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VIEIRA, Alberto (2005),

Os flamengos e as ilhas Portuguesas


do Atlântico

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VIEIRA, Alberto (2005), Os flamengos e as ilhas Portuguesas do Atlântico, Funchal, CEHA-Biblioteca


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1

OS FLAMENGOS E AS ILHAS PORTUGUESAS DO ATLÂNTICO


Séculos XV-XVII

ALBERTO VIEIRA

A expansão europeia a partir do século XV oferece à Europa um novo espaço de domínio e


comércio. Portugueses e castelhanos abriram as portas e estabeleceram as rotas de navegação e
comércio que, depois, italianos, alemães, flamengos e ingleses usufruíram. A Europa estava
então dividida entre dois pólos de atracção, o mundo mediterrâneo e o mar do Norte. Os
principais mercados e rotas comerciais estavam nas mãos de genoveses, venezianos, florentinos,
flamengos e ingleses. Portugal foi um espaço charneira entre os dois mundos e, por isso mesmo,
atraiu a classe mercantil de ambos que, paulatinamente assumiu o domínio do mercado e novas
rotas comerciais geradas com os descobrimentos.
Nas ilhas e de forma especial na Madeira, a presença de estrangeiros é evidente desde os
primórdios da ocupação, actuando primeiro na condição de estantes, conseguindo depois a
necessária naturalização que lhes permitia a participação activa na sociedade local. Para a
Madeira, o primeiro grupo, atraído pelo comércio do açúcar foi dominado pelos italianos,
flamengos e franceses, seguindo-se os ingleses à procura do vinho e, finalmente, os sírios e os
alemães à conquista do bordado.
A presença flamenga torna-se visível a partir da década de setenta do século XV, estabelecendo
uma rota directa de comércio de açúcar entre a Madeira e as praças de Bruges e Antuérpia. Uma
das mais evidentes contrapartidas do relacionamento comercial está ainda hoje visível na
presença das diversas oficinas de pintura da Flandres, dispondo a Madeira de uma das mais
importantes e valiosas colecções de arte flamenga fora do seu espaço.
O comércio com a Flandres é anterior ao processo de povoamento das ilhas, documentando-se a
existência da feitoria portuguesa desde 1417. Entretanto o casamento de Filipe o Bom com Isabel
de Portugal consolidou estas relações, que tiveram no açúcar madeirense o principal suporte,
alargando-se às demais ilhas e às especiarias das Índias. Foi por força destas ligações que Bruges
e Antuérpia consolidaram a posição de placa giratória para o trato do açúcar no mar do Norte.
Lisboa foi um centro destacado de negócios onde se encontravam todos estes mercadores ou
representantes, alargando daí a influência aos novos espaços, como as ilhas e os espaços
continentais. Deste modo a presença de flamengos, já fixados em Lisboa ou recém-chegados com
as notícias de novas terras e produtos, é uma realidade insofismável. Eles são mercadores, mas
também actuam na condição de povoadores e descobridores. O caso dos arquipélagos da
Madeira e dos Açores é exemplar.
Por força da maior presença de povoadores nos Açores são ainda hoje evidentes os testemunhos
na toponímia. Assim, na Terceira temos a Ribeira dos Flamengos enquanto no Faial são
múltiplas as referências, como o Vale e a Ribeira dos Flamengos, ponta da Espalamaca e a
própria cidade da Horta que derivará do apelido do seu fundador Hurtere. Para a Madeira
temos apenas notícia da levada dos flamengos no Monte, o que prova na verdade, a menor
permanência dos flamengos na ilha. Em Cabo Verde devemos assinalar a Ribeira dos flamengos,
na ilha de Santiago, que não sabemos se tem a ver com a fixação de alguma comunidade da
2

Flandres no local. Aqui, no arquipélago madeirense, são maioritariamente mercadores e não


povoadores, como sucede nos Açores.

DESCOBRIDORES E POVOADORES. A Madeira, a primeira terra no espaço atlântico a


merecer uma ocupação efectiva pelos portugueses, rapidamente se transformou num centro de
apoio às descobertas atlânticas. Segundo Zurara, a ilha foi desde 1445 o principal porto de escala
para as navegações ao longo da costa ocidental africana. Para a nova aristocracia que começar a
despontar nos novos espaços de ocupação como a Madeira o empenho nas acções marítimas e
bélicas foi ao mesmo tempo uma forma de homenagem ao monarca e infante e um passo mais
na aquisição de benesses ou comendas.
A partir do reconhecimento das ilhas açorianas, na década de vinte do século XV, a volta pelo
largo nas expedições africanas e o avanço das expedições para Ocidente foram uma realidade. Os
testemunhos da existência de terra para além da linha do horizonte ocidental destas ilhas
começaram a surgir com frequência nas praias açorianas e madeirenses: pedaços de madeira,
cadáveres, canoas, inúmeras sementes, despertavam a natural curiosidade dos insulares,
motivando a atenção dos navegadores insulares conduzindo-os à gesta descobridora dos mares
ocidentais.
A primeira viagem conhecida foi a do madeirense Diogo de Teive e Pero Vasquez de la
Frontera. Seguiram-se outros de que apenas ficou notícia dos que fizeram o pedido antecipado
da posse das terras que esperavam descobrir. As expedições para Ocidente, que precederam a
primeira viagem de Cristóvão Colombo, continuaram até finais do século XV, com activa
participação de madeirenses e açorianos. Fala-se ainda das ligações do madeirense Diogo de
Teive com o primeiro povoador da ilha Terceira, Jácome de Bruges1.
Em finais do século quinze, residiam na Madeira dois irmãos com o apelido Terra Nova
[NIEULAND], o que leva a associar com as terras ocidentais, havendo quem os aponte como
possíveis descobridores em data anterior à viagem de Colombo. Anrique surge em 1486 no
Funchal como fiador de um alfaiate, e novamente em 1494 com o irmão, Guirarte, na qualidade
de arrendatários e proprietários de canaviais, nas partes do fundo, mais propriamente na área
entre a Ponta de Sol e Fajã da Ovelha2. Não nos parece despropositada a possibilidade, pois
desde muito cedo que os madeirenses estiveram envolvidos nas viagens para ocidente. Por
outro lado, foi com os lucros conseguidos com a cultura que os navegadores conseguiram
financiar as expedições, pois a coroa nunca se comprometeu com este projecto, apostada que
estava em definir e fazer afirmar a rota africana.

OS POVOADORES. As ilhas atlânticas assumem uma posição particular no contexto das


migrações portuguesas do século XV. Perante os portugueses deparam-se ilhas abandonadas
que, pela riqueza do solo ou posição geográfica, foram ocupadas3. Para isso foi necessário
encontrar, não só marinheiros, mas também, lavradores, disponíveis para a tarefa. A concessão
de terras foi, a par dos inúmeros privilégios fiscais, um dos principais incentivos à fixação de
colonos, mesmo em áreas inóspitas como Cabo Verde e S. Tomé. A avidez de terras e títulos por

1 Ernesto Gonçalves, Diogo de Teive, in Das Artes e Da História da Madeira, nº.3/4(1951).


2. Cf. V. Rau, O Açúcar da Madeira nos fins do Século XV. Problemas de Produção e Comércio, Funchal, 1962, p.42 e 67: Anrique surge 1330 arrobas em
terras de André Gonçalves na Serra de Agua dalto e outros dois pedaços de cana com110 arrobas, sendo um próximo da capela de João França
onde vivia. E tinha casa, enquanto Guirarte partilha com Anrique um canavial de 380 arrobas.
3 . Luís de ALBUQUERQUE, "O avanço no Atlântico. Nece ssidade estratégica de ocupação das ilhas atlânticas", in Portugal no Mundo, vol. I,
pp.201-211.
3

parte dos filhos-segundos e da pequena aristocracia do reino contribuíram para alimentar a


emigração e solucionar as dificuldades de povoamento dos novos espaços. Nos Açores o infante
D. Henrique ordenou em 1439 a Gonçalo Velho que iniciasse o povoamento das ilhas de S.
Miguel e Santa Maria, fazendo aí lançar gado bravio. Mas a iniciativa não surtiu efeito pelo que
dez anos mais tarde repetiu-se a mesma ordem. As cartas de doação das capitanias das ilhas
esclarecem que o efectivo povoamento só teve lugar na década de sessenta ou setenta como
resultado da presença de flamengos no Faial e de madeirenses em S. Miguel. Todavia as mais
ocidentais - Corvo e Flores - ainda se encontravam em 1507, segundo Valentim Fernandes, por
povoar.
O fenómeno de transmigração quatrocentista define, ao nível da mobilidade social, um aspecto
particular das sociedades insulares. Elas foram, primeiro, pólos de atracção e, depois, viveiros
disseminadores de gentes para a faina atlântica. No começo, a novidade aliada aos inúmeros
incentivos de fixação definiram o primeiro destino, mas, depois, as escassas e limitadas
possibilidades económicas das ilhas e o fascínio pelas riquezas das índias conduziram a novos
rumos. No primeiro caso a Madeira, porque foi rápida a valorização económica, galvanizou as
atenções portuguesas e mediterrâneas. Só depois surgiram novos destinos insulares, como as
Canárias, Açores, Cabo Verde e S. Tomé, onde os madeirenses jogaram um importante papel.
Desta forma a Madeira do século XV poderá ser definida como um pólo de convergência e
redistribuição do movimento migratório no mundo insular. No século XVI desvaneceu-se todo o
interesse pelas ilhas, estando todo o empenho virado no Ocidente, descoberto por Cristóvão
Colombo ou Pedro Alvares Cabral, e o Oriente a que Vasco da Gama chegará por via marítima.
A presença estrangeira nas ilhas portuguesas é evidente desde o início do povoamento. Primeiro
a curiosidade de novas terras, depois a possibilidade de uma troca comercial vantajosa. Eis os
principais móbeis para a fixação nas ilhas. A sua permanência está documentada na Madeira a
partir de meados do século XV, integrados nas segundas levas de povoadores. E mais não
entraram porque estavam, até 1493, condicionados à concessão de carta de vizinhança. Aliás, foi
a Madeira a primeira ilha a despertar a atenção dos mercadores estrangeiros, que encontraram
nela um bom mercado para as operações comerciais. Note-se que o rincão madeirense foi o
primeiro a merecer uma ocupação efectiva e imediata, apresentando um conjunto variado de
produtos com valor mercantil, o que despertou a cobiça dos mercadores nacionais e
estrangeiros. Nos demais arquipélagos o processo foi moroso e tardou em aparecer produtos
capazes de gerarem as trocas externas. No caso das Canárias e dos Açores só foi conseguido em
pleno a partir de princípios do século XVI, com a oferta de novos produtos, como o açúcar, o
pastel e cereais. Depois no último arquipélago a afirmação como importante entreposto do
comércio oceano fez convergir para aí os interesses de algumas casas comerciais empenhadas no
contrabando dos produtos de passagem.
Na Madeira, ultrapassadas a partir de 1489 as barreiras à fixação de estrangeiros, a comunidade
forasteira amplia-se e ganha uma nova dimensão na sociedade e economia. A presença de
agentes habilitados para a dimensão assumida pelas transacções comerciais e a injecção de
capital no sector produtivo e comercial favoreceram a evolução do sistema de trocas. Neste
contexto destaca-se a comunidade italiana, que veio em busca do açúcar. A importância
assumida pela cultura açucareira na ilha e comércio do seu produto no mercado europeu foi
resultado da intervenção desta comunidade. Florentinos e genoveses foram os principais
obreiros. Os primeiros evidenciaram-se nas transacções comerciais e financeiras do açúcar
madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa controlam à distância, por meio de uma
rede de feitores, o comércio do açúcar madeirense. Para isso conseguiram da fazenda real o
4

quase exclusivo do comércio do açúcar resultante dos direitos cobrados pela coroa na ilha, bem
como o monopólio dos contingentes de exportação estabelecidos pela coroa em 1498.
A penetração destes mercadores na sociedade madeirense é por demais evidente. O usufruto de
privilégios reais e o relacionamento matrimonial favoreceram a sua integração na aristocracia
madeirense. Eles são maioritariamente proprietários e mercadores de açúcar. Também os
flamengos e franceses surgiram na ilha, desde finais do século XV, atraídos pelo comércio do
açúcar. Todavia são poucos os que criam raízes na sociedade madeirense - João Esmeraldo é
uma rara excepção -, o único e exclusivo interesse era o comércio do açúcar.
No quadro da comunidade flamenga na ilha da Madeira sobressaem João Esmeraldo e os Lem.
Sobre a importância de João Esmeraldo atesta Gaspar Frutuoso: Da Tabua pouco mais de meia
légua está a Lombada de João Esmeraldo, de nação genovês, que chega do mar à serra, de muitas canas de
açúcar e tão grossa fazenda, que já se aconteceu fazer João Esmeraldo vinte mil arrobas de sua lavra cada
ano, e tinha como oitenta almas suas cativas entre mouros, mulatos e mulatas, negros, negras e canários.
Foi esta a maior casa da ilha e tem grandes casarias de aposento, e engenho, e casas de purgar, e igreja.
E depois do falecimento de João Esmeraldo, ficou tudo a seu filho Cristóvão Esmeraldo, que o mais do
tempo andava na cidade do Funchal sobre uma mula muito formosa, com oito homens detrás de si, quatro
de capa e quatro mancebos em corpo, filhos de homens honrados, muito bem tratados, e trazia grande
contenda com o Capitão do Funchal sobre quem seria provedor da Alfândega de el-Rei, que é uma rica
coisa de renda de Sua Alteza e ricas casarias. Casou João Esmeraldo na ilha com Águeda de Abreu, filha de
João Fernandes, senhor da Lombada do Arco4.
João Esmeraldo dividia a actividade entre a casa de negócio no Funchal e vivenda com capela na
Lombada da Ponta de Sol, ambas construídas a partir de 1494, onde tinha os canaviais e
engenho. Foi uma personalidade muito marcante na sociedade madeirense e mesmo junto da
coroa. De modo que com a criação do em 1501 do município da Ponta de Sol conseguiu que a
sua Lombada ficasse na dependência da edilidade funchalense. No Funchal, no espaço da
primitiva casa demolida em 1877, temos hoje um núcleo museológico dedicado à “Cidade do
Açúcar”. Este espaço, inaugurado em 1996, pretende ser à memória viva da época áurea do
açúcar na Madeira, isto é, os séculos XV e XVI. A concretização resultou da recuperação dos
vestígios da chamada casa de Colombo no Funchal, construída no século XV pelo fidalgo
flamengo João de Esmeraldo. A casa de residência no Funchal foi construída a partir de 1495 e a
ela associa-se o convívio de Cristóvão Colombo, o navegador italiano que aportou à ilha em
1476 e 1482. A passagem do navegador pelo Funchal em 1498, aquando da terceira viagem, é um
testemunho da profunda ligação à ilha. Nesta data teria privado com João Esmeraldo neste
imponente palácio.
Nos Açores a situação foi diferente. Os flamengos surgem desde o começo como importantes
povoadores. Foi por isso que as ilhas açorianas ficaram conhecidas como as ilhas flamengas5. Eles
foram imprescindíveis para o povoamento das ilhas do Faial, Terceira, Pico e Flores6. O
primeiro a desembarcar nos Açores terá sido Jácome de Bruges, apresentado em documento de
1450 como capitão da ilha Terceira. Pouco se sabe da acção desenvolvida por este flamengo, há
até quem duvide da autenticidade do título de posse da capitania da ilha7. Mais importante foi,

4 Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.124


5 Confronte-se Jules MEES, "História da descoberta das ilhas dos Açores e da origem da sua denominação de ilhas flamengas", Revista Michaelense,
fasc. 2 e 3, Ponta Delgada, 1919.
6 Ferreira SERPA, Os flamengos na ilha do Faial. A família Utra(Hurtere), Lisboa, 1929; Marcelino LIMA, Famílias faialenses, Horta, 1933; M. Martim
Cunha da SILVEIRA, "Do contributo flamengo nos Açores", ir Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira, n-.21-22, Angra do Heroísmo, 1963-64.
7 Ferreira SERPA, "Um documento falso atribuído ao infante D. Henrique ou a carta de doação da ilha Terceira a Jácome de Bruges", ir Revista de
Arqueologia e História, fasc. VII, IX.
5

sem dúvida, a vinda de Josse Huerter em 1468 como capitão das ilhas do Pico e Faial.
Acompanharam-no inúmeros flamengos que contribuíram para o arranque definitivo do
povoamento das ilhas do grupo central e ocidental. Martim Behaim8 refere para 1466 a presença
de dois mil flamengos no Faial, enquanto Jerónimo Munzer9, vinte e oito anos depois, diz serem
apenas mil e quinhentos os que residiam aqui e no Pico. A partir daí os Açores ficaram
conhecidos como as ilhas flamengas, tal como o afirmava Linschoten em finais do século XVI. A
esta primeira leva de estrangeiros como povoadores sucederam-se outras com objectivos
distintos. O progresso económico do arquipélago despertara a atenção da burguesia europeia,
que surge aí à procura dos seus produtos. O pastel atraiu, primeiro os flamengos e, depois os
ingleses. Daqui resultou a importante colónia na cidade de Ponta Delgada.

A existência da comunidade estrangeira, maioritariamente composta por mercadores, está em


consonância com a conjuntura peninsular e europeia, por um lado, e os atractivos de índole
económica que elas ofereciam, por outro. Desta forma o lançamento de culturas com elevado
valor comercial, como o pastel e o açúcar, está associado a isso. Eles surgem nas ilhas como os
principais financiadores da referida actividade agrícola e animadores do comércio. Na Madeira
e Açores a introdução e incentivos às culturas do pastel e cana-de-açúcar, encontram-se-lhes
também ligadas. Assim o pastel é apontado pela historiografia açoriana como um legado da
colónia flamenga do Faial, enquanto o açúcar madeirense é considerado resultado da presença
genovesa.
Para os arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé a comunidade estrangeira assume menos
importância, sendo, em certa medida, delimitada pela política exclusivista definida para aí pela
coroa portuguesa. O comércio com a Flandres era assíduo a partir dos rios da Guiné, Santiago e
S. Tomé, sendo dominado pela malagueta, algodão e açúcar, mas dominado em exclusivo por
mercadores portugueses, nomeadamente da Vila do Conde, sendo maioritariamente de origem
judaica. Todavia, o facto de S. Tomé ter merecido uma exploração diversa com a cultura da cana
sacarina levou a que aí afluíssem técnicos e mercadores, ligados ao produto. Por outro lado, no
entender de um piloto anónimo no século dezasseis, havia a preocupação de cativar colonos de
diversas origens para o povoamento da ilha: "Habitam ali muitos comerciantes portugueses,
castelhanos, franceses e genoveses e de qualquer outra nação que aqui queiram viver se aceitam todos de
mui boa vontade..."10. Já em cabo Verde o interesse estará fundamentalmente no sal.

AS COMUNIDADES DE ESTRANGEIROS. A existência da comunidade estrangeira,


maioritariamente composta por mercadores, está em consonância com a conjuntura peninsular e
europeia, por um lado, e os atractivos de índole económica que elas ofereciam, por outro. Desta
forma o lançamento de culturas com elevado valor comercial, como o pastel e o açúcar, está
associado a isso. Eles surgem nas ilhas como os principais financiadores da referida actividade
agrícola e animadores do comércio. Na Madeira e nos Açores a introdução e incentivos às
culturas do pastel e cana-de-açúcar, encontram-se-lhes também ligadas. Assim o pastel é
apontado pela historiografia açoriana como um legado da colónia flamenga do Faial, enquanto o
açúcar madeirense é considerado resultado da presença genovesa e depois do empenho de
outras comunidades de mercadores, como a flamenga.

8 Archivo dos Açores, I, 442-443.


9. O Itinerário do Dr. Jeró nimo Munzer, Coimbra, 1926, 65-66.
10 Viagem de Lisboa a S. Tomé, Lisboa, s.d., 51.
6

A comunidade flamenga deu um contributo relevante ao povoamento e valorização económica


das ilhas. Na Madeira e nas Canárias ligados à economia açucareira, enquanto nos Açores
afirmaram-se como povoadores de algumas ilhas e principais promotores da cultura do pastel.
Note-se que a presença flamenga na Madeira e Canárias é tardia, o que não prejudicou a sua
vinculação à cultura e comércio do açúcar. Entre eles merece especial referência os Weselers com
importantes interesses na Madeira e em La Palma. Se tivermos em conta que a presença do
grupo de forasteiros na sociedade insular resulta fundamentalmente de interesses mercantis,
compreenderemos a maior incidência nas ilhas ou cidades onde a actividade foi mais relevante.
Deste modo as da Madeira, Gran Canaria e Tenerife galvanizaram muito cedo o empenho e
conduziram a que estabelecessem uma importante rede de negócios a partir de Lisboa ou
Sevilha. Só assim se pode explicar a posição dominante aí assumida.
Nos Açores a comunidade estrangeira divide-se entre os interesses fundiário e comercial, mas
foi sem dúvida este último, derivado da importância que aí assumiu a cultura do pastel. Este
produto chamou à atenção dos mercadores flamengos, franceses e ingleses para os portos de
Angra e Ponta Delgada. Mais tarde, a importância definida por esta área nas rotas comerciais do
atlântico atraiu a cobiça dos estrangeiros como corsários ou mercadores empenhados no
contrabando. Em idêntica situação surgiram muitos dos forasteiros nas ilhas de Cabo Verde e do
Golfo da Guiné, atraídos pelo rendoso comércio de escravos. Apenas as limitações impostas pela
coroa à sua permanência levou a que não estabelecessem um vínculo seguro.
A actividade comercial, principal móbil da fixação dos estrangeiros, não absorveu por completo
a intervenção, pois subdividem a vida quotidiana entre o comércio, o transporte, a banca, a
produção e as administrações local e central. A par disso, o interrelacionamento matrimonial
com as principais famílias reforçou a posição na sociedade madeirense. Foi a partir da mescla
dos primeiros povoadores europeus, oriundos de várias regimes e estratos sociais, que se
definiu a estrutura social das ilhas.
Os flamengos, a exemplo dos italianos, surgem na ilha da Madeira, desde finais do século XV,
atraídos pelo rendoso comércio do açúcar. No entanto a maioria, não se fixa, mantendo uma
condição errante. O interesse era única e exclusivamente a aquisição do açúcar a troco de
artefactos, alheando-se da realidade produtiva e administrativa. Sucede que a comunidade italiana
controlava a quase totalidade do comércio do açúcar com as principais praças europeias sendo
seguida da portuguesa e da castelhana. Os mercadores nórdicos não apresentam uma posição de
relevo nestas operações. Isto demonstra, mais uma vez, que a rota e mercado flamengo se
mantiveram sob o controlo da nossa feitoria. Dos que tiveram actividade na praça do Funchal
podemos salientar os seguintes:

DATA Nome Observação


João Gonçalves Melacarne
Jacques, Francisco e João Guilerme
Joham Diaz
Luís Gallant
Theune Louf
1480 Marten Lem, filho de A. Lem Terra sesmaria em Sto António, deu
origem à Quinta do Leme
1482-1524 Francisco Dans ou Dhane mercador
1483 António Lem de Bruges Fixou residência na ilha
7

1484 João Esmeraldo [Jean d’Esmenaut] Fixa residência no Funchal


1497-1526 João Lombardo
1499 Guirarte e Henrique Terra Proprietários e arrendatários canaviais
Nova(NIEULANT)
1499 Ambrósio de Grave[Gaveo] de Artois Proprietário de canaviais.
1505-1521 Janim Bicudo Mercador de açúcar
1507-1591 João Dias Procurador
1508-1510 António Leonardo mercador
1509 Pedro Gamte Mercador de açúcar
1509 Diogo de ANA[Hanaa] Mercador de açúcar
1509 Martinho Mercador de açúcar
1517 Luís Álvares Compra de açúcar meles e rescumas
1517 Guilherme de Brum Mercador de açúcar
1524-1526 Joham Twijn
1537 Niculao flamengo mercador
1542-1600 António dias mercador
1571-1637 Francisco Rodrigues mercador
1573 João Anes mercador
1574 João Dareja[Are] Armeiro no Funchal
1582 Manuel de Puga mercador
1582-1589 Fernado de Puga mercador
1583 João Escelhe mercador
1584-1594 Guilherme Leinarte mercador
1585-1586 João Legreyn mercador
1591-1596 Jorge Carns mercador
1591-1623 João Rodrigues
1592-1594 Lourenço Classe mercador
1593 Maximilano Mais mercador
1593 Manuel Anrique Bernaldes mercador
1593 Jorge Suares mercador
1593 Joãorodrigues Cauces(?) mercador
1593-1596 Simão Azuardo mercador
1594-1596 João Copians mercador
1594-1596 Bernaldo Biresten mercador
1595 Rodrigo Dans mercador
1595-1606 Henrique Alfradrique Casou na Sé com Isabel do Quintal Freire
1620 Guilherme Dinis mercador
1642 Martim Filter mercador
FONTE: Fernando Jasmins Pereira, Estudos Sobre História da Madeira, Funchal, 1991; Alberto Vieira, O Comércio Inter-Insular nos séculos XV e XVI.
Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1986.

Temos dois momentos significativos da presença da comunidade flamenga na Ilha. Entre finais do
século XV e o primeiro quartel do século seguinte, estamos perante um grupo significativo
empenhado no comércio do açúcar, o produto do seu interesse na ilha. Poucos fixaram morada,
afirmando-se na sociedade local. Apenas João Esmeraldo, Anton e Martim Lem ganharam raízes
8

deixando marcas até a actualidade. Note-se que dos Nieulant, Grave e Alfradrique não ficou rasto.
O segundo momento acontece nas duas últimas décadas do século XVI, momento em que a
comunidade flamenga assumiu uma posição de destaque na praça madeirense.
A presença da comunidade flamenga perdura na centúria seguinte. Acontece que a partir de 1608
temos notícia da presença de um cônsul belga, Jos Vast Vecmy, no Funchal. Foi o primeiro
consulado na ilha mas não sabemos o que representaria em termos de importância a comunidade
flamenga na ilha, pois os dados são escassos. Isto deverá ser resultado do facto de a ilha continuar
a necessitar dos produtos da Flandres, nomeadamente para o abastecimento alimentar, situação
que ficou favorecida com a união das coroas peninsulares. Assim no decurso da centúria a ilha
importava cereais, presunto e manteiga da Flandres, sendo referido em 1625 pela vereação que o
provimento da ilha dependia do comércio exterior, designadamente com a Flandres. Para o
período de 1596 a 1642 temos 29 % do cereal entrado no Funchal daí oriundo11. Já para as
centúrias seguintes a presença dos flamengos parece ir em decrescendo, em favor dos ingleses que
quase dominam todo o comércio com o mar do Norte. Desapareceu quase por completo o rastro
dos flamengos na ilha, sendo os contactos esporádicos12.

OS FLAMENGOS E O COMERCIO DO AÇÚCAR. Nos séculos XV e XVI a rede de negócios


funchalense, em torno do trato do açúcar, foi criada e incentivada pelo mercador estrangeiro,
alemão ou italiano, que aí aportou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa. Ele
controlou as principais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter morada
fixa em Lisboa, Flandres ou Génova. O domínio atinge, não só, as sociedades criadas no exterior
com intervenção na ilha, mas também, o grupo de agentes ou feitores e procuradores
substabelecidos no Funchal. A escolha é criteriosa: primeiro os familiares, depois os compatrícios
enraizados na sociedade e só, depois, os madeirenses ou nacionais. Os procuradores e feitores, na
sua condição de interlocutores dos mercadores europeus não se ligam apenas a uma sociedade,
pois distribuíram a acção por um grupo numeroso de societários. Estes, por sua vez, não se
prendiam apenas a uma representação, concedendo-os a um grupo variado de feitores e
procuradores.
O desenvolvimento socio-económico do mundo insular articula-se de modo directo, com as
solicitações de economia euro-atlântica: primeiro regiões periféricas do centro de negócios
europeus ajustaram o seu desenvolvimento económico às necessidades do mercado europeu e
às carências alimentares europeias, depois, mercado consumidor das manufacturas de produção
continental em condições vantajosas de troca para o velho continente e, finalmente, intervêm
como intermediário nas ligações entre o Novo e Velho Mundo. O investimento de capital de
origem mercantil, nacional ou estrangeiro surgiu apenas numa óptica da nova economia,
afirmando-se como gerador de novas riquezas adequadas a um aproveitamento comercial.
Assim, o comércio foi o denominador comum para os produtos a introduzir, sendo valorizados
aqueles activadores da nova economia de mercado. Aqui, a cana-de-açúcar e o cobiçado produto
final, o açúcar, detêm uma posição cimeira.
A Madeira foi no começo o mais importante entreposto. Os descobrimentos aliam-se ao
comércio e, por isso, desde meados do século XV, manteve-se um trato assíduo com o reino,
activado com as madeiras, urzela, trigo e, depois, com o açúcar e o vinho. Este movimento

11 Alberto Vieira, O Comércio de Cereais dos Açores para a Madeira no século XVII, in Os Açores e o Atlântico (séculos XIV-XVII), Angra do
Heroísmo, 1984, 674. Alberto Vieira, O Município do Funchal (1550-1650)”, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, 1986, Funchal,
1989, p.1058.
12 . João José Abreu de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal e a conjuntura da Madeira de 1717 a 1810. Alguns Aspectos, Funchal, 1989.
9

alargou-se às cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento de estrangeiros


interessados no comércio do açúcar. O comércio do mercado insular, que ficou circunscrito às
ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Palma, La Gomera e Madeira, foi o principal activador das
trocas com o mercado europeu. Na Madeira assumiu uma posição dominante na produção e
comércio entre 1450 e 1550, enquanto que nas restantes praças surge apenas em princípios do
século XVI, tendo assumido idêntica posição na década de trinta.
A Madeira foi desde o início um pólo de atracção para os mercadores forasteiros, mercê da
prioridade atribuída à cultura dos canaviais no processo de ocupação. Só o impediram as
ordenanças limitativas de residência na ilha. Todavia, em meados do século XV a coroa facultou
a entrada e fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões, por meio de privilégios especiais,
como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar13. A rede de negócios
funchalense, em torno do trato do açúcar, foi criada e incentivada pelo mercador estrangeiro,
alemão ou italiano, que aí aportou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa. Ele
controlou as principais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter
morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova. O domínio atinge, não só, as sociedades criadas no
exterior com intervenção na ilha, mas também, o grupo de agentes ou feitores e procuradores
subestabelecidos no Funchal. A escolha era criteriosa: primeiro os familiares, depois os
compatrícios enraizados na sociedade e só, depois, os madeirenses ou nacionais. As principais
casas intervenientes no trato açucareiro madeirense podem ser definidos de acordo com o
número de representantes, destacando-se então, Baptista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes,
Charles Correa, Pero de Ayala e Pero de Mimença. Os Welsers e Claaes actuaram na praça do
Funchal por intermédio de agente estabelecido em Lisboa, respectivamente, Lucas Rem e
Erasmo Esquet, que depois subestabelecem feitores. O primeiro tinha como interlocutores no
Funchal, em princípios do século XVI, João de Augusta, Bono Bronoxe, Jorge Emdorfor, Jácome
Holzbuck, Leo Ravenspurger e Hans Schonid.
A Madeira atraiu a partir de meados do século XV uma vaga de forasteiros, mercê da prioridade
na ocupação e na exploração do açúcar. Só o impediam as ordenanças limitativas da residência
na ilha, resultante da rápida fixação e intervenção nos circuitos comerciais. A coroa facultou a
entrada e a fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões, por meio de privilégios especiais,
como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar. Todavia a grande influência que
estes estrangeiros rapidamente alcançaram, tornou-se lesiva para os mercadores nacionais e
para a coroa, pelo que se proibiu “assim soltamente tratar todos”. O senhor ordenou a proibição da
sua permanência na ilha como vizinhos. O problema foi levado às cortes de Coimbra, em 1472-
1473, e às de Évora, em 1481, reclamando a burguesia do reino contra o monopólio dos
mercadores genoveses e judeus no comércio do açúcar, propondo a exploração comercial a
partir de Lisboa nas mesmas condições. A comunidade de mercadores estrangeiros na Madeira
foi dominada pelos italianos, a que se seguiam os flamengos e os franceses. Todos foram
atraídos pelo tão solicitado ouro branco. Os italianos, em especial florentinos e genovenses,
conseguiram, desde meados do século XV, implantar-se na Madeira como os principais agentes
do comércio do açúcar, alargando depois a sua actuação ao domínio fundiário, por meio da
compra e laços matrimoniais. O interesse dos flamengos estava única e exclusivamente na
aquisição do açúcar a troco dos artefactos, alheando-se da realidade produtiva e administrativa.
João Esmeraldo, António Leme e os irmãos Henrique e Guirarte Terra Nova. Martim e António
Leme são a excepção.

13 . F. MAURO, ibidem, p. 225.


10

As primeiras notícias sobre o comércio de açúcar com as cidades da Flandres são de 1468. Nesta
data o açúcar madeirense já circulava na cidade de Bruges. Todavia estas primeiras remessas
faziam-se a partir de Lisboa e só a partir de 1472 temos então a importação directa. No quadro
dos negócios sobre o açúcar os mercadores flamengos não conseguem atingir o mesmo patamar
dos genoveses e venezianos. Por outro lado a sua acção está quase só circunscrita às duas
primeiras décadas do século XVI. Aqui, as cidades estado italianas dominam com mais de 78%
do açúcar transaccionado. Isto não corresponde de modo algum a uma menor importância do
açúcar neste mercado mas resulta sim do facto de o comércio estar sob o controlo da feitoria
portuguesa. Os dados das escápulas de 1499 assim o confirmam. Atente-se, ainda que no
período de 1513 a 1538 dezoito navios do trato do açúcar madeirense com a flandres foram
apresados pelos franceses. Destes temos seis que iam desde Viana do Castelo14.

1501-1510 1510-1520 Total(1510-1540)


mercadores Arrobas % Arrobas % Arrobas %
Flamengos 9.649 3,26 1,726,5 1,69 11.375,5 2,25
total 286.106, 96.684 497.270
5

Nos Açores a inexistência de uma forte rede de negócios em torno do açúcar, bem como a
desvalorizarão em favor do pastel e cereais, limitaram as possibilidades de intervenção da
burguesia italiana e castelhana e abriram as portas pelo que temos a intervenção de flamengos e
ingleses, interessados no comércio do pastel. Linschoot, em 1589, refere que o comércio do pastel
era feito por franceses, ingleses e escoceses; quanto a Ponta Delgada, diz-nos que aí "vão
mercadores franceses, ingleses e escoceses buscar o pastel mais do que vão … Terceira, e que lá levam mais
de duzentos quintais todos os anos". Esta assídua frequência de mercadores estrangeiros nos portos
de Ponta Delgada e de Angra era considerada pelos vizinhos como ruinosa, pelo que solicitaram
ao monarca, em 1557, medidas limitativas da sua actuação. No entanto, estas pretensões só
foram atendidas na década de 80, já sob o domínio filipino; através de uma guerra de
represálias interditou-se o mercado açoriano à sua intervenção, primeiro com a proibição de
venda das suas mercadorias, depois, impedindo o exercício de qualquer actividade nas ilhas.
Todavia, a proibição não surtiu o efeito desejado, uma vez que se mantiveram activos servindo-
se da intervenção de outros mercadores, pelo que em 1590 e 1596 o governo espanhol reforçou a
represália.
Se no caso das relações das ilhas com os reinos peninsulares os laços e imperativos de soberania
dos territórios, aliados tendência monopolizadora da burguesia metropolitana, impuseram um
estreitamento de contactos e de comércio com a Península, no que respeita aos mercados
nórdico e mediterrânico as ilhas afirmaram-se pelos produtos, impostos pela nova economia de
mercado, o açúcar e o pastel. Para além disso, as insuficiências da indústria peninsular
traduziam-se numa procura de novos mercados capazes de satisfazer o gosto, cada vez mais
apurado da nova aristocracia e da nova burguesia. Se é certo que os artefactos de uso diário
poderiam ser encontrados na península, outros há que escasseavam, havendo necessidade de os
importar de Itália, Flandres e Inglaterra.
Para a nova classe dirigente a ostentação da riqueza surge como uma forma de afirmação social
e política, sendo exteriorizada por meio do uso de produtos flamengos e italianos; deste modo

14 Ana Maria Ferreira, A Madeira, o comércio e o corso francês na primeira Metade do Século XVI (1513-1538), in Actas do I Colóquio Internacional de
Historia da Madeira.1986, Funchal,1989, pp.481-497.
11

os panos peninsulares são preteridos em favores dos riquíssimos tecidos de Ypres, Ruão e
Londres. Na Madeira a ostentação traduz-se na compra de uma campa em Flandres ou na
aquisição de valiosas pinturas flamengas que depois ornamentavam as capelas dos morgados
mais importantes da ilha. Em 1546, João Lourenço Leitão refere ter comprado o retábulo de
Nossa Senhora da Piedade do Mosteiro de S. Francisco em Flandres por trinta e sete mil reais. E,
em 1566, aquando do assalto francês à cidade do Funchal, Frutuoso refere que o saque de
valiosos móveis "porque pela maior parte, pelo trato dali, a mais e maior riqueza daquela terra eram jóias
e ricas peças de móveis ricos, que mandavam fazer de Flandres e outras partes pelos constantes e
forasteiros, a troca de mercadorias da terra e de suas novidades, sem estimarem nem sentirem a compra e
custo de semelhantes coisas, ainda que custosas...".
Gaspar Frutuoso referindo-se a S. Miguel, dá conta que Diogo Nunes Botelho, um dos
principais proprietários da ilha, mandava vir de Flandres, Inglaterra e Sevilha alfaias e vestidos
a troco de pastel. Para a burguesia ou para a aristocracia insulares, enriquecidas com o comércio
do açúcar ou do pastel, os créditos arrecadados serviam apenas para ostentação e afirmação no
acanhado meio em que viviam. As restrições impostas pelo meio geográfico impelem-nas para
essa forma de investimento do capital, pondo de parte a possível revalorização na actividade de
troca.
O pastel, o açúcar e o vinho atraíram os mercadores europeus que invadiram o mercado insular
com os vários artefactos e produtos alimentares. A importância do comércio com as praças da
Eucrásia, Bruges, Flandres e Meldeburgo torna-se bem clara, já em 1485, em face da interdição
desse trato e suspensão dos privilégios aos mercadores flamengos aí residentes. Esta era a forma
de represália mais adequada contra a guerra nestas paragens. Para os portos nórdicos
exportavam quer açúcar, pastel e urzela quer algodão e escravos; em troca, a ilha recebia os
panos (Londres, Escócia, Ruão), cereais e peixe seco ou salgado. No arquipélago açoriano o
comércio europeu orientava-se fundamentalmente, para as praças nórdicas (Inglaterra, Flandres,
Holanda), com uma indústria têxtil importante, uma vez que o arquipélago era um dos
principais produtores de pastel de mercado insular no século XVI.
Na segunda metade do século XVII o açúcar madeirense foi paulatinamente substituído pelo
brasileiro. Neste circuito de escoamento e comércio é evidente a intervenção de madeirenses e
açorianos. A oferta de vinho ou vinagre era compensada com o acesso ao rendoso comércio do
açúcar, tabaco e pau-brasil. Mas o trajecto das rotas comerciais ampliava-se até ao trato negreiro,
cobrindo um circuito de triangulação. Para isso os madeirenses criaram a sua própria rede de
negócios, com compatrícios fixos em Angola e Brasil.

O comércio do açúcar destaca-se no mercado madeirense dos séculos XV e XVI como o principal
animador das trocas com o mercado europeu. Durante mais de um século a riqueza das gentes
da ilha e o fornecimento de bens alimentares e artefactos dependeu do comércio do produto. O
açúcar foi, durante mais de um século, o principal activador das trocas da Madeira com o
exterior. As dificuldades sentidas com a penetração do açúcar insular no mercado europeu
levaram a coroa a intervir no sentido de manter um comércio controlado, que a partir de 1469
passou a ser feito sob o permanente olhar do senhorio e coroa. A situação manteve-se até 1508,
altura em que a coroa aboliu o regime de contrato. A partir de uma das medidas tomadas pela
coroa (o contingentamento de 1498) para defesa do mercado do açúcar madeirense poder-se-á
fazer uma ideia dos principais mercados consumidores. As praças do mar do norte dominavam
o comércio, recebendo mais de metade das escápulas estabelecidas: aqui a Flandres adquire uma
posição dominante, o mesmo sucedendo com os portos italianos para o espaço mediterrânico. Se
12

compararmos as escápulas com o açúcar consignado às diversas praças europeias no período de


1490 e 1550, verifica-se que o roteiro não estava muito aquém da realidade. As únicas diferenças
relevantes surgem nas Praças da Turquia, Franca e Itália, sendo de salientar na última um
reforço acentuado de posição, que poderá resultar da actuação das cidades italianas como
centros de redistribuição no mercado levantino e francês.

DESTINO ESCÁPULAS.1498 MERCADO.1490-1550 MERCADORES.1490-1550


ARROBAS % ARROBAS % ARROBAS %
FLANDRES 40.000 33 105.896,5 39 11.375,5 2
Total 59.000 165.625,5 - 520.430,5

Os dados disponíveis para o comércio do açúcar na Madeira evidenciam a constância dos


mercados flamengo e italiano. O reino, circunscrito aos portos de Lisboa e Viana do Castelo
surge em terceiro lugar com apenas 10%. Observe-se que o porto de Viana do Castelo adquiriu,
desde 1511, grande importância neste circuito e da? com Espanha e Europa nórdica. Aliás, no
período de 1581 a 1587 Viana é o único porto do reino mencionado nas exportações de açúcar,
mantendo, todavia, uma posição inferior à de 1490-1550. Esta função redistribuidora dos portos
a norte do Douro ficara, já evidenciada entre 1535 e 1550, pois das cinquenta e seis embarcações
entradas no porto de Antuérpia com açúcar da Madeira, dezasseis são do norte e apenas uma de
Lisboa. Na primeira 50% são provenientes de Vila do Conde, 31% do Porto e 19% de Viana do
Castelo. Aliás, em 1505 o monarca considerava que os naturais desta região tinham muito
proveito no comércio do açúcar da ilha15. Em 1538 este trato era assegurado por um numeroso
grupo de grupos de mercadores daí oriundos. Entre eles estavam Aires Dias, Baltazar Roiz,
Dioguo Alvares Moutinho e Joham de Azevedo. O mesmo sucede nas trocas com o mundo
mediterrânico onde se contava com os entrepostos de Cádiz e Barcelona, que surgem no período
de 1493 a 1537 com os portos de apoio ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e águas
Mortas16.
Os dados da exportação para o período de 1490 a 1550, testemunham esta realidade: a Flandres
surge com 39% e a Itália com 52%. Todavia, é de salientar a posição dominante dos mercadores
italianos na condução deste açúcar, uma vez que eles foram responsáveis pela saída de 78% do
açúcar. Note-se que no início foram inúmeras as dificuldades para a presença de estrangeiros.
Somente a partir da década de oitenta do século XV surgiram os primeiros como vizinhos, que
se comprometeram com a cultura e comércio do açúcar. Para a segunda metade do século
dezasseis escasseiam os dados sobre o comércio do açúcar madeirense. Somente entre 1581 e
1587 temos nova informação. Neste período a ilha exportou 199.300 arrobas de açúcar para o
estrangeiro e 4830 para o porto de Viana do Castelo.
A partir de princípios do século XVI o comércio do açúcar diversifica-se. A Madeira que na
centúria de quatrocentos surgira como o único mercado de produção, debater-se-á, a partir de
finais desse século, com a concorrência do açúcar das Canárias, de Berbéria, de S. Tomé e, mais
tarde, do Brasil e das Antilhas. Esta múltipla possibilidade de escolha, por parte dos mercadores
e compradores, condicionou a evolução do comércio açucareiro. Todavia, o açúcar madeirense
manteve uma situação preferencial no mercado europeu (Florença, Anvers, Ruão), sendo o mais

15 .Joel SERRÃO, "Nota sobre o comércio do açúcar entre Viana do Castelo e o Funchal...", in Revista de Economia, III, 209-212; Virginia
RAU, A Exploração e o comércio de sal em Setúbal, Lisboa, 1951; A.R.M., RGCMF, T. I, fls. 301-301vº, Lisboa, 15 de Março de 1505, carta régia,
publ. in A.H.M., XVII, 453-454.
16 . Domenico GEOFFRÉ, Documenti sulle relazioni fra Genova ed il Portogallo del 1493 al 1539, Roma, 1961, 18-20, 266-265, 268-270, 277-279,

284-285, 290-292, 309-310, José Maria MADURELL MARIMÓN, art. cit., 486-487, 493 -494, 497-499, 501-502, 521 -522, 564-564.
13

caro. Talvez, devido a este favoritismo encontramos com frequência referências à escala na
Madeira de embarcações que faziam o comércio com as Canárias, Berbéria e S. Tomé. Esta
situação deveria, de igual modo, explicar a venda de açúcar madeirense em Tenerife, no ano de
150517.
O comércio açucareiro na primeira metade do século XVI era dominado na Europa do Norte
pelas ilhas e litoral do Atlântico, nomeadamente, entre as primeiras, a Madeira, Tenerife, Gran
Canaria e La Palma. Assim, na década de 30 os navios normandos ocupados neste comércio
dirigiam-se preferencialmente a esta área. Convém anotar que a maioria das embarcações que
rumavam a Marrocos, com escala na Madeira à ida e no regresso, o que valorizou a Madeira no
comércio com a Normandia. A situação dominante do mercado madeirense perdurou nas
décadas seguintes, não obstante a forte concorrência da ilha de S. Tomé que se firmou, entre
1536 e 1550, como o principal fornecedor de açúcar à Flandres. Todavia, é patente a posição
cimeira da ilha de São Tomé a partir de 1539. É de destacar aqui o papel da comunidade judaica,
que estabelece uma rede de negócios entre estes espaços, alguns portos litorais do continente
português, como Viana do Castelo e Vila do Conde, e as principais cidades da Flandres.

NAVIOS PORTUGUESES COM AÇÚCAR PAR ANTUÉRPIA 1536-155018


ORIGEM AÇÚCAR CARGA MIXTA TOTAL
MADEIRA 28 28 56
Cabo Verde 1 7 8
S. Tomé 88 38 126
OUTROS 1 22 23

A Madeira, que até à primeira metade do século dezasseis havia sido um dos principais
mercados do açúcar do Atlântico, cede lugar a outros (Canárias, S. Tomé, Brasil e Antilhas).
Deste modo as rotas desviam-se para novos mercados, colocando a ilha numa posição difícil. Os
canaviais foram abandonados na quase totalidade, fazendo perigar a manutenção da importante
indústria de conservas e doces. O porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara
noutras épocas.
O pastel aparece na economia insular em condições idênticas ao açúcar. Foi uma cultura
introduzida pelos europeus para satisfazer as carências do mercado de têxteis. Até ao século
XVII com a introdução do anil na Europa ele foi a principal planta da tinturaria europeia, donde
se extraía as cores preta e azul. A par disso a disponibilidade de outras plantas tintureiras, como
a urzela (donde se tirava um tom castanho-avermelhado) e o sangue-de-drago, levaram ao
aparecimento de italianos e flamengos, interessados no comércio, que por sua vez nos legaram a
nova planta tintureira: o pastel. O pastel foi primeiro cultivado na Madeira, e depois nos Açores
e nas Canárias. Mas só no arquipélago açoriano, nas ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge e Faial,
atingiu maior dimensão económica. A toponímia regista-se a sua presença e define os espaços
do seu cultivo. Na Madeira refere-se a cultura e comércio no século XV. Os italianos teriam sido
os principais interessados no comércio o que os levou a considerarem a Madeira como a ilha do
pastel. No século XVI está documentada a sua saída para Flandres. Mas os dados documentais
são escassas as referências denunciadoras da sua presença, o que poderá resultar da

17 Acuerdos del Cabildo de Tenerife, I, p. 83. nº 447, 26 de Março de 1505.


18 V. M. GODINHO, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, Lisboa, 1983, vol. IV, pp.98-99.
14

secularização na economia madeirense em favor de outros produtos, como o vinho e o açúcar,


dominantes e granjeadores de elevados proventos.
Foi no arquipélago açoriano que o pastel alcançou um lugar de grande relevo. A sua
importância poderá ser comparável à que assumiu o açúcar na Madeira, Canárias e S. Tomé. Foi
a cultura do pastel que activou as trocas com o exterior e despertou o interesse dos mercadores
italianos, flamengos e ingleses. A sua promoção nas ilhas resultou da presença dos flamengos,
mas foram os ingleses nos séculos dezasseis e dezassete que tiveram dele consumo preferencial.
Eles participaram no povoamento da Terceira e do Faial. Todavia foi na ilha de S. Miguel que se
produziu a maior parte do pastel exportado dos Açores, sendo ele responsável pelo
aparecimento de várias fortunas, como sucedeu com Jorge Botelho e Francisco Arruda da Costa.
Nos Açores, a exemplo do sucedido com o açúcar na Madeira, a coroa concedeu vários
incentivos para a promoção da cultura, que com a incessante procura por parte dos mercados
nórdicos, fizeram avançar rapidamente o seu cultivo. Em 1589 Linschoten referia que "o negócio
mais frequente destas ilhas é o pastel" de que os camponeses faziam o " principal mister", sendo o
comércio "o principal proveito dos insulares19", enquanto em 1592 o governador de S. Miguel
atribuía a falta de pão à domínio quase exclusivo do solo pelo cultivo do pastel20.

COMERCIO, ARTE, RELIGIOSIDADE E OSTENTAÇÂO. A cidade do Funchal desenvolveu-


se de acordo com as funcionalidades económicas, sendo por isso o traçado urbanístico fruto das
épocas de esplendor em que pontuaram de forma clara dois produtos, o açúcar e o vinho, cujos
reflexos se dão apenas por força dos dinheiros que trouxeram à ilha e que foram derramados
pelos inúmeros beneficiados. Segundo Gaspar Frutuoso o Funchal de finais do século XVI era a
cidade “dos mercadores e fanqueiras, ingleses, e flamengos e outros forasteiros e homens ricos e de grosso
trato….”
O comércio do açúcar destaca-se no mercado madeirense dos séculos XV e XVI como o principal
animador das trocas com o mercado europeu. Durante mais de um século a riqueza das gentes
da ilha e o fornecimento de bens alimentares e artefactos dependeu do comércio do produto. O
mesmo sucedeu nas Canárias, a partir do século XVI. Todavia, neste período a venda e valor
sofreram diversas oscilações, mercê da conjuntura do mercado consumidor e da concorrência
dos mercados insulares e americanos. O dispêndio do açúcar do lavrador fazia-se de forma
diversificada. As vendas directas aos mercadores, muitas vezes de antemão, associam-se os
pagamentos de dívidas ou por trocas de produtos e serviços. A tendência é para a disseminação
pelos pequenos compradores, acabando com os interesses monopolistas de algumas casas
comerciais, que haviam dominado o comércio na época de apogeu.
O Funchal foi, no decurso dos séculos XV e XVI, o principal centro do arquipélago. Desde os
primórdios da ocupação da ilha que o lugar como vila e desde 1508 como cidade foi o centro de
divergência e convergência dos interesses dos madeirenses. À sua volta anichou-se um vasto
hinterland agrícola, ligado por terra e mar. O povoado, traçado por João Gonçalves Zarco,
começou por ser a sede da capitania do mesmo nome mas, a riqueza do vasto hinterland
projectou-o para ser a primeira e única cidade e porto de ligação ao mundo. Machico perdeu a
batalha da afirmação, porque os seus capitães não foram capazes de acompanhar o ritmo dos
funchalenses. O progresso e importância do Funchal foram rápido. De vila passou a cidade e
sede do primeiro bispado e, depois arcebispado, das terras atlânticas portuguesas. Tudo isto
levou a que no terreno evoluíssem o traçado urbanístico e a construção de imponentes edifícios.

19 Ob. cit., 152-154.


20 Arquivo dos Açores, II, 130.
15

As palhotas, dispostas de modo anárquico, vão dando lugar a casas assoalhadas, alinhadas ao
longo de arruamentos paralelos à costa e em torno da praça que domina o templo religioso. O
capitão, de Santa Catarina, avançou encosta acima até se fixar no alto das Cruzes, no espaço
dominado pelo actual Museu da Quinta das Cruzes. Do outro lado, no Cabo do Calhau, surgiu o
burgo popular, dominado pelo mar e pela rua que o ligava a ermida de Nossa Senhora da
Conceição de Baixo. Foi a partir daí que avançou o núcleo urbano a que mais tarde veio a dar
origem à cidade. Do nicho do cabo do Calhau, passou-se a Ribeira Santa Maria (hoje de João
Gomes) e aos poucos conquistou-se espaço aos canaviais para traçar ruas e erguer casas de
sobrado. O próprio duque, D. Manuel, deu o exemplo, doando em 1485 o seu chão de canaviais,
conhecido como campo do Duque, para nele ser traçada uma praça, construir-se a igreja, Paços
do Concelho, de tabeliães e Alfândega. Ligando tudo isto estava a Rua dos Mercadores, hoje da
Alfândega, donde partiram novos arruamentos que deram espaço e vida ao quotidiano dos
mercadores. São exemplo disso a Rua do Sabão, João Esmeraldo. Perante nós estão dois
percursos: dum lado o capitão que avança pelo extremo ocidental do vale até ao alto das Cruzes
e depois desce até à cidade manuelina. Do outro os companheiros do navegador, a gente
obreira, que mantêm o convívio com o mar, avançando ao longo da linha da água ao encontro
da cidade dos mercadores e artesãos.
Para muitos a Sé é o emblema da cidade do Funchal. O templo foi mandado construir por
ordem de D. Manuel, iniciando-se as obras em 1493. Construída para ser a principal paróquia da
vila, acabou por ser a sede do novo bispado, criado em 1514 por Leão X a pedido de D. Manuel.
A sua sagração ocorreu em 18 de Outubro de1517. Note-se que este monarca demonstrou uma
predilecção especial por este templo cumulando-o de ofertas: a pia baptismal, o púlpito, a cruz
processional. Aqui misturam-se vários estilos. São evidentes os traços do manuelino, na fachada,
abside, no púlpito e pia baptismal. O barroco está patente nas capelas laterais, como sucede com
a do Santíssimo Sacramento. Do conjunto chama-se a atenção para o cadeiral apresenta-se com
duas ordens de cadeiras, ricamente trabalhadas. Em madeira dourada sobressaem esculturas
com cenas bíblicas e do quotidiano madeirense do século XVI. Borracheiros e escravos convivem
com santos e outros populares em poses consideradas pouco dignas para o local onde se
encontram.
A primitiva Alfândega do Funchal foi criada em 1477 no Largo do Pelourinho por ordem da
Infanta D. Beatriz, como forma de controlar a arrecadação dos direitos sobre a entrada e saída de
mercadorias. Não sabemos onde esta funcionou no princípio, pois só teve edifício próprio a
partir do século XVI, por plano de D. Manuel. Aí esteve a alfândega até 1962, altura em que
mudou para modernas instalações. O edifício antigo ressuscitou das ruínas com o processo
autonómico, ao ser adaptado para sede da actual Assembleia legislativa Regional da Madeira,
inaugurada em 4 de Dezembro de 1987. O projecto de adaptação é da autoria do arquitecto
Chorão Ramalho. Nesta adaptação salvou-se o que ainda restava da época manuelina. As Salas
dos Contos e do Despacho são os melhores testemunhos da época. Aí são visíveis, o tecto de
alfarge, arcarias góticas com capitéis das colunas e misulas com decoração de elementos vegetais
e figuras humanas, o portal armoriado da fachada norte e restos de arcarias góticas no interior.
Parte substancial desta riqueza em pintura flamenga, maioritariamente do século XVI, pode ser
considerada uma dádiva do açúcar. Com este produto os madeirenses conseguiram elevada
riqueza que ostentaram nas suas capelas privadas, ou em ofertas aos oragos da sua devoção. Há
a salientar ainda algumas transacções directas de açúcar por estas pinturas nos grandes centros
artísticos da Flandres. Igual comportamento teve a coroa para com os madeirenses. D. Manuel
16

foi um deles que cumulou alguns templos da ilha de tesouros. Está nesse caso a famosa cruz
processional, oferecida à Sé do Funchal.
Parte substancial da riqueza em pintura flamenga, maioritariamente do século XVI, pode ser
considerada uma dádiva do açúcar. Com este produto os madeirenses conseguiram elevada
riqueza que ostentaram nas suas capelas privadas, ou em ofertas aos oragos da sua devoção. Há
a salientar ainda algumas transacções directas de açúcar por imponentes quadros nos grandes
centros artísticos da Flandres. Idêntico comportamento teve a coroa para com os madeirenses.
D. Manuel foi um deles que cumulou alguns templos da ilha de tesouros. Está nesse caso a
famosa cruz processional, oferecida à Sé do Funchal.
O Museu está instalado no edifício construído por ordem de D. Luís de Figueiredo de Lemos
(1586-1608). São coevos a arcaria que dá para a Praça do Município e a capela. A Capela anexa é
dedicada a S. Luís de Tolosa, onde ficou sepultado este bispo, depois trasladado para a Sé. A
Capela apresenta um belo pórtico da cantaria negra. O Bispo D. José de Sousa de Castelo Branco
(1698-1721) anexou-lhe o Seminário. Com o terramoto de 1748 tornou-se necessária uma nova
construção que chegou à actualidade. A República em 1910 atribuiu-lhe novas funções, pois aí
funcionou o liceu até 1942. A construção do novo liceu em 1950 levou a sua recuperação pela
diocese que aí fez instalar o Museu Diocesano de Arte Sacra.

A GUERRA AOS FLAMENGOS. O período que medeia entre os finais do século XVI e a
primeira metade da centúria seguinte é o momento decisivo da História das ilhas e do Atlântico.
As questões políticas sobressaem às demais e anunciam uma globalização dos problemas em
que o principal palco é o Atlântico que tem como pilares as ilhas. Subjacente ao conflito está o
afrontamento ao mar ibérico, construído à custa de pactos e bulas papais desde o século XV. O
oceano da segunda metade do século XVI era já um mar aberto. Os conflitos contribuíram para o
reconhecimento definitivo da total abertura do oceano aos diversos intervenientes europeus.
A união das coroas peninsulares não implicou a incorporação do estado português. Estamos na
verdade perante a união de duas coroas e não de estados. A nova situação veio a provocar
mudanças em termos da geografia política do espaço atlântico fazendo dele o palco principal
dos conflitos entre as potências europeias. A situação é o prelúdio da perda da posição
hegemónica dos reinos peninsulares nas rotas que os ligavam ao Novo Mundo Desde meados
da centúria que o direito à circulação se tornou universal ganhando esta tese um forte suporte
jurídico e filosófico.
Na Madeira e nos Açores continuou a afirmar-se a presença britânica que teve consumação
plena na segunda metade do século XVII21. O mundo das ilhas manteve-se alheio ao jogo de
interesses europeus. Apenas nos espaços continentais atlântico (Africa e Brasil) e no Oriente se
tornava evidente o assalto dos beligerantes às possessões portuguesas, acabando por fragilizar a
hegemonia e império que os portugueses havia conseguido em princípios do século XVI. As
alterações mais significativas ocorreram nas ilhas de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe pelo
simples facto de ambos os arquipélagos funcionaram como antecâmara dos centros
abastecedores de escravos do litoral africano da Costa e Golfo da Guiné.
Uma das formas usadas pelos mercadores nórdicos para se furtarem à prisão pelas autoridades
das Canárias estava no recurso ao pavilhão de um país amigo e ao disfarce do nome,

21 Sobre os Açores veja-se: Nestor de SOUSA, “Sinais da Presença Britânica na vida Açoriana (séculos XVII-XVIII)”, in Arquipélago, nº especial
Relações Açores - Grã Bretanha, P. Delgada, 1988, pp. 25-100; J. G. Reis LEITE, Os Fisher. Esboço Histórico de uma Família Açoriana, Angra do
Heroísmo, s. d..
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aportuguesando-o. Isto ficou conhecido como comércio disfarçado22. Aliás, continuaram a ser
os campeões do contrabando que tinha por palco algumas ilhas como era o caso da Madeira23.
Um dos casos paradigmáticos que revela a desigual situação dos mercadores estrangeiros entre
as ilhas dos Açores e Madeira e as Canárias sucede com Bartolome Cuello, um mercador inglês
preso em Tenerife a 17 de Janeiro de 1592 e julgado em 159724. Note-se que ele mesmo assim
não conseguiu iludir a perseguição das autoridades inquisitoriais de Canárias. A confissão deste
mercador perante o tribunal de Las Palmas é um retrato evidente da actividade comercial dos
nórdicos no período de 1586 a 1591. Aí temos a definição do que se entendia como comércio
disfarçado: "...y demais de los navios que... tiene declarado que an venido la dicha isla de San Miguel con
nombre de escoceses con el mesmo engaño..los dichos escoceses traen pasaportes delRey d’Escosia.... los
mercaderes que por las dichas vias tratan en España tienen dellos de Francia y d’Escocia y de Flandres
para las mercadorias y las sellan con ellos....y en quanto a los flamencos de Olanda y Gelanda.... los
susodichos tratan ordinariament en Ynglaterra como vassallos de la Reyna y que traen gran cantidad de
ropa y de mercadorias lo quel todo llevan a España y a estas yslas y a las de San Miguel fingiendo ser
alemanes de Amburch y de Dunquerque en Flandres...." Esta prática não foi só apanágio de
Bartolome Cuello, pois que se documentam outros como Thomas Alder, Ht Web, Tomas Simon,
Juan Jurdan e Paulo Bux.
A união das coroas peninsulares foi, em dúvida, o princípio do fim da hegemonia ibérica no
Atlântico mas não do protagonismo das ilhas que continuaram a ser espaços intervenientes nas
novas realidades políticas e económicas que o final de século propiciou. No século XVII os
mecanismos comerciais estavam em mudança, afirmando-se, cada vez mais, a tendência para o
proteccionismo económico, definida pelas companhias comerciais e de legislação restritiva: os
holandeses criaram em 1629 a companhia das Índias Ocidentais, os portugueses em 1649 a
Companhia Geral do Comércio para o Brasil e os ingleses em 1660 a Royal Adventuress in to
Africa e, depois, em 1672, a Royal Campany of England. A política monopolista e proteccionismo
dos ingleses iniciaram em 1651 com o Acto de Navegação e teve continuidade nos actos
posteriores de 1661 a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o
mote para a nova realidade político comercial. O mar que séculos atrás foram apenas um
privilégio dos peninsulares era agora património dos diversos empórios marítimos europeus. A
divisão política anterior deixou de ser uma realidade e deu lugar à era dos imperativos
económicos.
A presença e disputa dos holandeses rege-se por condições específicas, porque detinham
interesses importantes na cultura açucareira americana e procuravam assegurar o domínio de S.
Tomé, Santiago e demais feitorias para acesso ao mercado de escravos. A isso juntava-se o
empenho na manutenção das rotas do tráfico e de destruição dos interesses açucareiros da área.
O ataque em 1598 à ilha de Santiago e no ano imediato a S. Tomé surge no seguimento do
assalto a Las Palmas. Se na última o saque foi o principal motivo da intervenção já em S. Tomé o
objectivo era a destruição da cultura da cana, de fabrico do açúcar e controlo da rota dos
escravos.
O novo século anunciou-se como um momento de ligeira acalmia nos mares. Os conflitos das
potências europeias foram paulatinamente sanados pelo que a permanente instabilidade de

22 Alberto VIEIRA, O Comércio Disfarçado mas ilhas do Atlântico Oriental. O Processo de Bartolome Cuello na Inquisição de Las Palmas (1591-
98), in Anita NOVINSKI (ed.), Inquisição Ensaios sobre Mentalidade, Bruxarias e Arte , S. Paulo, 1992, pp.161-169.
23 Cf. Joel SERRÃO, Temas Históricos Madeirenses, Funchal, 1992, pp129-140.
24 Cf. W. de Gray BIRCH, Catalogue of the Collection of Original Manuscripts formerly belonging to the Holy Office of the Inquisition in the
Canary Islands, vol. III, Londres, 1903, pp. 1026-1054; L. ALBERTI e A. B. Wallis CHAPMAN, English Merchants and the Spanish Inquisition in
the Canaries, Londres, 1912, pp. 127-152.
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finais da centúria pertenciam já à História. Assinadas as pazes com a Inglaterra a 18 de Agosto


de 1604 as populações insulares respiraram de alívio, pois os corsários ingleses deixaram de os
incomodar. Com os holandeses as tréguas foram curtas, pois duraram de 1609 a 1621,
reacendendo-se as hostilidades que conduziram a nova situação de instabilidade.
Facto significativo da adesão insular aos objectivos da monarquia restaurada foi a participação
nas campanhas de recuperação de alguns espaços do Novo Mundo ocupados pelos holandeses,
no Brasil e Luanda, e para a guerra peninsular. No Brasil releva-se a iniciativa de João Fernandes
Vieira, que segundo o mesmo declarava em testamento “guiou a causa das felicidades de que
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está gozando Portugal” ao expulsar os holandeses de Pernambuco em 1654.
Se o período filipino representou o avolumar dos inimigos dos interesses coloniais dos
portugueses, já o Portugal Restaurado vai buscar o apoio entre os rivais de Castela. Deste modo
franceses, holandeses e ingleses firmaram-se num primeiro momento como os nosso principais
aliados, usufruindo com isso alguns favores que favoreciam o expansionismo. A 1 de Junho de
1641 foi assinado o tratado com a França e desde 21de Janeiro deste ano que os holandeses
usufruíam de liberdade comercial nas praças do reino que ficou esclarecida no tratado de
tréguas de 12 de Junho de 1641. Neste tratado assinado em Haia ficaram estabelecidas as tréguas
entre Portugal e os Estados Gerais das Províncias Unidas por um período de 10 anos. Mais tarde
com o tratado assinado a 20 de Outubro de 1648 pôs-se termo às hostilidades sobre a posse do
Brasil. O restabelecimento das relações com a Inglaterra só aconteceu em 29 de Janeiro de 1642,
certamente atraídos pelo bom relacionamento com a Espanha.

O BRASIL HOLANDÊS E OS MADEIRENSES. Mais tarde no século XVII tivemos de novo


um movimento migratório significativo, desta vez provocado pela necessidade de defesa do
território brasileiro face à ameaça de invasores e ocupantes. De novo o madeirense volta assumir
um papel de destaque. Os descendentes daqueles que haviam estão nos começos da formação
da sociedade brasileira regressam para assegurar a continuidade da tarefa e a soberania
portuguesa. A libertação do Maranhão em 1642 foi obra de António Teixeira Mello, enquanto
em Pernambuco a resistência ao holandês foi organizada desde 1645 por João Fernandes
Vieira25. Ainda, a defesa da soberania lusíada foi conseguida também com o envio de
companhias de soldados desde a ilha. Assim temos: em 1631 de João de Freitas da Silva, 1632 de
Francisco de Bettencourt e Sá, em 1646 de Francisco Figueiroa26, em 1658 de D. Jorge Henriques
com 600 homens 27 . A situação manteve-se. Em 1696 temos o envio de 100 soldados para o
estado do Maranhão28. Já em 1734 a nova leva teve como destino Santos29 . Em 1774 foram 200
soldados da Madeira na companhia de 1000 homens enviada ao Rio de Janeiro30. Para Santa
Catarina temos ainda notícia do envio de militares nos séculos XVII e XVIII, em época anterior
ao período de colonização insular31.
Francisco de Figueiroa está desde 1628 ligado a diversas campanhas em Pernambuco, mas em
1646 encontrava-se na Madeira quando recebeu do rei a carta de patente de mestre de campo

25 Cf. Texto de Leonardo Dantas neste Volume. José António Gonsalves de Mello, João Fernandes Vieira Mestre de Campo do Terço de Infantaria de
Pernambuco, 2 vols, Recife 1956, reedição em 2000 pelo CEHA/CNCDP
26 . Cf. Texto de José António Gonsalves de Mello, Francisco de Figueiroa. Mestre de Campo do Terço das Ilhas em Pernambuco, Recife, 1954, publicado
neste volume.
27 ANTT, PJRFF[Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal], Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.965ª, fls.
267vº-268vº, 278-278vº, 4 e 9 de Dezembro de 1658 e 1 de Agosto de 1664; ibidem, nº396, fls.23vº-24, 6 de Abril de 1659.
28 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.nº.398, fls.5vº -7vº, 18 de Março de 1696
29 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº. 398, fls. 2-5vº, 3 de Dezembro de 1734 e 16 de Janeiro de 1735.
30 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.976, fls266vº-267, 20 de Junho de 1774.
31 Maria Licínia Fernandes dos Santos, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, 1999, pp.76-77.
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para chefiar um terço de infantaria das ilhas com 500 homens, sendo metade da Madeira e a
outra metade das ilhas de Pico, S. Miguel, Faial e Graciosa32. O terço de Francisco de Figueiroa é
constituído por 4 companhias, sendo uma comandada pelo capitão Manoel de Azevedo, que
havia servido já no Rio de Janeiro, Baia e Pernambuco33. Manoel Homem d’El-rei era o capelão,
nomeado pelo próprio mestre de campo34, enquanto António Faria era o ajudante35. A despesa
deste serviço é coberta pela Provedoria da Fazenda no Funchal, com o dinheiro reservado para a
fortificação da ilha36.
A Madeira, através das principais famílias, esteve envolvida no processo de formação e defesa
da sociedade brasileira. Madeirenses de diversas idades e origens sociais, sulcaram o Atlântico
para lançar a cultura da cana-de-açúcar, construir os primeiros engenhos, estabelecer os alicerces
das instituições régias e locais e defender a soberania portuguesa face ao afrontamento ou
usurpação de franceses, holandeses e castelhanos.

No quadro da presença flamenga nas ilhas temos a assinalar que esta aconteceu com maior
evidência nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, por motivos e em situações distintas. Em
Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, não obstante a existência de contactos comerciais directos com
a Flandres, a presença flamenga é quase nula, prova de que o comércio0 estava na mão dos
portugueses, nomeadamente os judeus. Para o arquipélago madeirense todo o interesse esteve
virado para o comércio do açúcar pelo que são na maioria mercadores que aparecem,
maioritariamente na condição de estantes. São raros os casos de flamengos que fixam morada na
ilha. Aliás, o mais célebre é apontado por Gaspar Frutuoso como sendo genovês. Já nos Açores a
situação foi totalmente distinta. Estamos perante uma significativa presença de povoadores, com
um contributo de relevo para o povoamento das ilhas, que abriram as rotas ao comércio com a
sua terra de origem, por força do pastel. Se quisermos apontar um epíteto de ilhas flamengas
apenas o podemos fazer quanto à Madeira e aos açores, onde esta influência é ainda visível em
alguns testemunhos.

32 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.980, fl.103-105, 17 de Fevereiro, Ibidem, nº.965ª, fls. 14vº-15, 22, 27 de Abril e 11 de Maio de
1646; ARM, RGCMF, T. VI, fls. 66, 77vº-78, 27 de Abril e 8 de Maio.
33 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.980, fls.105vº-106, 17 de Fevereiro de 1646.
34 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº. 980, fl.107vº, 15 de Junho de 1646; ibidem, nº980, fls.148 -148vº, carta de patente de capelão de
26 de Setembro de 1646.
35 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.980, fls.106vº. 26 de Junho de 1646.
36 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, nº.965, fls. 14-14vº, 11 de Maio de 1646.

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