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VIDYA, v. 27, n. 1, p. 9-20, jan./jun., 2007 - Santa Maria, 2009.

ISSN 0104-270X

PSICOPEDAGOGIA: APAR ANDO ARESTAS PELA HISTÓRIA


PSYCHOPEDAGOGY: TRIMMING EDGES THROUGH THE HISTORY

GÉSSICA PRISCILA R AMOS*

RESUMO ABSTRACT

A palavra “Psicopedagogia”, especialmente após The word “Psychopedagogy”, especially after


1990, começou a fazer par te dos debates sobre 1990 began to take par t in debates about
educação escolar de modo intenso. Todavia, tal school education. However, that terminology,
terminologia, ainda hoje, tem sua história e sig- nowadays, has its histor y and meaning lost in
nificados perdidos em meio a discursos que em speeches, that weaken the scientific potential of
muito enfraquecem o potencial científico dos es- the psychopedagogical studies, fundamentally
tudos psicopedagógicos, fundamentalmente no in the school education area. Based on that
campo da educação escolar. Com base nessa initial analysis, this ar ticle has the objective
observação inicial, este ar tigo tem o objetivo de of rescuing the histor y (past and present) and
resgatar a história (passada e presente) e o signi- the Psychopedagogy meaning, as well as its
ficado da Psicopedagogia, bem como o papel de professional’s responsibility, star ting from
seu profissional, a par tir de uma análise bibliográ- a deep bibliographical analysis, that aims at
fica que busca recuperar e unir os dados que se recovering and joining the dispersed data in the
encontram dispersos na literatura sobre o tema. literature theme.

Palavras-chave: Psicopedagogia; ABPp; História. Key words: Psychopedagogy; ABPp; Histor y.

* Mestre em Educação Escolar pela UNESP de Araraquara/SP, Doutora em Educação pela UFSCar de São Carlos/SP.
Atualmente atua como professora substituta no Depar tamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas (IBILCE) da UNESP de São José do Rio Preto.

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Clínica. Bossa (1994) e Masini et al. (1993),
INTRODUÇÃO por outro lado, apontam que a Psicopedago-
gia teria nascido no ano de 1946, período em
A palavra “Psicopedagogia”, especial- que se deu a criação dos primeiros Centros
mente a par tir dos anos 90, começou a fazer Psicopegagógicos na Europa, em Paris, por
par te dos debates sobre educação escolar de Juliet te Favez-Boutonier e George Mauco.
modo intenso. Nesse contex to, essa termino- Conforme Masini et al. (1993), Mauco
logia acabou tornando-se mistificada, presa teria explicado que o termo “psicopedagó-
a discursos amadores que pouco ou quase gico” foi utilizado na nomenclatura desses
nada contribuíram para sua compreensão centros em substituição à expressão “mé-
efetiva, confundindo-a ora com a Psicologia, dico-pedagógico”, já que os pais aceitavam
ora com a Pedagogia, ora com uma mescla mais facilmente encaminhar suas crianças
de ambas as áreas. para consultas psicopedagógicas, do que
Conforme constatado em levantamento médicas. A Psicopedagogia iniciada nes-
bibliográfico, tal terminologia, ainda hoje, tem ses centros tinha entre os seus objetivos
sua história e significados perdidos em meio centrais auxiliar as crianças e os adoles-
aos discursos amadores que em muito enfra- centes que apresentavam dificuldades de
quecem o potencial científico dos estudos psi- compor tamento (na escola ou na família),
copedagógicos, fundamentalmente no campo segundo os padrões da época, no intuito de
da educação escolar. Com base nessa obser- reeducá-las para o seu ambiente por meio
vação inicial, este ar tigo objetiva resgatar a de um acompanhamento psicopedagógico
história (passada e presente) e o significado (BOSSA, 1994). A prática da reeducação
da Psicopedagogia, a par tir de uma análise consistia em identificar e tratar dificulda-
bibliográfica que busca recuperar e unir os da- des de aprendizagem, a par tir de ações de
dos dispersos na literatura sobre o tema. medição, de classificação de desvios e de
elaboração de planos de trabalho. A base do
OS PRIMÓRDIOS conhecimento utilizado provinha fundamen-
talmente da Psicologia, da Psicanálise e da
O nascimento da Psicopedagogia ocor- Pedagogia e o tipo de enfoque predominante
reu na Europa do século X X. Todavia, o ano era o médico-pedagógico.
preciso ainda não é um dado consensual na Apesar das equipes desses centros se-
literatura. Segundo Andrade (2004), ele teria rem formadas por profissionais de várias
acontecido na década de 1920, momento em áreas (psicólogos, psicanalistas, pedagogos,
que se instituiu o primeiro Centro de Psico- reeducadores de psicomotricidade, de es-
pedagogia do mundo. Ligado ao pensamento crita etc.), era o médico o responsável pela
psicanalítico de Lacan, tal centro, de acordo realização do diagnóstico do sujeito (MASINI
com a autora, fundamentou aquilo que pos- et. al, 1993). Por intermédio da investigação
teriormente foi nomeado de Psicopedagogia da vida familiar, das relações conjugais, das

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condições de vida, dos métodos educativos, A PSICOPEDAGOGIA NO BR ASIL
dos resultados dos testes de QI da pessoa,
ele dava a orientação sobre o tipo de trata- Foi a Argentina a maior influenciadora
mento cabível, visando corrigir a falta de da Psicopedagogia brasileira, notadamen-
adaptação detectada no sujeito. te a par tir dos anos 60, momento em que
Em 1948, para além da consideração vários países latinos contavam com gover-
dos casos de problema de compor tamento, nos di tatoriais e vivenciavam a lógica do
o estudioso Maurice Debesse inseriu, ain- medo e do silêncio em seus terri tórios.
da, como preocupação psicopedagógica, a Por essa ra zão, a Psicopedagogia chegou
ocorrência de crianças e adolescentes que, até nós de forma clandestina, por intermé-
embora fossem considerados inteligentes, dio de seus ex ilados políticos (ANDRADE,
apresentavam problemas de aprendizagem. 2004). Sob tais influências, igualmente ao
Nesses casos, o tipo de atuação privilegiada que ocorria naquele país, a Psicopedago-
também era de cunho médico-pedagógico e gia brasileira também se construiu sob um
o objetivo da ação era diferenciar esses su- enfoque médico-pedagógico e com uma
jeitos daqueles que possuíam deficiências natureza mais prática do que acadêmica.
físicas, mentais e ou sensoriais, bem como Anteriormente, o Brasil já tinha conta-
lhes possibilitar ações reeducadoras que do com uma iniciativa de trabalho psico-
contribuíssem para o desaparecimento de pedagógico de cunho mais preventivo,
seus sintomas. Segundo Drouet (1995), esse especialmente vol tada para a relação pro-
tipo de atuação recebeu o nome de “Psicope- fessor-aluno. Essa ex periência ocorreu,
dagogia Curativa” ou “Pedagogia Curativa” e conforme Masini et. al (1993), em 1958,
designava, além de uma ação de reeducação com a criação do Ser viço de Orientação
especializada, exercícios de readaptação. Psicopedagógica (SOPP) da Escola Guate-
Embora, desde a década de 60, vários mala, na Guanabara (escola ex perimental
pesquisadores não concordassem com essa do INEP - Insti tuto Nacional de Estudos e
conceituação diagnóstica, tal enfoque perdu- Pesquisas Educacionais Anísio Tei xeira/
rou na história da Psicopedagogia por muito MEC), par ticipando um profissional da Pe-
tempo, vindo a influenciar os cursos de for- dagogia e outro da Psicologia. Entretanto,
mação que se seguiram na área, bem como a despeito dessa ex periência, a literatura
o desenvolvimento do campo psicopedagó- revela que a finalidade que predominou na
gico na Argentina. Nesse país, a criação dos história antiga da Psicopedagogia brasilei-
primeiros cursos em Psicopedagogia se deu ra foi a de atuar nos problemas referentes
por volta da década de 70, com a instalação às disfunções neurológicas ou, mais pre-
dos Centros de Saúde Mental. Eles se locali- cisamente, naquilo que foi denominado
zavam em Buenos Aires e possuíam equipes na época de “Disfunção Cerebral Mínima”
de psicopedagogos que atuavam no diagnós- (DCM). Essa tendência, for talecida notada-
tico e no tratamento dos casos. mente por vol ta da década de 70, ilustrava

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no momento uma interpretação psiconeu- Iludidos pelo cientificismo do discurso
rológica do desenvolvimento humano, bem presente nos diagnósticos, os próprios pais
como sustentava uma visão orgânica e pa- e professores passaram a tomá-los como
tologizante sobre os problemas de apren- verdades, de modo que, frente às dificulda-
dizagem. Sob essa perspectiva, tais pro- des de aprendizagem detectadas em seus
blemas eram tratados como originários de filhos ou alunos, eles apresentavam como
disfunções neurológicas tão pequenas que, primeira ati tude o encaminhamento médico
por essa razão, acabavam não sendo de- da criança e do adolescente. Por isso, con-
tectadas nos exames clínicos, embora pro- forme Scoz (1994), se por um lado o con-
vocassem al terações de compor tamento. cei to de DCM permi tiu um maior processo
Essa visão patologizante, que em prin- de acei tação da criança e do adolescente
cípio era utilizada apenas dentro dos con- por par te de seus pais e professores, por
sultórios par ticulares, acabou chegando às outro, contribuiu para desmotivar alguns
escolas sem nenhum critério, num proces- professores e pais a investirem na apren-
so de rotulação de crianças e adolescentes dizagem desses sujei tos.
(SCOZ, 1994). Segundo Bossa (1994, p. 43, Foi sob essa herança conceitual médi-
grifo do original): co-pedagógica que nasceram, na década
de 70, os primeiros cursos de Psicopeda-
O rótulo DCM foi apenas um dentre os gogia no país, voltados especialmente para
vários diagnósticos empregados para complementar a formação do psicólogo e
camuflar problemas ciopedagógicos
traduzidos ideologicamente em termos do educador. Em princípio, a formação dos
de psicologia individual. Termos como profissionais em Psicopedagogia se dava na
dislexia, disritmia e outros também fo-
ram usados para esse fim. Clínica Médico-Pedagógica de Por to Alegre.
Posteriormente, foram criados alguns cur-
Todavia, concomitantemente aos diag- sos de mestrado com área de concentração
nósticos patologizantes sobre os proble- em Aconselhamento Psicopedagógico (por
mas de aprendizagem feitos na época, o exemplo, o da PUC-RS, em 1972).
sistema educacional brasileiro vivia um Porém, somente em 1979, após quase
conturbado processo de democratização vinte anos da efetiva prática psicopedagó-
do ensino, mediante profunda massifica- gica no Brasil, surgiu o primeiro curso de
ção da escola e da qualidade da educação. especialização em Psicopedagogia do país,
Nessa perspectiva, os diagnósticos patolo- inicialmente chamado de Curso de Reedu-
gizantes contribuíam para ocul tar todas as cação Psicopedagógica. Ele foi criado no
ma zelas educacionais provenientes desse Instituto Sedes Sapientiae (SP) e não era
momento político, responsabilizando, em legalmente reconhecido já que a referida
termos biológicos e individuais, a criança Instituição preferiu abrir mão da validação
e o adolescente pelos problemas que eles acadêmica de seus cer tificados em troca
apresentavam em tais condições. de poder exercer a prática da liberdade de

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pensamento e de ex pressão mul tidiscipli- 2000, a Psicopedagogia brasileira começou
nar, formando profissionais comprome- a escrever uma nova história, criando outros
tidos com os direitos da pessoa humana tipos de cursos de formação na área (curso
(ANDRADE, 2004). superior de cur ta duração; curso de gradua-
A despeito de durante muito tempo esse ção em Psicopedagogia; curso de mestrado
tipo de curso ter sido raridade no contex to em Psicopedagogia; curso de doutorado em
nacional, com o passar dos anos, as especia- Psicopedagogia), ocasionando um aumento
lizações e os cursos de aper feiçoamento se significativo da produção acadêmica dentro
expandiram, proliferando-se, sobretudo por desse campo (FONTES, 2006).
volta da década de 90. Em princípio, eles se Não obstante essa ex pansão dos cur-
concentravam nas Faculdades de Educação sos e das pesquisas em Psicopedagogia no
do estado de São Paulo. Em seguida, espalha- Brasil, vale frisar que a profissão de psico-
ram-se por todo o território brasileiro. pedagogo ainda não foi nacionalmente re-
Ao trilhar esse caminho, a formação do gulamentada. Pela Classificação Brasileira
psicopedagogo brasileiro acabou afastando- de Ocupações, o psicopedagogo é apenas
se, e muito, de sua matriz argentina. Isso membro da família dos “Programadores,
porque, enquanto nesse país a formação do Avaliadores e Orientadores de Ensino”, que
psicopedagogo continuou a dar-se por meio é composta por coordenador pedagógico,
de cursos de graduação de aproximadamen- orientador educacional, pedagogo, profes-
te cinco anos, o Brasil perpetuou a tradição sor de técnicas e recursos audiovisuais,
de uma formação mais aligeirada, por volta super visor de ensino e psicopedagogo.
de um ano, em nível de especialização lato Pensando nessa realidade, desde 1997,
sensu ou em cursos de aper feiçoamento, está em trâmite em Brasília um projeto de
nas modalidades presencial, semipresencial lei cujo objetivo é alterar tal situação2. Esse
e a distância. Segundo Bossa (1994), essa projeto, registrado sob o nº 3.124/97, é de
tradição brasileira de formação menos apro- autoria do deputado federal Barbosa Neto e
fundada na área explicaria por que, na Ar- dispõe sobre a regulamentação da profissão
gentina, tornou-se facultativo para o psicope- de psicopedagogo no país, bem como cria os
dagogo o uso de alguns testes diagnósticos Conselhos Regionais de Psicopedagogia e dá
que, no Brasil, mantiveram-se apenas para o outras providências. O referido projeto se en-
uso exclusivo pelo psicólogo. contra atualmente na mesa diretora da Câma-
Embora ainda hoje o país mantenha a tra- ra dos Deputados, na situação de arquivado
dição de formação psicopedagógica nos cur- desde 31 de janeiro de 2007. Apesar desses
sos de especialização, em meados dos anos limites legais, o estado de São Paulo, desde

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Esse material foi inicialmente apresentado, em 1996, no “III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia” e “VII En-
contro de Psicopedagogos”, da ABPp, com o relato do trabalho “A Regulamentação da Profissão Assegurando o
Reconhecimento do Psicopedagogo”. Tal trabalho fomentou a construção do projeto de lei apresentado à Câmara
Federal pelo deputado Barbosa Neto.

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2001, tem aprovada a lei nº 10.891 (resul- à par ticipação de graduados em Psicologia,
tado do projeto de lei nº 128, de 2000, do Neurologia, Psiquiatria, Pedagogia etc., al-
deputado Claury Alves da Silva), que autoriza mejando a troca de experiências e saberes
implantar a assistência psicológica e psico- entre eles. Enquanto isso, vários outros esta-
pedagógica nos estabelecimentos de ensino dos, seguindo o exemplo paulista, criavam os
público básico paulista, tendo como preocu- seus núcleos associativos.
pação central o aprendiz e a instituição públi- Assim, em 1988, a Associação de
ca de educação infantil e ensino fundamental Psicopedagogia de São Paulo passou a
e médio, no diagnóstico e na prevenção de se chamar Associação Brasileira de Psi-
problemas de aprendizagem. Enquanto isso, copedagogia (ABPp). Ela tornou-se uma
a Associação Brasileira de Psicopedagogia entidade de representação do grupo que
-ABPp- continua na luta pela regulamentação cadastrava seus profissionais e atuava na
dessa profissão no país. consolidação da identidade legal da cate-
goria, na elaboração, publicação e revisão
A ABPp de conhecimentos e tendências na área,
bem como na organização de eventos.
Em 1980, com base na iniciativa de pro- Uma de suas primeiras ações em termos
fessores e formandos em Psicopedagogia do nacionais foi a promoção do “I Congresso
curso do Instituto Sedes Sapientiae, a Asso- Brasileiro de Psicopedagogia” conjuntamen-
ciação de Psicopedagogos de São Paulo foi te ao “III Encontro de Psicopedagogos”, cuja
criada na capital do estado. Sua preocupação finalidade era exatamente a de reforçar a im-
central era definir o per fil do profissional da por tância da integração de conhecimentos
área, atuando no oferecimento de pequemos para se compreender o processo de aprendi-
encontros para reflexão e trocas de experiên- zagem como um todo – o que já havia tenta-
cias sobre o trabalho com os problemas de do enquanto Associação paulista. Após esse
aprendizagem (BOSSA, 1994). encontro, vários outros eventos foram pro-
O primeiro grande encontro foi realizado movidos pela ABPp.
no ano de 1984, cuja preocupação essencial Além de sua atuação na promoção de en-
foi não somente a discussão sobre os pro- contros, congressos, seminários etc., a ABPp
blemas de aprendizagem, mas, inclusive, a passou a agir na orientação dos psicopedago-
reflexão sobre as ações que poderiam impli- gos do país. Com esse objetivo, o Conselho
car a melhoria da qualidade do ensino. Nacional da ABPp aprovou, em 2000, um
Com o crescente desenvolvimento do documento (“Diretrizes Básicas da Formação
campo de ação psicopedagógica no contex- de Psicopedagogos no Brasil e Eixos Temá-
to paulista e a latente necessidade de uma ticos para Cursos de Formação em Psicope-
atuação mais multidisciplinar por esses pro- dagogia”) em que constavam sugestões de
fissionais, a Associação começou a oferecer diretrizes para a consolidação e identidade da
cursos, palestras, seminários etc., voltados formação do psicopedagogo nacional.

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Dentre outras coisas, o Conselho orien- conhecimento e da aprendizagem; aquisição
tava que os cursos de Psicopedagogia e desenvolvimento da leitura e da escrita;
fossem oferecidos preferencialmente em processos de pensamento lógico-matemá-
nível de pós-graduação e contemplassem tico; aprendizagem e contex tos sociais); o
as áreas institucional e clínica, por meio diagnóstico e a inter venção psicopedagó-
de uma carga horária mínima de 600 horas gica (fundamentos teóricos do atendimento
(75% de aulas teóricas e 25% de estágios psicopedagógico; avaliação psicopedagógi-
super visionados). Segundo o documento, ca da aprendizagem individual e grupal com
os coordenadores dos cursos precisariam utilização de instrumentos próprios da Psi-
ter formação em Psicopedagogia e grande copedagogia; inter venção psicopedagógica
par te do corpo docente (70%) deveria ser em diferentes contex tos de aprendizagem).
constituída por psicopedagogos com expe- A ABPp também aprovou, em 12 de ju-
riência prática e de pesquisa na área. lho de 1992, durante a assembléia geral
O Conselho sugeria ainda que os can- realizada no “V Encontro” e “II Congresso
didatos ao curso fossem necessariamente de Psicopedagogia”, um código de ética
habilitados em nível superior e selecionados (“Código de Ética da Associação Brasilei-
por meio de análise de currículo, de entre- ra de Psicopedagogia”) que, dentre outros
vista individual ou coletiva, de car ta de in- fins, pretendia delimi tar melhor os obje-
tenções/exposição de motivos e de sua ex- tivos da Psicopedagogia e a identidade
periência docente. O aluno par ticipante do do psicopedagogo no Brasil. Tal Código
curso deveria realizar um estágio super vi- declarava que a Psicopedagogia seria um
sionado (clínico e institucional), bem como campo de atuação em Saúde e Educação
a elaboração de um trabalho de conclusão vol tado para o processo de aprendizagem
que ar ticulasse teoria e prática. humana em seus padrões normais e pato-
Ao curso de Psicopedagogia em si, o lógicos, considerada a influência do meio
Conselho sugeriu como eixos temáticos de nos casos. Ainda, segundo o Código, tal
seu currículo: a especificidade e a concei- campo atuaria a par tir de procedimentos,
tuação da Psicopedagogia (contex tualiza- técnicas e métodos próprios e valer-se-ia
ção da Psicopedagogia; ética no trabalho das várias áreas do conhecimento huma-
psicopedagógico; metodologia científica e no vol tadas para a compreensão do ato de
produção do conhecimento; filosofia das ci- aprender (em seu sentido ontogenético e
ências; sociologia); a Psicopedagogia e as filogenético), tendo em vista a sua nature-
áreas de conhecimento (desenvolvimento za interdisciplinar. A base desse trabalho
socioafetivo e implicações na aprendiza- seria de origem clínica e insti tucional, de
gem; desenvolvimento cognitivo, aquisição caráter preventivo e ou remediativo, tendo
de conhecimento e habilidades intelectuais; como metas essenciais a promoção da
desenvolvimento psicomotor e implicações aprendizagem e a realização de pesquisas
na aprendizagem; constituição do sujeito do científicas no campo da Psicopedagogia.

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O documento indicava ainda que o psi- tica da aprendizagem ou, mais precisamente,
copedagogo atuasse somente nos limites para a temática do sujeito que aprende.
das atividades que lhe coubesse, bem como Em princípio, seu foco era as dificulda-
considerasse a existência dos casos refe- des de aprendizagem e o fracasso escolar.
rentes a outros campos de especialização Atualmente sua preocupação se volta, de
e a necessidade do encaminhamento para forma mais abrangente, para a compreen-
diferentes profissionais. são do processo de aprendizagem, dentro
Nessa linha de atuação, a ABPp posterior- ou fora do ambiente escolar, considerando a
mente criou uma Comissão de Ética, compos- influência dos fatores físico, emocional, psi-
ta por membros de seu Conselho, cuja ação cológico, pedagógico, social, cultural etc.
dar-se-ia na orientação sobre a formação Durante muito tempo, contudo, confor-
profissional do psicopedagogo e sobre sua me o apresentado, foi o enfoque orgânico
conduta profissional, bem como em relação à que conduziu o desenvolvimento da história
conduta dos grupos associativos de psicope- da Psicopedagogia pelo mundo. Tal enfo-
dagogos, com base no Código de Ética. que teve sua origem nas contribuições das
Hoje, a ABPp se encontra presente em ciências médicas e biológicas, que clas-
todo país, tendo seção na Bahia, em Brasília, sificavam rigidamente os seus pacientes
no Ceará, em Goiás, em Minas Gerais, no Pa- em “anormais”. Com o passar dos anos,
raná Nor te, no Paraná Sul, em Pernambuco, essa visão patológica sobre os pacientes
no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Nor te, transferiu-se dos hospitais para as escolas,
no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Ser- originando a utilização do termo “anormais
gipe, bem como núcleos no Espírito Santo, escolares” (SCOZ, 1994).
no Sul Mineiro e em Teresina. Sem embargo O for talecimento da área psiquiátrica e
dessa história da ABPp, vale lembrar que ela a incorporação de alguns de seus conceitos
se constitui numa entidade representativa de da área médica (a influência do ambiente
uma categoria profissional que, até o presen- na personalidade, a atuação da dimensão
te, não é reconhecida legalmente no Brasil. afetivo-emocional no compor tamento, por
exemplo) possibilitaram a mudança, no
O OBJETO DE ESTUDO DA PSICOPEDAGOGIA meio escolar, do termo “criança anormal”
E O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO para a expressão “criança com problema”
(SCOZ, 1994). Entretanto, a modificação
Diferentemente do que costuma supor o efetiva dessa visão individualizante dos pro-
senso comum, a Psicopedagogia não se re- blemas de aprendizagem para outra de cará-
sume a uma fração da Psicologia, ou a par te ter mais totalizante e menos patológica não
da Pedagogia, ou a uma junção reducionista se deu imediatamente. Ela foi lenta e ampa-
entre Pedagogia e Psicologia. Antes disso, a rou-se na contribuição de várias tendências
Psicopedagogia é uma área de conhecimento teóricas e nas descober tas científicas de
e de atuação profissional voltada para a temá- diversos campos do conhecimento.

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No Brasil, pode-se destacar dentro des- pela qualidade de seu saber científico, em
sas tendências, por exemplo, o movimen- razão de se manter muito presa a esfera da
to escolanovista. Esse movimento dei xou empiria (BOSSA, 1994; ANDRADE, 2004).
como legado histórico uma nova visão so- Assim, pautada na ar ticulação dos co-
bre a criança, em termos da especificidade nhecimentos desses vários campos e teorias
de seu desenvolvimento e da adequação da (inclusive daquelas que não foram criadas
escola para ela, especialmente por meio para responder aos problemas de aprendi-
da criação de novos métodos de ensino. zagem), a Psicopedagogia tenta fundamentar
Outra tendência for temente impor tante a construção de uma teoria própria, de tal
nesse processo é identificada nas teorias modo que, hoje, conforme Bossa (1994) e
de cunho sociorreprodutivistas que, ao Andrade (2004), ela já consiga demonstrar
apontarem a faceta reprodutiva da escola, com clareza sua especificidade, bem como
contribuíram para valorizar a influência dos sua conotação como prática, como campo
fatores ex ternos à criança em seu proces- de investigação do ato de aprender e como
so de aprendizagem. De outro modo, res- saber científico.
sal tam-se ainda as abordagens de matriz
piagetiana, que, dentre outras coisas, re- A PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA
tiraram do “erro” o sinônimo de problema
e o reinterpretaram como ex pressão das No início de seu desenvolvimento, a
hipóteses infantis, lançadas durante o seu Psicopedagogia se utilizava tão somente
desenvolvimento. Há ainda a concepção vi- de instrumentos de atuação diagnóstica,
gotskiana que destacou a interdependência de inter venção e de prevenção vindos dos
do meio sociocul tural na aprendizagem da campos médico e psicológico. Atualmente,
pessoa e salientou a impor tância do adul to entretanto, a referida área tem atuado a par-
e do professor nesse processo. tir de métodos próprios.
Além dessas tendências específicas, O trabalho com equipes provenientes da
dentro da Psicopedagogia, são encontradas área da educação e da saúde continua sendo
também contribuições de diversas áreas do muito privilegiado. Porém, a expectativa é a
saber como da Antropologia, da Epistemo- de que, na prática, o psicopedagogo atue por
logia, da Lingüística, da Neurolingüística, meio de um olhar multidisciplinar.
da Fonoaudiologia, da Pedagogia, da Psi- A Psicopedagogia conta presentemen-
canálise, da Psicologia, da Sociologia etc. te com duas for tes tendências de ação,
Toda essa confluência de saberes, teorias sendo a de caráter clínico e a de caráter
e campos de conhecimento presentes na preventivo. A atuação clínica caracteri-
formação da Psicopedagogia explica-se za-se por ter a finalidade de reintegrar o
na medida em que, embora ela possa ser sujei to com problemas de aprendizagem
considerada como um corpo teórico organi- ao processo. Tal ação usualmente se dá
zado, não conseguiu até agora sustentar-se em consul tórios e hospi tais, possuindo

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uma conotação mais individualizada. Já a em investigar a si tuação como um caso
atuação preventiva tem a meta de refletir par ticular e único (BOSSA, 1994). Por ou-
e discutir os projetos pedagógico-edu- tro lado, o trabalho clínico também pode
cacionais, os processos didático-me- conter em si uma natureza preventiva: ao
todológicos e a dinâmica insti tucional, se tratar de determinado problema, está se
melhorando quali tativamente os procedi- contribuindo para evi tar outros.
mentos em sala de aula, as avaliações, Dentro dessa perspectiva, o campo de
os planejamentos e oferecendo assesso- atuação do profissional formado em Psi-
ramento aos professores, orientadores copedagogia vem se ampliando, sendo
etc. (FAGALI; VALE, 1993). demandado por clínicas, centros de atendi-
Geralmente, esse tipo de ação ocorre mento, hospitais, empresas, organizações
dentro da própria insti tuição (escola, cre- (inclusive do terceiro setor), escolas, orga-
che, centro de habili tação etc.), atuando, nizações educacionais etc.
segundo Bossa (1994), em três níveis de Com base no Projeto de Lei 3.124/97
prevenção: o primeiro, que visa analisar e nas discussões da Comissão de Regula-
e modificar os processos educativos para mentação e Cursos da ABPp, interpreta-se
diminuir a frequência dos casos de pro- que, dentro desses espaços de atuação,
blemas de aprendizagem na insti tuição; o seriam atribuições e competências dos
segundo, que objetiva analisar e modificar psicopedagogos:
os processos educativos para bai xar e - intervenção psicopedagógica no proces-
tratar os casos já instalados no local; e o so de aprendizagem e suas dificuldades, tendo
terceiro, que atua diretamente e de modo por enfoque o sujeito que aprende em seus
mais individualizado (sob uma perspec- vários contex tos: da família, da educação (for-
tiva mais clínica, inclusive) com os su- mal e informal), da empresa, da saúde;
jei tos com problemas de aprendizagem, - realização de diagnóstico e inter ven-
prevenindo-lhes o aparecimento de ou- ção psicopedagógica mediante a utilização
tros problemas. Nesse úl timo caso, seu de instrumentos e técnicas próprios de Psi-
papel não seria o de eliminar os sintomas, copedagogia;
agindo como um “professor de reforço”, - utilização de métodos, técnicas e instru-
ensinando de forma par ticular o conteú- mentos psicopedagógicos que tenham por fina-
do não aprendido. Ao contrário disso, sua lidade a pesquisa, a prevenção, a avaliação e a
atuação seria a de diagnosticar e inter vir intervenção relacionadas com a aprendizagem;
no problema gerador do referido sintoma. - consultoria e assessoria psicopedagó-
Não obstante a distinção entre a atua- gicas, objetivando a identificação, a análise
ção clínica e a preventiva constante da li- e a inter venção nos problemas do processo
teratura, há que se lembrar que toda ação de aprendizagem;
psicopedagógica tem em si um caráter clí- - supervisão de profissionais em traba-
nico, localizado na atitude do profissional lhos teóricos e práticos de Psicopedagogia;

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- orientação, coordenação e supervisão - a teoria racista: que pregava a existência
de cursos de Psicopedagogia; de uma evolução natural da espécie humana e a
- co or denação de ser viços de Psico- hierarquia entre as raças;
pedagogia em estabelecimentos públi- - a teoria do dom: que pregava a exis-
cos e privados; tência de uma diferenciação natural entre as
- planejamento, execução e orientação de pessoas dada por seus dons e por seus ta-
pesquisas psicopedagógicas. lentos naturais;
Conquanto seja possível dizer que há um - a teoria da carência cultural: que pregava
consenso para o objeto central de estudo da que as diferenças entre os sujeitos seriam uni-
Psicopedagogia, a aprendizagem humana, o camente relativas a questões como: pobreza,
mesmo não pode ser dito quanto aos cami- desestruturação familiar, desinteresse dos pais,
nhos de intervenção e de pesquisa sobre tal desnutrição das crianças, falta de estímulo, lin-
processo. Como lembra Bossa (1994, p. 9, guagem pobre, problemas emocionais etc.
grifo da autora), a “concepção de aprendiza- De acordo com a autora, embora essas
gem é resultado de uma visão de homem, teorias e seus fundamentos pareçam suficien-
e é em razão desta que acontece a práxis temente superados em nossa sociedade, eles
psicopedagógica”. Assim, a concepção de ainda têm sido utilizados como base para o
aprendizagem, de homem e a qualidade da encaminhamento psicológico, psicopedagó-
formação do profissional determinam os gico, neurológico etc., de diversas crianças
diagnósticos e as intervenções nos proble- e adolescentes, por seus pais, professores,
mas detectados, bem como as pesquisas escolas, instituições etc., preocupados com
realizadas pelo psicopedagogo. aquilo que identificam no sujeito como “falta”,
“anormalidade”, “doença”, “carência” etc.
CONSIDER AÇÕES FINAIS Por isso, o segundo ponto a ser destaca-
do refere-se à impor tância de uma atuação
A história da Psicopedagogia revela a psicopedagógica abrangente, tanto em ter-
todos a impor tância de um posicionamen- mos dos saberes utilizados quanto do diag-
to claro quanto à prática psicopedagógica. nóstico realizado, para que ambos (saberes
Assim, um primeiro ponto a ser destacado e diagnósticos) não se limitem a focar unila-
é que, tendo a Psicopedagogia o alvo de teralmente e isoladamente o sujeito objeto da
discutir e de atuar sobre a aprendizagem, queixa. A prática psicopedagógica que aqui
todo profissional envolvido com essa área se defende estaria cientificamente embasada
deve ter muita sensibilidade ao abordá-la e e eticamente preparada e aber ta para uma
fundamentá-la. Conforme lembra Machado leitura mais dinâmica e ampla sobre o sujeito
(1997), durante a história da humanidade, e sua aprendizagem. Considera-se, por tanto,
várias teorias ser viram para justificar o abis- que não apenas a pessoa encaminhada seja
mo social e seus efeitos sobre a aprendiza- focada no processo diagnóstico, mas tam-
gem das crianças, como: bém as inúmeras variáveis que inter ferem

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na aprendizagem e no desenvolvimento dela, FONTES, M. A. Psicopedagogia e socieda-
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