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Pulsar da vida
A
Ampulla priamus (Gmelin, 1791)
[Mollusca, Gastropoda]:
reminiscências troianas na fauna marinha de Portugal
Resumo: Ampulla priamus (Gmelin, 1791) é um dos mais raros e belos represen-
tantes da Família Volutidae em águas europeias. A sua distribuição centra-se numa
estreita faixa da costa sul de Portugal e da vizinha Espanha e encontra-se listada como
espécie vulnerável. O seu nome pré-lineano foi retomado por Gmelin, naquilo que é
uma alegoria a um dos personagens mais fascinantes da Grécia Antiga: Priamo, rei de
Tróia e mártir da sua sangrenta conquista. As raízes classicistas do nome repetem-se
no género Ampulla, recriação da palavra romana para recipientes esbeltos que conti-
nham líquidos preciosos.
Introdução
Ao longo dos seus mais de dois séculos e meio de existência, a nomenclatura zoo-
lógica lineana tem recorrido com grande frequência a exemplos da Antiguidade Greco-
Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia
Romana, inspirando-se na sua mitologia, nas vivências dos seus povos e nos seus per-
sonagens e heróis mais ilustres. Daí resultou uma miríade de nomes latinos ou latini-
zados, a que o código da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica tão bem
se soube adaptar. Este recurso insistente a temas do classicismo antigo, por parte de
Lineu e dos seus inúmeros seguidores dos séculos XVIII e XIX, tornou-se numa forma
culta e elegante de enriquecer o processo criativo subjacente ao uso generalizado da
nomenclatura binomial, através da generalização de alegorias espirituosas e de metá-
foras imaginativas. Na realidade, as designações de origem greco-romana já se encon-
tram com certa frequência na literatura de História Natural pré-lineana, para isso con-
tribuindo a formação consistente em Filosofia e a leitura profusa de autores clássicos
a que os espíritos ilustrados da época tinham acesso. Não obstante, foi a sede insaciá-
vel de descrever o mundo orgânico através desta nova ferramenta universal que Lineu
56 nos propiciou, que permitiu relembrar muitas destas palavras mortas e heróis esque-
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cidos, originários de uma época em que a Ciência era ela própria uma jovem pitonisa,
cheia de ilusões sobre os homens e o seu mundo enganador.
Nos últimos anos tem-se vindo a generalizar um certo interesse pelo significado eti-
mológico de muitas destas palavras (Solis, 2000), ainda para mais que as disciplinas de latim e de
grego foram retiradas dos currículos do ensino secundário, deixando professores e aprendizes de
taxonomia num certo limbo de ignorância. Neste sentido, o interessante exemplo de singularidade
da nomenclatura que nos propomos expor nos parágrafos seguintes - o molusco gastrópode
Ampulla priamus (Gmelin, 1791) (figura 1) - constitui por si só uma sorte de ode mitológica à
Zoologia portuguesa, ao juntar à considerável raridade da espécie, uma invulgar beleza
estética e um nome de escolha particularmente feliz, enraizado que se encontra na opu-
lência da cultura greco-romana.
FIGURA 1
Ampulla priamus (Gmelin, 1791) [coleção Pedro M. Callapez, 4255].
Descrição taxonómica
Com dimensões que raramente ultrapassam os 100 mm, a espécie designada como
tipo do género Ampulla Röding, 1798, apresenta uma concha oval oblonga, um tanto
frágil, com 4 a 6 voltas convexas e separadas por uma sutura profunda e terminando
numa volta do corpo moderadamente expandida. A protoconcha é baixa e arredonda-
da (Weaver & Pont, 1970). O lábio externo é simples e o columelar arqueado no senti-
do da abertura, que apresenta forma alongada. A superfície da concha é lisa e brilhan-
te, reduzindo-se a ornamentação a linhas de crescimento, mais numerosas e aperta-
das no final da última volta. A cor de fundo é castanha a castanha-avermelhada, bas-
tante uniforme. Sobre ela é comum o desenvolvimento de bandas descontínuas, em
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Nomenclatura e etimologia
Esta espécie foi objeto de um parecer da Comissão Internacional de Nomenclatura
Zoológica (Rehder, 1970), no sentido de clarificar aspetos respeitantes aos seus epíte-
tos genérico e específico. Com efeito, era tradicional a sua inserção no género Halia
Risso, 1826 da família Volutidae, subfamília Scaphellinae, o qual é considerado como
sinónimo de Ampulla Röding, 1798. Por sua vez, Pilsbry (1908) já havia designado A.
priamus como o tipo deste género.
Outro aspeto interessante prende-se com o facto desta espécie ter sido descrita ori-
ginalmente por Meuschen (1778), em monografia rejeitada para propósitos nomencla-
turais pela mesma Comissão. A diagnose original menciona um Helice caracterizado
por: turrita glabra corneapellucida tenuis castanei, coloris falsiis quatuor transver-
sis e punctis obscurioribus quadrati formis remotissimis condecorata, o que concor-
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Olhando para as raízes etimológicas de ambos os nomes, as suas origens Greco-
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Romanas evidenciam-se de imediato, assim como as analogias de forma e cor que leva-
ram os autores à sua escolha propositada. Com efeito, ampulla era o termo com que
os antigos Romanos designavam recipientes de vidro ou cerâmica com corpo bulboso
e colo estreito, no qual armazenavam vinho, óleos, ou outros líquidos preciosos (figu-
ra 2). De certo modo, a forma elegante e o tom acastanhado brilhante das conchas
desta espécie lembram a elegância de tais recipientes usados pelos patrícios da penín-
sula itálica.
Já, por sua vez, o nome priamus
exulta as suas raízes históricas e mito-
lógicas na Grécia Antiga (Repetto et
al., 2011). Como é sabido, o rei
Priamo (figura 3) foi o último dos
governantes da lendária Tróia, sofren-
do as agruras crescentes do seu longo
cerco e perecendo, de modo inglório,
nos derradeiros momentos de estertor
desta opulenta cidade-estado. Já no
entender de Rehder (1970), a alusão a
Priamo, ou Priamus, a sua forma lati-
nizada, terá a ver com a analogia exis-
tente entre as conchas desta espécie e
os famigerados barretes frígios, ao
tempo usados pelo povo de Tróia e
representados em numerosas pinturas FIGURA 2
neoclacissistas (figura 4). Recriação moderna de Ampulla em vidro soprado da
Marinha Grande [coleção Pedro M. Callapez].
FIGURA 3 FIGURA 4
A morte de Priamo, rei de Tróia (1861), segundo Páris e Helena (1788), segundo Jacques-Louis
Jules Joseph Lefebvre (1836-1911) (reprodução de David (1748-1825). Note-se o característico bar-
óleo existente na Escola Nacional de Belas Artes rete frígio envergado por Páris (reprodução de
de Paris). óleo existente no Museu do Louvre, em Paris).
Fonte de inspiração
A deslumbrante arquitetura de Ampulla priamus (Gmelin, 1791), associada à
sua escassez, tem-lhe granjeado justificada simpatia entre estudiosos e colecionadores,
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Conclusões
O molusco gastrópode Ampulla priamus (Gmelin,
1791) é um dos mais raros e belos volutídeos do litoral euro-
peu, verdadeira preciosidade da fauna marinha portuguesa,
inspiradora de investigadores e de artistas. Por outro lado, o
seu nome constitui um exemplo fascinante de como a
nomenclatura zoológica se tem vindo a enriquecer etimo-
FIGURA 5
Emblema da
Sociedade
FIGURA 6
Portuguesa de
Esboço da autoria de J. Pedroso da Silva que acompanhou a proposta para uma emis-
Malacologia.
são de dois selos postais a serem impressos pelos correios portugueses.
Bibliografia
Ardovini, R. & Cossignani, T. (2004) - West African seashells: including Azores, Madeira and Canary
Islands. L’informatore piceno, Ancona, Italia, 319 p.
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11.
Callapez, P.M. (2007) - Fauna Malacológica do Ribāt da Arrifana - Análise preliminar. In: R. Varela Gomes
& M. Varela Gomes (Eds.) – Ribāt da Arifana. Cultura material e espiritualidade, pp. 87-90. Ed. Associação
de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur, Aljezur, 120 p.
Callapez, P.M. (2011) - Estudo zooarqueológico dos invertebrados do Ribāt da Arrifana (Aljezur, Portugal).
Sua relação com as comunidades marinhas litorais e com hábitos alimentares no algarve muçulmano do
século XII. In: R. Varela Gomes, M. Varela Gomes & C. Tente (Eds.) - Cristãos e Muçulmanos na Idade
60 Média Peninsular. Encontros e Desencontros. Instituto de Arqueologia e Paleociências das Universidades
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CONVOCATÓRIA
Assunto: Assembleia-geral Ordinária
Ponto um – Informações
Ponto dois - Apreciação dos relatórios de atividades e de contas de 2014
Ponto três - Aprovação do plano de atividades para 2015
Ponto quatro - Outros assuntos
O Presidente da Mesa da Assembleia
José Maria Castelo Branco Catré