Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Bobbio diz estudar aqui a norma jurídica do ponto de vista formal, no sentido de
considerá-la independentemente do seu conteúdo, ou seja, a partir da sua estrutura
lógico-lingüística (ex: se é proposição prescritiva, que classe de proposição prescritiva
compreende). Ainda segundo o autor existem três tipos de formalismos: a) formalismo
ético: apenas seria justo o que estivesse conforme a lei; b) formalismo jurídico: ao
direito cabe estabelecer a forma pela qual as relações intersubjetivas devem assumir
para terem conseqüências, e não o que cada um deve fazer; c) formalismo científico:
concerne ao modo de conceber a ciência jurídica e o trabalho do jurista. O ponto de
vista formal, pelo qual Bobbio parte aqui, não tem a ver com esses três formalismo, pois
trata de estudar o fenômeno jurídico na sua complexidade, um modo que não exclui os
demais.
Do ponto de vista formal, uma norma é uma proposição. Proposição é um
conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade. Um Código é um
conjunto de proposições.Para Bobbio, as normas jurídicas pertencem à categoria das
proposições prescritivas. A mesma proposição normativa pode ser formulada por
enunciados diversos.
Com base no critério gramatical, as proposições se distinguem em declarativas,
interrogativas, imperativas e exclamativas. Já de acordo com as funções, as proposições
podem ser distinguidas em asserções, perguntas, comandos e exclamações.
Comandos são preposições cuja função é influir sobre o comportamento alheio
para modificá-lo. Um comando pode ser expresso, segundo as circunstâncias, em todas
as formas gramaticais acima citadas.A forma mais comum é a imperativa. Às vezes o
comando é expresso na forma declarativa, mas possui função imperativa (ex:ao pai e à
mãe sucedem os filhos em partes iguais).
Bobbio distingue três funções possíveis da linguagem: a descritiva, a expressiva
e a prescritiva. Essas funções dão origem a três tipos diferentes de linguagem:a
científica (ex: um tratado de biologia), a poética (ex: um poema) e a normativa (ex: um
Código). A função descritiva consiste em dar informações; a função expressiva consiste
em evidenciar e avocar certos sentimentos; a função prescritiva consiste em dar
comandos.
Pode-se resumir as características diferenciais das proposições prescritivas e
descritivas em três pontos: a) em relação à função: com a proposição prescritiva
queremos modificar seu comportamento. A informação influi no comportamento alheio,
mas essa influência é indireta; b) em relação ao comportamento do destinatário: a prova
da aceitação de uma informação é a crença, enquanto a prova da aceitação de uma
prescrição é a execução do ato; c) em relação ao critério de valoração: as proposições
prescritivas não estão sujeitas à valoração de verdade e falsidade. O contrário acontece
com as proposições descritivas. Para as proposições prescritivas pergunta-se se são
justas ou injustas, válidas ou inválidas.
Pode-se dizer que a verdade de uma proposição científica pode ser demonstrada,
sendo sua verificação objetiva. Já sobre a justiça de uma norma, pode-se apenas tentar
persuadir os outros. Daí a diferença entre lógica, ou teoria da demonstração, e retórica,
ou teoria da persuasão.
Pode-se reduzir as proposições prescritivas a proposições descritivas? A
tentativa de redução de um comando a uma proposição descritiva mediante o expediente
da alternativa é irreal (ex: de “faça X”, para “faça X ou lhe acontecerá Y”). A
alternativa não tem por si mesma a forma de uma proposição descritiva: tanto pode ser
descritiva quanto prescritiva, a depender dos termos descritivos ou termos de valor (que
desempenham função prescritiva, como, p.ex: “fato desagradável”), ou ainda com outras
prescrições que venhamos a preencher.
Pode-se reduzir as proposições prescritivas a proposições expressivas? Ex: Faça
X. para “ eu desejo que você faça X. Deve-se atentar que um comando é tal, em função
do resultado que consegue, independentemente do sentimento que evoca no destinatário.
Além disso, uma lei continua ter sua função de comando, mesmo que as valorações que
a fizeram surgir já não existam mais.
Para precisar melhor o caráter das prescrições, podemos distingui-las de acordo
com a relação entre sujeito ativo e passivo da prescrição; com respeito à forma; e com
respeito à força probante.
Com respeito à relação entre sujeito ativo e passivo, distinguem-se os
imperativos autônomos dos heterônomos.
Autônomos são os imperativos nos quais uma mesma pessoa formula e executa a
norma. Heterônomos são aqueles nos quais quem formula e quem executa a norma são
pessoas diversas. Para Kant, só os imperativos morais são autônomos (a autonomia de
vontade é a qualidade que possui a vontade de ser lei de si mesma). A importância dessa
distinção se dá na medida em que se constitui um os critérios para distinguir a moral do
direito.
No entanto Bobbio salienta que nem sempre as normas heterônomas se
identificam com o direito, como é o caso da moral religiosa, os dez mandamentos, p.ex,
que não se confundem com o ordenamento jurídico. Por outro lado, o autor defende que
as normas autônomas podem se identificar com o direito, como é o caso do contrato,
que deriva da vontade das partes que se submetem a ela.
Com relação à forma, podemos distinguir as prescrições em imperativos
categóricos e hipotéticos. Foi utilizada também para distinguir direito de moral.
Imperativos categóricos são aqueles que prescrevem uma ação boa em si mesma,
devendo ser cumprida incondicionalmente, ou com nenhum outro fim a não ser o seu
cumprimento. Ex: Não se deve mentir. Já os imperativos hipotéticos são aqueles que
prescrevem uma ação boa pra atingir um fim determinado e assim, é cumprida
condicionalmente para a obtenção daquele fim. Ex: se quiser curar a dor de cabeça deve
tomar aspirina.
Para Kant, os imperativos categóricos seriam próprios da legislação moral,
podendo assim ser chamadas de normas éticas. Já os imperativos hipotéticos seriam
divididos de acordo com o fim a que a norma se refere: um fim possível (aquele que os
homens podem perseguir ou não) ou um fim real (aquele que os homens não podem
deixar de perseguir. Ex: se você quiser ser feliz deve dominar as paixões.Como a
felicidade seria um fim intrínseco à natureza do homem, não seria possível deixar de
perseguir).
Bobbio afirma duvidar que muito dos imperativos hipotéticos sejam
propriamente imperativos, uma vez que não se vê qual obrigação deriva de um
imperativo hipotético.
Com relação à força vinculante, podemos faz uma distinção entre comandos e
conselhos.
Os comandos possuem maior força vinculante, são obrigatórios. Já os conselhos
são um modo mais brando de influenciar o comportamento alheio. Hobbes aduz alguns
argumentos para distinguir comandos de conselhos. Bobbio considera que os mais
relevantes são: a) em relação ao seu conteúdo: o comando se impõe pela vontade que o
emite (é a expressão de uma vontade superior- a vontade está acima da razão); os
conselhos conseguem determinar a ação de outrem em razão do seu conteúdo (isto é,
segundo sua maior ou menor racionalidade); b) quanto ao comportamento do
destinatário: o comando é obrigatório; o conselho é facultativo; c) em relação às
conseqüências: se da execução de um comando deriva um mal, a responsabilidade é de
quem o comanda; se deriva de um conselho, a responsabilidade é do aconselhado.
Os conselhos no Direito- nem todas as prescrições do ordenamento jurídico são
comandos. Exemplo disso são os órgãos consultivos, que têm a função de dar
conselhos. Os órgãos consultivos são titulares de uma autoridade menor ou secundária
em relação aos órgãos com função imperativa. Exemplo disso é que na monarquia
absoluta os parlamentos eram apenas órgãos consultivos, passando a ter função
legislativa somente na monarquia constitucional. Exortação é um conselho distorcido,
no dizer de Hobbes.Enquanto o conselho é dirigido ao interesse do aconselhado e
pressupõe um indivíduo que raciocina, a exortação é expressa no interesse do exortador
e pressupõe uma multidão passiva. No conselho tende-se a modificar comportamento
alheio expondo fatos e razões; na exortação tende-se a conseguir o mesmo efeito
suscitando sentimentos. Segundo Bobbio, ao contrário dos conselhos, as exortações não
possuem relevância jurídica.
Por fim, instâncias são proposições com uma ainda menor força vinculante, com
as quais pretendemos fazer com que alguém faça alguma coisa em nosso favor, porém,
sem vinculá-lo. É da mesma espécie das rezas, suplicações,pedidos. A instância é
expressa no interesse da pessoa que a requisita. No conselho, o que se sobressai em
relação ao comando, é a ausência da obrigação de segui-lo; na instância o que sobressai
em comparação ao comando é a ausência do direito de obter o que se pede.
Capítulo IV- As Prescrições e o Direito