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2010
Parte II
- Estudo Descritivo efectuado em Centros de Saúde da Administração Regional
de Saúde do Centro
- 1. Introdução …………………………………………………………………………….. 145
- 2. Objectivos …………………………………………………………………………….. 163
-- 2.1. Questões de Investigação ……………………………………………………….. 163
-- 2.2. Objectivos Gerais …………………………………………………………………. 164
-- 2.3. Objectivos Específicos …………………………………………………………… 164
-- 2.4. Hipóteses ………………………………………………………………………….. 166
- 3. Material e Métodos …………………………………………………………………... 169
-- 3.1. Metodologia Utilizada …………………………………………………………….. 169
-- 3.2. Estatística Utilizada ……………………………………...……………………….. 169
-- 3.3. Estudo Quantitativo ………………………………………………………………. 171
-- 3.4. Estudo Qualitatitvo …………………………………………………………..…… 185
-- 3.5. Recolha de Dados …………………………………………………...…………… 191
- 4. Resultados ……………………………………………………………………………. 197
-- 4.1. Caracterização Geral da Amostra ………………………………………………. 197
-- 4.2. Resposta às Questões em Investigação e Testes de Hipóteses ……………. 199
-- 4.3. Respostas do Estudo Qualitativo ……………………………………………….. 210
- 5. Discussão …………………………………………………………………………….. 219
- 6. Conclusões …………………………………………………………………………… 269
Parte III
- A. Referências Bibliográficas ………………………………………………………….. 277
Anexos
- 1. Variáveis a Estudar ………………………………………………………………….. 297
- 2. Questionário da Investigação ………………………………………………………. 303
- 3. Parecer da Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São
João, do Porto ………………………………………………………………………….. 317
- 4. Autorização do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do
Centro ………………………………………………………………………………….... 319
- 5. Carta aos Directores de Centros de Saúde ………………………………...…….. 321
- 6. Termo de Responsabilidade do Investigador …………………………………….. 323
- 7. Análise da Deliberação nº 227/2007 da Comissão Nacional de Protecção de
Dados …………………………………………………………………………………… 325
- 8. Lista de estudos consultados que serviram de base à construção da escala
……………………………………………………………………………………………. 329
- 9. Grelha de categorias fundamentada sobre os conteúdos das respostas dos
inquiridos ………………………………………………………………………….…….. 371
índice de quadros
Parte I
- Quadro I: Perguntas a serem respondidas durante a análise de cada caso …..… 133
Parte II
- Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os
pacientes e suas famílias ………………………………………………………….….. 161
- Quadro II: Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares ……... 161
- Quadro III: Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema
de saúde …..…………………………………………………………………………..... 162
- Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número
de aleatorizados ……………………………………………………………………….. 172
- Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde,
número total e número pelos CS aleatorizados ……………………………………. 173
- Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número
total e número pelos CS aleatorizados …………………………………...…………. 173
- Quadro VII: Distribuição dos itens da versão inicial da escala ………………….… 176
- Quadro VIII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da
escala na sua versão inicial ……………………………………………………..……. 178
- Quadro IX: Distribuição dos itens da segunda versão da escala ……………...….. 180
- Quadro X: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da
escala na sua segunda versão …………………………………………………..…… 182
- Quadro XI: Escala na sua versão final ……………………………………….………. 183
- Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final …………………..…. 183
- Quadro XIII: Elementos componentes das categorias ……………………………… 189
- Quadro XIV: Índices das categorias ……………………………….…………………. 190
- Quadro XV: Formulação dos problemas éticos ……………………...……………… 190
- Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as
características sócio-profissionais ………………………………………………...…. 198
- Quadro XVII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna
da escala no estudo final ……………………………………………………………... 200
- Quadro XVIII: Teste de normalidade da escala ……………………………………... 201
- Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde
face aos problemas éticos ……………………………………………………………. 201
- Quadro XX: Análise item a item …………………………………….......................... 203
- Quadro XXI: Atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão ......................... 204
- Quadro XXII: Atitudes éticas dos inquiridos segundo o sexo …………………….. 205
- Quadro XXIII: Atitudes éticas dos inquiridos em função do grupo etário …….…. 206
- Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de
profissão ……………………………………………………………………..…………. 207
- Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a
que pertencem ……………………………………………………………...………….. 208
- Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área demográfica em
que trabalham …………………………………………………………………….……. 209
- Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com
características sócio-profissionais ……………………………………….…………... 210
- Quadro XXVIII: Categorias das respostas aos casos apresentados ……………… 211
- Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o
género …………………………………………………………………………………… 212
- Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a
profissão …………………………………………………………………………………... 213
- Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a
área ………………………………………………………………………………………… 214
- Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o
grupo etário …………………………………………………………………..…………… 216
PREÂMBULO 11
PREÂMBULO
PARTE I
INTRODUÇÃO 15
1. INTRODUÇÃO
Pode-se então entender a ética ou moral como “um conjunto de normas de conduta, quer
em geral, quer aquelas que são reconhecidas por determinado grupo humano ou
propostas por determinado autor, corrente ou religião” (Cabral, 2003). Neste sentido, são
distintas as possíveis aplicações:
É de salientar que seguindo a sugestão dada pelo estudo etimológico, dos termos “ética”
e “moral”, que aponta para que lhes seja atribuido o mesmo sentido, há autores que os
utilizam indistintamente, tal como o faz, por vezes, Roque Cabral (2003) havendo outros
que recorrem aos dois termos para significar conceitos diferentes. Por exemplo Paul
16 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Ricoeur (1996), no texto a que chama “ma petite éthique”, constatando que
etimologicamente os dois termos são sinónimos, decide por convenção utilizar o termo
“ética” para se referir à procura da “vida boa”, com e pelos outros em instituições justas; e
“moral” para se referir ao conjunto de normas que regem em concreto o agir que pretende
atingir essa “vida boa”. Posteriormente, num texto de 2000, o mesmo autor reconhecendo
que os especialistas não se entendem sobre o sentido a dar a cada um dos termos, mas
que concordam “na necessidade de dispor de dois termos”, propõe utilizar “o conceito de
moral para o termo fixo de referência e de lhe atribuir uma dupla função, a de designar,
por um lado, a região das normas, dito de outro modo, dos princípios do permitido e do
proibido, por outro lado, o sentimento de obrigação enquanto face subjectiva da relação
de um sujeito a essas normas”. Com o termo “ética”, Paul Ricoeur (2000) aponta em duas
direcções. “A ética anterior referindo para o enraizamento das normas na vida e no
desejo, a ética posterior visando inserir as normas nas situações concretas”. À ética
anterior chama-lhe “ética fundamental” e à posterior “ética aplicada”.
Neste sentido, também não se pode esquecer que a tradição confere às palavras uma
história específica que lhes agrega um sentido próprio. Assim, é pertinente ponderar que,
no Ocidente, a primazia cultural judaico-cristã faz com que a palavra “moral” apareça
quase sempre intimamente ligada à religião e às morais que de facto servem de regra de
conduta, admitida e mais ou menos respeitada, para grande parte da população; são as
morais religiosas. Quanto mais exigentes são as religiões, mais morais se apresentam,
mais clara aparece a incompatibilidade entre a culpa moral e a adesão a Deus, mais o
dever aparece como fidelidade a Deus e a perfeição humana como união a Ele (Cabral,
2003). Dentro deste contexto, o realce para a palavra ética, ocorre na intenção de
destacar uma conotação de moral não religiosa, secular. Daí a preferência, nesta tese,
pelo uso de “ética” em vez de “moral”, mesmo reconhecendo-se que os dois termos são
considerados sinónimos devido à sua etimologia.
Para muitos autores a ética da saúde ocupa um lugar de destaque no conjunto das
reflexões éticas, pois poucas questões têm um interesse tão fundamental como o
estabelecimento de uma efectiva relação clínica entre o profissional de saúde e o
paciente. Rui Nunes (1998) considera que esta deve pautar-se por critérios éticos bem
definidos à luz da tradição profissional e das disposições internacionais que consagram a
doutrina da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. Acrescenta o
autor que ao direito compete balizar comportamentos considerados por todas as
correntes do pensamento como eticamente inaceitáveis. Numa perspectiva estritamente
INTRODUÇÃO 17
O termo “bioética” significa literalmente ética da vida, uma ética aplicada à vida. A palavra
de origem grega “bios” significa “vida”, a vida em si mesma, o “existente vivo”, sendo o
termo originariamente aplicado à vida humana e não à vida animal. Entretanto, a palavra
“bios” veio a generalizar-se e a significar a vida como fenómeno, ou seja, o biológico tal
como hoje é entendido, englobando todos os seres vivos, e o desenvolvimento observado
nas ciências da vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. “Ethos”
significa “ética”, refere-se, pois, ao comportamento ou conduta do homem, aos valores
implicados nos costumes (Neves(a), 2002).
Este neologismo foi cunhado pelo oncologista Van Ressenlaer Potter no artigo “Bioethics,
the science of survival” (Potter, 1970) e posteriormente no livro “Bioethics: bridge to the
future”, publicado em 1971, com o objectivo de, ao juntar num só campo os
conhecimentos da biologia e da ética, ajudar a humanidade a seguir na direcção da
participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural:
“The purpose of this book is to contribute to the future of the human species by promoting
the formation of a new discipline, the discipline of Bioethics. If there are ‘the cultures’ that
seem unable to speak to each other – science and the humanities – and if this is part of
the reason that the future seems in doubt, then possibly, we might build a ‘bridge to the
future’ by building the discipline of Bioethics as a bridge between the two cultures.”
(Potter, 1971).
18 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Desta forma, a Bioética abraça este processo de confronto entre os factos biológicos e os
valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em
diferentes áreas da vida, como nos cuidados de saúde:
Este último modelo de análise, também conhecido como ética principialista fundada num
conjunto estruturado de princípios de ética biomédica, é o modelo mais difundido. Sem
INTRODUÇÃO 19
Por fim, destaca-se também a importância dos diferentes perfis das instituições sociais,
principalmente as que se dedicam à prestação de cuidados de saúde, no moldar da
Bioética. Aqui, mais uma vez, sobressai o sentido do particular, a atenção ao individual
da perspectiva norte-americana que se repercute num menor investimento de âmbito
social comparativamente à generalidade dos países europeus (Neves, 2005).
Como mencionado previamente, o termo bioética foi proposto pelo oncologista norte-
americano Van Rensselaer Potter, professor da Universidade de Wisconsin (EUA), no
seu artigo “Bioethics, the science of survival” publicado em Dezembro de 1970, que
reproduz uma palestra proferida anteriormente na Universidade de Dakota do Sul, em
que, após 22 anos de investigação oncológica, pensa que a ocasião chama para algo
mais filosófico e decide falar de algo que tinha em mente e nunca havia exprimido
20 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Andre Hellegers, a partir do seu trabalho no Kennedy Institute of Ethics, é um dos que
imprime à bioética o seu significado mais corrente, ao aplicá-la à ética da medicina e das
ciências biomédicas. Assim, quer no espaço anglo-americano, quer no europeu
continental, a emergência da bioética procede essencialmente da clara percepção dos
perigos que o desenvolvimento precipitado da ciência encerra para o Homem na sua
integridade física e na sua identidade pessoal (Sgreccia, 2009).
Também é importante salientar que nas décadas de 60 e 70, do século XX, a biomedicina
experimenta um grande avanço tecnológico com: o advento da diálise em 1962, em
Seattle (EUA) e com o comité que deveria escolher quem poderia ter acesso ao novo
recurso terapêutico; a transplantação de órgãos; a alteração do conceito de morte; o
advento do diagnóstico pré-natal de algumas patologias aliado à possibilidade de
abortamento em condições clinicamente seguras; a pílula contraceptiva e os primeiros
passos da procriação medicamente assistida, tornando possível dissociar o que parecia
indissolúvel; a expansão do uso das unidades de cuidados intensivos e dos ventiladores
e o alvorecer da engenharia genética. Ao lado deste desenvolvimento biotecnológico
surgem as denúncias feitas por Henry Beecher em artigo publicado no “New England
Journal of Medicine”, em 1966, de 22 investigações eticamente incorrectas realizadas
com seres humanos, mesmo após o advento do Código de Nurenberga, em 1947, e da
Declaração de Helsínquia, em 1964 (Beecher, 2007). Estes factos, além de
escandalizarem a opinião pública, questionaram a medicina e a sua ética milenar.
INTRODUÇÃO 21
Atendendo a este contexto, delineado pela preocupação inicial de Van Potter ao inventar
o neologismo bioética e pelo uso atribuído à palavra por Andre Hellegers, alguns autores
destacam as seguintes motivações para explicar a génese e o desenvolvimento da
bioética: os avanços no campo da biologia molecular; na ecologia, a crescente
preocupação com o futuro da vida no planeta; e a transformação ocorrida na prática dos
cuidados de saúde com a incorporação das conquistas propiciadas pelo desenvolvimento
científico-tecnológico da biomedicina (Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).
A bioética surge, portanto, nos Estados Unidos na década de 70, do século passado,
centrou-se nas inéditas questões éticas suscitadas pelo progresso das biotecnologias de
ponta e nas respostas possíveis atendendo ao respeito pela autonomia de todos e de
cada um dos intervenientes, assumindo-se inequivocamente como uma ética biomédica.
(Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).
Esta ética biomédica, modelada pela sua génese científico-tecnológica, progrediu com
uma atenção particular aos problemas de relação entre investigadores e sujeitos de
experimentação no âmbito da investigação biomédica, e profissionais de saúde e
pacientes no âmbito dos cuidados de saúde. Modelada pela sua génese sócio-política, a
Bioética progrediu numa promoção constante das relações simétricas entre pessoas,
garantidas pelo respeito pela autonomia de cada uma, e no reforço da sua respectiva
esfera individual (Hottois, 1998, 2003).
O caso paradigmático para análise desta questão é certamente o dos Sistemas Nacionais
de Saúde e a política de alocação de recursos. Assim, a existência versus a ausência de
sistema nacional de saúde que universalize a prestação de cuidados de saúde primários
à comunidade é perspectivada sob o ângulo das diferentes concepções de justiça que
dominam cada sociedade. Na Europa, a noção de justiça mais amplamente partilhada é a
“comunitarista”, considerando que é cada comunidade, em diferentes momentos da sua
história e circunstâncias de vida colectiva, que tem de explicitar a sua percepção comum
de “bem”. Neste contexto, a Europa, e alguns estados americanos, o Oregon por
exemplo, têm desenvolvido uma forte preocupação social, frequentemente de cunho
“igualitarista” ao estabelecer um pacote mínimo de bens elementares e de serviços
básicos a disponibilizar a toda a população. Este sentido de justiça protagoniza diferentes
valores que caracterizam a bioética europeia, sendo eles: o da solidariedade e o da
responsabilidade, que enunciam novos princípios; o da vulnerabilidade e o da
integridade, numa ampla concepção holística da saúde como bem-estar, o que lança a
bioética no campo social, através da sua actuação no âmbito da saúde pública. Existiu ao
longo dos últimos anos uma tentativa importante de promover uma bioética de cariz
europeu, nomeadamente através de um projecto patrocinado pela União Europeia e que
congregou os seus mais reputados especialistas em bioética (Rendtorff, 2002). Este
projecto conseguiu assim identificar alguns valores partilhados a nível transeuropeu
tratando-se de uma importante iniciativa neste domínio (Nunes(a), 1997).
• A perda do lugar central que vinha sendo ocupado pela medicina de alta
tecnologia nas preocupações bioéticas, desviando-se a atenção das questões
relativas ao avanço biotecnológico, na direcção dos múltiplos determinantes da
saúde, entre os quais figura o acesso aos serviços de saúde e à tecnologia
neles incorporada;
• A ênfase é igualmente colocada na saúde e nos cuidados da saúde, com a
preocupação voltada não apenas para quem tem acesso a determinados
cuidados de saúde, mas também para quem está e quem não está doente e o
quanto equitativa é tal relação;
• A preocupação com as questões demográficas;
• A prioridade aos excluídos nos países em desenvolvimento;
• A necessidade de novas abordagens e apropriação de conceitos e teorias de
outros campos do conhecimento humano.
Este privilégio dado aos cuidados altamente especializados em detrimento dos cuidados
de saúde primários tem sido tida em conta por alguns autores, levando-os a classificar o
actual entendimento da bioética de incompleto:
“The current understanding of bioethics is (....) incomplete as it largely ignores the health
encounters of the primary care and non medical healthcare settings. Rather, the vast
preponderance of philosophical inquiry and empirical ethical research focuses on
dilemmas arising in hospitals and tertiary care institutions.” (Fetters, 1999).
De acordo com Brody (1989), Fetters (1999), Braunack-Mayer (2001) e Zoboli (2004),
alguns aspectos indiciam que os problemas éticos vividos nos cuidados de saúde
primários podem diferir dos identificados nos demais níveis dos serviços de saúde.
Assim:
Parece ainda pertinente, considerar que os problemas de ordem ética relacionados com
os cuidados de saúde primários não podem ser analisados sem se considerar o contexto
do sistema de saúde em que se inserem. Isto porque, como assinalam Usategui e
Keenoy (1991), há uma relação de interacção entre a organização dos serviços e o
sistema de saúde. Afirmam os autores que, se por um lado os serviços se estruturam a
partir das características gerais do sistema de saúde, por outro, é o conjunto de
elementos próprios dos serviços de cuidados de saúde e de outros sectores relacionados
em interacção dinâmica que acabam por conformar a estrutura do sistema de saúde.
Em 1971 o Estado Português reconhece pela primeira vez, em diploma legal, o direito à
saúde de todos os cidadãos e são criados centros de saúde (CS) em quase todos os
concelhos, na altura essencialmente vocacionados para os cuidados de saúde materna e
infantil, incluindo vacinação, mais tarde alargados ao planeamento familiar. Estes
28 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Em 2008, existiam 6.169 MF em Portugal. A rede de CSP incluía 351 CS dispersos pelo
país, por sua vez divididos em mais de 2.000 extensões de saúde, que cobrem a
totalidade do país. Existem, no entanto, grandes variações, dependentes da população,
regime de trabalho e organização interna dos serviços (Campos, 2008).
Uma nova atitude dos médicos é exigida pela mudança de mentalidade da população. Os
direitos dos doentes e utentes dos cuidados de saúde tornam-se progressivamente mais
importantes e levantam questões sobre a responsabilidade de médicos, o direito de
escolha, os auto-cuidados, as expectativas e necessidades dos pacientes, o papel de
“gate-keeper”, a educação para a saúde (Sousa, 1998; Sampaio, 1998). Os médicos
devem questionar-se sobre qual deve ser a sua atitude dentro desta nova relação
médico-paciente. Apesar dos numerosos problemas ainda existentes, muitos pacientes já
olham o seu MF como o contacto fundamental quando precisam de ajuda ou conselho
INTRODUÇÃO 29
Enfrentar este desafio requer que se aborde outra questão, também ainda relativamente
inexplorada na investigação em bioética. Segundo Jörg Richter e Martin Eisemann
(2000), ainda são poucos os estudos que procuram conhecer os critérios e fundamentos
que determinam ou influenciam as decisões dos profissionais de saúde.
aplicada é entrar em cada um desses espaços e tentar captar-lhes a sua própria lógica e
modulação de princípios éticos que lhes são peculiares, e quem pode fazer isto senão os
peritos em cada campo, em estreita colaboração com quem se ocupa da ética (Cortina,
1997):
“(....) pasaron los tiempos “platónicos”, en los que parecía que el ético descubría unos
principios y después los aplicaba sin matizaciones urbi et orbe. Mas bien hoy enseña la
realidad a ser muy modestos y a buscar junto con los especialistas de cada campo que
principios se perfilan en él y cómo deben aplicarse en los distintos contextos” (Cortina,
1997).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 31
Neste ponto é pertinente referir que nos cuidados de saúde primários (CSP) os
problemas quotidianos de ordem ética não podem ser analisados sem se considerar o
contexto do sistema de saúde português (SSP).
Os CSP são um elemento chave de um sistema de saúde (Atun, 2004). Estão na primeira
linha, constituindo-se como os cuidados de primeiro contacto ao estarem acessíveis
quando necessários, e acompanhando global e longitudinalmente todo o processo de
saúde/doença de uma vida e não apenas os episódios de doença. Orientam-se para a
promoção da responsabilização e autonomia dos cidadãos nas suas decisões e acções,
e coordenam, quando necessário, as suas interacções com as outras estruturas no
domínio da saúde (Biscaia, 2008).
Assim, os CSP são apresentados como uma “parte integrante, permanente e central do
sistema nacional de saúde, em todos os países” ou como o “meio pelo qual as duas
metas dos sistemas de serviços de saúde – optimização dos cuidados de saúde e
equidade na distribuição de recursos – se equilibram” (Basch, 1999). Eles fazem a
abordagem dos problemas mais comuns da comunidade, proporcionando cuidados
preventivos, curativos e de reabilitação, tentando maximizar a saúde e o bem-estar.
Integram, também, os cuidados quando existe mais do que um problema de saúde. Além
32 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
1) Como “um conjunto de actividades”, o que faz eco na Definição de Alma Ata, onde se
pode identificar algumas actividades básicas a serem desenvolvidas nos CSP: a) educar
para a promoção da saúde e prevenção da doença; b) promover uma alimentação e
nutrição saudáveis; c) garantir condições sanitárias básicas à população; d) providenciar
cuidados materno-infantis e programas de planeamento familiar; e) implementar os
programas de vacinação obrigatórios; f) prevenir as doenças endémicas da população; g)
prestar especial atenção às doenças mais frequentes; h) garantir o acesso aos
medicamentos essenciais (Nunes(b), 2002).
2) Como “um nível de cuidados” significa serem os CSP o primeiro ponto de contacto das
pessoas com o sistema de saúde e onde 85 a 90% dos seus problemas de saúde podem
ser resolvidos (Nunes(b), 2002). O Relatório Lord Dawson (1920) distinguiu três grandes
níveis de serviços de saúde no Reino Unido: um nível primário: os centros de saúde; um
nível secundário: os hospitais; e um nível terciário: os hospitais-escola. Neste relatório
descreviam-se as relações entre os três níveis, assim como as funções de cada um,
numa estrutura organizacional orientada para vários graus de necessidades médicas
(Starfield, 1992). Embora esta estrutura ainda prevaleça na maioria dos países, o
conteúdo e a interface entre os cuidados primários e secundários foram-se alterando
(Atun, 2004).
Uma alternativa aos CSP por valências selectivas são os CSP globais, que prevalecem
em muitos países desenvolvidos, abrangendo um amplo leque de serviços, e englobando
acções de educação para a saúde, de promoção da saúde, de prevenção, de cuidados
curativos, de reabilitação e de fim de vida. Alguns argumentam que os CSP globais
também devem ser acessíveis e concretizáveis nos países em vias de desenvolvimento
(Segall, 1987).
Os cuidados de saúde primários (CSP) são, muitas vezes, equiparados ao papel de uma
porta de entrada “gate-keeping” (Gray, 1992). No entanto, eles desempenham um papel
muito mais importante, não apenas o de porta de entrada, mas o de um processo
fundamental no sistema de saúde (Hasler, 1992). São o primeiro contacto, mas também,
a linha da frente, contínua, global e coordenada de cuidados (van Weel, 1994). O
primeiro contacto deve estar acessível no momento da necessidade; a continuidade de
cuidados centra-se no longo prazo da saúde de uma pessoa e não no curto prazo do
período de vigência de uma doença; o cuidado global deve ser uma gama de serviços
adequada aos problemas comuns da população e disponível ao nível dos cuidados
primários; e de coordenação, pelo qual os cuidados primários devem ter o papel de
coordenar os outros serviços especializados de que o paciente necessite (Starfield(b),
2001, Atun, 2004).
As equipas de CSP podem ser formadas: por médicos de família e/ou clínicos gerais,
enfermeiros comunitários e/ou de família, e pessoal de apoio; até grandes equipas
multidisciplinares, incluindo enfermeiros especialistas, gestores, pessoal de apoio,
técnicos de serviço social, psicólogos, técnicos de saúde, médicos de família e outros
médicos especialistas a actuar nos cuidados primários (Atun, 2004, Veríssimo, 2006).
Em muitos países europeus uma equipa nuclear de cuidados de saúde primários (CSP) é
frequentemente constituída por um clínico geral/médico de família, uma enfermeira
comunitária/enfermeira de família, uma técnica de serviço social, um fisioterapeuta e
pessoal administrativo (Klein, 2006).
O médico de família (MF) e o enfermeiro de família (EF) são parte integrante dos
cuidados de saúde primários, mas os conceitos não são sinónimos. Os papéis do MF e
do EF dão-nos uma indicação da amplitude dos serviços prestados e do grau de
uniformidade nos serviços de cuidados de saúde primários.
Nos países industrializados, o médico de família (MF) é o único médico que opera em
nove níveis de cuidados: 1) na prevenção; 2) na detecção pré-sintomática de doenças; 3)
no diagnóstico precoce; 4) no diagnóstico da doença estabelecida; 5) na gestão da
doença; 6) na gestão da doença com complicações; 7) na reabilitação; 8) nos cuidados
terminais; 9) no aconselhamento (Starfield, 1993). Portanto, em relação à prática
hospitalar, o MF observa uma gama ampla de problemas de saúde; os problemas
apresentam-se de uma forma indiferenciada; os problemas psicossociais desempenham
um papel muito importante; as probabilidades e a apresentação das doenças são
diferentes; o MF mantém uma relação mais pessoal e continuada com o paciente; os
contactos no âmbito da medicina geral e familiar são mais curtos e frequentes, ao invés
do que se passa no hospital, em que os contactos são em menor número e mais
prolongados (Sá, 2002). Logo todo o MF deve: a) aprender a avaliar o paciente na sua
globalidade biológica, psicológica, social e cultural, juntamente com a avaliação da
patologia de que esse paciente possa padecer; b) aprender a compreender os
fenómenos da saúde e da doença integrados no contexto familiar e na modificação
estrutural das famílias enquanto geradoras de problemas; c) entender as influências do
meio social envolvente e perceber as necessidades em saúde da comunidade; d) aplicar
o dever ético de prestar os melhores cuidados de saúde à luz de conhecimentos
actualizados técnica e cientificamente (Sousa, 2001).
De facto, até essa data, o papel do Estado reduzira-se a permitir que os serviços locais
funcionassem, através da actividade de clínicos gerais e de instituições locais de saúde,
na maioria ligadas a montepios e às misericórdias. O Estado era responsável pela
construção e gestão dos hospitais nas grandes cidades. O Estado tinha ainda a
responsabilidade da organização da saúde pública através da manutenção de uma rede
de funcionários de saúde em todos os municípios do país (Santos, 1999).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 39
Até 1974 apenas cerca de 40% da população portuguesa estava coberta por esquemas
de protecção na doença, sendo os encargos com a saúde assumidos, parcial ou
totalmente, pela Previdência Social. Os restantes cidadãos (60%) suportavam os
encargos com os seus cuidados de saúde (Santana, 1995).
Em 1979, com a criação do serviço nacional de saúde (SNS) pela Lei nº 56/79, de 15 de
Setembro, Lei de Bases do SNS, mais conhecida por “Lei Arnaud”, verificaram-se
alterações significativas na estrutura e na organização dos serviços públicos de saúde.
Estas alterações que acabaram por nunca vir a ser concretizadas em muitos aspectos
importantes, devido às oposições ao modelo definido de prestação de cuidados (a velha
querela entre o público e o privado), e ainda às dificuldades objectivas de implementação,
principalmente de natureza financeira (Simões, 2008). A direcção da Ordem dos Médicos,
da altura, fez uma oposição vigorosa, acusando a lei de limitar o princípio da livre escolha
do médico, pelo doente, e de transformar os médicos em funcionários públicos, e terá
sido em 1979 que, pela primeira vez, a Ordem dos Médicos se afirmou como grupo de
veto, tentando “inviabilizar medidas que o prejudiquem mesmo que elas favoreçam
interesses muito mais amplos e maioritários” (Santos, 1987).
Porém, apesar de ter sido regulamentada, a Lei “nunca chegou a ser integralmente
aplicada, nomeadamente no que diz respeito à orgânica dos serviços centrais e regionais
e ainda menos no que respeita à descentralização e participação” (Campos, 2002) e
depressa se constatou que lhe faltava uma direcção autónoma “o SNS existe na lei mas
não funciona como tal. Além de não terem sido criados alguns órgãos que lhe são
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 41
essenciais […], não foi erigida a Administração Central, pelo que a direcção das suas
actividades […], não estará a ser exercida pelo órgão que a lei determina” (Ferreira,
1986).
Nos anos oitenta e noventa, o Estado, através do Ministério da Saúde, passou a dispor
de uma vasta estrutura nacional de estabelecimentos de prestação de cuidados de
saúde, hospitais gerais e especializados, institutos e centros de saúde, com milhares de
funcionários de diferentes categorias profissionais, com uma administração central
poderosa e administrações regionais fracas, sendo todo o sistema regulado pelas normas
da administração pública (Serrão, 2002).
42 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Deste modo, começou a assistir-se a uma desvalorização dos direitos sociais e a uma
perda de qualidade dos serviços de saúde, sem recursos suficientes para fazer face a
uma procura sempre crescente dos cuidados de saúde. Ao mesmo tempo, as entidades
privadas assumiram um papel progressivamente mais importante na produção de alguns
bens e serviços de saúde, passando o Estado, cada vez mais, a assumir um papel de
mero financiador (Santos, 1987).
2.2.1.1. OS HOSPITAIS
Até aos anos setenta a prestação da assistência hospitalar à população era feita por
unidades regionalizadas e hierarquizadas em redes de referência, que desenvolviam a
sua acção em regiões previamente definidas e que correspondiam à divisão
administrativa do país, de acordo com a Lei da Organização Hospitalar nº 2011, de 2 de
Abril de 1946. A Direcção-Geral dos Hospitais viria a ser criada em 1961 pelo Dec-Lei nº
43853, de 10 de Agosto, com o objectivo de coordenar e fiscalizar os estabelecimentos
perante a exigência de uma orientação técnica especializada e centralizada a nível
superior (Lopes, 1987).
Nos primeiros anos da década de setenta verificou-se o relançamento dos hospitais, após
a publicação, a 27 de Abril de 1968, do Dec-Lei nº 48357, Estatuto Hospitalar, e do Dec-
Lei nº 48358, Regulamento Geral dos Hospitais, que pretenderam uniformizar a orgânica
e o funcionamento de todos os hospitais do país, essencialmente estatais e das
Misericórdias, e criar carreiras para pessoal médico, de enfermagem, de administração e
de farmácia (Campos(a), 1983).
A procura e utilização dos serviços intensificou-se nas décadas seguintes com a abertura
de novos hospitais centrais e distritais, até que, nos nossos dias, a política de redução do
ritmo de crescimento da despesa na saúde, imposta pela conjuntura económica com a
consequente redução de verbas, reflectiu-se no incremento da hospitalização privada e
46 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
No entanto, verifica-se que o sistema hospitalar que hoje emerge está ainda muito ligado
a uma estrutura de tecnologia e de administração pesadas e pouco eficazes. O seu
desempenho, como estruturas de prestação de cuidados, deve ser submetido, não só às
regras da análise económica, mas também à avaliação da qualidade dos procedimentos
clínicos, do diagnóstico aos tratamentos, com base em critérios de custo-eficácia,
apoiados nas regras gerais da boa prática clínica (Serrão, 2002). Todo este complexo
sistema hospitalar deve estar predominantemente organizado e subordinado aos serviços
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 47
Historicamente aquilo que ficou conhecido como o “movimento dos centros de saúde”
vem do final do século XVIII, com o surgimento dos dispensários gratuitos e clínicas
preventivas que tinham um âmbito comunitário e providenciavam cuidados às populações
mais desfavorecidas e aos imigrantes. Nos Estados Unidos da América (EUA), incluíam
também, centros de distribuição de leite para crianças mal nutridas, centros de
tratamento da tuberculose e doenças venéreas (Rosen, 1971). Também surgiram na
Escócia (1887) centros de tratamento da tuberculose e em França, a Clínica de Pierre
Budin (1892) para protecção das crianças (Ferrinho, 1991). Mas é nos EUA, em 1893,
que há referência ao primeiro dispensário público de cuidados de saúde globais, em
Chicago (Rosen, 1971).
Uma implicação do “movimento dos centros de saúde” registou-se a nível das profissões
de saúde e do modo como se relacionam entre si. O aspecto mais marcante foi o trabalho
em equipa multidisciplinar e a actuação segundo “o que pode ser feito pela unidade
menor de forma satisfatória não deve ser feito pela unidade maior” (Biscaia, 2008)
quando se pretendia ter uma acção o mais abrangente possível. Pelo que, se tornou
impossível que uma única profissão lidasse com toda a gama de questões que tinham
que ser abordadas. Algumas profissões tiveram um grande desenvolvimento, como foi o
caso dos enfermeiros de saúde pública, verificando-se até o surgimento de outras, que
nunca tiveram o desejável desenvolvimento em Portugal, como os “ajudantes
comunitários ou familiares” com a função de aumentarem e melhorarem a comunicação
entre o centro de saúde e a comunidade (Biscaia, 2008).
A política de dar prioridade aos CSP surge pela primeira vez em Portugal, no início dos
anos setenta, integrada na política do “estado social” (Campos(b), 1983). Generalizou-se
então o atendimento gratuito a toda a população após o alargamento, em 1971, à
população rural dos serviços médico-sociais da Previdência Social e o reconhecimento
do direito à saúde, com especial atenção para os grupos de maior risco, as grávidas e as
crianças (Simões, 2008).
ambiente e cuidados médicos de base, estes últimos limitados aos exames médicos,
exigidos por Lei, para admissão na função pública, para os manipuladores de alimentos,
para a obtenção de carta de condução – e os postos dos serviços médico-sociais das
caixas de previdência (Sousa, 2001).
A nível central, este processo de fusão de duas linhas de serviços conduziu à criação da
Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (Gomes, 1987). A variação de atitudes
e práticas organizacionais nos diversos centros, evidenciada na descrição de
experiências e em questionários diversos, reflectia as influências, de peso variável, das
instituições preexistentes e da fragilidade da gestão, apoio e acompanhamento deste
processo de mudança (Sakellarides, 1984). Na prática, e de um modo geral, este
processo de fusão conduziu a uma maior racionalidade formal na prestação de cuidados
de saúde e na optimização de recursos, mas não conseguiu melhorar com consistência
algumas das virtudes dos componentes anteriores, nomeadamente: a) A grande
acessibilidade a consultas e a visitas domiciliárias oferecida pelos serviços médico-
sociais; b) A programação com objectivos de saúde e procedimentos preventivos e de
vigilância de saúde normalizados que caracterizavam as actividades dos centros de
saúde, com sucessos objectivados em diversas áreas, nomeadamente na área materno-
infantil (Sakellarides, 1979). O modelo organizativo dos centros de saúde de “segunda
geração” permitiu a afirmação da identidade das diversas linhas profissionais, em
especial da carreira médica de clínica geral, mas logo se mostrou desajustado em
relação às necessidades e expectativas dos utentes e das comunidades (Ramos, 1994-
1995). A prazo, este modelo organizativo, somado ao normativismo e tutela centralista
distante das sub-regiões e administrações regionais de saúde, tem contribuído para a
insatisfação, exaustão e desmotivação de muitos dos seus profissionais de saúde
(Branco, 2001).
Entre 1989-1991, a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral conduziu uma
séria de debates e consultas aos associados, que deram origem a um conjunto de ideias
e de propostas, reunidas pela direcção nacional, no então designado “livro azul”, que
compilou as principais tendências nacionais, e internacionais, para o desenvolvimento
dos CSP em Portugal (APMCG, 1991).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 51
O “livro azul” destaca como aspectos essenciais que deveriam ser melhorados: o perfil
profissional, o regime de trabalho, o sistema retributivo e as condições de atendimento
(Nogueira, 2003).
Em 1999 foi aprovada, pelo governo socialista, legislação sobre os centros de saúde (CS)
de “terceira geração” (Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio) com autonomia e hierarquia
técnica e que organizava a estrutura assistencial em unidades operativas com missões
complementares (Branco, 2001). No entanto, esta legislação não chegou a ser
implementada e veio mesmo a ser alterada, pelo governo social-democrata seguinte,
através do Dec-Lei nº 39/2002, de 26 de Fevereiro, que por sua vez, através do Dec-Lei
nº 60/2003, de 1 de Abril, criou a “Rede de Prestação de Cuidados de Saúde Primários”,
que também não chegou a ser implementada e, quando se voltou a formar um governo
socialista, foi revogado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, que repristinou o Dec-Lei
nº 157/99. E, por força do Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, os CS regulados pelo
Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio, alterado pelo Dec-Lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro,
e repristinado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, deixaram de estar sujeitos a esse
diploma a partir de 1 de Março de 2009, momento em que foram integrados nos
agrupamentos de centros de saúde (ACES), através da Portaria nº 274/2009, de 18 de
Março.
A prática médica isolada tem, cada vez mais, inconvenientes e perigos sérios. A vivência
científica e uma razoável actualização de conhecimentos requerem uma cultura de grupo,
com discussão regular das situações dos pacientes, com a análise inter-pares de práticas
e procedimentos (Branco, 2001).
É absurdo pretender que alguém escreva normas sobre o que deve acontecer em
realidades que variam de local para local e, no mesmo local, consoante o momento e os
recursos disponíveis. A lógica dos serviços estanques tem de dar lugar a modalidades de
trabalho orientadas para as necessidades dos pacientes e para servir a população. Esta
é uma área para intenso estudo, debate, experimentação, avaliação e divulgação de
ideias, experiências e resultados obtidos no terreno. Tudo isto pressupõe um processo de
mudança progressiva e coerente, com informação, debate e envolvimento alargados e
rigorosos dos profissionais.
A reforma dos cuidados de saúde primários (CSP) pressupõe, nos tempos actuais, uma
maior diversidade de oferta de cuidados e uma crescente possibilidade de escolha por
parte dos cidadãos. Há profissionais que se adaptam e trabalham bem como
trabalhadores dependentes. Há outros que se realizam e produzem melhor como
empreendedores. O sistema de saúde português, que é universal, deve poder contar com
o melhor de todos os sectores. Pelo que a possibilidade que o modelo C das USF oferece
(Despacho nº 24101/2007, de 22 de Outubro), modelo experimental, a regular por
diploma próprio, e que abrange os sectores social, cooperativo e privado, articulados com
o ACES, mas sem qualquer dependência hierárquica deste, baseando a sua actividade
num contrato-programa estabelecido com a respectiva ARS, através do departamento de
contratualização, e sujeitas a controlo e avaliação externa desta ou de outras entidades
autorizadas para o efeito, com a obrigatoriedade de obter a acreditação num horizonte
máximo de três anos, pode ampliar a possibilidade de escolha dos cidadãos, introduzir
um elemento concorrencial regulado entre os prestadores do SNS e complementar a
capacidade de oferta dos serviços com propriedade pública.
Vítor Ramos (2004) cita Armando Brito de Sá, que considera ter chegado o momento “de
reunir esforços e lançar a terceira vaga dos cuidados de saúde primários: aquela na qual
os médicos de família arriscam ser profissionais independentes, estabelecendo com o
Estado um contracto de prestação de serviços, enquadrado conceptualmente pela
medicina geral e familiar”.
É neste contexto que pela primeira vez surge a necessidade de um novo tipo de médico
que, à semelhança do que acontecia noutros países mais evoluídos (EUA, Reino Unido,
Canadá, Holanda, Dinamarca e Noruega, entre outros) (McWhinney, 1994), assumisse os
cuidados aos cidadãos numa perspectiva personalizada. São vários os profissionais que
nessa época defendem a estruturação de uma carreira e a definição de um perfil
profissional. Em 1979 têm lugar diversos seminários e acções de consultadoria, com a
participação de clínicos gerais do Royal College of General Practitioners do Reino Unido,
do Instituto de Clínica Geral da Universidade de Oslo e de instituições congéneres
holandesas. Um desses seminários teve lugar na Escola Nacional de Saúde Pública, de
16 a 20 de Abril de 1979, sobre “O papel do clínico geral em cuidados de saúde
primários” (Tavares, 1997). O relatório final seria designado por “Relatório Horder” e
constituiu um marco no lançamento da clínica geral em Portugal (Horder, 1997, 2004).
Nos novos centros de saúde (CS), nascidos da integração dos antigos postos dos
serviços médico-sociais nos CS criados em 1971, são colocados num curto espaço de
tempo vários milhares de clínicos gerais, a maioria dos quais inicia as suas funções sem
terem tido qualquer processo de formação de acordo com o perfil definido no Dec-Lei nº
310/82, de 3 de Agosto. Houve, contudo, um grupo de médicos que iniciaram um
processo de formação que era já um esboço de uma formação complementar específica
em clínica geral – o internato complementar de clínica geral.
Portanto, em 1982 foi criada a carreira médica de clínica geral pelo Dec-Lei nº 310/82, de
3 de Agosto – diploma das carreiras médicas, foi constituído o colégio da especialidade
de clínica geral (mais tarde medicina geral e familiar) da Ordem dos Médicos e em 1983
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 59
foi fundada a APMCG – Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, que se
transformou ao longo de 25 anos na maior associação médica de inscrição não
obrigatória, tendo como sócios fundadores, entre outros, António Branco, Maria Madalena
Mourão, Maria José Tovar, Vítor Serra, Vítor Ramos, Zaida Azeredo, Joaquim Saraiva
(Tavares, 1997). Após as primeiras eleições, ocorridas a 14 de Janeiro de 1984, o
primeiro presidente da assembleia geral, foi o Prof. Doutor Nuno Grande, o presidente do
conselho fiscal, o Dr. Joaquim Saraiva e o primeiro presidente da direcção nacional o Dr.
Mário Moura, seguindo-se-lhe o Dr. Luís Pisco (Pisco, 2003).
A medicina geral e familiar (MGF) é, antes de tudo, uma “medicina da pessoa”. Cada
cidadão deve ser compreendido e atendido na sua globalidade biológica, psicológica,
social e cultural (APMCG, 1991; WONCA, 1991; Pinto, 1991; WONCA – Europa, 2002;
Ramos, 2004; EURACT, 2005).
Uma vez que os indivíduos e as famílias se inserem num sistema social mais vasto, é
importante perceber as influências do meio envolvente, consideradas numa perspectiva
comunitária. O sistema de saúde deve orientar-se pelos problemas e pelas necessidades
de saúde das comunidades locais, regionais e nacional. Isto implica a definição correcta
dos objectivos de saúde a atingir (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,
2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005).
Evidencia-se, deste modo, que esta especialidade aborda a “pessoa” enquadrada numa
“família” e vivendo numa “comunidade”. O perfil profissional e técnico-científico do médico
de família (MF) deverá ser definido de forma a que ele possa ser o médico a quem a
pessoa recorre em primeiro lugar. O MF deverá ser o mais possível o médico de primeiro
contacto, quando alguém se sente doente ou quer cuidar da saúde, deverá sempre tentar
falar primeiro com o seu médico (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,
2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005; Hespanhol, 2005).
— Deve preocupar-se em prestar aos seus pacientes os cuidados que estes necessitam
ou julgam necessitar com a maior brevidade possível, nas condições mais favoráveis, no
consultório ou no domicílio do paciente, incluindo a prestação e organização de cuidados
nas chamadas “horas incómodas” – acessibilidade. Esta definição conceptual de
acessibilidade tem encontrado diversos obstáculos organizativos, funcionais e logísticos à
sua plena concretização, decorrentes do enquadramento contratual da carreira médica de
clínica geral, do sistema retributivo, dos hábitos e rotinas dos profissionais, do modelo
funcional dos centros de saúde, das expectativas dos utentes e do deficiente
funcionamento da equipa de saúde;
— Assegura uma gestão eficiente da sua prática clínica tendo em conta as necessidades
de saúde dos seus utentes.
A perseguição destes objectivos tem sido, ao longo dos últimos vinte e sete anos, um
processo longo e difícil. Mais do que descrever as definições conceptuais dos atributos
dos MF, será interessante verificar até que ponto se conseguiu que isso se traduza, na
prática, em um exercício profissional de qualidade e, além disso, se os MF conseguiram
responder às expectativas dos cidadãos. Se sim, um dos factores importantes de
sucesso da profissão estará assegurado.
A enfermagem não é excepção; antes pelo contrário, uma vez que lhe são colocados
contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais
nos quais têm vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes
locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é
imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado
longo e das suas consequências, na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua
forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer pesar as suas potencialidades
face aos actuais problemas de saúde e aos contextos em que se prestam cuidados
(Correia, 2001).
A “primeira geração” de centros de saúde estava orientada para a saúde pública e para a
medicina preventiva. Era organizada por valências e dava prioridade à saúde materno-
infantil.
Esta unidade é constituída por uma equipa multidisciplinar, articula-se, sobretudo, com as
unidades de saúde familiares (USF), as unidades de cuidados de saúde personalizados e
com a unidade de saúde pública, mobilizando em simultâneo recursos existentes e
pretendendo que integre todas as intervenções comunitárias.
A OMS vem reforçar esta ideia ao introduzir o conceito de enfermeiro de saúde familiar
ou enfermeiro de família (EF), traçando os objectivos para este século, contando com o
seu papel na equipa multidisciplinar (WHO, 2001).
— As famílias com disfunções familiares e/ou sociais que sejam identificadas como
vulneráveis a problemas de saúde;
Como tal, a organização dos cuidados de enfermagem deverá ter por base as
necessidades de cuidados das famílias, o que pressupõe assegurar a definição e
permanente actualização do perfil epidemiológico de saúde na perspectiva de
enfermagem, da população utilizadora, o que na assistência no domicílio assume papel
relevante. O desenvolvimento da intervenção dos EF integra-se na resposta
multiprofissional e multidisciplinar que a saúde, enquanto fenómeno multifacetado e de
grande complexidade, exige. Ou seja, o tipo de intervenção, o contexto em que se
desenvolve e a organização do trabalho permitirá que os EF, enquanto membros da
equipa prestadora de cuidados, se articulem com os restantes recursos existentes e
procedam ao encaminhamento para outros profissionais sempre que a situação o exiga.
A enfermagem de família consiste em trabalhar com as famílias, ajudando-as a identificar
problemas e a mobilizar os seus próprios recursos. Deste modo o cuidar da família, como
unidade básica, exige conhecer como esta cuida, identificando as suas dificuldades e
forças, para que se possa ajudar a família a agir no sentido de atender às necessidades
68 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
— Dar ênfase ao estilo colaborativo, que respeita as forças da família e lhes dá apoio
para encontrar as suas próprias soluções para os problemas identificados.
Segundo Friedmann (1998) de acordo com a perspectiva que a família assume, há níveis
de prática de enfermagem familiar que têm implicações nos processos de avaliação e
intervenção familiar, a saber:
— O enfermeiro trabalha com dois ou mais elementos da família com o objectivo de obter
a compreensão e apoios mútuos.
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS 69
3. ÉTICA
Ao iniciar este capítulo, é útil tecer alguns esclarecimentos sobre a forma como foram
escolhidas as correntes éticas para a presente análise. Ao definir este estudo como uma
investigação empírica e uma abordagem não normativa e descritiva da ética, o seu
propósito não está na busca da validade interna das diversas teorias mas sim em
explorar como estas se apresentam no dia a dia dos profissionais dos cuidados de saúde
primários. Desta forma, as análises aqui desenvolvidas relativizam diversas críticas
dirigidas a cada uma das teorias éticas. Assim, e tendo em atenção essas críticas a
opção tomada foi utilizar como recurso bibliográfico as obras consideradas marcos
iniciais de cada uma das teorias éticas, para a apresentação das correntes éticas
consideradas mais pertinentes na abordagem da prática dos profissionais dos cuidados
de saúde primários, dando preferência, quando possível, à última edição, por se
considerar que nela os autores podem ter incorporado respostas a possíveis críticas
tecidas à sua proposta inicial.
Outro aspecto que é importante evidenciar é que ao optar por «After Virtue» como
recurso bibliográfico para a ética das virtudes, não se desconhece que existem outras
72 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
obras que desenvolvem esta corrente teórica especificamente para a prática da saúde,
como «For The Patient´s Good» de Edmund Pellegrino e David Thomasma e «In
Becoming a Good Doctor: The Place of Virtue and Character in Medical Ethics» de James
Drane. Mas, como referido anteriormente, procurou-se tomar por referência a obra tida
como marco inicial para a inclusão da corrente ética no desenvolvimento da bioética e
atribui-se, pelo menos segundo alguns autores, ao «After Virtue» o estímulo para o
renovado interesse na natureza e significado da ética das virtudes, tendo as obras
mencionadas reflectido sobre a proposta de MacIntyre (Hauerwas, 1995).
ÉTICA 73
Para Tom Beauchamp e James Childress, ética é um termo genérico que abarca vários
modos de entender e examinar a vida moral, distinguindo-se em abordagens normativas
e não normativas (metaética e ética descritiva).
Segundo os autores, a moralidade é mais do que a moral comum e as duas não podem
ser confundidas. A primeira pode incluir, entre outros, os ideais morais aceites
voluntariamente por indivíduos ou grupos, as normas que vinculam apenas os membros
de comunidades morais específicas e as virtudes extraordinárias. Por outro lado, a moral
comum somente compreende as normas que todas as pessoas moralmente sérias
aceitam como sendo portadoras de autoridade.
Assim, estes autores dizem-nos que o uso da moral comum como marco inicial do
equacionar ético não leva necessariamente a conclusões comummente aceites. Uma
função das normas gerais na moral comum é propiciar base para a avaliação e a crítica
dos grupos ou das comunidades, cujos pontos de vista morais usuais são, em algum
aspecto, defectivos. A reflexão crítica pode, em última instância, defender juízos que de
início não são amplamente compartilhados. Em resumo, para os referidos autores, a
moral comum é um elemento pré-teórico que transcende costumes e atitudes locais,
estando asseguradas as conclusões críticas acerca desses costumes e atitudes ao
manter-se a fidelidade à própria moral comum.
Tom Beauchamp e James Childress entendem que a moral comum goza de autoridade
moral quanto à conduta de todas as pessoas, sendo ela a base para as teses normativas
e as teorias éticas elementares que desenvolvem no seu livro. Com isto, desejam tornar
claro que as normas que propõem não estão baseadas numa teoria ou doutrina filosófica
ou teológica em particular. Por outro lado, salientam que ao tomar a moral comum como
ponto de partida não esperam poder validamente defender a autoridade para tudo que
construíram. Reconhecem que seria absurdo supor que todas as pessoas, de facto,
aceitam todas as normas da moral comum. Muitos amorais, imorais ou pessoas
ÉTICA 75
Na moral comum, segundo os autores, encontram-se princípios que são básicos para a
ética biomédica. Um conjunto de princípios configura uma estrutura analítica expressando
os valores gerais que marcam as regras na moral comum. Estes princípios podem
funcionar como guias de conduta para a ética profissional. Na sua obra, Tom Beauchamp
e James Childress defendem quatro princípios que consideram centrais para a ética
biomédica, após analisarem como os juízos éticos são respeitados e a maneira pela qual
as crenças morais ganham coerência. Estes quatro princípios são: o respeito pela
autonomia (um princípio de respeito pela capacidade de as pessoas autónomas tomarem
decisões); a não maleficência (um princípio de se evitar causar danos); a beneficência
(um princípio que visa prover benefícios e ponderar benefícios/riscos e custos); e a
justiça (um princípio para a distribuição justa, equitativa, de benefícios, riscos e custos). A
escolha dos princípios e a especificação do seu conteúdo decorrem da tentativa dos
autores juntarem a moral comum e as tradições médicas numa única e coesa corrente
ética.
Sobre esta temática Rui Nunes sugere que “tal como formulados por Beauchamp e
Childress, os princípios de ética biomédica – autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça – reflectem a secularização característica das sociedades ocidentais, que
conferem, ao que parece, uma prevalência da autodeterminação individual sobre outros
valores humanos fundamentais, como a responsabilidade social, ou a solidariedade
humana. Esta solidariedade humana, alicerçada, também, no princípio da
subsidiariedade, identifica deveres interpessoais que estão bem patentes, por exemplo,
na experimentação em seres humanos ou na dádiva de órgãos para transplantação. Esta
enunciação de princípios de aplicação prática, ainda que baseados na bagagem
humanista da cultura ocidental, preocupa-se mais em originar acções facilmente
perceptíveis como justas, bem como na definição das obrigações morais a elas
associadas e quase nunca dos valores que possam fundamentar ou justificar essas
obrigações morais. Trata-se, talvez, de uma abordagem pragmática, dado que se torna
76 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
mais simples alcançar um consenso sobre princípios gerais a adoptar do que sobre os
valores que possam fundamentar esses princípios. Este pragmatismo traduz, também, o
facto de se tratar de uma ética laica, desligada de uma tradição cultural que tem
profundas raízes sociais.” (Nunes(a), 2003).
Por esta razão, defendem diversos tipos de regras que especificam os princípios e
propiciam uma linha de acção mais específica. Essas regras podem ser substantivas, de
autoridade e de procedimentos. As regras substantivas são as que descrevem padrões
substantivos ou seja critérios para a tomada de decisões: verdade; confidencialidade;
privacidade; paragem de tratamento; consentimento informado e racionamento de
cuidados de saúde. As regras de autoridade dizem respeito a quem pode e/ou deve
desempenhar as acções de tomada de decisão. Entre as regras de autoridade e as
substantivas há uma interacção. As regras de procedimentos estabelecem os
procedimentos a serem seguidos e a elas se recorre, com frequência, quando se
esgotam as regras substantivas e as de autoridade se apresentam incompletas ou
inconclusivas.
O modelo de princípios e regras, adoptado pelos autores, não menciona os direitos das
pessoas, o carácter e as virtudes dos agentes que desempenham as acções e as
emoções morais. Isto porque consideram que estes aspectos da vida moral merecem
atenção numa teoria mais ampla, embora reconheçam que os direitos, as virtudes e as
respostas emocionais são tão importantes quanto os princípios e as regras para uma
visão abrangente da vida moral.
ÉTICA 77
Para discutir esta questão Tom Beauchamp e James Childress tomam por base o
pensamento de Sir William David Ross, que distingue as obrigações prima facie e as
obrigações de facto ou reais. Esta distinção é tida pelos autores como essencial para a
sua análise.
Uma obrigação prima facie deve ser cumprida a menos que conflitue, em determinadas
ocasiões, com uma obrigação de igual ou mais força, ou seja, é uma obrigação moral
vinculante a menos que, numa circunstância particular, uma outra conflituante a supere.
Alguns actos não são prima facie errados ou certos, porque duas ou mais normas podem
conflituar em certas situações e, nestas condições, os agentes devem determinar o que
fazer, encontrando uma obrigação real pelo confronto das obrigações prima facie. Isto é,
devem fazer “o melhor balanço” do certo e do errado, através do exame dos pesos das
obrigações prima facie em confronto.
Os quatro grupos de princípios propostos por Tom Beauchamp e James Childress não
constituem uma teoria moral geral, mas proporcionam apenas uma estrutura para
identificar e reflectir acerca dos problemas éticos. Os autores alertam que esta estrutura é
frágil, pois princípios prima facie não gozam de conteúdo suficiente para encaminhar as
78 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A fim de que os princípios possam ter conteúdo suficiente para a aplicação prática, os
autores alertam que é necessário especificar o seu conteúdo com vista a indicar o motivo
e a forma como os casos podem ser orientados pelos princípios, pois é a progressiva
especificação que nos pode dar conta da variedade de problemas que surgem, reduzindo
os dilemas e conflitos irresolúveis devido à insuficiência de conteúdo dos princípios em
abstracto. Dotar os princípios de conteúdo por meio da especificação é primordial para a
decisão em ética clínica e para desenvolver as regras institucionais e as políticas
públicas. Todas as normas morais são, em tese, sujeitas a tal especificação e precisam
deste conteúdo adicional porque a complexidade do fenómeno moral ultrapassa a
habilidade disponível para capturá-lo através das normas gerais.
Porém, este processo de especificação tem os seus limites, isto é, por mais precisa que
seja uma especificação, ela pode não conseguir eliminar por completo o conflito. Em
casos problemáticos ou dilemáticos, distintas especificações conflituantes podem indicar
diversas soluções possíveis fazendo a situação retornar ao ponto de partida que
determinou a necessidade de especificar as normas. E, ainda que a especificação elimine
um conflito contingente, esta pode ser arbitrária, perder a imparcialidade ou falhar por
outras razões. Além do mais, o excesso de confiança na especificação pode levar a uma
certeza dogmática. Assim, a fim de escapar da abstracção, os princípios requerem uma
especificação cuidadosa, mas não demasiada, sob risco de tornarem-se rígidos e
insensíveis às circunstâncias.
A este propósito refere Rui Nunes que “estes princípios de ética biomédica defendidos
por Tom Beauchamp e James Childress, também designados por principiologia de
Georgetown (Universidade onde se encontra sediado o Kennedy Institute of Ethics),
estariam a meia distância entre a teoria ética fundamental – corpo integrado de regras e
ÉTICA 79
A palavra autonomia, deriva dos termos gregos “autos” (próprio) e “nomos” (regra,
governo ou lei), originalmente referia-se ao auto-governo ou a auto-legislação das
cidades, estados independentes. Somente depois foi estendida aos indivíduos,
adquirindo significados tão diversos como auto-governo, direitos de liberdade, de
privacidade, de escolha individual, de livre arbítrio, de escolha do próprio comportamento
e o de ser dono de si mesmo.
ÉTICA 81
Respeitar uma pessoa como agente autónomo significa, no mínimo, acatar o seu direito a
ter opiniões próprias, de fazer as suas escolhas e de agir segundo os seus valores e
crenças pessoais. Isto envolve uma acção de respeito e não meramente uma atitude de
respeito, requerendo mais do que uma não interferência nos assuntos alheios e inclui,
especialmente em certos contextos, as obrigações de construir ou manter a capacidade
dos outros para procederem às suas escolhas autónomas através da atenuação de
medos e demais condições destrutivas das decisões autónomas. Nesta perspectiva, o
respeito pela autonomia abrange a aceitação dos direitos para tomar decisões e a
capacitação das pessoas para agirem autonomamente, enquanto o desrespeito inclui
atitudes e acções que ignoram, insultam ou desprezam os direitos de autonomia dos
outros.
O princípio do respeito pela autonomia pode ser enunciado como uma obrigação negativa
ou positiva. Na primeira condição, afirmam que as acções autónomas não devem ser
submetidas a influências controladoras de outros. Na situação de uma obrigação positiva,
impõe-se um tratamento respeitoso no fornecimento da informação e no estímulo para
tomar decisões autónomas, havendo, em alguns casos, o dever de aumentar as
alternativas disponíveis. Muitas acções autónomas seriam impossíveis sem a cooperação
material de terceiros com vista a disponibilizar opções alternativas. O imperativo de tratar
os outros como um fim, implica apoiar as pessoas na realização dos seus próprios
objectivos e em estimular as suas capacidades como agentes autónomos e não
simplesmente evitar tratá-las como meios para os objectivos dos outros. Estas
obrigações positivas de respeitar a autonomia emanam, em parte, das próprias
obrigações especiais que os profissionais de saúde têm para com os seus pacientes e os
investigadores para com os sujeitos.
Tom Beauchamp e James Childress salientam que o respeito pela autonomia configura
um dever “prima facie”, podendo, em determinadas circunstâncias, ser superado por
outras obrigações morais que com ele competem, como no caso de escolhas autónomas
de indivíduos ameaçarem a saúde pública, poderem causar danos a terceiros ou exigirem
indevidamente a utilização de recursos escassos. Na ocorrência destas condições
84 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Desta forma, segundo os autores, o conceito de competência para tomar decisões tem
um vínculo íntimo com o de autonomia. Os pacientes podem ser considerados como
competentes para decidir quando apresentam capacidade de entender a informação
recebida; de proceder ao juízo desta informação à luz dos seus valores; de ambicionar
um determinado resultado e de comunicar livremente os seus desejos aos profissionais.
Neste sentido, a lei, a medicina e, em certa extensão, a filosofia partilham uma
correspondência das características da pessoa competente e das propriedades da
pessoa autónoma. Assim, embora autonomia e competência se distanciem no
significado, com a primeira expressando auto-desígnio e a segunda a habilidade para
desempenhar tarefas, aproximam-se na semelhança dos critérios para a sua avaliação.
Daqui decorre que uma pessoa autónoma é necessariamente competente para tomar
decisões, e que os juízos acerca da competência de uma pessoa para autorizar ou
recusar uma intervenção deveriam basear-se na sua capacidade de escolher
autonomamente em circunstâncias particulares.
ÉTICA 85
O princípio da não maleficência afirma a obrigação de não causar danos aos outros, ou
seja, de não fazer ou promover o mal a uma pessoa. Na ética médica associa-se à
máxima “primum non nocere”, que significa que em primeiro lugar não se deve causar
danos, sendo que no juramento hipocrático se encontram expressas obrigações de não
maleficência e beneficência: “Utilizarei a dieta para o benefício dos doentes, conforme
minha capacidade e discernimento; eu os protegerei do dano e da injustiça”.
Tom Beauchamp e James Childress reconhecem que alguns filósofos combinam a não
maleficência e a beneficência num único princípio, como William Frankena (1973), que
sob a égide deste último, inclui quatro obrigações gerais assim ordenadas: não causar
mal ou dano; prevenir o mal ou dano; eliminar o mal ou dano; e fazer ou promover o bem.
Entretanto, os autores discordam desta junção e reafirmam a distinção dos princípios que
propõem, a primeira obrigação insere-se na não maleficência e as demais na
beneficência, sendo dispensável hierarquizar as obrigações, pois esta necessidade
decorre do facto de William Frankena juntar as ideias de beneficiar os outros e não os
prejudicar num único princípio, o da beneficência. Por isso, ao invés de apresentarem
uma ordem hierárquica, incorporam nos princípios de não maleficência e beneficência o
arranjo com as quatro normas, sendo que sob o primeiro se encontram as exigências de
não causar mal ou dano e no segundo as de prevenir o mal ou dano; de eliminar o mal ou
dano; e de fazer ou promover o bem.
As obrigações de não causar mal ou danos são, algumas vezes, mais rigorosas do que
as de ajudar, contudo podem ocorrer situações nas quais as obrigações de beneficência
se apresentem mais pertinentes do que as de não maleficência. Em geral, quando o mal
causado é pequeno, como o inchaço de uma punção venosa e o beneficio fornecido
86 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
maior, como uma intervenção que salva a vida, então a tendência é atribuir à obrigação
de beneficência prioridade sobre a de não maleficência.
Nos casos de conflito, habitualmente a não maleficência é vinculante, mas o peso deste
princípio – como dos demais – varia nas diferentes circunstâncias particulares. De acordo
com os autores, não há, na ética, nenhuma regra que determine que, em todas as
circunstâncias, evitar o mal ou danos deva prevalecer sobre o fornecer benefícios. Da
mesma maneira, uma acção que cause mal ou dano pode não ser errada ou injustificada
no balanço ético. Embora, actos que causem o mal ou danos, em geral, sejam “prima
facie” errados por contrariarem os interesses da pessoa afectada, acções que causem o
mal ou danos, mas envolvam um impedimento justificado dos interesses de outros não
podem ser tidas como erradas.
Destacam os autores que algumas percepções de mal e dano se ampliam tanto que
chegam a abranger os entraves a interesses na reputação, na propriedade, na
privacidade e na liberdade, para além das condições que restringem a acção autónoma,
como o desconforto, a humilhação, a ofensa e a perturbação. Em contrapartida, visões
com uma base mais reduzida compreendem o mal ou dano apenas enquanto entraves a
interesses físicos e psicológicos, como os relativos à saúde e sobrevivência. Apesar
destas controvérsias, há concordância quanto ao facto de que os danos físicos e outros
entraves aos interesses de outrem podem ser vistos como exemplos paradigmáticos do
que vem a ser dano. Tom Beauchamp e James Childress admitem que se concentram
nos danos físicos, especialmente na dor, na incapacidade e na morte, sem, no entanto,
negar a importância dos danos mentais e dos entraves aos interesses dos outros.
Segundo os autores, uma curta distância separa a premissa de que se pode e deve
proteger as pessoas contra alguns danos e a conclusão que há uma obrigação positiva
de lhes fornecer benefícios, como os cuidados de saúde. Esta distância pode-se encurtar
ainda mais, graças à incerteza conceptual e moral que atinge as distinções entre as
obrigações de evitar danos a outros; de beneficiá-los; e de tratá-los de modo justo.
3.1.2.3. BENEFICÊNCIA
Para a ética biomédica é central fornecer benefícios; prevenir e eliminar danos; pesar e
balancear os possíveis bens de uma acção contra os seus custos e possíveis danos.
Além do mais, há uma implícita assunção da beneficência nas profissões da saúde e no
seu contexto institucional, sendo o seu objectivo, racional e justificativo, a obrigação de
promover o bem dos pacientes, ultrapassando o simples evitar danos.
beneficente, uma acção tem de originar um benefício suficiente que compense os seus
custos.
Embora várias teorias éticas empreguem o termo beneficência para identificar obrigações
positivas para com os outros, não é rara a argumentação negando a existência destas
obrigações e sustentando que constituem ideais virtuosos ou actos de caridade. Desta
forma, os que falham em agir de maneira beneficente não poderiam ser tidos como
moralmente reprováveis. Estas considerações, na opinião dos autores, apontam para a
necessidade de se clarificar e especificar a beneficência, tendo eles o cuidado de
caracterizar os limites das obrigações e identificar em que condições ou circunstâncias a
beneficência é mais opcional do que obrigatória.
Os autores fazem ainda uma distinção entre beneficência geral e específica. A última,
como indica o próprio nome, dirige-se a terceiros específicos, enquanto a geral volta-se
para todas as pessoas e, por levantar muita controvérsia, tem sido alvo de várias
justificativas. Neste sentido, Tom Beauchamp e James Childress, embora reconheçam
que a reciprocidade pode não justificar todo o leque das obrigações de beneficência,
defendem uma abordagem baseada na reciprocidade, por a considerarem a mais
adequada para a ética biomédica.
para com a sociedade, pela educação e privilégios, e para com os pacientes, devido à
investigação e prática. Graças a esta dívida, é errado moldar o papel de beneficência do
profissional de saúde primariamente na filantropia, no altruísmo e no compromisso
pessoal. Ao invés disto, este tem de ser enraizado na “reciprocidade de dar e receber”
que cria uma obrigação de beneficência geral para com o paciente e a sociedade, ainda
que seja difícil especificar, de maneira precisa, os termos desta obrigação.
3.1.2.4. JUSTIÇA
Não há nada que impeça a aceitação de mais do que um destes princípios, e tanto assim
é que algumas teorias de justiça aceitam os seis como sendo válidos e a maioria das
sociedades invoca alguns deles ao formular as suas políticas públicas, de acordo com as
distintas esferas e contextos. Tom Beauchamp e James Childress consideram uma tese
plausível admitir que cada um destes princípios materiais identifica uma obrigação moral
“prima facie”, cujo peso não pode ser avaliado independentemente dos contextos
particulares ou das esferas nas quais são aplicáveis.
92 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Na opinião dos autores, as teorias de justiça distributiva mais influentes são: as teorias
utilitaristas, que lançam mão de uma mistura de critérios com o propósito de maximizar a
utilidade pública; as teorias libertárias, que enfatizam os direitos à liberdade económica e
social, dando prioridade à justiça dos procedimentos em lugar dos resultados
substantivos; as teorias comunitárias, que estreitam os princípios e práticas de justiça
que envolvem as tradições e práticas da comunidade; e as teorias igualitárias, que
defendem o acesso igual aos bens, frequentemente invocando critérios materiais de
necessidade e igualdade.
Assim, para Tom Beauchamp e James Childress, as diferentes teorias de justiça social
que foram construídas ao longo da história da humanidade têm, cada uma delas, as suas
características atractivas e não atractivas, o que, para muitos, provoca um compreensível
temor acerca das consequências para a sociedade em se adoptar um único sistema
filosófico como base da justiça na saúde. A experiência sugere que as exigências de uma
teoria de justiça podem funcionar bem em alguns contextos, mas produzir resultados
desastrosos noutros. Cada teoria de justiça propicia a reconstrução filosófica de uma
perspectiva válida da vida moral, porém capta apenas parcialmente a sua amplitude e
diversidade.
Evocando a teoria de justiça de John Rawls e a sua interpretação para a área da saúde
proposta por Norman Daniels, Tom Beauchamp e James Childress incluem-se entre os
defensores da regra da justa oportunidade. Entendem que esta regra exige que a
ninguém sejam destinados ou negados benefícios sociais com base nas propriedades
imerecidas, de cunho vantajoso ou desvantajoso, pois sendo estas distribuídas pela
lotaria social e biológica da vida não podem dar fundamento para uma discriminação
moralmente aceitável, já que as pessoas não têm chance de adquiri-las ou superá-las. Ao
contrário, a regra da justa oportunidade requer que cada um receba os benefícios
necessários para amenizar ou corrigir os efeitos deletérios decorrentes dos infortúnios da
lotaria da vida.
Frente a temas complexos como o das políticas do justo acesso e financiamento dos
cuidados de saúde e o das estratégias para a eficiência das instituições sanitárias, os
autores evidenciam que outras questões sociais tratadas na sua obra têm uma
importância reduzida. Compreendem que ainda existem muitas barreiras no acesso aos
94 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
cuidados de saúde para milhões de pessoas, e que para elas um sistema de saúde justo
permanece como um objectivo distante. Embora toda a sociedade deva limitar o acesso
aos cuidados de saúde através de algum mecanismo, muitas estão um passo aquém e
têm de diminuir os abismos no acesso de uma maneira mais firme do que o têm feito até
agora. A proposta dos autores é que a sociedade reconheça e reforce um direito a um
mínimo decente de cuidados de saúde, dentro de uma estrutura de alocação que
incorpore tanto padrões utilitaristas quanto igualitários.
ÉTICA 95
Virtude é a tradução do termo grego “areté” que significa qualquer forma de excelência.
Aristóteles, segundo a tradução de António Caeiro, define virtude (excelência) como “uma
disposição do carácter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida
relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato
a definirá para si próprio” (Aristóteles, 2004). É uma disposição do carácter que dispõe
não apenas a fazer a coisa certa da forma correcta, mas a ter prazer em a fazer. Os
homens têm potencialidades naturais para as virtudes que devem ser intensificadas
através do hábito, que se pode definir como “acção ou uso repetido que leva a um
conhecimento ou prática” (Houaiss, 2002), que é entendido como o meio de formar
precocemente o carácter, que é o “conjunto de traços psicológicos e/ou morais (positivos
ou negativos) que caracterizam um indivíduo” (Houaiss, 2002), através de um acostumar-
se suave e progressivo, e não uma repetição mecânica e forçada (Hauerwas, 1995).
O renovado interesse pela natureza e importância da ética das virtudes é estimulado pelo
trabalho de Alasdair MacIntyre, «After Virtue», cuja primeira edição ocorreu em 1981. O
autor concorda que os princípios e as regras são importantes para a ética, mas rejeita a
tentativa de justificá-los isoladamente das suas raízes criadas nas particularidades
históricas de comunidades concretas. A defesa de Alasdair MacIntyre é uma alternativa
ao desafio de conseguir um acordo entre pessoas que têm apenas em comum a
necessidade de cooperar no interesse da sobrevivência (Hauerwas, 1995).
É, então, a terceira edição do livro «After Virtue: A study in moral theory» de Alasdair
MacIntyre, editada em Londres pela Duckworth em 2007 (MacIntyre, 2007), que serve de
base para a elaboração da presente síntese da ética das virtudes.
Segundo o próprio autor, a natureza e a concepção das virtudes que desenvolve partem
da defesa da tradição moral aristotélica como o melhor exemplo disponível de uma
tradição que, racionalmente, outorga aos seus seguidores um elevado grau de confiança
nos seus recursos morais e epistemológicos.
Para Alasdair MacIntyre, uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e
exercício tendem a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e
cuja falta nos impede de realizar tais bens. A sua explicação das virtudes prossegue
através de três etapas: uma primeira que diz respeito às virtudes como qualidades
necessárias para realizar os bens internos às práticas; uma segunda que as considera
como qualidades que contribuem para o bem de toda uma vida; e uma terceira que as
relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja concepção somente
pode ser elaborada e possuída dentro de uma contínua tradição social. São então
essenciais, os conceitos de prática, unidade narrativa da vida e de “telos” da vida
humana.
ÉTICA 97
Uma vez que os vários autores incluem distintos conjuntos e tipos de itens nas suas listas
de virtudes, nas diferentes épocas e lugares, mas dentro de uma só história, que é a da
cultura ocidental, Alasdair MacIntyre questiona-se acerca das bases em que seria
possível aspirar a listar itens de um único e mesmo tipo de conceito comum. Uma
resposta negativa parece ser a mais óbvia a esta questão, pois além de cada um dos
diversos autores arrolar distintas espécies de itens, também cada rol corporifica e
expressa uma teoria diferente acerca do que é a virtude.
Nos poemas homéricos, virtude é uma qualidade cuja manifestação capacita alguém para
fazer exactamente o que o seu papel social bem definido requer. Assim, é impossível
identificar as virtudes homéricas sem primeiro reconhecer os papéis chave na sociedade
e as exigências de cada um.
Para Aristóteles, ainda que algumas virtudes estejam disponíveis apenas para certos
tipos de pessoas, não se vinculam ao facto destas serem depositárias de um papel
social, mas ao humano como tal. O “telos” da espécie humana determina as qualidades
apreciadas como virtudes e o seu exercício configura um componente essencial da “vida
boa”.
mesma maneira que em Aristóteles, uma qualidade cujo exercício leva ao alcance do
“telos” humano. O bem humano não consiste somente num bem natural, mas
sobrenatural, pois este redime e completa a natureza. Depois, tal como em Aristóteles, o
relacionamento das virtudes como meios para o fim que é a incorporação humana no
reino divino com a chegada dos tempos, apresenta-se como algo interno e não externo.
Uma característica central em ambas as explicações é que o conceito de “vida boa”
antecede o de virtude, da mesma maneira que na explicação homérica a concepção de
papel social ocorre apriori. A aplicação do primeiro conceito determina a utilização do
último, ou seja, a noção de virtude é secundária.
Dentre os autores mais recentes que escreveram sobre as virtudes, Alasdair MacIntyre
destaca a explicação de Benjamim Franklin que, como a de Aristóteles, é teleológica,
mas difere desta ao ser utilitarista. Para Benjamim Franklin, as virtudes configuram meios
para um fim, porém entende esta relação de meios e fins como externa e não interna. O
objectivo do cultivo das virtudes é a felicidade, entendida como sucesso, primeiro na terra
e, em última instância, no céu. As virtudes têm que ser úteis, desta maneira vê-se
reforçada a utilidade como um critério para os casos individuais.
Há então, segundo o autor, pelo menos três concepções muito diferentes de virtude:
como uma qualidade que capacita um indivíduo a desempenhar o seu papel social
(Homero); como uma qualidade que possibilita o movimento do indivíduo rumo à
realização de um “telos” especificamente humano, seja natural ou sobrenatural
(Aristóteles e o Novo Testamento); e como uma qualidade útil na obtenção do sucesso,
na terra e no céu (Franklin).
Até aqui, para o autor, um dos traços que marca a concepção de virtude e que emerge
com alguma clareza é que esta requer, para a sua aplicação, a aceitação de certas
ÉTICA 99
características da vida moral e social em termos das quais é definida e explicada. Assim,
na visão homérica a noção de virtude é secundária ao sentido de papel social, em
Aristóteles ao de “vida boa” que configura o “telos” da acção humana e para Benjamim
Franklin ao de utilidade.
Na visão homérica, o exercício das virtudes implica qualidades que são requeridas para
sustentar um papel social e propiciar a excelência numa área definida da prática social.
Aristóteles quando fala da excelência na actividade humana refere-se, por vezes, a algum
tipo bem determinado de prática humana, como a guerra, a geometria ou o tocar flauta.
Alasdair MacIntyre, então, sugere que esta noção de um tipo particular de prática como a
arena na qual as virtudes são exibidas e nos termos das quais recebem a sua primeira
definição, ainda que incompleta, é crucial para a tarefa de identificar uma explicação
central de virtude.
Por prática, o autor entende qualquer forma coerente e complexa de actividade humana
cooperativa, socialmente estabelecida, cujos bens internos inerentes são concretizados
no decurso da tentativa de realizar os padrões de excelência apropriados e parcialmente
definidos para essa actividade, resultando na expansão sistemática dos poderes
humanos para operar a excelência e das concepções humanas dos fins e bens
envolvidos. Assentar tijolos ou plantar nabos não constituem práticas, mas a arquitectura
e a agricultura já o são, assim como as investigações de física, química e biologia, e o
trabalho do historiador, a pintura e a música. Nos mundos antigo e medieval, a criação e
a manutenção de comunidades humanas – famílias, cidades, nações – é geralmente
tomada como uma prática no sentido definido por Alasdair MacIntyre. Desta forma, o
espectro das práticas é amplo e inclui as artes, as ciências, os jogos, a política (não no
sentido aristotélico), o estabelecimento e a conservação da vida da família.
Existe uma criança de 7 anos de idade, extremamente inteligente que, mesmo contra a
sua vontade, alguém quer ensinar a jogar xadrez. A criança, porém, deseja comer doces
e tem poucas oportunidades para o conseguir. Esse alguém, então, oferece guloseimas à
criança para que esta jogue com ele uma vez por semana, acrescentando que, em caso
de vitória, ganhará uma porção extra. A pessoa informa que fará jogadas com um certo
100 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Verifica-se, então, que os bens internos e externos a uma prática se distinguem de uma
maneira importante e decisiva. Os bens externos correspondem a alguma propriedade ou
domínio individual. Assim, quanto mais alguém tem destes bens, menos sobra para as
outras pessoas, configurando-se, portanto, como objectos de disputa onde,
necessariamente, há perdedores e ganhadores. Ao invés que, os bens internos decorrem
na verdade da competição para superar-se no rumo à excelência, sendo que a sua
realização representa um bem para toda a comunidade participante na prática.
Uma prática envolve padrões de excelência, obediência às suas regras e conquista dos
bens. Entrar numa prática significa aceitar a autoridade dos padrões e a inadequação do
seu próprio desempenho aos seus impulsos, ou seja, é submeter as próprias atitudes,
escolhas, preferências e gostos aos padrões definidos pela prática. Sejam jogos, ciências
ÉTICA 101
ou artes, as práticas, como destaca o autor, têm uma história. Desta forma, os padrões
de excelência estabelecidos são passíveis de crítica, mas, a iniciação numa prática não
pode ocorrer sem a aceitação da autoridade dos melhores padrões reconhecidos até
então.
Destas considerações, para Alasdair MacIntyre, emerge uma primeira e parcial definição
de virtude:
“A virtue is an acquired human quality the possession and exercise of which tends to
enable us to achieve those goods which are internal to practices and the lack of which
effectively prevents us from achieving any such goods” (MacIntyre, 2007).
Ou seja: Uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício tendem
a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e cuja falta nos impede
de realizar tais bens.
Esta noção indica-nos o lugar das virtudes na vida humana, não sendo difícil, na opinião
do autor, mostrar que existe um leque de virtudes chave sem as quais os bens internos
às práticas são impossíveis de serem alcançados.
É inerente ao conceito de prática delineado por Alasdair MacIntyre, o facto dos seus bens
só poderem ser realizados através da subordinação do próprio no relacionamento com os
outros praticantes. Quem entra numa prática tem que: aprender a reconhecer o que é
devido a quem; estar preparado para assumir, quaisquer que sejam, os riscos de auto-
exposição ao perigo que são requeridos ao longo da jornada; escutar atentamente o que
é dito sobre as suas próprias inadequações, respondendo com a mesma atenção a esses
factos. Por outras palavras, as virtudes da justiça, coragem e honestidade têm de ser
aceites enquanto componentes necessárias de qualquer prática com bens internos e
padrões de excelência. Ao não aceitá-las, por exemplo, com o fazer batota, fica impedida
a realização dos padrões de excelência dos bens internos à prática, ficando esta sem
sentido, excepto como um estratagema para a obtenção de bens externos.
Toda a prática requer então, um certo tipo de relação entre todos os que nela participam.
Consequentemente, as virtudes passam a adequar os bens por referência aos quais,
quer se goste ou não, são definidos os relacionamentos entre as pessoas que partilham
as propostas e os padrões constituintes dessas práticas. Alasdair MacIntyre apresenta o
seguinte exemplo:
102 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Com a coragem é um pouco diferente. Esta, para Alasdair MacIntyre, é uma virtude
porque o cuidado e a preocupação para com os indivíduos, as comunidades e as causas,
que são tão determinantes nas práticas, requerem a sua existência. Se alguém diz que
cuida de algum indivíduo, comunidade ou causa, mas não ao ponto de abandonar os
seus próprios interesses ao risco de danos ou perigos, permite que se lancem dúvidas
acerca da genuinidade do seu cuidado e preocupação. Isto não significa que não se
possa genuinamente cuidar e ao mesmo tempo ser covarde. Mas, quer dizer que este
alguém que genuinamente cuida e não tem a capacidade de se arriscar ao dano ou
perigo tem que se definir, tanto para si próprio quanto para os outros, como um covarde.
Desta forma, o autor afirma que, tendo-se em conta a perspectiva destes tipos de
relacionamento, sem os quais as práticas não podem ser concretizadas, a honestidade, a
confiança e a coragem configuram genuínos bens de excelência. Constituem virtudes à
luz das quais as pessoas têm que se caracterizar a si mesmas e aos outros,
independentemente do seu ponto de vista moral privado ou do código da sociedade
particular onde vivam. Este reconhecimento de que é impossível escapar à definição dos
ÉTICA 103
Não se pode deixar de considerar, como refere Alasdair MacIntyre, que onde as virtudes
são exigidas, os vícios também encontram terreno fértil. Porém, os que têm vícios e um
espírito mau, necessariamente contam com as virtudes dos demais para que as práticas
nas quais se alistam possam prosseguir. Além disso, negam a si próprios a experiência
da realização dos bens internos à prática.
No sentido defendido pelo autor, uma prática não configura apenas um conjunto de
habilidades técnicas, ainda que estas sejam requeridas para o seu exercício. O que
caracteriza uma prática são as concepções dos bens e fins relevantes, aos quais as
habilidades técnicas servem, são transformadas e enriquecidas pelo aumento das
potencialidades humanas e pela ponderação dos próprios bens internos, que são apenas
parcialmente definitivos, para cada prática em particular ou para cada tipo de prática
específico. Os objectivos e as metas de uma prática não são perenes, mas transmutáveis
104 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
pela sua história. E esta, por sua vez, transcende a melhoria das habilidades técnicas
relevantes. Esta dimensão histórica é determinante para as virtudes.
Práticas e instituições não devem ser confundidas: por exemplo, física e medicina são
exemplos das primeiras; laboratórios, universidades e hospitais das segundas. As
instituições, caracteristicamente, preocupam-se com os bens externos, isto é, estão
envolvidas com o ganhar dinheiro e outros bens materiais, além de serem estruturadas
em termos de poder e status, conferidos, juntamente com o dinheiro, como recompensas.
Alasdair MacIntyre considera que nem poderia ser de outra maneira, uma vez que elas
existem para sustentar não somente a si mesmas, mas às práticas das quais são
portadoras sociais. Nenhuma prática é capaz de sobreviver sem o apoio de uma
instituição. Na verdade, a interface das instituições com as práticas e,
consequentemente, dos bens externos com os internos é tal que chegam a formar uma
única ordem motivadora, na qual os ideais, a criatividade e a preocupação cooperativa
pelos bens comuns da prática ficam vulneráveis à ganância e à competitividade da
instituição. Neste contexto, para o autor, a função essencial das virtudes fica clara. Sem
estas, ou seja, sem justiça, coragem e honestidade, as práticas são incapazes de opor
resistência ao poder corruptor das instituições.
Assim, a capacidade de uma prática reter a sua integridade depende das possibilidades e
do real exercício das virtudes na manutenção das instituições que a sustentam. Para ser
íntegra, uma prática requer que, ao menos alguns dos indivíduos que a corporificam nas
suas actividades, exerçam as virtudes, sendo a corrupção das instituições, pelo menos
em parte, efeito dos vícios. Entretanto, alerta Alasdair MacIntyre, nunca é demais lembrar
que é sempre dentro de alguma comunidade particular, com as suas instituições
específicas, que as pessoas aprendem a exercer as virtudes ou falham nessa
aprendizagem.
A posse das virtudes – mas não a sua aparência ou simulação – é necessária para
alcançar os bens internos às práticas, podendo, contudo, tornar-se empecilho para
realizar os bens externos. Estes são genuinamente bens, não apenas enquanto objectos
do desejo humano, cuja distribuição acompanha as virtudes da justiça e da generosidade,
mas porque ninguém pode desprezá-los sem uma certa hipocrisia. Desta maneira, na
opinião de Alasdair MacIntyre, considerando as condições do mundo, não é de espantar
que o cultivo da honestidade, da justiça e da coragem possam representar um estorvo
para a riqueza, a fama ou o poder, isto é, embora seja possível esperar a realização dos
ÉTICA 105
padrões de excelência e os bens internos de certas práticas pela posse das virtudes,
alcançar riqueza, fama e poder pode-se tornar impossível com essa posse. Se numa
sociedade específica dominar a procura dos bens externos, o conceito de virtude pode
ficar sob risco de um grande desgaste ou, até mesmo, da total extinção, apesar das suas
imitações poderem ser abundantes.
Esta noção de virtude apresentada por Alasdair MacIntyre, e de acordo com o próprio
autor, tem semelhanças e afastamentos da visão aristotélica das virtudes. Quanto a este
último aspecto, destaca que embora a sua explicação para as virtudes seja teleológica,
não guarda fidelidade à biologia metafísica de Aristóteles. Outro aspecto é que não
considera o conflito exclusivamente como falha do carácter individual, pois entende que
há uma multiplicidade de práticas humanas e uma consequente diversidade de bens,
muitas vezes incompatíveis, na persecução dos quais as virtudes podem ser exercidas.
Em relação às semelhanças destaca, entre outras, que esta explicação adopta a noção
aristotélica de prazer e gozo, irreconciliável com qualquer perspectiva utilitarista, pois é
próprio da virtude o seu exercício sem a consideração das consequências, a fim de ser
efectiva na produção dos bens internos. Os que realizam a excelência no interior das
práticas, caracteristicamente, gozam com essa realização e obtenção. Entretanto, tal
prazer não constitui um fim que o agente ambiciona, porque este resulta da actividade
com êxito. Lembra o autor que nem todo o prazer corresponde ao gozo que sobrevém
pela realização com êxito da actividade. Alguns dos prazeres configuram estados
psicológicos e físicos independentes da actividade, ou seja, conformam bens externos
juntamente com o prestígio, status, poder e dinheiro, podendo, como tais, serem
procurados enquanto recompensas externas passíveis de serem conseguidas pelo
dinheiro ou recebidas em virtude do prestígio.
Alasdair MacIntyre define as virtudes em termos do seu lugar nas práticas, entretanto,
algumas delas, ou seja, algumas actividades humanas consistentes e que se encaixam
no seu entendimento de prática – são más, como alerta o próprio autor. Parece óbvio,
para ele, que graças a factos circunstanciais, as práticas, em algumas ocasiões
particulares, se apresentem como produtoras de mal. Esclarece que não pretende, com a
sua explicação, desculpar ou fechar os olhos ao mal que pode advir das práticas, e que
tão pouco defende que tudo quanto germine de uma virtude é bom. A coragem, às vezes,
pode manter a injustiça e a lealdade pode proteger um assassino. O facto das virtudes
terem de ser inicialmente definidas e explicadas com referência à noção de prática não
106 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Por outras palavras, a definição das virtudes não em termos de práticas boas e correctas,
mas simplesmente de práticas, não implica que estas, tal como são desenvolvidas na
realidade, em determinados tempos e lugares, não necessitem do criticismo moral. E não
faltam recursos para a elaboração de tal crítica, uma vez que não há inconsistência
alguma em apelar para as exigências de uma virtude com o intuito de criticar a sua
própria prática. Uma moralidade das virtudes requer como contrapartida uma concepção
de lei moral, cujas ordens também têm de ser acatadas pelas práticas.
Alasdair MacIntyre enfatiza que o âmbito de qualquer virtude na vida humana ultrapassa
os limites das práticas nos termos das quais recebe a sua definição inicial, ou seja,
requer-se uma noção de bem humano que transcende a limitada compreensão das
virtudes que é viabilizada pelas práticas. Isto porque uma virtude não é apenas uma
tendência que colabora para o sucesso somente nalgum tipo particular e específico de
situação, ao contrário, o que se espera de alguém possuidor de virtudes é que as
manifeste, nas diferentes circunstâncias da vida.
Alega o autor que se esta extensão não ocorresse, primeiro de tudo, a vida seria invadida
por uma excessiva conflituosidade e arbitrariedade, já que a existência de múltiplos bens
abre espaço para que o conflito ocorra até mesmo na vida de uma pessoa virtuosa e
disciplinada. As exigências das distintas práticas podem ser incompatíveis a ponto de
fazer a pessoa oscilar de maneira arbitrária, ao invés de escolher racionalmente. Se a
vida das virtudes é continuamente quebrada por escolhas nas quais a fidelidade a uma
acarreta a renúncia aparentemente arbitrária de outra, poderia parecer que os bens
internos às práticas, afinal de contas, derivam a sua autoridade de opções individuais.
Segundo, a noção de certas virtudes permanece imparcial e incompleta enquanto não
existir uma concepção mais abrangente de “telos” para a vida humana, pois este garante
a subordinação de uns bens aos outros. Desta forma, o autor sugere que se não houver
um “telos” que transcenda os bens limitados das práticas, constituindo um bem da vida
humana como um todo, a vida moral pode ser invadida pela arbitrariedade e chegar à
incapacidade de especificar o contexto de certas virtudes de maneira adequada. Por
último, há pelo menos uma virtude reconhecida pela tradição, cuja pormenorização
somente pode ocorrer por referência à unidade da vida humana, a virtude da integridade
ou constância.
ÉTICA 107
As virtudes, portanto, a partir desta expansão na sua concepção proposta pelo autor,
constituem disposições que não apenas mantêm práticas e capacitam para a realização
dos bens internos a estas, mas sustentam um relevante tipo de expedição para o bem,
por possibilitar a superação das ofensas, prejuízos, perigos, tentações e perturbações
percebidas, proporcionando um crescente auto-conhecimento e cognição do bem. O
catálogo de virtudes, desta maneira, contempla as requeridas para manter o tipo de
famílias e comunidades políticas nas quais homens e mulheres possam juntos procurar
pelo bem.
Por isso, na visão de Alasdair MacIntyre, é impossível ser-se capaz de procurar o bem ou
exercitar as virtudes apenas enquanto indivíduos. E isto acontece, em parte porque o
sentido de “vida boa” varia segundo o tempo histórico e o local, ou seja, o que é
considerado “vida boa” por um ateniense do século V aC difere da visão de uma freira
medieval ou de um agricultor do século XVII. Entretanto, não é só por estes diferentes
indivíduos viverem em distintas realidades sociais, mas cada um aborda a sua própria
circunstância enquanto portador de uma identidade social particular, isto é, cada um é
filho ou filha de alguém, primo ou tio de outro mais, cidadão desta ou daquela cidade,
membro desta ou daquela associação ou profissão, pertencente a este clã, ou àquela
tribo, ou àquela nação. Como tal, herda do passado da família, da cidade, da tribo, da
nação uma variedade de dívidas, patrimónios, expectativas e obrigações legítimas que
constituem o doado de uma vida, o seu ponto de partida moral.
A história da vida de uma pessoa está sempre inserida na história das comunidades das
quais ela obtém a sua identidade. Cada um nasce com um passado e tentar desligar-se
108 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
O que cada um é, consiste em grande parte no que se herda, ou seja, existe no presente,
em algum grau, um passado específico. Cada um toma parte de uma história e isto
significa para o autor que, goste-se ou não, reconheça-se ou não, cada um é portador de
uma tradição. E o que mantém e fortalece as tradições ou as enfraquece e destrói é, em
grande medida, o exercício das virtudes ou a sua falta, respectivamente. A falta de
justiça, honestidade, coragem e virtudes intelectuais corrompe tradições, assim como as
instituições e práticas que são as suas portadoras sociais contemporâneas.
Quando o autor caracteriza o conceito de prática é importante notar, como ele próprio
destaca, que estas têm histórias e que em qualquer momento o que uma prática é
depende do modo como ela é entendida e transmitida através das gerações. E as
tradições através das quais as práticas particulares são passadas e remodeladas não
existem isoladamente das tradições sociais mais amplas.
Parece ficar claro, então, como salienta o próprio Alasdair MacIntyre, que a sua
concepção das virtudes prossegue através de três etapas: a primeira que diz respeito às
virtudes enquanto qualidades necessárias para realizar bens internos às práticas; a
segunda que as considera como qualidades contribuintes para o bem de toda uma vida; e
ÉTICA 109
a terceira que as relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja noção
somente pode ser elaborada e apropriada dentro de uma contínua tradição social.
A menos que satisfaça as condições especificadas em cada uma das três etapas, uma
qualidade humana não pode ser considerada uma virtude. Isto é importante porque há
qualidades que, mesmo decorrendo de práticas, não são virtudes, pois sobrevivendo aos
testes da primeira etapa, falham na segunda ou na terceira.
Alasdair MacIntyre considera que uma dificuldade, entre muitas a serem enfrentadas pela
sua noção de virtude, é que o tipo de trabalho feito pela maioria dos habitantes do mundo
actual não pode ser entendido em termos da natureza de uma prática com bens internos.
Um dos momentos chave na criação da modernidade ocorreu quando a produção se
deslocou para fora da família e se colocou ao serviço do capital impessoal. Isto fez com
que o trabalho, além de se ter afastado do reino das práticas com bens internos a elas
próprias, se vincula à busca da sobrevivência biológica e da produção da força de
trabalho de um lado e à ambição institucionalizada do outro, com relações meios/fins
necessariamente externas. Consequentemente, as práticas foram removidas para as
margens da vida social e cultural.
ÉTICA 111
Uma das concepções de cunho psicológico que goza de grande destaque é a proposta
por Carol Gilligan, e contida no seu livro «In a Different Voice: Psychological Theory and
Women’s Development», editado pela primeira vez em 1982. Nesta sua obra, ela refere-
se à interface entre a teoria psicológica e o desenvolvimento psicológico das mulheres,
criticando o carácter prescritivo atribuído à primeira. Com base em dados de estudos
empíricos, reconstrói o desenvolvimento psicológico das mulheres a partir do
entendimento de que este está centrado numa batalha pela relação, negando assim a
visão corrente, defendida por vários teóricos da psicologia, que consideram as mulheres
defectivas no seu desenvolvimento moral por não alcançarem a separação.
Assim, no seu início, a autora assinala que a época em que começou a escrever o livro,
início de 1970, foi marcada pelo ressurgimento do Movimento das Mulheres e por um
facto relevante para a sociedade norte-americana: a decisão do Supremo Tribunal do
país de tornar o aborto legalmente possível, no caso Roe versus Wade. Este caso integra
uma série de decisões do Supremo Tribunal dos EUA emitidas durante uma década
sobre a considerável confusão legal relativa ao tema do aborto. Nesta sentença, o
Supremo Tribunal sustenta o direito da mulher grávida interromper a gestação dentro de
certos limites. Reconhece o interesse do Estado na vida fetal desde o início da gravidez e
permite aos Estados norte-americanos instituírem exigências legais, desde que não
imponham uma carga indevida sobre as decisões e acções da mulher grávida, embora
não confirme a obrigação do Estado de suprir meios e assistência para a realização de
abortos não terapêuticos (Beauchamp, 2001). Com esta resolução, as bases das
relações entre homens, mulheres e crianças são abaladas. Carol Gilligan, ressalta que
quando o Supremo Tribunal dos EUA torna legal para a mulher, falar por si própria e
conferir-lhe a voz de decisão num problema complexo de relacionamento, que envolve a
responsabilidade pela vida e pela morte, muitas mulheres dão-se conta da força de uma
voz interior que interfere com a sua habilidade para se exprimirem. Essa voz interior ou
interiorizada diz à mulher que ela pode ser egoísta, trazer a sua visão para as relações;
que ela não sabe o que realmente quer ou ainda que a sua experiência anterior não
constitui directriz de confiança para pensar sobre o que fazer, ou seja, as mulheres
consideram perigoso dizer, ou mesmo saber, o que querem ou pensam, pois podem-se
incompatibilizar com os outros, configurando-se, assim, uma ameaça de abandono ou de
retaliação.
Muitas mulheres, então, sob a intimidação dos temores representados por estas
ameaças, pensam ser melhor parecer “desprendidas” e abrir mão da sua voz para
ficarem em paz. Esta escolha pode ser deliberada ou involuntária e, frequentemente,
apesar de bem intencionada, psicologicamente protectora e motivada por preocupações
para com os sentimentos das pessoas, acabam perpetuando uma civilização de vozes
masculinas e uma ordem de viver fundada na separação. Por isto, Carol Gilligan
ÉTICA 113
considera revolucionária a descoberta pelas mulheres que ser desprendida significa não
estar em relação, pois desafiam a desunião e divisão mantidas pela sociedade patriarcal.
A autora salienta que na medida em que continua a explorar as relações entre a ordem
política e a psicologia da vida das mulheres e dos homens, fica-lhe gradativamente mais
claro o papel crucial das vozes das primeiras na manutenção ou transformação do mundo
patriarcal. Ao se envolver activamente neste processo de mudança, vê-se a si própria e
ao seu livro, no centro de um debate no qual está em questão a saúde e o poder.
Ouvindo as reacções das pessoas ao seu livro, Carol Gilligan lamenta que a forma
diferente das mulheres falarem seja prontamente assimilada nas velhas categorias do
pensamento, perdendo a sua novidade e sendo colocada em questões do tipo quem
seria melhor ou pior, se as mulheres ou se os homens. Ressalta que, quando vê o seu
trabalho ser discutido nestes termos – se as mulheres e os homens são realmente
diferentes ou quem é melhor – sabe que não foi bem compreendida, porque não são
estas as questões que deseja fazer emergir. Ao invés disso, as suas questões são sobre
as percepções da realidade e da verdade; sobre voz e relacionamentos; e sobre
processos e teorias psicológicas, nas quais as experiências dos homens constituem a
base para a totalidade da experiência humana, eclipsando a vida das mulheres e calando
as suas vozes.
Quando esta voz diferente resiste, configurando uma voz relacional, uma voz que insiste
em ficar em relação, as separações psicológicas que tomam por base a autonomia, a
personalidade e a liberdade não aparecem mais como uma condição “sine qua non” para
o desenvolvimento humano. Ressalta a autora que, dentro do contexto de sociedades
como a norte-americana, articular esta voz diferente pode equiparar-se a questionar o
valor da liberdade, pois os valores de separação, independência e autonomia são tão
historicamente fundamentados, reafirmados e enraizados na tradição dos direitos
naturais que, frequentemente, são tomados como factos, ou seja, por natureza as
pessoas são separadas, independentes e auto-governadas.
Encontram-se na base dos seus escritos, esclarece Carol Gilligan, questões sobre voz,
diferença e desenvolvimento de mulheres e homens. Quanto à voz, entende que ter uma
voz é ser humano, ou seja, ter algo a dizer é ser uma pessoa. Também por voz, a autora
explica que, quer exprimir o que as pessoas significam quando falam da essência do eu.
Voz é natural e cultural, porque composta de respiração, som, palavras, ritmos e
linguagem. Configura um poderoso instrumento e canal psicológico, ligando os mundos
114 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
No que diz respeito à diferença, Carol Gilligan esclarece que tenta deslocar esta
discussão do foco do relativismo para os relacionamentos, entendendo as diferenças
enquanto marcas próprias da condição humana e não como problema a ser resolvido.
Entretanto, alerta que ao falar sobre diferenças e suas consequentes teorizações há que
estar atento para a rapidez com que a diferença se torna desvio e este adquire quase um
tom de “pecado” numa sociedade preocupada com a normalidade, escrava da estatística
e historicamente puritana.
A este equívoco nos relacionamentos, de acordo com Carol Gilligan, juntam-se os erros
das teorias psicológicas que têm tomado os homens como únicos representantes dos
humanos, fazendo com que as mulheres, no seu desenvolvimento psicológico, se
empenhem em alterar as suas vozes para se encaixarem nas imagens de relacionamento
e bondade construídas a partir de falsas vozes femininas.
Neste sentido, a autora considera inevitável o desafio que representa para a ordem
patriarcal, perpetuada pela sonegação contínua da experiência feminina, uma nova teoria
psicológica na qual as raparigas e as mulheres sejam vistas e ouvidas. Assim, ficar em
relação com elas no ensino, na investigação, na terapia, na amizade, na maternidade ou
no decurso das suas vidas diárias, focando as suas vivências, é potencialmente
revolucionário.
Nos dez anos que precedem o lançamento de «In a Different Voice», em 1982, Carol
Gilligan ouve as pessoas falarem sobre moralidade e sobre si próprias e em determinado
momento deste percurso, começa a notar uma diferença nas vozes. Duas maneiras
diferentes de falar sobre os problemas éticos; dois modos diferentes de narrar o
relacionamento entre “o outro” e “o eu”.
São estas diferentes maneiras de pensar sobre as relações e a sua associação com
vozes masculinas e femininas nos textos psicológicos, literários e nos dados das
investigações da autora que se encontram registadas no livro. A divergência existente
entre as experiências das mulheres e a representação do desenvolvimento humano
descrita na literatura psicológica, geralmente é vista como um problema do
desenvolvimento das mulheres. Habituados a ver a vida através dos olhos dos homens,
os teóricos da psicologia cometem, segundo Carol Gilligan, um viés de observação, ao
adoptarem implicitamente a vida masculina como a norma e tentando a ela moldar a da
mulher, que então é vista como desviante, quando comparada com o padrão masculino.
Contrariando esta visão, a autora propõe que em vez de ser uma falha das mulheres por
não se encaixarem nos modelos existentes do desenvolvimento moral humano o que
pode estar a acontecer é um problema na representação, uma limitação na concepção da
condição humana, uma omissão de certos aspectos sobre a vida.
numa contenda de direitos, mas como membros entrelaçados de uma rede de relações,
de cuja continuidade todos dependem. Consequentemente, a resolução para um
problema ético consiste no activar esta rede de relacionamentos através da
comunicação, garantindo a inclusão de todos mediante o fortalecimento, ao invés do
rompimento, das relações.
Na sequência observada e descrita por Carol Gilligan, a uma focagem inicial no cuidado
do “eu”, com vista a assegurar a sobrevivência, segue-se uma fase de transição na qual
se crítica este primeiro juízo como egoísta. A crítica determina uma nova compreensão
da relação entre o “eu” e o “outro”, articulada pelo conceito de responsabilidade. A
elaboração desta concepção de responsabilidade e a sua união com uma moralidade
materna, que busca garantir o cuidado dos dependentes e dos desiguais caracteriza a
segunda perspectiva. A este ponto, o bom equipara-se com o cuidar dos outros.
Entretanto, quando a mulher se exclui e reconhece apenas os outros como receptores
legítimos dos seus cuidados, geram-se problemas nas relações e cria-se um
desequilíbrio que redunda na segunda transição. Num esforço para desfazer a confusão
entre auto-sacrifício e cuidado, inerente às convenções da bondade feminina, tem lugar
uma reconsideração das relações com base no argumento da equiparação entre
conformismo e cuidado, presente nas definições convencionais e na falta de lógica
existente na desigualdade entre o “outro” e o “eu”. A terceira perspectiva focaliza a
ÉTICA 119
A fim de se ser capaz de cuidar do “outro”, deve-se primeiro ser capaz de cuidar
responsavelmente de si mesmo. O desenvolvimento da infância para a idade adulta é
concebido como um movimento do egoísmo para a responsabilidade. Neste sentido, a
autora alerta, que o auto-sacrifício atrasa e luta contra o auto-desenvolvimento das
mulheres, sendo este um dever mais elevado que o primeiro.
Portanto, de acordo com Carol Gilligan, o desenvolvimento moral, para os dois géneros,
propicia uma integração de direitos e responsabilidades através da descoberta da
complementaridade de duas visões distintas. Para as mulheres, a integração de direitos e
responsabilidades ocorre através do entendimento da lógica psicológica dos
relacionamentos, resultando na moderação do potencial auto-destrutivo de uma
moralidade autocrítica ao universalizar a necessidade de cuidado. Para os homens, o
reconhecimento da responsabilidade do cuidado corrige a latente indiferença de uma
moralidade de não interferência e volta a atenção da lógica para as consequências da
escolha. Numa compreensão pós-convencional da ética, as mulheres chegam a ver a
violência inerente à desigualdade e os homens a perceber as limitações de uma
concepção de justiça míope para as diferenças da vida humana.
Albert Jonsen e Stephen Toulmin na sua obra publicada em 1988, «The Abuse of
Casuistry: A History of Moral Reasoning» fazem uma revisão da história da casuística,
desde as suas origens na filosofia greco-romana e no judaísmo até ao cristianismo
católico. Segundo os autores, a finalidade do livro é recuperar a validade da casuística
para a discussão de problemas éticos, ou seja, pretendem reabilitar a “arte da casuística”
para a “resolução prática de perplexidades morais ou casos de consciência” (Jonsen,
1988).
Assim, distinguem duas formas de discutir os problemas éticos. Uma que os ordena em
termos de princípios, regras e outras ideias gerais, e outra centrada nas características
específicas de casos tipo particulares. Na primeira, as regras éticas gerais relacionam-se
com os casos específicos de uma maneira teórica, com regras universais servindo como
“axiomas” dos quais os juízos éticos particulares são deduzidos como teoremas. Na
segunda, a relação entre as regras e os problemas é francamente prática. As regras
éticas gerais servem como “máximas”, as quais só podem ser totalmente compreendidas
nos termos dos casos paradigmáticos que definem o seu sentido e a sua força.
Para os filósofos da Atenas clássica, como explicam os autores, uma opinião poderia ser
aceite como conhecimento ou como argumento sólido e verdadeiro apenas se estivesse
necessariamente relacionada de maneira dedutiva a princípios iniciais claros e óbvios.
Porém, Aristóteles advoga que nem todos os conhecimentos são desse tipo e que tão
pouco há esse tipo de certeza teórica em todos os campos. No campo da prática, no qual
o filósofo inclui a ética, a certeza não requer domínio prévio das definições, princípios
gerais e axiomas como no campo da teoria, cujo protótipo de raciocínio é a geometria. Ao
contrário, depende da experiência prática acumulada de situações particulares da qual
resulta um tipo de sabedoria – “phronesis” – diferente da que decorre do domínio
abstracto de qualquer ciência teórica, a “episteme”.
Para Albert Jonsen e Stephen Toulmin, recolocar a ética no campo da sabedoria prática
tem implicações procedimentais para se poder encontrar a solução para problemas desta
ordem, assim é estabelecido como passo necessário a identificação da situação na qual
o acto em questão ocorre. Outra consequência é que os argumentos éticos são retóricos,
não no sentido fraudulento, prejudicial ou enganador, mas no de assegurar que a sua
explicação seja efectiva, inteligível, capaz de causar interesse nos ouvintes e dar-lhes
base, fundamentando-se em verdades gerais tidas como convincentes.
A prática clínica, na visão dos autores, participa do tipo de certeza da experiência directa
que marca o campo do conhecimento prático. Afirmam que, a bem da verdade, a
medicina mistura, à sua própria maneira, teoria e prática, compreensão intelectual e
habilidades técnicas, “episteme” e “phronesis”.
Na prática clínica, a questão central para o profissional de saúde é saber que condição
específica está a afectar um determinado paciente em particular e o que deve fazer para
lhe responder, nesse exacto momento e lugar. O diagnóstico clínico tem, então, o seu
ponto inicial nos anais correntes de doenças, lesões e incapacidades para as quais existe
ÉTICA 125
Desta forma, as relações entre uma conclusão diagnóstica e as evidências que lhe dão
suporte são mais próprias do raciocínio prático do que da prova teórica. Isto porque, a
conclusão está mais relacionada com as evidências substantivas do que com as relações
formais. Aproxima-se mais de uma presunção refutável do que de um vínculo necessário,
sendo que a inferência das evidências para a conclusão é circunstancial, pois depende
de factos detalhados sobre as condições e a natureza de um caso particular. Por essa
razão, pode dizer-se que as conclusões diagnósticas são tentativas e estão abertas à
reconsideração, se certos sintomas cruciais ou circunstâncias forem superadas ou se o
decurso posterior da doença trouxer à luz novas evidências importantes.
Neste sentido, a prática clínica pode-se apresentar como um modelo para a análise de
problemas éticos, pois, da mesma forma que os juízos clínicos não podem ser isolados
das condições reais de pacientes individuais, o juízo ético não pode ser abstraído das
circunstâncias concretas e detalhadas dos casos práticos. Assim, a exemplo das
inferências clínicas, as conclusões no campo da ética não são necessárias e não podem
ser tomadas à revelia do contexto, sendo presumíveis e passíveis de revisão à luz da
experiência posterior. Em ambos os campos, o melhor a ser feito é apreciar a situação
particular, trazendo a ela o maior grau de percepção clínica possível.
Como explicam Albert Jonsen e Stephen Toulmin é a partir da sua própria execução que
o método da casuística é inferido, uma vez que os casuístas não formulam explicitamente
uma metodologia, mas, apenas um estudo da prática real pode revelar os passos que
seguem. Assim, da leitura dos casos tal como descritos pelos casuístas, os autores
identificaram seis passos que são dignos de nota para a compreensão deste método: a
confiança nos paradigmas e analogias; o apelo às máximas; a análise das circunstâncias;
126 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Os casuístas utilizam argumentos breves que apresentam vários tipos distintos de razões
para sustentar as suas conclusões, como textos das escrituras, citações da lei canónica e
apelos às virtudes da caridade ou da justiça, sem qualquer esforço para integrá-los num
único discurso consistente. A conclusão de que uma opinião merece ser classificada
como mais ou menos provável não se baseia no rigor da lógica do argumento, mas na
acumulação de múltiplas e variadas justificativas, ou seja, o peso de uma opinião
casuística decorre mais do acumular de razões do que da validade lógica dos
argumentos ou da consistência de qualquer prova.
A meta dos casuístas é chegar o mais próximo possível à decisão e à acção, portanto,
encerram sempre a sua análise sobre um caso com uma solução e um conselho relativo
à licitude ou à permissão para agir de um ou de outro modo. Nos casos mais difíceis de
serem solucionados, as resoluções são enunciadas como mais ou menos prováveis, com
a introdução de alertas do tipo: “nestas circunstâncias, dadas estas condições, pode com
razoável segurança, agir de tal e tal modo” ou “fazendo desta forma, não irá agir de forma
precipitada ou imprudente e somente pode estar com boa consciência” (Jonsen, 1988).
A partir destas características da casuística que incluem a ordenação dos casos por
paradigma e analogia; o apelo a máximas; a análise das circunstâncias; a qualificação
das opiniões; o acumulo de múltiplos argumentos; e a proclamação de resoluções
práticas de problemas éticos particulares à luz destas considerações, Albert Jonsen e
Stephen Toulmin propõem como conceito para casuística:
“The analysis of moral issues, using procedures of reasoning based on paradigms and
analogies, leading to the formulation of expert opinions about the existence and
stringency of particular moral obligations, framed in terms of rules or maxims that are
general but not universal or invariable, since they hold good with certainty only in the
typical conditions of the agent and circumstances of action” (Jonsen, 1988).
Este método, que toma por base vários dos elementos da casuística como o ordenar dos
casos por paradigma e analogia, a análise das circunstâncias, o acumulo de múltiplos
argumentos e a proclamação de resoluções práticas, está apresentado na obra «Clinical
Ethics: A Practical Approach to Ethical Decisions in Clinical Medicine», cuja quarta edição
de 1998, foi traduzida para português pelo Prof. Doutor Fernando Martins Vale, e
publicada em 1999, e é a que serve de referência principal a esta parte do presente
estudo (Jonsen, 1999).
Segundo os autores, a ética clínica é uma disciplina de cunho prático que proporciona
uma abordagem estruturada com vista a ajudar os profissionais de saúde a identificar,
analisar e resolver os problemas éticos que procedem da prática clínica. Aborda os
ÉTICA 129
aspectos éticos presentes em qualquer acto clínico e os problemas que podem surgir,
especialmente quando os profissionais e os pacientes discordam sobre os valores ou
enfrentam opções que desafiam as suas convicções. Depende da firme convicção de
que, mesmo perante grandes perplexidades e fortes emoções, os profissionais de saúde
podem trabalhar construtivamente para identificar, analisar e resolver muitos dos
problemas éticos que surgem na sua prática clínica.
O método por eles proposto não começa com os aspectos reais de cada caso, nem com
os princípios e regras, como é comum nas análises éticas. Há medida que vão surgindo
na discussão dos tópicos, os princípios e regras são referidos, sendo apreciados no
contexto específico das circunstâncias concretas de cada caso. Deste modo, entendem
os autores, evita-se a discussão abstracta sobre os princípios e previne-se a tendência
de encarar um único princípio como a directriz numa determinada situação.
Segundo o método proposto, cada caso clínico, quando observado como problema ético,
deve ser analisado em função de quatro tópicos: indicações médicas; preferências do
doente; qualidade de vida; e aspectos conjunturais (Quadro I na página 133). Apesar dos
factos de cada caso diferirem, os quatro tópicos são sempre relevantes e organizam as
distintas informações, chamando a atenção para os princípios éticos mais apropriados a
cada situação. Oferecem um caminho sistematizado para identificar, analisar e resolver
problemas éticos que surgem na prática clínica, sendo os equivalentes éticos dos tópicos
clínicos utilizados pelos médicos na apresentação de casos, na formulação de um
diagnóstico e na prescrição de um plano terapêutico, ou seja, correspondem aos itens:
queixa principal do doente, história actual, pregressa, familiar e social da doença, exame
clínico e dados laboratoriais.
A análise ética deve ocorrer com base numa revisão ordenada dos tópicos, sendo
recomendado seguir em todos os casos a mesma sequência, que se inicia pela
apreciação das indicações médicas, seguindo-se as preferências do doente, a qualidade
de vida e terminando com a abordagem dos aspectos conjunturais. Este procedimento
presta-se tanto à esquematização dos factos éticos relevantes no caso, quanto à
elucidação da necessidade de se obter mais informação antes de dar início à discussão.
A revisão pelos quatro tópicos, além de constituir uma estratégia de organização para
ensino e discussão, orienta a discussão de um problema ético no sentido da sua
resolução. Por outras palavras, os autores defendem que as discussões devem
ultrapassar o mero discurso ou debate e conduzir a uma solução prática e sensata.
Assim, após a apresentação de um caso, tem início a tarefa de procurar a resolução do
problema em análise.
Os autores assinalam que, embora a análise dos problemas éticos se inicie pelas
circunstâncias concretas dos casos, a discussão de cada tópico levanta e pressupõe
certas noções de ética, que propõem determinadas normas de comportamento e atitudes
aceites ou indicadas para determinada situação. Deste modo, a competência em ética
clínica não depende somente de se ser capaz de usar um método de análise, mas da
familiaridade com a literatura sobre o tema. Por esta razão, na sua obra, os autores além
de apresentarem o método de tipo casuísta para a análise dos problemas, incluem
indicações de textos sobre ética e ética clínica (Jonsen, 1999).
Para os autores, toda a actuação médica deve alcançar todos ou, pelo menos, alguns
dos seguintes objectivos (Jonsen, 1999):
Na opinião dos autores, não é raro que o problema ético de um caso particular surja da
falta de clareza acerca dos objectivos da intervenção ou da aparente incompatibilidade
entre eles. É por esta razão que as análises éticas se devem iniciar com uma avaliação
realista dos objectivos das indicações da intervenção médica, que têm de ser
explicitamente apresentadas pelos profissionais de saúde de modo que a própria equipa,
os pacientes e a família possam compreender as alternativas disponíveis para a situação.
Apenas depois de clarificadas as opções da intervenção, é que os outros tópicos
(preferências do paciente, qualidade de vida e aspectos conjunturais) devem ser
considerados.
pessoas com uma diminuição, real ou potencial, da sua qualidade de vida, por isso o
objectivo fundamental da intervenção médica deve ser restaurar, manter ou melhorar a
qualidade de vida dos que buscam esse tipo de cuidados. A avaliação da qualidade de
vida deve ser levada em linha de conta em todas as discussões acerca dos cuidados de
saúde, devendo os profissionais de saúde e as pessoas de quem cuidam estimar que
nível de qualidade de vida é desejável, como este pode ser atingido e quais os riscos e
vantagens. Ao contrário do balanço risco/benefício que se preocupa com um âmbito
relativamente mais imediato, as considerações sobre a qualidade de vida focalizam as
consequências a longo prazo da aceitação ou da recusa das indicações médicas. É o
mais delicado e perigoso dos tópicos porque pode abrir espaço para distorções e/ou
preconceitos. Neste sentido, os autores referem como questões importantes: quem faz a
avaliação, com que critérios ela é feita e que tipo de decisão clínica pode ser justificada
com base nos juízos sobre a qualidade de vida.
Somente após vencer todos estes passos estipulados para a análise de cada caso é que
se está apto a identificar o problema ético em questão e a se poder traçar cursos
alternativos da acção, no sentido da sua resolução.
ÉTICA 135
A palavra “deontologia” deriva do grego δέον, transcrito “déon”, que significa dever,
obrigação, regras, aquilo que se deve fazer, + λόγος, “logos”, que significa ciência. Logo,
a deontologia é a ciência dos deveres, no entanto, o mais adequado é compreendê-la
como “teoria dos deveres”, já que este termo não se aplica à ciência do dever em geral,
no sentido kantiano, mas transporta consigo a ideia do estudo empírico dos diferentes
deveres relacionados com uma dada situação social (Privitera, 2004). Portanto, inclui-se
entre as teorias morais que orientam as escolhas sobre o que deve ser feito.
O termo “deontologia” foi introduzido em 1834, por Jeremy Bentham, para se referir ao
ramo da ética cujo objecto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais
(Houaiss, 2002). É um dos dois ramos principais da ética normativa, juntamente com a
axiologia. Pode-se também falar, de uma deontologia aplicada, caso em que já não se
está diante de uma ética normativa, mas sim descritiva e inclusive prescritiva. Tal é o
caso da “deontologia profissional” (Privitera, 2004).
classe profissional pretende fechar-se em si e impedir qualquer juízo externo, este modo
de proceder é passível de uma leitura corporativa. No entanto, convém não esquecer que
é positivo o facto dos profissionais tomarem consciência das exigências da sua profissão
e serem os primeiros interessados em dignificá-la (Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a),
2009).
caso dos enfermeiros com a publicação do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (Decreto-
Lei nº 104/98).
configuram os órgãos nacionais, com jurisdição em todo o país, a nível da Ordem dos
Enfermeiros (Decreto-Lei nº 104/98). As secções regionais de cada uma das Ordens têm
a sua jurisdição restrita a uma dada região. O licenciado (com a reforma de “Bolonha” do
ensino superior, o mestre) em medicina ou enfermagem só se torna um profissional apto
para o exercício da profissão após o seu registo na respectiva secção regional. Só após a
inscrição no órgão legalmente habilitado, é que os formados numa profissão
regulamentada a podem exercer. A lei que regulamenta a profissão fixa o seu campo de
actividade e as condições para o seu exercício, nomeadamente as exigências em termos
de cursos superiores (Pina, 2003).
A jurisdição disciplinar a nível da Ordem dos Médicos é exercida pelo Conselho Nacional
de Disciplina, nos termos do artigo 67º do estatuto da Ordem e pelos Conselhos
Disciplinares Regionais, nos termos do artigo 71º (Decreto-Lei nº 282/77). São atribuições
do conselho disciplinar regional julgar as infracções à deontologia e ao exercício da
profissão médica previstas no estatuto e regulamentos da Ordem dos Médicos e no
código de deontologia, praticadas voluntariamente ou por negligência por qualquer
médico. As infracções cometidas serão instruídas e julgadas pelo Conselho Disciplinar
Regional, nos termos previstos no estatuto disciplinar dos médicos (Decreto-Lei nº
217/94). Compete ao Conselho Nacional de Disciplina julgar os recursos interpostos das
decisões proferidas a nível regional.
1
Disponível em http://www.ordemenfermeiros.pt/index.php?page=157 [citado em 23-12-2008]
140 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
por objectivo explorar os valores e o referencial ético filosófico dos códigos deontológicos
da medicina e da enfermagem, pretende-se apenas registar que estes podem representar
um aporte para o equacionar ético dos profissionais da saúde que, por vezes, recorrem
aos códigos e aos conselhos disciplinares como fonte de recurso para orientação e
solução dos problemas éticos que enfrentam.
No campo da saúde, temos ainda as Comissões de Ética para a Saúde (CES), que
devem ser constituídas e funcionar no âmbito de todas as instituições e serviços de
saúde públicos e unidades privadas de saúde. Às CES cabe zelar pela observância de
padrões de ética no exercício das ciências da saúde, no âmbito do funcionamento da
instituição ou serviço de saúde respectivo, por forma a proteger e garantir a dignidade e
integridade humanas, procedendo à análise e reflexão sobre temas da prática médica
que envolvam questões de ética. Podem emitir, por sua iniciativa ou por solicitação,
pareceres sobre questões éticas no domínio das actividades da instituição ou serviço de
saúde respectivo (Decreto-Lei nº 97/95). A função de uma CES não pode ser confundida
com a tarefa de um conselho de deontologia: este avalia um determinado comportamento
à luz das regras deontológicas vinculativas já estabelecidas e codificadas. Todas as
decisões e acções profissionais implicam, além da sua correspondência com as normas
deontológicas, a presença de valores éticos que têm um alcance ético mais interpelativo
do que a observância estrita dos deveres profissionais. Os casos duvidosos devem ser
analisados pela CES quando colocam em conflito vários princípios éticos fundamentais.
Deste modo, sem se substituir a um conselho de deontologia, a CES será chamada
casuisticamente a pronunciar-se sobre casos aparentemente meramente deontológicos
(Renaud, 2003).
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE
SAÚDE.
PARTE II
INTRODUÇÃO 145
1. INTRODUÇÃO
Assim, neste estudo optou-se por seguir dois caminhos de investigação empírica,
uma abordagem quantitativa através da utilização de um questionário elaborado, validado
e testado para o efeito, e uma abordagem qualitativa através da introdução de questões
de resposta aberta sobre três casos-problema, pois o fenómeno a investigar, problemas
éticos, situa-se no universo dos significados, motivações, aspirações, crenças, valores e
atitudes e é próprio das investigações qualitativas procurar compreender este espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenómenos, que dificilmente pode ser
reduzido à operacionalização de variáveis, típica das abordagens quantitativas. Segundo
Maria Cecília Minayo (2006) é a investigação qualitativa que permite incorporar a questão
do significado e da intencionalidade como inerentes aos actos, às relações e às
estruturas sociais.
Além disto, como referem Michael Fetters e Howard Brody (1999), a complexidade
e a subtileza que cercam os problemas éticos que emergem dos cuidados de saúde
primários (CSP) requerem abordagens quantitativas e qualitativas capazes de os
elucidar.
Merece aqui consideração o lugar dos estudos descritivos nas investigações que
têm como objecto a ética e a moral (Sieber, 2004). Para tal, é necessário ter presente a
distinção entre ética e moral, mencionada na introdução da primeira parte deste trabalho,
que apresenta a ética como o estudo (investigação e sistematização) da moral (prática).
que lança mão de procedimentos próprios das ciências sociais, da análise decisória, da
epidemiologia e da avaliação de serviços de saúde, recolhe e analisa dados a fim de
descrever e estudar como se tomam as decisões, que valores lhes estão subjacentes,
como se cumprem na prática as normas ou as directrizes éticas. Constitui-se, assim, uma
abordagem de natureza descritiva e que se move, preferencialmente, a um nível mais
concreto (Sánchez-González, 1998, 2005).
de ética médica percebem que eles são de grande valor prático e recomendam que o seu
conteúdo seja expandido. Apresentam também dados sobre a frequência relativa das
questões éticas específicas encontradas na prática e sobre a influência relativa de
valores pessoais, educação médica, prática médica, ética e cursos sobre abordagens
para as questões éticas.
Patricia Prescott e Sally Bowen (1985) referem que o desacordo entre médicos e
enfermeiros em relação aos pacientes nem sempre é um factor negativo e que, muitas
vezes, serve para proteger os pacientes. Porém, se não for adequadamente resolvido
pode afectar adversamente os pacientes. O seu estudo questionou mais de 1000
enfermeiros e cerca de 700 médicos, de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas
dos Estados Unidos da América (EUA), sobre a natureza da sua relação, as áreas de
desacordo relacionadas com os cuidados aos pacientes, e como foram essas
divergências resolvidas. 70% dos médicos e 69% dos enfermeiros descrevem os
relacionamentos como positivos. Os desentendimentos foram categorizados em quatro
áreas, sendo o maior número relativo ao plano geral de cuidados ao paciente. A
resolução dessas divergências foi descrita por 65% dos médicos e 53% dos enfermeiros
como competição natural.
Helen Robillard e colaboradores (1989) referem que embora a maior parte dos
cuidados de saúde seja fornecida a nível dos cuidados de saúde primários, pouca
investigação tem sido feita para documentar as questões éticas a esse nível de cuidados.
O seu estudo, realizado no Kentuchy, nos EUA, foi efectuado com uma amostra aleatória
estratificada, de 702 médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos, que foi
questionada sobre a frequência de problemas éticos nos cuidados de saúde primários. O
problema ético mais frequente incidiu sobre a quantidade de tempo a gastar com cada
paciente. A comparação dos médicos com os restantes profissionais de saúde revelou
diferenças significativas nas frequências das várias questões. A idade teve um ligeiro
impacto nas respostas, enquanto o género, a religião e a região de prática não teve
impacto. O estudo mostrou que as mais frequentes são as questões pragmáticas,
relativas à auto-determinação dos pacientes, à adequação dos cuidados, à
responsabilidade profissional e à distribuição de recursos.
Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996) relatam um estudo realizado em Israel, com o
objectivo de avaliar em que medida os enfermeiros encontram e identificam dilemas
geradores de situações de conflito ético em função da publicação e divulgação do código
de ética dos enfermeiros israelitas em 1994. Os seus resultados foram utilizados como
base para um programa que visou a promoção da tomada de decisão e competências
para enfrentar dilemas éticos por parte dos enfermeiros. Numa época de grandes
avanços na medicina, o papel do profissional de enfermagem como protector dos direitos
dos pacientes pode trazer conflitos com os médicos, com as instituições públicas, ou com
as famílias dos pacientes. Os enfermeiros em Israel confrontam-se no decurso do seu
trabalho com dilemas e conflitos éticos e morais, pelo que o estudo, de âmbito nacional,
foi realizado com o objectivo de os identificar e descrever. Um terço dos dilemas
enumerados foram referidos por mais de 50% dos enfermeiros participantes. O principal
determinante influenciador de como os dilemas são percebidos pelos enfermeiros foi o
seu local de trabalho, nomeadamente o hospital versus a comunidade. Demonstrou-se
INTRODUÇÃO 157
que os enfermeiros procuram apoio principalmente entre os seus pares, que estão pouco
familiarizados com o código israelita, e que considera as suas próprias famílias como o
factor predominante na definição das suas atitudes éticas.
Allyson Lipp (1998) refere que uma teoria definitiva para a tomada de decisões
éticas em enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A literatura confirma que tem
havido inúmeros estudos sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer
propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado, ou por uma combinação de ambas.
Na ausência de uma teoria definitiva, o presente trabalho exploratório procura, através da
“grounded theory”, lançar alguma luz sobre os métodos utilizados diariamente pelos
enfermeiros para tomarem decisões éticas na área clínica. Os dados mostram que alguns
factores, tais como os médicos, os colegas e a organização, influenciam profundamente a
tomada de decisões éticas. Os informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça para
a formulação de decisões, o que é conhecido como a abordagem combinada.
Arie van der Arend e Corine Remmers-van der Hurk (1999) no seu artigo relatam
um estudo empírico, exploratório, realizado, na década de 90, com a finalidade de
efectuar um levantamento dos problemas morais que os enfermeiros holandeses
experienciam durante a sua prática quotidiana. No estudo, figuram como problemas mais
frequentes nos cuidados primários: a demora na transferência do paciente para outros
serviços (93,3%); o conhecimento insuficiente dos enfermeiros (50%); a agressão verbal
ao paciente (48,9%); o persuadir o paciente a cooperar (48,9%); o desacordo com acções
prescritas (45,9%); o desacordo com as escolhas dos pacientes (40,7%); o manter-se em
silêncio sobre erros cometidos (37,8%).
Paulo, Brasil, com o objectivo de identificar os problemas éticos vivenciados por esses
profissionais. Foi-lhes solicitado que listassem problemas éticos a partir da narrativa de
um caso vivido. Os resultados apontam para problemas éticos na relação com os
pacientes e as famílias, na relação da equipa de saúde e nas relações com a
organização e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que permeiam circunstâncias
comuns da prática diária dos cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que
requerem soluções imediatas, e que habitualmente são mais explorados na literatura
bioética. Esta peculiaridade dos problemas éticos vividos nos cuidados de saúde
primários pode levar à dificuldade em identificá-los como tal.
Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias
Relações, Dificuldade em estabelecer os limites da relação profissional–paciente.
propriamente ditas, Limites da interferência do profissional de saúde no estilo de vida dos
dos profissionais de pacientes ou famílias.
saúde com os Ideias pré-concebidas sobre os pacientes.
pacientes e suas Falta de respeito do profissional para com o paciente.
famílias Atitude do profissional frente aos seus valores religiosos e aos dos
pacientes.
Plano terapêutico Indicações clínicas imprecisas.
Prescrição de medicamentos que o paciente não pode comprar.
Prescrição de medicamentos caros com eficácia igual a outros mais
baratos.
Solicitação de procedimentos pelo paciente.
Solicitação de procedimentos por menores de idade sem autorização ou
conhecimento dos pais.
Informação Recusa do paciente às indicações médicas.
Como informar o paciente para conseguir a sua adesão ao tratamento.
Omissão de informações ao paciente.
Acesso dos profissionais de saúde a informações relativas à intimidade
da vida familiar e conjugal do paciente.
Privacidade e Discussão inter-pares de detalhes da situação clínica do paciente na sua
confidencialidade frente.
Dificuldade em manter a privacidade nos cuidados domiciliários.
Dificuldade em o profissional de saúde preservar o segredo profissional.
Partilha de informações sobre um dos membros da família com os
demais membros dessa família.
Não solicitação de consentimento do paciente ou da sua família para
relatar o seu caso em sessão clínica ou publicação científica.
Adaptado de Zoboli (2004)
2. OBJECTIVOS
Q2 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações com os
Q3 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações inter-
Com o presente estudo procura-se dar resposta aos seguintes objectivos gerais:
2.4. HIPÓTESES
H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela sub-
região em que trabalham (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).
H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área
geográfica em que trabalham (urbana, rural, semi-rural/urbano).
MÉTODOS 169
3. MÉTODOS
Os métodos de investigação constituem uma das partes nobres de qualquer estudo. São
estes que permitem, ou não, responder às questões de investigação, que permitem
recolher a informação necessária (quantitativa ou qualitativa), do modo apropriado e com
os procedimentos adequados (Ribeiro, 2007).
Foi neste sentido, que após a revisão bibliográfica considerada de interesse para o
assunto e apresentada no primeiro capítulo desta Parte, deu-se início ao presente
trabalho que se pode descrever como sendo um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo
descritivo, com componente analítica, situando-se no âmbito da ética descritiva, enquanto
investigação empírica, de tipo não normativo.
Neste capítulo vai-se começar por fazer uma breve revisão da estatística que se pretende
utilizar no estudo. Será abordada a metodologia quantitativa, referindo-se as populações,
a técnica de amostragem e as variáveis em estudo, após o que será apresentada a
metodologia qualitativa utilizada e, por fim, será indicado como se efectuou a recolha dos
dados para o estudo.
Para uma melhor compreensão dos passos metodológicos dados no decorrer do estudo
optou-se por fazer aqui uma breve apresentação da estatística utilizada.
Para se proceder à organização e análise dos dados optou-se pelo programa informático
de estatística “SPSS” (Statistical Package for the Social Sciences), na versão 15.0 para
Windows (2006), que foi também utilizado para o cálculo das várias medidas de
estatística descritiva e analítica.
170 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quando se constrói uma escala, como é o primeiro objectivo deste estudo, deve-se
procurar testar estatisticamente a sua validade e consistência.
O coeficiente Alpha de Cronbach (α) fornece a consistência interna de um teste. Uma boa
consistência interna resulta num alpha > 0,80. São no entanto aceitáveis valores acima
de 0,60. Estes valores justificam-se quando as escalas têm um baixo número de itens
(Ribeiro, 2007).
Quanto mais elevado for o valor do item com o valor final da escala, melhor ele discrimina
entre os que obtêm resultados elevados e os que têm pior resultado. Uma correlação
elevada indica ainda que o item mede o mesmo construto que o valor global do teste
(Ribeiro, 2007).
Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número de aleatorizados
Sub-Região de Saúde Nº CS Nº CS Aleatorizados % CS Aleatorizados
Aveiro 19 10 52,63%
Castelo Branco 11 6 54,54%
Coimbra 22 11 50,00%
Guarda 14 7 50,00%
Leiria 17 9 52,94%
Viseu 26 13 50,00%
Total 109 56 51,38%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005.
A aleatorização de Centros de Saúde acabou por determinar que mais de 50% dos CS
fossem escolhidos, para se garantir o sorteio de pelo menos metade dos CS de cada
Sub-Região de Saúde.
Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e
número pelos CS aleatorizados
Sub-Região de Saúde Nº Méd - CS Nº Méd - CS Aleator % Méd - CS Aleator
Aveiro 453 190 41,94%
Castelo Branco 151 105 69,54%
Coimbra 356 161 45,22%
Guarda 133 100 75,19%
Leiria 306 219 71,57%
Viseu 261 161 61,68%
Total 1660 936 56,38%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos
serviços das SRS.
Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número
pelos CS aleatorizados
Sub-Região de Saúde Nº Enf - CS Nº Enf - CS Aleator % Enf - CS Aleator
Aveiro 386 140 36,27%
Castelo Branco 184 99 53,80%
Coimbra 354 141 39,83%
Guarda 182 105 57,69%
Leiria 276 196 71,01%
Viseu 277 135 48,74%
Total 1659 816 49,19%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos
serviços das SRS.
3.3.2. VARIÁVEIS
Variável é uma palavra que deriva do latim variabilis, e que designa aquilo que pode
variar, é sujeito a variação ou mudanças, mutável, que pode assumir qualquer um dos
valores num conjunto de valores (Houaiss, 2002), que se distribui por diferentes níveis ou
que é de diferentes tipos e é oposto a uma constante (Ribeiro, 2007).
“Atitudes éticas dos profissionais de saúde, nas relações com os pacientes e suas
famílias, nas relações inter-profissionais e inter-pares e na gestão/organização do
centro de saúde/sistema de saúde”.
Construção da escala
A construção da escala foi precedida por uma revisão da literatura sobre o tema,
procurando-se uma análise conceptual, descrita no primeiro capítulo desta Parte. Dessa
análise, parece pertinente a proposta de Zoboli e Fortes (2004) que baseados nas suas
investigações, realizadas com médicos e enfermeiros do Programa de Saúde da Família
em São Paulo (Brasil), identificaram três dimensões de problemas éticos nos cuidados de
saúde primários – uma relativa às relações dos profissionais de saúde com os pacientes
e suas famílias, outra relativa às relações inter-profissionais e inter-pares e uma terceira
relativa aos problemas éticos na gestão/organização da saúde. Esta proposta é reforçada
por outros estudos efectuados em contexto de cuidados de saúde primários e descritos
no anexo 8.
Descrição da escala
Assim, foi elaborada uma escala com 35 itens, baseados na bibliografia consultada,
organizada conforme se pode ver no quadro VII.
“Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (X) o grau de
concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante
cada uma.”
— Totalmente em desacordo;
176 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
— Em desacordo;
— De acordo;
— Totalmente de acordo.
Pré-Teste
Fiabilidade
Após este primeiro pré-teste avaliou-se a fiabilidade da escala através do teste Alpha de
Cronbach (quadro VIII) utilizando o programa de estatística SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences), versão 15.0 para Windows (2006). Para a análise da
homogeneidade dos itens e da consistência interna da escala foram calculadas as
correlações de cada item com o total da escala (excluindo o respectivo item) e a sua
influência sob a coeficiente Alpha (α) de Cronbach, que estima o valor médio de todos os
coeficientes possíveis, utilizando este como indicador de fiabilidade interna do
instrumento de medida.
178 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Verificou-se para esta escala, no seu global (35 itens), um alpha de 0,721, e para as três
sub-escalas valores de Alpha de Cronbach inferiores: dimensão A – “Problemas éticos
nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias” (17 itens) um
alpha de 0,570; dimensão B – “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-
pares” (8 itens) um alpha de 0,612; e dimensão C – “Problemas éticos na
gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde” (10 itens) um alpha de 0,697.
Pode-se concluir que esta escala tinha um valor de Alpha de Cronbach razoável (0,721)
mas a sub-escala da dimensão A tinha um valor inaceitável (0,570) e os valores das sub-
escalas das dimensões B e C também eram fracos (Hill, 2000).
Elaborou-se então uma nova redacção para a escala, mantendo os 35 itens, que foram
organizados como se pode ver no quadro IX.
Agora, os 35 itens foram todos formulados com sentido positivo, isto apesar de ser
desejável que metade das afirmações fossem de natureza positiva e a outra metade de
natureza negativa (Hill, 2000), porque um dos aspectos mais criticado pelos inquiridos no
pré-teste foi a formulação negativa de algumas das afirmações. Foi mantido o esquema
de resposta através de uma escala de Likert, de 1 a 5 pontos, para cada item.
Estudo Piloto
Apesar de, nesta sua segunda versão, a escala global apresentar um bom valor de Alpha
de Cronbach, assim como as sub-escalas das dimensões B e C, o valor da sub-escala da
dimensão A é ainda inaceitável. Pela análise do quadro X verifica-se que os itens P5
(“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) e P10
(“Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o
seu estado de saúde quando relevante”) apresentam valores negativos na correlação
com o total, pelo que se resolveu eliminar esses itens e re-testar o Alpha de Cronbach,
que foi agora de 0,823 para a escala no seu global (com 33 itens) e um alpha de 0,622
para a dimensão A (com 15 itens), o que já é aceitável (Hill, 2000).
Apesar de os itens P2 (“Discuto com o meu paciente a sua situação clínica”), P12
(“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em
evento ou publicação científica”), P15 (“Não omito informação relevante ao meu
paciente”) e P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa para
o relato de casos em evento ou publicação científica”) apresentarem correlações muito
próximas de zero, optou-se por os deixar para não reduzir demasiado os itens em
algumas das dimensões.
182 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Validade
Para comprovação empírica da organização dos itens que se tinha feito de forma
racional, procedeu-se à sua validação factorial. Esta técnica analisa, no essencial, as
correlações entre diversas variáveis para encontrar um conjunto de “factores” que,
teoricamente, representam o que têm em comum as variáveis analisadas (Hill, 2000).
MÉTODOS 183
Utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para Windows (2006) fez-se a análise
factorial com rotação ortogonal de tipo varimax, forçando 3 factores (quadros XI e XII).
Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final (33 itens)
Cargas Factoriais
Itens
Factor 1 Factor 2 Factor 3
P1 ,338 ,147
P2 ,737 ,113
P3 ,381 ,199
P4 ,687 ,123
P6 ,389 ,075
P7 ,623 ,176
P8 ,268
P9 ,268 ,102
P11* ,146 ,503
P12 ,370 ,161
P13* ,145 ,647 ,106
P14* ,146 ,640 ,113
P15 ,526
P16 ,534 ,263
P17 ,542
P18* ,148 ,445 ,481
P19 ,563 ,438
P20 ,246 ,688 ,195
P21 ,517 ,219
P22 ,531 ,388
P23* ,211 ,209 ,155
P24 ,154 ,621 ,325
P25* ,353 ,654
P26* ,085 ,506 ,346
P27 ,082 ,117 ,515
P28 ,219 ,784
P29 ,128 ,825
P30 ,151 ,236 ,415
P31 ,065 ,549
P32 ,156 ,405
P33* ,232 ,443 ,222
P34 ,108 ,444
P35 ,136 ,431
Foram retirados do quadro os valores inferiores a ,050
O resultado obtido não foi animador, tendo a rotação convergido em 5 iterações e 8 itens
(*) convergido em factor diferente daquele criado racionalmente. No entanto, pareceu não
ser pertinente subdividir mais a escala, optando-se assim por manter a anterior divisão
racional dos itens.
184 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Os valores obtidos pelo teste Alpha de Cronbach são, por si só, indicadores abonatórios
para a escala como instrumento de medida fiável.
Como argumentos favoráveis para a validade da escala, ou seja, que ela poderá medir
aquilo que pretende medir, refere-se a distribuição dos itens abarcando as temáticas
identificadas pelos autores consultados.
Idade
Sexo
Profissão
MÉTODOS 185
Sub-Região
Área de trabalho
Para esta segunda fase da investigação optou-se por descrever três casos problema
retirados da bibliografia e procurou-se reflectir um problema de relacionamento entre
profissionais de saúde/paciente, um relacionamento inter-profissionais e problemas de
gestão/organização do sistema de saúde, e ainda solicitar uma resposta escrita a três
questões (“que problemas éticos lista nesta situação”; “o que recomendaria aos
profissionais envolvidos neste caso”; “e por quê”), pedindo-se que o inquirido
186 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
descrevesse a sua atitude perante cada caso. Estas respostas foram objecto de análise
categorial ou temática, que é uma das técnicas da análise de conteúdo, proposta por
Laurence Bardin (2004).
Fazer uma análise temática requer descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a
comunicação e cuja frequência, numa abordagem mais quantitativa, ou presença e
ausência pode ter um significado para o objectivo analítico escolhido. O tema, como
MÉTODOS 187
Cada resposta, escrita pelo profissional inquirido, foi lida para identificação dos
problemas apontados e das soluções propostas. O conjunto dos problemas e soluções
listadas passou a configurar numa grelha de categorias fundamentada sobre os
conteúdos (anexo 9). Não se tem em conta a dinâmica e a organização, mas a frequência
dos temas extraídos do conjunto das respostas, considerados como dados segmentáveis
e comparáveis (Bardin, 2004)
A opção por esta técnica foi motivada pelo facto dos olhares seleccionados para a análise
teórica dos dados serem as categorias que eram pertinentes para os objectivos do
estudo. Assim, as respostas foram pesquisadas na busca de elementos componentes
destes distintos olhares descritos na síntese das correntes éticas, que se considerou
serem importantes para os cuidados de saúde primários, efectuada na primeira parte
desta tese.
As respostas escritas foram lidas com base nessa grelha a fim de se identificar a sua
presença. Isto porque, segundo Laurence Bardin (2004), uma das características da
análise qualitativa é o facto da inferência, que é sempre realizada, fundar-se na presença
do “índice” (tópicos ou ideias) em cada resposta individual (quadro XIV). Assim, a simples
presença do “índice” na resposta permitiu inferir que o inquirido estava a considerar o
olhar em questão para resolver o caso problema proposto.
MÉTODOS 189
Todas as respostas passaram por uma leitura com o objectivo de identificar como os
inquiridos elaboravam o problema em análise nos cenários propostos. Isto porque,
segundo Carol Gilligan (1993), as diferentes imagens dos relacionamentos redundam em
190 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quanto a este ponto, é importante referir que também Beauchamp e Childress (2001)
apontam para a possibilidade de haver várias formulações dos problemas éticos, ao
distinguirem as diversas formas de cada teoria moral, que exploram na sua obra,
explicarem e abordarem um mesmo caso clínico apresentado.
MÉTODOS 191
Todas as ciências naturais, bem como todas as ciências sociais, têm por base
investigações empíricas, em que se fazem observações para compreender melhor o
fenómeno a estudar, e podem ser utilizadas para construir explicações ou teorias mais
adequadas (Hill, 2000).
O questionário utilizado neste estudo (anexo 2) pode ser dividido em três partes. A
primeira incluiu seis questões, (A a F), sobre os aspectos sócio-profissionais de
caracterização do inquirido: a idade, o sexo, a profissão, o número de anos de profissão,
192 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
I) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam
as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de
tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa
onde ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que
passa sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003).
II) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida
afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam
algumas queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos
bruscos. Notava-se-lhe grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se
um hálito alcoólico quando alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem
para a confrontar directamente. Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por
escrito, queixando-se do seu atendimento e acusando a equipa de saúde de
cumplicidade neste estado de coisas. (Loff, 2004).
III) F., de 46 anos de idade, foi à consulta aberta/complementar do centro de saúde, por
não ter médico de família, tal como mais de 3.000 pessoas na área, por insuficiência de
médicos no centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-
lhe um exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km
de distância. Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o
radiologista dizia não poder concluir sem uma ecografia. Nova requisição e novo exame
na cidade. Dois meses depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no centro de
saúde, é necessário a sua referenciação ao hospital por lesão mamária suspeita pelo que
lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis
MÉTODOS 193
meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames analíticos
pedidos pelo centro de saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas,
novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-
biopsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para
a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde
trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e passado um
mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com metástases
ganglionares. (Serrão, 2002).
Estudo Piloto
Como já foi referido aquando da descrição da escala, o questionário com a versão inicial
da escala foi aplicado a um grupo de 23 médicos de família e 6 enfermeiros que
trabalhavam em centros de saúde fora da área geográfica de intervenção da
Administração Regional de Saúde do Centro, de forma a realizar um estudo piloto, em
Março de 2007. Também foi pedido a esses 29 profissionais de saúde inquiridos que
anotassem comentários às afirmações efectuadas. Assim, da análise dos comentários
que alguns dos inquiridos deixaram expressos, e dos valores dos itens da escala e da
sua correlação com o total da mesma, como já foi descrito, concluiu-se pela necessidade
de alterar a formulação das afirmações da maioria dos itens P1 a P35. Elaborou-se então
uma nova redacção para a escala. Este novo questionário, com a nova versão da escala,
começou a ser aplicado à nossa amostra de profissionais de saúde que trabalhavam em
centros de saúde da Administração Regional de Saúde do Centro, e após dois meses,
Maio e Junho de 2007, e com 75 respostas recebidas, 44 médicos de família e 31
enfermeiros, testou-se a escala na sua nova redacção, realizando assim um estudo
piloto. Como os valores obtidos pelo Alpha de Cronbach foram por si só, indicadores
194 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Foram contactados, pessoalmente ou pelo correio (anexo 5), os directores dos centros de
saúde (CS) aleatorizados pedindo-lhes colaboração na distribuição dos questionários
junto de todos os médicos de família e dos enfermeiros em serviço no seu CS e na
recolha e devolução dos questionários respondidos ao investigador.
2
Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]
MÉTODOS 195
4. RESULTADOS
A média de idades é de 46,2 anos e a mediana situa-se nos 48 anos. O desvio padrão é
de 8,94 anos. O indivíduo mais novo tinha 23 anos e o mais idoso 61 anos.
Por sexos, a média de idades para o sexo feminino é de 44,8 anos e a mediana situa-se
nos 44 anos. O desvio padrão é de 9,07 anos. A mulher mais nova tinha 23 anos e a
mais idosa 61 anos. A média de idades para o sexo masculino é de 50,1 anos e a
mediana situa-se nos 51 anos. O desvio padrão é de 7,29 anos. O homem mais novo
tinha 23 anos e o mais idoso 58 anos.
Quando agrupados por grupos etários, verifica-se que predominam os grupos etários 50-
59 anos (43,8%) e 40-49 anos (28,6%). Os grupos menos numerosos são o dos 20-29
anos (3,2%) e dos 60-69 anos (2,2%).
Profissionalmente, verifica-se que a amostra é constituída por 180 médicos (48,6%) e por
190 enfermeiros (51,4%).
198 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as características sócio-
profissionais
Variáveis Nº %
Sexo
Feminino 272 73,5
Masculino 98 26,5
Idade
20 – 29 anos 12 3,2
30 – 39 anos 82 22,2
40 – 49 anos 106 28,6
50 – 59 anos 162 43,8
60 – 69 anos 8 2,2
Profissão
Médico 180 48,6
Enfermeiro 190 51,4
Nº de anos de Profissão
< 5 anos 12 3,2
5 – 14 anos 68 18,4
15 – 24 anos 108 29,2
25 – 34 anos 164 44,3
> 34 anos 18 4,9
Sub-Região
Aveiro 62 16,8
Castelo Branco 102 27,6
Coimbra 96 25,9
Guarda 40 10,8
Leiria 40 10,8
Viseu 30 8,1
Área de Trabalho
Urbana 180 48,6
Rural 62 16,8
Semi-rural/urbana 128 34,6
Por profissões, a média de idades para os médicos é de 51,1 anos e a mediana situa-se
nos 52 anos. O desvio padrão é de 6,46 anos. O indivíduo mais novo tinha 30 anos e o
mais idoso 61 anos. A média de idades para os enfermeiros é de 41,5 anos e a mediana
situa-se nos 41 anos. O desvio padrão é de 8,43 anos. O indivíduo mais novo tinha 23
anos e o mais idoso 61 anos.
RESULTADOS 199
Q1 – Existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes éticas dos
profissionais de saúde?
Apesar de se ter uma amostra suficientemente grande para utilizar os testes paramétricos
seleccionados, avaliou-se a normalidade da escala e as suas dimensões, recorrendo ao
teste de Kolmogorov-Smirnov. Os resultados demonstraram que a distribuição dos
valores é gaussiana para as dimensões e para o global da escala. (quadro XVIII)
De acordo com os dados obtidos, pode-se constatar que os inquiridos apresentam uma
atitude de concordância em relação aos problemas éticos, apresentando uma média de
resposta aos itens propostos, na escala global, de 3,56, com um mínimo de 2,31 e um
máximo de 4,51 (quadro XIX). Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e
cinco, representando o valor “um” a discordância completa e o valor “cinco” a
concordância completa (em relação ao item).
Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde face aos
problemas éticos
Dimensão A Dimensão B Dimensão C Global
Nº de itens 15 8 10 33
Média 3,99 3,54 3,14 3,56
Mediana 3,93 3,63 3,10 3,56
Desvio Padrão 0,36 0,70 0,64 0,46
Variância 0,13 0,49 0,41 0,21
Mínimo 3,07 1,25 1,50 2,31
Máximo 4,80 5,0 4,80 4,51
Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas
famílias”
Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”
Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”
202 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Fazendo uma análise item a item (quadro XX) verifica-se as diferenças atrás referidas de
uma forma mais minuciosa.
Enquanto que as médias dos itens da dimensão A são em 80% superiores a 3,5 (12 em
15 itens) e na dimensão B são em 75% (6 em 8 itens), na dimensão C são só em 20% (2
em 10 itens). De referir ainda que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média
inferior a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens, no item P30 (“Não existe
excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde neste centro de
saúde”), no P34 (“A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de
referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às
solicitações deste centro de saúde”) e no P35 (“Existe informação de retorno pertinente
sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde pelos serviços de
referenciação (cuidados de saúde secundários)”). Na dimensão A, o item P1 (“Procuro a
melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente”) é o mais bem pontuado com 4,64
e um dos que apresenta menor dispersão das respostas (desvio-padrão de 0,610). Na
dimensão B é o item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo
profissional por parte dos profissionais de saúde”) o mais bem pontuado com 3,85 e na
dimensão C é o item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que garante o
acesso de todos os utentes aos seus serviços”) com 3,84.
RESULTADOS 203
Dimensões
Pela análise do quadro XXI, pode-se observar que as médias relativas aos médicos são
superiores às dos enfermeiros. No entanto, estas diferenças não são estatisticamente
significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação ao global e a cada uma
das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese nula. Isto é, as diferenças
encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais de saúde entre as duas
profissões (médico ou enfermeiro) não são estatisticamente significativas.
H2 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo
(masculino ou feminino).
Para conhecer a possível influência do sexo sobre a atitude dos profissionais de saúde
perante os problemas éticos, efectuou-se um teste t de Student para diferenças de
médias de grupos independentes, cujos resultados se apresentam no quadro XXII.
RESULTADOS 205
Dimensões
Pela análise do quadro XXII, pode-se observar que as médias relativas aos indivíduos do
género masculino são superiores às do género feminino. No entanto, estas diferenças
não são estatisticamente significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação
ao global e a cada uma das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese
nula. Isto é, as diferenças encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais
de saúde entre os dois géneros (masculino ou feminino) não são estatisticamente
significativas.
Para conhecer a possível influência da idade sobre a atitude dos profissionais de saúde
perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de
ANOVA. Pela análise do quadro XXIII, pode-se observar que as médias da escala
crescem à medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o
global e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do
grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal
crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na
dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas são aí
estatisticamente significativas (p<0,05).
206 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Dimensões
A 3,84 0,21 4,03 0,37 3,94 0,35 3,99 0,36 4,10 0,60 1,473 0,210
B 3,89 0,42 3,47 0,77 3,48 0,59 3,58 0,71 3,43 1,00 1,357 0,249
C 3,26 0,53 2,84 0,52 3,21 0,70 3,20 0,63 3,60 0,21 6,537 0,000*
Global 3,66 0,32 3,45 0,43 3,54 0,46 3,59 0,46 3,71 0,60 1,771 0,134
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre o grupo etário dos 30-39 anos e o grupo etário dos 50-59 anos. O mesmo
acontecendo para a dimensão B, em que o grupo etário dos 30-39 anos tem diferenças
significativas (p<0,05) com o grupo etário dos 20-29 anos. Para a dimensão C, existem
diferenças significativas entre o grupo dos 30-39 anos e todos os outros grupos etários.
Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo etário dos 30-39 anos. Para
a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre grupos etários.
Verifica-se portanto, que à medida que aumenta o grupo etário, a partir dos 30-39 anos,
tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde, nomeadamente para
o global da escala e para a dimensão C. Sendo também mais firmes as atitudes éticas
dos profissionais de saúde do grupo etário dos 20-29 anos, excepto para a dimensão A.
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
Para conhecer a possível influência do número de anos de profissão sobre a atitude dos
profissionais de saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância
pelo teste f de ANOVA. Pela análise do quadro XXIV, pode-se observar que as médias
da escala crescem à medida que aumenta o número de anos de profissão, a partir do
grupo dos 5-14 anos de profissão, para o global e para todas as dimensões. No entanto,
o grupo de < 5 anos de profissão tem médias da escala superiores às do grupo dos 5-14
anos. Tal crescimento é um factor marcante para a atitude, principalmente para a escala
RESULTADOS 207
Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de profissão
Grupo < 5 anos 5 – 14 anos 15 – 24 anos 25 – 34 anos > 34 anos ANOVA
(n=12) (n=68) (n=108) (n=164) (n=18)
Atitude Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. f p
Dimensões
A 3,96 0,31 3,93 0,26 3,98 0,42 4,01 0,33 3,99 0,55 0,678 0,608
B 3,97 0,40 3,37 0,81 3,54 0,58 3,54 0,70 3,75 0,76 2,640 0,034*
C 3,21 0,47 2,84 0,57 3,18 0,67 3,18 0,63 3,46 0,48 5,384 0,000*
Global 3,72 0,35 3,38 0,44 3,57 0,43 3,58 0,46 3,73 0,46 3,782 0,005*
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre o grupo dos 5-14 anos de profissão e todos os outros grupos. O mesmo
acontecendo para a dimensão C, em que o grupo dos 5-14 anos tem diferenças
significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos <5 anos
de profissão. Para a dimensão B, é o grupo dos <5 anos que tem diferenças significativas
(p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos >34 anos de
profissão. Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo dos 5-14 anos de
profissão. Para a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos.
H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela sub-
região a que pertencem (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a que pertencem
Sub- Aveiro Cast.Branco Coimbra Guarda Leiria Viseu ANOVA
Região (n=62) (n=102) (n=96) (n=40) (n=40) (n=30)
Atitude Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. f p
Dimensões
A 4,03 0,33 3,88 0,40 4,01 0,27 3,98 0,44 3,92 0,31 4,29 0,29 6,975 0,000*
B 3,69 0,72 3,43 0,73 3,49 0,57 3,33 0,65 3,47 0,66 4,07 0,67 5,813 0,000*
C 3,42 0,61 2,98 0,60 3,14 0,66 3,13 0,53 2,80 0,52 3,52 0,61 8,755 0,000*
Global 3,71 0,44 3,43 0,48 3,54 0,40 3,48 0,43 3,40 0,40 3,96 0,35 9,841 0,000*
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo
acontecendo entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões.
Acontece ainda o mesmo para a dimensão C, em que as sub-regiões de saúde de Viseu
e Aveiro tem diferenças significativas (p<0,05) de todas as outras sub-regiões excepto
entre si. Para esta dimensão verifica-se também diferenças significativas (p<0,05) entre a
sub-região de saúde de Coimbra e a de Leiria e entre a sub-região de saúde da Guarda e
a de Leiria. Para a dimensão B, volta a verificar-se diferenças significativas (p<0,05) entre
a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo acontece entre
a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões. Para a dimensão A só
existem diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde
de Viseu e todas as outras sub-regiões e entre a sub-região de saúde de Coimbra e a de
Castelo Branco.
RESULTADOS 209
H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área
geográfica (urbana, rural, semi-rural/urbana) em que trabalham.
Para conhecer a possível influência da área laboral sobre a atitude dos profissionais de
saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de
ANOVA. Pela análise do quadro XXVI, pode-se observar que só existem diferenças
estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área laboral a que
pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala global e para as
outras duas dimensões estudadas não existem diferenças estatisticamente significativas
entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas dos profissionais de saúde são
mais firmes para a dimensão A nos que trabalham em área urbana.
Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área geográfica em que trabalham
Área Urbano Rural Semi-rural/urbano ANOVA
(n=180) (n=62) (n=128)
Atitude Média D.P. Média D.P. Média D.P. f p
Dimensões
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a dimensão A, entre
a área urbana e todas as outras áreas. O mesmo acontece para a dimensão C entre
todas as outras áreas e a área rural.
210 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Dos 370 questionários recebidos verificou-se que em 107 os inquiridos tinham respondido
a todas ou a algumas das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da
análise qualitativa que já foi descrita no ponto 3.4.
Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com características
sócio-profissionais
Variáveis Nº %
Sexo
Feminino 78 72,9
Masculino 29 27,1
Idade
20 – 29 anos 3 2,8
30 – 39 anos 24 22,4
40 – 49 anos 26 24,3
50 – 59 anos 52 48,6
60 – 69 anos 2 1,9
Profissão
Médico 56 52,3
Enfermeiro 51 47,7
Sub-Região
Aveiro 23 21,5
Castelo Branco 23 21,5
Coimbra 34 31,8
Guarda 8 7,5
Leiria 14 13,1
Viseu 5 4,7
Área de Trabalho
Urbana 55 51,4
Rural 16 15,0
Semi-rural/urbana 36 33,6
RESULTADOS 211
As respostas escritas nos questionários foram copiadas para ficheiros Word. Depois
foram lidas as respostas dadas para cada uma das três perguntas de cada um dos casos
e perante a presença dos índices, referidos no quadro XIV do sub-capítulo 3.4, foram
agrupadas em cinco categorias “ética principialista”, “ética das virtudes”, “ética do
cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” e escritas numa folha Excel (anexo 8).
Numa segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos
foram lidas e reagrupadas numa das cinco categorias em análise, se da maioria das 3
respostas dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias; ou então era agrupada
na categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo
nenhuma. Na análise descritiva, utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para
Windows (2006), aparece a categoria “sem resposta”, que se refere à não existência de
resposta ao caso (quadro XXVIII).
Da análise do quadro XXVIII verifica-se que para o caso I, que reflecte um problema de
relacionamento profissionais de saúde/paciente, 40,2% das respostas foram
consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na categoria “ética do cuidado”,
11,2% na categoria “ética das virtudes” e 10,3% foram respostas “mista” em que
nenhuma das categorias consideradas prevaleceu nas 3 questões.
Por fim para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de
saúde, verifica-se que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética
principialista”, 28% na categoria “ética profissional”, 14% na categoria “ética casuística” e
212 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
7,5% foram respostas “mista” em que nenhuma das categorias consideradas prevaleceu
nas 3 questões.
No quadro XXIX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo o género dos respondentes.
Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o género
Caso I Caso II Caso III
Masc Fem Masc Fem Masc Fem
n % n % n % n % n % n %
Ét.principialist 11 37,9 32 41,0 1 3,4 9 11,5 6 20,7 28 35,9
Ét.virtudes 4 13,8 8 10,3 1 3,4 2 2,6 3 10,3 3 3,8
Ét.cuidado 5 17,2 20 25,6 4 13,8 16 20,5 0 0,0 3 3,8
Ét.casuística 1 3,4 6 7,7 0 0,0 1 1,3 5 17,2 10 12,8
Ét.profissional 5 17,2 2 2,6 14 48,3 34 43,6 11 37,9 19 24,4
Mista 2 6,9 9 11,5 7 24,1 8 10,3 2 6,9 6 7,7
Sem resposta 1 3,4 1 1,3 2 6,9 8 10,3 2 6,9 9 11,5
Total 29 100 78 100 29 100 78 100 29 100 78 100
Verifica-se que, para o caso I que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento
entre os profissionais de saúde e um paciente, 37,9% das respostas dos homens e 41%
das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a
categoria “ética do cuidado” foram consideradas 25,6% das respostas das mulheres e
17,2% das respostas dos homens; é ainda de referir que 17,2% das respostas dos
homens foram consideradas na categoria “ética profissional” e só 2,6% das respostas das
mulheres o foram.
Para o caso II que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento inter-
profissionais, verifica-se que 48,3% das respostas dos homens e 43,6% das respostas
das mulheres foram consideradas na categoria “ética profissional”; 20,5% das respostas
das mulheres e 13,8% das respostas dos homens foram consideradas na categoria “ética
do cuidado”; e 11,5% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética
principialista” e só 3,4% das respostas dos homens o foram.
RESULTADOS 213
Por fim, para o caso III que, como foi dito, reflecte um problema de gestão/organização
do sistema de saúde, verifica-se que 37,9% das respostas dos homens foram
consideradas na categoria “ética profissional” e 35,9% das respostas das mulheres foram
consideradas na categoria “ética principialista”; 17,2% das respostas dos homens e
12,8% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética casuística”.
No quadro XXX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo a profissão dos respondentes.
Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a profissão
Caso I Caso II Caso III
Méd Enf Méd Enf Méd Enf
n % n % n % n % n % n %
Ét.principialist 22 39,3 21 41,2 3 5,4 7 13,7 10 17,9 24 47,1
Ét.virtudes 7 12,5 5 9,8 1 1,8 2 3,9 3 5,4 3 5,9
Ét.cuidado 12 21,4 13 25,5 11 19,6 9 17,6 1 1,8 2 3,9
Ét.casuística 4 7,1 3 5,9 1 1,8 0 0,0 11 19,6 4 7,8
Ét.profissional 5 8,9 2 3,9 25 44,6 23 45,1 20 35,7 10 19,6
Mista 5 8,9 6 11,8 11 19,6 4 7,8 5 8,9 3 5,9
Sem resposta 1 1,8 1 2,0 4 7,1 6 11,8 6 10,7 5 9,8
Total 56 100 51 100 56 100 51 100 56 100 51 100
Verifica-se que para o caso I, 39,3% das respostas dos médicos e 41,2% das respostas
dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a categoria
“ética do cuidado” foram consideradas 25,5% das respostas dos enfermeiros e 21,4% das
respostas dos médicos; é ainda de referir que 12,5% das respostas dos médicos e 9,8%
das respostas dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética das virtudes”.
Para o caso II, verifica-se que 44,6% das respostas dos médicos e 45,1% das respostas
dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética profissional”; 19,6% das
respostas dos médicos e 17,6% das respostas dos enfermeiros foram consideradas na
categoria “ética do cuidado”; e 13,7% das respostas dos enfermeiros foram consideradas
na categoria “ética principialista” e só 5,4% das respostas dos médicos o foram.
214 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Por fim, para o caso III, verifica-se que 35,7% das respostas dos médicos foram
consideradas na categoria “ética profissional” e 47,1% das respostas dos enfermeiros
foram consideradas na categoria “ética principialista”; 19,6% das respostas dos médicos
foram consideradas na categoria “ética casuística” e só 7,8% das respostas dos
enfermeiros o foram.
No quadro XXXI são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo a área de trabalho dos respondentes.
Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a área
Caso I Caso II Caso III
n % n % n % n % n % n % n % n % n %
É.prin 2 38, 3 18, 1 52, 3 5,5 2 12, 5 13, 1 30, 5 31, 1 33,
c 1 2 8 9 8 5 9 7 9 3 2 3
É.virt 4 7,3 5 31, 3 8,3 2 3,6 1 6,3 0 0,0 2 3,6 2 12, 2 5,6
3 5
É.cuid 1 25, 5 31, 6 16, 1 21, 1 6,3 7 19, 3 5,5 0 0,0 0 0,0
4 5 3 7 2 8 4
É.cas 4 7,3 0 0,0 3 8,3 1 1,8 0 0,0 0 0,0 5 9,1 3 18, 7 19,
8 4
É.prof 3 5,5 2 12, 2 5,6 2 45, 8 50, 1 41, 1 32, 4 25, 8 22,
6 5 5 5 0 5 7 8 7 0 2
Mista 8 14, 1 6,3 2 5,6 1 20, 1 6,3 3 8,3 7 12, 0 0,0 1 2,8
5 1 0 7
Sem 1 1,8 0 0,0 1 2,8 1 1,8 3 18, 6 16, 3 5,5 2 12, 6 16,
8 7 5 7
Total 5 100 1 100 3 100 5 100 1 100 3 100 5 100 1 100 3 100
5 6 6 5 6 6 5 6 6
Urb=Área urbana; Rural=Área rural; Semi=Área semi-rural/urbana
É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética
casuística; É.prof=Ética profissional
respostas dos profissionais que trabalham em área rural e 41,7% das respostas dos
profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria
“ética profissional”; 21,8% das respostas dos profissionais que trabalham em área urbana
e 19,4% das respostas dos profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram
consideradas na categoria “ética do cuidado” e só 6,3% das respostas dos profissionais
que trabalham em área rural o foram.
Por fim, para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de
saúde, verifica-se que 32,7% das respostas dos profissionais que trabalham em área
urbana foram consideradas na categoria “ética profissional” e 31,3% das respostas dos
profissionais que trabalham em área rural e 33,3% das respostas dos profissionais que
trabalham em área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria “ética
principialista”.
No quadro XXXII são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo o grupo etário dos respondentes. Por só haver 4 respostas no grupo etário dos
20 aos 29 anos foram juntas ao grupo dos 30 aos 39 anos, assim como só havia 2
respostas no grupo etário acima dos 59 anos foram juntas ao grupo dos 50 aos 59 anos,
tendo sido analisados 3 grupos etários.
216 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o grupo etário
Caso I Caso II Caso III
n % n % n % n % n % n % n % n % n %
É.princ 12 44,4 9 34,6 22 40,7 6 22,2 2 7,7 2 3,7 11 40,7 12 46,2 11 20,4
É.virt 2 7,4 5 19,2 5 9,3 0 0,0 2 7,7 1 1,9 4 14,8 1 3,8 1 1,9
É.cuid 6 22,2 7 26,9 12 22,2 4 14,8 5 19,2 11 20,4 1 3,7 0 0,0 2 3,7
É.cas 2 7,4 2 7,7 3 5,6 0 0,0 0 0,0 1 1,9 2 7,4 1 3,8 12 22,2
É.prof 1 3,7 1 3,8 5 9,3 10 37,0 12 46,2 26 48,1 5 18,5 6 23,1 16 35,2
Mista 3 11,1 2 7,7 6 11,1 4 14,8 2 7,7 9 16,7 1 3,7 4 15,4 3 5,6
Sem 1 3,7 0 0,0 1 1,9 3 11,1 3 11,5 4 7,4 3 11,1 2 7,7 6 11,1
Total 27 100 26 100 54 100 27 100 26 100 54 100 27 100 26 100 54 100
< 40=Idade inferior a 40 anos; 40-49=Idade compreendida entre os 40 e os 49 anos inclusive;
> 49=Idade superior a 49 anos
É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética
casuística; É.prof=Ética profissional
Verifica-se para o caso I, que foram consideradas na categoria “ética principialista” 44,4%
das respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 34,6% das respostas dos
profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 40,7% das respostas dos profissionais
com mais de 49 anos; na categoria “ética do cuidado” foram consideradas 22,2% das
respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 26,9% das respostas dos
profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 22,2% das respostas dos profissionais
com mais de 49 anos.
Para o caso II, foram consideradas na categoria “ética profissional” 37,0% das respostas
dos profissionais com menos de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com
idade entre os 40 e os 49 anos e 48,1% das respostas dos profissionais com mais de 49
anos; foram consideradas na categoria “ética principialista” 22,2% das respostas dos
profissionais com menos de 40 anos; e 19,2% das respostas dos profissionais com idade
entre os 40 e os 49 anos; e 20,4% das respostas dos profissionais com mais de 49 anos
foram ainda consideradas na categoria “ética do cuidado”.
Por fim, para o caso III, verifica-se que 40,7% das respostas dos profissionais com menos
de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos
foram consideradas na categoria “ética principialista”; enquanto para os profissionais com
RESULTADOS 217
mais de 49 anos se verifica 35,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética
profissional” e 22,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética casuística”.
DISCUSSÃO 219
5. DISCUSSÃO
No capítulo anterior foram apresentados os resultados obtidos pelo presente trabalho que
tomou a forma de um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no
âmbito da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo.
O estudo desenvolveu-se através da aplicação de um questionário, previamente
elaborado e testado, nos centros de saúde (CS) da Administração Regional de Saúde do
Centro (ARS-C), que previamente haviam sido aleatorizados (quadro IV, p. 172), e
decorreu entre Maio de 2007 e Abril de 2008. A recolha de dados foi bastante demorada
porque a adesão inicial, através do contacto postal para os CS, foi reduzida. No final de
Junho existiam 75 questionários correctamente preenchidos, com os quais se fez a
validação da segunda versão da escala (quadros X, XI e XII, p. 182 e 183). Mas,
passados três meses, em Outubro, existia o mesmo número de questionários, pelo que o
investigador teve de se deslocar a vários dos CS da região para motivar os profissionais
de saúde a responderem ao questionário, tendo mesmo, a partir do questionário nº 163,
desistido de pedir o preenchimento da terceira parte do mesmo, ou seja a resposta às
questões sobre os casos-problema, por se ter mostrado ser um elemento que dificultava
o preenchimento.
Infelizmente, não foi possível ao investigador ir pessoalmente a todos os CS, que tinham
sido aleatorizados para o estudo, e esta constituiu a maior alteração que o estudo sofreu,
pois transformou a amostra inicialmente aleatória numa amostra de conveniência. Este
facto compromete a possibilidade de se generalizar os dados obtidos pelo estudo a toda
a região Centro.
Após todos os esforços efectuados só foi possível obter para este estudo, um total de 370
indivíduos que responderam à primeira e segunda partes do questionário, sendo 180 MF
e 190 enfermeiros, o que representa 21% dos profissionais de saúde dos CS
aleatorizados, e 70,5% da expectativa inicial. Este facto impediu o atingir da significância
220 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Outro dado que se pode considerar de acordo com o esperado é o facto de predominar o
grupo etário dos 50-59 anos com 43,8% dos indivíduos. Este facto confirma o alerta para
o problema de carência de médicos de família a nível dos cuidados de saúde primários,
por a curto prazo um grande número destes profissionais ir entrar na idade da reforma
(Biscaia, 2003, 2008). Aliás, a média de idades para os MF neste estudo é de 51,1 anos
e a mediana situa-se nos 52 anos, enquanto a média de idades para os enfermeiros é de
41,5 anos e a mediana situa- se nos 41 anos.
Em relação à primeira questão formulada como ponto de partida para o estudo, pela
pesquisa bibliográfica (Bagss, 1993; Dolan, 1999; Doughery, 2005) já se tinha respondido
afirmativamente, mas com os dados descritos nos quadros X e XVII (p. 182 e 200)
confirmou-se que existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes
éticas dos profissionais de saúde.
Assim, e de acordo com os dados obtidos e descritos no quadro XIX (p. 201), verifica-se
que os inquiridos apresentam uma atitude de concordância face aos itens da escala,
apresentando uma média de respostas no global da escala de 3,56, com um mínimo de
2,31 e um máximo de 4,51. Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e
DISCUSSÃO 221
No entanto, pela ponderação das dimensões estudadas verifica-se que esta atitude de
concordância se fica a dever principalmente à dimensão A (“Problemas éticos nas
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”), com uma média
de respostas de 3,99, encontrando-se uma média bastante inferior na dimensão C
(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”), com
uma média de respostas de 3,14. A dimensão B (“Problemas éticos nas relações inter-
profissionais e inter-pares”) teve uma média de respostas de 3,54.
Pela leitura do quadro XX (p. 203) verifica-se as diferenças atrás referidas de uma forma
mais minuciosa. Enquanto, que as médias dos itens da dimensão A são, na sua maioria
(80%), superiores a 3,5 e na dimensão B são-no em 75%, na dimensão C são só em
20%. De referir ainda, que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média inferior
a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens.
Daqui se pode concluir que as atitudes éticas dos profissionais de saúde de cuidados de
saúde primários foram, neste estudo, mais firmes na dimensão A (“Problemas éticos nas
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) do que nas
dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”) e C
(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
Pela leitura do quadro XXI (p. 204) verifica-se que as médias relativas aos médicos (3,6
na escala global, 4,0 na dimensão A, 3,6 na dimensão B e 3,17 na dimensão C) são
superiores às médias dos enfermeiros (3,5 na escala global, 3,9 na dimensão A, 3,4 na
dimensão B e 3,11 na dimensão C), mas, estas diferenças não atingem o limiar de
significância estatística, na medida em que surge um p>0,05 no teste t de Student, quer
em relação ao global da escala (p=0,06) quer em relação a cada uma das dimensões
estudadas (p=0,08 na dimensão A, p=0,054 na dimensão B e p=0,36 na dimensão C),
levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que as atitudes éticas dos
profissionais de saúde não são influenciáveis pela profissão (médico ou enfermeiro).
Assim, Helen Robillard e colaboradores (1989) num estudo realizado a uma amostra,
aleatória e estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas e assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde
primários no Kentuchy (EUA), ao compararem os médicos com os outros profissionais de
saúde encontram uma diferença estatisticamente significativa entre esses dois grupos no
tocante ao registo da frequência com a qual se deparam com problemas éticos. Isto
ocorreu para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e, somente em dois deles, os
médicos reportam uma maior proporção (tratamentos desnecessários aplicados pela
preocupação de se proteger legalmente e suspensão das medidas de suporte de vida),
nos demais, o grupo dos restantes profissionais afirma encontrar os problemas,
comummente ou ocasionalmente, com mais frequência, o que poderia indicar maior
sensibilidade desses profissionais para as situações potencialmente problemáticas.
DISCUSSÃO 223
respondentes optaram, nos diversos grupos, por opções de tratamento, que não eram
compatíveis com a vontade dos pacientes. No entanto, os enfermeiros mostraram ter um
significativo maior respeito pela vontade dos pacientes do que os médicos. As
preocupações éticas e os desejos dos pacientes apareceram como as determinantes
mais importantes nas decisões de tratamento, enquanto os custos dos cuidados, bem
como a religião dos profissionais foram de menor importância.
Pelo outro lado Iben Kollemorten e colaboradores (1981) num estudo, que procurou
descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo pessoal de
saúde (médicos e enfermeiros) durante o trabalho clínico diário num departamento de
medicina de um hospital dinamarquês, referem que não foi encontrada diferença
significativa da frequência de problemas éticos entre os dois grupos. No entanto,
concluem que os resultados do estudo sugerem que uma maior atenção deve ser dada
ao debate sobre problemas éticos entre os médicos e enfermeiros.
Ann Gallagher (1995) no seu artigo faz três recomendações: que se deve promover uma
ética da saúde que incorpore o que é valioso da “ética médica principialista” e da “ética
DISCUSSÃO 225
Também em Portugal se antecipa que apesar das divergências existentes entre estas
duas profissões o ensino da bioética tenderá a esbater progressivamente os diferentes
backgrounds existentes na medicina e na enfermagem (Nunes(d), 2002). Em larga medida
porque independentemente da corrente ética predominante, e das tradições profissionais
envolvidas, o referencial axiológico da bioética é a eminente dignidade da pessoa
humana e a sua responsabilidade substantiva com os outros membros da comunidade
moral no quadro de uma verdadeira solidariedade ontológica (Nunes(b), 1997).
Maurice Rickard, Helga Kushe e Peter Singer (1996) desenvolveram um estudo, numa
amostra de enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde australianos, com a
finalidade de descobrir se o género ou a ocupação influenciavam a abordagem, parcial ou
imparcial, formulada pelos participantes para os diversos cenários hipotéticos, com
dilemas éticos, que lhe foram apresentados. Para os autores, a parcialidade caracteriza
um aspecto central da ética do cuidado e envolve os juízos que enfatizam as ligações
pessoais e o favorecimento de terceiros, aos quais se está pessoalmente ligado,
sobretudo nas situações em que os interesses destes competem com os de outros aos
quais não se está pessoalmente ligado. Por outro lado, a abordagem imparcial baseia-se
em juízos neutros que não privilegiam ligações pessoais e reflectem uma preocupação
pelas exigências decorrentes da igualdade e responsabilidade impessoal, expressas em
termos dos direitos universais, regras e princípios. Segundo os autores, os resultados do
seu estudo surpreendem e não correspondem à expectativa que tinham de que os
enfermeiros raciocinariam mais parcialmente e os médicos mais imparcialmente. Os
resultados evidenciam que não há associação entre o tipo de abordagem e a ocupação
ou género dos inquiridos, ou seja, os enfermeiros e os médicos entrevistados são
igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos problemas éticos
propostos nas questões. Concluem, assim, que os dados não sustentam a concepção de
que a ética “parcial” do cuidado seja característica do enfermeiro e a “imparcial” da
justiça, própria do médico. Enfermeiros e médicos pensam de ambos modos, em
diferentes ocasiões.
Luana Silva, Elma Zoboli e Ana Borges (2006) realizaram um estudo exploratório para
identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos
226 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
no Programa de Saúde da Família em São Paulo (Brasil). Os dados foram obtidos pela
auto-aplicação de um questionário, contendo situações geradoras de problemas éticos e
uma escala de quatro pontos para medir a frequência dessas situações. Não foram
encontradas diferenças significativas entre os enfermeiros e os médicos.
Pela leitura do quadro XXII (p. 205) verificou-se que as médias relativas aos indivíduos
dos sexos masculino e feminino são semelhantes, não existindo, pelo teste t de Student,
diferenças estatisticamente significativas quer em relação ao global da escala, quer a
cada uma das suas dimensões, levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que
as atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo (masculino
ou feminino) do profissional. O que parece sugerir uma diminuição da importância relativa
da “ética do cuidado” face às outras correntes éticas, nomeadamente ao principialismo.
Na literatura consultada existe um estudo que aponta no sentido de que pode existir
diferenças de atitude ética devidas ao género (Hoffmaster, 1991) e outros estudos, tal
como este, que referem que não existem diferenças (Kollemorten, 1981; Rickard, 1996).
Por outro lado, no estudo, já descrito, de Iben Kollemorten e colaboradores (1981), que
procurou descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo
pessoal de saúde durante o trabalho clínico diário, num departamento de medicina de um
hospital dinamarquês, refere que não foi encontrada diferença significativa da frequência
de problemas éticos entre os dois grupos (homens e mulheres).
Pela leitura do quadro XXIII (p. 206) verificou-se que as médias da escala crescem à
medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o global da
escala e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do
grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal
crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na
dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas, pelo teste f de
ANOVA, são aí estatisticamente significativas (p=0,0001).
Na literatura consultada foram encontrados vários estudos que, tal como este, referem
que existem diferenças de atitude ética devidas à idade (Christie, 1983; Hoffmaster, 1991;
Bremberg, 2000; Biton, 2003) e não foi encontrado nenhum estudo que referisse a não
existência de diferenças.
Stefan Bremberg e Tore Nilstin (2000) descrevem um estudo que teve como objectivo
identificar e discutir como os clínicos gerais lidam com as situações em que existe uma
DISCUSSÃO 229
Pela leitura do quadro XXIV (p. 207) verifica-se que, assim como acontece com a idade,
era esperado que também aqui as médias da escala crescessem à medida que aumenta
o número de anos de profissão, a partir do grupo dos 5-14 anos de profissão, para o
global e para todas as dimensões. No entanto, o grupo de < 5 anos de profissão tem
médias da escala superiores às do grupo dos 5-14 anos. Tal crescimento é um factor
marcante para a atitude, principalmente para a escala global e para as dimensões B e C,
na medida em que as diferenças encontradas são, pelo teste f de ANOVA,
estatisticamente significativas (p<0,05). Ou seja, à medida que aumenta o número de
anos de profissão, a partir dos 5-14 anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos
profissionais de saúde. Sendo também mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de
saúde com < 5 anos de profissão.
Toda esta informação corrobora o que já foi dito acerca das diferenças em função do
grupo etário dos profissionais de saúde. Em ambas as situações verifica-se que as
diferenças observadas são mais significativas para o global da escala e para as
dimensões B e C, não o sendo para a dimensão A, que se refere aos “Problemas éticos
nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”. Estes dados
corroboram o que já se disse anteriormente de que, neste estudo, as atitudes éticas dos
profissionais de saúde de cuidados de saúde primários foram mais firmes na dimensão A
(“Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas
famílias”) do que nas dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e
inter-pares”) e C (“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema
de saúde”).
Pela leitura do quadro XXV (p. 208) verifica-se que existem diferenças, pelo teste f de
ANOVA, altamente significativas (p<0,001) entre as médias da escala e a sub-região de
DISCUSSÃO 231
Concluindo, pelo presente estudo constata-se que as atitudes éticas dos profissionais de
saúde parecem ser mais firmes nas sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro e menos
firmes nas sub-regiões de saúde de Leiria e Castelo Branco.
Face aos considerandos expostos e pelos dados obtidos através do presente estudo
pode-se afirmar que as práticas éticas a nível das sub-regiões de saúde de Viseu e
Aveiro eram mais firmes do que as das restantes sub-regiões da Região Centro.
Pela leitura do quadro XXVI (p. 209) verifica-se que só existem diferenças, pelo teste f de
ANOVA, estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área
laboral a que pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala
global e para as outras duas dimensões estudadas não existem diferenças
estatisticamente significativas entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas
dos profissionais de saúde são mais firmes para a dimensão A (“Problemas éticos nas
DISCUSSÃO 233
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) nos que
trabalham em área urbana.
Nurit Wagner e Ilana Ronen, (1996) descrevem um estudo realizado em Israel, durante
os anos de 1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalhavam a nível hospitalar e
outros 239 que actuavam na comunidade, em centros de enfermagem comunitária ou em
serviços de saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos de problemas
enfrentados nestes dois grupos. Através de um questionário auto-aplicado, cada
enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses, havia ou não vivenciado alguma
das 39 situações, potencialmente geradoras de problemas éticos, ali descritas, e
abrangendo as esferas clínico/profissional, administrativa e interpessoal. Os resultados
mostram que em todas as áreas, excepto nas questões relativas à informação e
confidencialidade, havia diferenças segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente
hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque mais variado de problemas éticos. A
análise de regressão efectuada para verificar possíveis associações entre as
características demográficas e profissionais dos sujeitos e as diferentes situações
geradoras de problemas éticos revela que esta só ocorre para a variável “cenário”:
hospital versus a comunidade, deixando claro que as diferenças devem estar
relacionadas com as particularidades de cada cenário. Ainda comparando os enfermeiros
dos centros de enfermagem comunitária com os que actuam nos serviços de saúde
pública, mais voltados para acções de prevenção, os últimos encontram menos
problemas éticos do que os primeiros.
Quando o paciente recusa uma intervenção que lhe é proposta, quer seja uma consulta,
um procedimento diagnóstico ou uma terapêutica, o profissional de saúde vê-se
confrontado com um conflito entre a sua avaliação e os desejos do paciente, o que lhe
pode causar incompreensão, frustração e desinteresse, especialmente se a escolha do
paciente lhe parecer irracional. A equipa de saúde pode não compreender as razões do
paciente para a sua recusa e não ser capaz de a aceitar.
história, conduzindo a interacção para uma relação aberta, lançando mão de perguntas
abertas, como “fale-me da sua dor nas costas” em vez de “quando é que a sua dor nas
costas começou?”. Outra característica chave desta abordagem, é ouvir activamente para
que, quem conta e quem ouve, possam esclarecer, discutir e descrever repetidamente a
história, com vista a aperfeiçoar a informação. A tomada de decisão esclarecida virá
desse tipo de discussão que possibilita uma resolução bem ponderada e cuidadosa. É
evidente que isto é impossível sem competências de comunicação por parte dos
profissionais de saúde, para poderem compreender os seus pacientes e/ou as suas
famílias.
Parece então claro que a recusa de indicações médicas consiste num problema comum
nos CSP, representando um desafio para os profissionais de saúde. Independentemente
das consequências, antes de aceitar ou recusar a opção do paciente, a equipa de saúde
236 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
deve rever a interacção entre ambos a fim de garantir que a recusa seja informada e
esclarecida, avaliando os aspectos relativos à quantidade e qualidade da informação
dada, à compreensão pelo paciente das consequências da recusa, à sua competência
para decidir e liberdade para efectuar uma escolha voluntária. Além disto, procurar
reconhecer quais são as razões para a recusa ajuda frequentemente os profissionais de
saúde a localizar a situação no contexto das singularidades do paciente e da sua família,
compreendendo-os melhor. Algumas circunstâncias específicas podem influenciar a
decisão, como as crenças religiosas, culturais ou o estado mental do paciente. Quanto
maior o risco ou piores as consequências da recusa, maior é o desafio para os
profissionais de saúde decidirem se aceitam ou não a recusa do paciente (Connelly,
2000). Porém, não restam dúvidas de que o consenso internacional nesta matéria é o de
respeitar a vontade do doente, mesmo que ela pareça irracional à luz da boa prática
clínica (UNESCO, 2005). Em Portugal, tal como noutros países desenvolvidos, um
exemplo da preponderância do direito à recusa informada de tratamento é a legalização
das directivas antecipadas de vontade, através das quais o doente prospectivamente
recusa um tratamento, nomeadamente quando é por ele considerado como fútil e
desproporcionado (Nunes(c), 2009).
Já o estudo realizado por Diane Viens (1994) com um grupo de enfermeiros que
trabalhavam nos CSP, em cidades do oeste norte-americano, indicava que o
relacionamento com o paciente tinha um significado importante para estes profissionais,
tornando-se mais significativo na medida em que o contacto perdurava ao longo do
tempo ou quando o paciente apresentava necessidades prementes.
O item P4 (“Não interfiro no estilo de vida do meu paciente”), com uma média de 4,17 e
um desvio-padrão de 0,644, foi o 6º mais bem pontuado da escala, reafirmando a atitude
ética de respeito pela autonomia do paciente dos profissionais de saúde estudados.
Ine Gremmen (1999) num estudo que busca conhecer as considerações éticas de
enfermeiros de família na Holanda, os entrevistados ponderam que têm que se adaptar
ao estilo de vida do paciente para minimizar as consequências negativas dos aspectos
intrusivos, inevitáveis do seu trabalho. Assim, frente a uma divergência de opiniões com o
paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um acordo, imediatamente ou no futuro,
através da explicação das consequências do decurso da acção escolhida pelo paciente e
das razões pelas quais o enfermeiro escolhe outra alternativa. Devem ser capazes de dar
sugestões sem pressionar, tentando ganhar a confiança do paciente para que ele possa
manifestar as suas objecções, medos ou preocupações e ouvindo-o atentamente, dar
informação e apoio quando ele quiser novamente discutir a questão.
O item P5 (“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) foi
retirado da escala por apresentar valores negativos na correlação com o total da escala e
assim reduzir o Alpha de Cronbach (quadro X, p. 182).
238 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Neste sentido, os autores (Jonsen, 1999) ponderam que os profissionais de saúde têm as
suas crenças e valores que podem conduzi-los a julgamentos pré-concebidos e
discriminatórios em relação a algumas pessoas ou grupos sociais, afectando, deste
modo, as suas decisões clínicas. Porém, são contundentes ao afirmar que não é
prerrogativa dos profissionais de saúde fazerem esses julgamentos no contexto dos
cuidados de saúde, pois todos devem ser atendidos em função das suas necessidades e
não do seu valor ou mérito social. No entanto, alertam que actualmente estes
preconceitos podem ser menos explícitos, mas não menos perigosos e que devem ser
identificados para poderem ser eliminados da decisão clínica.
Mas ver-se numa situação de ideia pré-concebida em relação ao paciente também pode
gerar insatisfação e desconforto nos profissionais de saúde. Os resultados do estudo com
enfermeiros que actuam nos cuidados primários de saúde, nos EUA, mostra que a noção
de respeito pelas pessoas inclui, além das questões relativas à autonomia e
reciprocidade, o “não julgar” (Viens, 1994).
O item P6 (“Respeito os valores religiosos do meu paciente”), com uma média de 4,63 e
um desvio-padrão de 0,604, foi o 2º mais bem pontuado da escala e o que apresentou a
menor dispersão de resultados, assegurando o valor do respeito pelos valores religiosos
dos pacientes pelos profissionais dos cuidados de saúde primários.
No entanto, certas seitas religiosas impõem aos seus membros crenças sobre saúde,
doença e tratamentos, influenciando as preferências dos pacientes. Por vezes, essas
crenças são subtis e passam despercebidas aos profissionais de saúde, gerando mal
entendidos que se podem agravar se houver barreiras na comunicação. Os conflitos
habitualmente surgem quando as crenças religiosas ou culturais motivam a recusa de
DISCUSSÃO 239
cuidados médicos, especialmente quando estes são importantes ou podem salvar a vida
da pessoa (Connelly, 2000).
Albert Jonsen e colaboradores (1999) além de considerarem que tais escolhas podem ser
imprudentes ou perigosas, ponderam que o desconhecimento das crenças e costumes
dos pacientes por parte dos profissionais de saúde pode levá-los a questionar a
capacidade do consentimento dos pacientes e suas famílias. Entretanto, o simples facto
de aderir a uma religião pouco comum, por si só, não constitui evidência de incapacidade
para o consentimento. Na ausência de sinais clínicos de incapacidade para o
consentimento, tais pessoas devem ser consideradas como competentes para escolher.
Na medida do possível, através de uma negociação, o profissional de saúde e o paciente
devem descobrir objectivos comuns e estabelecer uma estratégia mutuamente aceite
para os atingir.
Acerca deste item, é oportuno referir que no estudo de Helen Robillard e colaboradores
(1989), também realizado no ambiente dos CSP, a solicitação de procedimentos pelo
paciente foi percebida como um problema ético frequente, tanto pelos médicos como
pelos restantes profissionais de saúde. À primeira vista parece que os pacientes têm o
direito de solicitar os tratamentos e os testes que autonomamente consideram ser-lhes
úteis, entretanto, talvez este não seja o ponto fulcral já que, como afirma Allan Brett
(2000), na maioria dos casos, os pedidos dos pacientes poderiam ser discutidos com
maior naturalidade, se a prática de partilhar a tomada de decisão norteasse o encontro
que se estabelece entre estes e os profissionais de saúde.
consentimento do paciente ou do seu representante legal, quando for o caso, mas podem
abster-se de actos que considerem técnica ou eticamente errados.
Parece pertinente para o caso em apreço a recomendação, que fazem David Doukas e
Laurence McCullough (1996), para que os profissionais dos CSP explorem as
solicitações dos pacientes, verificando se há crenças resultantes de informações
distorcidas que possam ser corrigidas por acções de educação para a saúde e
averiguando se existem outras preocupações, histórias e valores a fim de, com o
paciente, trabalhar a possibilidade de outras alternativas, além da que está sendo pedida.
Ainda para situações como esta, Allan Brett (2000) afirma que, ocasionalmente, os
benefícios de renovar a confiança do paciente que está em dúvida sobre o seu
diagnóstico pode justificar a realização de exames mesmo que desnecessários e mesmo
que onerando o sistema de saúde. Esta visão parece centrar-se muito no âmbito
individual e tecnicista, valorizando excessivamente o direito à livre escolha que
caracteriza a sociedade americana. Mas, uma visão que vise a capacitação e a promoção
da cidadania dos pacientes, além do seu empoderamento nas questões relacionadas
com a sua saúde, e procure conseguir uma maior capacitação dos indivíduos, famílias e
comunidades é um elemento determinante no sucesso dos cuidados de saúde primários
(Sousa, 2007). Assim, ter-se-á que ponderar a recusa de procedimentos desnecessários
em nome de uma justa distribuição dos recursos escassos como eticamente justa, e os
argumentos a usar para justificar que não se deve ludibriar o sistema, não dizem respeito
única e simplesmente aos resultados ou às consequências indesejáveis: ofendem a
veracidade; ofendem a justiça contratual; e ofendem a justiça distributiva/equidade. Um
benefício a curto termo é, para muitos eticistas, um malefício a longo prazo (Santos,
2008). Logo no processo de co-decisão, aplicando o modelo centrado no paciente
(beneficência com confiança), seria desejável que paciente e médico incluíssem nas suas
considerações o uso apropriado dos recursos sociais (Lourenço, 2008), e procurassem
outras formas de apoiar o doente no processo de enfrentar a sua condição patológica que
ultrapasse a esfera do biológico e a mera realização de procedimentos médicos.
O item P8 (“Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem
a autorização dos seus pais ou tutores”) apresenta uma média de 3,41 e um desvio-
padrão de 1,193.
Como afirmam Lainie Ross e John Lantos (2000), com base nos aspectos legais, até
recentemente era assumido que as crianças eram incompetentes para decidir, cabendo
exclusivamente considerar as escolhas dos seus pais ou tutores. Entretanto,
actualmente, já são comuns os movimentos para que se reconheça a competência da
criança para decidir em algumas situações, argumentando-se que às psicologicamente
mais maduras, e especialmente aos adolescentes, seja permitido fazerem as suas
próprias escolhas sem a permissão ou o conhecimento dos seus pais, nomeadamente na
área da sexualidade e contracepção. Há quem contra argumente, afirmando que a
competência por si só não é o único factor a determinar a participação da criança no
processo de tomada de decisão nas questões relativas à sua saúde. Estes defendem que
os pais têm o direito moral de exercer um papel determinante ou mesmo exclusivo nas
decisões sobre os cuidados de saúde aos seus filhos, acreditando que estes sempre
agirão no melhor interesse da criança e o que decidirem será bom para ela, para os pais
e para a sociedade.
Muitos profissionais optam por um caminho entre estes dois extremos e tentam incluir as
crianças, quando possível e da maneira que lhes pareça mais praticável para a decisão.
O direito da criança de participar nas decisões aumenta na medida em que
psicologicamente amadurece e desenvolve a sua capacidade de compreensão e de
análise da informação que necessita para decidir. Entretanto, quanto mais graves forem
as consequências da decisão, mais os profissionais de saúde devem tender a seguir a
opinião dos pais quando esta difere das da criança (Ross, 2000).
242 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
O item P9 (“Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa
à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente”) apresenta uma média de 3,48
e um desvio-padrão de 1,117.
David Carman e Nicky Britten (1995) descrevem um estudo desenvolvido, numa área
semi-rural inglesa de 12.000 habitantes, com 39 utentes de seis clínicos gerais. Em
entrevistas semi-estruturadas, realizadas nas suas casas, os utentes foram encorajados
a manifestar as suas expectativas sobre a confidencialidade dos dados constantes dos
seus registos clínicos. Os entrevistados afirmaram que os médicos e a equipa de
enfermagem deveriam ter algum grau de acesso aos seus registos, mas não ilimitado,
DISCUSSÃO 243
É necessário ainda considerar, com especial cuidado, o lugar da família nesta questão.
Sendo esperado que esta partilhe dos segredos dos seus membros, em virtude de seu
papel “cuidador”, que proporciona sentimento de segurança, protecção e diminui a
sensação de vulnerabilidade provocada pela doença. Os familiares são considerados
aliados no processo doença/cura e, dessa forma, há pouca expectativa em relação à
manutenção da privacidade de informações nomeadamente na família nuclear. No
entanto, fique claro que a família não deve substituir o paciente e que a questão da
proximidade deve ser algo determinante, na medida em que estabelece a fronteira entre
os familiares mais distantes e os parentes mais próximos. O profissional de saúde deve
considerar as expectativas do paciente, a quem compete sempre decidir o sentido e o
limite da inserção da família na sua situação. Para tal, esse tema deve constar da
conversa que se estabelece entre os profissionais de saúde e os pacientes (Zoboli,
2004).
Como assinala Howard Brody (1983), para os que actuam no âmbito da saúde da família
não pode haver discussão mais fundamentada do que a do significado de tratar a família
como um todo, a unidade do cuidado, e gerir os conflitos entre os interesses de um
membro, individualmente, e os dos restantes membros da família.
fortalecimento dos laços familiares, desde que a decisão tomada resulte de uma
discussão face a face entre todas as partes interessadas. Entretanto, isto não pode
acontecer como algo unilateral, imposto pela equipa de saúde, não importando aqui
quanto benevolentes sejam as intenções.
O item P11 (“Preservo o meu segredo profissional”), com uma média de 4,31 e um
desvio-padrão de 0,858, foi o 3º mais bem pontuado da escala, assegurando o valor
deontológico do segredo profissional para os profissionais dos cuidados de saúde
primários (CSP).
Amir Halevy (2000) alerta que os profissionais dos CSP devem estar particularmente
atentos, para os potenciais problemas de preservação da confidencialidade na sua
actividade diária. A maioria dos pacientes tem família e amigos que estão interessados
nos seus cuidados: esposas, filhos, “primos curiosos”, “vizinhos bisbilhoteiros”, e vários
“melhores amigos” que querem saber sobre o seu estado de saúde e o seu plano de
cuidados. Uma prática padrão de que o profissional não revela nenhuma informação a
ninguém, a não ser ao próprio paciente, embora louvável na perspectiva da
confidencialidade, pode ser problemática sob outros aspectos. Na maior parte dos casos,
dar algumas informações gerais, omitindo no entanto os detalhes delicados ou
potencialmente embaraçosos, parece apropriado, uma vez que não dar nenhuma
DISCUSSÃO 245
informação pode ser interpretado como indicativo de que a condição do paciente é muito
pior do que é na realidade. A equipa de saúde da família deve lançar mão da discrição e
do discernimento ao determinar o que pode ser revelado e a quem. Idealmente, deve-se
procurar saber junto do paciente quais são os seus desejos quanto à revelação de
informações sobre o seu estado, à família e amigos, não cedendo automaticamente à
insistência de quem procura saber algo. Se o paciente for uma pessoa competente, a sua
vontade deve ser respeitada e na falta de capacidade de decisão deste, o seu
representante dará a devida orientação aos profissionais.
Pode-se ainda recordar que é comum, frente a problemas clínicos e éticos, o profissional
de saúde procurar conselho e orientação junto dos seus colegas. Esta prática também é
frequente aquando de dúvidas sobre a melhor maneira de conduzir o caso. Neste
sentido, é bom lembrar que uma linha muito ténue separa a consulta aos colegas, para
uma segunda opinião, da conversa de circunstância nos ambientes partilhados da
unidade de saúde, como a cafetaria, o restaurante ou as reuniões técnicas (Halevy,
2000).
O item P12 (“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o
seu caso em evento ou publicação científica”), com uma média de 4,26 e um desvio-
padrão de 0,924, foi surpreendentemente o 5º mais bem pontuado da escala.
Desconhecia-se que esta atitude estivesse tão presente nos profissionais de saúde dos
CSP. Pelo contrário, considerava-se que a prática seria a não solicitação do
consentimento do paciente ou da sua família para relatar a sua história em evento ou
publicação científica, juntamente com a não solicitação do consentimento da equipa de
saúde para relatar o caso em evento ou publicação científica. Mas, o alerta aqui fica, não
somente os profissionais de saúde, mas também os investigadores e estudiosos, agora
que os CSP estão a ser alvo de diversas investigações e trabalhos de acompanhamento
e avaliação, no sentido de que se tomem todas as medidas para assegurar a
preservação da privacidade e confidencialidade dos pacientes, das famílias e dos
próprios profissionais de saúde, bem como para se respeitar a sua liberdade de
participação nos estudos e o seu consentimento para a divulgação das suas histórias e
casos clínicos. Aliás, as novas normas para apresentação de artigos à Revista
Portuguesa de Clínica Geral estabelecem a obrigatoriedade de juntar aquando da
submissão de artigos à apreciação editorial, uma declaração de autorização por cada
pessoa mencionada nos agradecimentos; tratando-se de um estudo original uma
246 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Mas, o tratamento rude e ofensivo por parte de algumas equipas de saúde para com os
pacientes também aparece em alguns estudos sobre problemas éticos nos CSP.
Elizabeth Morrow (1997) descreve um estudo, que decorreu numa cidade do sul da
Califórnia (EUA), com mulheres entre os 18 e os 60 anos de idade, e provenientes de
populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que não falavam inglês, sem abrigo,
vítimas de violência doméstica, etc.), que revela que além de experimentarem grandes
dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, estas mulheres são alvo de falta de
respeito quando conseguem o atendimento. Da mesma forma, Cátia Ducati e Magali
Boemer (2001), que estudaram as ocorrências registadas pelas comissões de ética de
DISCUSSÃO 247
Um estudo acerca da discussão dos cuidados de saúde no final de vida, realizada como
43 médicos e 53 pacientes de cuidados de saúde primários, indica que os médicos
demonstram grande hesitação para iniciar este tipo de discussão, pois temem prejudicar
as esperanças dos pacientes e o seu relacionamento com eles. Por outro lado, os
resultados sugerem que os médicos provavelmente têm pouco a temer nesse sentido,
porque os pacientes entrevistados manifestaram acolher bem a discussão, vêem-na
DISCUSSÃO 249
De acordo com Albert Jonsen e colaboradores (1999), é mais difícil aos profissionais de
saúde, principalmente aos médicos, serem “emissários de más notícias”, do que as
pessoas terem capacidade para aceitar a informação. A conversa entre os profissionais
de saúde e os pacientes deve ser verdadeira, isto é, as declarações devem estar em
consonância com os factos da situação. Se estes são incertos, a incerteza deve ser
revelada. Deve ser evitada a desilusão, ao contar o que não é verdade ou omiti-la. Com
isto não se quer dizer que a forma de relatar os factos não deva ter em conta a
percepção da resistência emocional e a compreensão intelectual do paciente e/ou da
família. Ao contrário, a verdade pode ser “brutal”, mas a maneira de a revelar não o deve
ser. A equipa de saúde precisa de ser cuidadosa e sensível ao informar, tendo em conta
o respeito pela autonomia e a sensibilidade das pessoas. Somente assim a capacidade
do paciente para decidir e escolher sairá reforçada, além de se fomentar a relação deste
com os profissionais de saúde. O paciente necessita, acima de tudo, dos benefícios de
um bom e confiante relacionamento com uma equipa de saúde competente e isto é mais
fácil de se conseguir com a honestidade do que com a mentira.
Russel Searight e Rick Barbarash (1994), discutindo os aspectos clínicos, éticos e legais
do consentimento informado, livre e esclarecido, na prática dos médicos de família,
reconhecem que nas situações de uma relação médico-paciente prolongada é possível
que alguns pacientes tendam a transferir a decisão para o profissional de saúde. São
habitualmente competentes e comunicam uma clara preferência que deve ser respeitada.
Entretanto, para a procuração ser válida, devem ser esclarecidos que o profissional de
saúde tem o dever de os informar sobre o tratamento, que têm o direito legal de decidir
sobre este, que não podem ser tratados sem o seu consentimento e que têm o direito de
consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão alertam os autores, deve ser registada
no processo clínico e esta procuração deve ser realizada somente quando o paciente
declara explicitamente que não quer mais ser informado ou indica claramente o desejo de
que o médico tome a decisão por ele. Ainda assim, os profissionais de saúde devem
deixar claro que fornecerão imediatamente qualquer informação adicional se o paciente
mudar de ideia.
Ontário Ocidental (Canadá), que revela um número relativamente alto de médicos que
afirmam ser sua prática habitual tentar coagir os pacientes a aceitarem exames,
tratamentos e hospitalizações. Da mesma forma, cerca de metade dos 212 enfermeiros
holandeses de instituições hospitalares e comunitárias afirmam “persuadir o paciente a
colaborar” (van der Arend, 1999).
Neste sentido, cabe citar que, para a maioria dos enfermeiros de família holandeses, não
forçar o paciente, mas ter presente que se deve tentar chegar a um acordo imediato ou
futuro, parece ser a norma mais importante quando enfrentam uma recusa da ajuda
oferecida e têm objecções a essa opção (Gremmen, 1999).
Os itens P16 (“Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe
prescrevo”), que apresenta uma média de 4,13 e um desvio-padrão de 0,747, e P17
(“Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais
baratos”), que apresenta uma média de 3,91e um desvio-padrão de 0,885, denotam uma
preocupação dos profissionais de saúde com os custos dos cuidados de saúde.
Nesse sentido merece destaque os problemas éticos que decorrem das preocupações
com as condições dos pacientes em adquirirem os fármacos prescritos, devendo ser
promovida uma reflexão com os pacientes sobre a medicalização da saúde e a relação
entre eficácia e preço dos medicamentos. Este tipo de reflexão vai para além das
habituais informações de cunho biomédico, avança para uma troca de valores e
concepções, o que denota capacitação e responsabilização do paciente favorecendo o
seu empoderamento e cidadania, em consonância com os pilares dos CSP.
DISCUSSÃO 251
Sem esquecer as diferenças de cada país, tanto em relação ao sistema de saúde como
no que diz respeito às condições sócio-económicas da população, é de assinalar que
alguns estudos norte-americanos apontam a insuficiência de recursos financeiros dos
pacientes entre as questões éticas mais frequentes nos cuidados de saúde primários
(Aroskar, 1989; Robbilard, 1989; Viens, 1994; Connelly, 1998). Num destes estudos, o
realizado por Helen Robillard e colaboradores (1989), a limitação financeira dos pacientes
enquanto factor de não adesão ao tratamento é mencionada como problema ético por
70,8% dos 391 médicos e 78,3% dos 311 restantes profissionais.
O item P18 (“Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde
que trabalham neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 3,58 e um desvio-
padrão de 1,260, e é o início da sub-escala – dimensão B (“Problemas éticos nas
relações inter-profissionais e inter-pares”), e o item P19 (“No meu local de trabalho existe
delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde”), que apresenta
uma média de 3,62 e um desvio-padrão de 1,076, referem-se ao trabalho de equipa de
saúde, e procuram avaliar o que foi encontrado em diversos estudos empíricos realizados
com enfermeiros e médicos de diferentes países, tanto em hospitais como nos cuidados
de saúde primários (CSP), nos quais os profissionais de saúde apontam os seus colegas
ou os membros da outra categoria profissional como fontes de problemas éticos, muitas
vezes mais importantes que os pacientes e/ou as famílias (Pellegrino, 1985; Prescott,
1985; Udén, 1992; Wagner, 1996; van der Arend, 1999; Ducati, 2001).
252 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Merece um comentário o facto de que tanto no estudo citado no parágrafo anterior (van
der Arend, 1999) como no realizado em Israel (Wagner, 1996) os problemas éticos
apontados pelos enfermeiros que trabalham nos CSP também são assinalados como
situações que ocorrem a nível hospitalar, às vezes até em maior proporção. Por exemplo,
no estudo holandês o manter-se em silêncio sobre erros cometidos é citado por 37,8%
dos enfermeiros que estão nos CSP e por 51,8% dos que trabalham na área hospitalar.
Os problemas e conflitos nas relações entre os profissionais de saúde não são algo
inesperado, especialmente se for considerado que a equipa de saúde, como afirmam
Sílvia Matumoto e colaboradoras (2001), configura uma rede de relações tecida no
quotidiano, entre agentes que transportam saberes diferenciados e desenvolvem práticas
distintas, sendo necessária uma certa disponibilidade para que reconheçam e respeitem
as suas diferenças.
um papel importante nos cuidados de saúde, uma vez que médicos e enfermeiros têm
perspectivas diferentes quanto a muitos problemas dos pacientes.
Entretanto, para que esta afirmação seja verdadeira é necessário estar muito atento, pois
os conflitos tanto podem desempenhar esse papel protector do paciente, por levar à
percepção dos diferentes aspectos dos seus problemas e necessidades, como podem
ser prejudiciais, comprometendo a qualidade dos cuidados de saúde. O próprio estudo de
Patricia Prescott e colaboradores (1985), realizado com mais de 1000 enfermeiros e
cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas dos EUA,
indica que a demora no cuidado ao paciente e os problemas recorrentes de disputas não
resolvidas são um subproduto desse desacordo entre os profissionais.
O item P20 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e
sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde”) apresenta uma média de
3,70 e um desvio-padrão de 0,952.
O item P21 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais
de saúde face a indicações clínicas imprecisas”) apresenta uma média de 3,05 e um
desvio-padrão de 1,027.
Discutindo a ética clínica, Albert Jonsen e colaboradores (1999) alertam que, muitas
vezes, a análise de um problema ético deveria começar com a resposta à pergunta
“Quais são as indicações médicas para o tratamento?” Isto porque boa parte dos
problemas éticos pode ser evitada quando as decisões terapêuticas se baseiam em
indicações clínicas claras. Entretanto, a incerteza sobre a matéria clínica do caso é um
factor para emergência de conflitos éticos que podem ser rapidamente resolvidos ou, por
vezes, tornarem-se grandes obstáculos aos cuidados de saúde.
O estudo de Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), em Israel, também aponta a imprecisão
nas indicações clínicas como situações potencialmente geradoras de problemas éticos
para os enfermeiros, tanto nos cuidados de saúde primários como nos hospitais. O
administrar tratamentos entendidos como errados ou inadequados é citado como
problema ético por 52% dos enfermeiros da área dos CSP e 67,9% dos que trabalham no
contexto hospitalar e o administrar tratamentos de valor duvidoso é mencionado por
49,8% e 58,7% dos entrevistados, respectivamente. A discordância sobre as indicações
clínicas entre profissionais também aparece como um problema ético em estudos
realizadas com médicos de diferentes especialidades nos EUA e com enfermeiros de
diferentes tipos de serviços de saúde na Holanda (Pellegrino, 1985; van der Arend,
1999).
Uma das prováveis justificações para esse conflito pode estar no conflito entre o dever de
proteger o paciente contra actos potencialmente lesivos e o temor de comprometer as
relações da equipa. Quanto a este último aspecto, cabe lembrar que não é raro entre os
profissionais de saúde, de modo especial na enfermagem, o entendimento de que por
uma “questão de ética” não se deve criticar os colegas e outros membros da equipa
(Veiga, 2006).
Isto é demonstrado pelos resultados do estudo de Sally Wellard (1992), na Austrália, que
referem as preocupações manifestadas pelos enfermeiros de diálise em comprometerem
a confiança entre o paciente e o médico, no caso de criticarem as opiniões e as opções
de tratamento, chegando mesmo a desculparem-se por tecerem críticas aos seus pares.
Para atenuar este tipo de dilema alguns autores sugerem uma “nova filosofia da
medicina” de modo a ser possível diminuir consideravelmente a margem de erro na
prática clínica. Segundo Rui Nunes esta “nova filosofia da medicina” inclui, mas não se
esgota, na Medicina Baseada na Evidência (Nunes(c), 2003). Para este autor “A medicina
baseada na evidência (MBE) pode definir-se como o uso consciente e judicioso da
melhor evidência existente na tomada de decisão relativa aos cuidados de saúde de um
doente individual. Este conceito de MBE deve ser encarado como um instrumento de
grande utilidade para médicos e pacientes. Esta definição insere-se numa nova dinâmica
da relação médico-paciente, isto é na procura incessante do melhor interesse do paciente
e da sua qualidade de vida, inscrevendo-se numa perspectiva moderna do exercício da
medicina na qual a ciência exerce um papel fundamental. (…) A MBE – como uma
ferramenta de enorme importância para médicos e pacientes – deve ser enquadrada na
perspectiva tradicional da prática médica, nomeadamente na relação singular entre
médico e paciente e no compromisso em obter o melhor resultado clínico possível. De
DISCUSSÃO 257
O item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte
dos profissionais de saúde”) com uma média de 3,85 e um desvio-padrão de 1,035 foi o
10º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado da dimensão B. O que está de
acordo com o valor já atribuído ao item P11 sobre a preservação do segredo profissional.
O item P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde
para o relato de casos em evento ou publicação científica”), apresenta uma média de
3,32 e um desvio-padrão de 1,052, e é menos pontuado que o item P12 (“Solicito o
consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou
publicação científica”), realçando que esta atitude está menos presente que a do pedido
de autorização ao paciente. No entanto, como referido no comentário feito aquando da
discussão do item P12, a prática ética de solicitar o consentimento da equipa de saúde
para relatar o caso em evento ou publicação científica deve ser implementada nos CSP.
Os itens P24 (“No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos
profissionais de saúde”), com uma média de 3,67 e um desvio-padrão de 1,012, e P25
(“No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de
saúde”), com uma média de 3,53 e um desvio-padrão de 1,145, referem-se ao trabalho
em equipa.
De acordo com Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), os enfermeiros que trabalham nos
CSP, em comparação com os que trabalham na área hospitalar, mencionam mais
frequentemente as situações que envolvem questões de confidencialidade, cobertura dos
serviços de saúde e greves como potenciais geradoras de problemas éticos.
258 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
O item P26 (“Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos
consultórios e gabinetes neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,35 e um
desvio-padrão de 1,280, e é o início da sub-escala – dimensão C (“Problemas éticos na
gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).
Este item (P26) relaciona-se, com o valor já atribuído aos itens P11 e P22 sobre a
preservação do segredo profissional e, com o item P27 (“Existem os meios necessários
neste centro de saúde para a realização de domicílios”), que apresenta uma média de
3,29 e um desvio-padrão de 1,266, sendo oportuno referir que, segundo afirmam
Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001), é necessário que os gestores de saúde
reconheçam os problemas éticos enfrentados pelos médicos e enfermeiros na sua
actividade diária e considerem que as decisões éticas são modeladas pelas condições do
local de trabalho.
O item P28 (“Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados
neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,49 e um desvio-padrão de 1,246.
Pelo seu lado Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001) recomendam que sejam
implementadas estratégias para apoiar o processo de tomada de decisão ética, e que
sejam criadas oportunidades para os profissionais de saúde envolvidos na prestação dos
cuidados de saúde se ajustarem através da discussão de temas éticos, devendo isto ser
um objectivo para os gestores que desejem fomentar um ambiente de trabalho
colaborante e ético.
A gestão da organização, quando guiada pela justiça, procura agir de forma correcta, e
propicia momentos e espaços para a reflexão ética, os quais, por sua vez, dependem das
situações de comunicação existentes na organização. Para que a organização concretize
as suas possibilidades de reflexão ética, torna-se necessário desenvolver as suas
260 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
O item P30 (“Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de
saúde neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 2,75 e um desvio-padrão de
1,161, é o primeiro dos 3 itens da escala com média inferior a 3,00. Este dado representa
o assumir que, em alguns CS da região Centro existem ficheiros com um número de
utentes excessivo, por vezes superior a 2.000 utentes. Isto acontece porque em alguns
locais as direcções negociaram com os profissionais o aceitar desse número para assim
garantirem que no CS não há doentes sem médico de família.
O mesmo transparece no item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que
garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços”), com uma média de 3,84 e um
desvio-padrão de 1,138, foi o 11º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado
da dimensão C, reflecte a opinião dos profissionais de saúde de que os CS da região
Centro garantem a acessibilidade a todos os seus utentes.
DISCUSSÃO 261
Em 107 dos 370 questionários recebidos verificou-se que os inquiridos tinham respondido
a todas, ou a algumas, das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da
análise qualitativa que já foi descrita nos capítulos anteriores.
Esta segunda amostra é assim constituída por 107 indivíduos, sendo 78 do sexo feminino
(72,9%) e 29 do sexo masculino (27,1%), dos quais 56 são médicos (52,3%) e 51
enfermeiros (47,7%). As suas características sócio-profissionais foram apresentadas no
quadro XXVII (p. 210).
Como já foi descrito, as respostas escritas nos questionários foram lidas e para cada uma
das três perguntas de cada um dos casos, a presença dos “índices”, referidos no quadro
XIV (p. 190), levou ao agrupamento em cinco categorias: “ética principialista”, “ética das
DISCUSSÃO 263
virtudes”, “ética do cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” (anexo 8). numa
segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos foram
reagrupadas numa das cinco categorias em análise, isto se da maioria das 3 respostas
dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias, caso contrário, era agrupada na
categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo
nenhuma.
Pela leitura do quadro XXVIII (p.211), verifica-se que para o caso I, que reflecte um
problema de relacionamento profissional de saúde/paciente, 40,2% das respostas foram
consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na da “ética do cuidado”, e 11,2%
na da “ética das virtudes”. Já para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento
inter-profissionais, verifica-se que 44,9% das respostas foram consideradas na categoria
“ética profissional”, 18,7% na da “ética do cuidado” e 14% foram respostas “mista” em
que não prevaleceu nas 3 questões nenhuma das categorias consideradas. por fim, para
o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de saúde, verifica-
se que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética principialista”, 28%
na da “ética profissional” e 14% na da “ética casuística”.
Somando o total de respostas pelas categorias dos casos, conclui-se que 87 respostas
desenvolvem os problemas éticos pela categoria “ética principialista”, 85 respostas pela
categoria “ética profissional”, 48 respostas pela categoria “ética do cuidado”, 23 respostas
pela categoria “ética casuística” e 21 respostas pela categoria “ética das virtudes”.
Para o caso I, em que se apresenta um problema ético muito comum e próprio dos
cuidados de saúde primários (CSP), um paciente que perturba a rotina do serviço, pode-
se observar que a maioria das respostas foram atribuídas à categoria “ética principialista”
seguida pela “ética do cuidado” (quadro XXVIII, p. 211); quer pelos homens quer pelas
mulheres (quadro XXVIX, p. 212); quer pelos médicos quer pelos enfermeiros (quadro
XXX, p. 213); quer nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216); e apenas na
área de trabalho é que surgiram diferenças (quadro XXXI, p. 214). Nas áreas urbana e
semi-urbana ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido e só a nível da área
rural é que as categorias maioritárias foram a “ética do cuidado” e a “ética das virtudes”
com a mesma percentagem de respostas.
É curioso notar que haja menos enfermeiros que médicos na categoria “ética das
virtudes” (quadro XXX, p. 213), uma vez que o modelo da “enfermeira virtuosa” é um dos
que marca a construção histórico-social da enfermagem. Isto talvez possa ser motivado
264 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
pelo facto dos enfermeiros, nos últimos tempos, virem a desenvolver um processo de
avaliação da sua independência como profissionais de saúde e de revisão colectiva e
crítica da natureza dos seus papéis, actividades e responsabilidades profissionais, como
explica João Veiga (2006).
Ainda nas respostas principialistas do caso I, é possível identificar uma posição, em certa
medida, autoritária de alguns médicos e enfermeiros, quando estes profissionais apontam
os seguintes problemas éticos nas relações com o paciente: “como informar o utente para
conseguir a sua adesão ao tratamento”; “solicitação de procedimentos pelo utente” e
“recusa do utente às indicações médicas”. Isto remete para os comentários de Tom
Beauchamp e James Childress (2001) relativos aos problemas encontrados no contexto
dos cuidados de saúde para se efectivar o respeito pela autonomia dos pacientes nos
serviços de saúde, devido à sua condição dependente e à atitude autoritária dos
profissionais de saúde.
Nos CSP, não são raras as práticas perpetuadoras da dependência do paciente, em vez
de se procurar a promoção da sua autonomia e cidadania. Isso é percorrer o caminho da
beneficência paternalista com os seus traços de superprotecção e, em certa medida, de
autoritarismo que descrevem as atitudes do tipo “eu sei o que é melhor para si”. Na
enfermagem, esta atitude reveste-se de uma nuance particular, pois o processo do
trabalho da enfermagem é marcado pela uso de protocolos e por rotinas de cuidados e
procedimentos que, supostamente, respondem às necessidades de quase todos os
pacientes, isto na maioria das vezes. É bastante comum os enfermeiros encaixarem os
cuidados dispensados a uma pessoa ou a um grupo numa rotina pré-estabelecida, não
importando se ela é, ou não, congruente com as condições de quem procura ou precisa
dos seus cuidados. Parece que se instala o “paternalismo burocrático”, no qual as
normas, os procedimentos e as rotinas determinam o que deve ser feito, não importando
o que é melhor ou mais indicado, ou ainda, o que o paciente autonomamente solicita. Os
pacientes são, então, rotulados de “colaboradores” e “não colaboradores”, sendo que os
primeiros, geralmente recebem os cuidados sem os questionar, ao passo que os
segundos, de uma forma ou outra fazem-no (Thompson, 2004).
Tom Beauchamp e James Childress (2001) afirmam que nas instituições onde as
pessoas são admitidas contra a sua vontade, como as prisões, as violações ao princípio
do respeito pela autonomia são explícitas; mas contudo naquelas onde a admissão é
voluntária, este comprometimento das escolhas autónomas pelas regras, políticas e
DISCUSSÃO 265
É claro que não se advoga com isto que os profissionais de saúde desprezem as rotinas
que tão bem se prestam a organizar os serviços, melhorando o seu fluxo e o processo do
trabalho. O absurdo está na sua conversão em normas rígidas que ordenam as condutas.
Isto talvez possa ser evitado se houver uma ponderação dos princípios da não
maleficência e da beneficência pelos médicos e enfermeiros, embora no momento de
prevenir os danos ou eliminar as condições que os possam provocar, o cumprimento de
normas continue a gozar de uma importância particular.
(quadro XXXI, p. 214) e nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216) é que
surgiram pequenas diferenças, não em relação à primeira categoria que se manteve, a
“ética profissional”, mas em relação à segunda. Assim, nas áreas urbana e semi-urbana
ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido, a nível da área rural é que a
segunda categoria foi a “ética principialista” embora o número de respostas tenha sido
muito pequeno. O mesmo aconteceu com o grupo de menos de 40 anos, em que a
segunda categoria foi igual.
Para a discussão dos resultados deste 2º caso, recorda-se que, segundo Carol Gilligan
(1993), os dilemas hipotéticos, graças à abstracção da sua apresentação, afastam os
actores morais da história e da psicologia das suas próprias vidas individuais e separam
o problema ético dos contextos sociais que envolvem a sua ocorrência. Ao fazerem isso,
segundo a autora, esses dilemas são úteis para verter e apurar os princípios objectivos
da justiça e mensurar a lógica formal da igualdade e reciprocidade. Entretanto, a
reconstrução do dilema na sua particularidade contextual permite a compreensão da
causa e da consequência o que implica a compaixão e a tolerância observadas, nos seus
estudos, e na distinção dos juízos morais das mulheres. Somente quando se dá
substância aos esqueletos da vida das pessoas hipotéticas é possível considerar a
injustiça social que os seus problemas morais podem reflectir e imaginar o sofrimento
individual que a sua ocorrência pode implicar, ou que a sua resolução pode significar
(Gilligan, 1993).
Isto talvez contribua para justificar a mistura das categorias “ética profissional”, “ética do
cuidado” e “ética principialista” que, de forma geral, norteia as resoluções recomendadas
para este caso.
urbana privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética principialista”, mas ocorreu
o inverso com os profissionais das áreas semi-urbana e rural (quadro XXXI, p. 214). Por
grupos etários, os profissionais com menos de 50 anos privilegiaram a “ética
principialista” seguida pela “ética profissional”, enquanto os profissionais com mais de 49
anos privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética casuística” (quadro XXXII, p.
216).
Susan Pierce (1997), com base em estudos empíricos, afirma que os profissionais de
saúde, ao discutirem os casos éticos reais, não revelam nenhum modelo de tomada de
decisão linear, do tipo passo a passo. Ao invés disso, evidenciam uma abordagem
multifacetada, não linear e integrada que se move dos dados e factos para as alternativas
e consequências; voltando para os dados, valores pessoais, visões de mundo, princípios
da bioética e, finalmente, uma escolha e a sua justificação.
A inclusão da categoria “ética casuística” neste último caso ocorreu por alguns dos
profissionais de saúde terem referido as suas experiências anteriores, assim como o
raciocínio por paradigma e analogia.
CONCLUSÕES 269
6. CONCLUSÕES
No entanto, é de referir que, sendo este um primeiro estudo, ainda há muito para
se investigar neste campo, ficando abertas linhas de investigação a serem continuadas
por estudos posteriores.
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
PARTE III
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Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
ANEXOS
VARIÁVEIS A ESTUDAR 297
ANEXO 1
VARIÁVEIS A ESTUDAR
pacientes e suas
famílias
1, 2 e 3 Quando prescrevo P14 Problemas éticos Qualitativa Escala de
um nas relações dos Likert
cuidado/tratamento profissionais de
de resultado saúde com os
impreciso ou com pacientes e suas
prováveis efeitos famílias
secundários
significativos,
comunico o facto
ao meu paciente
1, 2 e 3 Eu não omito P15 Problemas éticos Qualitativa Escala de
informação nas relações dos Likert
relevante ao meu profissionais de
paciente saúde com os
pacientes e suas
famílias
1, 2 e 3 Eu estou atento à P16 Problemas éticos Qualitativa Escala de
capacidade do nas relações dos Likert
meu paciente profissionais de
pagar os produtos saúde com os
que lhe prescrevo pacientes e suas
famílias
1, 2 e 3 Eu estou atento à P17 Problemas éticos Qualitativa Escala de
prescrição de nas relações dos Likert
produtos mais profissionais de
caros com eficácia saúde com os
igual a outros mais pacientes e suas
baratos famílias
4, 5 e 6 Não identifico P18 Problemas éticos Qualitativa Escala de
problemas éticos nas relações inter- Likert
na relação entre os profissionais e inter-
profissionais de pares
saúde que
trabalham neste
centro de saúde
4, 5 e 6 No meu local de P19 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho existe nas relações inter- Likert
delimitação de profissionais e inter-
competências de pares
cada profissional
na equipa de
saúde
4, 5 e 6 No meu local de P20 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho existe nas relações inter- Likert
partilha de profissionais e inter-
informação relativa pares
ao paciente e sua
família entre os
diversos
profissionais da
equipa de saúde
4, 5 e 6 No meu local de P21 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho existe nas relações inter- Likert
partilha de profissionais e inter-
informação entre pares
os profissionais de
saúde face a
indicações clínicas
300 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
imprecisas
4, 5 e 6 No meu local de P22 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho não existe nas relações inter- Likert
quebra do sigilo profissionais e inter-
profissional por pares
parte dos
profissionais de
saúde
4, 5 e 6 No meu local de P23 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho é nas relações inter- Likert
solicitado o profissionais e inter-
consentimento da pares
equipa de saúde
para o relato de
casos em evento
ou publicação
científica
4, 5 e 6 No meu local de P24 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho existe nas relações inter- Likert
acordo no profissionais e inter-
compromisso ético pares
dos profissionais
de saúde
4, 5 e 6 No meu local de P25 Problemas éticos Qualitativa Escala de
trabalho existe nas relações inter- Likert
solidariedade e profissionais e inter-
colaboração entre pares
os profissionais de
saúde
7, 8 e 9 Existe preservação P26 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
da privacidade dos gestão/organização Likert
pacientes no do centro de
espaço físico dos saúde/sistema de
consultórios e saúde
gabinetes do
centro de saúde
7, 8 e 9 Existem os meios P27 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
necessários no gestão/organização Likert
centro de saúde do centro de
para a realização saúde/sistema de
de domicílios saúde
7, 8 e 9 Existe apoio da P28 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
direcção e chefias gestão/organização Likert
para discutir os do centro de
problemas saúde/sistema de
detectados no saúde
centro de saúde
7, 8 e 9 Existe P29 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
transparência da gestão/organização Likert
direcção e chefias do centro de
do centro de saúde saúde/sistema de
na resolução dos saúde
problemas com os
profissionais de
saúde
7, 8 e 9 Não existe P30 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
excesso de gestão/organização Likert
utentes e famílias do centro de
inscritos por cada saúde/sistema de
profissional de saúde
VARIÁVEIS A ESTUDAR 301
saúde do centro de
saúde
7, 8 e 9 Existe uma P31 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
organização do gestão/organização Likert
centro de saúde do centro de
que garante o saúde/sistema de
acesso de todos saúde
os utentes aos
seus serviços
7, 8 e 9 Existe facilidade P32 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
no acesso a meios gestão/organização Likert
complementares do centro de
de diagnóstico saúde/sistema de
necessários aos saúde
utentes do centro
de saúde
7, 8 e 9 Existe fiabilidade P33 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
nos resultados dos gestão/organização Likert
meios do centro de
complementares saúde/sistema de
de diagnóstico saúde
efectuados pelos
utentes do centro
de saúde
7, 8 e 9 A organização do P34 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
sistema de saúde gestão/organização Likert
garante, no geral, do centro de
serviços de saúde/sistema de
referenciação saúde
(cuidados de
saúde
secundários) que
dão resposta
atempada às
solicitações do
centro de saúde
7, 8 e 9 Existe informação P35 Problemas éticos na Qualitativa Escala de
de retorno gestão/organização Likert
pertinente sobre os do centro de
cuidados saúde/sistema de
prestados aos saúde
utentes do centro
de saúde pelos
serviços de
referenciação
(cuidados de
saúde
secundários)
10, 11 e 12 Questões de Atitudes que Qualitativa Análise de
resposta aberta moderam a tomada conteúdo das
de decisão frente a respostas
problemas éticos
Para o estudo dos objectivos 10, 11 e 12 serão apresentados os três casos e colocadas
três questões de resposta aberta.
302 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Casos:
A) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que
dificultam as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores
de tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde
ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa
sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003)3
B) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida
afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas
queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe
grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando
alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente.
Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu
atendimento e acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas. (Loff,
2004)
3
pp. 33.
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 303
ANEXO 2
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
“ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS”
O meu nome é José Augusto Rodrigues Simões, sou médico, especialista de medicina
geral e familiar, mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de
Aveiro, e estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a sua opinião e atitude perante o
tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer
favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação
“Ética e Cuidados de Saúde Primários”.
Não escrever
neste espaço
A. Sexo:
1. - Sexo Masculino € 2. - Sexo Feminino € A-[ ]
C. Profissão:
1. - Médico € 2. - Enfermeiro € C-[ ]
Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (x) o grau de
concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante cada
uma.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P1 - [ ]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 305
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P2 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P3 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P4 - [ ]
P5. Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P5 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P6 - [ ]
306 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P7 - [ ]
P8. Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a
autorização dos seus pais ou tutores.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P8 - [ ]
P9. Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à
intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P9 - [ ]
P10. Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o
seu estado de saúde quando relevante.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P10 - [ ]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 307
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P11 - [ ]
P12. Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em
evento ou publicação científica.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P12 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P13 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P14 - [ ]
308 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P15 - [ ]
P16. Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P16 - [ ]
P17. Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais
baratos.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P17 - [ ]
P18. Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que
trabalham neste centro de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P18 - [ ]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 309
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P19 - [ ]
P20. No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua
família entre os diversos profissionais da equipa de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P20 - [ ]
P21. No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde
face a indicações clínicas imprecisas.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P21 - [ ]
P22. No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos
profissionais de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P22 - [ ]
310 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P23. No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato
de casos em evento ou publicação científica.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P23 - [ ]
P24. No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de
saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P24 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P25 - [ ]
P26. Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e
gabinetes neste centro de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P26 - [ ]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 311
P27. Existem os meios necessários neste centro de saúde para a realização de domicílios.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P27 - [ ]
P28. Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados neste centro
de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P28 - [ ]
P29. Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na resolução dos
problemas com os profissionais de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P29 - [ ]
P30. Não existe excesso de utentes e famílias inscritos em cada profissional de saúde neste
centro de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P30 - [ ]
312 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P31. Existe uma organização deste centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes
aos seus serviços.
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P31 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P32 - [ ]
P33. Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados
pelos utentes deste centro de saúde.
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P33 - [ ]
1- 2- 3- 4- 5-
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente
em desacordo acordo, nem de acordo
desacordo em
desacordo
€ € € € € P34 - [ ]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 313
P35. Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes deste
centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).
1- 2- 3- 4- 5- Não
Totalmente Em Nem de De acordo Totalmente escrever
em desacordo acordo, nem de acordo neste
desacordo em espaço
desacordo
€ € € € € P35 - [ ]
Seguem-se três casos, por favor, responda às questões apresentadas descrevendo a sua
atitude perante cada caso.
I. O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam as
actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de tensão
arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde ele está
inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa sentem-se
tentados e deixar de investir nele os seus esforços.
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- E por quê?
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314 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
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II. Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida afectiva
sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas queixas
dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe grande
instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando alguém dela
se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente. Um dia, o
familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu atendimento e
acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas.
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- E por quê?
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III. F., de 46 anos de idade, foi à Consulta Aberta/Complementar do Centro de Saúde, por não ter
Médico de Família, tal como mais 3.000 pessoas na área, por insuficiência de médicos no Centro,
queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-lhe um exame sumário e
requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km de distância. Dois meses depois
voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o radiologista dizia não poder concluir sem
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO 315
uma ecografia. Nova requisição e novo exame na cidade. Dois meses depois nova consulta e
terceiro médico a consultá-la no Centro de Saúde, é necessário a sua referenciação ao Hospital
por lesão mamária suspeita pelo que lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à
consulta hospitalar seis meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames
analíticos pedidos pelo Centro de Saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas,
novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-biopsia deram-
lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para a operação. Esperou seis
meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde trabalhava a dias, que tinha um colega
médico, que lhe desse uma ajuda e passado um mês foi internada pelo serviço de urgência e
operada: tumor maligno com metástases ganglionares.
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- E por quê?
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ANEXO 3
ANEXO 4 319
ANEXO 4
CARTA AOS DIRECTORES DE CENTROS DE SAÚDE 321
ANEXO 5
Ex.mo(a) Senhor(a)
Director(a) do Centro de Saúde
Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar,
mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a
realizar um estudo onde pretendo conhecer a opinião e atitude de médicos e enfermeiros que
trabalham em Centros de Saúde perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer
favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação
“Ética e Cuidados de Saúde Primários” (anexo cópia).
ANEXO 6
TERMO DE RESPONSABILIDADE DO INVESTIGADOR
Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar, mestre em bioética e
doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a
sua opinião e atitude perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
Nesse sentido, agradeço a sua colaboração ao aceitar o preenchimento do questionário anexo, pedindo desde
já desculpa pelo possível incómodo que lhe causo.
Este questionário é anónimo e os dados por si fornecidos são confidenciais, destinando-se a ser tratados em
conjunto. Assumo a responsabilidade que esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no âmbito da
minha tese de doutoramento em Ciências da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou
em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a
Administração Regional de Saúde do Centro.
Com a investigação a desenvolver, espero dar resposta aos seguintes aspectos a nível da Administração
Regional de Saúde do Centro:
1. Identificar problemas éticos nas relações entre médicos de família – que trabalham em Centros de Saúde – e
os pacientes (e suas famílias).
2. Identificar problemas éticos nas relações entre enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os
pacientes (e suas famílias).
3. Comparar os problemas éticos identificados nas relações entre médicos de família – que trabalham em
Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias) com os problemas éticos identificados nas relações entre
enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias).
4. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde.
5. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por enfermeiros que
trabalham em Centros de Saúde.
6. Comparar os problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros
de Saúde.
7. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por médicos de família que trabalham em Centros de Saúde.
8. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
9. Comparar os problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por médicos e família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por
enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
10. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde.
11. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de enfermeiros
que trabalham em Centros de Saúde.
12. Comparar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde com as que moderam a tomada de decisão frente a problemas
éticos por parte de enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer favorável à
realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação “Ética e Cuidados de Saúde
Primários”.
ANEXO 7
4
Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]
326 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Pelo exposto, o autor do presente estudo considera que, apesar de não ter
solicitado, nem previamente nem a posteriori, autorização à Comissão Nacional de
DELIBERAÇÃO Nº 227/2007 DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (CNPD) 327
Protecção de Dados, por o estudo não fazer tratamento de dados pessoais, mas
unicamente tratar, anonimamente, a opinião dos inquiridos, cumpre os fundamentos
da Deliberação nº 227/2007.
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 329
ANEXO 8
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
Empirical studies BRODY, H., J Fam Pract Reflexivo Os limites da interferência da equipa no estilo de vida
of ethics in family 1983 1983; 16: das famílias ou dos pacientes, ou seja, em que medida
medicine 1061-3. os profissionais de saúde podem ser coercivos acerca
das opções terapêuticas e das mudanças de estilo de
330 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
How family CHRISTIE, J Fam Pract Qualitativo Médicos Universitár Estudo realizado com professores do Departamento de
physicians RJ. et al., 1983; 16(6): io Medicina da Universidade de Ontário Ocidental,
approach ethical 1983 1133-8. Canadá. Sugere que a disponibilidade ou não para
problems interferir no estilo de vida das pessoas doentes varia de
acordo com as consequências para a saúde e com o
comportamento que deve ser alterado. A maioria dos
inquiridos (84,3%) está preparada para tentar mudar o
estilo de vida de um paciente quando este configura um
potencial dano para a sua saúde. Entretanto, poucos se
sentem preparados para tentar essa alteração quando
a questão envolve problemas como a interrupção de
uma gravidez, contracepção permanente, fim de um
casamento, uso de drogas ilícitas ou casos
extraconjugais, situação em que 86% dos entrevistados
afirma que raramente interferiria. Excepção deve ser
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 331
Ethical decision DAYRINGER J Fam Pract Qualitativo Médicos Cuidados Estudo realizado com 131 médicos de Illinois, EUA;
making by family , R., PAIVA, 1983; 17: Primários sobre problemas éticos encontrados na prática da
physicians EAR., 267-72. medicina familiar aponta para que se um paciente do
DAVIDSON, sexo masculino contraísse uma doença sexualmente
GW., 1983 transmissível, infectasse a sua esposa, não quisesse
contar a verdade e pedisse que ela fosse tratada sem
saber da sua condição, os profissionais resistiriam ao
pedido e diriam a verdade para a esposa, tratando-a
abertamente. Além de indicar que os problemas éticos
relativos à contracepção são comuns na prática diária,
revelam uma disposição destes profissionais para
prescrever contraceptivos às adolescentes que os
peçam, ainda que sem permissão dos pais. Do total de
131 respondentes, 76% prescreveriam; 13% refeririam
para um serviço especializado e somente 11% se
recusariam a ficar envolvidos.
Relevance and PELLEGRIN JAMA 1985; Quantitativo Médicos Estudo que apresenta os dados do inquérito realizado
utility of courses in O, ED. et al., 253(1): 49- em 1982, pela Associação Médica Americana, para
medical ethics: a 1985 53. apurar como os médicos avaliam a eficácia da sua
survey of educação em os preparar para lidar com as questões
physicians’ éticas encontradas na prática clínica. Os resultados
perceptions indicam que os médicos que tiveram cursos de ética
médica percebem que eles são de grande valor prático
e recomendam que o seu conteúdo seja expandido.
Apresentam também dados sobre a frequência relativa
332 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Physician-nurse PRESCOTT, Ann Intern Quantitativo Médicos e Hospitalar Estudo realizado com mais de 1000 enfermeiras e
relationships PA., Med 1985; Enfermeiras cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis
BOWEN, 103(1): 127- áreas metropolitanas dos EUA, que indica que a
SA., 1985 33. demora no cuidado do paciente e os problemas
recorrentes de disputas não resolvidas são um
subproduto do desacordo entre os profissionais. A
maioria dos médicos (65%) e dos enfermeiros (53%)
assumem uma atitude competitiva, isto é, ambos
querem fazer valer os seus direitos e não se mostram
cooperativos na forma de resolver os seus desacordos.
Os autores chegam a sugerir que o desacordo não é
indesejável. Ao contrário, defendem que este pode ter
um papel importante nos cuidados, uma vez que as
enfermeiras e os médicos têm perspectivas diferentes
quanto a muitos problemas de saúde dos utentes. No
estudo, as enfermeiras apontam o desrespeito dos
médicos para com elas, enfatizando a falta de
confiança. Do ponto de vista destes profissionais, uma
relação é boa quando o médico acredita no julgamento
da enfermeira e confia que esta o chamará quando
necessário. É importante para as enfermeiras sentirem-
se tratadas com respeito, como pessoas inteligentes e
saberem que contarão com o suporte do médico na
presença do paciente. Já para os médicos, tem
importância a maneira como a enfermeira os aborda e
a competência clínica destes profissionais, apontando
que é comum a falta de diplomacia ou tacto, de bom
julgamento clínico e de ajuda. Para os médicos, as
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 333
Perceptions of GRAMELSP Archives of Qualitativo Médicos e Hospitalar Para identificar o modo como os médicos e os
ethical problems ACHER, GP., Internal Enfermeiros enfermeiros percebem os problemas éticos na prática
by nurses and HOWELL, Medicine clínica, foram realizadas entrevistas com 26
doctors JD., YOUNG, 1986; 146(3): enfermeiros e 24 médicos que trabalham em unidades
MJ., 1986 577-8. de cuidados intensivos do Michigan, EUA. Ambos os
grupos referiram que frequentemente enfrentam
problemas éticos, embora se tenha verificado uma
variação significativa no seio de cada grupo sobre
quantas vezes tinham percebido tais problemas. Os
membros da equipa de cuidados de saúde muitas
vezes discordaram sobre decisões éticas. Os
enfermeiros frequentemente descrevem conflitos com
os médicos, enquanto os médicos só muito raramente
reconhecem desacordos com os enfermeiros. Os
eticistas clínicos devem estar conscientes desta
heterogeneidade de percepções, a fim de comunicarem
eficazmente sobre os problemas éticos.
Patients’ voices, HILL, WY., J Bus Ethics. Pacientes Estudo interdisciplinar realizado na Escócia com uma
rights and FRASER, I., 1988; 17: amostra representativa da diversidade da população
responsibilities: on COTTON, P., 1481-97. utente dos serviços de saúde daquele país aponta a
implementing 1988 prescrição de medicamentos genéricos mais baratos,
social audit in como uma área especialmente problemática, pois a
primary health care falta de informação dos utentes gera a falta de
confiança na eficácia destes produtos.
Ethical issues in ROBILLARD, J Community Quantitativo Médicos e Cuidados Num estudo realizado numa amostra aleatória
334 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
primary health HM. et al., Health. 1989; Enfermeiras Primários estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos,
care: a survey of 1989 14: 9-17. enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos) que
practioners’ trabalham em serviços de cuidados de saúde primários
perceptions no Kentuchy (EUA), também têm resultados que
confirmam o facto das ocorrências éticas mais comuns
nos cuidados primários configurarem as preocupações
pragmáticas do dia a dia, especialmente as ligadas à
prática clínica. Nesse estudo, os doze principais
problemas apontados como os mais frequentes não
são dramáticos ou tão pouco merecedores de destaque
na imprensa, mas ocorrem repetidamente. Dentre eles
estão a falta de preparação e actualização dos
profissionais de saúde; o trato desrespeitoso para com
os pacientes; a solicitação do paciente por
procedimentos desnecessários; a informação
inadequada aos pacientes; a solicitação de informações
por parte da família comprometendo a
confidencialidade do paciente; a violação da
confidencialidade do paciente e as dificuldades com os
serviços e procedimentos de referência. Ao
compararem os médicos com os outros profissionais de
saúde que actuam nos cuidados primários encontram
uma diferença estatisticamente significativa entre os
dois grupos no tocante ao registo da frequência com a
qual se deparam com problemas éticos. Isto ocorreu
para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e,
somente em dois deles, os médicos reportam uma
proporção maior (tratamentos desnecessários
aplicados pela preocupação de proteger-se legalmente
e suspensão das medidas de suporte de vida), nos
demais, o grupo dos restantes profissionais afirma
encontrar os problemas comummente ou
ocasionalmente com mais frequência, o que poderia
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 335
Ethical decision FOWLER Nurs Clin of Reflexivo Enfermeiras A educação ética contemporânea da enfermagem
making in clinical MD., 1989 North Am. incide sobre a utilização de um modelo de ética
practice 1989; 24(4): analítica para a tomada de decisão tanto para o seu
955-65. processo como para o seu conteúdo. Talvez este seja o
caso porque ele tem algumas semelhanças com o
processo de enfermagem, que é ensinado de forma
semelhante. Assim, um método dedutivista de tomada
de decisões éticas encaixa-se dentro do mesmo
esquema geral do hipotético-dedutivo, método de
tomada de decisão que é ensinado para o diagnóstico
de enfermagem. A ética exige que a enfermagem
respeite as pessoas, informe os pacientes e se
assegure do seu consentimento, não infligindo danos,
deve preservar a qualidade de vida do paciente,
prevenir e eliminar os danos nocivos, criar condições
de fazer o bem aos doentes, e minimizar os riscos para
si própria. Estas são, entre as normas de obrigação
ética que orientam a análise e julgamento em
enfermagem, a essência do modelo de ética analítica
da tomada de decisão. A ética da enfermagem criou
elevados ideais e grandes exigências para a
enfermagem. Estas são exigências que a enfermagem
tem cumprido e ideais que têm sido frequentemente
realizados. Qualquer que seja a força da nossa ciência,
a enfermagem é um esforço intrinsecamente moral, tão
forte como o seu empenho nas suas obrigações éticas
336 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Community health AROSKAR, Nurs Clin Qualitativo Enfermeiras Cuidados Enfermeiras que actuam em saúde pública, no estado
nurses: their most MA., 1989 North Am. Primários de Minnesota (EUA), ao descreverem questões sobre
significant ethical 1989; 24(4): contar a verdade como um problema ético significativo
decision-making 967-75. das suas práticas; exemplificam-no com situações que
problems abrangem o não denunciar a qualidade questionável da
assistência prestada por alguns colegas e/ou médicos
quando o bem estar do paciente está em jogo.
Emotions and the CONNELLY J S C Med Reflexivo Médicos As emoções desempenham um papel central nas
process of ethical JE., 1990 Assoc. 1990; nossas vidas diárias. Elas influenciam o nosso
decision-making 86(12): 621- comportamento, bem como o desenvolvimento e
3. direcção das nossas relações. Clinicamente, as
emoções podem sinalizar a presença de conflitos éticos
entre pacientes, médicos e outros profissionais
envolvidos nos cuidados aos pacientes. As emoções
precisam ser reconhecidas pelos médicos e
trabalhadas na direcção de interacções empáticas,
apesar de ambas, razão e emoção, precisarem de ser
integradas no processo de tomada de decisão ética
para garantir um resultado equilibrado.
An integrative GRUNSTEIN Theor Med. Reflexivo O objectivo deste trabalho é propor um modelo de
model of clinical- -AMADO, R., 1991; 12(2): tomada de decisão de ética clínica que contribua para o
ethical decision 1991 157-70. profissional de saúde chegar a uma decisão eticamente
making defensável. O modelo destaca a integração entre ética
e tomada de decisão, em que a ética é uma ferramenta
analítica sistemática para suportar os aspectos
positivos do processo de tomada de decisão. O modelo
é composto por três elementos principais. A
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 337
Communication MACKAY, Qual Assur Quantitativo Médicos e Hospitalar Dificuldades na comunicação entre médicos e
problems between RC., Health Care Enfermeiros enfermeiros hospitalares estão bem documentadas. Um
doctors and nurses MATSUNO, 1991; 3(1): estudo realizado em conjunto pela direcções médica e
K., 11-9. de enfermagem do Hospital Sir Charles Gairdner em
MULLIGAN, Perth (Austrália Ocidental), sobre as dificuldades de
J., 1991 comunicação entre médicos e enfermeiros percebidos
pelos próprios, bem como por administrativos, como
observadores imparciais. As respostas ao questionário
revelaram alguns impedimentos no fluxo da
comunicação. Ambos, enfermeiros e médicos,
percebem com menos frequência as dificuldades em
comunicarem com os membros do seu próprio grupo
profissional, do que com os membros do outro grupo.
Os enfermeiros com preparação universitária e outras
especializações clínicas percebem significativamente
menos problemas de comunicação com os médicos do
que os enfermeiros com menor escolaridade. Os
Internos percebem uma maior frequência da dificuldade
em comunicar com os enfermeiros do que os médicos
mais qualificados. As médicas que não eram internas
alegaram menos problemas do que os seus homólogos
masculinos. Também, os médicos do sexo masculino
altamente qualificados, e que tiveram uma ocupação
anterior, referem menos problemas de comunicação
médico-enfermeiro.
338 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Physicians’ and WALKER, J Gen Intern Qualitativo Médicos e Hospitalar Estudo realizado na Florida (EUA), para entender que
nurses’ RM. et al., Med. 1991; Enfermeiras tipos de situações clínicas os médicos e os enfermeiros
perceptions of 1991 6(5): 424-9 consideram ser “problemas éticos”. Estudaram
ethics problems on prospectivamente médicos e enfermeiros sobre as suas
general medical percepções dos problemas éticos utilizando entrevistas
services emparelhadas. Foram realizadas entrevistas individuais
aos médicos e enfermeiros sobre como eles cuidavam
dos pacientes durante o mesmo período de seis
semanas. Cada um foi questionado se tinha surgido
algum problema ético no cuidado dos seus pacientes e,
em caso afirmativo, fazer uma breve descrição do(s)
problema(s). Treze médicos (na sua maioria residentes
de medicina familiar) e 42 enfermeiros cuidaram de 142
pacientes internados em enfermaria geral. Os médicos
e os enfermeiros referiram casos com problemas éticos
em 75 dos 142 pacientes internados. Embora, os
médicos e os enfermeiros tenham identificado casos
com problemas éticos em número semelhante, porém,
muitas vezes os problemas éticos identificados foram-
no em diferentes pacientes ou foram identificados
diferentes problemas éticos no mesmo paciente. Foram
descritos uma variedade de tipos de problemas éticos.
Os médicos identificaram mais problemas relacionados
com a qualidade de vida, o internamento hospitalar
inadequado e os custos dos cuidados de saúde; os
enfermeiros identificaram mais problemas relacionados
com as preferências do paciente, os desejos da família,
a gestão da dor, a execução de tratamentos e o
planeamento da alta. Um quarto dos problemas éticos
identificados pelos médicos e enfermeiros envolveram
conflitos interprofissionais. Os médicos e os
enfermeiros estudados consideraram uma vasta gama
de situações clínicas como “problemas éticos” e que
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 339
Ethical decision HOFFMAST Soc Sci Med. Quantitativo Médicos Cuidados Estudo envolvendo 674 médicos de família do Canadá
making by family ER, CB., 1991; 33(6): Primários e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País
doctors in Canada, STEWART, 647-53. de Gales. Foi enviado um questionário contendo seis
Britain and the MA., casos que levantavam questões éticas. Os médicos
United States CHRISTIE, foram convidados a escolher o curso de acção que
RJ., 1991 consideravam mais adequado para cada caso e a
referir as razões para essa decisão. Os problemas
éticos envolviam questões quanto à divulgação de
informações aos pacientes, quanto a um médico
interferir com os estilos de vida dos seus pacientes, e
quanto a lidar com um possível problema familiar. Os
inquiridos seleccionaram diferentes cursos de acção
para os casos. Os médicos americanos mais do que os
canadianos ou britânicos optaram por divulgar as
informações, enquanto mais os médicos britânicos do
que os canadianos ou americanos não queriam
interferir nos estilos de vida dos pacientes. Os médicos
que optaram por divulgar as informações eram mais
jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas
comunidades e sem qualquer ligação a estruturas
académicas. Os médicos, que preferiram não interferir
nas questões de estilos de vida dos pacientes eram
mais jovens, ligados a igrejas, e trabalhavam em grupo
em pequenas comunidades.
340 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Differences in GRUNSTEIN J Adv Nurs. Qualitativo Médicos e Hospitalar Entrevistas a nove enfermeiros e nove médicos que
ethical decision- -AMADO, R., 1992; 17(2): Enfermeiros trabalham em unidades para pacientes agudos e
making processes 1992 129-37. crónicos de dois hospitais de Toronto (Canadá)
among nurses and encontra diferenças que sugerem uma tendência dos
doctors primeiros apresentarem uma maior sensibilidade para
as questões éticas. Também indicam que ambos
entendem como importante buscar o melhor bem do
paciente, entretanto sob perspectivas distintas, com os
enfermeiros enfatizando mais a dignidade, o conforto e
os desejos deste, enquanto que os médicos estão mais
preocupados com os direitos dos pacientes e a
abordagem científica que implica focar mais a doença e
o seu tratamento. O estudo sugere que existe a
necessidade de desenvolvimento de uma nova prática,
com base em atributos comuns aos dois grupos
profissionais e em que ambos os grupos estejam
empenhados. Isso constituiria um ponto de referência
comum compartilhado pelas duas profissões a partir do
qual se poderiam resolver os problemas éticos e que
iria remover as barreiras de comunicação.
The nature of Wellard S., J Adv Nurs. Enfermeiros Entrevistas a enfermeiros de serviços de diálise, na
dilemmas in 1992 1992; 17: comunidade de Victoria (Austrália), onde as relações
dialysis nurse 951-8. com os pacientes são mais duradouras e com
practice contactos constantes, identifica que o início deste
relacionamento é visto como “muito difícil”. Conflitos
surgem porque os pacientes não acreditam que os
enfermeiros tenham a ‘expertise’ requerida para prover
o cuidado adequado, tendo estes que provar a sua
habilidade antes de gozarem da confiança dos
primeiros. Com o decorrer do tempo, este conflito
resolve-se, a relação distante e de desconfiança dá
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 341
Ethical reasoning UDÉN, G. et J Adv Nurs. Qualitativo Médicos e Hospitalar Entrevistaram enfermeiros e médicos dos
in nurses’ and al.,1992 1992; 17(9): Enfermeiros departamentos de Medicina Interna e Oncologia do
physicians’ stories 1028-34. Hospital Universitário de Tromsö (Noruega). Ao
about care pedirem para que os entrevistados narrassem uma
episodes situação de cuidado que fosse eticamente problemática
e que tivessem vivido na enfermaria, percebem que
especialmente nas histórias dos enfermeiros e menos
nas dos médicos, há menções a desacordo entre as
duas profissões. Os médicos são frequentemente
apontados como fontes de conflitos éticos pelos
enfermeiros; por outro lado, estes raramente são
mencionados nas narrativas dos primeiros. Por outro
lado indica que os enfermeiros tendem a respeitar a
autonomia dos pacientes, enquanto que os médicos se
inclinam para o paternalismo. Estes resultados foram
interpretados como estando essencialmente ligados ao
facto de as duas profissões terem diferentes tarefas a
realizar e que estão treinados em disciplinas com focos
diferentes, a enfermagem e a medicina. É sublinhada a
necessidade de encontrar um quadro comum que
abranja as duas histórias profissionais.
Ethical challenge DUNCAN, J Adv Nurs. Qualitativo Enfermeiras Cuidados Estudo com enfermeiros de serviços extra-hospitalares
in community SM., 1992 1992; 17(9): Primários de British Columbia (Canadá), que revelaram que as
health nursing. 1035-41. situações éticas mais difíceis que enfrentam na sua
prática diária envolvem os direitos dos adultos e
adolescentes em risco. A defesa e o desenvolvimento
da comunidade requerem que os enfermeiros que
actuam na comunidade se centrem nas condições que
342 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Ethical decision- GRUNSTEIN J Adv Nurs. Qualitativo Médicos e Hospitalar Este trabalho relata os resultados de um estudo
mking processes -AMADO, R., 1993; 18(11): Enfermeiras realizado com 18 profissionais de saúde em dois
used by health 1993 1701-9. hospitais de Toronto (Canadá). O estudo analisou e
care providers avaliou o modo como estes prestadores de cuidados de
saúde tomavam decisões de ética clínica na linha de
um modelo teórico de tomada de decisão em ética
clínica. Nove enfermeiros e nove médicos foram
entrevistados em duas fases, em profundidade, e em
entrevista semi-estruturada. Os resultados sugerem
que, em relação aos dois principais elementos do
modelo, a saber, a componente ética e a componente
da decisão teórica, os prestadores de cuidados de
saúde não seguiram um padrão consistente e
sistemático de tomada de decisão ética. As diferenças
surgiram entre o seu comportamento real auto-relatado
e as suas potencialidades como capacidade (isto é, o
seu processo de pensamento abstracto). A imagem
geral que se obteve foi que as decisões eram tomadas
de um modo estreito, da forma habitual, com a
eliminação dos mais importantes e exigentes elementos
do processo. Para os prestadores de cuidados de
saúde avaliados na abordagem do processo de tomada
de decisão ética contava: a sua percepção do
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 343
Two instruments to BAGSS, JG., Heart Lung. Quantitativo Médicos e Hospitalar Para desenvolver e testar dois instrumentos de
measure 1993 1993; 22(6): Enfermeiros medição da tomada de decisão sobre o nível de
interdisciplinary 542-7. agressividade das unidades de cuidados intensivos.
bioethical decision Decisões sobre Agressividade da Assistência ao
making Paciente (DAAP) mede as percepções sobre a tomada
de decisões dos prestadores de cuidados. Decisões
sobre Agressividade da Assistência ao Paciente para
Pacientes Específicos (DAAP [PE]) mede as
percepções em situações específicas. Duas fases na
avaliação dos instrumentos psicométricos. Fase I, envio
de um questionário de âmbito nacional. Fase II, em
unidade de cuidados intensivos médicos de um centro
médico do nordeste. Fase I, 22 médicos e enfermeiras
especialistas de unidades de cuidados intensivos. Fase
II, 35 enfermeiras da unidade de cuidados intensivos,
médicos e oito médicos residentes. Foram medidas as
propriedades psicométricas dos instrumentos. A
validade do conteúdo de ambas as ferramentas foi
apoiado pelo seu desenvolvimento a partir da literatura
e pelos peritos consultados. A validade de face foi
apoiada pelos peritos, enfermeiras e médicos
344 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Moral dilemmas VIENS, DC., Nurs Pract Qualitativo Enfermeiros Cuidados Um estudo feito com enfermeiros da região oeste dos
experienced by 1994 Forum. 1994; Primários EUA, que já apresenta como um problema ético para
nurse practitioners 5: 209-14. os que actuam nos cuidados primários o direito e o
acesso aos serviços de saúde, principalmente pelas
situações geradas em consequência dos cortes nos
gastos e das restrições de procedimentos impostas
pelos seguros de saúde, através da estratégia do
managed care.
The discussion of PFEIFER, J Gen Intern Qualitativo Médicos e Cuidados Estudo acerca da discussão dos cuidados médicos no
end-of-life medical MP. et al, Med. 1994; Pacientes Primários final da vida, realizado com 43 médicos e 53 utentes de
care by primary 1994 9: 82-8. serviços de cuidados primários, indica que os primeiros
care patients and demonstram hesitação para iniciar esse tipo de
physicians argumento, pois temem prejudicar as esperanças dos
últimos e o seu relacionamento com eles. Por outro
lado, os resultados sugerem que os médicos
provavelmente têm pouco a temer nesse sentido,
porque os utentes entrevistados manifestam receber
bem o argumento, vêem-no como parte integrante da
intimidade da relação e acreditam que os profissionais
devem gerir a informação com franqueza.
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 345
Informed consent: SEARIGHT, Fam Med. Médicos Cuidados Os autores analisam os aspectos clínicos, éticos e
clinical and legal HR., 1994; 26: Primários legais do consentimento livre e esclarecido na prática
issues in family BARBARAS 244-9. dos médicos de família, reconhecem que nas situações
practice H, RA., 1994 de uma relação médico-paciente prolongada é possível
que alguns pacientes tendam a transferir a decisão
para o profissional. São habitualmente competentes e
comunicam uma clara preferência que deve ser
respeitada. Entretanto, para que a delegação seja
válida, devem ser esclarecidos que o profissional tem o
dever de informá-los sobre o tratamento, que têm um
direito legal de decidir sobre este, que não podem ser
tratados sem o seu consentimento e que têm o direito
de consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão,
alertam os autores, deve ser registada no processo
clínico e esta delegação deve ser realizada somente
quando o paciente explicitamente declara que não quer
mais ser informado ou claramente indica o desejo de
que o médico tome a decisão por ele. Mesmo assim, os
profissionais devem deixar claro que imediatamente
fornecerão qualquer informação adicional se o paciente
mudar de ideias.
Confidentiality o CARMAN, Br J Gen Qualitativo Pacientes Cuidados Estudo qualitativo desenvolvido, em diferentes cidades
medical records: D., Pract. 1995; Primários inglesas de uma área semi-rural, com 39 pacientes de
the patient’s BRITTEN, 45: 485-8. consultórios de seis clínicos gerais, com 12.000
perspective N., 1995 pessoas adstritas. Em entrevistas semi-estruturadas,
realizadas nas suas próprias casas, os utentes eram
encorajados a manifestar as suas expectativas sobre a
confidencialidade dos dados constantes nos seus
processos clínicos. Os entrevistados afirmam que os
médicos e enfermeiras deveriam ter algum grau de
acesso aos seus registos, mas não ilimitado, sendo
346 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Medical and GALLAGHE Nurs Ethics. Reflexivo Médicos e Desde a publicação da Carol Gilligan's "In a different
nursing ethics: R, A., 1995 1995; Enfermeiros voice" em 1982, tem havido muita discussão sobre as
never the twain? 2(2):95-101. abordagens masculina e feminina da ética. Tem sido
sugerido que a ética do cuidado, ou uma ética feminina,
é mais adequada para a prática da enfermagem, o que
contrasta com a tradicional ética ‘masculina’ da
medicina. Tem sido sugerido que a versão de Nel
Noddings da 'ética do cuidado’ (ou ética feminina) é um
modelo adequado para a ética da enfermagem. A
abordagem dos ‘quatro princípios’ tornou-se popular
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 347
Ethical decision- SMITH, KV., Nur Ethics. Qualitativo Enfermeiras Hospitalar A ética da tomada de decisão é inerente à prática da
making by staff 1996 1996; 3(1): enfermagem. Embora uma parcela da literatura de
nurses 15-25. enfermagem seja dedicada à deontologia e ética na
tomada de decisões, a profissão está apenas
começando a investigar a experiência real das
enfermeiras em ética. Portanto, o objectivo do presente
estudo fenomenológico foi o de examinar a experiência
pessoal das enfermeiras quando envolvidas no
processo de tomada de decisões éticas. Os dados das
entrevistas foram obtidos a partir de 19 enfermeiras da
equipa de um grande hospital metropolitano do oeste
348 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Ethical dilemmas WAGNER, Nurs Ethics. Quantitativo Enfermeiros Hospitalar Um estudo realizado em Israel, durante os anos de
experienced by N., RONEN, 1996; 3(4): e 1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalham em
hospital and I., 1996 294-304. Cuidados hospitais e outros 239 que actuam na comunidade, em
community nurses: Primários centros de enfermagem comunitária ou em serviços de
an Israeli survey saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos
de problemas enfrentados por estes dois grupos.
Através de um questionário auto-aplicado, cada
enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses,
havia ou não vivenciado as 39 situações
potencialmente geradoras de problemas éticos,
abrangendo as esferas clínico-profissional,
administrativa e interpessoal. Os resultados mostram
que em todas as áreas, excepto nas questões relativas
à informação e confidencialidade, há diferenças
segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente
hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque
mais variado de problemas, de distintas natureza e
extensão. A análise de regressão feita para verificar a
associação entre as características demográficas e
profissionais dos sujeitos e os registos das situações
geradoras de problemas revela que esta ocorre
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 349
A VINEY, C., Nurs Crit Qualitativo Médicos e Hospitalar O estudo comparou e contrastou as experiências de
phenomenological 1996 Care. 1996; enfermeiros médicos graduados e enfermeiros na tomada de
study of ethical 1(4): 182-7. decisão ética relativa à paragem de tratamento. Os
decision-making médicos geralmente assumem o papel primordial na
experiences tomada de decisão ética, deixando para os enfermeiros
among senior o agirem como meros informadores da decisão. Os
350 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Ethical theory, ROBERTSO J Med Qualitativo Médicos e Hospitalar Estudo etnográfico desenvolvido numa enfermaria
ethnography, and N, DW., 1996 Ethichs. Enfermeiros psiquiátrica, na Inglaterra, com o objectivo de estudar
differences 1996; 22:5 empiricamente a teoria moral – dos princípios, das
between doctors 292-9. virtudes ou as feministas – que descreveria de forma
and nurses in mais adequada as abordagens dos enfermeiros e dos
approaches to médicos no cuidado diário ao paciente, chega a
patient care resultados distintos, apontando diferenças entre a
abordagem moral dos dois grupos profissionais. As
observações mostram uma coincidência entre a virtude
e as concepções de beneficência baseadas no
relacionamento (um conceito elaborado na teoria
feminista do relacionamento) e, embora o compromisso
com a beneficência fosse central para toda a equipa, a
ocorrência deste tipo de reflexão encontra-se mais
expresso entre os enfermeiros (16 eventos) do que
entre os médicos (3 eventos).
Caring and justice: RICKARD, Nurs Ethics. Quantitativo Médicos e Hospitalar Estudo a fim de explorar a distribuição parcial e
a study of two M., KUSHE, 1996; 3: 212- Enfermeiras e imparcial da reflexão ética numa amostra de
approaches to H., SINGER, 23. Cuidados enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde
health care ethics P., 1996 Primários australianos. A finalidade principal do estudo é
descobrir se o género ou a ocupação influenciam a
abordagem parcial ou imparcial que os participantes
formulam para os diversos cenários hipotéticos com
dilemas éticos que lhe são apresentados. Para os
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 351
Attitudes of women MORROW, J Clin Ethics. Qualitativo Pacientes Estudo feito numa cidade litoral do sul da Califórnia,
from vulnerable E., 1997 1997; 8: 279- com mulheres entre os 18 e 60 anos de idade, de
populations toward 89. populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que
physician-assisted não falam inglês, sem residência, vítimas de violência
death: a qualitative doméstica etc.) revela que além de experimentarem
approach dificuldades no acesso aos cuidados médicos, são alvo
352 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
An enquiry into a LIPP, A., Nurs Ethics. Qualitativo Enfermeiras A teoria definitiva para a tomada de decisões éticas em
combined 1998 1998; 5(2): enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A
approach for 122-38. literatura confirma que tem havido inúmeros estudos
nursing ethics sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer
propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado,
ou por uma combinação de ambas. Na ausência de
uma teoria definitiva, este trabalho exploratório procura,
através da “grounded theory”, lançar alguma luz sobre
os métodos utilizados diariamente pelos enfermeiros
para tomarem decisões éticas na área clínica. Os
dados mostram que alguns factores, tais como os
médicos, os colegas e a organização, influenciam
profundamente a tomada de decisões éticas. Os
informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça
para a formulação de decisões, no que é conhecido
como a abordagem combinada.
A method for DOLAN, JG., Med Decis Quantitativo Médicos Cuidados A validade e confiabilidade da avaliação do processo
evaluating health 1999 Making. Primários de tomada de decisão ética é essencial para que a
care providers’ 1999; 19(1): avaliação da decisão auxilie eficazmente os programas
decision making: 38-41. de garantia da qualidade. O Instrumento de Avaliação
the provider do Processo de Decisão de um Prestador é um
decision process questionário de 12 itens que mede o grau de conforto
assessment com uma decisão médica por parte de um prestador de
instrument cuidados de saúde. A medida das suas propriedades
foram estudadas em duas clínicas de medicina geral. A
confiabilidade, medida utilizando o Alfa de Cronbach,
foi de 0,90 (IC 95% = 0,87 a 0,92). A validade do
construct também foi elevada, com correlações
negativas esperadas variando de -0,53 a -0,67. O
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 353
Moral problems VAN DER Nurs Ethics. Qualitativo Enfermeiros Cuidados Estudo empírico, exploratório, realizado, na década de
among Dutch AREND, AJ., 1999; 6(6): e Primários 90, com enfermeiras holandesas para identificar as
nurses: a survey REMMERS- 468-82. Quantitativo questões que vivenciam como problemas éticos nos
VAN DER diferentes tipos de instituições de saúde. Foi
HURK, CH., desenvolvido um questionário, baseado na literatura
1999 publicada, em painéis de discussão, em observações
participadas e em entrevistas aprofundadas. O
instrumento foi testado num estudo piloto que provou
ser útil. Foram enviados um total de 2122 questionários
a 91 instituições de saúde de sete diferentes
configurações. Os resultados mostram que as
enfermeiras não estavam enfrentando problemas
sociais importantes como o aborto e a eutanásia como
os mais problemáticos moralmente, mas sim situações
como o comportamento verbalmente agressivo dos
colegas para com os pacientes, o manter silêncio sobre
erros e tratamentos médicos dados contra a vontade
dos pacientes. Os problemas morais ocorreram
principalmente quando as enfermeiras experienciaram
sentimentos de impotência em relação ao bem-estar
dos pacientes. Além disso, revelaram problemas morais
relacionados com a organização institucional, a
liderança e a colaboração com colegas e outros
profissionais. As enfermeiras pareceram ter um
conhecimento limitado das dimensões morais da sua
354 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Visiting nurses’ GREMMEM, Nurs Ethics. Qualitativo Enfermeiras Cuidados Estudo que busca conhecer as considerações éticas de
situated ethics: I., 1999 1999; 6: 515- Primários enfermeiras visitadoras na Holanda. As entrevistadas
beyond ‘care 27. ponderam que têm que se adaptar ao modo de vida do
versus justice’ paciente para minimizar as consequências negativas
dos aspectos intrusivos, inevitáveis do seu trabalho.
Assim, frente a uma divergência de opiniões com o
paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um
acordo, imediato ou num futuro próximo, através da
explicação das consequências do curso de acção
escolhido pelo paciente e das razões pelas quais a
enfermeira escolhe outra alternativa. Devem ser
capazes de oferecer sugestões e propostas sem
pressionar, tentando ganhar a confiança para que o
paciente possa manifestar as suas objecções, medos
ou preocupações e então o ouçam, dêem informação
ou o apoiem quando quiser discutir novamente a
questão.
Refusal of CONNELLY, In: Cuidados Certas seitas religiosas impõem crenças sobre saúde,
treatment JE., 2000 SUGARMAN, Primários doença e tratamentos, podendo influenciar as
J. (ed) Ethics preferências dos utentes. Muitas vezes, estas crenças
in Primary são subtis e passam desapercebidas pelos
Care. New profissionais de saúde, gerando mal entendidos que
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 355
Ethical decisions RAINES, JONA’S Quantitativo Enfermeiros Hospitalar O stresse relacionado com a tomada de decisão ética é
making in nurses. ML., 2000 Health Law, uma grave consequência dos frequentes encontros
Relationships Ethics Regul. com os dilemas éticos para a enfermagem oncológica.
among moral 2000; 2(1): Foi utilizado um inquérito descritivo, desenhado
reasoning, coping 29-41. utilizando técnicas correlacionais, para o estudo de
style, and ethics uma amostra nacional de 229 enfermeiras oncológicas.
stress Os resultados indicaram que uma enfermeira
confrontou-se em média com 32 tipos diferentes de
dilemas éticos, no último ano. A gestão da dor é o
dilema ético mais frequentemente citado, seguido pela
contenção de custos e as questões relacionadas com a
qualidade de vida e outras decisões no melhor
interesse do paciente. Aproximadamente 80% dos
respondentes classificaram o seu stresse ético como
um nível de 6 ou acima, numa escala de 0 a 10.
Quarenta e três por cento da amostra indicou que
utiliza um estilo de raciocínio moral independente ou
“soberano”; 23% dependem ou acomodam-se ao
acórdão de outros; e 34% utilizam características de
ambos os estilos de raciocínio moral. Compreender as
relações entre o estilo de raciocínio moral, o estilo de
coping, e o stresse ético podem auxiliar as enfermeiras
e os administradores a lidarem de uma forma mais
eficaz com o aumento do perigo moral encontrado hoje
em muitos centros oncológicos. Os achados sugerem a
necessidade de intervenções específicas para a
redução do stresse ético na população de enfermagem.
356 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Patients’ autonomy BREMBERG, Fam Pract. Quantitativo Médicos Cuidados Durante as últimas décadas, o tradicional papel dos
and medical S. NILSTIN, 2000; 17(2): Primários clínicos gerais como instância de decisão dos seus
benefit: ethical T., 2000 124-8. pacientes tem sido questionado. O objectivo deste
reasoning among estudo foi identificar e discutir como os clínicos gerais
GPs lidam com as situações em que existe uma possível
tensão entre a obrigação de respeitar o direito do
paciente à auto-determinação e a obrigação de
promover a sua saúde. 120 clínicos gerais suecos
seleccionados aleatoriamente receberam um
questionário enviado pelo correio com dois casos, um
descrevendo uma paciente relutante em consentir
numa intervenção médica clinicamente justificada, o
outro descrevendo uma paciente solicitando uma
intervenção médica clinicamente duvidosa. 47 desses
clínicos gerais foram posteriormente entrevistados pelo
telefone. No que diz respeito ao primeiro caso,
aproximadamente dois terços das respostas ao
questionário (n = 82) foram que não iriam aceitar a
relutância da paciente. Os clínicos gerais mais velhos
mostraram-se um pouco mais inclinados para tentarem
convencer a paciente do que os colegas mais jovens.
Na entrevista, a maioria dos inquiridos respondeu que
deveria ser dada prioridade ao direito à auto-
determinação, mas que a obrigação de promover a
saúde tinha uma grande influência no seu
comportamento. Quanto ao segundo caso, também
dois terços das respostas ao questionário foram que
não dariam seguimento ao pedido da paciente. Os
clínicos gerias mais jovens responderam "Não" com
mais frequência do que os seus colegas mais velhos.
Nas entrevistas telefónicas, justificaram as suas
respostas referindo que os médicos devem beneficiar
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 357
Are medical DICKENSON J Med Ethics. Quantitativo Médicos e Para avaliar se os profissionais de saúde do Reino
ethicists out of , DL., 2000 2000; 26(4): Enfermeiras Unido e Estados Unidos partilham a opinião da ética
touch? Practitioner 254-60. médica sobre futilidade, suspensão/manutenção de
attitudes in the US tratamentos, intervenções ordinárias/extraordinárias e
and UK towards doutrina do duplo efeito, administrou-se um
decisions at the questionário de atitudes com 138 itens. O questionário
end of life foi preenchido por 469 enfermeiras britânicas a
frequentar o curso sobre "Morte e Morrer" da
Universidade Aberta, e foi comparado com o mesmo
questionário preenchido por 759 enfermeiras
americanas e 687 médicos a frequentar o curso sobre
"As decisões perto do fim da vida " do Hastings Center.
Os profissionais aceitaram a relevância de conceitos
amplamente divulgados pelos bioeticistas: duplo efeito,
futilidade médica, e as distinções entre intervenção
heróica/ordinária e manutenção/paragem de
tratamento. Dentro do grupo de enfermeiras britânicas
um eixo "racionalista" de inquiridos que se descreve a
si próprio como "sem religião" está mais perto do
consenso bioético sobre manutenção e suspensão de
tratamento. As crenças dos profissionais divergem
substancialmente das recomendações das suas
organizações profissionais e das opiniões maioritárias
em bioética. Os bioeticistas devem ser cautelosos
358 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Attitudinal patterns RICHTER, J., Intensive Quantitativo Médicos e Hospitalar Ordens de não ressuscitar e directivas antecipadas têm
determining EISEMANN, Care Med. Enfermeiros sido desenvolvidas e a sua utilização pelos doentes
decisions-making MR., 2000 2000; 26(9): está a aumentar. O objectivo do estudo foi avaliar a
in the treatment of 1326-33. conformidade entre os desejos dos pacientes e o
the elderly: a acordo de médicos e enfermeiros sobre a tomada de
comparison decisões no tratamento de doentes idosos a partir de
between uma perspectiva cultural transversal. Cento e quatro
physicians and médicos suecos e 122 enfermeiros, assim como 192
nurses in Germany médicos alemães e 182 enfermeiros de hospitais
and Sweden universitários, foram estudados através de um
questionário baseado num caso problema com
informação de três cenários possíveis sobre os desejos
de tratamento do doente. Foi estabelecida uma relação
entre o nível de percepção de ajuda e a opção de
tratamento escolhida em todas as quatro amostras,
especialmente para o cenário em que uma directiva
antecipada estava disponível. Surgiram dois padrões
de determinantes estreitamente relacionados: (a)
“desejo do paciente”, “questões éticas”, e “desejos da
família”, e (b) “idade do doente”, “nível de demência”, e
“custos hospitalares”. Uma intensa e contínua formação
de médicos e enfermeiros em ética médica é
necessária para promover a autonomia do paciente na
prática clínica. As implicações éticas da idade dos
pacientes e nível de demência em relação aos custos
hospitalares deve constituir um tópico importantes
desses programas formativos.
Doctors’ and OBERLE, K., J Adv Nurs. Qualitativo Médicos e Hospitalar Estudo realizado com 14 enfermeiras e 7 médicos
nurses’ HUGHES, 2001; 33: Enfermeiras trabalhando numa unidade de cuidados intensivos
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 359
Comissões de DUCATI, C., Rev Lat Am Enfermeiras Hospitalar O trato rude e ofensivo das equipas de saúde para com
ética de BOEMER, Enfermagem. os pacientes também aparece em estudos brasileiros
enfermagem em MR., 2001 2001; 9(3): que investigam as ocorrências registadas por
instituições de 27-32. comissões de ética de enfermagem de hospitais da
saúde de Ribeirão cidade de Ribeirão Preto (Brasil).
Preto
Saúde coletiva: um MATUMOTO Cad Saude Enfermeiros O problema ético do desrespeito parece trazer à
desafio para a , S., Publica. superfície a imprevisibilidade de resultados que é
enfermagem MISHIMA, 2001; 17: inerente às relações que marcam o encontro entre
SM., PINTO, 233-41. pacientes e profissionais de saúde, no qual entra em
360 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
What makes a BRAUNACK- J Med Ethics. Qualitativa Médicos Cuidados Estudo feito com 15 clínicos gerais do Sul da Austrália,
problem an ethical MAYER, AJ., 2001; 27(2): Primários que em entrevista semi-estruturada lhes era solicitado
problem? An 2001 98-103. que falassem sobre um problema ético que tivessem
empirical encontrado na sua prática clínica. De maneira geral, as
perspective on the situações enfrentadas por estes profissionais, quando
nature of ethical comparadas com as questões candentes e de maior
problems in destaque na literatura de bioética, parecem
general practice insignificantes ou comuns. Além disso, em vez de se
referirem a uma crise que ocorreu raramente, falam
antes de questões que lhes surgem corriqueiramente.
A variedade de pontos de vista sobre o que torna um
problema um problema moral indica que o domínio
moral é, talvez, mais amplo e mais rico do que, em
geral, permite a bioética integrar.
Whose autonomy? ROGERS, Fam Pract Qualitativo Médicos Cuidados O respeito pela autonomia do paciente é um importante
Which choice? A WA., 2002 2002; 19(2): Primários princípio ético para os médicos, no entanto,
study of GPs’ 140-5. investigações anteriores relataram atitudes incoerentes
attitudes towards dos profissionais para com o respeito pela autonomia
patient autonomy dos doentes. Este estudo de ética empírica, utilizando
in the management metodologia qualitativa, investiga as atitudes dos
of low back pain clínicos gerais em relação ao respeito pela autonomia
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 361
Decision-making in RICHTER, J., Scand J Quantitativo Médicos e Hospitalar O objectivo do estudo foi avaliar a comparabilidade das
the treatment of et al., 2002 Caring Sci. Enfermeiros decisões no tratamento de idosos incompetentes
elderly people: a 2002; 16(2): severamente doentes entre médicos e enfermeiros
362 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
The relationship BITON, V., Int J Nurs Quantitativo Enfermeiros Hospitalar A satisfação profissional é conhecida como sendo um
between the TABAK, N., Pract. 2003; dos principais factores relacionados com a “qualidade”
application of the 2003 9(3): 140-57. dos cuidados de enfermagem. O ser capaz de aplicar
nursing ethical os princípios da profissão influencia a satisfação
code and nurses’ profissional. O código ético da enfermagem é uma boa
work satisfaction manifestação desses princípios profissionais. A rotina
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 363
Empirical research SIEBER, JE., Ethics Reflexivo Investigadores A ética é normativa; a ética indica, em termos gerais, o
on research ethics 2004 Behav. 2004; que os investigadores devem fazer. Por exemplo, os
14(4): 397- investigadores devem respeitar o ser humano
412. participante na investigação. Mas é o estudo empírico
que nos diz o que realmente acontece. A investigação
empírica é frequentemente necessária para aperfeiçoar
as melhores formas para atingir os objectivos
normativos, por exemplo, para descobrir a melhor
forma de atingir o duplo objectivo de obter importantes
conhecimentos e respeitar os participantes. A tomada
de decisões éticas pelos cientistas e a revisão
institucional não se deve basear só em opiniões (por
exemplo, questões como a informação que os
participantes gostariam de saber e aquilo que
364 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Bioética e atenção ZOBOLI, EL., Cad Saude Qualitativo Médicos e Cuidados Estudo empírico, qualitativo, de ética descritiva, com
vásica: Um perfil FORTES, Publica. Enfemeiras Primários enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família,
dos problemas PA., 2004 2004; 20(6): no Município de São Paulo (Brasil), com o objectivo de
éticos vividos por 1690-9. identificar os problemas éticos vivenciados por esses
enfermeiros e profissionais. Tendo sido solicitado aos profissionais
médicos do que listassem problemas éticos a partir da narrativa de
programa saúde um caso vivido, os resultados apontam para problemas
da família éticos na relação com o utente e a família, na relação
da equipe de saúde e nas relações com a organização
e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que
permeiam circunstâncias comuns da prática diária dos
cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que
requeiram soluções imediatas, habitualmente mais
exploradas na literatura bioética. Essa peculiaridade
dos problemas éticos vividos nos cuidados primários
pode levar à dificuldade em identificá-los como tal,
pondo em risco a relação vincular que está no cerne do
Programa de Saúde da Família.
Ethical principles BERNEY, L. Br J Gen Qualitativo Médicos Cuidados Estudo qualitativo com clínicos gerais de Londres
and the rationing of et al, 2005 Pract. 2005; Primários (Reino Unido), questionando um tema sensível, como o
health care: a 55(517): racionamento e a negação de tratamentos e cuidados
qualitative study in 620–5 de saúde, o que levanta uma série de problemas
general practice metodológicos e éticos. Descrevem os métodos e as
366 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Bioética e atenção SILVA, LT., Cogitare Quantitativo Médicos e Cuidados Estudo quantitativo exploratório para identificar e
básica: Um estudo ZOBOLI, EL., Enferm. Enfemeiras Primários verificar a frequência dos problemas éticos vividos por
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 367
Methods to identify LUNDY, C., Penn Bioeth Existem muitos benefícios dos cuidados de saúde, com
and address the 2006 J. 2006; o seu foco na prevenção das doenças e na promoção
ethical issues 2(2):3-7. da saúde. A integração dos serviços de saúde pode
associated with minimizar ineficiências, e aumentar a capacidade de
managed care limitar os custos da saúde, no entanto, existem também
algumas questões éticas que surgem a partir de gestão
da saúde. No contexto do sistema de saúde, a ética é
um método de análise do conflito de valores e
obrigações, sempre que existem interesses
concorrentes, cada um dos quais apresentando uma
posição razoavelmente justificada. Os princípios de
justiça são particularmente úteis e aplicáveis para as
questões éticas relacionadas com a gestão da saúde.
Através de uma revisão da literatura relevante, este
artigo analisa diferentes métodos e princípios de justiça
368 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Knowledge, HARIHARAN BMC Med Quantitativo Médicos e Hospitalar Estudo cujo objectivo foi avaliar os conhecimentos,
attitudes and S. et al., Ethics. 2006; Enfemeiras atitudes e práticas dos profissionais da saúde de
practice of 2006 7(1): 7 Barbados, em relação à ética e ao direito relacionado
healthcare ethics com os cuidados de saúde numa tentativa de ajuda e
and law among guia da sua conduta profissional e no seu
doctors and nurses desenvolvimento curricular. Um questionário auto-
in Barbados preenchido sobre o conhecimento da ética dos
cuidados de saúde, do direito e do papel de uma
comissão de ética no sistema de saúde foi concebido,
testado e distribuído a todos os níveis de pessoal do
Hospital Queen Elizabeth, em Barbados (um hospital
universitário de cuidados terciários), durante os meses
de Abril e Maio de 2003. O artigo analisa as respostas
de 159 médicos e enfermeiros de diferentes níveis de
graduação. A frequência com que os inquiridos
encontraram problemas legais ou éticos variou
amplamente. 52% do pessoal médico mais graduado e
20% do pessoal de enfermagem mais graduado sabia
muito pouco sobre as leis pertinentes ao seu trabalho.
11% dos médicos não conheciam o conteúdo do
Juramento Hipocrático, enquanto um quarto dos
enfermeiros não tinha conhecimento do Código de
Enfermagem. O Código de Nuremberga e a Declaração
de Helsínquia eram conhecidos apenas por alguns
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 369
ANEXO 9
GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS