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CRUZANDO AS REDES: O EMPIRISMO RADICAL E A TEORIA DO ATOR-

REDE ENQUANTO MONISMOS PLURALISTAS

CROSSING NETWORKS: THE RADICAL EMPIRISM AND THE ACTOR-NET


THEORY HOW MONISMS PLURALISTICS
Resumo
A meta deste trabalho é promover uma comparação entre a Teoria de Ator-Rede de Bruno
Latour e o Empirismo Radical de William James afim de realçar semelhanças estratégicas
no combate aos pensamentos dualistas. Apesar de possuírem adversários distintos, ambos
elaboram uma ontologia muito semelhante, bastante próxima do que Gilles Deleuze e Félix
Guattari chamaram de Monismo Pluralista ou pensamento rizomático. Tal ontologia
serviria de combate especialmente para o dualismo no plano cognitivo, recusando a idéia do
conhecimento como um salto das representações do sujeito à coisa conhecida. Pois para
estes dois autores o conhecimento se faz antes de tudo pelo meio, pelos intermediários,
onde sujeito e objeto são meros produtos deste processo. Outro dualismo recusado é o
operado entre verdade e crença, ainda que as estratégias aqui se revelem diferentes: a
recusa do conceito de crença para Latour e a absorção dele à noção de verdade para James.
Por fim, discute-se como estas duas estratégias concorrem para um pragmatismo ampliado.

Palavras-chave: Redes – Cognição – Monismo Pluralista

Abstract
The purpose of this work is to make a comparison between Bruno Latour’s Actor-Net
Theory and the Radical Empirism of William James, trying to highlight strategic
similarities in the fight against dualism. Although they have different opponents, both
create a very similar ontology, very close to what Gilles Deleuze and Félix Guattari called
Pluralistic Monism or rizomatic thought. This ontology serves as a weapon to fight the
cognitive dualism, refusing the idea of knowledge as a jump from the representations of the
subject to the known thing, as for these two authors knowledge is gathered by the middle,
by the intermediaries, where the subject and the object are simple products of this process.

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Another dualism refused is the one operated between truth and belief, although they have
different strategies: Latour refuses the concept of belief and James associates this to the
concept of truth. Last but not least, it is discussed how these two strategies lead to an
extended pragmatism.

Key-words: Network – Cognition – Pluralistic Monism

1. Introdução: O Império do Centro.


Este artigo busca ser mais do que uma mera comparação doutrinária entre dois autores, ou
ainda a busca de uma linha de continuidade ou filiação entre dois sistemas. Trata-se da
tentativa de destacar uma ressonância estratégica entre dois pensamentos na recusa de um
pensamento dualista, composto pela demarcação ou o corte entre duas regiões delimitadas e
distintas do real. Ao contrário do pensamento dualista, estes trabalhos forjarão uma nova
região ontológica no caminho do meio, numa região denunciada como de mistura e
confusão pelo pensamento dualista. Pois será nesta região que a Teoria do Ator-Rede de
Bruno Latour e o Empirismo Radical de William James lançarão a sua pedra fundamental:
uma ontologia que não se definirá na busca de um ser uno, estático e idêntico a si, mas
plural, movente e constantemente diferenciado e distante de si. Será nesta região que Latour
constituirá a sua Rede Híbrida e James a sua Experiência Pura: dois fundamentos a-
fundantes. Mais do que ontologias puras estes constructos servirão como armas contra um
dualismo representacional na esfera do conhecimento. De igual modo, ambos apontarão
para a construção de um mundo comum, um pluriverso como tarefa maior do pensamento.
A meta deste trabalho é pois destacar as ressonâncias nas estratégias de Latour e James: no
forjar de suas ontologias, no combate ao dualismo, e na constituição de modos peculiares
de pensar pragmaticamente.

2. Os combates de James e Latour


A princípio os alvos destes pensamentos parecem bem distintos. James na virada para o
século XX se coloca em guarda contra o pensamento monista e racionalista enquanto
defensores da redução do real a um esquema intelectual e abstrato fornecido pelo
pensamento contra os ruídos tremulantes da nossa experiência. Esta posição conduziria a

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uma concepção de universo fechado no qual todas as partes confluiriam para uma unidade
global sem qualquer dispersão: "O monismo pensa que a forma todo ou unidade todo é a
única forma que é racional” (James, 1909-b: 45). Latour, por sua vez, se posicionará contra
a tradição moderna e pós-moderna de separação do real em dois domínios distintos: um
domínio de entes humanos em que estes são representados pelos parlamentos e outro de
seres naturais que se fazem representar nos laboratórios (Latour, 1994: 35). Pluralidades de
culturas de um lado, unidade da natureza de outro; “de um lado a força social, o poder; do
outro, a força natural, o mecanismo”(op. cit.: 35); regras de um lado, leis de outro; questões
de valor de um lado, questões de fato de outro: na fronteira insuperável entre um domínio
subjetivo e de outro objetivo, os modernos (e pós-modernos) esquadrinham e dividem o
real entre duas ordens puras, superando e se pondo à distância da confusão dos pré-
modernos. De modo mais recente, Latour (2003) elegerá o crítica moderna, ou o
construtivismo crítico como adversário a ser batido.
Contra o monismo, James nos oferece o pluriverso de um empirismo radical onde
de uma massa de experiência pura e amorfa emergem todos os seres distintos e dotados de
racionalidade, tal como destacados pelos monismos. Contra o dualismo moderno (e pós-
moderno), Latour busca uma ontologia a-moderna em que os entes puros humanos e
naturais não são os seres primeiros, mas o produto de um longo processo de purificação em
rede que se inicia nos híbridos. O que haveria em comum entre os adversários de Latour e
James e nas alternativas que estes autores oferecem?

3. Pensando pelo meio (ou de onde se tecem as redes)


O que se pode dizer a princípio é que os alvos de Latour e James não se confundem: nem
todos os modernos são monistas e racionalistas, e os pós-modernos são claramente
pluralistas. A posição a-moderna defendida por Latour não seria nem monista nem
pluralista, sugerindo uma rede múltipla de entes híbridos, recaindo num Pluralismo
Monista, ou num Monismo Pluralista, tal como definido por Gilles Deleuze e Félix
Guattari em Mil Platôs (1995:32) no que tange ao Rizomai. Como isto se coadunaria com a
posição de James que em seu Universo Pluralista (1909-b) estabelece uma posição
antagonista entre pluralismo e monismo? Pode-se argumentar que a recusa de James ao
monismo é antes de tudo a um universo que não admite possibilidade de diferenciação,

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onde todas as partes estão necessariamente conectadas de forma estática e solidária a um
todo. Esta concepção é claramente distinta do monismo rizomático proposto por Deleuze &
Guattari: “Contra os sistemas centrados... de comunicação hierárquica e ligações
preestabelecidas, o rizoma é um sistema a-centrado não hierárquico e não significante, sem
General, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido por uma
circulação de estados” (1995: 33) . Algo em perfeita sintonia com James (1909-b: 46): “as
coisas são umas como as outras de várias maneiras, mas nada inclui tudo, ou domina sobre
tudo. A palavra ‘e’ arrasta-se atrás de cada sentença... O mundo pluralista compara-se
assim mais a uma república federativa do que a um império ou um reino”. Neste caso,
pode-se distingüir um monismo absolutista (combatido por James) de um monismo
pluralista defendido por Deleuze & Guattari. Contudo, pode se perguntar se James no seu
Empirismo Radical, ao afirmar a primazia de uma experiência pura, nem objetiva nem
subjetiva não recairia de uma maneira mais clara neste monismo pluralista, alternativa de
resto apontada por David Lapoujade (2000)ii. É esta a possibilidade que gostaria de
explorar, comparando a ontologia dos dois autores.
Como poderíamos caracterizar o Empirismo Radical de James? Passemos a palavra
a James, 1909-a: 118:

“Um postulado, a seguir em um enunciado de fato e, finalmente, numa conclusão


generalizada.
O postulado é que as únicas coisas que são questionáveis entre filósofos são as
coisas definíveis em termos de experiência (Coisas de uma natureza não experienciável podem
existir “ad libitum”, mas não fazem parte do material de debate filosófico).
O enunciado de fato é que relações conjuntivas, assim como disjuntivas, entre
coisas, são simplesmente matérias da experiência deste particular, nem mais nem menos, do que as
próprias coisas o são.
A conclusão generalizada é que, portanto, as partes da experiência são relacionadas
coerentemente pelas relações que são também parte da experiência. O universo diretamente
apreendido não precisava, em poucas palavras, de nenhuma sustentação de ligação trans-empírica
estranha [grifo meu], mas possui de seu próprio direito uma estrutura concatenada ou contínua

Neste aspecto, o empirismo estaria claramente expresso no primado da experiência.


Mas onde residiria a sua radicalidade? Algumas alternativas se impõe: a primeira,

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encontrável nos textos do próprio James, onde esta radicalidade se deveria ao esforço de
diferenciação entre o seu empirismo e o clássico. Neste aspecto o empirismo jamesiano
seria radical ao considerar como inerente à experiência tanto as relações disjuntivas como
as conjuntivas, estas ignoradas por Hume (James, 1905:135,138); ao recusar a idéia de
impressões imutáveis e idênticas a si no fluxo da consciência (“uma entidade tão mitológica
quanto o Valete de Espadas”- James, 1890: 57); e ao aventar a possibilidade de uma
filosofia religiosa empirista (James, 1907-a, p.7, 13). Uma outra suposição quanto à
radicalidade do empirismo de James pude destacar em minha dissertação (Ferreira, 1992:
Capítulo IV, ítem 3), refere-se ao acirramento e radicalização no combate ao racionalismo
no que tange à definição da verdade. Se numa estratégia inicial, definida por James como
humanista (1904-c), a verdade é vista como uma operação sobre-empírica dos conceitos
sobre a experiência, incluindo os próprios conceitos mais caros ao racionalismo (como de
absoluto), na estratégia empirista radical, a verdade, ou verificação passa a ser vista como
um processo intra-empírico. James assim se manifesta sobre esta transição radical (1909-a:
114): “Ao explicar por que não acredito no absoluto, mesmo achando ser verdadeiro que
ele pode oferecer “feriados morais” àqueles que precisam... eu ofereci a formulação acima
aos meus inimigos como um ramo de oliveira conciliatório. Mas eles, como é comum com
tais oferendas, a pisaram e voltaram-se para atacar o doador”.
Contudo, Lapoujade (2000: 167) reconhece a radicalidade do empirismo radical na
suposição primeira de uma experiência pura, nem objetiva nem subjetiva e anterior à
distinção entre conhecedor e conhecido. Ela não seria pura nem no sentido de uma tábula
rasa empirista, nem de um eu penso cartesiano, escoimado de todo conteúdo empírico. Sua
pureza não se encontraria em um dos polos do dualismo que marcam a filosofia da
antigüidade até os dias de hoje: matéria e forma (op. cit.: 269-270). Sua pureza está na
partida de “um campo ilimitado em que as distinções dualistas – mundo físico e mundo
psíquico, mundo do pensamento e da matéria, sujeito e objeto – ainda não estão feitas ou
não podem ser feitas sem que a experiência deixe de ser pura, sem que a imanência seja
perdida”. O empirismo radical não opera pois no seio dos dualismos: a experiência pura
não seria a matéria livre da forma, mas o material , uma “realidade intermediária, nem
matéria nem forma, que se desdobra por si mesma e da qual são feitas tanto as realidades
físicas quanto as psíquicas” (op. cit.: 270). Se é possível um dualismo no empirismo

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radical, este jamais será o da relação entre matéria e forma, mas talvez o existente entre o
material (da experiência pura) e as funções operadas por esta experiência em sua
deambulação (op. cit.: 273). Tentemos especificar esta experiência pura.
De início cabe diferenciá-la da consciência. Conforme Dewey (1940: 344),
considerando a obra de James em seu conjunto, o que se nota na passagem da fase
psicológica (1880/1890) para a filosófica (1900/1910) é a substituição da corrente da
consciência pela da experiência: o segundo termo passa a abranger o primeiro. Deste modo
a consciência torna-se uma entidade secundária: nenhuma experiência é em si consciente,
mas assim se torna por suas relações aditivas. Ao contrário dos behavioristas, James apenas
promove apenas uma negação substancial, mas jamais funcional da consciência enquanto
derivada da experiência pura:

Quero dizer que não existe estofo (stuff) primitivo oposto àquele de que objetos materiais são
constituídos, mas existe uma função na experiência que os pensamentos desempenham e para cuja
realização do ser esta qualidade do ser é invocada. esta função é conhecer... Quem quer que retire a
consciência de sua lista de primeiros princípios, deve, contudo, providenciar, de alguma maneira
para que aquele ser da função continue (James, 1904-a: 102).

Distinta da consciência, como a experiência pura é vista como “o campo instantâneo


do presente... Todavia só virtual ou potencialmente é um objeto ou um sujeito. Enquanto se
realiza ela é, claramente, atualidade desqualificada ou existência, um simples aquilo” (op.
cit.: 109). Enquanto um simples aquilo, ponto de partida de qualquer experiência, a
experiência pura não se arriscaria a ser comparável às impressões humeanas? Em que
experiências podemos encontrar a pureza de uma experiência pura? “Pode-se dizer que
somente recém-nascidos ou homens em estado de semiconsciência devido ao sono, às
drogas, a doença ou a pancadas tem uma experiência pura um aquilo, que ainda não é um
que definido, apesar de poder ser todas as espécies de o quês...”(James, 1905: 134).
Como desta “experiência-embrião” surgem todas as categorias que vislumbramos
em nossa corrente da experiência? Como deste uno se chega à divisão da experiência em
categorias como as de sujeito e objeto? A primeira idéia que pode surgir é a de uma divisão
semlhante a uma “célula-ovo”, ou como sugere James (1904-a:103) entre o “pigmento” e o
“mênstruo” da tinta. Contudo, o empirista radical recusa abertamente esta hipótese: “A

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experiência, acredito, não tem tal duplicidade interna; e a separação dela em conteúdo e
consciência não se efetua por meio de subtração, mas por meio de adição” (op. cit.: 104). O
que seria somado no caso?

Dessa ... maneira, uma porção não separada da experiência, tomada num contexto de associados
representa o papel do que conhece, de um estado da mente, da “consciência”, enquanto num
contexto diferente a mesma porção não separada da experiência representa a parte de uma coisa
conhecida, de um conteúdo objetivo (op.cit.: 104).

James igualmente responde ao enigma acusado pelas teorias dualistas da


representação, de supor uma mesma realidade presente em dois espaços, um objetivo e
outro subjetivo: “O enigma de como uma mesma sala pode estar em dois lugares é no
fundo, o mesmo enigma de como um mesmo ponto pode estar em duas retas” (op. cit.:
105). Desta forma não é necessária a duplicação da realidade em duas substâncias: basta
conceber a experiência pura como ponto de intercessão entre duas redes de associados: os
objetivos e os subjetivos. De igual modo, estes dois domínios gozariam dos mesmos
atributos: possuem as mesmas relações de tempo, “ambos... podem ter partes..., ser
complexos ou simples. Ambos têm espécies, podem ser comparados, adicionados ou
subtraídos em ordens seriais” (op. cit.: 111). Se a distinção entre duas substâncias existisse
“pelo diâmetro total do ser”, não haveria o problema embaraçoso de se distingüir no
conhecimento de um objeto, “quais partes penetram através de nossos órgãos dos sentidos
e quais saem de nossa cabeça” (op. cit.: 111). Aqui um novo problema se impõe; como
distingüir as redes associativas se elas possuem os mesmos atributos? Como discriminar as
redes objetivas das subjetivas? James apelará à estabilidade e aos efeitos de atuação destas
redes:

“O grupo geral da experiência que atuam que não só possuem suas naturezas intrinsecamente, mas
usam-nas adjetiva e energeticamente, colocando-as umas contra as outras acaba sendo
inevitavelmente contrastado com um grupo cujos membros, tendo identicamente as mesmas
natureza, falham em se manifestar de maneira “energética”... O fogo mental é o que não queimará
gravetos reais: a água mental é a que não apagará necessariamente (embora possa) mesmo um fogo
mental... Com os objetos reais, ao contrário, sempre resultam conseqüências; e desta forma as
experiências reais são depuradas a partir das experiências mentais, as coisas a partir de nossos

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pensamentos delas, fantasiosos ou verdadeiros, e precipitados juntamente como a parte estável do
caos completo da experiência sob o nome de mundo físico” (op. cit.: 112).

Se o sujeito e os objetos enquanto termos da relação veritativa já se encontram


virtualmente na experiência pura, de onde vem as relações que os constituem? Elas,
enquanto partes transitivas, fazem parte da própria experiência pura; elas não são produtos,
mas condição de produção dos contextos que serão acrescentados. Daí as linhas que
constituem a experiência pura a que se refere Lapoujade (1997: 80), fazendo que esta se
desdobre como uma network Ao longo destas linhas, vão se grupando associados: “a
consciência se revela e se faz seguindo linhas, mas também apreendendo pedaços que ela
relaciona entre si” (2000: 273). Este agregado de pedaços, Lapoujade compara com uma
colcha de retalhos, uma patchworkiii: “O fluxo da consciência é um desfilar de pedaços
heterogêneos por seus motivos, homogêneos por seu estofo” (op. cit.: 273). É neste aspecto
que podemos falar que o Empirismo Radical é um Monismo Pluralista. Tese confirmada,
quando se constata que não é apenas a consciência ou o conhecimento que se constrói
assim, mas o próprio mundo: “Linhas e pedaços, network e patchwork, são então os dois
eixos de construção do mundo” (Lapoujade, 1997: 72)iv. E a ontologia jamesiana enquanto
patchwork e network seria vizinha da ontologia híbrida de Latour. Quais seriam as
peculiaridades deste Monismo Pluralista?
A ontologia deste autor é antes de tudo uma extrapolação das abordagens e
resultados do seu trabalho antropológico (a observação de um objeto a princípio interditado
aos antropólogos: o trabalho dos cientistas), que se processa ao mesmo tempo para a
história (a suposição de uma modernidade que não se cumpriu na missão de se separar o
homem da natureza; a política da ciência) e a política (a produção de um mundo comum
híbrido composto de humanos e não-humanos). A pesquisa empírica cede espaço à reflexão
coroada pelo princípio de simetria sugerido por David Bloor e ampliado por Michel Callon
e o próprio Latour. Este princípio, aponta primeiro para uma não-diferença essencial entre
verdade e erro, ou entre saber científico e não-científico. Neste formato mais simples, este
princípio enunciado por Bloor se opõe ao da ruptura, enunciado pelo racionalismo
científico de Gaston Bachelard e Georges Canguilhem, que supõe um corte epistemológico,
uma ruptura do discurso científico com relação ao senso comum. Para Bloor, não haveria
diferença essencial entre vencedores e vencidos na batalha pela verdade; eles deveriam ser

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explicados pelo mesmo princípio, sendo necessário que se descreva o seu processo de
separação.
Contudo, apesar de aplainar as diferenças entre verdade e erro, Bloor, segundo
Latour, teria mantido outras assimetrias através de seu construtivismo, ao reduzir as
diferenças no interior das ciências naturais a dispositivos sociais (Latour, 1993: 256). Aqui
seria processada uma assimetria tão marcante quanto a do naturalismo; nos dois casos,
natureza e sociedade estariam sempre reduzidas a um dos termos. Neste sentido, torna-se
necessário um segundo princípio de simetria mais forte (generalizado), que apague a
separação moderna entre sociedade e natureza e seus respectivos reducionismos; só haveria
uma socio-natureza (Latour, 1994: 9; Latour e Callon, 1990: 35). Se não há mais diferença
essencial entre verdade-erro, ciência-não ciência, não procede mais qualquer posição de
triunfo com relação aos pré-modernos e aos ditos primitivos. Chega-se aqui a uma
antropologia a-moderna, que não opõe o monismo dos primitivos (sem separação entre
sociedade e natureza) ao nosso dualismo civilizado, recoberto pela oposição entre erro e
verdade, que somente nós modernos podemos atingir:

Aqueles que inventam as ciências e descobrem os determinismos físicos não se encontram nunca, a
não ser por puro acidente, nas relações humanas. Os outros possuem apenas representações da
natureza mais ou menos distorcidas ou codificadas pelas preocupações culturais dos humanos, que
os preenchem por inteiro, e apenas por acidente percebem – “como através de uma nuvem”- as
coisas como realmente são (Latour, 1994: 98-99).

A mescla operada pelos primitivos entre natureza e sociedade, tida como equívoco,
e objeto de exame do antropólogo e do historiadorv, não nos separaria mais. De agora em
diante o antropólogo salta o muro e penetra no domínio até então inexpugnável do
epistemólogo. Para Latour, o fim do apartheid epistemológico se reforça ao se constatar
que a tentativa moderna de purificação dos domínios natural e humano fracassa através de
seu efeito colateral mais indesejável: a proliferação de híbridos, como, por exemplo, na
dicussão política sobre a camada de ozônio, a clonagem e o clima (conferir Latour, 1997).
Racham assim todos muros de Berlim que sustentavam nossos dualismos e assimetrias.
Constatado este fracasso da constituição moderna, Latour propõe uma nova
ontologia, um novo pensamento que coroe o princípio de simetria ampliado e a

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impossibilidade de cisão entre natureza e sociedade. Este novo pensamento não se produz
mais a partir dos extremos purificados, como os desejados pela modernidade, que
explicariam todos os demais seres compostos e imperfeitos. Pelo contrário, aplainadas
todas as diferenças, os entes partem agora do centro, dos híbridos, outrora tidos como
acidentais. É através destes quase-objetos, destacados na Teoria Ator-Rede, sem
características de objetos naturais ou humanos, que se sai do debate entre realismo e
construtivismo, definindo relações sociais não socializadas e relações naturais não
naturalizadas (Latour, 1993, p: 260):

O objeto agora emergente é um objeto completamente novo que não tem o clássico traço de
objetividade. Como Serres diz, é um ‘quase-objeto’ porque ele não possui as características de um
objeto natural. Por exemplo, o que é o calor antropogênico? É claro, ele é humano: é socialmente
construído, porque é o calor produzido pela nossa poluição; mas ele tem a escala do planeta, logo é
um fenômeno natural. Sim, nossa poluição humana e o cosmos não-humano estão completamente
relacionados.

É a partir destes quase-objetos que se tenta a purificação impossível, que apenas


produz novos híbridos através de novas combinações, realizando-se todo este processo
através de redes. Se nas culturas ditas primitivas as duas série se sobrepõem, como no
totemismo em que a série natural se retorce sobre a de parentesco, produzindo uma rede
estável, na sociedade moderna, a tentativa de separação apenas abre o flanco para novas
combinações até então inimagináveis, como as representações políticas dos seres naturais e
uma ciência natural dos humanos. Onde, senão na modernidade seria possível uma
representação política de seres naturais, como as conferências internacionais sobre o clima
e o meio ambiente? Onde, senão na modernidade seria possível uma representação
laboratorial e natural dos seres humanos, fabricando os seus eus e suas interioridades?
Onde, senão no interior da modernidade, poderia ser pensado um saber natural sobre o ser
humano? Onde, senão na modernidade, isto poderia conduzir a inúmeras problematizações
por parte dos puristas?

4. A recusa ao dualismo saltatório

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Como visto na seção anterior, os dualismos são os grandes antagonistas dos monismos
pluralistas. É importante vê-los serem combatidos à partir das máquinas de guerra
elaboradas pelas ontologias de Latour e James. No caso, o teatro de guerra onde os
dualismos melhor se perfilariam seria no plano cognitivo: tanto para os modernos quanto
para monistas absolutistas (e racionalistas) o conhecimento se daria através de um salto, em
que o sujeito buscaria estabelecer uma representação especular adequada do objeto natural,
real em si. Além desta cisão entre um plano objetivo e subjetivo, outro dualismo tem longa
história na filosofia: trata-se daquele que opõe verdade e erro, saber e opinião, èpisteme e
doxa. Nesta seção veremos como Latour e James combatem a concepção do conhecimento
enquanto uma representação saltatória e na seguinte a assimetria entre verdade e crença.
Conforme foi destacado anteriormente neste artigo (páginas 4 e 5), James mantém
duas estratégias no trato com a verdade: uma humanista em que esta é uma operação sobre-
empírica em relação à experiência e outra empirista radical, na qual o conhecimento se dá
como um processo intra-empírico. Mas, seja qual for a estratégia que o pragmatista adotar
no combate aos racionalistas e aos monistas absolutistas a verdade sempre será vista como
uma condução: “A verdade duma idéia não é uma propriedade estagnada inerente a ela. A
verdade acontece como uma idéia. A idéia se torna verdadeira, é feita verdadeira pelos
eventos. Sua verdade é de fato um evento, um processo de validação” (James, 1909-a:113).
E esta condução será avaliada pelos mais diversos critérios: integração harmoniosa da
experiência (James, 1908-a: 87); acordo entre verdades novas e antigas (James, 1907-a:
24); produção de satisfação (James, 1908-a: 86-88); ausência de contradição (James, 1904-
c: 220); elegância (James, 1907-a: 78); atividade (1908-a: 83); e utilidade (James, 1907-a:
73)
Neste aspecto, Lapoujade (2000: 272) nos lembra que James opõe dois modelos de
conhecimento: o saltatório e o deambulatóriovi. No primeiro caso “parte-se da imanência de
um sujeito que deve saltar por cima dele mesmo em um Absoluto ou sobre um campo
transcendental, para relacionar o objeto a um sujeito”(op. cit.: 272). Este conhecimento
seria saltatório especialmente porque despreza o papel dos intermediários no processo
veritativo:

Pois esvaziamos primeiro a idéia, o objeto e seus intermediários de todas as suas particularidades
com a finalidade de reter apenas um esquema geral; e assim só consideramos este último na função

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que consiste em dar um resultado, e não em seu caráter de processo... em outros termos, os
intermediários que, em sua particularidade concreta, formam uma ponte, evaporam-se idealmente,
de modo a não ser mais do que um intervalo a ultrapassar (James, 1907-b:125 – tradução de Ana
Lúcia Oliveira em Lapoujade, 2000: 272).

James (1904-b: 120) esclarece os tipos de salto operados pelos diversos dualismos:

Teorias representativas colocaram uma “representação”, uma “imagem” ou “conteúdo mental” no


intervalo como uma espécie de intermediário. Teorias do senso comum deixaram o intervalo sem
tocá-lo, declarando nossa mente capaz de esclarecê-lo por um salto autotranscendente. Teorias
transcendentalistas tornaram impossível o intervalo ser ultrapassado por conhecedores finitos e
introduziram um Absoluto para realizar o ato de passagem.

Por outro lado, a hipótese deambulatória de James preserva e fornece um caráter


central às expeiências intermediárias: “Para uma relação concreta de conhecimento, as
experiências intermediárias são, portanto, fundamentos tão indispensáveis quanto o espaço
intermediário o é para uma relação de distância. O conhecimento, todas as vezes que o
enfocamos concretamente significa ‘deambulação’” (op. cit.:123-124 – tradução de Ana
Lúcia Oliveira em Lapoujade, 2000: 272). Ou ainda: “a idéia não dá um salto único sobre o
abismo, ela opera aos poucos de modo a lançar uma ponte que o atravesse, completa ou
aproximativamente” (James, 1907-c: 154 – tradução de Ana Lúcia Oliveira em Lapoujade,
2000: 273). A título de distinção, o pragmatista norte-americano inclusive propõe a
concessão da palavra verdade aos transcendentalistas ficando com o termo verídico:
“guardai... a palavra “verdade” para a relação saltatória e incompreensível que vós vos
preocupais tanto; e eu direi dos pensamentos que conhecem seu objeto em um sentido
inteligível, que eles são verídicos” (1908-b: 196).
O que seria em James esta relação experenciada que une conhecedor e conhecido?
Os defensores da hipótese saltatória (especialmente os representacionistas) diriam que esta
relação se satisfaz na cópia, na identidade entre sujeito e objeto. Mas, para James (1885:
185), esta semelhança pleiteada pode não passar de mera coincidência, sendo necessário um
atributo a mais na relação cognitiva afim de eliminar este aspecto fortuito. É neste sentido
que se demanda que um conceito, mais do que produzir identidades passivas, tenha poder
operativo, conduza de modo deliberativo, afim de testar seu efeito regulador. O papel do

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conceito não é o de se tornar um espelho, mas um roteiro a se conduzir no fluxo da
experiência: “Se tem semelhança sem operar é um sonho; se opera sem se assemelhar é um
erro” (op. cit.: 188). Para James, mesmo que tentemos definir a verdade como
correspondência, ela jamais se reduzirá a idéia de cópia, e sim a uma adição que se produz
do pensamento sobre a realidade: Em um sentido geral, podemos simplesmente somar o
nosso pensamento; e se o objeto sofre adição, e a situação toda se enriquece, o pensamento
passará por verdadeiro”(James: 1904-c: 206).
É neste aspecto que para Lapoujade (1997: 77) o conhecimento em James se dá por
acréscimos, por construções e adições bordadas sobre o tecido fluido da experiência pura:
“O conhecimento deve, ele também construir suas linhas. É o construtivismo próprio ao
empirismo radical, inseparável da hipótese continuísta da experiência”. Ou ainda conforme
James (1904-b): “A noção de conhecimento ainda in transitu e a caminho associa-se àquela
noção de uma experiência pura”. É nesse aspecto que Lapoujade (1997: 80) insiste que o
conhecimento se dá na tessitura de networks e patchworks: “O conhecimento se faz então,
para James, pouco a pouco, pedaço a pedaço, sem que estes pedaços convirjam a uma
unidade final; ele cria suas linhas juntando seus diversos pedaços da experiência. Ele assim
cria seus networks e patchworks”.vii
Essa construção operada nas trilhas da experiência pura tem sido tomada
constantemente como uma metáfora antecipatória do capitalismo globalizado em rede
(network). Contudo, Lapoujade (2000: 276-277) nos lembra que esta deambulação do
filósofo pelas redes em nada se assemelha a do homem de negócios, mas de um
personagem mais nômade da história norte-americana: os Hobos, um conjunto de
trabalhadores migrantes em constante fluxo, atravessando “os Estados Unidos, de Chicago
até a Costa Oeste, em função dos canteiros de obras e dos empregos sazonais, organizando-
se em sociedades provisórias e locais” (op. cit.: 277). Estes personagens em nada se
assemelham por um lado aos pioneiros, pois são produtos dos fluxos da economia
capitalista própria do século XIX com suas expansões e contrações, nem tem a ver por
outro com os operários sedentários e sindicalizados oriundos da industrialização maciça do
século XX. Para Lapoujade (op. cit.: 277) é deste “modo bastante curioso que a filosofia de
James é a filosofia do capitalismo americano”. Por seu nomadismo.

13
Latour (1998) concebe em outras palavras, mas nos mesmos termos a questão do
conhecimento (salto ou deambulação) ao propor a pergunta: “Estamos separados da
realidade por filtros ou ligados a ela por mediadores?”. Latour nos dirá que a resposta
predominante nas reflexões sobre a ciência apontam para uma metáfora ótica, onde nosso
conhecimento estaria mediado por diversos filtros. No que tange a existência destes filtros
caberiam duas alternativas: ou devemos eliminá-los para nos aproximarmos das coisas a
serem conhecidas (solução empirista), ou devemos acolher o limite imposto por nossas
categorias (solução kantiana). Mas ambas as alternativas acolheriam a sugestão de que
quanto mais mediadores, mais nos distanciamos das coisas: “juntar intermediários não pode
fazer outra coisa que não enfraquecer o realismo das ciências” (Latour, op. cit.). Trata-se da
velha hipótese saltatória: não mais sobre o abismo entre sujeito e objeto, mas sobre o
conjunto de entulhos na nossa tentativa de alcançar o mundo real.
Latour (1999) irá por sua vez endossar a hipótese minoritária dos mediadores, de
resto endossada por James: “Sem instrumento, sem colega, sem artigo, sem corpo, sem
realidades intermediárias, sem mediação, nenhum cientista seria capaz de ascender a
qualquer realidade verificável e durável”. Ninguém diria que estes instrumentos atuam
como filtros que impedem o nosso acesso à realidade. Em alguns trabalhos, Latour (1985)
destaca quais de modo detalhado a atuação destes mediadores: são técnicas de visão e jogos
de interesses que explicariam a excelência da ciência. Nesta perspectiva, o motor da ciência
não será buscado nem no sujeito, nem na mera observação empírica; ele será encontrado na
fenomenotécnica, ou nas pequenas técnicas de inscrição presentes nos laboratórios, em
conjunto com as alianças e os interesses suscitados por cada pesquisa. Todas as
propriedades criativas do espírito científico, que eram atribuídas à infra-estrutura (Marx),
aos neurônios (Changeux), ou às capacidades cognitivas (Piaget), passam, com Latour, a
serem atributos das técnicas de inscrição, no seu poder de serem “móveis imutáveis”, uma
vez que, através do uso das imagens, são possíveis comparações, variações de escala,
recombinações, conservação de dados, convencimento, e, o mais importante: o
estabelecimento de aliados através de seus interesses (Latour, 1985: 19). É neste aspecto
que a análise de Latour se coaduna com multiplicação dos intermediários em James:
trocando uma perspectiva vertical, ascendente do conhecimento por uma horizontal, onde
“os intermediários não são mais os véus diante de nossos olhos que nos impedem de

14
apreender a realidade tal como ela é; são traves que estendemos sob nossos pés para
chegarmos ao real” (Latour, 1998). Quanto mais construção, mais se tem um mundo real.

5. Os caminhos e descaminhos das crenças


Restam entre Latour e James alguns nós que impedem o bordado de uma rede comum: eles
dizem respeito à noção de crença e à possibilidade de um pragmatismo ampliado. Em um
livro recente, Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tichesviii (2002), Latour
claramente se coloca contrário à noção de crença, enquanto conceito que promove uma
série de dualismos, como entre fato e fetiche, teoria e prática, interior e exterior e
conhecimento científico do comum, onde o objetivismo do primeiro se colocaria em
oposição ao subjetivismo do segundo. E é justamente aqui que se coloca o conceito de
crença para Latour, enquanto invenção moderna (op. cit.: 15) de uma subjetividade iludida,
sem possibilidade de acesso cognitivo aos objetos: seria um resto indesejável no processo
do conhecimento com o qual se premia os vencidos, os excluídos da verdade. Neste
aspecto, “o único exemplo de crença ingênua que possuímos, viria, portanto da crença
ingênua dos estudiosos de que os ignorantes acreditam ingenuamente” (op. cit.: 82).
O conceito de crença portanto não aponta para qualquer função cognitiva, tratando-
se apenas de um meio pelo qual o pensamento crítico opera uma série de cisões
assimétricas, interditando os fe(i)tiches, nome delegado por Latour às entidades híbridas
que são as mesmo tempo reais e construídas (op.cit.: 23), humanas e naturais, objetivas e
subjetivas; enfim fetiche e fato. Nas palavras do antropólogo das ciências (op. cit.:36):
“Tornamos a compreender que a crença não remete, de modo algum, a uma capacidade
cognitiva, mas a uma configuração complexa, pela qual os modernos constroem a si
próprios ao proibirem, com o objetivo de compreender as suas ações, o retorno aos fetiches,
os quais... todavia eles utilizam”.
Neste ponto, o conceito de crença e o seu corolário, a denúncia dos fetiches (no qual
os espíritos ingênuos tomariam por fato real algo que eles mesmos teriam construído)
operam uma série de cisões conceituais, como a existente entre pensamento crítico e
ingênuo (op. cit.: 23), fato e fetiche (idem), humanos e seres naturais (op. cit.: 20), crença e
saber (op. cit.: 76), interior e exterior (op. cit. 76-77)ix, teoria oficial e prática oficiosa (op.
cit.: 50). Como veremos na próxima seção, estas cisões, especialmente entre teoria e prática

15
tem um grande efeito pragmático na produção de entes híbridos, ainda que conceitualmente
interditados: “Chamaremos agora crença, a operação que permite manter uma teoria oficial
o mais longe possível de uma prática oficiosa, sem nenhuma relação entre as duas além
desta preocupação apaixonada, ansiosa, meticulosa para manter a separação. Chamemos
agnosticismo a descrição antopológica desta operação” (op. cit.: 50). Na descrição
minuciosa destes efeitos é que Latour reclamará a necessidade de um pragmatismo
ampliado. Para facultar esta operação, a necessidade de uma “antropologia simétrica” e do
seu operador, o conceito de fe(i)tiche, “que vai ajudá-la a retomar o trabalho de
comparação, mas sem se perder nos dédalos do relativismo cultural e sem mais acreditar na
crença”(op. cit.: 56).
Por outro lado, observamos em James , especialmente em A Vontade de crer (1897-
a) uma vigorosa defesa da crença enquanto crédito fornecido a uma hipótese para que
produza efeitos: “O máximo de vida em uma hipótese significa disposição para agir
irrevogavelmente. Praticamente isso significa crença (grifo meu); há porém, alguma
tendência para acreditar sempre onde houver predisposição para agir afinal”. (op. cit.: 232).
A verdade opera aqui como um crédito (a imagem é de James), uma letra de câmbio cujo
único significado é o compromisso em ser honrada através da ação. Como isto se daria?
“Freqüentemente, o sucesso depende da energia do ato, a energia novamente depende da fé
de que não iremos falhar; e a fé, por seu lado, na fé de que estamos certos – tal fé então
verifica-se por si” (James, 1882: 339). Neste caso a crença não seria nem o antagonista do
conhecimento verdadeiro nem um caso especial deste, mas o seu caso exemplar: se a
verdade é uma condução, uma produção de resultados, porque não experimentar a fé numa
possibilidade para que ela se realize? Nas palavras de James:

Há então, casos onde um fato não pode vir de todo, a não ser que exista uma fé preliminar em sua
vinda. E onde a fé em um fato pudesse criar o fato, seria um lógico insano quem dissesse que a fé
correndo adiante da evidência científica, é a “mais baixa espécie de imoralidade” na qual um ser
humano pode cair. Contudo, essa é a lógica pela qual nossos absolutistas científicos pretendem
regular nossa vida (James, 1897-a: 248).

Poderia ser argumentado que este crédito vertido pelas crenças se aplicaria a
diversas hipóteses religiosas, morais e pessoais, mas jamais à ciência, onde a prudência é

16
necessária ao desvio dos erros e ao alcance de verdades provisórias. Mas, o que Thomas
Kuhn chama de paradigma, enquanto conjunto de regras que determina o possível de uma
ciência numa determinada época, não seria um exemplar destes casos “onde a fé cria a sua
própria verificação”(op. cit.: 337)? Sendo a crença condição do que é crido, cabem as
palavras de Bergson (1920:10) sobre a teoria da verdade de James: “A verdade, segundo
William James, não copia qualquer coisa que tenha sido, ou que é: ela anuncia o que será,
ou talvez ela prepare a nossa ação para o que vai ser”. Aqui, conhecimento e fé não se
opõe.
A vontade de crer em James não é, pois, nada mais do que o otimismo regulado pela
ação, a confiança como construtora atuante da realidade. E para Lapoujade (1997: 86), a
“confiança” é a condição – ou talvez o germe – de toda crença”. Ela colocaria sua energia
“na região obscura onde a nossa potência de agir ultrapassa o que nós conhecemos” (op.
cit.: 87). Enquanto condição de todo ato de criação, a confiança se coloca enquanto
antagonista do niilismo: “Se a crença deve fazer face ao ceticismo, a confiança deve fazer
face ao niilismo”(op. cit.: 91-92). Aqui, o ceticismo não é a evitação de uma opção escolha
subjetiva: “é uma opção de um certo tipo particular de risco: é melhor arriscar a perda da
verdade do que a possibilidade do erro; essa é a posição exata de quem veta a fé (James,
1897-a: 249). Neste ponto desenha-se um claro antagonismo ao pensamento crítico
denunciado por Latour.
Abordadas as duas estratégias, pode-se perguntar: haveria antagonismo entre as
duas estratégias, entre a denúncia de Latour e o acolhimento de James? Pode-se dizer de
início que, apesar das direções opostas, estas estratégias seguem um mesmo sentido: a
simetria entre conhecimento comum e científico; todos os dois são construídos e mediados
por efeitos reais. Traduzindo nas palavras de Latour poder-se-ia dizer que a “Vontade de
Crer” constrói fe(i)tiches reais. Todos os entes produzido pelo conhecimento entendido
como processo não saltatório seriam ao mesmo tempo reais e construídos. Como já sabiam
os primitivos pré-modernos (Latour, 2002: 22).

6. Por um pragmatismo forte


Latour em seu Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches (2002), de maneira
análoga a Jamais fomos modernos (1994), lembra-nos que estas distinções entre fatos e

17
fetiches, entes naturais e humanos tem como efeito pragmático a multiplicação de entes
híbridos, multiplicação esta não captada no plano discursivo e não reconhecida pelas
constituições modernas. O que tornaria possível esta multiplicação efetiva no plano prático
é a presença de uma teoria refinada, porém distante deste campo prático, que se marca
sempre na escolha entre entidades duais: “construção e autonomia, sujeito e objeto, fato e
fetiche” (Latour, 2002.: 49). Estas distinções no plano teórico fazem com que as ciências se
isentem dos efeitos gestados por elas, que assim se multiplicam: “Em frente, tomados de
assalto, outros deverão subitamente ocupar-se das conseqüências – éticas, políticas,
econômicas – desta ação. O pesquisador terá feito ‘apenas ciência’” (op. cit.: 62). Ausente
em grupos pré-modernos, esta distinção entre sujeito e objeto garante a autonomia e
mobilidade das ciências perante a rede social: “Todas as vantagens da crítica no alto; todas
as vantagens da prática embaixo. Todas as vantagens da distinção meticulosa entre os dois
lados. Todas as vantagens da passagem de um lado para outro com todo o conhecimento
(prático)” (op. cit.:62). Este efeito prático, operado “sob as barbas” da teoria implicaria a
necessidade de um pragmatismo forte, capaz de dar conta de todos os efeitos, mesmo os
contraditórios operados por uma abordagem:

Coisa curiosa; o pragmatismo, que poderíamos acreditar ser a filosofia da prática,


continua de tal modo intimidado pela posição de autoridade de seus adversários que é obrigado a
descrever a prática sob um aspecto modesto, limitado, utilitário, humanista, cômodo, ocupando
assim, sem questionamento, o lugar que lhe foi preparado pela filosofia crítica. A modéstia só é
uma virtude filosófica se ela decide, por si própria, a maneira pela qual se privará de fazer seu
dever ou de propor fundamentos (op. cit,: 50).

Não se sabe bem a qual pragmatismo Latour está se referindo. Mas esta modéstia na
descrição das práticas ou dos efeitos não é própria de James, especialmente quando este se
propõe a avaliar os efeitos de cada doutrina nas forma de vida de seus defensores. Mesmo
que estes efeitos possam contradizer as linhas gerais de suas doutrinas, como opera Latour.
Como exemplo, pode-se destacar duas análises pragmáticas que o filósofo americano
propõe dos efeitos cognitivos: a dos deterministas em oposição aos defensores do livre-
arbítrio, e a dos professores de uma religião monista em oposição aos pluralistas. Para
James (1884:12), no primeiro caso o que está em questão é a existência ou não de

18
possibilidades, não podendo a ciência ser chamada a arbitrar pois não se tratam de fatos
consumados:

O que nos divide em homens de possibilidade e homens de anti-possibilidade são fés diferentes
ou... postulados de racionalidade. A este homem o mundo parece mais racional com as
possibilidades nele – àquele homem mais racional com as possibilidades excluídas; e falemos o que
falarmos acerca de nós temos que render às evidências, o que nos faz monistas ou pluralistas,
deterministas ou indeterministas é, no fundo, sempre algum sentimento como este”.

De igual modo o pragmatista norte-americano descreve as diferenças práticas que


rondam as dicussões entre pluralistas e monistas-racionalistas, onde estes buscariam uma
segurança definitiva para as suas vidas, uma espécie de “férias morais” (conceito de James,
1909-a: 114):

Intelectualmente, o racionalismo invoca o seu princípio de unidade absoluta, como uma base de
possibilidade para os múltiplos fatos. Emocionalmente, vê-lo como um continente e limitador, uma
garantia de que o resultado será bom. Tomado neste sentido, o absoluto torna certo todas as coisas
boas, e impossível todas as coisas más (no eterno, a saber), e pode ser dito que transmuta a
categoria inteira de possibilidades em categorias mais seguras. Vê-se, nesse ponto, que as grandes
diferenças religiosas reside entre homens que insistem que o mundo deve ser e será, e os que são
contentes em acreditar que o mundo pode ser salvo. O choque total da religião racionalista e
empírica depende, pois da validez da possibilidade (1907-a: 102-103).

6. A construção de um mundo comum: o Pluriverso


A citação de James que fecha a última seção aponta para o sentido construtivista do seu
pensamento, para a produção de um mundo comum calcado na confiança. Segundo uma
bela fórmula deste autor, trata-se da construção de um pluriverso, de um universo
pluralístico (1909-b). Por sua vez, Latour irá propor um realismo construtivista, no qual
quanto mais construído é o objeto, mais real ele é. Assim, os fe(i)tiches, ou fatos feitos, se
colocariam como alternativa entre a o realismo naturalista e o construtivismo social. Diga-
se de passagem que o estes não responderiam apenas a um novo delineamento dos objetos
científicos, mas também religiosos, políticos e subjetivos. Insinua-se aqui uma nova
comunidade mestiça de humanos e não-humanos. Que demanda também uma nova política
e uma nova epistemologia. Ou melhor: uma nova política epistemológica, tal como

19
insinuada no texto The promises of constructivism (Latour, 2003, p. 37): “a razão dessas
disputas em torno do direito de realidade e construção engatilharem tanta paixão é que elas
são políticas: eles parecem falar sobre epistemologia, mas elas estão realmente falando
sobre como devemos viver juntos”. Ou ainda formulada de modo mais explícito (op. cit., p.
38):

Construtivistas e realistas estão todos engajados no que eu chamo de epistemologia política, a saber
as arenas em que os diversos candidatos que reivindicam habitar o mesmo mundo partilhado por
humanos e não-humanos estão representados em todos os sentidos da palavra. Então, o debate não
deve ser visto como o que demarca a fronteira entre os acadêmicos que objetam a politização da
natureza e os militantes que politizam tudo, incluindo os fatos da natureza para os mais diversos
fins; melhor, ele permite que diferentes facções, partidos e ligas tornem explícita e pública a forma
como supõem distribuir o que é disputável e indisputável, o que é contingente e necessário, o que
deve ser mantido e o que deve ser mudado. Para usar um tradicional conjunto de metáforas, a
epistemologia política não é uma desafortunada distorção de uma boa epistemologia ou de uma boa
política, mas uma tarefa necessária para aqueles que escrevem uma Constituição, distribuindo
poderes nos vários ramos deste vasto governo das coisas, buscando o melhor equilíbrio (checks
and balances).

Colocada de forma mais clara a questão político-epistemológica quanto a


possibilidade de construção de um mundo comum, é que podemos vislumbrar de modo
mais nítido o projeto de Latour de seu realismo construtivista, com todos os riscos que um
Pluriverso (termo apropriado de William James) em estado aberto nos traz. Um mundo sem
fundamento, pleno de mediadores, fe(i)tiches ou híbridos em rede, em operação de tradução
e conjunção horizontal:

O mundo unificado é algo do futuro e não do passado. Neste ínterim estamos todos no que James
chamou de pluriverso, e estes cientistas, filósofos, ativistas, cidadãos comuns de todos os tipos que
lutam para fazer isto um estão correndo riscos, e eles podem falhar... A oposição não é entre
contingência e necessidade, mas entre os que desejam ordenar o mundo de uma vez por todas sob o
pretexto barato de que tudo é já um, então eles podem subtrair tudo daí, e aqueles que já pagam o
preço da sua progressiva composição em um, porque ele não podem subtrair nada (op. cit., p. 39).

20
A proximidade com James pode ser visto nesta citação em que ele opõe racionalistas e
pragmatistas (no lugar dos construtivistas e realistas): “O contraste essencial é que, para o
racionalismo, a realidade já está pronta e completa desde toda eternidade, enquanto que
para o pragmatismo está sendo feita, a espera de seu aspecto futuro. Por um lado, o
universo está absolutamente firme, por outro, está perseguindo suas aventuras” (James,
1907-a, p. 93). Aqui, ao invés do martelo nietzscheano vemos que Latour se vale bem mais
do “ramo de oliveira” que James (1909-a) buscou oferecer a seus inimigos na construção de
um mundo comum:

Até quando iremos até a palavra construção não soar mais como um insulto que tenha que tenha
que ser retribuído com sangue ou uma confissão de fraqueza convidando a desconstrução? Até
quando iremos até que esta palavra não seja ouvida como um grito de guerra para tomarmos as
armas e os martelos, mas um apelo de cuidado e caução, um requisito para recolocar a questão:
Como se pode construir da melhor maneira? (op. cit., p. 43).

7. Conclusão: tecendo uma rede em comum


James e Latour partem de uma mesma estratégia, de um pragmatismo ampliado, onde a
prática, os efeitos, mesmo na contra-mão da teoria são o que conta. Recusam igualmente o
conhecimento como um processo dual dado no salto representacional sobre o fosso que
distancia o sujeito do objeto; estes dois termos não possuiriam nada de original: são apenas
efeitos reais de uma mesma rede híbrida e construída. De igual modo se colocam (ainda que
em direções opostas) contra a assimetria entre crença e verdade (a velha oposição entre
doxa e èpisteme); o que existe sempre é a adição, a peregrinação entre diversos
intermediários que podem produzir efeitos felizes ou não (produzir interesses, se articular
com antigas verdades, gerar resultados elegantes, etc.). Não há assimetria ou diferença
essencial entre eles. Não há espelho em nosso entendimento, nem objeto em si a ser
refletido de forma fiel ou distorcida.
Ambas as posições, conforme visto, são também sustentadas por uma ontologia não-
dualista, um monismo pluralista ou um pluralismo monista. Aqui, qualquer diferenciação
homem/natureza, sujeito/objeto, verdade/crença é sempre segunda perante um campo
transcendental composto de uma rede híbrida ou de uma experiência pura. Dentro desta
ontologia rizomática pouco importa o estofo de sua rede: se composta de híbridos ou de

21
experiência pura. O que conta é a estratégia de recusa aos dualismos. Dentro desta
estratégia é importante ainda destacar a Teoria da Enação de Francisco Varela (2003), que
busca no campo das Ciências Cognitivas a postulação de uma construção de si e do mundo
nas malhas de nossa experiência e no seio das nossas redes neurais. Experiência que irá
buscar descrever buscando apoio no budismo e mesmo na fenomenologia de Edmund
Husserl e de Maurice Merleau-Ponty em paralelo com as pesquisas das Neurociências.
Podemos nos perguntar aqui se esta busca de descrição de uma experiência pura e acentrada
não encontraria eco nas descrições jamesianas do Empirismo Radical e na Teoria da Rede
de Bruno Latour. Quanto mais mediadores e intercessores melhor.

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22
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23
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i
Em homenagem a Deleuze a Teoria Ator-Rede de Latour também é designada como Atuante/Rizoma,
“porque é uma ontologia, e é sobre atores-atuantes, e sobre rizomas [...] ‘Rizoma’ é uma palavra perfeita para
rede”(Latour, 1993: 261). Para Kastrup (1997: 38), a rede seria a versão empírica do rizoma.
ii
Lapoujade (2002: 267) assim se refere a experiência pura, enquanto termo básico do Empirismo Radical: “É
o nome em que o plano de imanência recebe em William James”. Para aproximar o trabalho de James com o
de Deleuze & Guattari, remete-se a designação do primeiro como um monista vago (James, 1905-a/
Lapoujade 2000: 271) e toma a citação dos segundos em O que é a filosofia, para os quais só se pode falar de
um plano de imanência em um empirismo radical (Deleuze & Guattari, 1991:48/ Lapoujade, 2000: 267).
iii
Lapoujade (2000: 274) lembra que esta definição do pragmatismo como patchwork também foi esboçada
por Deleuze em Crítica e Clínica em seu estudo sobre Herman Melville (1997: 100), onde destaca que a
colcha de retalhos “é a invenção americana por excelência”.
iv
Esta e outras versões para o português de fontes bibliográficas em línguas estrangeiras são de
responsabilidade do autor deste artigo.
v
É curioso assinalar como estas duas assimetrias (verdade/erro & natureza/sociedade) são tão simétricas,
posto que, se a verdade é produzida pelas ciências naturais e estudada pela epistemologia e história das
ciências, o erro seria o alvo das ciências humanas e socias: “O erro podia ser explicado socialmente, mas a
verdade continuava a ser sua própria explicação”(Latour, 1994, pp.91-92). Mesmo quando as ciências sociais
e humanas se devotam a estudar aspectos de nossa sociedade ocidental moderna, trata-se justamente do que
escapa à perspectiva vencedora, e se reúne sob a marca de senso comum, ideologia ou crença. Esta crítica à
noção de crença em Latour será vista no ítem 5 deste artigo.
vi
Na verdade, esta distinção, como nos mostra James (1907-c: 154) remonta ao professor J. B. Pratt.
vii
Lapoujade (2000: 273) entende que esta concepção do conhecimento como percurso de uma série também
se encontraria em Deleuze & Guattari, quando estes sugerem no texto sobre As Máquinas de Guerra no Mil
Platôs (volume 5 da tradução brasileira) que “no artesão a relação matéria/forma não é a de modelagem, mas
ele segue uma materialidade que ele modula”.
viii
Fe(i)tiche é uma tradução de um jogo de palavras possível em língua francesa combinando fait (fato) e
fétiches (fetiches), mostrando a indistinção entre a construção e a realidade dos objetos científicos e dos
nossos fetiches.
ix
Sobre as duas últimas cisões, uma interessante citação de Latour (2002: 76-77): “Crença e saber navegam
no mesmo barco; eles seguiriam o mesmo rumo. Como o mundo estava abarrotado de causas objetivas,
conhecíveis ou conhecidas, mas que alguns primitivos, arcaicos, infantis, inconscientes, obstinam-se em
povoá-la com seres fetiches inexistentes, era preciso colocar em algum lugar estas fantasias produzidas por
cabeças vazias. Onde enfiá-las? Nas cabeças vazias, justamente. Mas elas estão cheias! Pouco importa, vamos
esvaziá-las! Inventemos a noção de uma interioridade preenchida por sonhos vazios, sem referência nenhuma
à realidade conhecida pelas ciências exatas ou sociais”.

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