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Resumo: O presente estudo buscou problematizar a noção de transexualidade, assim como a pertinência de uma
identidade transexual na perspectiva da psicanálise, utilizando, para tanto, as contribuições de Freud e de um
autor contemporâneo da psicanálise americana, Robert Stoller. Colocando-os em diálogo, foram investigadas
novas possibilidades de compreensão do fenômeno, para além do campo da psicopatologia, abrindo espaço
teórico e ético para as novas manifestações da sexualidade.
Palavras-chave: Transexualidade. Psicanálise. Stoller.
Referencial teórico
A sexualidade, tal como a entendemos, é efetivamente uma invenção histórica, mas
que se efetivou progressivamente à medida que se realizava o processo de
diferenciação dos diferentes campos e de suas lógicas específicas.
Pierre Bourdieu
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Graduandas em Psicologia pela Faculdade Frassinetti do Recife -FAFIRE e pesquisadoras do NUPIC, sob a orientação do professor Carlos
Henrique Ferraz.
A vivência transexual: uma perspectiva psicanalítica
Taciana Feitosa de Melo | Anaysa Camara de Souza | Lucilayne Maria da Silva Muniz
Segundo Freud, é a partir da identificação com a mãe, ou com o lugar imaginário que esta
ocupa no imaginário do menino, que este escolherá narcisicamente o seu objeto sexual e o
amará e cuidará com o mesmo ardoroso amor que sua mãe um dia lhe dedicou. A comparação
entre feminilização e homossexualidade é derivada desta força da identificação imaginária
feminina, contra A qual o menino deveria se rebelar para, assim, seguir na via da
masculinidade:
Para todas as mães, o bebê equivale a um pênis, especialmente se ele for do sexo
masculino, mas para essas mães, com o desejo ardente que sempre tiveram por um
pênis, e com sua solidão vazia, esse fálus assume uma intensidade que não vemos
em situações mais normais. 4
Apesar de toda mãe, segundo a Psicanálise, querer que seu bebê seja de tal forma
equivalente ao pênis, resta a questão: por que iria querer, mesmo que inconscientemente, que
aquele bebê que representa o pênis se transformasse numa mulher?
É importante destacar que, para Stoller, esses meninos não são feminilizados porque
suas mães desejavam uma menina. Pelo contrário, as mães se mostram felizes por terem dado
à luz um menino. E têm uma surpreendente mistura de inveja e admiração pelo pênis.
Admiração manifesta em relação a seu filho transexual.
Geralmente os meninos transexuais são as crianças mais novas da família, não
havendo interrupções na simbiose mãe-filho por parte da chegada de nenhuma outra criança.
Assim sendo, uma filha que ela possa ter nunca preencherá essa lacuna. A relação simbiótica
é tão intensa que a mãe chega a tratar seu filho como parte de seu próprio corpo e a criança,
diante disso, considera-se como sendo parte do corpo dela, ou seja, do corpo de uma mulher.
(STOLLER , 1982).
Stoller sugere ainda uma diferenciação entre o diagnóstico de como seria uma mãe
“normal” da mãe do transexual, levando em conta o aspecto da idealização do filho. Uma mãe
Para mim, a mais importante diferença entre episódios felizes de uma educação
normal e a simbiose que produz o transexualismo é que, essa última, é infindável. 5
Ele não é voluntariamente interrompido nem pela mãe nem pelo pai (STOLLER,
1982, p. 49).
imprevisibilidade das experiências, moldadas pelos contextos históricos e sociais nos quais
estão atreladas.
preocupadas pelo fato deles brincarem com bonecas e usarem roupas impróprias e
apresentarem outros comportamentos “anormais”. Quanto mais cedo essas mães tomassem
consciência desses “desvios”, mas fácil seria seu “tratamento” e sua “cura”.
Somos otimistas que, após lamentar suas perdas, esses meninos possam
experimentar que realmente vale a pena ser um homem. Esperamos que, assim como
aprender a língua de um país seja mais fácil para crianças que para adultos, mesmo
essas crianças “deslocadas” possam aprender a nova linguagem da masculinidade
(STOLLER, 1982, p. 93).
Um indicador que o tratamento teve êxito, ou seja, que o complexo de Édipo foi
induzido corretamente seria o surgimento de uma ampla hostilidade para com a mãe. Mas,
para que essa indução obtenha sucesso, devem ser ressaltados os elementos estruturantes da
identidade masculina hegemônica. A partir do reconhecimento do pênis como um elemento
diferenciador entre o masculino e o feminino, passa-se a agregar novos significados ao sexo
anatômico do menino. O reconhecimento do pênis, ao passo que diferencia esse sujeito das
mulheres, apresenta-se como um elemento de identificação com uma condição de
superioridade.
Se referindo a um exemplo que, segundo o autor, obteve êxito, Stoller (1982) diz:
Os meninos começam a valorizar seu pênis (por exemplo, eles passam a ficar em pé
para urinar, enquanto antes se sentavam); desenvolvem fobias; atacam fisicamente
mulheres – bonecas e meninas, sendo o prazer, mas do que a raiva, o afeto
dominante; aparecem brincadeiras muito mais intrusivas, tais como atirar e acertar
bolas em suas mães e em outras mulheres (p. 29).
Onde conseguimos menos sucesso, mas ainda criamos algum senso permanente de
masculinidade, terminaremos, talvez, com homens homossexuais, um resultado mais
feliz, acreditamos, do que a condição inalterável de transexualismo adulto
(STOLLER, 1982, p. 279).
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Começamos a nos perguntar por que insistíamos em fazer com que os meninos se
tornassem masculinos. A resposta parecia tão óbvia, a princípio, que nós nunca
colocamos a questão; concordávamos com toda a sociedade, com a posição gerada
pelo bom senso, de que a identidade de uma pessoa deve-se adequar à sua anatomia.
Agora tendo ancorado as dificuldades em tornar essas crianças masculinas e o fato
de ainda não estarmos certos se o tratamento tem sucesso com eles, gostaria de saber
quanta angústia temos o direito de causar-lhes. Eu não o perguntaria, se nosso
sucesso em levá-los a criar uma masculinidade fosse verdadeiro e profundo, mas o
núcleo da identidade genérica é de tal forma fixa, tão cedo em vida, que tentar
removê-la e substituí-la por seu oposto – masculinidade, a mais discrepante
identidade que o menino pode criar – é um processo cruel. E como sua mãe também,
luta contra nós (STOLLER, 1982, p. 275).
Percebemos que, apesar da transexualidade ser vista por Stoller como uma condição
patológica, isso não significa que o autor minimiza os efeitos colaterais que podem ser
causados por uma tentativa de “cura”. Se, por outro lado, mudar o sexo de um ser
biologicamente masculino nos assusta, principalmente por sabermos que o tratamento mais
típico para o fenômeno transexual se encontra na intervenção cirúrgica e hormonal, com todos
os efeitos paradoxais possíveis, também nos parece igualmente assustador imaginar a
aplicação de uma norma curativa por parte dos psicoterapeutas no sentido de adequar o
destino sexual biológico ao gênero correspondente, sem a devida preocupação com os efeitos
opressivos e discriminatórios gerados por este ato.
Considerações finais
Referências
BRYM, Robert. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson
Learning, 2006.
FREUD, Sigmund, 1905. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, 1972.
FREUD, Sigmund, 1923. O eu e o id. In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Rio
de Janeiro: Imago, 2007, v.3.
TURNER, Jonathan. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books, 2000.
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