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Pulsar da vida Ampulla priamus (Gmelin, 1791) [Mollusca, Gastropoda]

Pulsar da vida

A
Ampulla priamus (Gmelin, 1791)
[Mollusca, Gastropoda]:
reminiscências troianas na fauna marinha de Portugal

PEDRO M. CALLAPEZ1 & JOSÉ M. PEDROSO DA SILVA2


1
Departamento de Ciências da Terra; Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, 3000-134 Coimbra,
Portugal. E-mail: callapez@dct.uc.pt
2
Direção de História e Cultura Militar; Universidade Sénior do Montijo; E-mail: zedaota@gmail.com

Resumo: Ampulla priamus (Gmelin, 1791) é um dos mais raros e belos represen-
tantes da Família Volutidae em águas europeias. A sua distribuição centra-se numa
estreita faixa da costa sul de Portugal e da vizinha Espanha e encontra-se listada como
espécie vulnerável. O seu nome pré-lineano foi retomado por Gmelin, naquilo que é
uma alegoria a um dos personagens mais fascinantes da Grécia Antiga: Priamo, rei de
Tróia e mártir da sua sangrenta conquista. As raízes classicistas do nome repetem-se
no género Ampulla, recriação da palavra romana para recipientes esbeltos que conti-
nham líquidos preciosos.

Palavras-chave: Ampulla priamus; Gastropoda; nomenclatura; etimologia;


Portugal.

Introdução
Ao longo dos seus mais de dois séculos e meio de existência, a nomenclatura zoo-
lógica lineana tem recorrido com grande frequência a exemplos da Antiguidade Greco-
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Romana, inspirando-se na sua mitologia, nas vivências dos seus povos e nos seus per-
sonagens e heróis mais ilustres. Daí resultou uma miríade de nomes latinos ou latini-
zados, a que o código da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica tão bem
se soube adaptar. Este recurso insistente a temas do classicismo antigo, por parte de
Lineu e dos seus inúmeros seguidores dos séculos XVIII e XIX, tornou-se numa forma
culta e elegante de enriquecer o processo criativo subjacente ao uso generalizado da
nomenclatura binomial, através da generalização de alegorias espirituosas e de metá-
foras imaginativas. Na realidade, as designações de origem greco-romana já se encon-
tram com certa frequência na literatura de História Natural pré-lineana, para isso con-
tribuindo a formação consistente em Filosofia e a leitura profusa de autores clássicos
a que os espíritos ilustrados da época tinham acesso. Não obstante, foi a sede insaciá-
vel de descrever o mundo orgânico através desta nova ferramenta universal que Lineu
56 nos propiciou, que permitiu relembrar muitas destas palavras mortas e heróis esque-
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cidos, originários de uma época em que a Ciência era ela própria uma jovem pitonisa,
cheia de ilusões sobre os homens e o seu mundo enganador.
Nos últimos anos tem-se vindo a generalizar um certo interesse pelo significado eti-
mológico de muitas destas palavras (Solis, 2000), ainda para mais que as disciplinas de latim e de
grego foram retiradas dos currículos do ensino secundário, deixando professores e aprendizes de
taxonomia num certo limbo de ignorância. Neste sentido, o interessante exemplo de singularidade
da nomenclatura que nos propomos expor nos parágrafos seguintes - o molusco gastrópode
Ampulla priamus (Gmelin, 1791) (figura 1) - constitui por si só uma sorte de ode mitológica à
Zoologia portuguesa, ao juntar à considerável raridade da espécie, uma invulgar beleza
estética e um nome de escolha particularmente feliz, enraizado que se encontra na opu-
lência da cultura greco-romana.

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FIGURA 1
Ampulla priamus (Gmelin, 1791) [coleção Pedro M. Callapez, 4255].

Descrição taxonómica
Com dimensões que raramente ultrapassam os 100 mm, a espécie designada como
tipo do género Ampulla Röding, 1798, apresenta uma concha oval oblonga, um tanto
frágil, com 4 a 6 voltas convexas e separadas por uma sutura profunda e terminando
numa volta do corpo moderadamente expandida. A protoconcha é baixa e arredonda-
da (Weaver & Pont, 1970). O lábio externo é simples e o columelar arqueado no senti-
do da abertura, que apresenta forma alongada. A superfície da concha é lisa e brilhan-
te, reduzindo-se a ornamentação a linhas de crescimento, mais numerosas e aperta-
das no final da última volta. A cor de fundo é castanha a castanha-avermelhada, bas-
tante uniforme. Sobre ela é comum o desenvolvimento de bandas descontínuas, em
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número variável, compostas por uma tracejado regular de manchas retangulares de


tom castanho-avermelhado mais escuro.

Características ecológicas e biogeográficas


Os dados sobre a ecologia de A. priamus são escassos. Parece ocorrer, sobretudo,
em substratos arenosos ou areno-lodosos infralitorais, situados abaixo do nível de
base da ondulação e, possivelmente, dentro da zona fótica. Consiste num carnívoro
ativo com um pé e um proboscis de grandes dimensões, que não lhe permitem retrair-se por intei-
ro no interior da concha. De acordo com Poppe & Goto (1991) o pé é utilizado pelos
espécimes para envolver as presas, enterrando-se parcialmente com elas no substra-
to, antes de serem saboreadas pouco a pouco.
A sua repartição biogeográfica encontra-se bastante circunscrita, cingindo-se sobre-
tudo à costa do Algarve e da vizinha Andaluzia, até à baía de Cádis (localidade tipo in
Weaver & Pont, 1970) e às imediações de Gibraltar, para além de um troço da costa
atlântica norte de Marrocos (Ardovini & Cossignani, 2004) e das ilhas Canárias
(Hernandéz et al., 2011).
Nobre (1940) confirma a sua existência na costa sul portuguesa, ao ter encontrado
um espécime arremessado à praia, no cabo de Santa Maria, no atual Parque Natural
da Ria Formosa, perto de Faro. Das recolhas que temos vindo a efetuar, ocorrem exem-
plares com maior frequência nos fundos situados ao largo de Armação de Pera
(Callapez, 1985), trazidos por vezes nas redes de pesca de embarcações artesanais,
conjuntamente com Cymbium olla (Linné, 1758), outra espécie de volutídeo, mas bas-
tante mais comum. Também recolhemos conchas, quase sempre com paguros no seu
interior, no porto de Sagres e, em covos, no porto de Olhão.
Embora não exista notícia de recolhas recentes na Costa Vicentina, de que tenha-
mos conhecimento, o limite setentrional da área de repartição de A. priamus pode, ou
poderá ter atingido o paralelo de Aljezur, de acordo com fragmentos identificados no
concheiro do Ribat Islâmico da Arrifana (sec. XII), resultantes de atividades de pesca
local (Callapez, 2007, 2011).
A raridade de A. priamus no litoral andaluz também é considerável, justificando a
sua inserção na qualidade de "vulnerável", no catálogo das espécies ameaçadas de
Espanha (Moliner et al., 2001). Pensamos que idêntica atitude deveria ser tomada com
relação às populações portuguesas desta espécie.
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Nomenclatura e etimologia
Esta espécie foi objeto de um parecer da Comissão Internacional de Nomenclatura
Zoológica (Rehder, 1970), no sentido de clarificar aspetos respeitantes aos seus epíte-
tos genérico e específico. Com efeito, era tradicional a sua inserção no género Halia
Risso, 1826 da família Volutidae, subfamília Scaphellinae, o qual é considerado como
sinónimo de Ampulla Röding, 1798. Por sua vez, Pilsbry (1908) já havia designado A.
priamus como o tipo deste género.
Outro aspeto interessante prende-se com o facto desta espécie ter sido descrita ori-
ginalmente por Meuschen (1778), em monografia rejeitada para propósitos nomencla-
turais pela mesma Comissão. A diagnose original menciona um Helice caracterizado
por: turrita glabra corneapellucida tenuis castanei, coloris falsiis quatuor transver-
sis e punctis obscurioribus quadrati formis remotissimis condecorata, o que concor-
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Olhando para as raízes etimológicas de ambos os nomes, as suas origens Greco-
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Romanas evidenciam-se de imediato, assim como as analogias de forma e cor que leva-
ram os autores à sua escolha propositada. Com efeito, ampulla era o termo com que
os antigos Romanos designavam recipientes de vidro ou cerâmica com corpo bulboso
e colo estreito, no qual armazenavam vinho, óleos, ou outros líquidos preciosos (figu-
ra 2). De certo modo, a forma elegante e o tom acastanhado brilhante das conchas
desta espécie lembram a elegância de tais recipientes usados pelos patrícios da penín-
sula itálica.
Já, por sua vez, o nome priamus
exulta as suas raízes históricas e mito-
lógicas na Grécia Antiga (Repetto et
al., 2011). Como é sabido, o rei
Priamo (figura 3) foi o último dos
governantes da lendária Tróia, sofren-
do as agruras crescentes do seu longo
cerco e perecendo, de modo inglório,
nos derradeiros momentos de estertor
desta opulenta cidade-estado. Já no
entender de Rehder (1970), a alusão a
Priamo, ou Priamus, a sua forma lati-
nizada, terá a ver com a analogia exis-
tente entre as conchas desta espécie e
os famigerados barretes frígios, ao
tempo usados pelo povo de Tróia e
representados em numerosas pinturas FIGURA 2
neoclacissistas (figura 4). Recriação moderna de Ampulla em vidro soprado da
Marinha Grande [coleção Pedro M. Callapez].

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FIGURA 3 FIGURA 4
A morte de Priamo, rei de Tróia (1861), segundo Páris e Helena (1788), segundo Jacques-Louis
Jules Joseph Lefebvre (1836-1911) (reprodução de David (1748-1825). Note-se o característico bar-
óleo existente na Escola Nacional de Belas Artes rete frígio envergado por Páris (reprodução de
de Paris). óleo existente no Museu do Louvre, em Paris).

Fonte de inspiração
A deslumbrante arquitetura de Ampulla priamus (Gmelin, 1791), associada à
sua escassez, tem-lhe granjeado justificada simpatia entre estudiosos e colecionadores,
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constituindo-se como fonte inspiradora de diversos trabalhos de expressão plástica.


Entre eles contam-se o emblema da Sociedade Portuguesa de Malacologia, uma
criação de Luís Âmbar (figura 5), ou ainda a proposta apresentada aos CTT por um
dos autores, em 1987, para a emissão de uma série de dois selos postais. Num deles
figurava um Hexaplex trunculus (Linné, 1758), espécie de grande significado para nós
por ter servido de matéria-prima para a indústria da tinturaria que os fenícios espa-
lharam por todo o Mediterrâneo e pela costa portuguesa (Pedroso da Silva, 1989); no
outro, a referida concha (figura 6).

Conclusões
O molusco gastrópode Ampulla priamus (Gmelin,
1791) é um dos mais raros e belos volutídeos do litoral euro-
peu, verdadeira preciosidade da fauna marinha portuguesa,
inspiradora de investigadores e de artistas. Por outro lado, o
seu nome constitui um exemplo fascinante de como a
nomenclatura zoológica se tem vindo a enriquecer etimo-

FIGURA 5
Emblema da
Sociedade
FIGURA 6
Portuguesa de
Esboço da autoria de J. Pedroso da Silva que acompanhou a proposta para uma emis-
Malacologia.
são de dois selos postais a serem impressos pelos correios portugueses.

lógica e culturalmente através do recurso generalizado à história, literatura e mitolo-


gia da Antiguidade Clássica Greco-Romana. É nosso entender que esta espécie retrata
particularmente bem o interesse científico e pedagógico que podem despertar muitas
das espécies de moluscos marinhos do nosso litoral, para as quais escasseiam estu-
dos e a devida proteção legal.
Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia

Bibliografia
Ardovini, R. & Cossignani, T. (2004) - West African seashells: including Azores, Madeira and Canary
Islands. L’informatore piceno, Ancona, Italia, 319 p.
Callapez, P.M. (1985) - Contribuição para um inventário das espécies de moluscos existentes nos fundos
marinhos ao largo de Armação de Pera. Halia, Boletim da Sociedade Portuguesa de Malacologia, n.s., 8: 7-
11.
Callapez, P.M. (2007) - Fauna Malacológica do Ribāt da Arrifana - Análise preliminar. In: R. Varela Gomes
& M. Varela Gomes (Eds.) – Ribāt da Arifana. Cultura material e espiritualidade, pp. 87-90. Ed. Associação
de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur, Aljezur, 120 p.
Callapez, P.M. (2011) - Estudo zooarqueológico dos invertebrados do Ribāt da Arrifana (Aljezur, Portugal).
Sua relação com as comunidades marinhas litorais e com hábitos alimentares no algarve muçulmano do
século XII. In: R. Varela Gomes, M. Varela Gomes & C. Tente (Eds.) - Cristãos e Muçulmanos na Idade
60 Média Peninsular. Encontros e Desencontros. Instituto de Arqueologia e Paleociências das Universidades
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Nova e do Algarve, Lisboa, pp. 165-186.


Hernández, J.M., Rolán, E. & Swinnen, F. (2011) - Parte 3: Gastropoda: Prosobranchia: pp. 54 - 269. In:
E. Rolán (coord.) - Moluscos y conchas marinas de Canarias. ConchBooks, Hackenheim & Emilio Rolán,
Vigo, España, 716 p.
Meuschen, F..C. (1778) - Museum Gronovianum. Lugduni Batavorum, 251 p.
Moliner, B.G.; Moreno, D.; Rolán, E.; Araújo, R. & Alvarez, R.M. (Eds.) (2001) - Protección de moluscos en
el catalogo nacional de especies amenazadas. Reseñas Malacológicas, 11: 1-286.
Nobre, A. (1940) - Fauna malacológica de Portugal - I, Moluscos marinhos e das águas salobras. Imprensa
Portuguesa, Companhia Editora do Minho, Barcelos, Portugal, 806 p.
Pedroso da Silva, J.M. (1989) - As conchas e o Homem. Edição do Autor, Portimão, 32 p.
Pilsbry, H.A. (1908) - Type of Ampulla Bolten. The Nautilus, 22: 83.
Poppe, G. & Goto, Y. (1991) - European Seashells. Vol. I – Polyplacophora, Caudofoveata, Solenogastra,
Gastropoda. Verlag Christa Hemmen, Wiesbaden, Germany, 352 p.
Rehder, H.A. (1970) - Application to fix the name of the type-species of the genus Ampulla Röding, 1798
(Olim Halia Risso, 1826) (Gastropoda: Volutidae). Z. N. (S.) 1804. Bulletin of Zoological Nomenclature, 27:
41-43.
Repetto, G., Bianco, I. & Ciccimarra, G. (2011) - Mediterranean Seashells - Dictionary of the scientific names.
ConchBooks, Harxheim, Germany, 408 p.
Solis, R.M. (2000) - Diccionario etimológico de Malacología. Número especial del II Congreso de las
Sociedades Malacológicas Europeas. Resenas Malacológicas, 12: 1-316.
Weaver, C.S. & Pont, J.E. (1970) - The living volutes. A monograph of the recent Volutidae of the world.
Monograph Series, 1. Delaware Museum of Natural History, Greenville, Delaware, USA, 375 p.

CONVOCATÓRIA
Assunto: Assembleia-geral Ordinária

Nos termos do ponto 1 do artigo 12º dos estatutos da


APPBG, convocam-se todos os associados para uma
Assembleia Geral Ordinária a realizar no dia 20 de março de 2015, pelas 17h30,
na sede da APPBG, subordinada à seguinte ordem de trabalhos:
Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia

Ponto um – Informações
Ponto dois - Apreciação dos relatórios de atividades e de contas de 2014
Ponto três - Aprovação do plano de atividades para 2015
Ponto quatro - Outros assuntos
O Presidente da Mesa da Assembleia
José Maria Castelo Branco Catré

Se à hora marcada não estiverem presentes 50% dos associados, a Assembleia


reunirá trinta minutos mais tarde, independentemente do número de associ-
ados, no mesmo local e com a mesma ordem de trabalhos.
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