existentes.
De modo que em folclore não é só perigoso generalizar ou querer concluir Entre estes ciclos a serem fixados, caberá papel relevante àquele que
através de um só levantamento em dado ponto do país; é talvez mesmo errado, chamaremos ciclo agrícola ou, mais restritamente, "ciclo do açúcar". Este
ou pelo menos precipitado, tentar realizar qualquer estudo sem que se parta interessa particularmente, porque dentro dele é que vamos encontrar as
das pesquisas regionais. Através dos diversos focos culturais que se espalharam manifestações populares acerca da '~da do engenho, do açúcar, do senhor de
pelo Brasil - e só do ponto de vista histórico João Ribeiro encontrou, pelo menos, engenho, da cana de açúcar, da industrialização. Não quer isto dizer que não
cinco: os de Pernambuco, de Bahia, de São Paulo, do Rio e do Maranhão ou Pari possamos encontrar, igualmente, manifestações folclóricas sobre o nosso tema,
- torna-se-á possível melhor delineamento das pesquisas folclóricas; estas cm outros ciclos; entretanto, aquele é que mais se liga ao assunto "engenho".
passariam a ser feitas em base puramente regional. O ciclo do açúcar foi também identificado por Joaquim Ribeiro, sob
Esta regionalização, porém, terá que se enquadrar no tempo. E isto o o nome de "ciclo dos engenhos", ao estudar o folclore brasileiro em interessante
estudo do folclore alagoano pennite. Assim se nos quisermos basear na evolução e eruditom. De fato, lembra ele que na área da civilização agrícola se encontrava
histórica desse folclore, poderemos verificar qufele se formou ao influxo das primeiramente o ciclo dos engenhos. O engenho não é apenas o símbolo de
mesmas causas que detenninaram a evolução político-sociaÍ; a formação histórica nossa civilização agrária; é também a primeira manifestação de vida econômica
do folclore alagoano acompanhou as mesmas etapas que a vida alagoana registra do país, em particular da região nordestina; e mais restritamente das Alagoas.
na sua evolução como povo. De resto o mesmo acontece com o folclore do Assim entre os doze ciclos culturais fixados por Joaquim\.tübeiro inclui-se,
Nordeste em geral, sua relação com a vida da região. Vem dos primórdios da juntamente, o "ciclo agrícola dos engenhos".
nossa terra; surge quando esta surgiu ao mundo brasileiro, e este ao mundo Aconceituação desse ciclo - do açúcar ou do engenho - é indispensável
europeu. pois que se liga a uma das fases primordiais da vida brasileira; a um dos
_ Teríamos assim inicialmente as épocas históricas do folclore alagoano, fundamentos de sua existência que é o da agricultura, em particular a agriculturn
senao mesmo do Nordeste: a idade cabocla ou ameríndia, o período colonial, o da cana, esteio da .organização e evolução do Nordeste. De modo que não st•
período holandês ou heróico, a época imperial e o período republicano<i>. poderá estudar o folclore brasileiro sem caracterizá-lo; igualmente, e mais
Evidentemente a fase correspondente ao domínio holandês se entrelaça ao período relevante se torna, se o estudo se dirige ao folclore alagoano.

OlDIBGUES,)oaqulm. Aalma do povo na história pátria. Gutenberg, Maceió. 30 malo a 2 jun. 1908.
01 RJBEIRO,Joaquim. Introdução ao estudo do folclore brasileiro. Rio de janeiro, s.d.

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Aqui folclore e engenho se unem; ligam-se e oferecem oportunidade a Duque Estrada em 1908. Depois, porém, voltou à sua vida primitiva! da11çado
uma abundância de observações. Porque é rico o material folclórico que se nas casas-grandes de engenho, nas casas de moradores, nos sítios do interior. U
encontra no engenho e no açúcar. Em todo o Nordeste são interessantes e vári~ mesmo nesse ambiente que ele melhor se expande e melhor vIVe. Parece qur é
as manifestações folclóricas referentes à cana ou ao açúcar, ao engenho ou ao quando os cantadores têm maior inspiração.
senhor de engenho, ao canavial ou à cachaça. Também nas AJagoas estas Sendo como é originário de engenho, não poderiam faltar ao côco motivos
manifestações se encontram, a começar por uma dança tipicamente alagoana. referentes ao açúcar, à cana, ao engenho, ao canavial, ao trabalho do engenho,
tipicamente de engenho, porque nele nascida: o côco. etc. Um dos estribilhos de côco mais conhecidos, e que foi utilizado pelos
Ocõco nasceu do samba africano dançado nos terreiros da casa-grande, Cocadores Federais - sociedade de funcionários públicos federais fundada
como já procuramos documentar ao acentuar a origem africana dessa dança<4>, em Maceió para festejar a entrada do novo século em 1900, dançando côco
É certo que este san1ba africano se foi misturando com outras danças; não só - é este, também encontrado em outros pontos do país:
choque étnico, mas também choque cultural fez com que nascesse daí o côco
alagoano, que, embora conhecido no Nordeste, é particularmente das Alagoas:' "O meu engenho é de Humaitá
Diferindo dos cõcos de praia do Rio Grande do Norte ou da Paraíba e É de Humaitá... bis
também dos côcos de Pernambuco, o côco alagoano apresenta vários modos de É de Humaitá... "
ser dançado e cantado. Lembra José AJoísio Vilefa<s> alguns desses modos de
Ocôco é encontrado ainda hoje muito vivo e sempre original em Viçosa.
dançar o côco: o travessão, o cavalo-manco, o trupe-repartido. Variam igualmente
Dos engenhos viçosenses têm saído alguns dos melhores cantadores de côco:
os estilos de canto. Cada cantador tem seu estilo próprio e muitas vezes o cantador
Manuel Bastiana, do Boa Sorte, Joaquim Pueirãme, do Mata Verde, Zé
faz escola.
Veneranda, do São Benedito, jacu, do Barro Branco. Este último, o negro
Variável é também a sua forma, havendo mesmo cantadores que criaram
Jacu, Joaquim Salustiano, foi sem dúvida o maior cantador de côco das AJagoas.
formas originais e interessantes: o tranquiado do negro Jacu, de Viçosa. o
Que garganta tinha o preto! Ouvi-o uma noite, cantando côco no mercado de
dobrado de Manuel Catuaba, de Anadia, o topado de Xico Paizinho, o remado
Viçosa, e sua voz nunca mais me saiu dos ouvidos.
de Zé Imbuzeiro, o falado de Zé Rufino. As formas clássicas, porém, são o côco
Jacu orgulhava-se de sua procedência do Barro Branco, e sempre que
solto, antigo, já pouco usado, o balamento, o de entrega, o agalopado, o
se apresentava em cantorias fazia essa referência. Uma vez, cantava no engenho
remado, o topado. Ocôco solto foi a forma primitiva do cõco, evoluindo depois
Paredões, com Manuel Catuaba, de Flecheiras, quando este disse:
aoutras formas. Com variável ritmo de música, era natural que variassem também
as formas de cõco. __
"Agora trincou-se o jogo,
Ocõco que é também conhecido hoje no interior alagoano por samba e
Rouca pau, lá vai madeira,
pagode, teve no começo do século atual grande esplendor; penetrou na capital,
As pedras faísca fogo,
nas melhores casas, e era dançado nos salões requintados, como o viu Osório
Este é Catuaba das Flecheiras".
4
<>01ÉGUES JÚNIOR, Manuel Ocôco e suas origens. Flama, Bahia, Salvador 1(2) jul. 1937; Dansas negras
no Nordeste. ln. O negro no Brasil. Rio de janeiro, 1940. Jacu, pegando os versos que lhe foram entregues, respondeu logo, com
<s>v1LllLA, josé Aloíslo. Cantadores de côco, série de artigos na Gazeta de Alagoas, Maceió, 1938. veemência:

290 291
"Agora trincou-se o jogo, Deste modo, mais característico é o folclore do açúcar, por Isso qw• ~(·
Pego no primeiro arranco, refere a uma produção básica na formação brasileira. Se a civilização açucan•irn
As pedras faísca fogo, constitui marco significativo na vida nacional, evidentemente o seu folclore,
Este é oJacu do Barro Branco". refletindo o sentimento popular em relação a ela, não pode deixar de exprimir
se relacionado com o trabalho nos engenhos.
Numa cantoria de côco joaquim Pueirãme apresentou um tipo de É assim que os cantadores de côco das Alagoas não esquecem nas suas
balamento em que fazia alusão ao trabalho do engenho. Os primeiros versos cantorias os motivos ligados ao trabalho da agricultura da cana e da indústria do
são um desenho muito comum na paisagem rural do Nordeste: o dia de domingo açúcar. Aqui vão alguns exemplos de côco com estes motivos, colhidos na preciosa
na venda do engenho. E lembra também o orgulho do trabalhador livre. Diz coletânea de José Aloísio Vilela, nos artigos a que já nos referimos:
Pueirãme:
-Vamos muié
"Eu pranto cana - Vamos que o homem já vem aí.
Mas não trabaio alugado, Corta cana cortadô,
Que não sou cabra safado Cambita mai cambiteiro
Tenho credo em qualqué lugá Tanja a besta tangedô
Dia de domingo Puxa bagaço bagaceiro
Se não tivé um tostão,
Vou na casa do patrão - Ou lê Mestre de açúcar,
Ele tem pra me emprestá, - Peça fogo fornaeiro.
Omeu patrão
Tem uma bodega no cercado, Mestre de açúcar
Ele num vende fiado, Pede fogo ao fomaeiro
Ele só vende é alegá". O fornaeiro,
Pede bagaço ao bagaceiro,
Encontram-se em vários côcos viçosenses cantos referentes aos trabalhos Mas o bagaceiro
de engenho: o corte de cana, a moagem, o preparo do açúcar, a safra, etc. É Vai buscá bagaço e fica,
natural que isto se verifique, pois também ofolclore reflete a estrutura econômlca Eu tou bem mais minha Chica
da sociedade. Nele se lembra a técnica de vida, e as condições econômicas são De corrê o dia inteiro.
determinantes dessa técnica de vida. Relaciona-se o folclore com os meios de
produção, base fundamental que caracteriza umasociedade. Ou uma civilização. Num côco por nós assistido nos fins de 1944, em Viçosa, colhemos este
Ou uma cultura. Ocaso da chamada civilização açucareira do Nordeste. estribilho, que evoca a atividade dos guarás estragando os canaviais:

292 293
- Oguará chupando cana, estes versos indicando propriedades da região, engenhos alguns deles tradiclo11:1 Is
Chupando cana o guará, ou ilustres como o Sinimbu ou o Prata:
Oguará chupando cana
Dentro do canaviá. No Poço o seu Zé Elias,
No coité o seu Zé Marcos,
Estes outros versos lembram o trabalho do escravo nos engenhos, ao No Sinimbu o seu João César,
mesmo tempo que, em linhas gerais, fixam as tarefas do serviço no bangüê: No Retiro eu não vou.
No Prata seu João Sampaio,
- Ou lelê vira moenda Lá no sítio o seu Chico,
- Ou lelê moenda rodou. Aqui na rua da Ponte
Ocoronel Salvador.
Bota cana na moenda,
Sai o cardo sem bagaço, Referentes a Viçosa tamb.ém se encontram versos evocativos de seus
Correndo de bica afora, engenhos, de suas propriedades, de suas vilas. Aqui vão alguns versos onde
Vai batê dentro do tacho, aparecem nomes de engenhos ao lado dos de sítios, de fazendas, de outras
Mestre de açúcar dá o ponto propriedades, de vilas, povoados, etc. Esta poesia guardada pela tradição constitui
Que o fogo está brabo em baixo, documento bem interesante.
Corre meu caboco forro,
Nega feme e nêgo macho. Laranjeiras, Boa Vista
Lourenço, Sabalangá,
Oestribilho "Ou lelê vira moenda" é muito comum em côco, e aparece Limoeiro, Barro Branco,
em outras cantigas de regiões açucareiras do país. Encontramo-lo igual ou em Bom Sucesso, Jundiá.
variante em outras coletâneas folclóricas. O traço de sua procedência da área
açucareira está evidente, ao lembrar o trabalho da moenda. De modo que sua Mata Limpa, Mata Verde
irradiação, talvez pela música ou por ter sido levado o motivo pelos escravos, Mata Escura são iguais,
teve ponto de partida em engenho. Infelizmente, não é possível fazer uma exegese Gerema e Camboim,
completa deste - deste e de outros temas ligados ao bangüê - o que escaparia Caldeirões e os Bananais.
aos limites e à finalidade deste ensaio.
Outro tema muito comum nas cantigas populares das áreas açucareiras Itapicuru e Tangi!,
das Alagoas é a lembrança dos nomes de engenho, ou do senhor de engenho; Pindoba e Pindobinha,
uma verdadeira descrição geográfica que encontrará seu símile no celebrado Irarra do Caçaba, Viados,
poema de Ciridião Durval cantando as Alagoas. De São Miguel dos Campos são Morros e Caçambinha.

294 295
Baixa Funda, Ingazeira, Esperança e o Imbigo,
Bonito, Limoeirinho, Toré e Tamanduá,
Cruzes, Vertentes, Guaribas, Baixa Velha, Cachoeira,
Anel e Bananazinho. Sapucaia e Pirauá.
Gangorra, Jacu, Cana Brava,
Pedras de Fogo, Tatu, Cajueiro, Esconderijo.
Bicho Preto, Gitirana, Raposa, Sítio do Meio,
Queimado, Urtigas, Pimentas, Cafundó e Regojizo.
Batinga, Ubaia, Cigana.
Dentro do mesmo assunto são os versos que apareceram numa das
São Francisco, São Luís, São Pedro, célebres emboladas do Chico Barbeiro, de edições anuais, nos primeiros anos
São José e Conceição, do século atual. Estes folhetos que alcançaram grande sucesso nas Alagoas,
Bom Jesus, Santa Luzia, constituem um dos mais vivos documentários para a reconstituição da vida
São Sebastião, São João. social e política do Estado no começo do século XX. Aproveitando o motivo musical
do "Tatu no Mato", figuram os seguintes versos de emboladas referentes a
Poço Feio, Poço Dantas,
propriedades, em particular engenhos, do vale do Mundaú e circm~nzjnhaças,
Boa Hora, Paredões,
Camaratuba, Taquarana, inclusive parte do vale do Parruôa:
Genipapo e os Poções.
Rego do Mata, Fernão Velho, Carrapato.
Engenho Novo, Chã Preta, Santa Cruz, engenho Gato, Bararema, Conceição.
Herva do Rato, União, Ponta Grossa, São Miguel, Paripueira,
Mundauzinho, Bom Sucesso, No engenho das Frecheiras seu Aguiar é bichão
Riacho Seco, Falcão.
Pau Amarelo, Cachoeira, Gurgau,
Flor da Serra, Amazonas, E engenho Urucu, Mataraca, Gavião,
Recanto, Brejo, Firmeza, Dr. Alfredo é quem manda na Satuba,
Dourada, Descansador, No engenho da Uruba Tiburcinho dá lição
Piragibe, Fortaleza.
Mais restrito a engenhos do vale do Mundaú, inclusive o Riachão, da
Pau Amarelo, Três Paus, família Oiticica, e o Utinga, da famfüa Leão, hoje Usina Central, é esta qnadra
Bálsamo, Belo Cruzeiro, também do Chico Barbeiro, nas suas emboladas do Natal de 1903:
AMarinheira, o Loango,
Dos Índios o Limoeiro.

296 297
Na Satuba quem governa é seu Mendonça No outro dia, à mesma hora, o diabo saiu das fornalhas do inícrno, t•o111
Na utinga quem governa é seu Leão os chifres e o rabo queimados; galopando pela estrada foi dar no mesmo ca11.1vl.tl
Ah! Seu Abas, ah! Seu Hermes, ah! Seu Ulf Vendo o verde das canas entendeu de refrescar e espojar-se nas folhas. As canas,
Dona Santa é quem governa o Riachão. porém, atiraram-lhe pelos, começando ele a coçar-se.
Furioso, cortou um gomo e começou a chupar; mas o caldo estava azedo,
Aparecem nestas quadras alguns nomes conhecidos na vida alagoana, e caindo-lhe no goto queimou-lhe as guelas. Odiabo então danou-se e prome.teu
Dr. Alfredo é o Dr. Alfredo Rego, ilustre higienista e educador, que durante algum que da cana o homem haveria de tirar uma bebida tão ardente como as caldeiras
tempo foi gerente da Usina Wanderley, de propriedade do Estado; Tiburcinho é o do inferno.
comendador Tibúrcio de Carvalho, proprietário da então Usina Santa Ismênia, E é por isso que a cana dá o açúcar, por causa da bênção de Nosso
hoje Usina Uruba, primitivamente engenho Uruba; Leão é o comendador Leão, Senhor, e a cachaça, por causa da maldição do diabo".
proprietário da Usina Leão. Erudito conhecedor das coisas alagoanas, Alfredo Brandão recolheu ainda
""- Apoesia popular encontrou no ambiente do engenho, campo propício outras lendas referentes a engenho. É possível que se encontrem lendas
para se expandir. Todos os elementos que constituem o complexo "açúcar", têm semelhantes ou em variantes em outras áreas açucareiras; entanto, não
merecido as observações populares traduzidas em cantigas, emboladas, cocos; conhecemos nada tendo encontrado a respeito em trabalhos folclóricos por nós
não somente em literatura poética, em versos; também em outras manifestações examinados.'outra lenda, sobre o engenho mal-assombrado, pode ser resumida,
folclóricas - em adivinhações, em lendas, em superstições, em remédios. Ao assim, da versão colhida por AJfredo Brandãom:
gênio do povo, ao seu espírito, nada escapa; e a alma desse povo se manifesta, "À meia-noite, o velho engenho, todo em ruínas , abandonado e
apresenta-se viva em todos os instantes de existência do complexo açúcar. ... ~ esquecido, começa a agitar-se, e por toda parte aparecem vultos fantásticos. Do
Desde a plantação de cana faz-se sentir a observação popular. E até ao alto o Senhor de Engenho ordena: Vamos! Comecem o serviço.
açúcar já pronto, já ensacado, já refinado, pra adocicar o café, chega o espírito E as velhas almanjarras se põem a rodar, e os moleques empoleirados
do povo. De modo que em todas as fases da evolução técnica da produção de nas almanjarras gritam, açoitando as bestas:
açúcar se encontram traços característicos da curiosodade popular. Éassim que, - Curijó, Mangabinha, ei! ei! ei!
referente à origem do açúcar e da cachaça, corre nas Alagoas uma lenda que, em As moendas se movem, a engrenagem das rodas estala: craque, craque,
suas linhas gerais, vamos transcrever a seguir, acompanhando a versão dada por craque.
Alfredo Brandão<6>: Trabalha cantarolando o tombador de canas; os picadeiros se esvaziam;
"Nosso Senhor Jesus Cristo corria uma vez por uma estrada, fugindo 0 carregador dé bagaços aperta os feixes alvos; o caldo verde o espumoso corre
dos judeus. Morria de fome e de sede, debaixo de um solão enorme. Já não aos gorgulhões pelas bicas.
aguentava mais de cansaço quando avistou um canaful. Então escondeu-se entre Na casa de caldeiras o mestre de açúcar fala para a outra banda do
as suas folhas, refrescou do calor, descansou, chupou uns gomos e matou a assentamento:
fome. Ao retirar-se, estendeu as mãos sobre as canas, e as abençoou prometendo - Fornalheiro, ô!
que delas o homem haveria de tirar uma comida boa e doce.

11
1o BRANDA0, Alfredo. Os negros na História de Alagoas. ln: Estudos afro-brasileiros. Rlo de Janeiro, 1935 c1> Chronicas alagoanas. Maceió, 1939.

298 299
E o fornalheiro responde do outro lado: é importante), são colocadas cm uma vasilha; sobre elas põe-se uma cmnada
- Seu mestre, ô! de açúcar; coloca-se-lhe outra camada de folhas e por cima desta mais outra dl'
. E o fogo crepita em baixo das caldeiras e a fumaça vai subindo pelo açúcar; por fim mrus uma camada de folhas. Leva-se tudo isso ao fumo at •
b~eiro; as tachas começam a ferver; o cheiro de mel cozido enche o engenho. derreter. Opaciente toma três colheres ao dia.
La fora, na mata, os carros de bois cantam vindo dos canaviais; os cambiteiros Nos casos de hemorragia o bastante é colocar açúcar bruto sobre o local .
estalam os chicotes. Também local é o remédio para a vista: uma gota de aguardente no olho dot•ntt·.
Ao longe, no alto da colina a casa-grande alveja ao luar. Debruçada na Para a rouquidão, porém, aconselha-se um chá: o chá de um tijolo novo, chamado
balaustrada da casa-grande a senhora de engenho cisma. tijolo virgem, com açúcar.
M~, quando os galos começam a amiudar o canto, na madrugada, os
Omel aparece numa meizinha para curar fraquezas: mistura-se mel dl'
rumores vao esmaecendo pouco a pouco; e ao clarear do dia, desaparecem. o açúcar branco com geléia de mocotó bem cozido, e toma-se. Nos casos de coccirm;
engenho é outra vez um montão de escombros, silencioso, abandonado, e sarna o remédio se encontra em mistura de caroço de algodão com aguardente.
esquecido". Para coceiras: tomar aguardente com caroço de algodão pisado. Para sarna: pisar
Outra le1~da que Alfredo Brandão recolheu, no seu interessante livro caroço de algodão e misturar com aguardente; tomam-se três cálices ao dia. O
sobre assuntos alagoanos, é a do vaso morto. O vaso morto é a primeira das remédio não impede que o doente possa banhar-se - é esclarecimento que
cinco tachas do assentamento, e recebe o caldo verde, de um lado, e, de outro acompanha a receita.
~ado, recebe os resíduos da depuração das outras tachas. Conserva-se sempre
Ainda a cura da embriaguês ou o desaparecimento do vício, encontra na
nnóvel, com sua superffcie calma, coberta de espuma suja. medicina popular seu remédio, cuja base é justamente a própria bebida
Pois bem, quando o vaso morto geme, é o senhor de engenho que vai pertubadora do espírito, a chamada "água que passarinho não bebe". Um copo
morrer. Alenda e a superstição se unem na ingenuidade do caboclo. E Alfredo de aguardente com três pingos de sangue de urubu é a meizinha aconselhada
Brandão, dando feito literário ao motivo do folclore açucareiro, conta como seu para acabar com o vício de beber. De beber bebidas alcoólicas. Uma mistura de
avô morreu oito dias depois do vaso morto haver gemido. pimenta do reino com açúcar é aconselhada para curar campainha caída.
O_nde mais se expande a superstição cabocla, é no capítulo da medicina É inegável que para um bom resultado do remédiio se reclame do
p~~ula~ E vast~ o material que se recolhe no folclore alagoano a respeito da
paciente absoluta crença. Dessa crença na eficiência da meizinha é que depende,
utihzaçao do açucar como remédio. São meizinhas destinadas à cura de coceiras, em grande parte, a cura do doente. Admite-se mesmo que, tomando-se
de hemorragias, de sarna, de rouquidão, de gripe; também de doenças da vista, indiferentemente o remédio,sem a fé necessária na sua influência, não é possível
de embriaguês, de tuberculose. Para as doenças há sempre o remédio. E não só obter o efeito desejado. Sem dúvida nenhuma, no caso da medicina popular,
o povo o consome; as classes menos ignorantes igualmente o utilizam e 0 entra o seu bocado de psicologia não só individual como coletiva.
aconselham. E assim enriquece-se o capítulo da medicina popular em que entra E isto é natural que se verifique desde quando as origens mais remotas
o açúcar. / do curandeirismo, quer o de natureza indígena, quer o de fundo africano,
, Para a gripe, também conhecida como defluxo ou constipação, o remédio repousam cm efeitos psicológicos. As influências do pajé, por exemplo, coisa
esta num preparo de folhas de hortelã da folha miúda com açúcar. Faz-se bastante estudada na situação cultural dos indígenas brasileiros. De outro lado,
assim: depois de bem lavadas, as folhas de hortelã (deve ser da folha miúda, isto sem a persuasão psicológica tornar-se-ia diffcil conseguir o poder do remédio,

300 301
poder de efeitos quase mágicos. Na sua maior parte o receituário popular é Também é usado, nos meios rurais, em casa de caboclo e às H'/('s t•111
aplicado com acompanhamento de orações ou rezas nem sempre compreensíveis. casa de proprietário, a colocação de um pano, a jeito de bandeira, cm ('Sl.lt a
Continuemos a respigar o que ainda existe em matéria de remédio perto do galinheiro; isto serve, dizem os entendidos, para afugentar ali cl<wnçus
popular tendo como base o açúcar. Lembremos agora o que é aconselhado para das galinhas, principalmente o "neném de galinha", tão comum entre as cnaçõcs
a cura da turbeculose. Trata-se de fórmula colhida por Lages Filho, que tem nordestinas.
reunido excelente material acerca do folclore médico regional, a respeito de que Se não podem contar histórias durante o dia, podem, entretanto, fazer
já divulgou, há tempo, interessante estudo, que muito nos tem servido neste advinhações. De dia ou de noite, em qualquer momento de folga, não é raro
peregrinar pela medicina popular das Alagoas<8). verem-se os grupos formados tirando adivinh~s. Há pessoas especializadas
Encontra-se nesta fórmula a mistura de agrião e açúcar, assim cm decifrar os enigmas populares. Uma capacidade rara de acertar.
procedendo-se: mistura-se agrião e açúcar em uma panela de barro, a qual se Informada por Téo Brandão, autorizaclo conhecedor do folclore alagoano,
coloca, depois, cm um buraco cavado no chão. Cobre-se com terra este buraco, temos esta adivinha, recolhida por ele no engenho Salgado no Pilar:
e sobre ele acende-se uma fogueira, deixando-a arder durante o dia. A mistura
feita e assim cozinhada produz um mel que o paciente tomará em colheres. ''Verde foi meu nascimento
Não é pequena a soma de S..!:!l?erstições que se podem recolher na Por ferros duros passei,
área canavici ra. Quando os trabalhadores se reúnem nas suas horas de descanso, Entrei de mar a dentro
é comum cada um contar o seu "causo". De dia, porém, não se contam histórias, Fui à presença do Rei.
principalmente as célebres histórias de Trancoso: quem conta história de dia, -Cana."
cria rabo...
Entre as superstições mais conhecidas na vida rural das Alagoas há Aí está em quatro versos a síntese da cana de açúcar. Todas as suas
uma que se destaca porque se demonstra visivelmente: é a que se traduz na fases estão caracterizadas na quadra citada, cm poucas e felizes palavras. "Verde
colocação de cabeça de boi, ou caveira de boi, em estacas no canavial ou nas foi meu nascimento" é a cana colhida que depois é Jc,·ada às moendas do engenho,
outl1lS plantações. Usa-se também enfiar apenas o chifre do boi, o que, aliás, é isto é, "por ferros duros passei". Feito o açúcar é ele exportado: "entrei de mar
mais comumente encontrado. Acabeça de boi ou o chifre defende as plantações a dentro". "Fui à presença do Rei" exprime o interesse econômico da Coroa na
e os roçados contra pragas, mau-olhado, mau-tempo, etc. Deve-se-lhe o e\~tar indústria do açúcar. Tudo mostra a antigüidade, e igualmente a originalidade,
todas as ameaças contra as plantas. dessa adivinha.
Eé por isso que se vê enchendo a paisagem verde dos canaviais, aqui e Podemos incluí-la no grupo de adivinhas rimadas, da classificação de
ali, uma cabeça de boi, ou apenas o chifre de boi. Também admite-se que a José Maria de Melo<9>; merece, aliás, uma exegese mais demorada pelo que•
casca de ovo, colocada igualmente sobre estacas, evita mau-olhado. Usa-se do exprime como símbolo do aproveitamento da cana. Lamentamos carecer ele
mesmo modo, e principalmente nas plantações de roseiras, craveiros, dálias, espaço para fazê-la, dentro do plano que nós traçamos; falem a respeito os dou lo:;,
etc. De flores, particularmente. / mais autorizados para a análise exegética.

!Ali.AGES FILHO, José. Amedicina popular em Alagoas. Arquivos do Instituto Nina Rodrigues, Bahia, <?'MELO, josé Maria de. Discurso de posse no Instituto Histórico de Alagoas. R. Inst. lllst. Alngon",
Salvador 2 (1·2) out. 19;1. Maceió, v. 23, 1944 (1945).

302 303
Outra adivinha referente à cana figura na coletânea de josé Maria de Ocampo folclórico abrangendo as manifestações do ciclo do açúcar 011
Melo que, especializando-se no estudo dos enigmas populares, se tornou hoje a do engenho, é muito amplo, e só por si comportaria um livro. Vem analisa11d11
maior autoridade no assunto no folclore alagoano, senão mesmo uma das maiores o eruditamente joaquim Ribeiro em magnífica série de estudos<u>, onde tem
de todo o país, quer pelo grande material já recolhido, quer pelos estudos de posto à evidência sua cultura. Entretanto, cabe ainda ser feita maior coleta de
análise e comparação que tem apresentado. Foi por ele divulgada na imprensa material de modo que estas manifestações não se percam por completo.
alagoana<10> e é a seguinte: Compreendendo um largo panorama da vida rural, porque se pode
mesmo dizer que foi no engenho que o Brasil começou a existir não só
Eu fui preso e ajojado economicamente, mas também culturalmente, o folclore do ciclo do açúcar ou
Por ordem de seu Tenente; do engenho reclama maior pesquisa. Isto permitirá que a exegese dos temas se
Vi meu sangue derramado possa basear em maior volume de material, possibilitando melhor conhecimento
No meio de tanta gente. dos aspectos rurais. Evidentemente, o folclore é excelente campo para isto.
De fato, são as manifestações populares que o folclore encerra, o melhor
O próprio folclorista explica o sentido da adivinha - a cana presa e desenho a caracterizar um assunto. Se hoje não podemos estudar a história
ajoujada em feixe por ordem do senhor de engenho que aí aparece na qualidade nacional sem conhecer as manifestações folclóricas que envolvem os seus
de "seu tenente", isto é, o que manda; quando esmagada pelas moendas, o episódios, muito mais se dirá cm relação à vida rural. Expansão de idéias do
caldo que é o seu sangue, derrama-se através da bica de madeira para o vaso povo, modo através do qual - em poesia, em adivinha, cm anedota, e lenda, até
morto (' 1vi meu sangue derramado") o que é feito na presença dos trabalhadores, mesmo em pulha-este povo exprime seus pensamentos e traduz sua opinião,
"tanta gente" da quadra. o folclore constitui material rico e valioso para entendimento dos aspectos
Outra adivinha muito conhecida nas áreas açucareiras das Alagoas e econômicos, sociais e culturais da comunidade rural.
de todo o Nordeste é a seguinte, referente à cachaça: Não se pode desprezá-lo; ao contrário: cabe valorizá-lo pela soma
abundante de recursos que oferece e pelo que contribui para interpretação dos
Que é, que é? fenômenos de uma coletividade. Se assim é, cumpre promover os meios mais
Que pode mais do que Deus? adequados para recolher e depois estudar tão importante material. E antes que
tudo se perca, como se está perdendo.
Esta que aparece cm qualquer reunião onde se façam adivinhas, figura Ocaso das festas populares ou dos folguedos típicos de engenho é bem
entre as recolhidas por Nestor Diógenes no seu interessante Brasil virgem, curioso. Já não se guardam as tradições antigas; quase nem se as conhecem
onde se inclui também esta advinha conhecida nas Alagoas: "Que é, que é? Tem mais. Mesmo a festa da botada, quando ainda há, tem hoje o encanto, o pitoresco,
pé, porém não anda, tem olho, porém não vê, tem junta porém não se ajoelha, a graça do passado?
tem cabelo, porém não s~nteia". Ea resposta surge logo: a cana de açílcarº 1l. Igualmente sucede com os~ do povo: as danças dramáticas ou
as danças socializadas.
1")1 Advinhações (Contribuição ao estudo do nosso folclore) li. Gazeta de Alagoas, Maceió, 25 dez. 1938 joaquim. O folclore do açúcar, série de artigos no Brasil Açucareiro, do Rio th.' j.111~lr11, il
<11lR1BEIRO,
111 começar de nov. 1943.
t DIÓGENES, Nestor. Brasil Yirgem. Recife, 1924.

304 305
)

Das danças dramáticas, em particular no caso das Alagoas, a impressão nas figuras de Mateus. Nos três dias de Momo, porém1 gs b~inquedos se dcrr:u11:1111
que se tem é de que algumas nasceram em engenho; transmigraram depois para as vilas ou cidades mais próximas; é aí que se realizam, ficando os cngC'nlio:i
para os centros urbanos; posteriormente, procuraram, e hoje mais mergulhados no maior silêncio. No São João há igualmente festejos, cujo prmd pai
acentuadamente, voltar ao ninho primitivo, recolhendo-se ao ambiente dos característico é a fogueira na porta da casa, tendo ao lado uma bandeira de Sfü>
engenhos ou das propriedades rurais. OQuilombo é citação inevitável, porque João, no alto de um mastro.
está quase desaparecido, aparecendo hoje muito raramente, e isto mesmo restrito Se a bandeira permanece desde Santo Antônio indo até São Pedro, é,
a uma área: a região da Viçosa. porém, nas vésperas dos dias dedicados aos três santos do mês que se armam e
Parece-me que acontece o mesmo com o Reisado. Tenho a impressão acendem as fogueiras. Na casa dos caboclos, dos trabalhadores, dança-se coco;
de ter sído esta dança iniciada em engenho, promovida pelos negros escravos. há "pagode". Na casa-grande há as sortes.
Um traço que me sugere caracterizar sua origem, é o verso inicial desta quadra: Reúnem-se moças e rapazes da família do engenho a que se juntam
amigos dos engenhos vizinhos, e fazem-se jogos, sortes, músicas; dança-se, canta-
"Deus te salve casa-grande se, brinca-se. Na grande mesa da sala de jantar há doces, bolos de mandioca,
Egente que nela mora siquilhos; também licores de genipapo ou de leite, refrescos de abacaxi, de laranja,
Venho dar as boas noites de maracujá, vinho de genipapo, de caju. Aparecem também os cremes.
Meus senhores e senhoras". Mas o que predomina geralmente são as comidas de milho: o angu, o
cuscus, a pamonha, a canjica, o munguzá. Nem sempre a receita desses quitutes
A"casa-grande'' aí aludida não será justamente acasa-grande do engenho, correponde às conhecidas no Sul, em virtude da diferença de nome. O angu
onde primeiro o Reisado ia dançar? Robustece-me esta opinião uma pode ser de caroço ou simples. Ode caroço é quando os caroços de milho ficam
circunstância particular ainda hoje existente no Reisado que aparece nas Alagoas: inteiros. Osimples é quando o angu é feito do milho em pó ou triturado; neste
é que antes de sair o brinquedo, o Mateus vai pedir licença ao senhor do engenho último caso o milho é conhecido como xerém de milho.
ou da propriedade para dançar na casa-grande - no terreiro ou na sala de visita, Àparte as duas grandes festas do ano com repercussão na zona rural -
se o senhor de engenho é chegado ao folclore. o São João e o Natal - os instantes de maior movimento na vida dos bangüês
Houve época em que o Reisado aparecia, com todo o seu aparato e eram os que precediam o dia da botada. Todas as atividades se dirigiam para os
brilho nos festejos natalinos dos centros urbanos, nas capitais principalmente; preparativos da festa. Era o dia maior do engenho, aquele em que começava a
hoje, porém, está voltando às zonas rurais, dançado em vilas ou pequenas cidades moagem. Vinham amigos, vinham vizinhos, vinham os moradores, vinham os
e nos engenhos. Nos engenhos, pelo menos, é onde se encontra um Reisado conhecidos; e o engenho se enchia.
bom: nos engenhos do Pilar, da Viçosa, da Capela, de Camaragibe. Como outras Na literatura histórica ou de ficção sobre o Nordeste não falta a descrição
danças dramáticas, o Reisado está voltando ao ponto que me parece ter sido o da botada. Ela constitui, cada ano, o ponto culminante das atividades do engenho.
seu berço. Os viajantes ou cronistas que a viram, descrevem-nas nas suas minúcias.
Na época do Natal é quando aparecem os folguedos mais animados nos Registraram os jornais igualmente festas de botada. Ainda hoje embora diluído
engenhos: o bumba-meu-boi, o cavalo-marinho, o fandango, às vezes o o brilho de outrora, a botada é o grande dia do engenho.
pastoril. No carnaval também há folguedos populares, quase sempre traduzidos

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Os festejos já não têm o brilho de antes. Por notícias de jornais do século
todo o povo ajoelhou-se: era o símbolo da fé. Baptisado o engenho deu slg11al
passado, e não só peJo que contaram os cronistas viajantes, se pode concluir o
que já podia e queria trabalhar. Então seus exms. padrinhos deram-ll1c par.1
que era o início da moagem nos engenhos. Era festa a que presidia o espírito
moer as primeiras cannas descascadas e adornadas em laços de fitas ele cm
católico; e talvez por este sentido que se lhe emprestava, os dominadores
purpurina: seguiram-lhe os illms. snrs. vice-consul portuguez João d'Almclcht
holandeses anteriores a Nassau houvessem proibido a sua realização. Maurício
Monteiro, coronel Luiz José Ferreira, negociante matriculado Francisco Jos~ de
de Nassau foi que permitiu se realizassem as comemorações, inclusive nos seus
Magalhães Bastos, etc., achando-se na manjarra o também estimável Snr. José
pormenores católicos de bênção da moenda, missa, etc.
Antonio de Almeida Ave, e se decifro bem '~nha & o Snr. Joaquim Loureiro. Eram
Já mesmo nos últimos anos do século passado a moagem era festejada dez horas e os espectadores folgavam de o ver labutar03>.
com menos esplendor. Resumia-se quase sempre a jantar e dança, sem esquecer,
Para a botada o senhor de engenho convidava, com antecedência, através
é claro, a bênção das moendas.Dabotadadasafrade 1892, no engenho Castro,
de cartas, aos amigos e vizinhos. Muitos convidados, principalmente aqueles
do Dr. Pedro da Cunha, noticiava OMunicípio que "foi esplendida, abrilhantada
que moravam mais distantes, vinham de véspera, e no d.ia da festa já participavam
com a presença de muHos amigos e pessoas da família do ilustre Dr., um dos
da recepção aos outros.
nossos mals activos agricultores. A noite foi preenchida com algumas danças
Depois da chegada dos convidados e do padre, que se tornava a figura
que se prolongaram até a madrugada do dia seguinte" (nº 7, de 22 de setembro
central da festa - quase sempre um parente quando não o vigário da freguesia-
de 1892).
tinha o começo o ato. Celebrava-se missa, seguindo-se, então, a bênção do
No mesmo ano, o engenho Vale iniciou sua moagem com máquina a
engenho. Não somente as moendas eram aspergidas; também o eram, embora
vapor. Houve missa pela manhã e logo depois foi lançada a bênção ao novo
simbolicamente, os campos e canaviais.
motor do engenho do Dr. Bernardo de Mendonça (nº 3, de 15 de dezembro de
A seguir canas vistosas e enfeitadas eram entregues às moendas, a
1892). As festas corriam o dia todo, encerrando-se com jantar no qual abundavam
primeira delas pelo Vigário. Cada convidado desejava participar do ato, e assim
os brindes, seguido de danças na casa-grande, enquanto nas suas casas, ou
seguidamente as canas eram dadas a espremer. Quando isto terminava já se
numa delas, os moradores festejavam igualmente o começo da moagem.
aproximava a hora de almoço. Uma lauta mesa, enorme, enchia-se de ponta a
C5onista que assistiu o começo das atividades do engenho Santa Clara,
ponta. Ena hora da sobremesa começavam os brindes, prolongando-se o almoço
foi ponnénorizado na sua descrição do início da moagem. Contou por minutos
até tarde. .
tudo quanto se passou. Escreveu o Sr. Pires de Freitas no terceiro dos seus artigos
Depois do almoço os convidados se distribuíam em grupos; uns iam dar
referentes a uma viagem àquele engenho: "Às nove horas e um quarto, o parocho,
passeios pelo jardim ou pelo pomar, outros dançar, conversar; alguns iam andar
que há pouco havia celebrado, benzia a água para o baptismo do - Santa Clara:
a cavalo pelo canaviaJ e pela mata. Muitos preferiam uma rede para a sesta.
a este tempo jungiam-se os animais a manjarra. Às nove e trinta e quatro minutos
Outros, e principalmente as crianças voltavam à casa do engenho para ver a
batizava-se o engenho, sen~ndo-lhe de padrinhos o exm. sr. brigadeiro Luíz de
moagem e beber alguns goles de caldo de cana. Ànoite o jantar era novo ensejo
França Pinto Garcez, e a exma. snra. D. Alexandrina, senhora do d.istincto capitão
para brindes e saudações; seguiam-se danças e divertimentos familiares: premias,
José Gomes de Almeida. O povo circulando o acto silencioso deixava ouvir as
jogos, "cotillons", etc.
palavras do sacerdote. Às 9 horas, 36 minutos e 30 segundos era o engenho
borrifado com a água benzida pelo ministro do crucificado. Às nove e três quartos
mlDIÁR!O DAS ALAGOAS, Maceió, 7 set. 1860.

308
309
Além dos festejos costumeiros havia proprietários que davam uma nota apropriadas e correspondesntcs se espalham por toda a região prl':rnlhl.1
mais emocionante no dia da botada Quase sempre a libertação de um escra\o culturalmente pela economia da cana de açúcar.
Neste sentido, o Diário das Alagoas (nº 254, de 10 de novembro de 1882) É que a cultura da cana e a indústria do açúcar poss1b1litar.1111 11
publicou uma correspondência da Capela em que, ao comunicar que no dia aparecimento, no Brasil, de palavras novas na língua protuguêsa; a maioria ut'las
da botada o capitão josé Francisco de Almeida, senhor do Monte Verde, e sua bons brasileirismos, nascidos do entrechoque lingüístico, que, se foi peculiar
mulher, "concederam liberdade sem condição alguma a um de seus escravos de ao contacto cultural entre os três grupos étnicos, expressou, outrossim, a~
nome Luiz, pardo, solteiro, de 30 anos de idade", aplaude o gesto e sugere seja o condições do meio ambiente, dele refletindo certas características predominantes.
mesmo imitado. E realmente era, pois se tornou comum esta atitude dos Desde o plantio da cana surgiram palavras novas naquele português
senhores de engenho aJagoanos. quinhentista que nos veio nas expedições lusitanas. Não apenas a soca ou a
Embora sem o grande festejo com que era comemorada a botada, outro ressoca; também tipos ou espécies de cana; a balseira, isto é, a cana nascida
dia de cantoria nos engenhos era por ocasião da peja. Com a peja terminam os cm terreno com bastante umidade, tendo grande rendimento cultural, embora
trabalhos da moagem da safra colhida. O engenho encerrava suas atividades seja pobre cm sacarose.
para, depois de um descanso de meses, reiniciá-la na safra seguinte. Oengenho A inflorescência da cana é chamada bandeira ou flecha. ,\parte superior
pejou ... ou o engenho está pejado ... são frases corriqueiras na área açucareira, de sua haste dá-se o nome de olhadura ou garganta. Se a cana tem rebento
representando o fim dos trabalhos de moagem. tardio, com pequeno crescimento, embora engrosse enormemente, chama-se
Os caboclos festejam a peja a seu modo. Colocam as canas nas moendas pampo esse rebento. Caboje é a parte dos gomos extremos do rebolo da cana;
cantando versos alusivos ao fim dos trabalhos da safra. Uns versos ainda são utilizando-o, apressa-se a germinação dos brotos. Dessa palavra há um sinônimo:
conservados num coco alagoano: vigário. Orebolo é a parte da cana de açúcar com dois ou mais brotos; planta-
se como semente. O pedaço da cana que se descasca para chupar, é rolete.
"Acabou-se a cana. Folha é a denominação dada às safras do canavial.
Acabou-se o mé. Aplantação da cana de açúcar obedece comurnente a dois sistemas. Um
- Até para o ano é o rego, quando o plantio se faz em terras altas, cnx.utas e juntas; consiste na
Se Deus quizé". abertura de covete, buraco em que se põe a semente da cana ou dos olhos. A
coveta deve ter 10 a 12 polegadas de comprimento, 6 a 9 de largura, e 6 a 8 de
A peja é comemoração mais dos trabalhadores, não havendo assim profundidade, guardando-se entre elas, paralelamente, uma distância variável de
tradição de grandes festejos por parte dos senhores de engenho. Os trabalhadores 16 a 32 polegadas, conforme a qualidade do terreno. Ooutro sistema, o mergulho,
da fábrica é que comemoram a peja. E o folclore guardou essa comemoração, é o plantio da cana em terras leves e frouxas; consiste em levantar uma camada
relembrando em versos populares o fim dos serviços no engenho. Isto representa de terra para colocação da semente no fundo da coveta, pondo-se terra sobre da.
o sentido alegre dado sempre às atividades.do engenho. Alegria que se manifestava No preparo do açúcar, termos científicos ou técnicos foram dominado:-;
nas comemorações de santos, em festas profanas, em costumes da vida rural. inteiramente por brasileirismos peculiares à área ca.navieira, uns de f1111do
Retrato ainda da vida rural, fotografando-a com nitidez bem peculiar, se lusitano, outros influenciados pelos indígenas ou africanos. Em primeiro l11g;1r,
encontra na linguagem da área canavieira: brasileirismos, modismos, palavras bangüê, nome que tomou o engenho, a fábrica de aç(1car pelos mNmlos

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primitivos. Segue-se uma série de vocábulos próprios da região açucareira, resultou o verbo defecar, que é ato de se separar do caldo da cana as imp11n•zas
referentes de modo mais íntimo ao preparo técnico do açúcar. que nele se contêm.
Vem a botada, início da moagem, cujo fim é a peja, ato de conclusão Entendeu-se, igualmente, e era natural que isto sucedesse, a aphrnçi\o
dos trabalhos da produção da safra colhida. Resultaram daí os verbos botar e de nomes brasileiros à especialização técnica da produção, daí surgindo palavras
pejar, como também expressões que ampliaram seu âmbito geográfico e explicativas das tarefas do engenho. Ajudar foi o verbo correspondente a fazer a
elasteceram seu sentido; assim pejado, o que está cheio, aparece no palavreado ajuda, tão bem definida por Antonil(1 4>. Chama-se testo a primeira camada de
do povo, mesmo nas cidades. barro colocada sobre os pães de açúcar, servindo de filtro à ceva e à água, que o
Preparar a fábrica para a moagem é apontar, donde apontamento. atravessam, com o que é afastado o açúcar incristalizável; barreação é a
Oengenho bangüê pode ser copeiro, se a água cai de cima sobre a roda; meio- permanência do açúcar no barro. Retirar a forma do pão de açúcar, diz-se
copeiro, se a roda se move com a água recebida pelo meio; ou rasteiro, se recebe aventar, enquanto que o caldo da cana já limpo e pronto para passar do caldeirote
a água de um nível muito baixo. Quando está funcionando, diz-se que está asafrejar, ou tacha de safar para a de cozer se deu o nome de melado.
mas se suas máquinas cessam para sempre de trabalhar, o engenho está de fogo Dos produtos originados do engenho bangüê, a aguardente é aquele que
motto. Quinquigu é o nome que tomou o trabalho dos escravos fora das horas mais tem recolhido sinonímia na linguagem popular. Se é a cachaça por todos
normais, sobretudo a lavagem das moendas do engenho; restringiu-se hoje à conhecida, é, do mesmo modo, a bicha para outros; a imaculada para terceiros;
designação do serviço feito antes do almoço, e quase já não se usa. a patrícia, para alguns. Também pode ser branca, branquinha, caxixi,
De criação ou adaptação popular são nomes de certas peças e utensílios azuladinha, ou simplesmente cana. Às vezes o nome se origina da denominação
que constituem a engrenagem do bangüê. Aí temos alguns desses termos: cabeça dada à cachaça, não sendo raro o do engenho produtor.
de cavalo é o cano de madeira que leva a água aos cubos da roda dos engenhos Se a aguardente é bebida em certa porção de uma só vez temos a palavra
copeiros; cavouco, a lavada por onde sai a água vinda dos cubos das rodas; bicula, de que são sinônimos a bicada e o gornope. Cachimbo é a bebida
aventador, a plataforma de madeira sobre a qual é retirado o açúcar das formas, feita com mel de abelhas, aguardente e umas gotas de limão. Garapa é outra
dividindo-se os pães; picadeiro, o lugar onde se depositam as canas para moer. bebida formada pela mistura de mel com água; usa-se a palavra em sentido
O transporte do bagaço verde é feito num cesto grande chamado figurado, para designar tudo aquilo fácil de se obter ou coisa certa e boa. Garapa
comboia. Apeça adaptada ao centro das moendas para encaminhar as canas é de açúcar com farinha de mandioca é gonguinha. Agengibirra, bebida popular
virola; ma~arico é a parte do assentamento que leva as chamas à chaminé, nas festas do Nordeste, é feita de gengibre, açúcar, ácido tartárico e fruta, fermento
enquanto ginga designa o caneco de longo cabo que fica sobre o assentamento de água e pão. Pirua, informa-me gentilmente Afrânío C. Melo, um dos
para baldear o caldo de uma tacha para outra. Outros nomes: lambalo, espécie apreciadores do tempo de estudante em Maceió, é o nome dado a uma mistura
de vassoura para limpar a espuma do açúcar nas bordas das tachas de cozer; de aguardente e caldo de cana, muito usada e procurada nas festas de rua ela
sarilho, a roda dentacL'l que, colocada no eixo da roda d' água, serve para transmitir capital alagoana.
1
o movimento desta aos rodetes, os quais movem o tan1bor superior; vaso Outros termos bem brasileiros originados da área açucareira: tabu,
morto, a caldeira de receber o caldo frio; cachoeira, o lugar em que se apara e açúcar que não coalha bem na forma; calda, resíduo da destilação do álcool ou
junta a cachaça, tirada das caldeiras de açúcar. Defecador é o aparelho
conhecidíssimo em engenho, dispensando por isso maior explicação; dele
04>ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Pauto, 1923.

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aguardente, servindo de adubo ou para alimento do gado; cabaú, mel de tanque. atos, no andar, no conversar, está alegre, triscado ou bicado. Beber um l'álicc
Cara de açúcar é presente comum dos senhores de engenho aos amigos; trata- de cachaça é tomar uma bicada, ou chupar, se a quantidade é maior. Pode srr
se do prisma do açúcar branco em rama, com formas mais ou menos artísticas. também matar o bicho. Está na chuva, o cachaceiro inteiramente bêbado.
Nomearam-se com palavras nascidas na região açucareira, de onde se Convém ainda anotar os nomes de doces peculiares à região açucareira
irradiaram a outras áreas, profissões ligadas à cultura da cana-de-açúcar ou à nordestina. São guloseimas em que entram o açúcar ou o mel. Além de um pé-
sua industrialização. Apareceu o bangüezeiro, como sinônimo de senhor de de-moleque já referido, e daqueles produtos de milho ou de mandioca, lembrados
engenho, por influência de usineiro; apareceram também lavrador, pessoa a anteriormente, podem se registrar ainda: bola, pequena bola de açúcar refinado
quem o senhor de engenho concede uma casa e um pedaço de terreno para em ponto vítreo e envolta em papel (corresponde à bala no sul do país, e no
plantio da cana de açúcar, sendo o produto partilhado, ou morador, pessoa que Nordeste é também conhecido como confeito); currumbá ou sambongo, doce
mora um engenho, exercendo a pequena lavoura, sob a condição de prestar de coco ralado e mel-de-furo, que pode ser feito com mamão em lugar de coco;
certos serviços ao proprietário mediante determinada retribuição. Houve felô, bala de açúcar em ponto fraco, constituindo uma massa maleável;
oportunidade para se chamar cambembe ao trabalhador que não era escravo e bazulque, doce de coco e mel.
se contratava para prestar serviços no engenho mediante salário, e corumba o É enorme a relação de brasileirismos conhecidos na região açucareira
imigrante ou retirante que vem do sertão à procura de serviço no engenho, alagoana. Se dele não são originários, nem isto se pode exatamente comprovar,
principalmente na época da seca. são-lhe, no entanto, peculiares, como igualmente o são a Pernambuco, ou à
No fabrico do açúcar, isto é, no trabalho propriamente dito do engenho, Paraíba, ou talvez mesmo ao recôncavo baiano, regiões onde os traços da
temos algumas expressões tipicamente brasileiras. Entre elas merecem ser cultura da cana de açúcar - cultura baseada no mesmo regime latifundiário-
citadas: cambiteiro, o indivíduo empregado no transporte de cana, feito em monocultor-escravista - deixaram marcas características, se não de unidade
animais; bagaceiro seco, o condutor do bagaço seco da bagaceira para a fornalha; ao menos de semelhança, em virtude da existência dos mesmos princípios,
bagaceiro verde, o condutor do bagaço verde da moenda para a bagaceira; das mesmas condições econômicas, da mesma técnica de vida. São expressões,
banqueiro, o trabalhador encarregado do trato da garapa nos diferentes tachos; por isso mesmo, não próprias de determinada área geográfica; antes, sim, de
moendeiro, o trabalhador que põe as canas nas moendas; tacheiro, o ajudante determinada área cultural: aquela condicionada pela agricultura da cana e
do mestre de açúcar; tombador, o trabalhador que conduz as canas do picadeiro indústria do açúcar.
para a moenda.
Ligadas ao comércio da cana e de seus produtos surgem as profissões
de aguardenteiro, que é o almocreve que compra aguardente nos engenhos e
a revende por sua própria conta; açucareiro, o negociante de açúcar em grosso
(também se diz armazenário); meleiro, o vendedor ambulante de m~I de
engenho, figura muito comum nas ruas da cidade e vilas do Nordeste.
Autilização dos produtos de engenho, em particular da aguardente, criou
uma variedade de expressões próprias. O cachaceiro é pau-d'água, pé-de-
cana, ou, ainda, caixa. Quando bebe demais e isto revela nas maneiras, nos

314 315
FONTES BIBLIOGRÁFICAS

São indicados a seguir as principais obras, documentos, MMS, coleçocs de


jornais e de revistas, de que nos servimos para elaboração deste estudo. Parte do
materiasl é fundamental para oestudo do bangüê nas Alagoas, quer isoladamente,
quer em relação com o complexo econômico da agricultura da cana e da ind(1strla
do açúcar no Brasil; outra parte é complementar, isto é, completa aquela primeira
parte, fornecendo-lhe sugestões, comparações ou analogias, infonnações, etc.
Deixamos de registrar nesta bibliografia alguns livros que, embora citados no texto,
são dispensáveis. Por outro lado, indicamos outros, citados ou não no texto, que d.e
certa fonna nem ao menos fazem alusão às Alagoas: é que se trata de trabalhos
indispensáveis, desde que não podemos, a rigor, isolar a região açucareira alagoana
do conjunto econômico do Brasil, em que se inclui com os mesmos traços culturais
marcantes de outras áreas açucareiras do país.

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330 331

/
Nota da revisora

Para a apuração desta edição, servimo-nos, inicialmente, das duas


seguintes edições: a primeira, de 1980, e a segunda, de 2002.
Alguns problemas encontrados nas edições mencionadas foram
posteriormente solucionados com a consulta à primeira edição (1949), disponível
no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, atualmente sob a presidência
do Dr. Jayme de Altavilla.
Na edição que ora se faz, não devem ser creditados à revisora momentos
de desatenção no que diz respeito à observância de certas regras do sistema de
pontuação e à escrita de patronímicos, que ora aparecem no singular (Os
Mendonça), ora no plural (Os Rochas). Como não nos cabe incriminar os editores
por essas leves inobservâncias, preferimos mantê-las, o que, aliás, nos permitirá
pennanecer bem próximos ao problema do desajuste entre nonna, uso e sistema.
Quando consultamos a primeira edição, pudemos constatar um fato
que já havia chamado nossa atenção: as notas de rodapé, simples e objetivas,
haviam sido adaptadas às regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT). Com isso, ganharam um aparato acadêmico que, a nosso ver, foge à
concepção original da obra. Além disso, observamos que, muitas vezes, as notas
eram acompanhadas de infonnações documentais não constantes da primeira
edição. Para manter uma fina sintonia com a espontaneidade do autor, seria
desejável conservá-las tal como figuram na edição de 1949. Tais alterações podem
ser constatadas nos dois seguintes exemplos, extraídos do capítulo Ili,
respectivamente encontrados nas notas de rodapé (15) e (26). Na primeira cdiç:lo,
lê-se: (15) Cf. Alfredo Brandão, op. clt.; e também Alfredo Brandão, Viçosa da

333
Alagoas, Recife, 1914. (26) J.A. Gonsalves de Melo, neto, "A situação do negro sob ; ~

o domínio holandês". ln: Novos estudos Afro-Brasileiros, Rio de Janeiro, 1937. Já TITULOS DA COLEÇAO NORDESTINA
nac; edições posteriores, lê-se: (15) BROOÃO, Alfredo. Tr. cit., ref. 10. _ _ Viçosa
de Alagoas (. ..) . Recife, I914. (26) MELO NETO, J. A. Gonsalvcs de. Asituação do
negro sob o domínio holandês. ln: Estudos afro-brasileiros. Rio de Janeiro, 1. Joaquim Nabuco: Abolição e a República
1937. Prof. Manuel Correia de Andrade
Universidade Federal de Pernambuco - Editora Llniversitaíria - UFPE
Ainda no que concerne às notas de rodapé, pode ocorrer a omissão de
informações contidas na primeira edição, como é possível perceber na nota (7)
2. Flor de Romances Trágicos
do capítulo 111, em que o nome de Luís da Câmara Cascudo, citado como tradutor
da obra Viagens ao Nordeste do Brasil, de Henry Koster, foi omitido. Luís da Câmara Cascudo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - EDUFRN
Quanto à ortodoxia das normas bibliográficas, ao leitor, portanto, não
deverá surpreender o uso indiscriminado de negritos ede itálicos, cujas ocorrências 3. ACiência e os Sistemas
são visíveis tanto nas notas de rodapé (nos títulos de obras, de revistas e de Pedro Américo
documentos bem como na transcrição de siglas e abrevianiras), quanto no corpo Universidade Federal da ParaJba - Editora Universitária - UFPB
do livro (nos nomes de engenhos, nos patronímicos e nos topônimos).
Em conclusão, devemos esclarecer que, para a presente edição vir a público, 4. História da Minha Infância
foram necessárias três revisões. No entanto, todo o cuidado que tivemos em revisar Gilberto Amado
a quarta edição desta obra monumental da historiografia brasileira, não impede Universidade Federal de Sergipe - Editora UFS
que falhas e erros tenham sido, eventualmente, cometidos. Nesse sentido,
confiamos no olho atento do leitor e da leitora. 5. Cancioneiro Geral
Martins Napoleão
Universidade Federal do Piauí - EDUFPI

6. Cartas Literárias
Adolfo Caminha
Gilda Vilela Branáão
Universidade Federal do Ceará - Edições UFC

7. Imagens de um Tempo em Movimento: Cinema e Cultura na Bahia


nos AnosJK (1956 - 1961)
Maria do Socorro Silva Carvalho
Universidade Federal da Bahia - EDUFBA

334 335
8. Canais e Lagoas 16. Cancioneiro Geral - Volume 2
Octávio Brandão Martins Napoleão
Universidade Federal de Alagoas - EDUFAL Universidade Federal do Piauí - EDUFPI

9. Cordéis 17. O Conto em 25 Baianos


Patativa do Assaré Cyro de Mattos (organizador)
Universidade Federal do Ceará - Edições UFC Universidade Estadual de Santa Cruz - EDITUS

10. Frei Caneca: Acusação e Defesa 18. Antecipações


Socorro Ferraz - (organizadora) Gilberto Freyre
Universidade Federal de Pernambuco - Editora Universitária - UFPE Universidade de Pernambuco - EDUPE

11. Zé Limeira: O poeta do Absurdo 19. Naufrágio e prosopopea


Orlando Tejo Afonso Luiz Piloto e Bento Teyxeyra
Universidade Federal da Parafba - Editora Universitária - UFPB Universidade Federal de Pernambuco - Editora Universitária - UFPE

12. Gregório de Mattos: Um Códice Setecentista Inédito 20. Horto


Fernando da Rocha Peres e Sílvia la Regina (organizadores) Auta de Souza
Universidade Federal da Bahia - EDUFBA Universidade Federal do Rio Grande do Norte - EDUFRN

13. Os Índios Tupi-Guarani na Pré-História, Suas Invasões do Brasil e 21. Apontamentos de folclore
do Paraguai, Seu Destino após o Descobrimento Frederico Edelweiss
Moacyr Soares Pereira Universidade Federal da Bahia - EDUFBA
Universidade Federal de Alagoas - EDUFAL
22. Maceió de outrora - Volume 2
14. Macau Félix Lima júnior (Organizado e apresentado por Rachel Rocha)
Aurélio Pinheiro Universidade Federal de Alagoas - EDUFAL
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - EDUFRN
23. José Lins do Rêgo: Modernismo e Regionalismo
15. Os Portugueses no Brasil José Aderaldo Castello
Felisbelo Freire Universidade Federal da Paraíba - Editora Universitária . lJJIPB
Universidade Federal de Sergipe - Editora UFS

336 .B7
24. Delírio da solidão
32. OPríncipe deJoinville na Bahia, na Ilha de Santa Helena e no Golfo
Jáder de Carvallio da Guiné
Universidade.Federal do Ceará - Edições UFC Waldir Freitas Oliveira
Universidade Federal da Bahia - EDUFBA
25. Dias e Noites
Tobias Barreto 33. Dias e noites
Universidade Federal de Sergipe - Editora UFS Tobias Barreto (organizador: Luiz Antonio Barreto)
Universidade Federal de Sergipe - Editora UFS
26. O catolicismo no Brasil: um campo para a pesquisa social
Thales de Azevedo 34. Aves de arribação
Universidade Federal da Bahia - Editora EDUFBA Antônio Sales
Universidade Federal do Ceará - Editora UFC
27. Contos
Adolfo Caminha 35. Memórias: Antes que me esqueça
Universidade Federal do Ceará - Editora UFC José Américo de Almeida
Universidade Federal da Paraíba - Editora Universitária - UFPB
28. OBangüê nas Alagoas: Traços da influência do sistema econômico do
engenho de açúcar na vida e na cultura regional 36. Termos tupi na geografia de Sergipe
Manoel Diégues Júnior
Armindo Guaraná (organizadores: Francisco José Alves, Amâncio Cardoso e
Universidade Federal de Alagoas - EDUf)\1 José Araújo Filho)
Universidade Federal de Sergipe - Editora UFS
29. Nossa Senhora dos Guararapes
Bemadino Freire de Figueiredo Abreu e Castro 37. Antologia panorâmica do conto baiano - Século XX
Universidade Federal de Pernambuco - EDUFPE Gerana Damulakis (organizadora)
Universidade Estadual de Santa Cruz - EDITUS
30. História do Modernismo em Alagoas
Moacir Medeiros Sant'Ana 38. Como melhorar a escravidão
Universidade Federal de Alagoas - EDUFAL
Henry Koster (tradução, prefácio e notas: Nelson Patriota - estudo
introdutório.: Manuela Carneiro da Cunha)
31. Economia pernambucana no Século XVI Universidade Federal do Rio Grande do Norte - EDUFR.N
Manoel Correia de Andrade
Universidade Federal de Pernambuco - Editora Universitária - UFPE

338
.HIJ
Se o que faz de um pensador um clósslco
sobretudo, a perenidade das questões que ele levanto o
par dos pistas que obre paro os que p retendem, dep
dele, avançar fio desvendamento dos temas e objeto
sobre os quais se debruçou, não há como negar o
Dlégues Júnio' e ao seu "Bangüê nas Alagoas· o
denominação CJe clásslcos. Tendo mergulhado fundo no
trama social q~e foi urdida para formar as Alagoas, daf
extraindo o eth9s profundo da vida social alagoano, este
trabalho do méstre Diégues Júnior representa uma obra
seminal para c1uem quer que pretenda entender aqullo
que se costurT'p chamar de afagoanidade, cujos traços
de arraigada permanência somente recentemente vêm
sendo retomados pelos estudiosos desta sociedade.

Elclo de Gusmão Verçosa


Coordenador do Grupo de Pesquisa
"CAMINHOS DA EDUCAÇÃO EM PJAGOAS*,
do Programo de Pós-Graduação em Educoção do GOONFAL

O ffvro "O Bangüê das Alagoas" con1Tlbul de fOIJJlO


definitiva pard uma introdução na saga da cana-de
açúcar em A'ogoas. Essa 3ª edição vem ratificar a
parceria existente dessa Importante atividade ecoriômlca
representada pelo Sindicato da Indústria do Açúcar e do
Álcool no Esta~o de Alagoas e a Universidade Federal de
Alagoas, que representa o que temos de mais df)nso ho
nosso segment·;:> cultural.

Pedro Robério de Melo Nogueira


Presidente do Slndlcato da Indústria do Açúcar
e do Álcool ncl Estado de Alagoas
,... --l

Apolo: ISBN 85-7177- t 1Ci -2

L,
t
I Sindicato da lnd1k tr1a do Aç-úcar e do
Álcool no Estad°lde Alagoas
1
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