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No início da década de 1960 era unânime a opinião de que o modelo de acesso ao Supremo
Tribunal Federal inviabilizara por completo a racionalização dos trabalhos naquela Corte. O
volume de processos que chegava ao Pretório Excelso impedia-o de se debruçar, com a devida
serenidade e profundidade, sobre as questões mais relevantes do país[2].
Segundo Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza, coube a José Afonso da Silva, em trabalho pioneiro,
o lançamento da proposta de criação de um novo tribunal superior, cuja função seria a de
exercer as atribuições de órgão de cúpula e de composição das estruturas judiciárias
defeituosas e que deveria ser chamado de Tribunal Superior de Justiça[3]
Os planos do mestre mineiro foram concretizados, inclusive com sua efetiva colaboração
quando assumiu a função de Assessor da Assembleia Nacional Constituinte, e no texto final da
Carta Magna, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, a quem foi delegada ampla competência
originária e recursal, pensando-se ter, enfim, sido solucionada a crise do Supremo.
Entretanto, a realidade judiciária acabou por frustrar o objetivo principal que levou a criação
do STJ.
Para se ter uma idéia da falência do sistema recursal em análise, somente no ano de 2009
foram distribuídos 75.600 recursos especiais aos ministros do STJ, sem contar os 162.836
agravos de instrumento contra as decisões que inadmitiram recursos especiais nos tribunais de
origem. Ou seja, somente os recursos especiais/agravos de instrumento corresponderam a
mais de 80% dos mais de 290 mil processos recebidos pelo STJ no ano passado[4].
E não se imagine que a situação do Supremo Tribunal Federal está melhor. Muito embora o
número de recursos levados à Corte Suprema venha caindo desde 2008, principalmente após a
adoção de mecanismos como a repercussão geral e a súmula vinculante, no mesmo ano de
2009, foram recebidos pelo Pretório Excelso 8.348 recursos extraordinários e 24.301 agravos
de instrumento, dado que não pode ser considerado satisfatório, principalmente quando
analisadas as demais competências do tribunal[5].
A utilização indiscriminada dos recursos especiais e extraordinário tem gerado efeitos curiosos
e, de certa forma, extremamente nocivos à prestação jurisdicional. Isto porque, diante do
número grandioso de causas que chegam às mais altas cortes de justiça do país, e levando-se
em conta o pequeno número de julgadores em tais colegiados, os ministros se vêem obrigados
a julgar elevado número de causas diariamente, o que, sem dúvida, impede que seja feita uma
reflexão mais detida de cada caso.
O objetivo deste trabalho é traçar considerações gerais acerca das hipóteses de cabimento do
recurso especial, as quais são previstas em rol taxativo na Constituição de 1988, e dos
pressupostos específicos de admissibilidade dos recursos especiais criminais, analisando de
que forma tal juízo vem sendo realizado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
principalmente tentando identificar os meios encontrados pelos ministros para dar cabo a este
imenso volume de processos recebidos diariamente.
Tanto o recurso extraordinário quanto o especial são considerados recursos de estrito direito e
possuem íntima relação com a própria forma federativa de estado, cuja origem inegavelmente
remonta à experiência americana, porém cuja adaptação ao modelo brasileiro tem acarretado
sérios problemas[7], principalmente devido às peculiaridades da formação da federação
brasileira.
Como muito bem lembra a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, os recursos extremos
buscam o exame, por órgãos superiores, de questões exclusivamente jurídicas discutidas nas
decisões objurgadas. Desta forma, as hipóteses de cabimento destas espécies de recursos são
restritas e vêm definidas expressamente no texto constitucional. Quanto ao recurso especial,
determina a Carta Magna, em seu art. 105, que compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,
quando a decisão recorrida:
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Em primeiro lugar, cumpre asseverar que a expressão lei federal, conforme o magistério de
Rodolfo Camargo Mancuso, engloba: as leis que a CF/88 à competência da União; as outras
formas de expressão do direito federal, incluindo aí os decretos, regulamentos, a declaração
de guerra ou a emissão de moeda; normas com competência comum ou concorrente que
venham a ser elaboradas pelo Congresso Nacional; e o direito estrangeiro que tenha sido
incorporado ao ordenamento interno, desde que sem o status de emenda constitucional[8].
Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição
Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em
petições distintas, que conterão:
Ou seja, existem inúmeras regras de cunho formal que vêm sendo usadas com extremo rigor
pelo Superior Tribunal de Justiça a fim de não conhecer do recurso. Assim, a mera alegação de
que a decisão objurgada difere da prolatada por outro tribunal não basta para ser aberta a via
especial. Tem que ser realizado o devido cotejo analítico entre os julgados, de forma que se
apontem as similitudes fáticas entre os casos e as conclusões divergentes alcançadas. Sem essa
efetiva comparação, não terá sido comprovada o dissídio jurisprudencial nos termos da
legislação processual. Ademais, a divergência verificada no âmbito de um mesmo tribunal, não
enseja o recurso especial, conforme a súmula n° 13/STJ: “A divergência entre julgados do
mesmo tribunal não enseja recurso especial”.
Por fim, é preciso informar que no âmbito penal a hipótese prevista no art. 105, III, b, da Carta
Cidadã é absolutamente inaplicável, já que a própria Constituição delegou exclusivamente à
União a competência para legislar em matéria penal. Assim, não há como nesta esfera haver
divergência entre ato de governo local e lei federal.
3.1 A EXISTÊNCIA DE UMA CAUSA DECIDIDA EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA POR TRIBUNAL
Muito embora haja discussão, no âmbito do processo civil, sobre o sentido do termo causa[9],
quando o recurso versa sobre matéria penal, a controvérsia perde sentido, pois em virtude do
próprio direito material em questão, exige-se o prévio pronunciamento jurisdicional sobre o
feito levado ao Superior Tribunal de Justiça.
Já no que concerne a necessidade de anterior apreciação do caso por tribunal, há certa
divergência sobre a possibilidade de recurso especial contra decisão de turma recursal.
Em 2002, o STJ publicou a súmula n° 203, segundo a qual: “Não cabe recurso especial contra
decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. Entretanto, como muito
bem aponta Francisco Monteiro Rocha Júnior., tal entendimento gerou uma classe de decisões
imunes ao controle de legalidade. Muito embora haja no âmbito dos juizados especiais
federais um órgão de superposição (Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência), o
mesmo não ocorre na esfera estadual. Assim, em tese, são irrecorríveis as decisões de turmas
recursais estaduais, mesmo quando haja contrariedade à legislação federal
infraconstitucional[10].
Cumpre ressaltar que no recurso extraordinário não se verifica tal impasse, já que a redação
do art. 102, da Carta Magna, não impõe que as causas tenham sido decididas por tribunal, o
que inviabiliza uma interpretação restritiva do acesso ao Pretório Excelso.
É necessário ainda que tenha havido o exaurimento dos meios ordinários de impugnação da
decisão. No âmbito penal, como as hipóteses de cabimento dos embargos infringentes são
mais amplas do que no cível, tal exigência assume particular relevância.
Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras
ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização
judiciária.
Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao
réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10
(dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial,
os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.
Ou seja, somente são cabíveis embargos quando a decisão for não unânime e desfavorável à
defesa e, a princípio, não pode a parte apresentar o recurso especial se ainda viável o ataque
da decisão por embargos. Veja-se o teor do enunciado da súmula n° 207/STJ: “É inadmissível
recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal
de origem”
Ocorre que podem surgir pontos interessantes na aplicação da súmula. Em abrangendo mais
de um réu, sendo cabível a oposição dos embargos por apenas uma das partes, é ônus da
outra proceder à interposição do recurso especial dentro do prazo de quinze dias a contar da
intimação do julgamento da apelação criminal, e não dos embargos de infringência.
Por outro lado se no acórdão vergastado somente houve divergência parcial, ou seja, apenas
em relação a um dos pontos levantados o julgamento foi não-unânime, a questão não é
pacífica.
Em sua redação original, o Código de Processo Civil, em seu art. 498, exigia que houvesse a
interposição do especial quanto à parte unânime e, simultaneamente, dos embargos quanto à
parte não-unânime. Ocorre que em 2001 foi publicada a Lei n° 10.352 que conferiu nova
redação ao dispositivo em comento:
Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e
julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso
extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado
até a intimação da decisão nos embargos.
Ocorre que, para alguns[11], com supedâneo em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
esta nova regra não se aplica ao processo penal, devendo ser considerada ainda em vigor a
antiga súmula n° 355/STF, segundo a qual: “Em caso de embargos infringentes parciais, é
tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da
decisão embargada que não fora por eles abrangida”.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a nova regra do art. 498, do
Código de Processo Civil, incide também quando o recurso sobre matéria criminal. Por todos,
cita-se o voto do Min. Felix Fischer no julgamento do REsp 785.679/MG:
PROCESSUAL PENAL. RECURSOS ESPECIAIS. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES E DE
NULIDADE SIMULTANEAMENTE A RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 498 DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL. NÃO CONHECIMENTO PELO E. TRIBUNAL A QUO DOS EMBARGOS.
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE NOVO APELO NOBRE. INOCORRÊNCIA.
NÃO CABIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. VOTO VENCIDO NÃO
FAVORÁVEL AO RECORRENTE.
III - Não conhecidos os embargos infringentes e de nulidade, não há interrupção do prazo para
a interposição de recurso especial, que visa atacar os fundamentos do acórdão proferido em
sede de apelação, posteriormente integrado pelos subsequentes embargos de declaração.
Neste caso, só será conhecida a irresignação no ponto em que se impugnar os fundamentos
externados no v. acórdão recorrido concernente ao não conhecimento dos embargos.
Primeiro recurso especial não conhecido. Segundo parcialmente conhecido e, nesta parte,
desprovido. (REsp 785.679/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJ de 11/09/2006)
Naquela oportunidade, o eminente relator registrou que a alteração advinda com a Lei n°
10.352/2001 aplica-se integralmente aos recursos criminais. In verbis:
“[...] Ou seja, a partir dessa alteração legislativa não mais se verifica a situação na qual a parte,
a despeito da interposição de embargos infringentes, ao mesmo tempo interpõe recurso
especial da parte unânime do julgado. Contudo, na espécie, foi exatamente como procedeu o
recorrente, pois, muito embora tenha concluído pelo manejo dos infringentes, não deixou de,
prematuramente, utilizar o apelo especial.
Registre-se que referido recurso foi protocolado no e. Tribunal de origem em 16/12/2003,
portanto, quando já vigente a alteração introduzida pela Lei nº 10.352/2001.
Nem se alegue, de outro lado, que a fundamentação ora utilizada teria relação somente com o
campo referente ao processo civil. Isso porque a matéria sob enfoque, não esta regulada pelo
Código de Processo Penal, nem pela Lei nº 8.038/90, incidindo, portanto, subsidiariamente, as
regras do processo civil (ex vi art. 3º do CPP)”.
Assim, mais coerente a posição adotada no STJ, pois trata de forma uniforme os recursos
especiais, independentemente da matéria discutida e evita incoerências no sistema recursal.
Como já falado, o recurso especial somente pode ser utilizado quando a causa tiver sido
julgada em última ou única instância ordinária. Porém, isso não é o bastante. É preciso que
haja manifestação expressa do tribunal recorrido acerca da matéria trazida no especial.
Surge daí o chamado prequestionamento, que embora seja alvo de muita confusão por parte
dos operadores jurídicos, pode ser resumido simplesmente como a necessidade de
enfrentamento pelo tribunal recorrido dos fundamentos sobre os quais será elaborado o
recurso. Ou seja, é vedada a possibilidade de se discutir em sede especial matéria que não
tenha sido levantada nas instâncias ordinárias[12].
Acaso no tribunal a quo não seja discutida a matéria que o recorrente pretende levar ao STJ, é
obrigação deste a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento da
matéria. Da mesma forma, não serve para fins de prequestionamento tema tratado
unicamente no voto vencido, conforme o enunciado n? 320 da súmula do Superior Tribunal de
Justiça: “A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do
prequestionamento”
É necessário salientar que a jurisprudência tem admitido que não é obrigatório que o tribunal
a quo explicite claramente sobre qual dispositivo normativo está sendo discutida a matéria.
Basta que, pelo contexto, seja possível a identificação do tema para que seja aberta a via
especial. Chama-se tal fenômeno de prequestionamento implícito.
Quando se trata de matéria penal, a obrigatoriedade do prequestionamento da matéria, em
nosso entender, pelo menos em relação às teses defensivas, deve sofrer certo abrandamento.
É que o art. 654, § 2°, do Código de Processo Penal, impõe ao julgador o dever de conceder
habeas corpus de ofício quando verificar que alguém está sofrendo constrangimento ilegal de
sua liberdade. Assim, afigura-se no mínimo desarrazoado deixar de apreciar recurso especial
defensivo quando possível a concessão da ordem mesmo sem provocação da parte. Assim,
muito embora, em regra, se deixe de conhecer do recurso especial, na prática o seu mérito
vem sendo analisado a fim de verificar possível nulidade absoluta. Confira-se a ementa de
julgado neste sentido:
1. É intempestivo o recurso especial interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias, razão pela
qual não se conhece da irresignação.
3. Recurso especial não conhecido. Concessão de habeas corpus, de ofício, para determinar
que seja fixado o regime semi-aberto para cumprimento da pena.(REsp 1.121.794/RS, Rel. Min.
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 17/05/2010)
Por fim, deve-se citar, muito embora o tema já tenha sido alvo de inúmeros e ricos estudos, a
divergência existente entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça no que
se refere ao efeito da oposição dos embargos de declaração[13] para a admissibilidade dos
recursos extremos.
Para o Pretório Excelso, uma vez opostos os aclaratórios, mesmo se o tribunal recorrido não se
pronunciar expressamente sobre a matéria trazida no recurso, estará superado o óbice do
prequestionamento – é o chamado prequestionamento ficto.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça entende que mesmo com o oferecimento dos
embargos de declaração, não havendo discussão da corte a quo acerca do tema, mantém-se
fechada a via especial. A esse respeito, confira-se o teor da Súmula n° 211/STJ: “Inadmissível
recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não
foi apreciada pelo tribunal ‘a quo’”
3.3 PREPARO
Compreende-se por preparo, o devido recolhimento pela parte das custas de processamento
das ações levadas a análise de alguma causa. No STJ, tais valores são previstos por
provimentos administrativos e o seu quantum depende do número de páginas do processo e
do estado de origem do recurso. A comprovação de pagamento de tais custas é obrigação do
recorrente e o seu descumprimento ou erro dá ensejo ao não conhecimento do recurso.
Entretanto, mais uma vez, em recurso especial criminal, tal exigência sofre restrições.
Conforme aponta Bruno Jorge Costa Barreto[14], quando tratar-se de ação penal pública, o
recorrente está isento do preparo, entendimento este sufragado pela Corte Superior:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME SUJEITO À AÇÃO PENAL PÚBLICA. RECURSO
ESPECIAL JULGADO DESERTO, PELO TRIBUNAL A QUO, POR FALTA DE PREPARO.
1. Em se tratando de crime sujeito à ação penal pública, não se aplica o entendimento de que
somente se julgará deserto o recurso interposto após a intimação do recorrido para que
proceda ao pagamento das custas devidas.
2. Não obstante, não é possível exigir a obrigação de o acusado, nos casos de ação penal
pública, efetivar o preparo do recurso especial, à luz do princípio constitucional da não-
culpabilidade.
3. Precedentes do STJ.
4. Ordem denegada nos termos em que foi postulada, porém, concedida de ofício para que o
Tribunal a quo, afastada a deserção por falta de preparo, examine a admissibilidade do
Recurso Especial interposto pelo ora paciente.(HC 41.793/PE, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, DJ de 01/08/2005)
3.4 TEMPESTIVIDADE
Obviamente que não pode o sucumbente dispor de todo o tempo desejado para decidir se
pretende ou não interpor o recurso. Neste sentido, a Lei n° 8.038/90 garante o prazo de 15
dias, contados a partir da certidão de publicação do acórdão vergastado, para que a parte
possa impugná-lo.
Ocorre que em um processo com inúmeros autores e réus, a situação fica um pouco mais
dramática. Digamos que haja apenas um réu contendo com nove autores e que o pedido seja
julgado improcedente. Um desses autores-sucumbentes decide opor embargos de declaração
alegando obscuridade no acórdão em relação a matéria cujo interesse é exclusivo deste
embargante. Ao mesmo tempo, os outros oito autores interpõem recurso especial por suposta
violação ao Código Penal.
Segundo o STJ, o recurso destes oito recorrentes é extemporâneo, pois ainda não esgotada a
via ordinária de impugnação. E ainda mais, mesmo que os embargos sejam desprovidos, caso
os autores-recorrentes não se manifestem expressamente acerca do interesse no julgamento,
o recurso especial deles não será desconhecido. Esse foi o ponto de vista adotado no REsp n°
1.000.710/RS, da lavra do eminente ministro Luiz Fux:
1. A oposição tempestiva dos embargos de declaração, ainda que venham a ser rejeitados,
interrompem o prazo para interposição de eventual recurso.
3. In casu, o acórdão recorrido foi publicado em 19.01.07 (fls. 234) e o contribuinte já havia
protocolizado seu recurso especial em 09.01.07 (fls. 247); entretanto, a Fazenda Pública opôs
embargos de declaração àquele julgado (fls. 340/343), cujo acórdão só seria publicado em
21.03.07 (fls. 343), sem que o contribuinte reiterasse seu recurso, incorrendo, por isso, em
extemporaneidade.
(...)
Obviamente que a súmula não é de todo despropositada. Na realidade, ela visa impedir que
sejam interpostos recursos especiais contra decisões que ainda podem ser reformadas, em
virtude do parcial efeito infringente dos embargos de declaração.
Porém, não se justifica sua incidência quando a matéria trazida nos embargos interessa apenas
a subconjunto dos recorrentes, ou mesmo que os mesmos venham a ser julgados e
desprovidos.
Do ponto de vista lógico, mesmo sem manifestação posterior à publicação dos o recurso
anteriormente interposto merece ser levado ao Superior Tribunal de Justiça? Não conhecer do
recurso nestes casos e sob essas alegações demonstra um apego demasiado e irracional a
formalismos que há muito deveriam estar extirpados da cultura jurídica nacional.
Ou seja, muito embora os embargos tenham sido rejeitados unanimemente pela instância
ordinária, o recurso do autor foi julgado extemporâneo, mesmo sabendo-se que não houve
nenhuma reforma no acórdão recorrido.
Tal entendimento, em nosso ver, está em completo desacordo com os princípios da lealdade
processual, da boa-fé e da instrumentalidade das formas.
Além disso, tal prática tem como base construção meramente pretoriana, uma vez que não
existe dispositivo legal que imponha ao recorrente o ônus de reiterar suas razões recursais.
É bem sabido que atualmente a grande maioria dos advogados utiliza-se quase exclusivamente
dos sites dos tribunais para o acompanhamento dos processos de seu interesse. No entanto,
os órgãos oficiais de publicação (Diários de Justiça Eletrônicos) não disponibilizam em seus
meios de comunicação as decisões de forma tão célere quanto aqueles. Desta forma, muitas
vezes os advogados ficam sabendo do teor da decisão antes mesmo da publicação oficial e já
interpõem os recursos com base nas informações disponibilizadas na rede mundial de
computadores.
No nosso entender, tal prática não traz consigo nenhum malefício, muito pelo contrário,
propicia a celeridade processual almejada pela própria Carta Magna. No entanto, o STJ vem
considerando extemporâneo o recurso interposto antes da publicação oficial do acórdão
vergastado. Veja-se:
Mesmo no STJ, este entendimento encontra vozes dissonantes, como vê-se no seguinte
julgado, da lavra da Min. Fátima Nancy Andrighi:
Agravo nos embargos de declaração no agravo de instrumento não provido. (AgRg no EDcl no
Ag 1.067.981/SC, rel Min. Nancy Andrighi, p. DJe 05/03/2010)
Como já falado anteriormente, o recurso especial não objetiva a discussão de matéria fática,
mas sim de matéria estritamente jurídica. No entanto, como definir se a questão trazida no
recurso especial é de fato ou de direito? Como lembra Teresa Arruda Alvim Wambier:
“rigorosamente, seria impossível fazer-se esta distinção, pelo menos no plano ontológico, já
que o fenômeno direito ocorre, de fato, no momento de incidência da norma, no mundo real,
no universo empírico”.[15]
Sem dúvidas, na prática forense, o argumento mais utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça
para não conhecer do recurso especial é a necessidade de reexame do conjunto fático
probatório constante dos autos, o que segundo a súmula n° 07/STJ é vedado na via especial:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
No entanto, dentro do estudo dos recursos extremos, definir se um determinado caso exige ou
não o reexame das provas é questão das mais tormentosas[16].
O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que não exige o reexame de provas a
qualificação jurídica de fatos restados incontroversos no acórdão guerreado. Assim, um
critério relativamente simples para definir se a pretensão recursal encontra óbice na súmula n°
07/STJ passa pela comparação entre as razões trazidas no recurso e a forma como os fatos
foram discutidos no aresto. Se os fatos narrados no recurso são idênticos aos estabelecidos no
acórdão, não haverá reexame, mas sim revaloração, das provas. Caso, contrário, se o
recorrente busca rediscutir as premissas fáticas definidas no tribunal a quo, o reclamo não
merece ser conhecido.
Digamos que o indivíduo A foi denunciado pela prática de roubo consumado contra a vítima B.
Nas instâncias ordinárias, ele foi condenado nos termos da exordial, sob o fundamento de que
teria conseguido a posse tranquila da res, o que caracterizaria a consumação do delito. No
especial, ele defende a tese da negativa de autoria.
Para saber se tal pleito pode ou não ser analisado na via extrema, é preciso que o recorrente
trabalhe a sua tese exatamente sob os fundamentos fáticos estabelecidos no aresto
vergastado. Assim, se no acórdão foi dito que o acusado foi apanhado pela polícia no
momento em que entrava em um ônibus com a coisa alheia, não pode o recorrente alegar que
estava apenas passando pelo local do crime e foi preso por engano. Ora, fixou-se a premissa de
que a coisa estava em seu poder, cabe ao recorrente apenas discutir se houve a posse
tranquila ou não do bem subtraído, jamais alegar fatos contrários aos estabelecidos no aresto.
Em matéria penal, a doutrina aponta, baseada em precedentes, alguma teses cuja discussão
resta inviabilizada em recurso especial por se tratar de matéria fática[17], dentre as quais se
destacam: existência de dolo direto, eventual ou culpa em sentido estrito; reconhecimento de
erro de fato, de proibição, estado de necessidade ou legítima defesa; exclusão de
qualificadoras admitidas no Tribunal do Júri etc.
Segundo Barbosa Moreira, tal análise deveria ser realizada em status assertionis. Ou seja, não
cumpriria ao próprio tribunal recorrido avançar sobre o mérito da causa e analisar o próprio
objeto do recurso, sob pena de verdadeira supressão do princípio do juiz natural da causa[18].
No entanto, o que se verifica na prática é a invasão do próprio mérito recursal por parte destes
juízos[19], tudo sob as bênçãos do STJ, que em inúmeros precedentes vem admitindo que
pode os tribunais a quo analisar o mérito da pretensão recursal. Por todos:
1 - A ausência de indicação do dispositivo legal tido por violado, a teor da orientação adotada
por esta Corte, impede a apreciação do recurso especial. Aplicação da Súmula 284/STF.
Precedente.
2 - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que no juízo de admissibilidade é
possível e, muitas vezes, necessário, apreciar o mérito do Recurso Especial. Precedentes (AGA
552.634/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU de 10.05.2004; AGA
295.148/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU de 09.10.2000).
(...)
5 - Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no Ag 500.191⁄RS, Rel. Min. JORGE
SCARTEZZINI, Órgão Julgador, DJ 22.08.2005)
Sob a mesma justificativa, vêm sendo editadas inúmeras súmulas que pretendem impedir que
os recursos especiais cheguem à corte superior. Muito embora entenda-se a sobrecarga de
processos que são distribuídos aos ministros do STJ anualmente, a criação irracional de
requisitos de admissibilidade não previstos em lei gera conseqüências ainda mais danosas.
Como a decisão que nega seguimento a recurso especial pode ser desafiada por meio de
agravo, o que se verifica na prática é uma enxurrada de agravos contra decisões singulares de
inadmissão dos recursos especiais. Assim, a jurisprudência defensiva da admissibilidade acaba
gerando um outro monstro: os agravos.