Sie sind auf Seite 1von 19

Rudolf Steiner

As origens do Pai-Nosso
Considerações esotéricas

Duas conferência proferidas em Berlim,


em 28 de janeiro e 18 de fevereiro de 1907

Tradução:
Philipp Sixel
(primeira conferência)
Jacira Cardoso
(segunda conferência)

11
As sete súplicas do Pai-Nosso

O assunto que vou expor hoje refere-se à seguinte questão: de que modo as
confissões religiosas demonstram, por determinados exemplos, basearem-se na Ciência
Espiritual ou, digamos, na Ciência Oculta?
Hoje eu gostaria de expor-lhes apenas urna parte diminuta, porém imensamente
importante, do capítulo sobre as bases ocultas das religiões. Os Senhores verão que se
trata de um fato conhecido até dos homens mais simples de nossa cultura — um fato
espiritual em que se ocultam as mais profundas verdades e as próprias bases da Ciência
Espiritual; basta procurá-las para se ver quão sábio e oculto caráter possuem os
encadeamentos na vida espiritual da Humanidade.
Partiremos da questão referente à oração cristã. Todos conhecem o que se denomina
oração cristã. Já tratamos várias vezes desse assunto aqui, e muitos antropósofos
perguntaram que relação teria essa oração cristã com a cosrnovisão da Ciência Espiritual.
Por meio desta concepção os membros do movimento antroposófico têm ouvido falar, nos
últimos anos, de urna forma, digamos, da elevação do homem ou da alma humana às
potências divino-espirituais do Universo; refiro-me à meditação, esse modo de obter
interiorrnente a consciência de um conteúdo espiritual, urna parte do que nos é dado
pelos grandes instrutores da humanidade ou extraído do conteúdo espiritual das grandes
culturas, no qual o homem se concentra para assim obter meios de unir, por um momento,
sua alma às correntes divino-espirituais do Universo.
Quem medita, embora de modo simples, por meio de qualquer das fórmulas dadas
pelos instrutores espirituais da humanidade, fazendo viver em seu espírito uma fórmula,
um conteúdo mental significativo — não deve tratar-se de um pensamento qualquer, e sim
de um pensamento transmitido por mestres da sabedoria e da harmonia dos sentimentos —
quem medita, pois, vivificando em seu coração essas fórmulas, experimenta uma união
com a suprema espiritualidade; é impregnado por uma força suprema e nela vive.
Primeiramente ele cria vigor para fortalecer suas energias espirituais normais, elevando-as
e animando-as. Tendo paciência e tenacidade, deixando-se cornpenetrar por esse vigor a
ponto de demonstrar um fortalecimento moral e intelectual, aproxima-se o momento em
que poderão ser despertadas, por meio de semelhante conteúdo meditativo, as profundas
faculdades existentes em estado latente em todas as almas humanas. Do mais singelo
fortalecimento moral às mais elevadas regiões do poder clarividente, há todas as
gradações possíveis de serem alcançadas por meio de tal meditação. Para a maior parte
dos homens, a consecução dos mais altos graus de clarividência é apenas uma questão de
tempo, paciência e energia. Em geral considera-se a meditação um método oriental para
alguém se elevar a seu Deus. No Ocidente, principalmente na comunidade cristã, em seu
lugar é conhecida a oração, a oração pela qual o cristão se eleva a seu Deus e por cujo
intermédio procura obter, a seu modo, um ingresso nos mundos superiores.
Entretanto, antes de tudo é necessário termos uma compreensão clara do seguinte: o
que hoje quase sempre é considerado oração jamais seria, no sentido cristão primitivo, e
muito menos ainda no sentido do fundador da religião cristã — o próprio Cristo Jesus —,
considerado como tal. No verdadeiro sentido cristão, jamais é oração o pedido a Deus de
algo que tenha por objetivo a satisfação dos próprios desejos pessoais e egoístas. Se
qualquer pessoa pede ou roga a realização de desejos pessoais, é natural que muito em
breve venha a perder de vista a universalidade e o alcance do consentimento daquilo a
que se aspira pela prece. Ela pressupõe que a Divindade satisfaça especialmente seus
desejos. Um lavrador, tendo plantado este ou aquele fruto, talvez necessite de chuva, ao
passo que outro, seu vizinho, precise de sol. Como deverá agir a solicitude e a divina or-

22
dem universal, se um implora chuva e o outro sol? Ainda muito menos imaginável é o que
tenha a fazer a solícita e divina ordem universal se dois exércitos inimigos que se
combatem imploram a Deus cada qual sua vitória, encarando cada um como única justiça
a vitória própria. Por aí se vê quão pouca universalidade e humanidade apresentam as
preces emanadas dos desejos pessoais, e como mesmo o consentimento por parte de um
Deus só poderia corresponder a um dos partidos. É evidente que quem roga de tal modo
não leva em conta a oração pela qual o Cristo Jesus faz ressaltar a disposição fundamental
de espírito que deve predominar em toda oração baseada na seguinte: “Pai, afasta de mim
este cálice; não se faça contudo a minha vontade, mas a Tua.” Eis a fundamental
disposição cristã da oração. Seja qual for o objetivo da oração, é mister que esta disposi-
ção fundamental vibre como um som nítido na alma do implorante quando ele quiser orar
de modo cristão. Deste modo a fórmula da oração torna-se simplesmente um meio de o
homem se elevar às supremas regiões espirituais, a fim de poder sentir em si próprio a
presença de Deus. Assim praticado, esse teor de oração exclui qualquer desejo egoísta ou
impulso volitivo, no sentido das palavras “não se faça contudo a minha vontade, mas a
Tua”. Disso resulta uma união, uma imersão nesse mundo divino. Obtendo-se essa
disposição mental como disposição real de orar, a oração cristã é exatamente a mesma
que a meditação — só que apresentando um aspecto mais sentimental. Aliás,
originalmente a oração cristã não era senão uma meditação. A meditação é apenas uma
prática mais mental, sendo que por seu intermédio se procura obter uma harmonia com as
correntes divinas que atravessam o mundo por meio dos pensamentos dos grandes guias da
humanidade. Na oração se consegue o mesmo, de um modo mais sentimental.
Vemos, pois, que tanto pela oração como pela meditação procura-se o que pode ser
denominado uma união da alma com as correntes divinas que perpassam o mundo, e que
no mais alto grau se denomina a unio mistica, isto é, a união mística com a Divindade. O
começo desse estado se encontra tanto na oração como na meditação. Jamais o homem
poderia unir-se ao seu Deus, nem tampouco entrar em contato com as supremas entidades
espirituais, se ele próprio não fosse uma emanação dessa entidade divino-espiritual.
Como todos nós sabemos, o homem é de dupla natureza. Em primeiro lugar ele possui
aqueles quatro órgãos de que já tratamos muitas vezes 1: o corpo fisico, o corpo etérico ou
vital, o corpo astral e o eu. E no interior do eu que o homem possui as disposições para o
futuro: manas, buddhi, atma, ou seja, personalidade espiritual, espírito vital e homem-
espírito.
Se quisermos reconhecer de modo exato a união dessas duas entidades, será preciso
volvermos um pouco à era do surgimento da humanidade. Todos sabem, pelas
conferências anteriores,2 que em seu estado atual o homem representa a harmonia entre
as duas entidades: as três disposições para o futuro — manas, buddhi, atma —, ou seja, os
três membros superiores, e os quatro membros inferiores — os corpos físico, etérico, astral
e o eu —; e que esse homem se configurou assim num passado longínquo que denominamos
era lemúrica da Terra.
Se retrocedermos da época atual à época greco-latina, à época egipto-caldaica até às
culturas persa e hindu, retrocedendo ainda mais chegaremos pouco a pouco ao grande
dilúvio atlântico a que aludem as lendas diluvianas de todos os povos, alcançando então os
antepassados que viviam no território situado entre a Europa e a América, denominado por
nós Atlântida. Continuando a busca retrospectiva, chegamos a antepassados que, em eras
antiquíssimas, viviam num território então situado entre a Austrália e a Índia. Em meados

1
No âmbito do mesmo público ouvinte, composto de membros da então Seção Alemã da Sociedade Teosófica.
(N.E.)
2
Idem.

33
dessa época é que a trindade superior do homem (a personalidade espiritual, o espírito
vital e o homem-espírito) se uniu ao conjunto que denominamos os quatro membros
inferiores da natureza humana (o corpo físico, o corpo vital, o corpo astral e o eu).
Poderemos formar uma idéia exata desse fato imaginando-o do seguinte modo: na
época lemúrica não existia ainda na Terra, como ser superior, um homem físico no sentido
da atualidade; havia apenas urna especie de envoltório animal superior do homem atual,
um ser ou um conjunto de seres que consistiam então nos quatro elementos inferiores do
organismo humano. O que representa a entidade superior do homem, a parte eterna do
organismo que futuramente se desenvolverá cada vez mais pelas três disposições —
manas, buddhi, atma —, até então jazia no seio da Divindade. Se os Senhores quiserem
formar uma idéia desse fato sucedido naquela época, poderão fazê-lo de um modo um
pouco trivial, porém evidente. Imaginem que todos os homens hoje viventes na
humanidade inteira tivessem construí do seus corpos, até aquele momento, de forma tal
que lhes fosse possível acolher a alma humana de modo comparável a uma esponja apta a
absorver a água.
Imaginem um vasilhame com água. Jamais os Senhores poderão distinguir, no volume
de água, o término e o início de cada gota. A seguir imaginem uma quantidade de
pequenas esponjas mergulhadas no volume de água, e verão que cada uma dessas
esponjinhas absorve uma parte da quantidade de água. O que antes formava um conjunto
agora se acha distribuído por umas tantas esponjinhas. Algo similar sucedia então com as
almas humanas, se me for lícito empregar essa comparação trivial. Dantes jaziam
independentes no seio do divino Espírito Primordial, sem individualidade. Sendo, porém,
acolhidas pelos corpos humanos, tornaram-se individualizadas, como sucede à água
através das esponjinhas.
O que foi então absorvido por cada um dos corpos, isto é, pelos quatro membros
inferiores, prosseguiu, evoluindo continuadamente até nossa era, e continua a prosseguir
para o futuro, evoluindo cada vez mais. Na assim chamada Ciência Espiritual ou Ciência
Oculta isso era denominado Trindade Superior, e o esquema escolhido para esse homem
formado em meados da era lemúrica, empregado principalmente na escola pitagórica, era
o triângulo e o quadrado, de modo a resultar o seguinte esquema demonstrativo do
homem composto:

44
Como os Senhores facilmente imaginarão, pode-se, porém, observar essa parte
superior, eterna que atravessa todas as encarnações, sob dois pontos de vista. De um lado,
pode-se observá-la como elemento eterno primordial da humanidade; de outro lado,
contudo, também como parte da entidade divina então emanada como parte ou uma gota
de sua própria essência, ora mergulhada no quádruplo vaso humano. Assim sendo, o que
presentemente repousa em nós, homens, representa uma gota individualízada e autônoma
da Divindade. Deste modo os Senhores concluirão por poderem considerar os três membros
superiores da entidade humana — sua parte eterna — não só como os três princípios
supremos da natureza do homem, mas também como três princípios existentes na própria
Divindade. Por conseguinte, os três membros supremos da natureza humana representam
ao mesmo tempo os três órgãos inferiores da divindade mais próxima ao homem. Se os
Senhores quisessem enumerar os princípios dessas divindades que outrora entregaram a
gota de alma à humanidade, seria necessário — começando no homem com o corpo físico,
continuando com o corpo etérico, o corpo astral e o eu, e subindo de manas a atma —
começar com manas, continuar com buddhi e atma e subir então aos princípios existentes
acima de atma, dos quais o homem atual só pode adquirir uma idéia tornando-se discípulo
dos iniciados. Vemos, assim, que os três princípios encerrados no homem como seu
conteúdo podem ser considerados também como três princípios divinos.
Hoje queremos tratar esses princípios não sob o aspecto humano, mas como
princípios divinos, descrevendo-os segundo sua natureza. Esse princípio supremo que no
homem é atma e que ele desenvolverá no fim de sua evolução terrestre — ou, digamos, da
atual evolução planetária — pode caracterizar-se, no sentido da Ciência Espiritual ou
Oculta, comparando-se sua qualidade primordial com algo conhecido do homem atual
somente por alusão, ou seja, aquilo que o homem possui como vontade. O caráter
fundamental desse princípio divino supremo do homem é volitivo, é uma espécie de que-
rer. Das qualidades internas do homem, a que se acha menos desenvolvida — a vontade —
será, no futuro, depois que o homem se desenvolver cada vez mais, seu princípio por
excelência.
Hoje o homem é essencialrnente um ser cognitivo, e sua vontade ainda se acha
limitada em várias direções. O homem pode compreender o mundo que o cerca, em sua
universalidade, até um certo grau. Imaginem, porém, quão pouco ele é capaz de querer
daquilo que compreende, e como é limitado seu poder sobre o que pode conhecer.
Entretanto, o futuro lhe trará o que hoje ele ainda não possui: sua vontade se tornará
cada vez mais poderosa, até ter atingido seu grande fim, denominado na Ciência Espiritual
‘o grande sacrifício’. Este consiste naquele poder da vontade pelo qual o ser volitivo é ca -
paz de sacrificar-se completamente, não só na parte mínima correspondente às fracas
forças do sentimento e da vontade do homem, mas numa entrega de toda a existência —
qual uma entidade que, descendo até à matéria, se deixa derramar.
Os Senhores formarão uma idéia daquilo que se entende aqui por grande sacrifício, a
suprema expressão da vontade na natureza de Deus, imaginando o seguinte:
Imaginem estarem diante de um espelho. Sua imagem os encara. Essa imagem
representa uma ilusão que se lhes assemelha completamente. Imaginem em seguida terem
falecido em conseqüência de terem sacrificado sua própria existência, seu sentimento,
seu ser, a fim de vivificar essa imagem, transformando-a naquilo que os Senhores próprios
são. Sacrificar a si próprio e entregar sua vida à imagem é como a Ciência Espiritual de-
nominou, em todos os tempos, a emanação, o derramamento. Se pudessem fazer o
mesmo, os Senhores veriam que deixariam de existir, visto terem entregue tudo para o
despertar da vida e da consciência na imagem.
Quando a imagem alcança o grau em que é capaz de realizar o que se denomina o

55
grande sacrifício, ela então constrói, cria um universo, grande ou pequeno, sendo esse
universo uma imagem reflexa que recebe sua missão de seu próprio criador. Assim
demonstramos a significação da vontade criadora na entidade divina.
O que temos a expor como o segundo princípio da Divindade derramado na
humanidade oferece-se na mesma comparação empregada: é a própria imagem reflexa.
Transportem-se imaginativamente, com toda a vivacidade, a uma Divindade que, criadora
cósmica, represente o ponto central do Universo. Se imaginarem, neste recinto em que
nos achamos, um ponto em que, ao invés de circundado por estas seis paredes, seja-o por
um globo oco e espelhado interiormente, os Senhores se verão como ponto central,
refletido de todos os lados. Temos a imagem de uma Divindade como centro volitivo que
se reflete para todos os lados, sendo que esse espelho é a imagem da própria Divindade,
representando ao mesmo tempo o Universo. Ora, o que é o Universo? Não é outra coisa
senão um reflexo do Ser Divino.
A circunstância de o Universo estar cheio de vida e movimento provém da emanação
da Divindade, realizando o grande sacrifício e refletindo seu próprio universo — conforme
acabamos de observar pelo exemplo da vivificação da imagem reflexa. Todo o Universo é
animado pela Vontade Universal, que se manifesta numa variedade infinita. Esse processo
de variação infinita, de multiplicação infinita, essa repetição da Divindade, denomina-se
em toda ciência oculta ou espiritual o ‘Reino’, em contraposição à Vontade. A Vontade e,
portanto, o ponto central, e o espelho da Vontade é o Reino, de modo que podemos
comparar a Vontade com atma, o homem-espírito, e o Reino ou imagem reflexa da
Vontade como buddhi ou espírito vital.
Esse Reino, porém, apresenta a faculdade de reproduzir o Ser Divino numa variedade
infinita. Contemplem esse Reino, na extensão em que constitui o nosso reino, a nossa
variedade, o nosso universo — contemplem sua parte visível nos minerais, nas plantas, nos
animais e nos homens. O Reino se manifesta em cada exemplar desses seres, sendo que
em nossa linguagem ainda se encontra um indício desse fato, denominando-se essas
grandes regiões do nosso Universo com a expressão ‘reinos’, quais sejam: o reino mineral,
o reino vegetal e o reino animal. E contemplando os pormenores, também esses
evidenciam sua natureza divina. Em todos a natureza se reflete tal qual se refletiria o
ponto central no globo oco. Da mesma forma, quem contempla o mundo no sentido da
investigação oculta vê em cada homem um reflexo de Deus, uma expressão e imagem do
Divino.
A Divindade surge no Reino em infinita gradação de seres em múltipla variação; e no
sentido da Ciência Oculta os seres se distinguem entre si — encontrando-se alguém no
elevado grau de poder contemplá-los como emanação da Divindade — pelo fato de ser-lhes
dado seu ‘nome’. O homem, o único capaz de pensar, imagina os nomes, que são o meio
de distinguir os membros isolados em meio a essa enorme variedade. O Nome é o terceiro
dos três supremos princípios humanos que emanam do Divino, e corresponderia ao manas
ou personalidade espiritual. A Ciência Oculta das diversas religiões ensinou, pois, de um
modo simples aquilo que emanou da Divindade e se integrou a nós, formando assim nossa
imagem eterna.
Se quiserem encontrar-se naquilo a que se deverão elevar no fim da evolução, os
Senhores verão que ele é de natureza volitiva. Se quiserem elevar-se ao portador dessa
Vontade — desse atma —, ao buddhi, no Divino ele é representado pelo Reino. E se
quiserem elevar-se àquilo que conhecem sobre os nomes, conceitos ou idéias dos objetos,
no Divino isso se representa como Nome.
O que acabamos de tratar aqui é uma doutrina antiqüíssima, segundo a qual o
membro da Divindade que penetrou, como parte eterna, na natureza do homem consiste

66
em Nome, Reino e Vontade. E assim reconhecemos o que se denomina a trindade superior
do homem como uma parte do Divino.
A fim de completar nossas considerações, é preciso lançar ainda um olhar sobre os
quatro membros inferiores do homem perecível. Dos três membros superiores sabemos
que podeni também ser observados sob o aspecto que os considera membros da Divindade.
De modo semelhante, podemos considerar os quatro órgãos inferiores da entidade humana
como membros do mundo perecível e como membros do homem.
Consideremos o corpo físico. Ele é composto das mesmas forças e da mesma matéria
que o mundo aparentemente inerte ao nosso redor. Esse corpo físico jamais poderia existir
se não fosse continuamente compenetrado e reconstituído pela matéria e pela força do
mundo físico que o circunda. Verdadeiramente, o corpo físico é uma estação permanente
de passagem para tudo o que nele temos. Aí penetra e daí sai a variada matéria que
constitui o universo exterior, tal como temporariamente se acha em nós. Muitas vezes já
expusemos aqui que toda a conexão material do corpo humano se renova no decorrer de
sete anos. Em nenhum dos Senhores se encontra a matéria que possuíam há dez anos. O
homem renova constantemente a matéria de seu corpo físico. O que se achava em nós
naquela época se encontra hoje espalhado na natureza exterior, e outra matéria penetrou
em nós. A vida do corpo necessita de uma contínua entrada e saída de matéria.
Assim como consideramos os três membros superiores do organismo humano como
partes da Divindade, também podemos considerar as quatro partes inferiores da natureza
humana como partes da natureza divina.
O corpo físico pode ser considerado uma fração da essência material de nosso
planeta. Sua substância é extraída de nosso planeta material, volvendo a ele. Observando
o corpo etérico, devemos considerá-lo, da mesma forma, como membro daquilo que aqui
nos cerca, sucedendo o mesmo em relação ao corpo astral.
Observemos o corpo vital ou etérico em sua relação com o corpo astral. Sabemos que
o corpo astral é o portador de tudo o que vive no homem como instintos, paixões e
desejos; ele é o portador de tudo o que vibra na alma humana, como alegria e sofrimento,
prazer e dor. O corpo etérico, porém, é o portador das qualidades anímicas mais
permanentes e duradouras.
Várias vezes já comparei diante dos Senhores o desenvolvimento do corpo etérico ou
vital com o ponteiro das horas de um relógio, e o do corpo astral com o ponteiro dos
minutos. Chamei-lhes a atenção para a diferença que poderá ser notada entre a
recordação do que os Senhores souberam e experimentaram aos oito anos e o que sabem e
experimentam agora. Os Senhores aprenderam inúmeras coisas, conceberam múltiplas
idéias, e suas ações daquele tempo desfilaram perante sua alma em experiências de
alegria e pesar, isto é, não somente desfilaram exteriormente, como também a com-
penetraram. Porém, comparando agora tudo isso com o temperamento, seu caráter e suas
inclinações permanentes, notarão que, se lhes era próprio um caráter colérico na idade de
oito anos, é muito provável que ainda o seja na idade presente. Quase todos os homens
mantêm por toda a vida suas qualidades fundamentais. Já repetidas vezes acentuamos
aqui que a instrução oculta não consiste no estudo teórico, pois o que é preciso é dirigir a
evolução no sentido da organização — de um modo geral estacionária — do corpo etérico.
O aluno agirá de modo eficaz conseguindo uma transformação em qualidades de seu
temperamento ou de suas inclinações fundamentais, acelerando assim o adiantamento do
ponteiro das horas. As inclinações permanentes, as qualidades estáveis do temperamento,
os hábitos constantes têm seu apoio no corpo etérico, e sua evolução é vagarosa. Tudo o
que se modifica tão rapidamente quanto o ponteiro dos minutos tem seu apoio no corpo
astral.

77
Aplicando isso à nossa vida no mundo exterior, àquilo que rodeia o homem, veremos
que os hábitos, os temperamentos e as inclinações permanentes têm coerência com nossa
era, nosso povo e nossa família. Justamente as qualidades permanentes e estacionárias do
homem se encontram em todos com que ele se acha ligado por laços de família, de
nacionalidade, etc. Os indivíduos componentes de um povo são reconhecíveis por seus
hábitos e temperamentos comuns. Essa base de inclinacões e hábitos humanos, que
necessita ser transformada caso queira ser alvo de uma evolução espiritual superior, é o
que constitui seu ser superior. É por isso que de um homem que se vê obrigado a modificar
seu corpo etérico, pelo qual ele se acha vulgarmente ligado a seu povo, se diz que ele é
um homem sem pátria.
Se observarmos, portanto, a convivência com as comunidades em cujo seio
nascemos, encontraremos não só as qualidades pelas quais pertencemos a uma família ou
nacionalidade e pelas quais sentimos um parentesco com os indivíduos componentes de
um povo, como também as qualidades próprias da época em que vivemos. Imaginem as
dificuldades de entendimento que se apresentariam caso um representante do antigo povo
grego se apresentasse perante os Senhores. Seu corpo etérico já é bastante diferente do
corpo etérico do homem de hoje. É pelas qualidades comuns do corpo etérico que os
homens se compreendem. Porém as qualidades pelas quais o homem se sobressai na
comunidade, aquilo que o apresenta como um indivíduo dentro da família e do povo, e
não simplesmente como francês, alemão ou membro de uma estirpe, mas como um
elemento particular de seu povo ou de sua estirpe, pode surgir da soma das características
de sua raça, apoiado no corpo astral, que é seu portador. O corpo astral, portanto,
contém mais o que é individual, pessoal.
O homem, portanto, cometendo erros decorrentes do corpo etérico ou vital, poderá
pecar mais no círculo em que convive, descuidar das obrigações sociais que possibilitam a
vida social humana. Os pecados de natureza mais individual, pelos quais o homem falha
mais como personalidade específica, são causados pelos atributos do corpo astral.
O erro cometido contra a comunidade, proveniente do corpo etérico que falha, em
qualquer ciência oculta foi sempre designado como ‘culpa’. A tiivial palavra ‘dívidas’ tem
a mesnxa raiz da palavra culpa 3, de cunho moral, significando aquilo que ficamos devendo
moralmente a outrem. A culpa é atribuída, portanto, às falhas do corpo etérico, ao passo
que os atributos errôneos do corpo astral são denominados ‘tentação’. Pela tentação, a
individualidade assume um pecado pessoal. Afinal sobra ainda o erro do eu, da
personalidade. O erro cometido pelo eu, que pode causar especialmente sua própria
queda, é aludido no mito do Paraíso: a alma humana, tendo descido do seio da Divindade
e penetrado pela primeira vez no corpo terrestre, pelo qual foi absorvida como a gota
d’água pela esponja, de alma superior passou a ser uma individualidade.
Essa alma superior, essa individualidade pode cometer erros no interior do eu. O
homem não pode apenas cair em conseqüência de anormalidades do corpo astral e do
corpo etérico, pois há uma possibilidade fundamental de pecar, cansada sobretudo pelo
fato de o homem ter adquirido sua própria autonomia. A fim de elevar-se pouco a pouco
de modo consciente à liberdade e à independência, ele teve de passar pelas experiências
do egoísmo e do interesse próprio. O homem desceu das alturas como alma, que era um
membro da Divindade inapto a cair no egoísmo. Um membro de um organismo nunca
supõe possuir autonomia. Se, por hipótese, um dedo presumisse tal coisa, destacar-se-ia
do organismo e secaria. Essa autonomia a que o homem deve evoluir, e que atingirá sua
importância total quando o altruísmo for a qualidade fundamental da autonomia, jamais
poderia existir se não proviesse do egoísmo.
3
Al. Schuld (culpa) e Schulden (dívidas). (N.T.)

88
O egoísmo penetrou no corpo humano, e por conseqüência o homem se tornou um ser
egoísta e interessado em si mesmo. Vemos, assim, que o eu obedece a todos os instintos e
inclinações do corpo. O homem devora seu próximo e obedece a toda espécie de desejos e
instintos; ele está completamente imerso no envoltório terrestre, como a gota d’água na
esponja.
O homem pode pecar por ter-se tornado um ser dotado de um eu, um ser autônomo;
esse fato é indicado no mito do Paraíso. De então em diante, ele possui todos os impulsos
em si próprio, enquanto dantes os hauria do Cosmo, como a gota unida à água extrai sua
força do volume de água total. Isso é indicado com a mordida na maçã, no mito do Paraíso
— e não sem sentido, pois todos os verdadeiros significados de palavras, à medida que
apresentam uma relação com a Ciência Oculta, têm uma profunda coerência interna. No
latim, por exemplo, malum significa tanto ‘o mal’ como ‘a maçã’. A palavra ‘mal’, na
Ciência Espiritual, jamais é empregada a não ser para o erro cometido pelo eu.
Portanto o mal é o erro cometido pelo eu, sendo a culpa o erro do corpo etérico,
cometido na vida social, na convivência com o próximo. A tentação é o erro que pode
afetar o corpo astral enquanto individualmente sujeito a erro. O erro do corpo etérico ou
vital é, pois, a culpa; o erro do corpo astral é a tentação; o erro do eu éo mal.
Considerando os quatro membros inferiores do organismo humano com relação ao
mundo que o circunda — com o mundo planetário —, vemos que o corpo físico absorve
constantemente matéria física como substância alimentar, mantendo assim a própria
existência. Vemos que a vida do corpo vital ou etérico na finitude efetua-se pelo fato de o
homem manter convivência com os indivíduos da comunidade em que nasceu. Vemos que
o corpo astral se mantém não caindo em tentação. E vemos, finalmente, que o eu se
mantém evoluindo corretamente quando não é dominado pelo que se denomina o mal.
Imaginem agora toda essa natureza humana — a quaternidade inferior e a trindade
superior — perante sua alma, de modo que os Senhores possam dizer o seguinte: em cada
homem vive uma gota divina, e a evolução do homem tende ao divino; a procura de um
aperfeiçoamento de sua mais profunda natureza interna terá modificado seu próprio ser,
por sua evolução gradual transformando-o no que o Cristianismo chama o ‘Pai’. O que jaz
ocultamente na alma humana e se apresenta com a grande finalidade da humanidade é o
‘Pai do Céu’. Se o homem quiser desenvolver-se nesse sentido, deverá ter a força para
desenvolver sua trindade superior e sua quaternidade inferior ao ponto de ambas
manterem corretamente o corpo físico: o corpo etérico ou vital terá de conviver com os
homens de maneira a realizar uma compensação da culpa que nele existe; o corpo astral
não ousará cair em tentação, nem o corpo do eu no mal. O homem deve elevar-se ao Pai
do Céu pelos três membros superiores: pelo Nome, pelo Reino e pela Vontade. O Nome
deve ser sentido como santificado. Vê os objetos em redor de ti: em sua variedade eles
exprimem a Divindade! Pronunciando seus nomes, tu os percebes como membros da divina
Ordem Cósmica. Seja o que for que tenhas em redor de ti, considera-o santificado; e no
nome que lhe dás, vê algo que o faça membro da entidade divina. Conserva-o como coisa
sagrada, penetra gradualmente no Reino, que é uma emanação da Divindade, e prossegue
até à Vontade, que é um atma mas ao mesmo tempo um membro da Divindade.
Agora imaginem um homem completamente absorto numa meditação que tenha por
meta o sentido dessa evolução, a fim de resumir essa meta, esses sete membros da
evolução numa oração de sete súplicas. Como se exprimirá ele, então?
Para expressar o que deve ser conseguido com essa oração, ele terá de dizer, antes
de orar as sete súplicas, “Pai Nosso que estás nos Céus”. Essas palavras indicam a mais
profunda base anímica da natureza humana, o ser interior do homem, que de acordo com
o esoterismo cristão pertence ao reino espiritual. As três primeiras súplicas se referem aos

99
três membros superiores da natureza humana, ao conteúdo divino do homem: “Santificado
seja o Teu Nome, venha a vós o Teu Reino, seja feita a Tua Vontade.”
Em seguida passamos do reino espiritual para o reino terrestre: “Seja feita a Tua
Vontade, assim na Terra como no Céu.” As últimas quatro súplicas se referem aos quatro
membros inferiores da natureza humana.
Que diremos do corpo físico para que seja sustentado na vida planetária? “O pão
nosso de cada dia dá-nos hoje.”
Que diremos do corpo etérico ou vital? “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós
perdoamos aos nossos devedores.” Isso se refere ao ajuste do que é cometido pelos erros
do corpo etérico ou vital.
Que diremos em relação ao corpo astral? “Não nos induzas em tentação.”
E que diremos sobre o eu? “Livra-nos do mal.”
Desse modo veremos, nas sete súplicas do Pai-Nosso, nada mais do que a expressão
daquilo que a alma humana, elevando-se de maneira correta, roga à divina Vontade: que
ela conduza o desenvolvimento dos diferentes membros do homem, de modo que ele
encontre o caminho correto da vida através do Universo e desenvolva de modo correto os
membros de seu organismo. Por conseguinte, o Pai-Nosso é uma oração por cujo in-
termédio o homem deve elevar-se, nos momentos em que o necessite, ao sentido da
evolução de sua natureza humana composta de sete membros, e as sete súplicas
constituem então — mesmo oradas pelo mais simples dos indivíduos, incapaz de poder
compreendê-las — uma expressão da contemplação científico-espiritual da natureza
humana.
Tudo o que sempre existiu sob forma de meditação, nas comunidades religiosas,
procede da Ciência Oculta. Os Senhores poderão procurar todas as verdadeiras orações e
analisá-las, palavra por palavra: nunca perceberão tratar-se de composições verbais vagas.
Não foi instinto obscuro o que levou a juntar belas palavras; não — foram os grandes
sábios que conceberam as fórmulas de oração, extraindo-as dos ensinamentos da sabe-
doria que é hoje denominada Ciência Espiritual. Não há texto de oração verdadeira que
não tenha surgido de um saber superior; e o Grande Iniciado, o fundador do Cristianismo —
o Cristo Jesus —, no momento em que ensinou a oração visualizava os sete membros da
natureza humana, dando à sua oração uma expressão desse organismo humano composto
de sete membros.
Todas as orações são feitas desse modo. Se assim não fosse, não teriam a força de
atuar no decorrer de milhares de anos. Só o que é assim organizado tem o poder de atuar
até mesmo no homem simples, que nem sequer compreende o sentido das palavras.
Uma comparação do que vive na alma humana com o que se passa na natureza
tornará isso mais compreensível. Observem uma planta. Ela os encanta, apesar de os
Senhores não conhecerem as grandes leis universais que a criaram. A planta existe e os
Senhores podem elevar-se por sua percepção, e no entanto ela jamais poderia existir se
não houvesse emanado das leis eternas. A alma simples não precisa conhecer essas leis, ao
passo que a planta não pode surgir a não ser procedendo delas. Portanto, se a oração
pretende ser eficaz, não pode ter um fundamento vago; é necessário que tenha procedido
das eternas leis da sabedoria, assim como a planta brotou das eternas leis primordiais da
sabedoria. Nenhuma oração tem um verdadeiro significado, tanto para as pessoas cultas
como para as incultas, caso não provenha da sabedoria primordial.
Depois de ter contemplado a planta durante várias épocas, sentindo prazer ao fazê-
lo, o homem se acha agora numa época em que pode ser conduzido ao sábio conteúdo das
leis. Durante um período de dois mil anos o cristão orou do mesmo modo como o homem
simples contempla a planta. No futuro ele reconhecerá a força da oração a partir da

1010
profunda sabedoria primordial da qual a oração emanou. Todas as orações, e principal-
mente a oração central da vida cristã, o Pai-Nosso, são uma expressão dessa sabedoria
primordial. E assim como no Universo a luz se exprime em sete cores e o som fundamental
em sete tons, assim a vida humana sétupla se ergue ao seu Deus em sete diferentes senti -
mentos de elevação relacionados com a natureza humana composta de sete membros e
expressos nas sete súplicas do Pai-Nosso.
Desta forma o Pai-Nosso, ante a alma do antropósofo, é a expressão do homem
composto de sete membros.

A origem das crenças e orações

Pelo que pude apresentar-lhes da última vez, constatamos como, numa oração de há
muito conhecida, expressa-se realmente toda a cosmovisão científico-espiritual da
essência do homem. Naquela ocasião pudemos convencer-nos de como as correntes,
doutrinas e instituições religiosas foram ciiadas a partir daquilo que, no decorrer dos
tempos, conhecemos por meio da própria Ciência Espiritual. Tivemos oportunidade de
imaginar o processo pelo qual a humanidade partiu originalmente de uma concepção
fundamental universal e abrangent e, expressa nas crenças religiosas dos diversos povos
segundo a diversidade dos caracteres nacionais. Agora os Senhores poderão naturalmente
formular a seguinte pergunta: como é que se imaginou com precisão que as verdades e
sabedorias fundamentais da humanidade estão relacionadas com aquilo que foi pro-
clamado a este ou aquele povo nas diversas crenças religiosas isoladas, por meio dos
fundadores das religiões? Certamente é um fato estranho que nas sete súplicas do Pai-
Nosso nos deparemos com os conceitos fundamentais da Ciência Espiritual; a alguém que,
observando de fora e pouco se tendo ocupado com o que hoje se pode conhecer mediante
a Ciência Espiritual, muita coisa deve parecer fantástica, e essa pessoa pode facilmente
dizer que tudo isso foi apenas introduzido no conteúdo obtido dos documentos religiosos.
Para se penetrar um pouco mais profundamente na indagação a respeito de como as
grandes sabedorias fundamentais se integraram originalmente às confissões religiosas, é
preciso partir de uma questão fundamental. É preciso ter bem claro que o que hoje
podemos saber, o que hoje nos é ensinado pela concepção científico-espiritual, não foi
transmitido da mesma maneira, já nas mais remotas épocas, ao conteúdo das religiões.
Cumpre ter bem ciência de que a forma pela qual tais verdades foram transmitidas aos
homens era bem diversa segundo as épocas. Os antigos documentos religiosos que abrimos
hoje falam aos homens sob forma de imagens, e não de conceitos. Essas imagens, que
muitas vezes se apóiam em representações sensoriais, foram conservadas pelos
documentos religiosos segundo as possibilidades. Assim, por exemplo, o conhecimento é
sempre mencionado como uma luz, a sabedoria como uma espécie de elemento fluido,
como água. Observando com precisão, os Senhores poderão encontrar nas mais antigas
épocas sempre as mesmas imagens. Isto tem um motivo bem determinado, e hoje
reuniremos alguma coisa do que já conhecemos, a fim de aprofundar-nos com acerto na
maneira como os mestres primordiais da humanidade atuaram sobre os povos aos quais
levaram o beneficio das doutrinas religiosas. Se quisermos compreender como os
fundadores das religiões atuaram antes daqueles que designamos como os grandes
iniciados — portanto, antes de Hermes, Zaratustra, Buda, Moisés e, finalmente, antes do
maior deles, Jesus Cristo —, teremos de aprofundar-nos ainda uma vez na diferença
existente entre a consciência habitual e a consciência astral ou imaginativa do homem.
Atualmente o homem comum possui, da manhã à noite, o que chamamos de

1111
consciência objetiva, que lhe mostra as coisas de forma a lhe parecerem exteriores a ele
próprio, e com as peculiaridades demonstradas pelos sentidos. Essa consciência não é a
única. Na verdade, os demais estados de consciência estão ocultos à maioria dos homens
atuais, mergulhados numa escuridão imprecisa que chamamos de sono desprovido de
sonhos e que, no entanto, possui especial importância para o miciado. Para este, que
conhece também o mundo situado sob esta aparência fisica, entre o adormecer e o
acordar existe também um estado consciente em que, na verdade, ele não percebe as
mesmas coisas aqui existentes, nem do modo como são; aí ele percebe um mundo em si.
Assim como para o homem comum o sono sem sonhos é um estado inconsciente, para o
iniciado é um estado consciente em que ele vê o mundo espiritual.
Se quisermos esclarecer como esse estado inconsciente se torna consciente, teremos
de observar aquele estado intermediário já conhecido — o sono pleno de sonhos, a nos
mostrar em imagens sensoriais as percepções habituais e cotidianas ou os estados íntimos
da alma. Porém os Senhores só poderão encontrar essa característica imaginativa
mostrada pelo sonho ao estudar a consciência do iniciado quando este se encontra no
mundo espiritual. Aí ele vê as coisas em imagens. Na verdade estas não são tão caóticas
como nos parecem em sonhos. Em geral temos, das imagens do sonho, a impressão de que
continuamente se transformam. A mesa e a cadeira mostram sempre a mesma forma que
as caracteriza. As plantas e pessoas, à medida que são objetos exteriores, mostram a
forma que possuem. Porém quanto mais ultrapassamos o reino da consciência, mais
encontramos transformações: a planta, que brota do germe e desenvolve caule, folhas,
flores e fruto; o animal, que exprime seu impulso; a entidade humana que, na modificação
dos gestos e da fisionomia, é vista em movimento. Mas tudo isso é algo permanente dian te
do que uma pessoa vivencia, em estado elevado, no mundo do Devachan. Aí vemos uma
contínua transformação. Quem, por meio de exercícios adequados, encontra sua entrada
no mundo espiritual aprende, naquele âmbito, como a cor de uma planta se eleva dela
qual uma chama. Aprende a conhecer como as cores são figuras ascendentes e
descendentes no espaço livre. Porém só adquire uma visão correta quando apto a ver as
cores e tons por si mesmo, atribuindo-os a determinadas entidades. Tais entidades estão
continuamente à nossa volta. Se os Senhores pudessem retirar o violeta dessa planta, de
forma que o violeta se movimentasse livremente no espaço, teriam então a expressão para
a vida de um mundo espiritual íntimo da planta. Assim também atua a aura humana, bem
como o que chamamos de corpo astral. Todas as inclinações humanas, sentimentos de
vaidade e egoísmo expressam-se aí através de correntes cromáticas bem definidas, de
forma que podemos dizer que a vivência anímica interior se exprime na aura humana. A
aura nunca está quieta, nada aí é estacionário como ocorre aqui, no mundo sensível. E
quando um ser tem, no mundo espiritual, um impulso sentimental ou volitivo, podemos
sempre ver como as cores e tons se manifestam em variações bem definidas. O eterno
movimento é o essencial dos mundos espirituais.
Naturalmente isto é perturbador para quem entra pela primeira vez no mundo
espiritual; mas também faz com que tudo o que aí existe se manifeste de acordo com o
momento. Se o homem pode esconder sua vida anímica a quem o observa apenas com
olhos físicos, à observação com olhos espirituais ele nada pode ocultar. Aí tudo está claro
como o dia, tanto que se quisermos pesquisar com olhos sensoiiais um homem tal como se
nos apresenta, teremos de atribuir à sua alma aquilo que captamos de seu exterior, como
sua maneira de rir ou de chorar. Já no mundo espiritual é diferente. Uma conclusão do
exterior a respeito do interior não encontra lugar aí, pois o interior está totalmente
exposto. Nesse âmbito convivemos com a essência das coisas. Em nossa época, apenas o
iniciado pode adquirir essa consciência. Apenas ele pode viver conscientemente no mundo

1212
espiritual. Ao estado de consciência entre o acordar e o adormecer ele pode acrescentar
outro estado, por cujo intermédio se torna capaz de somar o interior ao exterior. Tal
como ele pode vivenciar conscientemente o interior das coisas, numa época remota todos
os homens eram capazes de fazê-lo. Antes de seu atual estado de consciência, os homens
possuíam aquele que lhes possibilitava ver as coisas por dentro.
Remontando a épocas remotíssimas, chegamos a pessoas que muito pouco possuíam
em comum com os homens de hoje. O homem atual é capaz de contar e calcular. Em meio
aos atlantes os Senhores encontrariam pessoas que ainda não podiam fazê-lo, e às quais
não se poderia falar de lógica. A este respeito, a menor criança escolar de hoje é mais
capaz do que qualquer atlante teria sido. No entanto, ele possuía outra capacidade. Ao
observar qualquer ser da natureza — por exemplo, uma planta —, podia ver um sentimento
bem específico surgir nele próprio. Para ele cada planta possuía um determinado valor
sentimental. Enquanto o homem atual passa por uma planta de maneira indiferente, no
atlante despontavam sensações e sentimentos vívidos. Se retrocedêssemos até aos tempos
dos primeiros atlantes, constataríamos que eles tampouco possuíam idéias vivas das cores
tal como o homem atual. Quando um atlante se dirigia a unia violeta, não a via em sua
presença real mas como se presenciasse uma espécie de figura nebulosa. Da mesma
forma, ele não via a cor vermelha flutuando livremente. Olhando agora para qualquer cris-
tal, os Senhores o vêem, caso seja um rubi, colorido de vermelho. Os primeiros atlantes,
porém, não teriam visto a cor em tal cristal. Este se lhes teria manifestado como que
circundado por unia coroa radiante de cores, não passando ele próprio de uma espécie de
incisão dentro dela. Aproximando-se dessas épocas os Senhores chegam a um passado
remoto, em que o homem não mais teria visto os contornos de outra pessoa, de uma
planta ou de um aninial. Quando se aproximava de outro homem que lhe parecesse
adverso, ele percebia muito mais unia cor marrom-avermelhada. Caso percebesse uma
linda cor azulada, convencia-se da presença de unia pessoa afável. Assim se lhe exprimia a
vida interior de unia pessoa em tais cores.
Se retrocedernios ainda mais, chegaremos àquele remotíssimo passado da antiga
Lemúria, situada entre a Asia, a Austrália e a Africa. Lá não apenas a consciência cognitiva
era completamente diferente, mas também o era tudo o que se denonima impulso
volitivo. A vontade atuava ainda de forma mágica, possuindo uma força sobre os outros
objetos. Quando o lemuriano mantinha a mão sobre uma planta e empenhava sua vontade,
podia fazer com que ela, mediante sua simples volição, crescesse rapidamente.
As forças da natureza exterior em nada diferem das que se encontram no homem.
Pelo fato de o homem se haver tornado um ser confinado em sua pele, suas forças se
distanciaram cada vez mais das forças da natureza, diferenciando-se delas. O que mais se
diferencia das forças da natureza é o pensar humano. O ato de conectar e calcular é o que
há de mais estranho ao que existe como tal na natureza. Contudo, se os Senhores pudes -
sem retroceder o suficiente, veriam que naquela época existiam seres, os antepassados
espirituais da humanidade, para os quais teria sido — comparativamente — um grande
absurdo dizer “Eu compreendo um conceito de qualquer coisa exterior”. Isto eles não
poderiam absolutamente dizer; teriam visto o conceito simultaneamente, talvez, conio
atividade e até como entidade. Quando hoje se forma um conceito de qualquer coisa,
imagina-se que essa coisa tenha sido originalmente forrnada pelo mesmo conceito.
Podemos ter uma idéia a respeito disso ao recordarmos o processo de qualquer realização
humana. Os Senhores podem formar um conceito de um relógio acabado, de seu
mecanismo, do andamento dos ponteiros. Jamais seriam capazes disso se antes dos
Senhores um relojoeiro não houvesse existido e pensado previaniente o que pensam agora.
O que ele lançou como idéia os Senhores refletem agora.

1313
Todos os conceitos que o homem é capaz de formar hoje, tudo o que hoje o pensar
faz, existiu em nosso passado como realidade depositada primeiramente nas coisas. Cada
ser é compreendido mediante seu conceito; outrora, cada ser foi formado segundo seu
conceito. Nada no mundo se diferenciava do que existe hoje na Arte humana: os conceitos
que o homem faz hoje foram originalmente depositados nas coisas. Retrocedendo ainda
mais, os Senhores veriam como esses homens nunca teriam podido dizer que formavam um
conceito enquanto observavam as coisas; eles realmente viam o que ocorria, ou seja,
como o conceito era introduzido, vendo simultaneamente os geradores das coisas.
Com isto é explicada a diferença entre o atual intelecto do homem e o daquela
época, o qual temos de denominar criativo. Mas se os Senhores conhecessem esses seres
que, pela observação própria, ainda tomavam ciência do intelecto criativo em
contraposição ao atual intelecto simplesmente receptor, constatariam sua natureza
totalmente diferente. Eles ainda não estavam encarnados num corpo humano. O que
reside hoje nos envoltórios humanos ainda se encontrava, naquela época, encerrado no
seio das entidades divino-espirituais.
Imperceptivelmente, ultrapassamos o momento da evolução terrestre que se nos
apresentaria aproximadamente da seguinte maneira:
Embaixo, na Terra, já havia uma vida física; existiam aí entidades que, embora
outras, eram semelhantes aos atuais minerais, plantas e animais, e também aquelas que,
embora não fossem homens, situavam-se entre estes e os animais, estando maduras para
receber almas hunianas: estavam tão avançadas em sua organização que podiam receber
essas almas. É apenas comparativamente que se pode dizer como pensar isto:
Embaixo, na Terra, perambulavam os homens, que ainda eram realmente zoóides.
Imaginemos então os corpos humanos como pequenas esponjas isoladas e as almas como
gotas d’água, ainda reunidas numa grande massa aquosa comum; a Terra física, com todo
o bulício de entidades, como que envolta — tal qual pela atmosfera — por um envoltório
anímico. Neste, tudo estava ainda inseparado, como as gotas d’água. E da mesma maneira
como quando fazemos as esponjas absorver a água, de modo que cada qual receba uma
gota isolada, assim ocorreu naquela época. A substância anímica foi absorvida pelos
corpos humanos individuais, dividida entre esses corpos. Com isso surgiu a primeira alma
humana. Sem esse processo, jamais a substância humana teria sido separada em muitas
individualidades.
Com isso, porém, inicia-se também o processo por cujo intermédio o homem se
destaca gradualmente do ambiente, adquirindo assim unia especial consciência dos
objetos. Anteriormente ele possuía a consciência que não formava conceitos; a alma em si
ainda estava totalmente dentro da alma universal, sentindo a partir daí, como que do
interior para o exterior, toda a sua sabedoria — não necessitava olhar para o exterior.
Poder-se-ia dizer, realmente, que essa alma universal ainda era onipotente; ela formou,
segundo os conceitos gerais, tudo o que existe hoje sobre a Terra. Esses conceitos foram
recebidos pelos homens à medida que da alma universal comum foram concedidas aquelas
gotas de sabedoria. Esta é a diferença entre o saber primordial, antes de incorporar-se na
carne, e o saber atual, que surge enquanto o homem se dirige ao exterior.
No momento em que o homem não mais observa com os sentidos, hoje seu interior
mergulha na obscuridade incerta que denominamos sono isento de sonhos. Do homem
permanecem, durante o sono, os corpos físico e etérico em repouso, e o corpo astral se
desloca para o exterior. O que é que, no homem, percebe o mundo exterior? O corpo
astral percebe as cores e tons. Ele vivencia um prazer ao usufruir de algo agradável, e
sente a dor como tal. Mas esse corpo astral nada pode provocar hoje, no homem, quando
não está presente no corpo físico, pois para perceber seu ambiente necessita de olhos,

1414
ouvidos e ainda de todos os instrumentos físicos também para o prazer, o sofrimento, a
dor, a alegria e assim por diante. Embora o corpo físico seja apenas o instrumento, o atual
corpo astral o necessita. No momento em que está fora do corpo físico, o corpo astral
deixa de perceber.
Esse corpo astral é exatamente o mesmo que outrora existia na substância anímica
universal ao redor da Terra. Se hoje pudéssemos levar ao sono todos os homens tal como
se encontram na Terra, de forma que toda a raça humana dormisse, e retirássemos então
todos os corpos astrais misturando-os à substância restante, veríamos como o sono sem
sonhos desapareceria completamente. É verdade que as almas não perceberiam cores e
tons através dos instrumentos exteriores, mas em todos esses corpos astrais começariam a
despontar cores, sendo que imagens coloridas continuamente mutantes flutuariam em
círculo, começando a ressoar algo no centro. Tudo isso envolveria novamente a Terra, tal
como era naquela época anterior à primeira encarnação de qualquer alma.
A obscuridade daquele antigo estado de consciência que hoje conhecemos de nosso
sono sem sonhos surgiu pelo fato de a substância astral geral haver sido dividida, pela
alma universal, em partes individuais que foram introduzidas em corpos humanos.
Podemos ir ainda mais longe. O que hoje é noite, o que hoje está para os homens
mergulhado numa escuridão incerta era, na época em pauta, completamente preenchida
de luz, de percepções do mundo espiritual — era totalmente dia. Assim os Senhores são
agora conduzidos a um estado da humanidade em que toda ela tinha percepções de
caráter astral, contudo não num corpo físico.
Ora, cabe questionar o seguinte: o que, afinal, a humanidade obteve realmente,
desde aquela época? O que foi acrescentado ao que ela já possuía? O que o homem
conseguiu mediante a encarnação? Ele conquistou a possibilidade de dizer ‘eu’ a si mesmo.
Toda consciência, por mais que fosse clarividente, não passava de uma consciência onírica
mais ou menos espiritualizada. Os homens ainda não eram autoconscientes. Isto a huma-
nidade obteve como o verdadeiro presente de Deus, mencionado pelos documentos
religiosos como a Biblia: a autoconsciência na época de sua encarnação. Anteriormente os
homens não a conheceram; e essa autoconsciência se intensificará cada vez mais na
humanidade atual. Trata-se daquilo que, desde a época não mais alcançada por nós seja
com consciência clarividente ou obscura, manifestou-se como o ‘Eu Sou’, que não pode-
mos denominar com qualquer outro nome senão ‘Eu sou o Eu Sou’. Temos aí a palavra de
Javé: “Eu sou aquele que era, que é e que será.”
Desta forma retrocedemos até uma época em que essa expressão “eu sou” ainda
estava apagada. Ela ainda não existia nos homens. O ser humano possuía uma consciência
que lhe havia sido vertida, e com a qual ele não conseguia ver os objetos exteriores. Onde
havia uma consciência do ‘Eu Sou’? Quem possuía essa autoconsciência eram as entidades
divinas. As entidades humanas a receberam após a encarnação física. Aí têm os Senhores a
diferença entre aquilo que no Cristianismo se chama o Espírito Santo e o Espírito em si. O
Espírito Santo é aquele que possuía a autoconsciência no alto, antes da incorporação; o
Espírito em si é aquele que possuía a autoconsciência nos homens. De maneira que se
conjugarmos todas as autoconsciências, separando-as do egoísmo, teremos novamente o
Espírito Santo.
Temos então nosso ponto de partida revestido da forma mais radical. Retrocedemos a
uma forma toda peculiar de doutrina. Enquanto hoje se ensina dizendo ao discípulo como
são as coisas, naquela época só era possível uma maneira: uma doutrina era ao mesmo
tempo trabalho e ação. Era um transbordar de sabedoria para dentro dos seres individuais.
A sabedoria não vinha de fora: fluía de dentro dos homens — um processo que hoje
somente o iniciado conhece. Percorrendo as épocas desde aquela que acabo de

1515
caracterizar — na qual não havia doutrina, mas apenas um reluzir do interior para o
exterior — até à nossa, os Senhores encontrariam um interlúdio em que os homens se
encontravam, por assim dizer, metade em um e metade em outro estado. Foi em meados
da época atlântica. Aí o homem já podia reconhecer certos contornos das coisas, vendo
como pouco a pouco a cor se depositava na superfície dos objetos — vendo como as coisas
isoladas recebiam qualidades. Mas via-o somente como se tudo estivesse envolto numa
nuvem colorida. Ouvia ainda o mundo inteiro permeado de sons que eram sábios, dizendo-
lhe algo e trazendo-lhe notícia de outros seres. Tudo, porém, se entremeava bastante
nesse estado intermediário. Aí houve também uma época em que se iniciou uma doutrina
desenvolvida paulatinamente em direção às formas posteriores das comunicações
religiosas aos homens.
Se pudéssemos retroceder à antiga época atlântica, encontraríamos uma grande
escola de adeptos. Se hoje alguém pode receber sabedoria, é porque os adeptos
turanianos de então tiveram discípulos; esses discípulos instruíram outros, posteriormente,
até à nossa época, de forma que uma tradição direta reconduz a essas escolas turanianas
de adeptos.4 Naquela época era necessário levar em conta que os homens se encontravam
num estado intermediário, no qual possuíam apenas uma parte da atual forma de
percepção. Só podiam reconhecer os objetos em contornos imprecisos. No entanto,
puderam receber ainda, também em parte, a verdade do interior para o exterior. A
minoria dos homens teria então podido contar até cinco. Sem autoconsciência isto não é
possível. Contudo, eles eram capazes de receber aquilo que era refletido em seu interior,
em sua consciência meio sonâmbula. Era necessário iluminá-los caso se quisesse ministrar-
lhe a sabedoria suprema. Mas esta tinha de ser ministrada figurativamente, e para tal os
adeptos turanianos possuíam certos métodos. Eles não teriam podido fazê-lo da mesma
maneira como hoje se faz numa palestra. Os próprios adeptos estavam muito avançados
com relação à humanidade, estando conscientes de tudo isto; porém os homens restantes
eram ainda extremamente primitivos. Os instrutores colocavam as pessoas num estado
hipnótico, a fim de ministrar-lhes sabedoria. O que hoje é incorreto era, naquela época,
totalmente normal. O homem era colocado numa espécie de estado de sono, utilizado
para iluminá-lo da seguinte maneira:
Antes da primeira encarnação da alma humana no corpo, não havia noite alguma;
todos os homens eram iluminados. O sono sem sonhos era então justamente o meio de os
homens terem percepções. Agora eles não mais possuíam esse sono, que desaparecera;
eles o haviam substituído pela capacidade de ver os objetos em contornos gerais. Quanto
mais amplo se mostrava o fluxo de percepções exteriores, tanto mais se havia perdido em
percepção interior. Mas agora se haviam desenvolvido certas capacidades nos adeptos.
Havia-se aprendido o que hoje se chama a escrita oculta, e também o que se denominaria
hoje o falar oculto. Todos os Senhores sabem que existem os assim chamados mantras,
certas formas primordiais de orações, e que no som da linguagem existe um determinado
efeito. Assim foram inspiradas também as primeiras palavras do Evangelho de João.
Quando aí se diz “No princípio5 era o Verbo”, inere ao ‘primordial’ [v. nota abaixo], ao
‘princípio’ um certo valor, depositado originalmente nas primeiras palavras desse
evangelho. Isto tudo, porém, é apenas sombrio diante daquilo que era utilizado como
conjugação sonora nas escolas de adeptos. Por isso foi substituída a capacidade de
iluminação que o homem de então havia perdido. De outro homem, iniciado, ele podia
receber novamente essa iluminação em sono hipnótico; assim, esses discípulos recebiam

4
V., do Autor, O Evangelho segundo Mateus, primeira conferência (2ª ed. prev. São Paulo, Antroposófica,
1996). (N.T.)
5
Al. Urprinzip, ‘princípio primordial’ ou primórdios. (N.T.)

1616
de seus confrades mais avançados uma espécie de iluminação artificial, por cujo in-
termédio viam, naquele mundo que sempre os havia rodeado, os espíritos em ação tal qual
antes de a alma humana incorporar-se. Isto era vivenciado pelos discípulos da época
turânica, e assim eram as primeiras instruções religiosas, que desta forma lhes
transmitiam as leis universais. E a partir daquelas iluminações percebiam-se formas e
símbolos, pois também através de símbolos era possível atuar quando a linha possuía uma
regularidade bem precisa, agindo de tal maneira que podia transmitir ao homem grandes
mistérios universais. Se os Senhores desenhassem para um homem uma vértebra, ele não a
teria visto com seus olhos abertos. Mas se essa vértebra lhe fosse apresentada ou mesmo o
tocasse durante o sono hipnótico, teria provocado sensações bastante especiais — por
exemplo, de como uma planta se desenvolve até à semente e desta surge uma nova
planta. Tais formas, tais linhas foram então transmitidas a partir dessas escolas de
adeptos e entregues posteriormente aos povos através dos diversos fundadores das
religiões.
Quanto mais retrocedemos, mais se apresenta unitária a alma que foi dividida entre
os homens individuais. Pelo fato de se haverem dividido e separado uma das outras é que
as almas individuais se tornaram diversificadas. No sono, todos os corpos astrais ainda são
hoje semelhantes entre si; durante o dia parecem bastante diferentes. Assim era também
nesses estados hipnóticos, em que os corpos astrais eram realmente instruídos, sendo
todos eles bem iguais. Então podia ser-lhes transmitida uma certa sabedoria primordial.
Mas quando se perdeu essa capacidade de receber sabedoria de tal maneira, foi necessário
ensinar, na antiga India, tal como o exigia o corpo hindu; na Pérsia, tal como o exigia o
corpo persa; e ainda de forma diversa na Grécia, no Egito e entre os germanos. Isto era
exigido pelos corpos físicos exteriores segundo as diversas influências exercidas sobre eles.
Isto fora introduzido pelos fundadores das religiões naquela forma que hoje nos é trans-
mitida como a doutrina egípcia de Hermes, como a doutrina de Zaratustra e assim por
diante.
Entretanto, em todas as formas básicas das verdadeiras religiões vive a causa de seu
surgimento. Aquela iluminação que o homem recebeu antes é algo totalmente diferente
do que pode ocorrer hoje. Era uma participação não por meio de doutrina, mas por meio
da vida. Esta é uma maneira muito mais íntima de o discípulo se defrontar com o mestre.
É possível imaginar que, por exemplo, a vértebra provocasse diretamente sensações. Hoje
se transmitem conceitos, e as sensações têm de subtrair-se aos conceitos. Mas é
justamente dessa forma de atuação por meio da vida que surgiram as religiões. Era
justamente assim que a natureza sétupla do homem era algo transmitido na escola de
adeptos dos turanianos. Contudo é dessa forma que permanece, ainda hoje, oculta como
pensamento no Pai-Nosso. Esse Pai-Nosso é a expressão da natureza humana sétupla.
Portanto, ao discípulo dos adeptos turanianos ficou claro que aos seus ouvidos era
levada uma escala sonora como imagem sensorial para os sete membros do homem,
mesclada a certas representações cromáticas e a uma escala de aromas. O conteúdo da
escala harmônica sétupla despontava nele como vivência íntima, para a qual o que existia
exteriormente representava apenas um meio. Isto era vertido, pelos ftindadores das
religiões, para certas formas; e o maior dentre eles o verteu também para o Pai-Nosso, de
modo que, ao rezá-lo, cada qual recebe seu efeito.
O Pai-Nosso é uma oração, e como tal não é um mantra. Ele terá seu significado
mesmo após decorridos milhares de anos, pois trata-se de um mantra do pensamento. E
para o pensamento que foi vertido o efeito do Pai-Nosso; e tal como é verdade que o
homem pode muito bem digerir sem primeiro ouvir de um fisiólogo em quê consiste o
processo digestivo, quem reza o Pai-Nosso sente seu efeito mesmo sem ouvir [explicações]

1717
sobre ele. O efeito do Pai-Nosso está presente por estar contido no poder do próprio
pensamento. Na verdade se acrescenta ainda um conhecimento mais elevado, conferindo
ao Pai-Nosso um profundo significado ao qual ninguém se pode fechar. Assim é o caminho
percorrido pelas verdades religiosas.
As almas que hoje vivem nos corpos viveram outrora na substância espiritual divina,
universal, sendo iluminadas em estado sonâmbulo. Elas podiam perceber, sem
autoconsciência, como as forças divino-espirituais criavam. Então foram incorporadas.
Com isto essa percepção lhes foi cada vez mais obscurecida, sendo-lhes até mesmo
retirada a possibilidade de provocar artificialmente esse estado possível de ser produzido
ainda nas escolas turanianas de adeptos. Apenas um eco das sensações que podem ser
comunicadas de um homem a outro: eis o que são as doutrinas e formas religiosas trazidas
daquela sabedoria primordial criadora do próprio mundo. A sabedoria do Antigo
Testamento é como que pronunciada pelas idéias originais e pela sapiência original
subjacente às coisas, outrora possuidora de nossas almas. No futuro será de tal forma que
os homens possuirão de novo aquilo que possuíam originalmente em consciência onírica
nebulosa, só que agora em consciência clara, nítida, a partir da alma. O ser humano
possuirá sua atual consciência límpida e, além disso, a iluminação. Para a obtenção da
autoconsciência, o homem teve de sacrificar a clarividência original; e quanto mais se
obscurecia essa clarividência, mais se evidenciava a autoconsciência interior. Quando este
fato atingir seu ápice, o homem terá chegado às suas últimas encarnações, trazendo em si
a antiga clarividência como fruto de sua vida e, além disso, como nova conquista.
Repetidamente se ouve a afirmação vazia de que os homens deveriam cada vez mais
avançar para uma consciência universal. Seria a salvação se perdessem sua atual
consciência e chegassem a uma consciência geral. Tal, porém, não é o caso. A
autoconsciência, ausente outrora, ainda existirá após as últimas encarnações. Aquilo que
se incorporou, a partir da substância espiritual comum, confluirá novamente. Imaginemos,
porém, o seguinte:
Originalmente tínhamos água clara, que foi absorvida pelas muitas esponjas. Durante
essa separação é acolhido tudo o que é possível do ambiente. Cada gota se tinge de uma
coloração toda especial. Ao serem espremidas as esponjas novamente, cada qual leva
consigo sua cor. É uma variedade de cores cintilantes, de uma beleza nunca dantes
possível. Assim cada homem leva consigo, ao retornar ao Todo espiritual, sua cor especí -
fica. Trata-se de sua consciência individual, que é imperdível. A consciência universal será
uma consonância de todas as consciências, uma harmonia. Em liberdade, os seres que
percorreram a humanidade constituirão um todo único. Eles permanecerão sendo muitos,
pois é pelo fato de quererem ser uma unidade sem serem coagidos a formá-la que
chegarão a ser essa unidade. Cada qual recebeu sua consciência, e todos juntos formam,
por meio de sua vontade, uma consciência única. É assim que devemos representar o
início e o fim de nosso atual processo cósmico.
Não devemos empregar frases vazias, mas observar as coisas como são. Falar de
“dissolver-se numa consciência universal” é uma frase panteísta. É justamente ao falar do
ponto de vista da eternidade que deveremos colocar diante da alma uma sentença
mostrando-nos que a humanidade não existiu inutilmente, tendo possuído um significado
no Universo. Em outras palavras, quem se entrega ao estudo dos fatos universais
convence-se finalmente, de que o homem foi chamado a contribuir para dar um sentido a
esta vida. Enfim ele depositou no altar da Divindade a porção que conquistou para si
próprio. E com ela será elaborado o tecido, como é lindamente chamado, que o espírito
terrestre inteiro tece. Ele contém todos os eus humanos; e Göethe falou como um
verdadeiro iniciado ao descrever, como um processo real:

1818
Nas marés da vida, na tormenta dos fatos
flutuo para cima e para baixo,
ondeio para a frente e para trás!
Nascimento e túmulo,
um mar eterno,
um tecer mutante,
um viver ardente —
assim trabalho no sibilante tear do tempo,
criando para a Divindade uma vívida veste.

A Divindade vestirá a veste imortal quando a Terra houver alcançado sua plenitude e
os homens individuais houverem tecido a trama em seu movimento ascendente através das
encarnações, em seu percurso através do nascimento e da morte.

1919

Das könnte Ihnen auch gefallen