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SGP.

1 – SECRETARIA DAS COMISSÕES


SGP.17 – COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO

RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO “DA PEDOFILIA” E DO


ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL (PROCESSO Nº 19/2009)

SUMÁRIO

1. Apresentação............................................................................................... 05
1.1. Estrutura do Relatório Conclusivo....................................................... 05
1.2. Constituição e composição da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto-Juvenil ........................................................ 07
1.3. Estrutura e funcionamento da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto-Juvenil......................................................... 09
2. Historiografia da infância e adolescência.................................................... 10
2.1. A sexualidade e a sua tratativa jurídica influenciando no Sistema de Garantia de
Direitos........................................................................................... 15
2.2. Histórico de Iniciativas Nacionais e Internacionais na Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente............................................................... 19
3. Comissão Parlamentar de Inquérito: Conceito e Institucionalidade............ 37
3.1. A história da CPI no Direito estrangeiro.............................................. 37
3.2. A história da CPI no ordenamento jurídico brasileiro.......................... 41
3.3. A CPI a partir da Constituição de 1988................................................ 43
4. A CPI na Câmara Municipal de São Paulo.................................................. 48
4.1. Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo....................... 51
4.2. Fato Determinado................................................................................. 55
4.3. Histórico de CPIs Municipais na cidade de São Paulo – Temáticas pertinentes à
Infância e Juventude.........................................................57
5. CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-
Juvenil.......................................................................................................... 59
5.1. Composição e respeito ao pluralismo político...................................... 59
5.2. Apresentação da Metodologia de Trabalho da CPI: Fases: Diagnóstico, Investigação
e Intervenção................................................................... 61
6. Fase do Diagnóstico.............................................................................. 63
6.1 A Pedofilia e a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes: marcos situacionais e
normativos........................................................... ....................... 65
6.1.1 Marcos situacionais............................................................. 67
6.1.2 Marcos Teórico-prático: sanitário e normativo................... 70
6.1.3 Algumas formas de Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes........................................................................ 75
6.1.3.1 Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes.............. 75
6.1.3.2 Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes............................................................ 83
6.1.3.3 Pornografia Eletrônica de Crianças e
Adolescentes........................................................... 93
6.1.4 Âmbito territorial de atuação desta CPI: o Município de São
Paulo................................................................................... 101
6.1.4.1 Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes....... 102
6.1.4.2 Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes........................................................... 107
6.1.4.3 Pornografia Eletrônica de Crianças e
Adolescentes........................................................... 118
7. Fase de Investigação................................................................................... 119
7.1 Sessões Investigativas........................................................................... 121
7.1.1 CMESCA............................................................................. 121
7.1.2 CREAS................................................................................ 122
7.1.3 Hospital Pérola Byington.................................................... 123
7.1.4 Projeto Quixote .................................................................. 124
8. Fase de Intervenção.................................................................................... 125
8.1 O Direito à Sexualidade Saudável no Sistema de Garantia de
Direitos.................................................................................................. 125
8.2 Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente............ 126
8.2.1 Promoção de Direitos.......................................................... 130
8.2.2 Defesa de Direitos............................................................... 142
8.2.3 Controle da Efetivação dos Direitos.................................... 153
9. Constatações e Análise Crítica Propositiva ................................................ 157
9.1. Dos aspectos formais da CPI................................................................ 157
9.1.1 Dinâmica da Comissão Parlamentar de Inquérito “da Pedofilia” e do
Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil.............................. 158
9.1.2 Retomada dos preceitos e finalidades de uma CPI no contexto da Comissão
Parlamentar de Inquérito “da Pedofilia” e do Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-
Juvenil.................................................................165
10. Conclusões.................................................................................................. 170
11. Sistematização das Notas taquigráficas.................................................................................
180
12. Bibliografia................................................................................................. 213
13. Legislação Consultada................................................................................ 215
14. Anexos........................................................................................................
14.1. Requerimento de Instalação, nº 0019/2009....................................
14.2. Notas Taquigráficas – Equipe de taquigrafia.................................
14.3. Documentos produzidos no âmbito da CPI – Secretaria das
Comissões/Administrativo..................................................................
14.4. Apresentação da Assessoria Técnica da Câmara Municipal - Secretaria das
Comissões/Assessoria Técnica.....................................................
1) APRESENTAÇÃO

1.1) Estrutura do Relatório Conclusivo

Este Relatório da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil é


composto de uma primeira parte que trata de um resumo informativo sobre a sua constituição,
composição, estrutura e funcionamento.

Em seguida há uma historiografia da criança e adolescente que abrange uma análise inicial
sobre a evolução sócio-cultural e jurídica no tratamento do público infanto-adolescente, nacional e
internacionalmente, discorrendo com ênfase na questão relacionada à sexualidade.

Segue-se o relatório com uma historiografia das Comissões Parlamentares de Inquérito,


acompanhada de uma análise sobre este instrumento no ordenamento jurídico nacional,
especialmente com a verificação da legislação municipal. Enfantiza-se a conceituação de “fato
determinado” no âmbito de uma CPI, finalizando esta análise com a citação das CPIs ocorridas na
Câmara Municipal de São Paulo que trataram de temas relacionados as criança e adolescente.

Posteriormente a estes tópicos introdutórios nos centramos em tratar do contexto desta CPI
especificamente, que teve a sua funcionalidade determinada por um parâmetro metodológico
bastante inovador a partir de sua divisão em três fases específicas de trabalho: Diagnóstico,
Investigação e Intervenção.

Na fase do Diagnóstico ofertamos abrangente produção de conhecimento sobre a violência


sexual infanto-juvenil de uma forma geral, cuja colheita foi feita dentro ou a partir dos trabalhos
desta CPI, para finalizá-la com uma análise específica desta questão na cidade de São Paulo.

Em seguida ao diagnóstico colhido a respeito da violência sexual, tratamos da fase


correspondente a investigação existente nesta Comissão.

Na seqüência adentramos na fase de Intervenção a partir de uma explanação do Sistema de


Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, partindo de uma perspectiva de garantia dos
Direitos Humanos, especialmente fazendo o recorte do direito à sexualidade saudável garantido a
todas as crianças e adolescentes.

Ao final relacionamos resumidamente as constatações obtidas com o término deste vasto e


comprometido trabalho, especialmente em relação à dinâmica estabelecida nesta CPI e sobre o
fluxo de atendimento das crianças e adolescentes com seus direitos sexuais violados, a partir da
verificação da política existente na cidade.

Por fim, apresentamos as conclusões e proposições desta Relatoria.


1.2) Constituição e composição da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil

1.2.1 Texto do Vereador Relator (Carlos Alberto Bezerra Junior, retratando suas
expectativas quando da decisão em compor o quadro de Vereadores desta CPI, bem como da
designação como Relator)

1.2.2 Da Constituição da “CPI da Pedofilia” – Requerimento nº 0019/2009, de 04 de Fevereiro


de 2009/ Anexo

1.2.3 Do seu objeto

“Requer a constituição de CPI, com base no art. 33 da Lei Orgânica do Município, para
averiguar casos de pedofilia, especialmente quanto à existência de rede de pedófilos no
âmbito do Município de São Paulo”

1.2.4 Da Composição da Comissão Parlamentar de Inquérito

• Carlos Alberto Bezerra Junior (PSDB)


• Floriano Pesaro (PSDB)
• Juliana Cardoso (PT)
• Marcelo Aguiar (PSC)
• Netinho de Paula (PC do B)
• Quito Formiga (PR)
• Sandra Tadeu (DEM)

1.2.5 Da Instalação

1.2.5.1 Reunião da instalação em 05 de Março de 2009

1.2.5.2. Definição dos cargos

• Presidente: Marcelo Aguiar (PSC)


• Vice-presidente: Quito Formiga (PR)
• Relator: Carlos Alberto Bezerra Junior (PSDB)

• Demais membros:
Floriano Pesaro (PSDB)
Juliana Cardoso (PT)
Netinho de Paula (PC do B)
Sandra Tadeu (DEM)
1.2.6 Da aprovação de requerimento para ampliação do foco e alternância do nome desta CPI,
que a partir de 02 de abril, passou a se chamar:

“CPI ‘da Pedofilia’ e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil”

1.2.7 Do prazo para conclusão

a) Prazo inicial: 05.03.09 à 02.07.09 (cento e vinte dias)

b) Prorrogação: 06.08.2009 à 06.12.2009 (por igual período)

c) Recesso parlamentar: 03.07.2009 à 02.08.2009

1.3) Estrutura e funcionamento da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à


Violência Sexual Infanto-Juvenil

1.3.1 Estrutura: Secretaria, Assessoria Jurídica, Assessoria da relatoria

1.3.2 Funcionamento:

a) Reunião Ordinária, Reunião Extraordinária, Audiência Pública, Visitação e Depoimento

b) Periodicidade: quinzenal (às quintas- feira, das 11h00 às 13hs, Plenário - 1º de Maio)

1.3.3 Da Metodologia dos Trabalhos

1.3.3.1 Composição de equipe de assessores designados pelos Vereadores integrantes da CPI

1.3.3.2 Montagem de calendário para as reuniões das assessorias e sua divulgação

1.3.3.3 Elaboração de Plano de Ação

1.3.3.4 Confecção do cronograma de atividades da CPI

1.3.3.5 Definição de desenvolvimento das atividades por fases:

a) Fase de Diagnóstico – Reflexão contextual e conceitual

b) Fase de Investigação – Análise e investigação do objeto da CPI

c) Fase de Intervenção – Análise e conclusões para os encaminhamentos

d) Leitura e aprovação do Relatório Conclusivo

2) HISTORIOGRAFIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA

Para entendermos o porquê da constituição e do objeto de investigação desta CPI da


“Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, é necessário compreendermos
anteriormente a mudança da concepção que a sociedade brasileira e mundial foi desenvolvendo
ao longo da nossa história. Este caminho analítico sócio-histórico, que aqui na parte introdutória
do presente relatório será percorrido, foi assim escolhido com o objetivo desta relatoria poder
ofertar à sociedade não somente paulista, mas também a toda sociedade brasileira, uma melhor
compreensão sobre o fenômeno da violência contra a infanto-adolescência, assim como do
processo violento que por muitas vezes a acompanha, possibilitando-nos uma apurada percepção
dos esforços que temos feito (sociedade brasileira e mundial) para desconstruir um paradigma de
desrespeito aos menores de 18 anos.

Para não nos afastarmos muito e perdermos o foco das nossas preocupações, porém sem
perder a dimensão das mudanças ocorridas, queremos lembrar que há 500 anos, o infanticídio era
uma prática que carecia de regramentos legais que lhe impusesse limites, o que determinava
claramente que as crianças não tinham nenhuma importância para a sociedade da época, onde
sobreviver era uma fatalidade!

Quando, no século XV, tornamos legalmente punível o infanticídio, acabou-se por


constituírem “freios morais” a esta ação. Mesmo assim, o nosso trato (adulto) não foi menos
perverso. Castigos físicos, como forma de “educar”, “corrigir” e controlar eram muito comuns no
cotidiano das crianças, o que por muitas vezes acabava por levar muitos meninos e meninas a
óbito. No entanto, passados cinco séculos, podemos observar a forte presença e a permanência,
de dificultosa superação, desta ultrajante cultura.

Um fato importante, a título de exemplo, que foi tratado exaustivamente e trazido para o
interior de nossos lares através da mídia, foi a morte, em 1973, da menina de 9 anos, chamada
Araceli Cabrera Crespo, cuja comoção nacional veiculada nas emissoras de grande audiência se
deu especialmente por tratarem-se os violadores de família tradicional. Fato é que este marcante
episódio nos obrigou a espiar nossa omissão frente às inúmeras mortes infantis que acontecem
no Brasil anualmente pela ação violenta dos adultos, o que nos evidencia a preocupação com
uma cultura que ainda não foi rompida totalmente. Devido a este fatídico episódio, e para
contribuir sempre a lembrança nacional sobre tais violações, por intermédio da Lei Federal
9.970/2000, instituiu-se o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças
e Adolescentes”.

Essas matrizes autoritária e arbitrária, muitas vezes violentas, apesar do grande esforço de
desconstrução iniciado no século XX, acompanha-nos até os dias atuais, somente tendo espaço
em nossa sociedade porque a maioria de nós não tem ainda o entendimento de que existe uma
grande diferença do universo adulto com o universo do infanto-adolescente, cujo público se
encontra em fase especial de desenvolvimento biológico e cognitivo, que necessita de cuidados
múltiplos por parte dos adultos, assim como de um ambiente social saudável, para que o mesmo
possa desfrutar com plenitude e salubridade desta peculiar fase da vida inerente a todos os seres
humanos.
É dentro desse contexto, de descaso e incompreensão em relação ao ser criança e ser
adolescente, que encontramos um tipo especial de violência, objeto de nossos trabalhos nesta
Comissão Parlamentar de Inquérito: Violência de cunho sexual de sobremaneira ofensiva à
sexualidade de meninos e meninas.

Esta especial vertente da violência, embora alguns estudiosos tendam a colocá-la no


campo da fenomenologia, avaliamos que sua compreensão não será completa se prescindirmos
das questões sócio-históricas que a acompanham.

Neste sentido, devemos considerar um aspecto cultural importante, assentado na


assimetria das relações sociais. Pois, ainda que consideremos que as violências, especialmente
de cunho sexual, têm como vítimas crianças e adolescentes, independentemente de seu sexo,
verificamos, no decorrer de nossos trabalhos nesta Comissão, que a maior parte dos vitimizados
está presente no universo feminino. Por outro lado, analisando o abusador sexual, da mesma
forma não há como ignorarmos as relações de gênero, pois, contrariamente à esmagadora parte
das vítimas, é pertencente, em grande parte, ao universo masculino.

Assim, podemos concluir que é nas relações de gênero que identificamos um nebuloso
pano de fundo à violência sexual. Pois, a relação de poder que se estabelece entre um adulto e
uma criança, encontra parâmetro e relativa aceitação social na relação primariamente classificada
entre homem e mulher.

Retomando períodos históricos – fonte principal dos estudos sobre Violência -, através dos
poucos registros encontrados na historiografia da criança, verificamos que na cultura
sacramentada na Bretanha do século XIX, as pessoas eram subjugadas por seu gênero, e, neste
mesmo sentido, valoradas desde o nascedouro. Segundo o historiador Colin Heiwood, quando
nasciam os meninos as igrejas badalavam seus sinos por três vezes e os recebiam com enorme
festa, quando eram meninas que nasciam, badalavam-se por apenas duas vezes seus sinos e a
sua recepção era feita sem muito ânimo, pois eram tidas como “o produto de relações sexuais
corrompidas pela enfermidade, libertinagem ou a desobediência a uma proibição”. (HEYWOOD,
2004)

Certamente, como podemos observar nos dias atuais, migramos bastante de parâmetros
de comportamento, mas, infelizmente, ainda não o suficiente, a ponto de superarmos o paradigma
adultocêntrico e androcêntrico, ainda muito vivo em nossa sociedade.

Outro aspecto relevante a se considerar faz parte do lócus no qual se dá, com maior
freqüência, a violência sexual, em especial, a sua vertente Abuso Sexual, pois, logo,
surpreendentemente, as pesquisas realizadas recentemente indicam que a maior incidência dos
casos ocorre no espaço privado, e, em maior parte, na casa da própria criança abusada.
Percebemos, então, que encontramos um dos cernes de questão importante a ser
compreendida: a violência se configura como um crime de gênero, fruto de uma cultura machista-
patriarcalista, que “permite” que os homens adultos submetam as crianças e adolescentes,
principalmente do sexo feminino, aos seus desejos sexuais. Essa é pedra fundamental das
relações humanas encontrada ao longo da história, e também dos Trabalhos desta Comissão
Parlamentar de Inquérito.

Em relação à Exploração sexual, além de encontrarmos aspectos semelhantes com os


apresentados nas outras formas de violência sexual, verificamos outras questões igualmente
relevantes. Identificamos que a exploração sexual, além de também ser fruto de relações
assimétricas, apresenta-se na expressão da pobreza sua causa primeira, que força muitas
crianças e suas famílias a buscarem formas alternativas de sobrevivência, tendo na
mercantilização de seus corpos uma possibilidade imediata para a “realização” de suas
necessidades mais preeminentes.

Essas questões têm sido enfrentadas pela sociedade desde o começo do século passado,
a relação de força imposta às mulheres pelos homens passa a ser questionada pela sociedade,
passando em dado momento a ser também condenável não somente esta relação de poder, mas
também a praticada contra as crianças e adolescentes. Este questionamento e engajamento
realizados através de árduas lutas cravaram-se na História com o advento das conquistas dos
direitos das mulheres, os quais repercutiram, entre outras dimensões, na consagração dos direitos
das crianças e adolescentes, a fim de impor limites ao poder estabelecido a partir destas relações.

A partir da década de 70, pautaram-se no Brasil diversas ações que já indicavam a


necessidade de uma mudança de postura no trato com a infanto-adolescência. É importante
destacar, ainda, que diversas violações sofridas por criança e adolescente nas décadas de 70, 80
e principalmente na década de 90, ocuparam um significativo espaço na mídia, passando a ser
alvo de constantes coberturas, o que contribuiu para a ampliação desse debate em nível nacional.

Devemos ainda ressaltar a imprescindível importância das Convenções, Pactos e Tratados


internacionais no sentido de influenciar as mudanças de paradigma social, a ponto de reestruturar
a sociedade e de impingir uma conseqüente adequação das legislações dos países signatários.

Nesta toada, a assinatura, pelo governo brasileiro, da Convenção Internacional sobre os


Direitos da Criança – CDC – da ONU (Organização das Nações Unidas) reflete um importante
passo em prol da estruturação e da edificação de renovadas concepções no reconhecimento, seja
pela sociedade, pelo Estado ou pela família, da existência infanto-adolescente. Conjuntamente a
este importante momento da história nacional, firma-se constitucionalmente concepções político-
filosóficas no sentido de expulsar de nossa sociedade ações e práticas menoristas, afastando
juridicamente a Doutrina da Situação Irregular, para dar início à sedimentação da Doutrina da
Proteção Integral, o que fora feito a partir da redação do artigo 227 da Constituição, sendo, logo
em seguida, normatizado com a promulgação, em 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA – lei 8.069/90). Isto faz com que a preocupação com as crianças e
adolescentes seja firmada do ponto de vista jurídico e a sociedade brasileira passa então a
assumir abertamente o debate, que antes era feito por um pequeno grupo social.

2.1) A sexualidade e a sua tratativa jurídica influenciando no Sistema de Garantia de


Direitos

Considerando que nacionalmente o arcabouço jurídico estrutura-se com base na


Constituição Federal, é fundamental reproduzirmos aqui a norma que dá a diretriz em relação aos
direitos das crianças e dos adolescentes:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Especialmente, em relação à violência sexual praticada contra os menores de 18 anos,


firmou-se na redação do §4º do mesmo dispositivo que:

“A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do


adolescente”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seguindo a normativa constitucional,


dispõe que:

“Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público


assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

Cabe-nos observar que o ordenamento jurídico vigente não firma e garante o “direito à
sexualidade” das crianças e adolescentes de forma positiva, ou seja, não traz explícita e
objetivamente a sua garantia formal, afirmando-o como um direito humano expressamente
normatizado. A opção político-social feita, naquele momento histórico, foi de tratar deste direito
negativamente, ou seja, preferiu garanti-lo a partir do combate e do enfrentamento à violação do
referido direito.
Esta opção não está alheia ao processo que há séculos vem acompanhando as
concepções referentes à peculiar fase da vida correspondente à infanto-adolescência. Isto porque
o vácuo propositalmente deixado pelo poder público na política direcionada às pessoas menores
de 18 anos foi preenchido significativamente ao longo da história pela instituição religiosa, tendo
este fato uma peculiar influência na negação histórica do debate sobre a sexualidade como um
direito humano das crianças e adolescentes.

Frisa que aqui não queremos tomar partido, mas simplesmente relatar fato historicamente
conhecido, rememorando os subsídios históricos que influenciaram e ainda influenciam na
negação subjetiva e objetiva de direitos, e que indiretamente permeia a política direcionada as
crianças e adolescentes – a qual especialmente nos interessa enquanto objeto de investigação
desta Comissão.

É pertinente chamar a atenção que esta consagração sob o parâmetro negativo do direito
à sexualidade teve, ainda, uma forte conotação combativa punitiva, pois, ao contrário da não
positivação direta do direito à sexualidade, o infrator sexual mereceu referência direta pelo
legislador constituinte (§ 4º do art. 227 da Constituição) – e indireta pelo legislador estatutário (art.
5º do ECA).

Esta forma jurídico-normativa de cuidar da sexualidade infanto-adolescente influenciou


substancialmente e estruturalmente o Sistema de Garantia de Direitos destinado às crianças e
adolescentes, que, permeados pela mesma lógica moral e cultural, acabou conseqüentemente
reservando ao “delinqüente sexual” o papel central na articulação e atuação deste Sistema no que
tange o enfrentamento às diversas formas de violência sexual, restando às crianças uma atenção
secundária – estando esta atenção, na maior parte das vezes, nefasta e ironicamente, atrelada
acessoriamente ao abusador/explorador. Neste mesmo sentido afirmam os especialistas:

“Toda esta formulação conduziu à construção de um sistema de responsabilização


pautado na lógica da negação, cuja tradição dos fluxos tradicionais de intervenção da
sociedade e do Estado/governo está pautada na idéia do combate ao crime, do qual a
criança e do adolescente é apenas uma vítima.

(...)

Dessa nascente ético-filosófica, desencadeia-se o processo de responsabilização dos


autores, ditos delinqüentes, que irão fazer deste o epicentro do universo de intervenção do
Estado e de todos os seus atores sociais e oficiais. ”(1)

É verdade que este enfoque exacerbado ao infrator, como já dito, deve-se em grande parte
aos nossos antecedentes histórico-cultural, no entanto, é fundamental enfatizarmos que não se
trata esta da única leitura possível do direito à sexualidade da criança e de sua conseqüente
proteção. Neste sentido, devemos lembrar, que tendo como ponto de partida uma outra análise
interpretativa, antes mesmo de firmar o combate à violação dos direitos, a Constituição impele no
caput do art. 227 o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta
prioridade, à criança e ao adolescente, uma série de direitos, dentre os quais incluem-se a
dignidade e à saúde (física e psicológica), colocando-os a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, violência e crueldade. Eis aí o embasamento integral desta Comissão Parlamentar
de Inquérito, que contrariamente a sistemática socialmente consagrada de protagonizar o
criminoso, elegeu a criança como protagonista única de nossas “lentes” parlamentares.

Internacionalmente a responsabilidade governamental nos casos referidos encontra-se


direcionada pelo artigo 19 da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), o qual traz
a seguinte determinação:

“1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e


educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência
física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive
abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal
ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.

2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos


eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência
adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras
formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição,
investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de
maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.”

Partindo deste enfoque, somado ao princípio do interesse superior da criança (artigo 3 do


CDC), base toda e qualquer ação estatal ou social, outra opção não nos sobrou senão a de
investigar o Sistema de Garantia de Direitos estruturado no município, motivo pelo qual esta
Comissão tomou a decisão política de percorrer o fluxo do atendimento reservado às crianças e
adolescentes quando estes, tragicamente, se depararem com seu direito à sexualidade violado.

2.2) Histórico de Iniciativas Nacionais e Internacionais na Defesa dos Direitos da


Criança e do Adolescente

Destacamos a seguir algumas iniciativas nacionais e internacionais marcantes na luta pela


superação da cultura adultocêntrica, as quais são fruto dos esforços da sociedade civil e do Poder
Público como um todo.

Para reforçar o sentido desta CPI e por entender que os marcos que se seguem neste
tópico foram importantes para se pautar questões relacionadas à garantia dos direitos das
crianças e adolescentes no Parlamento, consignamos aqui uma retrospectiva cronológica de tais
marcos, iniciando com a primeira CPI nacional voltada à discussão da situação da infância.
1975/76
Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor Abandonado
Iniciativa: Câmara dos Deputados;
Fator de Mobilização: Dimensão e perigo da marginalização do menor desamparado.
Menores carentes denunciam a realidade brasileira: pobreza, crescimento demográfico (53%
da população na faixa etária de 0-19 anos), processo de distensão política, denuncias.
Questões de Luta: Investigação do problema do menor no país, subsídios às autoridades
públicas, principalmente ao Poder Executivo; conscientização da sociedade para uma ampla
mobilização nacional contra os fatores e efeitos da marginalização social; violência policial e
institucional.
Em meados dos anos 1970, a sociedade civil questionava o sistema de atendimento aos
menores. Devido ao acirramento das desigualdades sócio-econômicas, muitas famílias
partiram em busca de estratégias para sua sobrevivência. A rua foi o espaço encontrado.
Cresceram os índices de abandono e violência contra essa população. Movimentos populares
se organizaram para trabalhar com a questão.
A partir de 1975, têm início experiências alternativas junto às comunidades. Ocorre, no
movimento social, uma fase conhecida como denuncismo, propondo a idéia de defesa jurídica
dos menores e denúncia do modelo oficial. No mesmo ano, é instalada a CPI do Menor
Abandonado, que indicava a falência da PNBEM (Política Nacional do Bem-Estar do Menor) e
a urgente necessidade de atualização do Código Mello Matos.
A proposta era de apenas “atualizar”, e não mudar. Alegava-se que o Brasil não estava
preparado para mudanças. E, também, que os juízes não a autorizariam. Denúncias das
realidades presentes nas instituições para crianças e adolescentes carentes e de abusos nas
FEBEMs (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) povoavam a imprensa, com
destaque para o ano de 1975.
O testemunho de Lia Junqueira, na CPI, indignou diversos setores da população. Nele,
mostrou-se o funcionamento das FEBEMs, tomando como exemplo a unidade Sampaio Viana,
na qual 580 crianças de até seis anos eram atendidas por trinta pessoas. Muitas morriam por
falta de cuidado, algumas sufocadas por mamadeiras ou até por travesseiros. Outros autores
adicionavam detalhes às denúncias da CPI. Luppi (MORAIS, 1981) listou 23 formas de tortura
praticadas nas FEBEMs, incluindo lesões com vassouras, isolamento em solitárias sem
circulação de ar, uso de espetos nos órgãos sexuais, uso de tranqüilizantes, afogamentos,
violências sexuais, indução ao suicídio e choques elétricos. A CPI confirmou algumas dessas
denúncias, e as FEBEMs passaram a ser percebidas pelo público não somente como
incompetentes, mas como eivada de métodos autoritários e violentos.
Falta de unidade interna, instabilidade política, disputas pessoais e corporativas e falência
administrativa juntavam-se a rebeliões cada vez mais violentas, promovidas pelos internados.
Estas refletiam rejeição contra maus tratos, superpopulação, falta de atividades e, em alguns
casos, manipulação do comportamento dos jovens, por técnicos e monitores, contra
administrações progressistas (BIERRENBACH, 1987; MORAIS, 1981).

1979
Ano Internacional da Criança
Iniciativa: ONU/UNICEF.
Fator de Mobilização: Revisão das condições gerais de vida da população infantil; avaliação
de serviços e programas; realização de estudos, elaboração de planos, tornar publicas as
questões relativas à situação das crianças; captação de recursos; sensibilização dos países
industrializados para a situação vivida pelos menores nos países em desenvolvimento.
Questões de Luta: Estabelecimento de base de referência para defesa da criança e
conscientização de dirigentes acerca de suas necessidades fundamentais; inclusão da
questão da criança nos planos de desenvolvimento social e econômico.
O ano de 1979 foi proclamado, pelas Nações Unidas, o Ano Internacional da Criança. A
proclamação foi oficialmente assinada no 1º de Janeiro de 1979. Objetivo: voltar as atenções
sociais e governamentais para os problemas que afetavam as crianças em todo o mundo,
como a desnutrição e a falta de acesso à educação.

1979
Promulgação do Código de Menores
Em 10/10/1979, ano que foi escolhido para ser o “Ano Internacional da Criança”, foi
promulgado o “Novo” Código de Menores, cuja aprovação provocou a ampliação do debate
sobre a infância. O Código pautava-se pelo direito assistencial e autoritário e por métodos e
práticas coercitivos.
Nesse período, a Igreja Católica atuou nos espaços de atendimento a criança e adolescente
através das Comunidades Eclesiais de Base e Pastorais Sociais, sendo sua prática alternativa
ao modelo formal, institucional. É criada, então, a Pastoral do Menor.

1979
Pastoral Ecumênica do Menor
Iniciativa: Igreja Católica/CNBB
Fator de Mobilização: Caráter desumano do atendimento institucional; necessidade de novas
alternativas de atendimento; quebra do ciclo perverso gerado pela institucionalização.
Questões de Luta: Humanização do atendimento, valorização do atendimento não
institucionalizado; atendimento no seio da comunidade; melhoria da qualidade do atendimento
prestado;
1979
Movimento de Defesa do Menor
Iniciativa: Advogados, jornalistas, profissionais liberais e parlamentares
Fator de Mobilização: Denúncias sobre a morte de meninos residentes em bairros da
periferia territorial dos grandes centros urbanos e; a situação de degradação vivida pelos
menores institucionalizados.
Questões de Luta: Enfrentamento à violência policial e institucional sofrida pelos menores.
O Movimento de Defesa do Menor (MDM) foi um aglutinador de forças para lutar pelos direitos
da criança. Este Movimento passou a denunciar qualquer instituição fechada, instituições
totais, quando do uso da violência nas mesmas, compreendendo-se, por fim, que a própria
institucionalização é, em si mesma, um ato de violência.

1979/80
Associação dos Ex-Alunos da FUNABEM (Fundação Nacional para o Bem-Estar do
menor).
Iniciativa: Ex- Internos da FUNABEM
Fator de Mobilização: Organização para reivindicação dos direitos de cidadania
Questões de Luta: Reparação de direitos, mudança na concepção do atendimento; alteração
da estrutura organizacional e política da instituição
Em 1979, a Associação dos ex Alunos da FUNABEM, foi fundada cujo propósito era lutar
contra a discriminação dos ex-alunos e a institucionalização do menor.

1982
Eleições Democráticas Estaduais para Governador
Iniciativa: Partidos incluem em seus programas a questão da infância.
Fator de Mobilização: Pesquisa de opinião levanta ser esta uma das principais preocupações
da população.
Questões de Luta: Fim das instituições totais; revisão das diretrizes dos órgãos responsáveis
pelo atendimento de menores; envolvimento da comunidade.
Em 1982, devido às eleições diretas para governador, os candidatos começam a incluir a
infância em seus programas. As principais propostas foram: fim das instituições totais, revisão
das diretrizes dos órgãos responsáveis pelo atendimento e o envolvimento da sociedade civil.

1982
Projetos Alternativas de Atendimento à Criança e ao Adolescente
A fase pioneira, experimental, da ESR durou cerca de quatro anos, apoiada, entre outros, por
Unicef e Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que implantaram, em 1982, o
Projeto Alternativas de Atendimento aos Meninos de Rua. Seu principal objetivo: desenvolver
abordagens de intervenção comunitária, a partir da idéia de que uma adequada atenção às
crianças e adolescentes 'de rua' e 'na rua', implicando envolvimento com suas comunidades
de origem. O Projeto consistia na disseminação e avaliação das experiências dos educadores
da Praça da Sé e de alguns projetos de base comunitária, considerados de sucesso, e
principalmente voltados para o problema do desemprego.

1983
Revisão das diretrizes da FEBEM
Iniciativa: Governo Estadual de São Paulo, Secretaria, FEBEM
Fator de Mobilização: Violência Institucional: péssimas condições de atendimento
Questões de Luta: Falência das instituições totais; descentralização, projetos alternativos.
Em decorrência das eleições para governador, as diretrizes das FEBEMs foram sendo
revistas. Houve a criação de programas municipalizados, priorizando o atendimento na
comunidade, com a possibilidade de superar o modelo de atendimento das instituições totais.

1984
I Seminário Latino-Americano de Alternativas Comunitárias a Meninos e Meninas de
Rua
Iniciativa: UNICEF/SAS/FUNABEM
Fator de Mobilização: Busca de alternativas ao atendimento institucionalizado. Conhecer o
trabalho realizado por organizações comunitárias
Questões de Luta: Falência da Política Nacional do Bem Estar do Menor.
Em 1984, o Projeto de Alternativas patrocinou o Primeiro Seminário Latino-Americano de
Alternativas Comunitárias para Crianças de Rua, em Brasília. Nesse Seminário vários grupos
comprometidos com a causa das crianças de rua, reconhecendo que a ESR caracterizava um
movimento político, resolveram oficializar o movimento como tal. Surgiu, aí, uma organização
não-governamental com futuro e promissor reconhecimento na causa da criança e do
adolescente: o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que
apresentava como um princípio básico o fortalecimento das práticas libertárias que
considerem meninos e meninas de rua como agentes de suas próprias vidas, promotores de
uma nova sociedade justa, fraternal e participativa, em conjunto com todos os segmentos
oprimidos que hoje lutam por sua liberdade.

1985
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua - MNMMR
Iniciativa: Educadores dos Meninos do projeto chamado “Alternativas”.
Fator de Mobilização: Atrasada concepção de criança e adolescente; alteração do
atendimento.
Questões de Luta: Cidadania de crianças e adolescentes; crianças e adolescentes sujeitos
de direitos.
Com a retirada do apoio ao Projeto de Alternativas por parte do Governo Federal, a UNICEF
sugeriu a criação de um grupo/entidade. Em junho de 1985, o Movimento promoveu seu
primeiro encontro nacional, em Brasília. Um ano depois promoveu, também em Brasília, o
Primeiro Encontro de Meninos e Meninas de Rua, patrocinado por Unicef, Funabem e
Misereor. Esse Encontro passou a realizar-se, a cada três anos, em Brasília, com freqüências
de mais de mil crianças e adolescentes de todo o país.
Em 1985, aconteceu o Encontro Nacional de Grupos de Trabalhos Alternativos e, conforme
citado, a criação da organização popular Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
composta basicamente de voluntários, que buscavam, através do engajamento e da
participação das próprias crianças e adolescentes, a conquista e a defesa de seus direitos de
cidadania

1985
Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
Iniciativa: Dirigentes Municipais
Fator de Mobilização: Municipalização dos programas de atendimento ao menor.
Questões de Luta: Descentralização/municipalização das ações; propostas para a
Assembléia Nacional Constituinte e à Nação Brasileira.
Dirigentes municipais pautaram a infância na agenda de reivindicações na Assembléia
Nacional Constituinte. A Frente Nacional era constituída por prefeitos, autoridades
municipais/estaduais e técnicos do Estado considerados progressistas; defendia-se a
municipalização da política para a infância e adolescência.

1986
Campanha Nacional “Diga não a Violência”
Iniciativa: Governo Federal/Unicef
Fator de Mobilização: Violência institucional e Policial.
Questões de Luta: Prevenção e redução da violência contra crianças e adolescentes

1986
Comissão Nacional Criança-Constituinte
Iniciativa: Governo Federal, UNICEF, OMEP, CNDM, OAP, SBP, FENAJ, FNDdC, MNMMR.
Fator de Mobilização: Garantia de espaço específico para a criança na Constituição
Questões de Luta: Ampla participação dos setores interessados na defesa dos direitos da
criança e do adolescente na elaboração de propostas para o texto constitucional.
1987
Fórum Nacional Permanente de Dirigentes dos órgãos Executores de Política de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Iniciativa: Órgãos executores da Política Nacional de Bem Estar do Menor – FEBEMs.
Fator de Mobilização: Pressão da sociedade civil para a mudança dos serviços dirigidos à
criança e adolescente.
Questões de Luta: Violência Institucional; revisão da pratica institucional; descentralização do
atendimento; participação da sociedade no processo de revisão do atendimento e melhoria da
qualidade dos serviços.
Criou-se o Fórum Nacional de Dirigentes Governamentais de Entidades Executoras da Política
de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fonacriad), integrado pelos
presidentes das Fundações da Criança e do Adolescente de todo o País.

1988
Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente.
Iniciativa: Entidades Não-Governamentais de atendimento e defesa dos direitos da criança e
do adolescente
Fator de Mobilização: Mudança na legislação, elaboração de proposta para a Assembléia
Nacional Constituinte.
Questões de Luta: Alteração do panorama legal, articulação no nível nacional das entidades
com atuação na área de defesa e promoção dos direitos da infância e da juventude.
Criou-se o Fórum Nacional DCA, com a composição de atores sociais que atuam na defesa e
promoção dos direitos das crianças e adolescentes brasileiros.

1988
CRAMI - Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância.
Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD é uma Organização Não
Governamental com a finalidade social de atendimento psicossocial a crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica e desenvolvimento de ações preventivas que lhes possibilitem
a defesa e proteção incondicional.

1989
II Encontro Nacional do MNMMR
Iniciativa: MNMMR/Fórum Nacional DCA
Fator de Mobilização: Incidência Política para aprovação do projeto de lei que consistia no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Questões de Luta: Regulamentação do art. 227 da CF.
No II Encontro Nacional do MNMMR, centenas de crianças se reuniram no Plenário da
Câmara dos Deputados e votaram, simbolicamente, a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Nesta oportunidade houve a entrega de diversos documentos aos
parlamentares.

1989
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
Iniciativa: ONU
Fator de Mobilização: Situação da Infância no Mundo
Questões de Luta: superação da Situação da infância no mundo
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada por aclamação na Assembléia
Geral das Nações Unidas, a 20 de Novembro de 1989, correspondeu a um dos sinais de
transformação mais emblemáticos de toda a história das representações da infância. Embora
a modernização da concepção e práticas infantis tenha sido de uma extrema lentidão,
sobretudo no que se refere à designação da criança enquanto sujeito de direitos, a Convenção
de 1989, quase no limiar do século XXI, contempla, acima de tudo, a libertação das crianças.
Até lá, e após uma longa trajetória, os dois textos declaratórios que a precederam (em 1924 e
1959) indicavam que a afirmação dos direitos da criança correspondia mais a uma declaração
de princípios de ordem protecionista e ética.

1990
Fundação Abrinq
Iniciativa: Empresários do Setor de brinquedos
Fator de Mobilização: situação de pobreza vivida pela infância
Questões de Luta: Sensibilização e mobilização do empresariado brasileiro; envolvimento do
empresariado na política de atendimento a infância e adolescência.
A Fundação Abrinq foi criada em 1990 por empresários do setor de brinquedos, ligados à
ABRINQ - Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos. Seu objetivo era promover a
defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescente. Suas estratégias de
ação privilegiam a articulação e a mobilização da sociedade civil e do poder público para
transformar a criança e o adolescente em prioridade.

1990
Aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Iniciativa: Congresso Nacional/Povo Brasileiro
Fator de Mobilização: Situação da Infância no Brasil
Questões de Luta: Superação do paradigma menorista e da situação irregular, doutrina que
regia o trato com a criança no Brasil.
Com o advento do ECA, crianças e adolescentes passam a ter reconhecimento, legalmente,
como cidadãos, sujeitos de direitos civis, sociais e humanos. Superando, assim, a visão
firmada no Código de Menores, que diferenciava a criança do menor. O Estatuto da Criança e
do Adolescente além de não mais os distinguir, exclui, ainda, o termo menor, já que traz
consigo uma concepção de caráter estigmatizante e discriminatório. A distinção de idades
corresponde às relações familiares, escolares, trabalhistas e penais. São crianças, então,
aqueles com idade inferior a 12 anos, e adolescentes, dos 12 aos 18 anos incompletos.

1990
Cúpula Mundial da Criança
Iniciativa: Organização das Nações Unidas.
Fator de Mobilização: Fazer um balanço da situação da infância no mundo.
Questões de Luta: Nos dois dias de sua duração, os representantes de 157 países
comprometeram-se, entre outras coisas, a reduzir em 30% a taxa de mortalidade infantil e
garantir saúde e alimentos a todas as crianças do mundo até o ano 2000.
O Encontro de Cúpula das Crianças, convocado pelas Nações Unidas deu-se em Nova York,
aos 29 de setembro de 1990; estabeleceu as metas em favor do bem-estar da criança para o
ano 2000, dentre as quais: proteção à criança e ao jovem em conflito com a lei; garantia do
desenvolvimento integral da criança; apoio à família, “Escola para Todos” etc.

1993
Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes – CECRIA.
Iniciativa: Militantes e trabalhadores da área da infância.
Fator de Mobilização: violência sexual contra crianças e adolescentes.
Questões de Luta: Centro de pesquisa, capacitação, promoção, formação e articulação, de
ações governamentais e não governamentais, tanto em nível nacional como internacional,
para a defesa dos direitos da mulher, da criança e do adolescente, orientado pela concepção
dos direitos humanos, definido na legislação nacional e normas internacionais
O CECRIA é uma organização da sociedade civil, fundada em 1993. Seu surgimento do
CECRIA caracterizou-se pelo processo de democratização e de garantia formal da cidadania
decorrentes da Constituição de 1988. Neste cenário e, sobretudo, por ser o Brasil um país
inserido na semi-periferia do capitalismo internacional, a questão da violência estrutural e da
violência situacional, torna-se crucial para a consolidação da democracia brasileira e extensão
de cidadania a todos com liberdade e justiça.

1993
A CPI da Prostituição Infantil
Iniciativa: Câmara dos Deputados.
Fator de Mobilização: Exploração Sexual de Meninas
Questões de Luta: Denunciar e enfrentar a Exploração Sexual contra meninas no Brasil.
A CPI denunciou inúmeros casos de violação dos direitos humanos de crianças e
adolescentes, provocando ampla mobilização social.

1995
Seminário sobre Exploração Sexual de Meninas e Adolescentes no Brasil
Iniciativa: CECRIA
Fator de Mobilização: Situação de Exploração Sexual de Meninas
Questões de Luta: Mobilizar e sensibilizar a sociedade brasileira contra a exploração sexual.
O Seminário sobre Exploração Sexual de Meninas e Adolescentes no Brasil, realizado no
Distrito Federal, tratou dos temas: aspectos históricos e conceituais do fenômeno da
prostituição; redes de exploração; leitura jurídica e o papel do Estado, da sociedade civil e dos
meios de comunicação.

1996
Encontro das Américas
Iniciativa: CECRIA
Fator de Mobilização: Enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Questões de Luta: Organização da delegação brasileira para a participação no Primeiro
Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes.
Seminário sobre "Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes nas Américas"; -
Encontro preparatório para o Congresso de Estocolmo;

1996
I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes
Iniciativa: UNICEF
Fator de Mobilização: Exploração sexual de crianças e adolescentes no mundo.
Questões de Luta: sensibilizar e enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes.
I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças foi realizado em
Estocolmo, Suécia, em 1996, tendo como resultado a Declaração de Estocolmo e a Agenda
para a Ação, que foi adotada por 122 países. Esses países comprometeram-se a desenvolver
estratégias e planos de ação com diretrizes combinadas

1998
18 de Maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes.
Iniciativa: End Child Prostitution, Child Pornograply and Traffiking of Children for Senual
Purposes.
Fator de Mobilização: Exploração e Abuso Sexual de Criança e Adolescente, tendo como
exemplo a morte da menina Araceli Cabrera Sanches.
Questões de Luta: mobilizar toda sociedade, com o objetivo de lutar contra esses tipos de
violência.
A data foi escolhida nacionalmente em menção ao crime ocorrido em 18 de maio de 1973, na
cidade de Vitória, Espírito Santo. Araceli, oito anos de idade, foi raptada, entorpecida,
violentada e, já morta, teve o corpo carbonizado por um grupo de jovens da classe média alta
daquela cidade. Apesar da natureza hedionda, o crime prescreveu impune.
A proposta da criação da data partiu da atual Deputada Federal Rita Camata (PMDB/ES),
Presidente da Frente Parlamentar pela Criança e Adolescente do Congresso Nacional, por
intermédio de projeto de lei de sua autoria que, posteriormente, aprovado pelos congressistas
e sancionado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, converteu-se na Lei nº.
9.970/2000.

2001
II Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças.
Iniciativa: UNICEF
Fator de Mobilização: Exploração sexual de crianças e adolescentes no mundo.
Questões de Luta: sensibilizar e enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Em dezembro de 2001, o II Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de
Crianças foi realizado em Yokohama, Japão, resultando no Compromisso Global de
Yokohama. Esse Congresso consolidou as parcerias e reforçou o comprometimento global
pela proteção de crianças contra a exploração sexual, aumentando para 161 o número dos
países comprometidos com a Agenda para a Ação de Estocolmo.

2002
Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Iniciativa: Fórum Nacional DCA e CECRIA.
Fator de Mobilização: necessidade de criação de instância nacional representativa da
sociedade, dos poderes públicos e das cooperações internacionais, para monitoramento da
implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.
Questões de Luta: Avaliar a mobilização e a articulação das organizações não-
governamentais e governamentais no processo de implementação do Plano Nacional e
discutir a consolidação e formas de funcionamento do Comitê Nacional.
O Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
surgiu de proposta aprovada no Encontro de Natal (RN), em junho de 2000. Nesse encontro,
foi elaborado o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes. Em julho de 2002, o Fórum Nacional e o Departamento da Criança e do
Adolescente – DCA, com apoio do Centro de Estudos e Pesquisa de Referência da Criança e
do Adolescente - CECRIA, realizaram uma oficina nacional em Brasília (DF), com dois
objetivos: avaliar a mobilização e a articulação das organizações não-governamentais e
governamentais no processo de implementação do Plano Nacional e discutir a consolidação e
formas de funcionamento do Comitê Nacional, criado em 2000.

2003
CPI Mista da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
Iniciativa: Congresso Nacional.
Fator de Mobilização: Exploração Sexual contra crianças e adolescentes.
Questões de Luta: Identificar e Responsabilizar autores de crimes sexuais contra crianças e
adolescentes.

2008
III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes
Iniciativa: UNICEF, governo brasileiro Ecpat (Articulação Internacional contra Prostituição,
Pornografia e Tráfico de Crianças e Adolescentes) e NGO Group for the Convention on the
Rights of the Child (Grupo de ONG para a Convenção sobre os Direitos da Criança).
Fator de Mobilização: Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Questões de Luta: sensibilizar e enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes.
O III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
é uma seqüência de dois eventos anteriores realizados em Estocolmo (Suécia) em 1996 e em
Yokohama (Japão) em 2001.
O Congresso teve importante caráter articulador (governos, sociedade civil, especialistas e
adolescentes) e produtor de conhecimentos, apontando possíveis compromissos dos países.
Constituiu-se de mais de 130 delegações de países e público total de 3000 participantes,
incluindo 300 adolescentes.
Tema: Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e a sua Proteção contra a
Exploração Sexual – Por uma Visão Sistêmica.
Objetivo: Mobilização internacional para garantir o direito de proteção de crianças e
adolescentes:
1- Analisar os novos cenários da exploração sexual na contemporaneidade;
2- Identificar avanços e lacunas no marco legal e na responsabilização;
3- Compartilhar experiências de implementação de políticas intersetoriais;
4- Ampliar parcerias com o setor privado;
5- Definir estratégias e metas possíveis de serem pactuadas em cooperação
internacional.

A partir desse quadro, poderemos traçar alguns comparativos e realizar análises que nos
permitam situar, com maior concretude, a CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento da Violência
Sexual Infanto-Juvenil, suas causas, encaminhamentos e possíveis conseqüências.

Uma vez que iniciaremos o assunto relacionado a esta CPI, vale pontuarmos, brevemente,
conceitos e práticas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

3) COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: CONCEITO E


INSTITUCIONALIDADE

Antes de adentrarmos de fato no relato dos trabalhos realizados por esta Comissão
Parlamentar de Inquérito – CPI – da Pedofilia e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-
Juvenil, instalada na capital paulista em 05 de março do ano de 2009, entendemos por bem iniciar
o presente relatório fazendo uma retrospectiva histórica a fim de compreendermos o motivo pelo
qual realizamos esse trabalho, bem como de enaltecer a importância do uso deste instrumento
parlamentar em prol do reordenamento legislativo. Esta opção, prioritariamente didática, também
se justifica por estendermos que esta CPI demarca um fato e um momento histórico não somente
na História desta cidade, mas também deste país.

3.1) A história da CPI no Direito estrangeiro

As criação, constituição e a utilização das Comissões Parlamentares de Inquérito, ao longo


da História da Humanidade, como poderemos verificar, têm ligação intrínseca com a História que
demarca a Democracia como regime político conquistado, através de muita luta, pela sociedade
civil. Isto faz com que tenhamos a lisonjeira oportunidade de sermos testemunhas presenciais de
seus bons frutos, e nos faz com que possamos utilizar dos instrumentos que o sistema
democrático nos oferta no sentido de podermos contribuir para que suas nobres raízes se firmem
com ainda mais vigor nos solos deste planeta, e, em especial, deste país.

O processo histórico por que passou a humanidade, possibilitou que evoluíssemos em


dado momento, fazendo com que o modelo de sociedade que há séculos era pautado na
concentração total de poder nas mãos do Estado soberano chegasse a tal ponto de
insustentabilidade que se tornou necessário a sua reformulação completa, no sentido de
possibilitar à distribuição do poder. Assim, a partir da disseminação dos ideários iluministas,
sedimentado nos ideais da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, clamou-se e constituiu-se o
Estado-nação, cujo nascimento fundava-se em um poder que nasceria e seria destinado ao povo.

Neste sentido, inicia-se, neste momento, um processo de edificação da Democracia,


juntamente com a qual se principia a repartição dos Poderes do Estado, no intuito não somente de
repartir o poder originário do Estado, representante legítimo da população, mas também de
coordená-lo, controlá-lo e fiscalizá-lo sistemática e reciprocamente.

A partir de então, constitui-se o Poder Legislativo, sendo-lhe conferida a típica atribuição


de promover a produção normativa do Estado, a fim de ofertar regulamentação à sociedade,
conjuntamente com esta atribuição advém o poder de contribuir com a limitação do poder estatal,
através do controle e da fiscalização dos Poderes constituídos em dada nação, e é justamente
neste sentido que nasce o inquérito parlamentar.

O inquérito parlamentar é um instituto com origem conhecidamente inglesa, cuja


consolidação de fato se dá a partir dos séculos XVIII e XIX, momento em que seu objeto não se
limitava à investigação de irregularidades cometidas por autoridades públicas (exercício da função
fiscalizadora do governo), direcionando-se a verificação de diversas questões econômicas ou
sociais, mas, sempre visando dotar o Parlamento de informações necessárias a fim de exercer a
atribuição que lhe cabe por excelência: legislar.

O uso deste importante instrumento começa a se disseminar pelo mundo, tanto que houve
países que o implementaram mesmo antes de haver previsão normativa específica que o
balizasse, fundamentando a sua aplicação a partir da permissibilidade implícita oriunda das
atribuições atinentes aos parlamentares. Assim ocorreu nos Estados Unidos, onde os inquéritos
parlamentares instituíram-se com grande vigor a partir da segunda metade do século XVIII. A
primeira lei versando sobre a temática neste país foi sancionada somente na segunda metade do
século XIX, originada da necessidade de se impor limites aos poderes parlamentares nesta seara,
a fim de se compatibilizar os direitos da pessoa humana com o interesse público. Os Estados
Unidos foram o Estado Ocidental que mais usufruiu deste instrumento inquisitorial parlamentar, e
que influenciou para a ocorrência de sua constitucionalização em solo brasileiro.

Neste país, a preocupação com a limitação aos poderes dos parlamentares em tais
inquéritos sempre se destacara, a ponto de, em caso emblemático decidido pela Corte Suprema
estadunidense em 1881, reconhecer-se o direito à indenização a determinada pessoa compelida a
prestar informações, que, se negando, foi privada de sua liberdade, e, por versar o respectivo
inquérito sobre assunto privado, entendeu-se que não poderia ser objeto de inquérito parlamentar,
por ultrapassar de sobremaneira as respectivas atribuições conferidas a este Poder. Em decisão
posterior a Suprema Corte reconhece a pertinência do inquérito parlamentar no trato de assuntos,
ainda que privados, mas exclusivamente por se tratar de caso com estreita relação à atividade de
membros do Congresso.

Em 1957 a Suprema Corte reafirma categoricamente que o poder de investigação


parlamentar possui limitação, não sendo autorizada a exposição pública de assuntos particulares,
exceto em caso de justificativa por conta de alguma função relacionada ao Congresso. Afirmando,
ainda, que o inquérito parlamentar não constitui fim em si mesmo, somente sendo lícito o seu uso
a partir da serventia a instrumentalizar alguma das funções genuinamente parlamentar. No
entanto, por outro lado, deixa claro que

“ao servir de instrumento à função legislativa, que cabe ao Congresso, o inquérito não se
limita à verificação de como se executam as leis em vigor, mas pode estender-se à busca
de informações necessárias à formulação de novas leis. Donde justificar-se a instauração
de inquérito para ‘a detecção das insuficiências do nosso sistema social, econômico ou
político, como o objetivo de habilitar o Congresso a remediá-las, assim como se justifica
instaurar inquéritos aos diversos departamentos do Estado Federal para desvendar casos
de corrupção, ineficiência ou desperdício’”. (SPROESSER, 2008: 158)

Embora a primeira previsão constitucional do inquérito parlamentar na História tenha se


dado na Alemanha em 1816, na prática seus efeitos foram nulos neste país durante o período de
sua vigência. Isto porque se vivenciava o regime monárquico, e o papel desempenhado pelo
governo da época, calcava-se na significante ingerência e na consistente influência nas
deliberações parlamentares. Na segunda metade do século XX, nova previsão constitucional da
matéria foi ofertada, mas até hoje carece de regulamentação legal, desempenhando, assim, os
Tribunais alemães um papel fundamental na definição dos limites deste instrumento utilizado pelo
Parlamento. A jurisprudência alemã tem o entendimento de que o

“inquérito parlamentar pode concentrar-se tanto no controle do governo e da


administração, vale dizer, na investigação sobre responsabilidade política e sobre indícios
de irregularidade, quanto no controle dos membros do próprio Parlamento, para
salvaguardar o seu próprio prestígio. Em contrapartida, já se decidiu que não podem ser
objeto de inquérito parlamentar assuntos que não tenham interesse público de suficiente
importância, ou não se incluam nas atribuições federais, ou não se enquadrem na
competência específica do Parlamento”. (SPROESSER, 2008: 171)

Na Itália, por sua vez, a efetivação legal dos inquéritos parlamentarem iniciaram-se
somente após a Segunda Guerra Mundial, informando a natureza essencialmente política de seu
uso, o qual se entende que deverá concluir por recomendações diretas ao Governo.

No direito espanhol, apesar de ainda haver questionamentos sobre a efetiva função de tal
instrumento, é fato que desempenha o papel de controle, pois se verifica que sua criação neste
país se funda, em maior ou menor medida, na limitação ou fiscalização direta do parlamento nas
ações do governo.

3.2) A história da CPI no ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil do Império e da primeira República, o inquérito parlamentar, assim como nos


Estados Unidos, era praticado ainda que sem previsão constitucional, a partir dos poderes
implícitos oriundos das atribuições conferidas ao poder legislativo de velar pela guarda da
Constituição e promover o bem geral da Nação.

Foi em 1934 que, pela primeira vez, previram-se as comissões parlamentares de inquérito
em texto constitucional brasileiro, instituto que teve vida curta ante o período ditatorial que se
seguiu.

Na Constituição do “Estado Novo”, em vigor a partir de decreto presidencial, consagrava-


se a extrema concentração de poderes na figura do Presidente, autoridade suprema do Estado, o
que culminou na dissolução das Casas Legislativas em todos os entes da federação. Assim, a
ausência da democracia neste momento de nossa história nacional fez com que se afastasse
qualquer controle sobre o Governo Federal, e por conseqüência lógica, os inquéritos
parlamentares estiveram abolidos neste período.

A partir da saída de Getúlio Vargas, em 1945, preenche este cargo o Presidente do


Supremo Tribunal Federal, e realiza-se, no mesmo ano, eleições para ocupação dos cargos dos
Poderes Executivo e Legislativo, processo que culmina na promulgação da Constituição da
República em 1946, a qual, devido a seu caráter democrático, voltou a prever a criação das
Comissões Parlamentares de Inquérito, possibilitando o exercício do controle e da fiscalização dos
demais Poderes.

No entanto, cerca de vinte anos após esta vitória democrática, novo período ditatorial se
instala no país, o que fez retornar a necessidade do controle do poder parlamentar. Dessa forma,
durante o regime militar, através de emenda constitucional e atos institucionais, restringe-se
substancialmente as atribuições e a capacidade da CPI, suprimindo-se seu poder fiscalizatório,
subsistindo, entretanto, seu poder controlador, o que gerou nesta fase uma contração significativa
deste importante instrumento parlamentar.

Tal restrição foi abolida somente a partir do início de novo processo de revigoração
democrática, por intermédio de Lei federal, promulgada em dezembro de 1984, mesmo ano em
que o povo nacional deu históricas mostras da insatisfação com o regime de então, marco que se
deu através do movimento “Diretas Já”, emblematicamente representado no Vale do Anhangabaú,
região central da capital paulista.

A gana democrática sediada no espírito popular do povo brasileiro culminou na


convocação de Assembléia Nacional Constituinte e com a promulgação, em 1988, da Constituição
Federal vigente, a qual ressuscita e firma o Estado Democrático de Direito, passando a prever as
Comissões Parlamentares de Inquérito, na redação do § 3º do artigo 58.

Dessa forma, podemos inferir que as Comissões Parlamentares de Inquéritos têm


estreita relação, seja no ordenamento jurídico estrangeiro ou no ordenamento nacional, com os
momentos de garantia de processos democráticos de condução do Estado, o que nos felicita
em poder usufruir, atualmente, deste digno instrumento, que presta importantes contributos à
função legislativa que nos compete. Maior ainda é a satisfação de usufruir deste mecanismo a fim
de contribuir para o reordenamento legislativo desta cidade em prol da garantia dos direitos das
crianças e adolescentes aqui residentes, no sentido de se fazer cumprir a determinação
constitucional, disposta no artigo 227 da Magna Carta, que lhes garante a prioridade absoluta na
segurança de seus direitos humanos, impondo a todos o dever de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

3.3) A CPI a partir da Constituição de 1988

A Constituição Federal registra a permissibilidade das Comissões Parlamentares de


Inquérito, a partir de um único dispositivo constitucional, disposto no artigo 58, § 3º que diz que:

“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração
de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal
dos infratores”.

Devido à brevidade constitucional no tratamento da questão, temos que para a sua


compreensão real, deve ser este dispositivo entendido conjuntamente à atribuição parlamentar
prevista no artigo 40, X, o qual estabelece, dentre outras competências exclusivas do Poder
Legislativo, o ato de

“fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder


Executivo, incluídos os da administração indireta”.

Dessa forma, podemos dizer que o poder de investigar, conferido ao Parlamento por
intermédio das CPIs, é conseqüência lógica e instrumental do poder de fiscalizar e controlar
diretamente, sendo esta a principal ferramenta prevista para o exercício direto deste peculiar
poder parlamentar.

“É neste contexto que a investigação parlamentar confere ao Legislativo o exercício de um


efetivo controle sobre as pessoas, instituições e órgãos sujeitos, no plano normativo, à sua
competência e, primordialmente, em relação aos atos do Poder Executivo”.
(CARAJELESCOV, 2007: 61)

Então, a partir desta tratativa constitucional, o jurista Yuri Carajelescov conceitua as


comissões parlamentares de inquérito como:
“órgãos não-permanentes do Parlamento, com prazo certo de duração, criados por decisão
deste para inquirirem, mediante poderes excepcionais, sobre fato certo de interesse
público relevante, com vista ao exercício de uma atividade de fiscalização e controle ou
inovação legislativa, ínsita a esse mesmo parlamento”. (CARAJELESCOV, 2007: 68).

Andyara Klopstock Sproesser, por sua vez, com base na lição da constitucionlista Anna
Cândida da Cunha Ferraz, faz a distinção das atribuições do parlamento consistente no controle e
na fiscalização, concluindo que há:

“dois tipos de controle parlamentar, tomado em sentido amplo: um, o controle da


legalidade, que bem poderia denominar-se propriamente fiscalização; pois nele se
pretende, especialmente, que à falta verificada se aplique a sanção prevista; outro, o
controle da orientação política, que bem poderia denominar simplesmente controle, em
sentido estrito, cuja finalidade consiste, principalmente, em fazer com que o desvio de
orientação corresponda o devido ajuste de rumo apontado pela Constituição e pelas leis”.
(SPROESSER, 2008: 211)

Frisa-se que à competência referente ao controle propriamente dito correspondem os


aspectos da ação governamental relacionado ao seu mérito, destinando-se, assim, à verificação
da adequação da ação governamental à orientação política estipulada pela sociedade por
intermédio de seu ordenamento jurídico, ou seja, através da orientação ofertada pelas leis,
planos de governo ou planos orçamentários. Eis aqui, pelo que podemos observar a partir dos
trabalhos até o momento realizados, a seara adequada à atuação desta Comissão Parlamentar de
Inquérito da “Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil.

Por outro lado, atentando-nos aos verbos que fundamentam o uso do inquérito no
parlamento, ou seja, fiscalizar e controlar, somados aos poderes extraordinariamente conferidos
às CPIs, que são aqueles inerentes às autoridades judiciais para se proceder com a investigação
que se pretende realizar, concluímos que este instrumento não pode ser entendido e utilizado de
modo a servir como simples colaboradores da respectiva Casa, no sentido de utilizá-lo
unicamente para colher informações a contribuir para o desempenho da função legislativa que
lhe compete. Assim, não se pode confundir:

“a função de informação, que cabe genericamente ao Legislativo e tem, como já se


demonstrou acima, caráter ancilar ou auxiliar das demais funções, com a função de
fiscalização e controle que compete às CPI’s”. (SPROESSER, 2008: 211)

A impossibilidade desta confusão assenta-se no fato de que a função de simplesmente


abastecer o Parlamento de informações é ínsita a outras Comissões existentes na Casa, tais
como as Permanentes e de Estudos. As CPIs, inarredavelmente, a partir da simples análise dos
verbos que as ensejam, somente terão guarida se destinadas a controlar ou fiscalizar atos, a partir
do que, aí sim, poder-se-á destinar suas conclusões ao abastecimento da respectiva Casa
parlamentar direcionando-a a sua atribuição precípua, sabidamente legislativa.

Neste mesmo sentido, refletindo sobre os motivos constituintes de uma CPI, a partir de
vários entendimentos doutrinários, a mesma doutora, conclui que as CPIs têm como objetivo
primeiro:

“A apuração de fato determinado, ou seja, de algum recorte da vida constitucional do país,


sob suspeita de estar em oposição formal ou material com os preceitos constitucionais ou
legais”. (SPROESSER, 2008: 216).

E somente de forma mediata visa “a obtenção de adequado conhecimento de certa


matéria”, classificando esta finalidade como um “subproduto” das atividades de uma CPI.

Acerca da perfeita e necessária compatibilidade da função legiferante, com vistas a inovar


a ordem jurídica, com a função de fiscalização e controle, exercida através do inquérito
parlamentar, pela instituição Comissão própria, ensinamentos doutrinários a afirma no seguinte
sentido:

“É por intermédio das comissões parlamentares de inquérito que o Legislativo realiza


tarefa de fiscalizar e controlar a atividade dos demais poderes, apurando assunto de
relevante interesse público, igualmente com vista a inovar de forma adequada a ordem
jurídica, mediante a edição de normas pertinentes.

Portanto, como já referido, as comissões parlamentares de inquérito constituem-se em


instrumentos (meios) dotados de maior eficiência e racionalidade, dos quais se vale o
Legislativo para agir dentro do círculo de suas atribuições, em vista da realização de sua
missão constitucional de fiscalizar, controlar e legislar e, com isso, ainda que lateralmente,
conferir publicidade a assuntos de especial relevo para a sociedade”. (CARAJELESCOV,
2007: 65).

Refletindo sobre as finalidades de uma CPI, nos ensina a doutora Andyara que:

“as CPI’s têm por finalidade, direta e especificamente, o controle, lato sensu, de
todos os atos dos Poderes Públicos, inclusive os do próprio Legislativo, entendendo-se
por controle a atividade de investigar possíveis desvios em relação aos ditames
constitucionais e legais, quer como regras de conduta e/ou de organização, quer ainda
como diretrizes político-administrativas.

(...)

Em suma: apurar atos da vida constitucional, para corrigir desvios da atuação, formal ou
material”. (SPROESSER, 2008: 219).
Por fim, podemos concluir que, no ordenamento jurídico brasileiro, as CPIs se destinam a
instrumentalizar o parlamento ao exercício da atribuição correspondente ao controle e fiscalização
dos atos em geral da vida pública, investigando-os de forma adequada e determinada para
reverter que as respectivas ações inadequadas ajustem-se aos ditames constitucionais e legais
determinados pela sociedade.

4) A CPI NA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Em aproximação territorial, afunilamos o tema da CPI, do campo mundial para o municipal


paulistano.

A título de curiosidade traremos à baila o dispositivo que trata das Comissões


Parlamentares de Inquérito na Constituição do Estado paulista.

Art. 13, § 2º - “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de


investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento
Interno, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Assembléia
Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões,
quando for o caso, encaminhadas aos órgãos competentes do Estado para que promovam
a responsabilidade civil e criminal de quem de direito”.

Podemos observar, que, extraídas pequenas alterações na composição das palavras, o


dispositivo acima simplesmente reproduz o constante na Constituição Federal de 1988.

Agora, colacionando o que realmente nos interessa, dada a circunscrição sobre a qual nos
compete atuar, veremos a institucionalização deste instrumento, que por ora fazemos uso, a partir
da redação de nossa “Constituição”, ou seja, da Lei Orgânica do Município de São Paulo:

“Art. 33 – As Comissões Parlamentares de Inquérito terão poderes de investigação


próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno, em
matéria de interesse do Município, e serão criadas pela Câmara, mediante requerimento
de 1/3 (um terço) de seus membros, aprovados por maioria absoluta, para apuração de
fato determinado, em prazo certo, adequado à consecução dos seus fins, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

§ 1º - As Comissões Parlamentares de Inquérito, no interesse da investigação, além das


atribuições previstas nos incisos II, IV, IX e XII do § 2º do art. 32(2) e daquelas previstas no
Regimento Interno, poderão:

I – tomar depoimento de autoridade municipal, intimar testemunhas e inquiri-las sob


compromisso, nos termos desta Lei;
II – proceder as verificações contábeis em livros, papéis e documentos de órgãos da
administração direta, indireta e fundacional.

§ 2º – O Regimento Interno preverá o modo de funcionamento das Comissões


Parlamentares de Inquérito”.

De pronto, é cabível ressaltar que a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade


055.218.0/2, questionando a constitucionalidade da redação do art. 33, em relação à expressão
"aprovados por maioria absoluta", o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acatou o reclamo
e decretou a inconstitucionalidade desta passagem legal, decretando, assim, a desconsideração
de sua escrita.

Apesar de ser razoável rememorar algumas questões, podemos observar que aqui
também há a relativa reprodução da norma constitucional, especialmente em relação às seguintes
questões: confere-se à CPI a ser promovida pelo Legislativo municipal poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, submete a sua criação a requerimento de 1/3 (um terço) dos
membros da Câmara Municipal, determina que sua constituição visará à apuração de fato
determinado, impingindo a sua duração à prazo certo, adequado à consecução dos seus fins,
afirmando que, se for caso de que requerer a promoção de responsabilidade civil ou criminal
dos infratores, suas conclusões serão enviadas ao Ministério Público.

Até aqui não há distorção em relação ao que prevê o art. 58, § 3º da Constituição Federal,
no entanto, traz uma novidade, ainda que a reforço de outra norma constitucional correspondente
à repartição das competências legislativas, que é a restrição de atuação, a partir da necessidade
desta CPI instituída na Casa legislativa paulistana, poder versar somente sobre matéria de
interesse do Município.

Embora aqui se afirme uma obviedade, é oportuno se fazer este destaque no sentido de
nos alertarmos sobre a limitação da atuação e do foco de investigação desta Comissão
Parlamentar de Inquérito, restringindo-a aos solos deste município. Pois, é natural que em matéria
sobre a qual tratamos nesta CPI, ou seja, enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil,
impetuosamente, sejamos levados a tratar de questões que extravasem nossas competências
territoriais, entretanto, ainda que movidos a partir de sentimentos idôneos e nobres – possível que
queiramos nos compreender com o dever de encerrar com este tipo vil de violência -, o
desatentamento a esta ligeira passagem normativa poderá, sutilmente, levar-nos a resultados que
não sejam totalmente proveitosos à sociedade que representamos. Em outras palavras, qualquer
proposição investigativa ou interventiva desta CPI Paulistana deve ter – e assim o teve esta CPI –,
para a implicação e respeito ao modelo federativo, alcance jurisdicional em âmbito tão-somente
municipal, eis que aí se restringe nossa competência constitucional.
Mas, considerando que tanto a norma constitucional instituidora da CPI quanto a Lei
Orgânica que nos rege reporta-nos ao Regimento Interno do Parlamento, para esmiuçar a sua
tratativa, a nossa análise a seguir se dará com base nesta normativa.

4.1) Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo

Assim, o Regimento Interno desta Casa regulamentou as Comissões Parlamentares de


Inquérito nos seguintes dispositivos:

“Art. 89 - As Comissões Temporárias são:

I - Comissão Parlamentar de Inquérito;

II - Comissão de Representação;

III - Comissão de Estudos.

Art. 90 - As Comissões Parlamentares de Inquérito são as que se destinam à apuração de


fato determinado ou denúncia, em matéria de interesse do Município, sempre que essa
apuração exigir, além dos poderes das Comissões Permanentes e que a elas são
igualmente atribuídos, poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

Art. 91 – As Comissões Parlamentares de Inquérito serão criadas mediante requerimento


de 1/3 (um terço) dos membros da Câmara, para apuração de fato determinado, em prazo
certo, adequado à consecução dos seus fins, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal
dos infratores.

§ 1º – O requerimento a que alude o presente artigo admite pedido de preferência para


alterar a ordem de apresentação, que será votado no Prolongamento do Expediente e
aprovado por maioria absoluta.

§ 2º – Poderão funcionar na Câmara até 05 (cinco) Comissões Parlamentares de Inquérito,


que serão instaladas da seguinte forma:

I – 02 (duas) concomitantemente, nos termos do “caput” deste artigo;

II – 03 (três) em caráter excepcional e por motivo relevante, mediante deliberação em


Plenário pela maioria absoluta dos Vereadores.

§ 3º – Aprovado o requerimento mencionado no parágrafo anterior, no Prolongamento do


Expediente da Sessão Ordinária subseqüente serão apreciados os requerimentos
remanescentes de constituição das Comissões Parlamentares de Inquérito, dentro do
limite deliberado.
§ 4º – A Comissão Parlamentar de Inquérito funcionará na sede da Câmara, sendo
permitida a realização de diligências externas.

Art. 92 – No interesse da investigação, as Comissões Parlamentares de Inquérito poderão:

I – tomar depoimento de autoridade municipal, intimar testemunhas e inquiri-las sob


compromisso;

II – proceder a verificações contábeis em livros, papéis e documentos de órgãos da


administração direta, indireta, fundacional e, por deliberação do Plenário, do Tribunal de
Contas do Município;

III – requerer a intimação judicial ao juízo competente, quando do não comparecimento do


intimado pela Comissão, por duas convocações consecutivas.

Art. 93 – O requerimento de formação de Comissão Parlamentar de Inquérito deverá


indicar, necessariamente:

I – a finalidade, devidamente fundamentada;

II – o número de membros;

III – o prazo de funcionamento, será de 120 (cento e vinte) dias, podendo ser prorrogado
uma única vez, por igual período.

§ 1º – A Comissão que não se instalar e iniciar seus trabalhos dentro do prazo máximo de
15 (quinze) dias estará automaticamente extinta.

§ 2º – A Comissão, devidamente instalada, poderá, a critério de seus membros,


desenvolver seus trabalhos no período de recesso parlamentar.

Art. 94 – A designação dos membros das Comissões Parlamentares de Inquérito caberá


ao Presidente da Câmara, assegurando-se, tanto quanto possível, a representação
proporcional partidária, além de pelo menos 1 (um) membro de cada Comissão
Permanente competente.

Parágrafo único – O Presidente da Comissão será sempre o primeiro signatário do


requerimento que a propôs.

Art. 95 – A Comissão Parlamentar de Inquérito elaborará relatório sobre a matéria,


votando-o e enviando-o à publicação, no prazo máximo de 15 (quinze) dias após a
conclusão de seus trabalhos, respeitado o disposto no artigo 93, III e no artigo 97,
parágrafo único deste Regimento Interno.
Parágrafo único – O Presidente da Comissão deverá comunicar, em Plenário, a conclusão
de seus trabalhos, mencionando o encaminhamento do respectivo relatório para
publicação.

Art. 96 – Sempre que a Comissão Parlamentar de Inquérito julgar necessário


consubstanciar o resultado de seu trabalho numa proposição, ela a apresentará em
separado, constituindo seu relatório a respectiva justificação.

Art. 97 – Se a Comissão deixar de concluir seus trabalhos dentro do prazo estabelecido,


ficará automaticamente extinta, salvo se o Plenário houver aprovado, em tempo hábil,
prorrogação de seu prazo de funcionamento, a requerimento de membro da Comissão.

Parágrafo único – Só será admitido um pedido de prorrogação na forma do presente artigo,


não podendo o prazo ser superior àquele fixado originariamente para seu funcionamento.

Art. 100 – Só será admitida a formação de Comissões Especiais nos casos expressamente
previstos neste Regimento.

Parágrafo único – Aplicam-se às Comissões Temporárias, no que couber, as disposições


regimentais relativas às Comissões Permanentes”.

Por serem redigidos a partir da extrema clareza e transparência, não vamos tecer
comentários específicos neste tópico, já que o intuito de trazer o Regimento Interno a este
Relatório visa somente a facilitar o conhecimento daqueles que, por ventura, tiverem acesso ao
presente Relatório e não tiverem intimidade, naturalmente, com os dispositivos regimentais deste
Parlamento.

4.2.) Fato Determinado

A descrição de fato determinado, assim como verificado a partir da reprodução das


normativas descritas acima, representa requisito essencial à criação de uma CPI em quaisquer
dos poderes legislativos existentes em nosso país. Por isso, entendemos fundamental contemplá-
lo em tópico específico.

A partir do âmbito de competência legislativa da Casa que constitui a CPI, Sproesser


conceitua fato determinado:

“o acontecimento concreto que, afetado de interesse público, se situa no âmbito da


competência constitucional da Casa Legislativa, que a respeito dele deve prover”.
(SPROESSER, 2008: 228).
Outro conceito de fato determinado que nos auxilia na compreensão deste requisito
encontra-se instituído no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 35, § 1º,
que diz ser:

“o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal,


econômica e social do País, que tiver devidamente caracterizado no requerimento de
constituição da Comissão”.

Assim, transparece o fato de possibilitar a investigação, a partir do inquérito parlamentar,


somente a fatos situados no âmbito das competências da Casa Legislativa que a instituiu,
reservando a sua descrição ao requerimento de constituição da CPI.

Nelson Jobim, quando Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar


publicamente acerca do fato determinado, imposto constitucionalmente como requisito à
instalação de uma CPI no parlamento, defende, sensatamente, uma interpretação ampliativa da
expressão, necessário, em seu entendimento, para se atingir as finalidades que se espera de tais
inquéritos. Assim, disse que:

“Se fizermos uso do sentido corrente da expressão (fato determinado), só poderíamos


investigar fatos conhecidos e não fatos não conhecidos e, sendo assim, devemos ter
cautela quando da utilização da expressão porque, se dissermos que o objeto da
investigação é um fato, há necessidade de ser um fato conhecido e, se for um fato
conhecido, eventualmente não será necessário investigar, porque se investigam
exatamente os fatos não conhecidos; logo, fato, no texto constitucional, é algo que se
vincula à função da própria Casa Legislativa; daí por que precisarmos ter muito
claramente, separadamente, que estabelecer uma CPI não é necessariamente e
restritamente, como é visto hoje, uma Comissão do Parlamento que tem funções de
investigar fatos delituosos ou de improbidade administrativa; as CPIs também se
destinam a investigar situações para, eventualmente, com os subsídios que daí
decorrem, produzir textos legislativos que venham a intervir naqueles fatos que
estão sendo examinados. É o caso, por exemplo, de uma CPI que visa investigar o
sistema financeiro nacional para exatamente saber qual é o comportamento real do
sistema financeiro e quais os ajustamentos legislativos que devam ser produzidos pelo
Parlamento sobre o que se conhece.” (SPROESSER, 2008: 262)

Assim, podemos concluir que o fato a ser objeto de investigação parlamentar, embora
precise de certo deslinde quando da aprovação do requerimento constituinte, a sua determinação
não pode ser entendida de forma irrestrita, a ponto de “amarrar” a atuação da Comissão. Este
responsável entendimento advém de uma logicidade prática, pois se a Comissão é instituída
justamente para se investigar algo, se o objeto investigativo for perfeitamente conhecido, já no
requerimento nos traz fortes indicativos de que não precisa se proceder com o processo
investigatório, eis que conhecido. Portanto, permite-nos, a partir do entendimento, acobertado de
muita propriedade, do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, inferir que a determinação do
fato está intrinsecamente relacionada à nossa competência legislativa, a partir do que é lícito
investigar “situações para, eventualmente, com os subsídios que daí decorrem, produzir textos
legislativos que venham a intervir naqueles fatos que estão sendo examinados”.

4.3) Histórico de CPIs Municipais na cidade de São Paulo – Temáticas pertinentes à


Infância e Juventude(3)

2001 – Comissão Parlamentar de Inquérito “Verbas da Educação”.

Objetivo: Apurar denúncias de irregularidades na compra de materiais, na contratação de serviços


e manutenção de escolas do sistema municipal de ensino, e de não aplicação de no mínimo 30%
(trinta por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino, no período de 1995 a 2000, conforme art. 208 da lei
orgânica.

2002/2003 – Comissão Parlamentar de Inquérito “Escolas de Lata”.

Objetivo: Apurar irregularidades e ilegalidades na construção dos prédios escolares feitos com aço
pré-moldado, popularmente conhecidos como “escolas de lata”, no período de 1998 a 2000.

2007 – Comissão Parlamentar de Inquérito “Direitos”

Objetivo: Apurar a situação de desrespeito aos direitos de crianças, adolescentes, idosos e


portadores de necessidades especiais no município de São Paulo.

Sendo assim, particularizemos, daqui em diante, não somente aspectos tangentes, mas
essenciais da CPI “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.

5) CPI “DA PEDOFILIA” E DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL


INFANTO-JUVENIL

5.1) Composição e respeito ao pluralismo político-partidário

O exercício da vida política no país deve ser realizado a partir do devido respeito ao
princípio constitucional que determina, logo no artigo 1º, V, da Magna Carta, o pluralismo político.

Assim, em conformidade com este dispositivo, a Constituição Federal, no § 1º do art. 58, o


qual posteriormente fora devidamente respeitado e reproduzido pelas normas infraconstitucionais
que sobrevieram - dentre as quais se enquadra o Regimento Interno desta Casa -, determina que,
no quanto for possível, a composição das Mesas e das Comissões em geral deve se dar
atentando-se ao princípio da proporcionalidade partidária, segundo o qual serão formadas a partir
da representação proporcional dos partidos políticos e blocos parlamentares que têm assento na
Casa.

Este preceito constitucional assenta-se na forma de Governo eleita pela sociedade


nacional, ou seja, teoricamente, sobre os pilares da Democracia.

Sabemos que a democracia brasileira é mista (parágrafo único do art. 1º da Constituição


Federal)(4), podendo ser ela exercida diretamente ou indiretamente, através da eleição de
representantes, pelo povo.

Um dos Poderes, em especial, o instituído através do Legislativo, fundamenta-se,


predominantemente, na democracia representativa, motivo pelo qual deve refletir, o tanto quanto
possível, a vontade do povo, vez que é com este primordial objetivo que se presta o exercício
deste grandioso Poder.

As CPIs são, portanto, instituto da democracia representativa, em que o povo mesmo não
agindo diretamente, deve, ainda assim, refletir a sua vontade manifestada por intermédio deste
modelo democrático consistente na composição parlamentar do último pleito.

E a adequada contemplação proporcional dos partidos na composição das Comissões,


aqui especialmente de Inquérito Parlamentar, visa a justamente refletir esta vontade. Com base
nestas diretrizes é que se deu a composição desta CPI da “Pedofilia” e do Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil, justamente porque:

“As conclusões do Relatório final de alguma CPI serão mais aceitáveis pela opinião pública
em geral quando nelas tiver havido a colaboração de representantes de mais de uma
corrente de pensamento político, de mais de um interesse religioso, social ou econômico,
de mais de um Partido Político, enfim”. (SPROESSER, 2008: 241).

Assim, constituiu-se a “CPI ‘da Pedofilia’ e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-


Juvenil” na Câmara Municipal de São Paulo, formada pelos Vereadores Carlos Alberto Bezerra
(PSDB), Floriano Pesaro (PSDB), Juliana Cardoso (PT), Marcelo Aguiar (PSC), Netinho de Paula
(PC do B), Quito Formiga (PR) e Sandra Tadeu (DEM).

O dia 05 de março de 2009 demarca a instalação desta Comissão Parlamentar de


Inquérito na capital paulista, contando com a então eleita Presidência do Vereador Marcelo
Aguiar, Vice-Presidência do Vereador Quito Formiga e Relatoria do Vereador Carlos Alberto
Bezerra.

5.2) Apresentação da Metodologia de Trabalho da CPI: Fases: Diagnóstico,


Investigação e Intervenção;
A Comissão Parlamentar de Inquérito “da Pedofilia” e do Enfrentamento à Violência Sexual
Infanto-Juvenil, nos termos do objetivo ao qual se dedicarão os Vereadores membros, apresentou-
se, estrategicamente, em três fases: Diagnóstico, Investigação e Intervenção. Os Vereadores
desta Comissão resolveram detalhá-las da seguinte maneira:

• Diagnóstico: Reservou-se um número de sessões para que houvesse reflexão


conceitual, debate conceitual e contextualização de dados sobre as políticas
municipais destinadas à criança e ao adolescente, no contexto da pedofilia e da
violência sexual contra tal público.

• Disponibilização, aos Vereadores da CPI e àqueles que participaram na plenária,


de documentos cartográficos e de mapeamento sobre os eventos na cidade de São
Paulo: áreas de risco, a população de risco, principais atingidos, entre outros;

• Promoção de reflexão sobre os fatos e as políticas implementadas na Cidade, a


partir, inclusive, da ouvida de movimentos, especialistas e demais atores sociais,
para a definição mais precisa do conceito e do contexto em que se realiza o
debate.

• Investigação: após realização da análise – insumo efetivador do Diagnóstico -,


utilizar-se-iam os elementos constituintes do Mapa elaborado e possíveis
prognósticos, para a consecução das inspeções sobre o que se deseja perseguir.

• Intervenção: em sessões destinadas à apreciação do arcabouço da própria fase


do Diagnóstico e, principalmente, dos resultados gerados na fase Investigativa,
para além da denúncia e da constatação, pretendeu-se elaborar estratégias e
ações de intervenção na cidade, pelas vias institucionais necessárias e pertinentes,
adotadas ao longo dos procedimentos desta CPI.

• Leitura do relatório conclusivo, votado nesta Comissão, acatando-se contribuições


dos membros desta CPI.

6) FASE DO DIAGNÓSTICO

Consta da Metodologia de trabalhos da fase Diagnóstico da CPI “da Pedofilia” convites a


especialistas (universitários e agentes públicos), com a finalidade de realizar exposições para a
devida produção de conhecimento e, conseqüentemente, o entendimento dos Parlamentares
sobre a temática. Trata-se de exposições conceituais e, a partir da experiência dos profissionais
convidados, reflexões sobre conceitos que circunscrevem as políticas, como também sobre as
práticas na atenção às crianças e adolescentes.
De extrema importância, em razão do assunto abraçado pela sociedade brasileira, a
ouvida dos setores sociais decorreu do clamor público que os parlamentares desta CPI acataram,
para sua instalação e desenvolvimento nos termos. Imperioso, portanto, abrir espaço para as
instituições não-governamentais, movimentos sociais, conselhos de categorias profissionais,
grupos acadêmicos, enfim, atores sociais que compõem, na sua maioria, a denominada
“Sociedade Civil Organizada”, responsável por formular políticas e exercer o controle social do
Estado.

Nesse sentido, das fontes para a aquisição de informações e produção de conhecimento,


destacam-se (1) as exposições de convidados especialistas na área da garantia de direitos da
criança e do adolescente e (2) as escutas dos setores sociais.

Instalou-se a CPI da “Pedofilia”, aos 05 de março de 2009, pelo Presidente Marcelo Aguiar
(PSC-SP), sob o Requerimento anexo, datado de 04 de fevereiro de 2009, destinado a:

"averiguar a existência de rede de pedófilos no Município de São Paulo, inclusive, quanto


à utilização da Internet para a prática de tais crimes".

A sessão contava com a presença dos Vereadores componentes da Comissão, bem como
dos Deputados Estaduais José Bruno e Major Olímpio.

Nesse momento, escolhidos seus membros e cargos internos, iniciaram-se as falas e


requerimentos da primeira sessão. Vale um destaque especial para a primeira sessão, que
enunciava os caminhos desta CPI. Observemos algumas reflexões ocorridas a partir do
desenvolvimento dos trabalhos realizados nesta fase por esta CPI. Segue trecho desta sessão,
que já inicialmente apontava o Vereador Carlos Alberto Bezerra Jr. para a necessidade da
condução do foco desta CPI para além da pedofilia:

‘O primeiro [apontamento] é sobre a questão da nomenclatura da CPI. (...) Falarmos em


CPI da Pedofilia, apesar de acabar se consagrando esse nome, parece-me inadequado.
Pedofilia é patologia, não é tipificada no Código Penal, (...) Eu proporia a alteração e
discussão para que se tivesse uma CPI de combate à exploração e violência sexual à
criança e ao adolescente ou, pelo menos, de enfrentamento da pedofilia na cidade, pelo
menos para podermos fazer esse debate que creio ser um debate importante.

O segundo apontamento que faria: uma CPI, ainda mais uma CPI que trata de um
tema como este - do enfrentamento da violência sexual contra a criança e o adolescente
na cidade - é um tema que perpassa por vários outros temas, como por exemplo: a
questão do tráfico de drogas, o tráfico de pessoas, a questão da drogadição, prostituição,
enfim, vários temas que são transversais a esse. Então, faço desde já, um apelo para que
tenhamos uma estratégia definida e um foco definido, para que seja mantido o foco. A
tentação durante todos os trabalhos da CPI será enorme, no sentido de desviarmos o foco,
em virtude de tamanha amplitude de problemas que serão adicionados conforme
avançarem as investigações e as discussões.

Por último, proporia para a discussão de todos os colegas Vereadores que


pertencem à CPI: que a CPI tivesse um foco especial também na questão de
levantamento de experiências brasileiras relevantes. Particularmente, no atendimento
e na definição de normativas para a nossa cidade’.”

6.1) A Pedofilia e a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes: marcos


situacionais e normativos

Ao prosseguirmos à conceituação e ao dimensionamento dos ambientes produtores de


saber sobre a Pedofilia – situacional, jurídica e sanitária -, iniciemos com observação que, não só
retoma o debate anterior sobre a ampliação do foco e da nomenclatura desta CPI, mas serve,
principalmente nesta parte do Relatório, para situar conceitos e seus contornos, de modo mais
preciso possível, de modo que se desenvolvam sessões tão objetivas e precisas quanto a
concepção amadurecida sobre os temas destacados.

Devemos considerar, para tal investigação, o conjunto de reflexões produzidas na


sociedade brasileira, sem descartar a máxima importância da atenção – nas suas formas de
prevenção primária, secundária e terciária – aos direitos de crianças e adolescentes. Na medida
em que Pedofilia não se caracteriza como Crime, seu manifestante não pode ser responsabilizado
simplesmente porque apresenta tal desejo (filia), mas, se o caso, quando – e se – manifestar
externamente a sua vontade e praticando alguma conduta tipificada no Código Penal, a ver ou
não com a patologia; em suma, sendo ou não pedófilo. E as condutas, conforme verificamos em
algumas exposições conceituais, podem advir de uma pessoa diagnosticada ou não como
pedófila, pois a conduta condenável deve ser analisada de modo descolado do estigma e do
eventual prognóstico de Pedofilia, justamente porque o foco da proteção deve ser a criança e o (a)
adolescente vítimas do comportamento indesejado, independentemente da condição psiquiátrica
do ofensor. Ao mesmo tempo, porém, para a devida classificação e enquadramento na dosimetria
penal (quantificação e qualificação da pena), deve-se atentar, aí sim, para a situação psicossocial
do agressor, inclusive se apresentar diagnóstico mental que possa ter contribuído para a prática
ilícita; avaliação esta fundamental para os trabalhos judiciais. Conforme parte da exposição de
Dalka Chaves, do Instituto Sedes Sapientae (sessão ordinária de 26 de março):

“Dentro desse elenco de violências sexuais caracterizamos traços de alguns dos


abusadores, com traços de pedofilia. E o que seria pedofilia? Ela significa, então, um
distúrbio de conduta sexual com desejo compulsivo de um adulto por crianças ou
adolescentes podendo ter características homossexual ou heterossexual, seja por
que esse pedófilo tem uma patologia ligada a questão de identificação do próprio eu.
Então, ele não tem uma noção clara do seu eu, ele está também vitimizado por uma
relação antiga, seja de bastante proteção, uma proteção exagerada de figuras parentais,
principalmente da figura materna ou por uma privação emocional grave.

Então, o que chama a atenção nessa característica do pedófilo? É aquela pessoa que não
tem uma identificação do seu “eu” definido. Ele vai ter um problema muito ligado, dentro da
psicanálise, e eu gostaria aqui de explicar, a questão do narcisismo.

Todo mundo sabe da lenda do Narciso, que era aquela pessoa que se admirava e de tanto
que ele se admirou, ele ficou congelado, ele ficou petrificado, é a fábula dos gregos. O
pedófilo tem uma identificação narcisista com o seu “eu infantil”; então, quando ele está
com essa fixação por uma criança, ele pensa que essa criança vai trazer a
complementação ao seu “eu” que ficou falha. Então, chamando atenção, que dentro das
violências é um distúrbio de conduta, um distúrbio patológico grave e que nem todos os
violentadores sexuais têm esse grau de regressão da sua patologia. Às vezes, a pessoa
comete uma violência sexual e ela segue a vida, depois ela pode esconder isso, ou
realmente não voltar mais a fazê-lo.

O pedófilo tem uma fixação por alguma criança atendendo, por exemplo, sejam crianças
em situação de perícia, sejam crianças em situação de entrevista, se a gente faz uma
sessão conjunta do pai com essa pessoa, com esse abusador, a pedido de um juiz. É
diferente a fixação que esse pai tem pela criança na hora do contato, ali, porque ele está
provavelmente, muitas vezes, impedido de estar perto dessa criança e há uma
necessidade assim realmente diferente, intensa dessa aproximação. Só para dar um
exemplo, um pai assim que terminou a sessão; ele, a mãe e a criança, que era uma
sessão para poder ver essa ligação, ele traz uma pergunta no final, ele não se conteve, ele
dizia assim, ‘eu posso dar um beijo em você?’ Ali, na frente do psicólogo, na frente da
mãe, ele tem a vontade de ter uma aproximação física, apesar da proibição jurídica.”

Devemos salientar, a partir da contribuição de Dalka Chaves, que a análise do


comportamento agressor se faz de distintas maneiras, cada qual no seu âmbito e natureza de
intervenção.

6.1.1) Marcos situacionais

É premente, na sociedade brasileira, o clamor para o acirramento das leis penais, diante
de qualquer comportamento abusivo contra direitos da pessoa humana. Por vezes, objeto de
grande explicitude midiática, determinado comportamento criminoso toma proporções que chegam
a escondê-lo em sua real dimensão de causas e efeitos. Nesse sentido, é comum a propagação
de sentimentos de cidadania virtual (SALES, 2004), constituinte do fluxo de comunicação midiático
entre os telespectadores das emissoras de grande audiência, fluxo responsável pela emissão de
informações que emolduram e recheiam o saber popular das grandes cidades urbanas, que, por
si, compõem a colcha de retalhos das “opiniões públicas”, haja vista serem as grandes
propulsoras, receptoras e fixadoras de pensamentos naturalizados.

Assim, a Pedofilia não passa ilesa nessa dinâmica que segrega, analisa e julga
comportamentos, lícitos ou ilícitos. Diversas reportagens impressas, televisivas ou eletrônicas
referem-se a “casos de pedofilia”, naturalizando-as, por si, como crimes, ancoradas em periódicas
e chocantes situações de violência sexual contra crianças (em especial) e adolescentes. Exemplo
disso é a gritante explosão de notícias que veicularam fato ocorrido no município de Catanduva
(SP), diante do que espectadores do país afora voltaram sua atenção primeira. As crianças
vítimas e suas famílias tiveram suas histórias devassadas, sem o devido cuidado com alguns
suspeitos, suas vidas foram desmanteladas, e, por fim, pouco do produzido na consciência
popular da cidade foi evidenciado nas mesmas mídias que dispararam o caso, a não ser o alívio
na responsabilização de um ou outro envolvido.

Com isso, não se quer amenizar os efeitos do conflito existente entre gerações e gêneros,
característica da Pedofilia(5). E, menos, ainda, desviar-se do foco da violência extrínseca ao
desejo sexual, somente pretendemos aclarar que este não perfaz o único elemento a merecer a
atenção desta CPI – por isso, a ampliação do foco. Quer-se, logo, analisar o atendimento no
município dos direitos das crianças e adolescentes que tiveram seus direitos sexuais
desrespeitados, por meio de práticas provenientes ou não da volúpia sexual característica da
pedofilia.

Obviamente, não podemos nos render às notícias veiculadas nas mídias de grande
audiência, como se a verdade viesse somente delas. No entanto, valem como paradigma de
informação a fomentar as produções de subjetividades, desde as conversas de bairro, até mesmo
os atos legislativos de grandes parlamentos, como este do qual se relata, ou o expedido no
Senado Federal, no qual se inaugurou um exemplo de iniciativa de apuração de atos de violência
sexual contra os mais jovens: CPI da Pedofilia, sob condução do Senador Magno Malta, com a
seguinte finalidade:

04.03.2008

REQUERIMENTO Nº 200 de 2008: Requerem, em conformidade com o art. 145, do


Regimento Interno do Senado Federal, conjugado com o art. 58, da Constituição Federal, a
criação de uma comissão parlamentar de inquérito, composta de 7 membros e igual
número de suplentes, com o objetivo de investigar e apurar a utilização da internet para a
prática de crimes de "pedofilia", bem como a relação desses crimes com o crime
organizado, com a duração de 120 dias, estimando-se em R$ 400.000,00 (quatrocentos
mil reais) os recursos necessários ao desempenho de suas atividades. (VOLUME VII)(6)
Esta CPI do Senado Federal fora instalada, com a escolha do vice-presidente Romeu
Tuma (SP) e do Relator Demóstenes Torres (GO), aos 25 de março de 2008, e prorrogada aos 23
de setembro de 2009. Ainda em andamento, um dos produtos dessa CPI foi o projeto de lei do
Senado de número 250, posteriormente convertido em Lei n.º 11.829, de 25 de novembro de
2008, que:

“Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção,


venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse
de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.

Trazemos aqui esta CPI Federal, pois a sua instalação e andamento se dera como divisor
de águas para introduzir e trazer à sociedade, através dos meios midiáticos, a questão da
violência sexual. No entanto, a sua tratativa se deu de forma escancaradamente equivocada em
relação à pedofilia, conceito que fora demasiadamente alargado por esta esfera parlamentar – e
em conseqüência pela mídia – de forma a abarcar todas as situações de violação de direitos
sexuais de crianças e também de adolescentes. A partir de então este modelo – CPI da Pedofilia
– passou a ser copiado por outras Casas Legislativas em todo país, ampliando-se e cristalizando-
se o equívoco, o qual tentamos com muitos esforços e empenho aqui desmistificar, buscando
acertar o caminho e o foco investigativo.

Enfim, partamos para outro ambiente, que se sustenta pelo estudo teórico-prático das
causas e efeitos da violência sexual como um todo.

6.1.2) Marcos Teórico-prático: sanitário e normativo

Para iniciarmos esse capítulo, vale introduzir a temática com breves apontamentos sobre
as naturezas de violências familiares:

“Como fatores individuais, a gente pode ver que às vezes os filhos, também, têm
características que decepcionam esses pais e isso é motivo para uma certa agressão. Por
exemplo: filhos prematuros, deficientes, filhos que têm problemas graves de saúde,
hiperatividade, rebeldia, tudo isso pode levar a uma dificuldade no vínculo. Fatores
situacionais de estresse na família: violência estrutural, pobreza, excesso de filhos,
isolamento social; crises familiares: separação, morte, gravidez indesejada, desemprego.
Fatores socioeconômicos: pouco contato com a família extensa, pouca interação social
na vizinhança, no trabalho e na escola, pouco acesso às instituições de saúde, educação,
lazer, de comunidade, pouca expectativa e mobilidade social. A família se isola porque é
mais fácil ela cometer violência longe dos olhos de toda essa rede. Fatores políticos: a
gente também vê falhas na elaboração e execução de políticas públicas, a gente gostaria
de ter um sistema mais operativo. Fatores culturais: atitude perante a infância de
violência, de castigo, discriminação com mulheres, com a sexualidade, regulamentação
das relações entre sexos e entre gerações.” (Dalka Chaves – s. 26.03)

Agora, seguimos para um breve apanhado sobre as recentes significações e percepções


acerca da Violência Sexual, pois, previamente à valoração do comportamento “pedófilo”, é
necessária a recuperação de seus conceitos, conforme arduamente explanado na apresentação
das exposições conceituais dessa CPI.

Segundo a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo,

Apesar de definida pela Organização Mundial de Saúde como problema de saúde


pública, a violência ainda não está incorporada nos programas de ensino universitário,
particularmente os das faculdades de medicina. Poucos profissionais de saúde recebem,
durante as diferentes etapas de sua formação, conhecimentos sobre violência de gênero
ou capacitação para prestar atendimento apropriado. [SAÚDE, 2009]

É nítida a intenção do texto – de contribuição de JEFFERSON DREZETT (Diretor Técnico


do Núcleo de Atenção Integral a Mulher em Situação de Violência Sexual), convidado desta CPI,
na data de 30 de abril – ao situar a Violência no campo das relações sociais sanitárias. Não
devemos nos esquecer, ademais, que, ao mesmo tempo, tem a atenção do legislador, na melhor
tentativa para o provimento da garantia de direitos humanos.

Mais especificamente, trata o mesmo texto da Violência Sexual:

A violência sexual é um fenômeno universal que atinge mulheres de todas as classes


sociais, etnias, religiões e culturas. Ocorre em países de diferentes níveis de
desenvolvimento econômico e social, e em qualquer etapa da vida da mulher. Estima-se
que a violência sexual atinja 12 milhões de pessoas a cada ano no mundo. [destaque do
Relator]

Nesse excerto, é evidente o trato sobre o tema da violência voltada a atacar o direito à
sexualidade da mulher, elencada, nas estatísticas de violência de gênero, como o alvo-vítima da
maior parte das manifestações de violência física e psicológica. No entanto, assegura o texto que:

Crianças e adolescentes enfrentam situação igualmente preocupante (...) No Brasil, o


Ministério da Justiça registra, anualmente, cerca de 50 mil casos de violência sexual
contra menores de 18 anos de idade(7). Em agravo, o abuso sexual mantém fortes
relações com a exploração sexual comercial de crianças e de adolescentes. (...) No Brasil,
o diagnóstico do tráfico de mulheres encontra que, na maioria dos casos, as envolvidas
são afrodescendentes com idade entre 15 e 25 anos. Mais de 131 rotas de tráfico estão
identificadas, alcançando 932 municípios e localidades brasileiras. Em todos esses casos,
crianças e adolescentes têm seus direitos fundamentais desrespeitados, transformando
corpos em objeto e mercadoria de troca. [destaque do Relator]

Segundo o Hospital Perola Byington(8), Núcleo AVS, em coleta sobre os dados de


atendimento, conclui-se que entre 1994 e 2008, constituíram-se no estabelecimento 18.740 casos
de “violência e abuso sexual”, sendo 6.350 crianças (33,9%) e 5.616 de adolescentes (29,9 %),
totalizando em 63,8% dos casos dessas práticas contra o público infanto-juvenil. Ou seja, para
além do número absoluto de pessoas que deram entrada no Hospital, está a relação entre
menores e maiores de 18 anos.

E conclui o texto, unindo as pontas e afirmando ser a violência sexual um problema


inescapavelmente de saúde pública:

Os indicadores epidemiológicos e de conseqüências para a saúde são suficientes


para qualificar a violência sexual como problema de saúde pública. Nesse aspecto, o
impacto da violência sexual se fundamenta nos traumas físicos, nas seqüelas das DST, na
morbidade da infecção pelo HIV, e no agravante da gravidez decorrente da violência
sexual. Em situações extremas, parte dos crimes sexuais pode se associar com danos
físicos severos que acarretem na morte. A prevalência de doenças sexualmente
transmissíveis (DST) em situações de violência sexual é elevada, resultando em taxas de
infecção entre 26 a 58%. (SAÚDE, 2009) [destaque do Relator]

O texto, notadamente pela autoria e editoração, pretendeu significar a violência sexual sob
o aspecto sanitário, sem negar, no entanto, outras facetas de sua constituição, pois, acima de
tudo, prevemos que essa Violência tem expressiva natureza “Multicausal”.

Outro estudo demonstra que a Violência Sexual:

incide predominantemente nas pessoas do sexo feminino, sendo que cerca de dois terços
dos casos são de crianças nas faixas etárias abaixo de dezesseis anos. (PAI:02)

Nesse sentido, é o presente Relatório para, além de informar os cidadãos acerca dos
mecanismos de composição de conflitos violentos, mormente anunciados na forma da Violência
Sexual, provocar reflexões sobre a Situação, as Produções Teóricas e Práticas que alimentam e
se alimentam dos comportamentos humanos e institucionais na garantia de direitos. Para tanto,
cabe, no momento, destrincharmos a principais expressões de Violência Sexual, tanto as
tipificadas na legislação em vigor – diante do que se pode proceder ao adequado tratamento
normativo – quanto as vislumbradas na doutrina e na literatura, ausentes das normas legais.

São algumas das formas mais comuns de Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes: o Abuso Sexual, a Exploração Sexual Comercial, o Tráfico de Pessoas para fins de
exploração sexual, o Turismo Sexual, a Pornografia Eletrônica de Crianças e Adolescentes, entre
outros modos de exposição de cunho sexual (voluntário ou involuntário) dos menores de 18 anos.
Quanto à Exploração Sexual Comercial, ainda teríamos uma classificação paralela:

“A gente coloca na ESCCA ainda o turismo sexual, que, como vocês vão verificar
provavelmente ao longo dessa CPI, não é só de turistas estrangeiros; ao contrário, o
turista nacional é um grande consumidor desse tipo de turismo. O problema de falar sobre
informações é que a gente tem informações e a gente não consegue comprová-las por
falta de um diagnóstico mais preciso.” (Glória Maria – s. 26.03)

Glória Maria, na mesma sessão em que enfatiza a falta de Diagnóstico sobre a questão na
cidade paulista, ainda insere a prática de Tráfico de Seres Humanos como uma corriqueira
modalidade de Exploração Sexual Comercial.

Interessa-nos, conforme tratado nas sessões de plenário desta CPI, aprofundar o estudo
sobre o Abuso Sexual, Exploração Sexual Comercial contra Crianças e Adolescentes e
Pornografia Eletrônica de Crianças e Adolescentes.

6.1.3) Algumas formas de Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes

6.1.3.1) Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes

Ao adentrarmos, com particularidades, no âmbito da Violência na forma do Abuso Sexual,


precisamos distinguir duas expressões principais: intra-familiar e extra-familiar. O abuso intra-
familiar é aquele que ocorre no âmbito doméstico e/ou com pessoas de convivência familiar. Já o
abuso sexual extra-familiar se dá na exclusão dos dois requisitos anteriores, diferenciando-se, no
entanto, da violência submetida à relação econômica (direta ou indireta). Interessou, em demasia,
a esta CPI a conjuntura relacionada ao abuso sexual intra-familiar, conforme se anota.

Recentes pesquisas confirmam alguns posicionamentos de estudiosos e profissionais da


área, além, claro, dos tantos gritos de crianças e adolescentes cotidianamente, em diversos
lugares do país, violentadas no seu direito ao desenvolvimento sexual saudável.

Uma das particularidades que se deseja explorar é a natureza sigilosa dos atos violentos
contra crianças e adolescentes:

Embora investigações consistentes definam contornos confiáveis do problema, a exata


prevalência do abuso sexual e de suas conseqüências ainda é desconhecida.

(...)

Ameaça, vergonha, ou humilhação são fatores decisivos para ocultar a violência sexual
sofrida. Há dados consistentes de que o problema da subnotificação se agrava quando o
agressor é conhecido pela vítima, como ocorre no abuso sexual intrafamiliar na infância ou
adolescência. Nesses casos, o perpetrador se vale de sua posição privilegiada no núcleo
familiar, da autoridade e do temor reverencial de que é investido para garantir que o abuso
permaneça crônico e oculto por longo período, mecanismo conhecido por “conspiração do
silêncio” ou “pacto do silêncio (DREZZETT et al., 2004:05)

Dalka Chaves (s. de 26 de março) fez a seguinte observação: “A gente costuma dizer que
essa é a ponta do iceberg, porque existe um manto de silêncio que cobre tudo isso”.

Algumas lacunas no conhecimento sobre Abuso Sexual persistem em anuviar o


entendimento e, portanto, a efetiva proteção de crianças e adolescentes. Desde pronto, notamos
que alguns sentimentos auto-repressores da iniciativa de denúncia e proteção junto às instituições
estatais são fundamentais para consolidarem os dados de subnotificação. Em outras palavras, a
subnotificação de fatos delituosos pode ser concebida pelo instituto da “cifra oculta” (ANCED,
2009: 138), título referente ao conjunto de inúmeras informações que não chegam aos organismos
de Estado, ou não proporcionam, na sua integralidade, que se rode a esteira processual de
proteção e responsabilização. Peculiarmente no caso, o Abuso Sexual é menos notificado ainda –
chegando a 2% dos casos contra crianças e adolescente a serem noticiados aos órgãos públicos
(PAI) - especialmente por conta da predominante relação familiar entre vítima e agressor, bem
como, por conseqüência, da intimidação que este emprega àquela. Assim, podemos perceber a
baixa contribuição que o Sistema de Justiça oferece ao enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes, em sua modalidade abuso, pois, segundo os dados 98% deste tipo de
violação de direito nem ao menos chegam a este Sistema, por isto frisamos o nosso acerto em se
focar nas políticas públicas de atendimento existentes no município, visando a garantia dos
direitos humanos das crianças e dos adolescentes de forma imediata, ou ainda, preventivamente.

Espelho inverso da Notificação é o silêncio, como vimos, propulsor da permanência dos


atos violentos. Segundo Drezzett (s. 30.04):

“A maioria dos casos ainda se mantém escondidos (sic), protegidos ou, de certa forma,
ocultados por aquele muro de silêncio, aguardando por vezes apenas o agravamento
crítico da situação para ser percebido. O que aconteceu recentemente em Pernambuco
demonstra o quanto isso é verdadeiro. Se aquela criança de nove anos não tivesse
engravidado do seu padrasto, possivelmente, estaria neste momento sofrendo abuso, sem
que ninguém soubesse. Foi preciso um fato crítico para que aquilo se expusesse ao
conhecimento das pessoas e que pudesse ser feita uma intervenção”

Outro fator importante, quando do empenho solitário da vítima junto aos órgãos do sistema
de justiça, é seu itinerário por diversas instâncias de autoridades públicas, muitas delas nem
sempre sensíveis ou conhecedoras do assunto. A quantidade de interlocutores aos quais a vítima
deve se reportar, bem como a qualidade, por vezes insatisfatória, do atendimento que lhe é
destinado fazem esmorecer seu intento, seja pela ausência de ouvidos atentos, seja pela
ignorância ou preconceito de autoridades judiciais perante a questão, gerando-se na vítima,
inclusive, sentimentos de constrangimento e medo. Isso é característico da interface entre Saúde
e Justiça, pois, se ambos caminham isoladamente de modo razoável, quando unidos em uma
única causa, “não se observa igual desenvolvimento nas relações colaborativas entre os setores
da saúde e do direito” (DREZZETT, 2004: 06).

Assim, relata-se que:

(...) no Estado de São Paulo, a ausência de efetiva integração entre as diversas


instituições envolvidas no atendimento a essas vítimas constitui o principal obstáculo ao
atendimento adequado, resultando em ações que apresentam objetivos e métodos muitas
vezes contraditórios ou redundantes, realizados de maneira pontual e não integrada. (PAI:
03)

Entre os resultados de uma pesquisa citada no texto Contribuição ao estudo do abuso


sexual contra a adolescente: uma perspectiva de saúde sexual e reprodutiva e de violação de
direitos humanos. Adolescência e Saúde, 1(4):31-9, 2004, temos que os primeiros sinais
preponderantemente conclusivos do abuso sexual são:

• O estupro, de forma isolada ou associada a outros crimes, ocorreu em 63,1% dos casos;

• A cronicidade do abuso sexual (...) revela que em 79 casos (90,8%) o abuso sexual foi
praticado duas ou mais vezes em diferentes episódios e pelo mesmo perpetrador;

• Em 87,4% dos casos, o abuso sexual ocorreu dentro de espaços privados, como a
residência da adolescente [66,7%] ou do agressor;

Notório, portanto, um caráter do Abuso Sexual: “Nossos resultados são consoantes com a
literatura, que descreve o abuso sexual na adolescência como fenômeno notadamente
intrafamiliar” (DREZZETTI, 2004: 11)

Além do mais, um outro dado extremamente preocupante, e justamente por isso é


imprescindível ressaltar, diz respeito à constância do abuso, significando com isto que esta
violação, em geral, se dá de forma repetitiva, não configurando-se em um único e pontual ato
violento, sendo que por muitas das vezes ofende integridade e a sexualidade das crianças e
adolescentes por anos consecutivos até que se cessem.

Glória Maria (s. 26.03) consente, por meio de linguagem mais simples e objetiva:

“Só para resumir, de uma forma mais simplificada, para a gente falar a mesma língua, a
gente considera abuso sexual aquele abuso que acontece em geral dentro da família
de modo genérico, é o intrafamiliar, (...) mas que não envolve remuneração. Então, a
gente trabalha com essa idéia do que seja abuso sexual”.
Essa característica intrafamiliar também é reforçada por Dalka Chaves. No que tange,
especificamente, ao comportamento do portador de Pedofilia, Chaves, a partir de leitura da obra
Abuso Sexual em Crianças(9), aduz que

“aqui para se entender um pouquinho a compulsividade quando existe a situação do


pedófilo que é compulsivo. Um traço, não são todos os abusadores que tem esta Síndrome
de Adição, mas segundo o teórico que fez esta avaliação, o Furniss, existe uma fantasia
que ele tem na cabeça, ele planeja esse aliciamento, ele se excita, ele abusa, tem o alívio,
depois começa tudo de novo, uma tensão, e esse ciclo vai alimentando a patologia”.

(...)

“Primariamente, não há prazer, mas alívio de tensão. Excitação e gratificação sexual levam
à dependência psicológica e à negação da realidade. Então, tem uma compulsão à
repetição e sentimento de culpa.”

Notório, também, o conjunto de sintomas apresentados quando do cometimento –


ocasional ou repetitivo, conforme o caso – de abuso sexual:

“É muito comum uma criança, que passa por violência sexual, ter enurese, encoprese.
Consequências físicas – continuando – hemorragias vulvares, anais, presenças de sêmem
na roupa da criança, dor e infecção urinária, vaginais, problema de DST, gravidez precoce.
Conseqüências psicológicas: transtorno do stress pós-traumático, baixa auto-estima,
apatia, agressividade, medo, isolamento, enurese, encoprese. Existe, além de tudo isso,
um despertar dessa criança para, também, se aproximar da questão das drogas, de outro
tipo de prática, ela vai reproduzir a questão que ela está vivendo. E, principalmente, ela
pode ter reações de depressão, agressividade, pode levar ao suicídio. (Dalka Chaves – s.
26.03).

Já no tocante à vítima, sob a perspectiva de gênero, Dalka apela para a atenção que
também se deve destinar aos meninos:

“Eles vão ter dificuldade para buscar ajuda da pessoa protetiva, no caso a mãe não
abusiva, vão ter bloqueio ou exacerbação do seu impulso sexual, confusão na identidade
sexual, agressividade ou apego em relação ao agressor, dificuldades nos adolescentes em
estabelecer uma relação aberta e positiva com as meninas.”
De fato, é significativa a quantidade de casos de abuso sexual intrafamiliar. E, expressiva a
explicação que classifica como Abuso Sexual tal forma de violência: sem remuneração em jogo,
fato é que outras moedas de troca – ou elementos meramente hierárquicos no seio da família ou
vizinhança – são compreendidas nas relações, por vezes afetuosas, entre adultos agressores (ou
coniventes) e crianças e adolescentes vítimas (“quanto mais velho o agressor, mais forte a
hierarquia de poder, mais evidente a fragilidade dessa barreira intergeracional – Dalka Chaves – s
26.03).
Anunciado como mecanismo de proteção da criança e do adolescente no ambiente de
apuração de fatos delituosos, o Depoimento sem Dano vem a ser um instrumento bastante
debatido em nível nacional, eivado de opiniões favoráveis e contrárias:
“E eu sei que esse nome foi extremamente criticado, mas não importa o nome; atualmente
o pessoal está chamando de Depoimento Protegido. O fato é que é uma maneira de
respeitar a Convenção dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, de dar voz
para a criança no Tribunal” (Lucia Cavalcanti – s. 30.04)
Com pouca expressividade nas sessões desta CPI, o instituto do Depoimento sem Dano
(DSD), ainda assim, merece espaço neste Relatório – antes mesmo de sua implementação – nas
discussões sobre possibilidades de se evitar ou amenizar a perpetração de violência institucional
contra crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais.
Implantado, em maio de 2003, na 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, o DSD
passou a se desenvolver por meio de dispositivos que, em tese, procuram evitar a exposição
física e psicológica dos jovens frente aos atos judiciais de apuração de fatos e instrução criminal.
Atualmente, é alvo de discussões em nível nacional, pelo que o PL nº 4126/2004, atual
PLC 35/2007, de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário (RS), já fora objeto de diversas
audiências públicas e plenárias na Câmara dos Deputados.
O Depoimento sem Dano, assim, passa por muitas críticas elogiosas ou depreciativas,
porquanto pretende, de um lado, amenizar, ao menos, o teor violento das inspeções e audiências
criminais; mas, de outro, não discute a real importância dos profissionais escalados para sua
prática, bem como do próprio sistema criminal. Em outras palavras:
Há um consenso de que há que se implementar algo que diminua as situações de
revitimização que violam direitos, mas não há um consenso de que a proposta
apresentada pelo PL seja a melhor possível. Entende-se que o PL que tramita no Poder
Legislativo não ataca algumas causas de sofrimento de crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual porque se detém em apresentar uma metodologia e não uma reforma de
um sistema que viola direitos. (ANCED, 2009)
As normas brasileiras, em geral, perfazem dois aspectos cruéis do problema da violência
sexual contra crianças e adolescentes. De um lado, de posse das denúncias e dos dados
sobre a violência, o Estado não promove a proteção da vítima, conduzindo-a a outro
processo de vitimização. Por vezes, no entanto, é dado andamento ao processo, mas sem
o devido cuidado com a vítima, considerando-a tão somente como fonte de informações do
processo penal, maltratando a vítima sob o argumento da necessidade de punir o agressor
ou agressora(10).
É preciso, assim, acautelarmo-nos sobre as discussões referentes ao Depoimento sem
Dano, aperfeiçoando posicionamentos em prol, sempre, dos direitos da criança e do adolescente.
E isso, especificamente, manteve-se a desejar nas sessões desta CPI.
Resta, portanto, atentarmo-nos para a dificuldade dos mecanismos institucionais de
prevenção, bem como de responsabilização, bem como para outras maneiras de proteção familiar
dos mais jovens, estratégias peculiares ao meio de vida das diversas populações brasileiras.

6.1.3.2) Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes

A temática “Exploração Sexual Comercial” vem sendo atendida com intensidade sob o
recorte etário. Tem sido prioridade nas políticas nacionais a exploração de crianças e
adolescentes, para fins econômicos ou não.

Devemos lembrar que a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho da


Organização das Nações Unidas (OIT - ONU) enquadra a Exploração Comercial Sexual
(“Prostituição”) de Crianças e Adolescentes como uma das “piores formas de trabalho infantil”.
Para além da referência mundial, a Convenção 182, nos termos do artigo 5, §§ 2º e 3º, da
Constituição Federal, fora recepcionada e, portanto, transformada em normativa nacional, por
meio do Decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000, que menciona ipsis literis a norma
internacional:

Artigo 3.

Para efeitos da presente Convenção, a expressão ‘as piores formas de trabalho infantil’,
abrange:

(...)

b) a utilização, o recrutamento ou oferta de crianças para a prostituição, a produção de


pornografia ou atuações pornográficas;”

Não podemos esquecer que o principal documento sobre os direitos da criança e do


adolescente ratificado pelo Brasil é a Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança(11), a partir do qual se tratou o tema específico no Protocolo Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia
Infantil.

Nesse sentido, vale apresentarmos, brevemente, dados da PNAD 2001 (Pesquisa


Nacional por Amostra de Domicílios), na qual, ampliando-se a faixa etária infantil para pesquisa
sobre o trabalho, conclui-se o seguinte:

O número de crianças de 5 a 14 anos de idade ocupadas continuou apresentando


tendência de declínio. De 1999 para 2001, o contingente de 5 a 14 anos de idade ocupado
baixou em 739 mil crianças, representando uma queda de 13,3% em média anual. A
participação das crianças ocupadas no total do grupo etário de 5 a 14 anos de idade caiu
de 9,0% para 6,8% de 1999 para 2001. Em 1992 este indicador estava em 12,1%.

De 1999 para 2001, a proporção das crianças que trabalhavam reduziu-se de 2,4% para
1,8%, no grupo de 5 a 9 anos de idade, e passou de 14,9% para 11,6%, no grupo de 10 a
14 anos de idade. Em 1992, este indicador estava em 3,7% para o contingente de crianças
de 5 a 9 anos de idade e em 20,4% para o de 10 a 14 anos de idade.

Constatou-se ainda que o diferencial entre os gêneros foi mantido. De 1999 para 2001, a
proporção de crianças ocupadas no contingente de 5 a 14 anos de idade baixou de 11,8%
para 9,1% entre os meninos, e de 6,0% para 4,5% entre as meninas.

A mão-de-obra infantil está mais concentrada em pequenos empreendimentos familiares,


especialmente no setor agrícola, e desenvolvendo trabalhos sem contrapartida de
remuneração. Em 2001, a atividade agrícola detinha 58,7% das crianças ocupadas de 5 a
14 anos de idade. No grupo etário de 5 a 9 anos este percentual atingiu 75,9%, e no de 10
a 14 anos de idade ficou em 56,0%.

No entanto, conforme se observa, não há uma abordagem específica acerca da exploração


sexual comercial, tampouco sobre o trabalho no tráfico de drogas, outra das piores formas de
trabalho infantil definidas pela Convenção citada.

Isso é um exemplo da escassez de estudos e mapeamento que até então se fazia vigente
no campo das políticas públicas de enfrentamento à violência sexual.

Assim, em contraposição à ausência de atenção especial à causa que afeta milhões de


crianças e adolescentes no mundo, nasceram os I, II e III Congressos Mundiais de Enfrentamento
à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Estocolmo, Suécia, 1996; Yokohama, Japão,
2001; Rio de Janeiro, 2008). O Brasil participou dos três, a partir do que, dada a natureza dos
casos, compreendeu-se que o enfrentamento à violência sexual (mais ampla que exploração
sexual comercial, pois inclui abuso sexual, tráfico de pessoas e pornografia real e eletrônica) deve
ser realizado pela articulação entre organizações civis e governamentais nas três esferas
administrativas. Nascem, então, como principais documentos oficiais, os Planos de Enfrentamento
da Violência Sexual Infanto-Juvenil, municipais, estaduais e federal.

É no Encontro Nacional de Natal (RN), em 2000, que diversos atores sociais e públicos
elaboraram o primeiro Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil,
homologado, no mesmo ano – em comemoração aos 10 anos do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) -, pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA). Um novo movimento eclodia nas esferas nacionais de articulação política social.
A Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes passa a ser assim definida:

A Exploração Sexual caracteriza-se pela utilização sexual de crianças e adolescentes com


a intenção do lucro ou troca, seja financeiro ou de qualquer outra espécie. A exploração
sexual pode ocorrer de quatro formas: em redes de prostituição, pornografia, redes de
tráfico e turismo sexual.(12)

De outro modo, explica Gloria Maria (s. 26.03):

Na exploração sexual comercial (...), há sempre uma remuneração que pode ser em
dinheiro ou pode ser (...) troca de favores. Por exemplo, as crianças que vivem em
situação de rua, que trocam muitas vezes sexo por proteção policial ou que trocam sexo
por uma noite num hotel, ou que trocam sexo por um prato de comida, ou, realmente, uma
coisa de receber dinheiro, receber presentes, coisas assim.

Rebatendo a nomenclatura “Prostituição”, diferencia Glória:

“Nas modalidades que a gente enxerga como de exploração sexual, a gente inclui a
chamada prostituição infantil, que é um termo que a gente não aceita; eu só estou
usando porque é de mais fácil compreensão. A gente não aceita esse termo porque a
gente acha que criança jamais pode ser considerada se prostituindo; ela é, na
verdade, prostituída, ela é usada.

Cumpre salientar, para consolidação das diferentes nomenclaturas e concepções, que:

“(...) a grande parte dos abusadores e dos exploradores sexuais não são pedófilos,
eles são simplesmente exploradores sexuais. Quando a gente fala de exploração
sexual, a gente fala também, muitas vezes, de uma rede criminosa, muito bem
organizada, a rede que pega essas crianças, que mantém essas crianças e adolescentes
em locais que eles estabelecem, muitas vezes vivendo como semi-escravos, enfim. Então,
existe uma rede criminosa muito bem organizada (...)” (Glória Maria – s. 26.03).

Esclarecida, mais uma vez, a diferença entre formas de violência sexual, prosseguimos no
diagnóstico técnico-normativo.

Em 2001, implantam-se os primeiros programas Sentinela, com o objetivo de

“atender – no âmbito da Política de Assistência Social, através de um conjunto articulado


de ações – crianças e adolescentes vitimados pela violência com ênfase no abuso e
exploração sexual” (Portaria nº 878, de 3 de dezembro de 2001)”.

No ano de 2002, destaca-se a realização da Pesquisa Nacional sobre o Tráfico de


Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual (PESTRAF), que elabora um
mapeamento das redes e rotas de tráfico de pessoas para os fins mencionados, no país inteiro,
denunciando, portanto, a existência e o fluxo de migração e exploração do público ainda deveras
discriminado cultural e socialmente.

Nesse ano, ademais, implanta o Programa Ações Integradas e Referenciais de


Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR), sob a seguinte
perspectiva:

O PAIR constitui-se em uma metodologia de articulação de políticas e de intervenção de


redes, assentada na Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente, tendo por
base os eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. A
metodologia do Programa foi construída e vem sendo desenvolvida consoante ao art. 86
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê que a política de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente ‘far-se-á através de um conjunto articulado de
ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios’ Rio Branco-AC, Manaus-AM, Feira de Santana-BA, Corumbá-MS,
Campina Grande-PB e Pacaraima-RR.

São os seguintes objetivos estratégicos do PAIR:

a) integrar políticas para a construção de uma agenda comum de trabalho, entre governos,
sociedade civil e organismos internacionais, visando ao desenvolvimento de ações de
proteção a crianças e adolescentes vulneráveis ou vítimas de violência sexual e tráfico
para fins sexuais; e,

b) desenvolver metodologias exitosas de enfrentamento à violência sexual contra crianças


e adolescentes, que possam ser disseminadas para outras regiões brasileiras,
referenciadas na organização, no fortalecimento e na integração dos serviços locais,
possibilitando a construção de uma Política Municipal de Proteção Integral à Criança e ao
Adolescente, assegurada a participação social na construção de todos os processos.

O PAIR, independente de sofrer adequações para atender às especificidades de cada


município, pode ser pensado como uma metodologia de fortalecimento de redes locais e
serve como referência de uma prática integrativa de políticas públicas, serviços e
programas que comportam um percurso passível de ser descrito, composto das seguintes
estratégias:

a) Articulação Política e Institucional;

b) Diagnóstico Rápido Participativo (DRP);

c) Diagnóstico Estrutural;
d) Seminário Municipal para Construção do Plano Operativo Local;

e) Capacitação da Rede;

f) Assessoria Técnica – presencial e a distância;

g) Site;

h) Monitoramento e Avaliação dos Pactos com a Sociedade.

(PAIR, 2008)

O PAIR, portanto, trata-se de uma metodologia de trabalho desenvolvida com especial fim
de articulação política e produção de conhecimento junto às redes sociais e públicas locais das
três esferas federativas brasileiras. Deixa, ainda, a desejar por contemplar um inexpressivo grupo
de municípios, diante da demanda globalizada e generalizada no país.

Outra ação expressiva em nível nacional foi a elaboração da Matriz Intersetorial de


Enfrentamento da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, em 2005.

De aplicação realizada sob a parceria entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos da


Presidência da República (SEDH), UNICEF, a Comissão Intersetorial de Enfrentamento do Abuso
e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e do Violes (Grupo de Pesquisa sobre Violência
e Exploração Sexual Comercial de Mulheres, Crianças e Adolescentes) do Departamento de
Serviço Social (SER) da Universidade de Brasília (UnB), a Matriz Intersetorial visava a

analisar a situação da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, assim


como as políticas públicas destinadas a enfrentar o fenômeno, além de subsidiar a
ampliação de uma política de enfrentamento da ESCCA.

Entre as conclusões que se pôde extrair do documento oficial (SEDH), temos que:

o fenômeno se distribui por todas as regiões do país, sem qualquer distinção entre cidades
de maior ou de menor concentração populacional; entretanto, pode-se dizer que se
verificar uma crescente interiorização da exploração sexual.

(...)

Para lograr resultados, é preciso superar a fragmentação das ações e programas,


articulando-os mediante o trabalho compartilhado e intersetorial, tanto no campo das
políticas públicas, quanto na integração e fortalecimento do Sistema de Garantia de
Direitos. Para enfrentar a impunidade, deve-se proceder à capacitação de todos os
profissionais envolvidos na defesa e responsabilização e, ao mesmo tempo, desenvolver
as ações da Matriz relacionadas com a legislação.
(...)

Entretanto, o desafio continua sendo o aprofundamento desta experiência não só no plano


do Governo Federal, mas também dos Estados e, principalmente, dos Municípios já
identificados, sem deixar de contar com o apoio da sociedade civil, dos setores
empresariais, da cooperação internacional que tem sido uma parceira histórica nesta luta,
para juntos atingirmos a meta de desmobilizar, nestas localidades, a exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes.

Um campo de desafios propositivos foi apresentado na Matriz Intersetorial, com o fim de


despertar na sociedade e nos governos a sensibilização e mobilização, para as seguintes ações:

A Matriz, como ferramenta de construção de políticas públicas, requer encaminhamentos


que possam consolidar o trabalho sistematizado. Entre as ações previstas, destacamos:

• Mobilização dos municípios listados para revisão dos dados e dos programas e
serviços locais;

• Potencialização, nas localidades, dos programas federais listados na Matriz, de


acordo com as necessidades constatadas;

• Estabelecimento de metas específicas para as áreas indicadas, juntamente com


todos os ministérios envolvidos, em diálogo com Estados e Municípios, visando o
fortalecimento de “Planos Locais de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-
juvenil”;

• Definição do orçamento necessário para realizar as metas estipuladas, levando em


consideração as previsões orçamentárias federais, estaduais e municipais;

• Articulação permanente das instituições parceiras – sociedade civil, organização


não-governamentais, cooperação e agências internacionais – para garantir uma
ação sustentada;

• Disponibilização online de instrumentos elaborados a partir da Matriz de modo a


criar um canal permanente com os atores envolvidos, através de ferramentas
interativas.

• Elaboração de mecanismos de acompanhamento, monitoramento e avaliação do


impacto dos programas e ações que visam a erradicação da ESCCA.

Muito embora diversos documentos tenham sido elaborados, em ações pontuais ou


contínuas, exigiam-se instâncias permanentes para a devida implementação dos Planos, bem
como a fiscalização, perante o Poder Público, das atividades designadas aos respectivos
responsáveis.

Nesse rumo, aos 11 de outubro de 2007, o Presidente da República Luís Inácio Lula da
Silva decretou a instituição da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual
contra Crianças e Adolescentes, com a “finalidade de articular ações e políticas públicas em
consonância com o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes”, prevendo, como uma das atribuições, “integrar políticas públicas, tendo como
referência o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil aprovado pelo
CONANDA (art. 3º).

Constitui a Missão da Comissão: Monitoramento, Avaliação de Políticas e Implementação


do Plano Nacional de Enfrentamento. Uma das formas de descentralização das ações da
Comissão é a criação de Grupos Focais em cada estado brasileiro.

Elaborado em 2002, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-


Juvenil passa a ser implementado efetivamente, pela Comissão Intersetorial, conforme uma de
suas atribuições. O Plano Nacional apresenta como objetivo geral, o estabelecimento de um
“conjunto de ações articuladas que permita a intervenção técnico– política e financeira para o
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes”. Divide-se em seis eixos
estratégicos, quais sejam: Análise da Situação, Mobilização e Articulação, Defesa e
Responsabilização, Atendimento, Prevenção, Protagonismo Infanto-Juvenil.

Conforme tem sido influente na metodologia de programas de políticas sociais, o eixo de


Controle, pelo monitoramento e avaliação, nesse caso, fora abordado a partir da exigência de
criação de um Fórum Nacional pelo Fim da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes.

Atualmente, em nível federal: Programa 0073 - Enfrentamento da Violência Sexual contra


Crianças e Adolescentes - Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Secretaria Especial de
Política para as Mulheres, do Ministério do Turismo e do Ministério de Desenvolvimento Social.

6.1.3.3) Pornografia Eletrônica de Crianças e Adolescentes

Antes de conceituarmos a prática de Pornografia Eletrônica de Crianças e Adolescentes,


devemos alertar que a motivação que levou o requerimento à votação e, logo, à instalação desta
CPI, fora justamente a necessidade de apuração dos chamados “crimes eletrônicos” ligados à
pornografia infanto-juvenil, na forma de exposição de jovens a material “impróprio”, a partir de
reportagem impressa de 09 de outubro de 2008, sustentada em dados apresentados pela
Organização não-governamental SaferNet. Repita-se: pretendia-se, pela leitura do requerimento,
apurar a situação de livre acesso de conteúdo eletrônico “impróprio”, o que estabeleceria, se
assim decorresse nesta CPI, o foco não no pedófilo, explorador sexual ou abusador sexual, mas
no mantenedor de provedores, domínios e sítios eletrônicos que expusessem conteúdo
“impróprio”. Outra conclusão: necessidade de se construir, na CPI, o significado para “conteúdo
impróprio”, que pode ser bem mais amplo do que pornografia. Esclarecidas as diferenças,
sigamos ao mapeamento e diagnóstico dos elementos constituintes da pornografia eletrônica
infanto-juvenil.

Sabe-se que, atualmente, uma das intensas formas de proliferação de imagens dá-se por
meio da Rede Mundial Eletrônica (Internet). Na mesma intensidade é a dificuldade de se mapear e
regularizar determinados fluxos de comunicação indevida. Mais ainda, a partir do momento em
que se dedica a coibir a circulação de materiais proibidos, e, ao mesmo tempo, responsabilizar os
alimentadores conscientes dessa circulação. E as formas de pornografia infanto-juvenil não
escapam à essa dinâmica cibernética.

Ao se realizar pesquisa no sítio eletrônico da SaferNet(13), chegamos ao seguinte


resultado:

• 1º semestre de 2009 (01.01 a 01.07): 18.131 denúncias de Pornografia Infantil, e 17.866


denúncias de outros crimes eletrônicos. Ou seja, os crimes de pornografia infantil na
Internet correspondem a cerca de 50% de todos os crimes denunciados no sítio
mencionado.

Esses dados revelam uma circulação assustadora de imagens, “bate-papos” e outros


comportamentos possíveis pela via eletrônica, que sejam, todos, expositores ilegais da imagem
e/ou atributos infantis sob a forma pornográfica. Diagnostica-se que, em razão também dos
motivos acima elencados, são crescentes as práticas ilícitas.

Alguns elementos trazidos nas sessões desta CPI explicam parte dos resultados
apontados acima. No que tange aos mecanismos de Notificação (que contribui para a própria
classificação do Disque 100 e bancos de dados, como o apresentado pela ONG SaferNet), Dalka
Chaves (s. 26.03) expõe uma barreira subjetiva de conhecimento sobre o acesso e,
posteriormente, envolvimento eletrônico:

“(...) então, a pornografia infantil facilita a sedução sexual de crianças, tanto na internet
quanto fora dela, e a preocupação para a maioria dos pais e adultos é o seu uso para
o aliciamento e abuso sexual de crianças. Então, hoje, os pais têm diante de si, um
problema em sua casa, que é o próprio uso do computador; que é um monitoramento
constante. Se quisermos proteger crianças, é importante que possamos nos colocar
sempre disponíveis para estar supervisionando essas crianças na internet.

A legislação ainda é parca no sentido do controle de comportamentos eletrônicos, o que,


mesmo com acirramento normativo, dificilmente será contido, conforme palavras do próprio
Delegado José Mariano de Araújo Filho, depoente nesta CPI na sessão ocorrida no dia 18 de
junho, chefe do único distrito policial dessa natureza em São Paulo.
O Senador Magno Malta, em suas intervenções, assim pontuou sobre o sujeito que utiliza
a rede eletrônica para pornografia e a legislação:

“porque nós não temos legislação para puni-los e, segundo [motivo pelo qual o crime
eletrônico ocorre], na inviolabilidade da Internet porque o sujeito que minimamente
conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente sabia que os artigos 240 e 241 punem
minimamente.

No entanto, vale destacar a normativa já contida no Estatuto da Criança e do Adolescente,


que, embora insuficiente na qualidade, apresenta arcabouço quantitativamente significativo, pois
abriga uma série de comportamentos a ser alvo do controle estatal.

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,
cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer
modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput
deste artigo, ou ainda quem com esses contracena

§ 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:

I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;

II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou

III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau,


ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer
outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena
de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o Incorre na mesma pena quem:

I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança


ou adolescente em produção referida neste artigo;

II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou


imagens produzidas na forma do caput deste artigo;
III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet,
das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo.

§ 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:

I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo ou função;

II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem
patrimonial.

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por
qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo
ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou


imagens de que trata o caput deste artigo;

II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias,


cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o


responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o
acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra
forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o


material a que se refere o caput deste artigo.

§ 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às


autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e
241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:

I – agente público no exercício de suas funções;


II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes
referidos neste parágrafo;

III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço


prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à
notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.

§ 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito
referido.

Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou


pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou
qualquer outra forma de representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza,
distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material
produzido na forma do caput deste artigo.

Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação,
criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou


pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se
exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito
ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em
atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma
criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta
Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.


§ 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em
que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput
deste artigo.

§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de


funcionamento do estabelecimento

Percebe-se a gama de verbos a caracterizarem comportamentos ilegais, porém, enquanto


não houver – e, pelas explanações, não há – qualificado sistema de prevenção e mapeamento às
práticas eletrônicas pornográficas, a normativa estatutária não será aplicada correta e
satisfatoriamente. Pois, segundo Glória Maria:

“Bom, a última modalidade que a gente colocaria é a questão da pornografia infanto-


juvenil, que ganhou muita força, muita visibilidade depois do advento da Internet, mas ela
sempre existiu, é importante que a gente sempre diga. Quer dizer, sempre houve esse
tipo de exploração; agora, com a Internet, ela cresceu, sem dúvida. Não sei se cresceu,
não posso afirmar, mas ela se popularizou certamente.” (s. 26.03)

Gloria, ainda na mesma intervenção, cita o ambiente criado no III Congresso Mundial de
Enfrentamento à Violência (Nov. 2008), no qual

“os especialistas estavam muito preocupados com as novas tecnologias, inclusive com o
uso do celular”.

E, demonstrando maior cuidado em sua fala, afirmou que

“a gente tem que ter muito cuidado quando trata disso, porque também a gente não pode
impedir que as nossas crianças e adolescente se manifestem, se expressem da maneira
que eles querem se expressar. Então, o nosso problema não é discutir aqui que a criança
e o adolescente não podem passar mensagem sensual pelo celular. A gente tem que
discutir que tem que haver um tipo de controle sobre quem usa essas imagens.”

Por meio de algumas abordagens interventivas dos expositores, notamos que o principal
motivo de instalação dessa CPI ainda revela o mais amplo desconhecimento para o evitamento
dessas práticas eletrônicas. O grau de tecnologia a se atingir para o controle cibernético – sem
que restrinja negativamente a liberdade de expressão e de conhecimento – é a própria essência
da manipulação eletrônica. Isto é, a dificuldade de se realizar o monitoramento e rastreamento –
sem contar no controle restritivo propriamente dito – da circulação do conteúdo é marca
fundamental do próprio sistema de comunicação.

O Delegado de Polícia convidado pelo CPI destacou, neste aspecto, que as informações
eletrônicas são altamente segregadas dos órgãos de investigação de crimes eletrônicos, diante do
que a difícil relação de fluxo entre setores policiais e provedores de redes eletrônicas gera um dos
mais evidentes complicadores para a resolução de crimes cibernéticos.

Há que se destacar, por fim, que o raso conhecimento produzido sobre esta temática
específica tem relação intrínseca com a nossa incapacidade real em se enfrentar esta
problemática, pois, considerando o nosso âmbito de ação, restritamente municipal, nos torna
minúsculos para promover a solução desta questão, ainda que em especial neste município, visto
que a acessibilidade, introdução e troca de imagens por meios virtuais é de competência
visivelmente mais ampla que a nossa, e justamente por isso depende de uma coligação de forças
de vários setores sociais dentre todas as esferas federativas para ter efetividade na ação.

6.1.4) Âmbito territorial de atuação desta CPI: o Município de São Paulo

Conforme segue a explanação desse Relatório, é premente o traçado pelo Município,


ambiente territorial privilegiado nesta Comissão Parlamentar de Inquérito. Uma vez conceituadas
e mapeadas, na instância nacional, as formas de violência sexual que nos interessam na CPI,
seguimos, agora, para o recorte municipal.

Sobre o ambiente citadino, partimos de um dado sobre a Violência registrada por


Mariângela Aoki (s. 30.04):

“darei destaque que no Município de São Paulo de morte por homicídio, a primeira
causa de morte, vai dos 15 aos 34 anos; a segunda causa, dos 35 aos 44 anos; a terceira
causa de morte, de cinco aos 14 anos. Observamos que de modo geral crianças,
adolescentes e jovens a principal causa de morte são as causas externas, como definimos
no setor saúde.

Nítida, portanto, mais uma vez, a importância de se atentar para as violações de direito de
crianças e adolescentes, para que não tomem proporções letais como as apontadas acima, cuja
violação não mais pode ser sanada.

É preciso atualizar o leitor desse Relatório, ademais, sobre o conteúdo produzido nas
sessões ordinárias e extraordinárias: evidentemente, a finalidade de diagnosticar o campo
investigativo demanda bastante conceituação teórica – do que não se pode fugir. Mas também é
imperioso o objetivo de se planificar as teorias nas práticas cotidianas das violações de direito, os
serviços de proteção, dentro do Sistema de Garantia de Direitos. E isso, no geral, com referência
ao Município de São Paulo, ainda foi pouco produzido.

6.1.4.1) Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes

A situação paulistana relativa às práticas de abuso sexual, igualmente às dificuldades


nacionais, passa pela dependência do rompimento de cultura adultocêntrica e androcêntrica
(machista), pela qualificação dos serviços preventivos, bem como dos serviços de comunicação
(Disque 100 e Disque 181 – este, no estado paulista).

Dados trazidos por Jefferson Drezzetti (s. 30.04), sobre o atendimento no Hospital Pérola
Byington, localizado no centro da cidade paulistana:

“Hoje nós temos em torno de 2.000 casos de abusos sexuais atendidos por ano, dentro da
instituição”.

A partir desse dado, estendemos, em detalhes, outras informações que não podem ser
preteridas:

“Esse é o fechamento desses 15 anos de atendimento, são 18.740 casos de abuso e de


violência sexual, entre 94 e 2008, chamando atenção de 6.350 crianças, 33,9% desse
total, mais de 5 mil adolescentes, 29%, portanto, crianças e adolescentes correspondem,
hoje, a quase 65% do total dos atendimentos feitos pela instituição.” (idem)

Esses dados são fortalecidos pela própria flexibilidade instalada na dinâmica de


atendimento do Hospital. Drezzetti adverte que, muito embora haja um Centro de Referência de
Saúde da Mulher, há atendimentos ao público masculino, predominantemente até os 14 anos, por
conta da vulnerabilidade em ambientes violentos, independentemente do sexo. Os dados mostram
que essa população masculina compõe cerca de 25% dos registros de abuso sexual contra
crianças e adolescentes. Mas, no caso do sexo feminino, é gritante:

“Como nas particularidades atualizadas para esse período mais recente, há prevalência
desses casos de abuso e violência sexual sobre o sexo feminino, uma informação, um
dado já esperado, ele é importante, são 17 mil casos entre mulheres, 91% do total das
pessoas que atendemos, e 1.655 casos contra meninos menores de 12 anos na sua
maioria, o que corresponde a 26% do total dos casos das crianças atendidas. Em 2008,
para o fechamento mais recente [registro de 15 anos], para atualizar a importância desses
dados, as crianças corresponderam a quase 50% do total dos atendimentos feitos pela
instituição.” (idem)

E Drezzetti, pela demonstração dos dados, reflete sobre a questão do fenômeno


multicausal da violência sexual infanto-juvenil, reforçando que não há natureza acidental, senão
consolidada nas práticas cotidianas, por vezes repetidamente pautadas na violência propriamente
dita:

“E o tempo de repetição, até que esse ciclo de violência fosse rompido e comunicado,
mostrou que em mais de 60% dos casos esse abuso sexual dura mais que um ano até que
se consiga, de alguma forma, revelar aquilo que acontece e oferecer condições para
romper com esse ciclo de violência.” (idem)
Drezzetti ainda chamou atenção para o fato de que, em 12% dos casos, o abuso sexual
fora permanente por mais de cinco anos. Uma dessas conseqüências é o recurso ao aborto, feito
705 vezes, das quais 27% em crianças e adolescentes. E propõe:

“Temos uma responsabilidade importante de fazer o cumprimento da lei, conforme


estabelecido pelo Decreto-Lei 2848, artigo 128 do Código Penal Brasileiro, em seu inciso
II, que torna claro um direito às pessoas em situação de gravidez decorrente de violência
sexual escolher se querem ou não manter esta gestação até o término.” (idem)

Drezzetti, por fim, lembra que todos esses dados são coletados nos casos de pessoas que
recorrem aos serviços sanitários, o que se estima que corresponda a, no máximo, 15% de todos
os casos de abuso sexual na cidade.

No que toca às práticas relativas ao evitamento e proteção da criança e do adolescente em


face do abuso sexual, destacaram-se, nas sessões da CPI, informações de maior arcabouço
voltado para o atendimento do público vitimizado, não tanto para as esferas de responsabilização,
do que se pode deduzir, por imediato, que há um aperfeiçoamento mais expressivo, na cidade de
São Paulo, de mecanismos de prevenções primária, secundária e terciária – assegurada nas
redes públicas e sociais -, em relação aos mecanismos de responsabilização dos agressores. O
que não quer dizer que o fluxo de atendimento real demonstre a qualidade desejada. No entanto,
distintamente dos equipamentos de responsabilização e investigação, o ambiente de saúde
aparenta trabalhar com uma cautela peculiar:

“o primeiro momento, que pode ser às duas horas da manhã, nós não temos,
necessariamente, um psicólogo às duas horas da manhã para esse tipo de atendimento.
Talvez nem seja isso que seja necessário. Esse primeiro momento é um momento em que
ela já passou, possivelmente, pela delegacia, já passou pela própria violência, já passou
por vários locais. Está cansada, está desgastada. Já recebeu atendimento, por exemplo,
do Instituto Médico Legal, já passou pelo serviço de emergência. Não é, exatamente, o
momento para se fazer um psicodiagnóstico, ou para se fazer uma primeira consulta em
psicologia.” (Drezzetti, s. 30.04)

Deduz-se, desse excerto, a atenção para as possibilidades de manutenção da violência, no


caso psicológica, na revitimização pela continuidade no trato investigativo que, por vezes,
fortalece o dano mental da criança e do adolescente. Ressalta Drezzetti:

“As crianças ainda são submetidas a fluxos desnecessariamente longos, entrevistas que
não são entrevistas, por vezes são inquéritos, por vezes são questionamentos que sequer
podem ser tratados como entrevistas. São processos longos, desajustados, por vezes
permeados, lamentavelmente, por profissionais que não têm nenhuma capacitação, que
não têm nenhum preparo para fazê-lo. (idem)
Dentre as estratégias de proteção, Mariângela Aoki (s. 30.04) traz a opção de

“organização de uma rede de cuidado integral às pessoas de situação ou risco de


violência, articulada com outras redes de apoio”.

Menciona a estrutura dos serviços de saúde da cidade:

“O atendimento é realizado pela equipe multiprofissional, a unidade de saúde deve atuar


de forma integrada à rede de serviços de saúde, colocamos diversos níveis de
complexidade do sistema, que é a atenção base especializada, urgência e emergência, e a
região deve articular e fortalecer o trabalho em rede com os outros setores.” (idem)

Mariângela, ainda, destacou a quantidade de equipamentos existentes na cidade


paulistana, que devem atuar em Rede, como “CAPS de saúde mental, álcool e droga, saúde do
trabalhador, DST/AIDS, laboratórios de especialidades, a Promotoria de Justiça Regional da
Infância e Juventude, o Conselho Tutelar, Delegacia da Mulher, Delegacia do Idoso, na Assistente
Social, na Educação e outros setores”, que, por si, devem fortalecer o sistema de proteção de
crianças e adolescentes. Mas, vale observar que a qualidade ainda deixa a desejar, como ela
própria traz:

“Estamos em torno de 50% de redes constituídas ou parcialmente constituídas”.

E explica:

“(..) quando falamos que está plenamente constituída, é quando a região conseguiu
organizar, do setor saúde, dentro dos diversos níveis de complexidade, esse fluxo e
também todo um fluxo, junto com os outros setores. Os outros setores são: Conselho
Tutelar, Promotoria, Delegacia, Serviços Especializados, Assistência Social, Educação, e
aí, existe diferença nas regiões.

Já no que tange à rede social, Dalka expôs os trabalhos do Instituto Sedes Sapientiae:

“O CNRVV tem se dedicado à prevenção, tanto primária quanto secundária; com a


instituição dos pólos de prevenção na cidade de São Paulo, houve uma parceria com a
Fundação Abrinq e o WCF para que esses pólos existissem”

Os pólos de prevenção são instalados em entidades sociais, normalmente, de


Atendimento, de modo que possa, por meio de sua polaridade comunitária, fortalecer a rede de
equipamentos públicos e sociais na comunidade.

Além do funcionamento da rede pública de serviços – prioridade no atendimento às


crianças e adolescentes -, outro vetor para a insatisfatória proteção infanto-juvenil mantém no
quesito Notificação. Na linha do exposto por Drezzetti, poucos casos são notificados e menor
quantidade chega às portas de entrada do atendimento. Mariângela Aoki aduz que:

“Uma outra importante estratégia é a da produção da informação para poder atender o


próprio ECA, a notificação da violência pelo setor de saúde, que foi aprovado por esta
Casa, Lei Municipal 13.671/2003, regulamentada pelo Decreto 48.358/2007” (s. 30.04)

Com isso, estabeleceu-se mais uma oportunidade de fortalecer a rede no aspecto da


Comunicação, de imprescindível importância para a qualificação dos serviços de proteção da
criança e do adolescente. Mas, em balanço rápido, ainda há muito por fazer para a devida
atenção aos mais jovens.

6.1.4.2) Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes

Nas sessões da CPI, produziram-se poucas informações referentes à situação real de


Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. Efetivamente, uma das causas para a
baixa elaboração é a dificuldade de se mapear os focos dessas práticas, que, por sua vez, ocorre,
entre outros motivos, tanto pela imagem de Exploração Sexual Comercial que anuvia sua
definição teórica diante do difícil contorno prático, quanto pela inserção de tais práticas violentas
em rede mais complexa de violência, que pressupõe, para sua sustentação, a exploração do
trabalho infantil, o tráfico de pessoas, de entorpecentes e de armas:

“Então, existe uma rede criminosa muito bem organizada, e a gente também não consegue
identificar na cidade de São Paulo a atuação dela diretamente. Quer dizer, eu não sou
capaz de dizer para vocês: “Olha, tem uma rede que funciona em tal lugar.”. Mas a gente
sabe que a rede existe.

(...)

“A Pestraf – Pesquisa Sobre o Tráfico de Pessoas, que foi uma pesquisa muito séria feita
pelo Cecria, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos – mostrou que
São Paulo é porta de entrada do tráfico nacional, é porta de saída do tráfico nacional e é
porta de saída do tráfico internacional. Então, isto ficou claro dentro da Pestraf: existe
tráfico de crianças e adolescentes passando por São Paulo.”

(Gloria Maria, s. 26.03)

Compreendida, pelo senso comum, como uma expressão de violência marcantemente


presente nas regiões de alto turismo natural, a Exploração Sexual Comercial também apresenta a
São Paulo outro desafio:

“Acho que é importante o envolvimento da sociedade e, aí, acho que a CPI pode atuar
nesse sentido, no sentido de fazer com que haja uma mobilização em São Paulo, que São
Paulo pare de mentir para si mesma, dizendo que aqui não existe, que isso é “coisa de
praia do Nordeste”, e assuma que existe, sim. (idem)

Uma das graves conseqüências peculiares da Exploração Sexual Comercial é a exposição


das crianças e adolescentes às doenças sexualmente transmissíveis, haja vista a diversidade de
pessoas com as quais são submetidas a se relacionar:

“(...) a possibilidade de adquirir doenças sexualmente transmissíveis – hepatites virais e


HIV e AIDS, e para que fique claro, senhores, da importância do impacto dessa situação,
acredita-se, hoje, que pelo menos 50 a 60% de crianças e adolescentes que estão em
condição de exploração sexual tenham, pelo menos, uma doença sexualmente
transmissível, mostrando a gravidade desse tipo de circunstância” (Drezzetti, s. 30.04)

Quanto às ações integradas para o Enfrentamento tão defendido, no município de São


Paulo, o prosseguimento das ações nacionais de Enfrentamento à Exploração Sexual Comercial
ensejou, em 2004, a realização de seminários nas cinco macro-regiões paulistanas, sob comando
da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), sob orientação dos
Planos Nacional e Estadual de Enfrentamento. O Plano Municipal, então finalizado, fora lançado,
mas não havia sido publicado até o advento desta CPI:

“(...) os próximos passos da Comissão de Enfrentamento seriam: publicar oficialmente o


Plano, que infelizmente, apesar de ter sido lançado em setembro de 2007, desculpem-me,
de 2008, ele ainda não foi publicado oficialmente, então, não está em vigência. Nós
temos oito meses aí, de...de vazio legal. (Bethania Rezende, s. 21.05)

No ano de 2005, promulga-se a Lei Municipal 14.247, de 08 de dezembro de 2006, que


dispõe sobre o Programa Municipal de Conscientização e Combate à Violência contra
Crianças e Adolescentes, que consiste no “conjunto de ações e campanhas de conscientização
desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de São Paulo, como forma de prevenir e combater a
violência e exploração sexual de crianças e adolescentes”.

Previsto na linha mestra dos Planos Nacional e Estadual, o Plano Municipal se insere
como um desdobramento do Programa Municipal de Conscientização e Combate à Violência
contra Crianças e Adolescentes:

“Outra coisa, sobre a questão da rede de exploradores, onde estariam acontecendo


situações de exploração em São Paulo. Houve uma tentativa inicial, quando foi feito o
Pacto São Paulo, a transformação do Plano Nacional para o Plano Estadual de
enfrentamento, foi feita uma pesquisa ligada às regiões e tinha sido identificada a situação
ligada a caminhoneiros. A questão dos transportes mesmo, das cargas e transportadoras.
Sei que houve uma intervenção na época, mas não sei até que ponto a situação foi
sanada.” (Dalka Chaves, s. 26.03)
Do mesmo modo que ocorre em nível nacional, a cidade de São Paulo, então, passa a
contar com a existência da Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e
Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, órgão consultivo e propositivo, instituída
pelo Decreto Municipal 48.358, de 17 de maio de 2007, sob a coordenação da Secretaria
Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), com as atribuições:

I - contribuir para a implantação e implementação do Programa Municipal de


Conscientização e Combate à Violência contra Crianças e Adolescentes;

II - envolver-se com a problemática da violência, abuso e exploração sexual de crianças e


adolescentes por meio de estudos, intervenção direta e formação da rede de atendimento;

III - sugerir procedimentos complementares às diretrizes e normas do Serviço de Proteção


Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e
às suas Famílias;

IV - estimular e incentivar a capacitação e atualização de profissionais e representantes de


instituições prestadores de serviço ao público-alvo;

V - participar, juntamente com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento


Social, da elaboração do Plano Municipal de Ações Integradas;

VI - interagir com os diversos programas setoriais de órgãos ou entidades executores de


políticas públicas que tratem das questões das crianças, dos adolescentes e de suas
famílias, objetivando otimizar os resultados do Serviço de Proteção Social às Crianças e
aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e às suas Famílias;

VII - sensibilizar e mobilizar setores do governo e da sociedade acerca da problemática da


violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes;

VIII - recomendar aos órgãos competentes a adoção de meios e instrumentais que


assegurem o acompanhamento e a sustentabilidade das ações desenvolvidas no âmbito
do Serviço de Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência,
Abuso e Exploração Sexual e às suas Famílias;

IX - acompanhar e supervisionar, de forma complementar, as atividades desenvolvidas


pelo Serviço de Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência,
Abuso e Exploração Sexual e às suas Famílias;

X - receber e encaminhar aos setores competentes as denúncias e reclamações sobre a


implementação e execução do Serviço de Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes
Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e às suas Famílias;
XI - contribuir com o levantamento e a consolidação das informações, subsidiando a
Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social quanto à operacionalização
e avaliação das ações implantadas. [destaque do Relator]

Sendo uma – senão a principal – de suas atribuições, a Comissão Municipal (CMESCA)


passou a elaborar o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração
Sexual contra Crianças e Adolescentes (SMADS, 2008), pensado desde antes da própria
existência desta Comissão, a ser implementado por meio de oito eixos estratégicos:

1) Análise da situação: conhecer e divulgar os dados acerca da temática;

2) Atendimento: realizar parceria com instituições especializadas para garantia do


atendimento a crianças, adolescentes e famílias – neste eixo, Bethania Rezende detalha o
que podemos entender como o coração investigativo desta CPI;

3) Defesa e Responsabilização: contribuir para a atualização da legislação sobre crimes


sexuais no combate à impunidade – aqui, Bethania Rezende explica que não se deve
focalizar somente no autor da agressão, mas também nos equipamentos públicos porta-
de-entrada, que têm o dever de notificar e acionar os órgãos públicos de
responsabilização;

4) Formação e Capacitação: formar e capacitar continuamente os profissionais que atuam


no enfrentamento à temática;

5) Mobilização e Articulação: contribuir para o fortalecimento das articulações regionais,


municipal e estadual para o enfrentamento à violência; mobilizar a sociedade no
enfrentamento da questão;

6) Prevenção: desenvolver ações preventivas, dentre elas o incremento de uma legislação


referente à internet;

7) Protagonismo Infanto-Juvenil: apoiar e promover ações nas quais exista a participação


ativa de crianças e adolescentes na defesa de seus direitos;

8) Avaliação e Monitoramento: avaliar e monitorar as ações e efetividade do Plano.

Notamos, em rápida leitura, a diferença positiva entre o Plano Municipal de ações


integradas paulistano e o Plano Nacional. No Plano Municipal, lançado aos 23 de setembro de
2008, dois novos eixos foram criados: “Formação e Capacitação” e “Avaliação e Monitoramento”.
Particularmente sobre esses dois novos eixos, Bethania Rezende explica:

“O segundo eixo incide sobre a formação e capacitação, que significa qualificar a rede,
os profissionais da rede, não só diretamente envolvidos com o atendimento, mas também
enfatizar a questão da prevenção, que é muito importante que os profissionais sejam
qualificados para prevenir. Principalmente nas escolas. A gente acha muito importante, por
isso que congrega Secretaria de Educação também, nessa Comissão de Enfrentamento.

(...)

Avaliação e Monitoramento: esse eixo prevê um acompanhamento dos resultados da


implantação do próprio Plano Municipal e das políticas públicas de combate à violência
sexual contra criança e adolescente.” (s. 21.05)

Observamos, portanto, que o eixo de Avaliação e Monitoramento gera atribuição de


fiscalização para além do Plano Municipal em si, mas, e o mais importante, para as políticas
públicas voltadas para a temática.

Algumas sessões foram realizadas para a exposição conceitual - característica principal da


fase do Diagnóstico dessa CPI – sobre Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes.

De acordo com a síntese apresentada inicialmente, notamos a presença de profissionais


representantes de instituições (públicas e privadas) componentes da Comissão Municipal de
Enfrentamento, nas plenárias, tanto para acompanhar o andamento dos trabalhos da Vereança
Paulistana, quanto, em especial, para prestar declarações sobre as ações feitas pela Comissão
até o momento.

Definiram as expositoras representantes da Comissão, aos 21 de maio, que, dentre as


onze atribuições previstas, cinco referem-se diretamente ao Serviço de Proteção Social às
Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual, a exemplo do
programa Sentinela.

Ainda apresentaram os eixos do Plano, sobre o que destacamos, como ponto ausente na
definição do próprio Documento oficial, no eixo Mobilização e Articulação, ações relativas às
campanhas e sensibilização da mídia.

Entre os próximos passos(14) a serem dados pela CMESCA, conforme explanado na


sessão desta CPI, estavam:

• Publicar oficialmente o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e


Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes

• Elaborar Planejamento Bienal de atuação da CMESCA

• Manter reuniões ordinárias mensais – abertas ao público e realizadas no auditório da


Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, nas primeiras quartas-feiras
de cada mês, no período da manhã
• Incluir adolescentes nas atividades da CMESCA.

Aqui devemos enfatizar que um importante advento oriundo dos trabalhos quando ainda
em curso esta Comissão Parlamentar de Inquérito, foi uma questão há muito reclamada pela
CMESCA, consistente na publicação do Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual
Infanto-Juvenil, pois, a formalidade que estava estacionada no trâmite burocrático municipal foi
resolvida este ano, quando fora finalmente publicado no diário oficial do município, logo após uma
visita dos Vereadores desta CPI à CMESCA. A partir do que o município de São Paulo passa a
assumir oficialmente o reconhecimento e a implementação deste importante documento.

Lacuna ainda a ser contemplada, o cruzamento de informações entre o Plano Municipal e


as atribuições da CMESCA precisa, conforme declarado pela representante da Comissão, ser
efetuado. Aliado a isso, outra ação estratégica: a previsão orçamentária para a correta e
qualificada implementação da política de enfrentamento intersecretarial.

Especialmente em relação a questão orçamentária, esta problemática também foi


mencionada na última sessão desta CPI, quando Neide Castanha alertou esta CPI que há no
Brasil cerca de 1.500 Planos Municipais de Enfrentamento à Violência Sexual, no entanto,
nenhum deles possui previsão orçamentária para sua execução.

Abaixo, demonstra-se a organização da CMESCA:

MODELO DE PLANEJAMENTO –
Estrutura com base nas diferentes competências

Estratégico: Câmara Municipal, os chefes


dos Poderes Executivo e Judiciário

Tático:
CMESCA – desenvolvimento de
programas e projetos

Operacional:
CMESCA – profissionais que lidam
com o público (vítimas e violadores)

Em mais detalhes, explicou-se a composição de cada competência:


• A Câmara de Vereadores, os chefes dos Poderes Executivo (prefeito) e Judiciário
(presidente do Tribunal de Justiça do Estado) devem ser considerados como atores do
nível estratégico, pois são as lideranças que em última análise darão as diretrizes a
serem seguidas pelos níveis seguintes;

• A CMESCA congrega profissionais que atuam em desenvolvimento de programas e


projetos ou que atuam diretamente com o público (crianças, adolescentes e familiares),
sendo que o primeiro grupo corresponde aos atores do nível tático, enquanto o segundo
grupo é a ponta operacional das políticas públicas de enfrentamento à violência sexual
contra crianças e adolescentes.

No entanto, entre outras falhas de informação presentes nas sessões destinadas a se


compreender os trabalhos da CMESCA, fora a insuficiente distinção nominal/institucional entre os
membros da camada tática e operacional.

E, por fim desta esclarecedora sessão anunciaram, novamente, as representantes que


aguardavam a Publicação Oficial do Plano Municipal, sem o que, conforme relatos sintetizados
acima, trazia precariedade no nível de implementação de políticas públicas referentes ao mesmo
Documento. Uma das causas apontadas foi a vagareza do fluxo burocrático entre aprovação,
lançamento e publicação do Plano, sobre o que se detectou haver insuficiente vontade política na
condução da CMESCA, que, por lei, tem a prerrogativa de fortalecer e criar mecanismos de
exigibilidade de cumprimento de tal fluxo. No entanto, como dissemos este entrave burocrático foi
devidamente sanado a partir do empenho dos parlamentares desta CPI.

No entanto, em função deste atraso, o único eixo em prática até o momento é o de


Mobilização e Articulação. De outro lado, explicaram as representantes da CMESCA que em
nenhum momento houve a inclusão de crianças e adolescentes nos debates do Plano.

Ademais, ao se proceder à rápida leitura do art. 9º do Decreto 48.358/2007, verificamos


que, entre as atribuições da CMESCA, a referente a receber e encaminhar aos setores
competentes as denúncias e reclamações sobre a implementação e execução do Serviço de
Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual
e às suas Famílias; não comporta eficácia garantida, porquanto se torna duvidoso o efeito do ato
de se denunciar problemas ocorridos em um serviço público, pois que emitido por órgão
governamental (SMADS – coordenação da CMESCA) e recebido pelo mesmo órgão (SMADS).

Outra questão não abordada no Plano Municipal, tampouco no Decreto que institui a
CMESCA, é a existência do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) –
como veremos mais adiante –, fundamental na consecução dos fins pretendidos, em especial,
para a proteção da criança e do adolescente vitimizados pelas práticas contra as quais se destina
o Plano. Ocorre que o CREAS ainda constitui uma lacuna na eficácia da normativa, pois, se o
SUAS (Sistema Único da Assistência Social) já vigora há anos nas cidades brasileiras, sua
efetividade não impera.

6.1.4.3) Pornografia Eletrônica de Crianças e Adolescentes

Dentre as três maneiras de expressão da violência sexual contra crianças e adolescentes


que elencamos nessa CPI, temos a Pornografia Eletrônica Infanto-Juvenil.

Exaustivamente conceituado e mapeado em nível nacional, neste Relatório, abordaremos,


para fins de maior objetividade, no capítulo referente à Fase de Investigação, sobretudo porque é
neste momento que se torna eminente o tema, a partir da exposição do convidado Delegado José
Mariano de Araújo Filho.

7) FASE DE INVESTIGAÇÃO

Programada para iniciar aos 28 de maio, a Fase de Investigação fora instalada aos 18 de
junho e, depois de duas sessões, interrompeu-se pelo recesso legislativo, vindo a prosseguir, nos
termos do Requerimento aprovado na sessão do dia 25 de junho, aos 06 de agosto, já sob
prorrogação das atividades desta Comissão Parlamentar de Inquérito.

Nesta fase, recebeu-se o convidado Delegado de Polícia José Mariano de Araújo Filho,
representante da Delegacia de Crimes Eletrônicos, 4ª DIG, uma das Delegacias de Investigação
Geral do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado – DEIC, de São Paulo. Ele
explicou todo o funcionamento dos atendimentos e investigações policiais frente aos crimes
cometidos pela via eletrônica.

São destaques de sua exposição:

• A crescente produção sobre pedofilia ganhou corpo especialmente a partir do advento das
redes mundiais de computadores.

• A burocracia estabelecida na comunicação entre a Delegacia e provedores eletrônicos – a


ponto de informações solicitadas por ela ter de ser avalizadas pelo Poder Judiciário -, em
nome do sigilo cibernético escancara a dificuldade maior de se obter dados investigativos
para procedimentos administrativos e, posteriormente, judiciais.

• A competência municipal de dar cabo ao atendimento de vítimas não é necessariamente


respaldada pelas estruturas normativas estadual e federal de proteção à criança e
adolescente e regulamentação dos provedores eletrônicos.

• O número médio de denúncias que chegam à Delegacia especializada é de 12 casos por


mês, o que o Delegado considera baixo.
• O Delegado adiantou que, para efeito de qualificação na comunicação entre os cidadãos e
os representantes policiais, deve-se criar, até o fim desse ano de 2009, um portal
eletrônico para recebimento de informações.

• Há possibilidade atual de rastreamento de fontes de produção e circulação de dados


eletrônicos em nível nacional, a partir dos códigos de IP de cada computador. No entanto,
não há, ainda, disponíveis serviços diretos de informação refinada no interior de cada
município. A possibilidade é contemplada somente via empresas de provedores, que, tal
qual a situação acima descrita, dificultam, ao máximo, o acesso por meio externo.
Reforçou o Delegado que o lucro visualizado pelas empresas provedoras provocam esse
comportamento negativo em relação à abertura de informações aos procedimentos
investigativos.

• O Delegado de Polícia comprometeu-se a disponibilizar aos parlamentares dessa CPI


endereços de empresas provedoras responsáveis pela cobertura de internet no município
de São Paulo, situação para a qual expediu-se requerimento na mesma sessão.

Além dessa sessão, outras se destinaram à realização de visitas a instituições


governamentais e não-governamentais de atendimento às crianças e adolescentes vitimizados por
atos de violência sexual.

7.1) Sessões Investigativas

Quatro foram as instituições que acolheram Vereadores membros desta Comissão


Parlamentar de Inquérito:

• CMESCA (Comissão Municipal de Enfrentamento à Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes)

• CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social): municipal


governamental;

• Hospital Pérola Byington: estadual governamental;

• Projeto Quixote: municipal não-governamental.

7.1.1) CMESCA - 21 de agosto de 2009.

Dados equivalentes às informações produzidas durante a visita dos Parlamentares não


foram disponibilizados pela Secretaria Administrativa da Câmara, razão pela qual resta ausente
documento oficial de base para a elaboração desse Relatório.

7.1.2) CREAS - ... de setembro.


Fora combinado a visita aos CREAS existentes no município, atualmente estruturados em
número de 02 (Vila Prudente e Sé) para atender os quase cerca de 15 milhões de habitantes –
sendo somente isto a priori suficientemente válido para apontar a insuficiência quantitativa para o
atendimento da demanda municipal. No entanto, esta CPI seguiu a visitação em somente 01
destes equipamentos, especialmente localizado na região da Sé.

A visita realizada no CREAS – Sé fez visualizar a precariedade das condições de trabalho


e de conhecimento técnico instalada no equipamento: Local inadequado, equipe com significativo
despreparo, demanda menor do que a oferta de serviços.

Quanto ao ambiente, apresentava-se sem condições mínimas para se proceder aos


atendimentos, pois o CREAS mostrou-se como uma única sala na qual são feitos o acolhimento e
o atendimento (sem separação). Dentre as deficiências estruturais, anotou-se ausência de internet
e de telefone. Disse o representante que o prédio era projetado para ser um depósito de
remédios, razão pela qual a temperatura ambiente não é adequada à circulação de pessoas.

Quanto ao trabalho de equipe, ficou claro que falta entendimento conceitual sobre a
temática e sobre o trabalho que realizam. Reparou-se a falha nas concepções de divisão
conceitual entre formas de violência sexual (abuso/exploração). Essa informação fora, inclusive,
admitida, expressamente, pelo representante do equipamento, ao responder sobre as deficiências
que poderiam nortear os trabalhos da CPI. A supervisão técnica é feita por profissionais
localizados em territórios administrativos da cidade.

Não fora destacado o trabalho em rede, exceto aproximação com órgãos da educação,
saúde, com as Varas da Infância e Juventude e a Defensoria Pública. Alegaram não haver uma
comunicação informatizada entre o CREAS e os outros órgãos de garantia de direitos
estabelecidos dentro do fluxo de atenção. Mostrou-se, ainda, uma significativa ignorância sobre o
papel dos Conselhos Tutelares, muito embora, ao mesmo tempo, denunciaram ato de omissão do
Conselho Tutelar da Sé. Quando da entrada de um caso de violência sexual contra criança ou
adolescente, muitos são os encaminhamentos feitos diretamente para Delegacia de Polícia – para
lavratura do Boletim de Ocorrência -, de modo que somente em seguida, tomam-se outras
providências.

No âmbito da oferta, os representantes alegaram que o convênio foi feito para realizar 120
atendimentos por mês, mas chegam a atender cerca de 50, sendo, dos quais, apenas 06
referentes à violência sexual.

7.1.3) Hospital Pérola Byington - 21 de outubro de 2009

Dados equivalentes às informações produzidas durante a visita dos Parlamentares não


foram disponibilizados pela Secretaria Administrativa da Câmara, razão pela qual resta ausente
documento oficial de base para a elaboração desse Relatório.
7.1.4) Projeto Quixote - ... de outubro de 2009.

Dados equivalentes às informações produzidas durante a visita dos Parlamentares não


foram disponibilizados pela Secretaria Administrativa da Câmara, razão pela qual resta ausente
documento oficial de base para a elaboração desse Relatório.

8) FASE DA INTERVENÇÃO

Perspectivas sob o ponto de vista do Sistema de Garantia de Direitos

8.1) O Direito à Sexualidade Saudável no Sistema de Garantia de Direitos

É notório o direito localizado nessa CPI, a partir de sua violação, seja sob o ponto de vista
da conduta do agressor, seja sob a ótica dos programas de proteção especial da Assistência
Social. Trata-se do Direito ao Desenvolvimento Sexual Saudável, isto é, direito de qualquer
pessoa desenvolver seu pensamento e comportamento sexual de modo sadio,
independentemente da faixa etária ou condição reprodutiva.

Nesse sentido, é urgente assentarmos o pressuposto que reconhece esse direito à criança
e ao adolescente. Pela mesma razão, obviamente, é que se estabelecem meio de proteção que
evitem a violação ao direito, ou se o repare.

Preterida a perspectiva do Dano, da Violação, para se identificar no Direito o mote de


trabalho nesse Relatório, adota-se o Direito à Sexualidade Saudável – e não sua violação, ligada
ou não ao comportamento de uma pessoa diagnosticada como Pedófila – como ponto balizador
desse Registro, e fomentador das reflexões e proposições ao final descritas.

Por hora, cumpre salientar, entre as reflexões agora trazidas, o panorama operacional das
normativas voltadas aos direitos de crianças e adolescentes. Na medida em que a Constituição
Federal, o ECA, as Leis Orgânicas da Assistência Social e da Saúde e demais normas sociais
foram promulgadas, a intersetorialidade e interdisciplinaridade – dois dos principais princípios
dessas extensas normativas – exigiram, por si, uma articulação das ações programadas nas leis.
Tal combinação de planejamentos e avaliações das ações veio a ser elaborada sob a forma de
Sistemas, cada qual surgido de uma trajetória histórica dos Movimentos Sociais e Conselhos
Setoriais. Exemplo disso é a criação do Sistema de Garantia de Direitos. E, dentro dele, o relatório
trata das produções da CPI com relação ao direito à sexualidade saudável.

8.2) Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Em tempos da Doutrina da Proteção Integral, sua concretude deve admitir – e pressupor –


o alinhamento da Legislação básica e especial com a normativa operacional e técnica, de modo
que as políticas sejam formuladas e monitoradas em sua efetividade sempre sob o ponto de vista
da integralidade e intersetorialidade entre os órgãos públicos executivos, modelos teóricos
acadêmicos, departamentos judiciários e – a novidade trazida pela Constituição Federal,
absorvida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – os Conselhos de Direitos e Setoriais.

Sendo assim, concebe-se o denominado Sistema, que, na área da criança e do


adolescente, trata-se de um conjunto articulado de estratégias e atividades finalísticas destinado a
promover, defender e controlar a efetivação dos direitos do público infanto-juvenil.

O Sistema de Garantia de Direitos foi normatizado em nosso país a partir da Resolução


113, editada pelo CONANDA em 19 de abril de 2006, a qual tomaremos como base para analisar
o presente tópico deste Relatório.

Antes de discorrermos sobre o Sistema propriamente dito é importante listarmos os


instrumentos normativos de garantia dos direitos humanos da criança e do adolescente, os quais
dão o embasamento não somente deste tópico, mas de todo o trabalho realizado por esta
Comissão Parlamentar de Inquérito. São eles:

I – Constituição Federal;

II – Tratados internacionais e interamericanos, referentes à promoção e proteção de


direitos humanos, ratificados pelo Brasil, tendo estes força de norma constitucional, por
determinação da Emenda nº 45 da Constituição Federal;

III – Normas internacionais não-convencionais a respeito da matéria, aprovadas como


Resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas;

IV – Lei Federal nº 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

V – Leis federais, estaduais e municipais de proteção da infância e da adolescência;

VI – Leis orgânicas referentes a determinadas políticas sociais, especialmente as da


assistência social, educação e saúde;

VII – Decretos que regulamentem as leis indicadas;

VIII – Instruções normativas dos Tribunais de Contas e de outros órgãos de controle e


fiscalização, como a Receita Federal, por exemplo;

IX – Resoluções e outros atos normativos dos conselhos dos direitos da criança e do


adolescente, nos três níveis de governo, que estabeleçam principalmente parâmetros, como
normas operacionais básicas, para regular o funcionamento do Sistema e para
especificamente formular a política de promoção dos direitos humanos da criança e do
adolescente, controlando as ações públicas decorrentes; e
X – Resoluções e outros atos normativos dos conselhos setoriais nos três níveis de
governo, que estabeleçam principalmente parâmetros, como normas operacionais básicas,
para regular o funcionamento dos seus respectivos sistemas.

Observamos, antes de mais nada, que a constituição de um Sistema, seja qual for,
pressupõe a existência de uma série de elementos, todos integrados e articulados entre si, que se
relacionam dentro de uma lógica própria de funcionamento.

Especialmente o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes visa a


efetivar a proteção integral, e conseqüentemente os direitos humanos de todas as crianças e
adolescentes, sendo constituído a partir da articulação e integração das instâncias
públicas da sociedade civil e governamentais, de todas as esferas da Federação, ou seja, dos
níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. A ordenação deste Sistema se dá pela aplicação
de instrumentos normativos e no funcionamento de mecanismos estrategicamente divididos em
três eixos: promoção, defesa e controle.

Com o mesmo espírito, a Associação Nacional dos Centros de Defesa (ANCED),


deliberou, na Tese A Proteção Jurídico-Social de Crianças e Adolescentes, enquanto
garantia/defesa de direitos (1999):

A garantia e proteção integral dos direitos da criança deverá se operacionalizar


estrategicamente, por meio da promoção e da defesa desses direitos. Tudo isso, sob o
controle externo e difuso da Sociedade. Isso nos faz inferir a existência de um sistema
estratégico jurídico-político-institucional de garantia e proteção integral dos direitos
da infância e da adolescência (na linha do “special enforcement machinery” do Direito
Internacional dos Direitos Humanos).

Cada um dos eixos referidos congrega diferentes instituições, que possuem atribuições
distintas e específicas. Esta separação se faz somente para haver um entendimento didático
deste sistema, não havendo, portanto, barreiras de separação entre eles, podendo, inclusive,
haver órgãos que exercem funções em mais de um eixo.

Dada a integração e articulação destes eixos, sua funcionabilidade tem de se realizar de


forma sistêmica, com cada uma das instituições componente de cada eixo exercendo a função
típica inafastável que lhe compete, sem prejuízo da participação política e institucional junto aos
demais eixos. Assim, é somente com o exercício de fato da função atribuída a cada um dos atores
integrantes deste Sistema, que ele se operará e caminhará no sentido de garantir de fato os
direitos humanos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo
que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento.
A articulação desse Sistema deverá se dar dentre todos os sistemas nacionais de
operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência
social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e
promoção da igualdade e valorização da diversidade. Procurará, desta forma, enfrentar os atuais
níveis de desigualdades e iniqüidades, que se manifestam nas discriminações, explorações e
violências, baseadas em razões de classe social, gênero, raça/etnia, orientação sexual,
deficiência e localidade geográfica, que acaba por dificultar significativamente a realização
plena dos direitos humanos das crianças e adolescentes.

Ademais, este Sistema incitará as instituições para que os processos de elaboração e


execução de atos legislativos, as políticas, programas e ações públicas, bem como as decisões
judiciais e administrativas que afetem crianças e adolescentes sejam embasados e direcionados
pelo princípio do interesse superior da criança e do adolescente. Sempre buscando assegurar
que as opiniões das pessoas menores de 18 anos sejam levadas em devida consideração em
todos os processos que lhes digam respeito, e colocando-os a salvo de ameaças e violações
a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e
violações.

Este Sistema deverá, ainda, promover estudos e pesquisas, processos de formação de


recursos humanos dirigidos aos seus operadores, assim como fomentar a mobilização do público
em geral no sentido da efetivação do princípio da prevalência do melhor interesse da criança e do
adolescente.

Para melhor entendermos as características que marca cada eixo e a função de seus
órgãos, passaremos a tratá-los mais especificamente a seguir.

8.2.1) Da Promoção de Direitos

A Constituição Federal e, logo em seguida o ECA, reconhece a todas as crianças e


adolescentes um conjunto de direitos fundamentais, sendo que a efetivação dos mesmos depende
necessariamente de ações positivas e negativas por parte do Estado.

O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes


integra o maior âmbito da política destinado a este público, a qual deverá ser prioritariamente
garantida por todos através da operacionalização e do desenvolvimento da "política de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente".

Essa política especializada de promoção da efetivação dos direitos humanos de


crianças e adolescentes deverá se desenvolver, estrategicamente, de forma transversal e
intersetorial, com vistas a articular todas as políticas públicas (infra-estruturantes,
institucionais, econômicas e sociais) e integrar suas ações, em favor da garantia integral dos
direitos.
Embora saibamos que os gastos feitos a partir da arrecadação estatal não se destinem
exclusivamente ao atendimento dos direitos das crianças e adolescentes, e, justamente por isto,
poderá se alegar ser a questão financeira estatal um empecilho a esta satisfação integral,
devemos lembrar que há série de instrumentos que devem ser respeitados quando da gestão da
política, os quais visam garantir, quando da sua implementação, a racionalidade dos gastos
públicos. Assim, o Estado deverá sempre trabalhar visando utilizar, da melhor maneira possível,
os recursos existentes, para o que é imperioso o adequado e responsável planejamento das
ações, que deve necessariamente ser feito a partir do diagnóstico da realidade social, a partir do
que se elencará as prioridades.

Desta forma, o primeiro passo constituiria, portanto, em implementar a norma


constitucional e estatutária que diz serem as criança e os adolescentes a prioridade desta nação,
e a partir daí empenhar todos os recursos necessários à promoção de seus direitos, neste sentido
a Convenção sobre os Direitos da Criança diz que:

Artigo 4. “Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas legislativas,


administrativas e outras necessárias à realização dos direitos reconhecidos pela presente
Convenção. No caso de direitos econômicos, sociais e culturais, tomam essas medidas no
limite máximo dos seus recursos disponíveis e, se necessário, no quadro da
cooperação internacional.”

[grifos do Relator]

Seguindo a lógica da racionalidade, o segundo passo consistiria na realização periódica e


permanente do diagnóstico social, que traria o substrato necessário ao conhecimento da situação
das crianças e dos adolescentes em cada localidade. O terceiro passo seria garantir a
participação de todos os atores envolvidos na definição de como tais recursos deverão ser
utilizados. Deve-se também abrir espaços para que o Estado crie formas novas de financiar e
complementar os programas governamentais, daí a criação dos fundos públicos, que devem
seguir a mesma lógica racional para o seu empenho com vistas à efetivação dos direitos
humanos. Por fim, e não menos importante, deverá se abrir e garantir espaços, a partir da
estrutura governamental, para que a sociedade em geral, incluindo, claro, as crianças e
adolescentes, participe de toda esta construção.

Por todas estas considerações, é necessário destacar o papel dos principais atores deste
eixo: os Conselhos de Direitos e os Conselhos Setoriais; para cuja análise nos remeteremos a
nossa esfera de incidência, ou seja, o município de São Paulo. Frisa-se que tais Conselhos não
são executores da política, no entanto, definimos aqui como principais atores, pois são eles que
dão as diretrizes, definido a política neste eixo – e também fiscalizando-a.
Estes Conselhos são órgãos que controlam e deliberam as políticas públicas. Assim, têm
por tarefa monitorar a política de atendimento, em todas as suas linhas, para avaliar como está se
dando o tratamento, isto deve ser feito em conjunto e amparado pelo diagnóstico da situação da
criança e do adolescente no município. Com base nesta análise, com vistas a conhecer e
fiscalizar, desenha-se no município a política adequada para desatar os nós que impedem a
garantia dos direitos dos cidadãos mirins. Isto se faz através da elaboração de planos de ação,
indicando as atividades, os serviços, programas e projetos necessários para a proteção integral
das crianças e adolescentes, os quais objetivam planejar as ações e estabelecer criteriosamente
as prioridades a merecerem atenção especial e alocação prioritária de recursos públicos.

As ações destes Conselhos somam-se, cada um tendo o seu foco peculiar de ação, por
isto as deliberações e diretrizes dos Conselhos setoriais (saúde, educação, assistência social,
etc.), naquilo que lhe for específico, prevalecerá sobre o Conselho de Direitos da Criança e
Adolescente. Assim, ao CMDCA, apesar de poder ofertar diretrizes na promoção dos direitos das
crianças e adolescentes, tem que se voltar essencialmente e com grande empenho aquilo que lhe
é específico, ou seja, devendo se empenhar a traçar as diretrizes da cidade para o resgate da
dignidade das pessoas menores de 18 anos que têm os seus direitos humanos ameaçados ou
violados. Portanto, é neste Conselho (CMDCA) que reside a nossa atenção especial dentro do
eixo da promoção – e controle –, pois é a partir de sua ação que deverá se avaliar e dar as
diretrizes da política no município de São Paulo para a garantia dos direitos das crianças e
adolescentes abusados e explorados sexualmente.

Para isto é fundamental a existência de plano de ação, sendo que o CONANDA já


reconheceu a evidente importância do planejamento das ações dos Conselhos de Direitos para
atender os direitos das crianças e adolescentes, a partir do anexo da Resolução nº 106, que
estabelece recomendações para a elaboração de leis relacionadas à criação e funcionamento dos
Conselhos de Direitos nos três níveis da federação:

“A realização sistemática do planejamento das ações dos Conselhos de Direitos da


Criança e do Adolescente é uma forma de se atingir o pleno atendimento das demandas
apuradas no curto, médio e longo prazos, tornando indispensável sua contribuição na
qualidade do resultado esperado de suas atribuições e no cumprimento de sua missão,
tornando-se, assim, ferramenta efetiva de formulação e controle da política local de
atendimento dos direitos, promovendo inclusive correções necessárias. Para tanto, é
necessário o apoio dos setores de planejamento e finanças dos órgãos aos quais o
Conselho esteja vinculado administrativamente, bem como de técnicos e profissionais a
serem envolvidos para, a partir da análise do quadro de problemas a serem enfrentados,
definir focos de atuação, objetivos, metas, resultados e impactos esperados e formas de
monitoramento”.
Este planejamento, fundamental à garantia dos direitos, recebe acertadamente em São
Paulo o nome de Plano de Proteção Integral da Criança e Adolescente, um documento base que
norteará todas as ações direcionadas ao público infanto-juvenil na cidade, estabelecendo quais
serão os focos de atuação, os objetivos e as metas que se pretende atingir. Sendo, assim, este
documento, a fim de se evitar o uso despropositado do recurso, subsidiará a elaboração e
execução do orçamento público, dentro do qual está inserido aquele direcionado a finalidade
específica consistente no Fundo, cujas verbas que por ele ingressam possuem caráter
eminentemente público, destinando-se a subsidiar toda a política pública complementar destinada
as crianças e adolescentes, financiando projetos, no sentido de resolver os problemas mais
emergenciais que assolam este público.

E considerando a necessidade do planejamento das ações, o CMDCA de São Paulo,


editou a Resolução 67, que traz tais parâmetros para a normativa municipal, delineando o
caminho a ser seguido especialmente para se chegar ao empenho dos recursos, a partir do
estabelecimento de critérios de gestão do Fundo Municipal da Criança e Adolescente:

“4 - Considerando que o funcionamento do Fundo prevê:

I. Elaboração do Plano de Ação elaborado pelo Conselho de Direitos; o Chefe do


Executivo o inclui no Projeto de lei de Diretrizes Orçamentárias;

II. Montagem do Plano de Aplicação elaborado pelo Conselho de Direitos tendo como
base o Plano de Ação e a Lei de Diretrizes Orçamentárias;

III. Aprovação do orçamento: O Poder Executivo integra o Plano de Ampliação na Proposta


Orçamentária e a envia ao Legislativo;

IV. Recebimento dos recursos: o gestor registra as receitas do Fundo;

V. Execução das despesas: o gestor, segundo o Plano de Aplicação, efetua as


despesas previstas;

VI. Prestação de contas: o gestor por meio do balancete, presta contas periodicamente ao
Chefe do Executivo Municipal, ao Conselho de Direitos e anualmente ao Poder Legislativo
e ao Tribunal de Contas, juntamente com as contas municipais;

Artigo 1º - Os projetos aprovados pelo CMDCA para financiamento com recursos do


FUMCAD deverão ter pareceres favoráveis das Comissões Permanentes de Finanças,
Políticas Públicas, Relações Institucionais, do COT e das Secretarias afins; bem como
deverão ser baseados no Plano de Proteção Integral, aprovados e deliberados em
reunião ordinária do CMDCA e publicados no DOM para conhecimento e providências das
Secretarias afins e entidades sociais envolvidas”. [grifos do Relator]
Complementar a essa norma, temos a Resolução 77, que dispõe que:

Artigo 2º - A aplicação dos recursos provenientes do FUMCAD/SP deverá estar


indicada no Plano de Ação do CMDCA/SP e no Plano de Aplicação de Recursos do
FUMCAD/SP, ambos constituídos a partir do Plano de Proteção Integral. [grifos do
Relator]

Tais planos devem, como dito, oferecer embasamento às leis orçamentárias(15), que, por
sua vez, deverão ser elaboradas, no que concerte a política voltada para as crianças e
adolescentes, respeitando as diretrizes delineadas pelo Plano de Proteção Integral. Mas, para a
elaboração dos referidos planos, um antecedente necessário assenta-se no mapeamento que
retrate a realidade da situação que estão inseridas as crianças e adolescentes de determinado
território correspondente ao âmbito de atuação do Conselho.

O Plano de Ação estabelece um planejamento de ações políticas para combater as


necessidades mais prementes do segmento infanto-juvenil. Sua elaboração se pauta no
mapeamento da situação da criança e do adolescente desenvolvido pelo Conselho e suas
metas deverão estar refletidas no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes
Orçamentárias(16).

A necessidade de haver um diagnóstico da situação de violação de direitos, especialmente


sexuais, de crianças e adolescentes foi uma observação feita ainda pela convidada Neide
Castanha, representante do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, quando
de sua vinda a última sessão desta CPI.

É oportuno informar que o Diagnóstico da situação das crianças e adolescentes foi


realizado neste município em 2007, por acertada decisão do CMDCA em se utilizar recurso do
FUMCAD para esta finalidade, no entanto, desde então, este precioso e importante instrumento
político encontra-se incompleto e desatualizado, não estando, desta forma, devidamente pronto
para embasar a construção de metas e planos de ação política no intuito de solucionar os
problemas básicos e emergenciais das crianças e adolescentes. Por estas razões não está sendo
utilizado pelo Poder Público para direcionar suas ações, e pelo próprio Conselho de Direitos como
subsídio à elaboração do Plano de Proteção Integral. Isto é algo bastante desalentador uma vez
que sem uma base concreta e objetiva para pautar as ações há evidente dificuldade em se atingir
metas precisas.

Aliás, também é importante consignar que o Plano de Proteção Integral, instrumento tido
como essencial e balizador da política pública municipal, é algo simplesmente inexistente na
cidade de São Paulo, fato este significativamente preocupante, pois se este órgão – CMDCA –
falha em sua atribuição no sentido de deliberar a política, todo o Sistema de Garantia de Direitos
da criança e do adolescente fica comprometido e consideravelmente deficitário para cumprir a sua
finalidade.

Por outro lado deve-se, ainda, consignar que o CMDCA, contrariando todo o exposto,
publicou no primeiro semestre de 2009, um Plano de aplicação dos recursos FUMCAD (Fundo
Municipal da Criança e do Adolescente). Dizemos que contrariou o fluxo anteriormente
estabelecido uma vez que como dissemos não está embasado no Plano de Proteção Integral e
nem no diagnóstico de fato. Aliás, se tecermos um comparativo de conteúdo poderemos observar
que este “Plano” – se assim poderemos chamar – trata-se da cópia – minimamente alterada – do
“Edital 2008 para seleção de Projetos a serem financiados pelo FUMCAD”.

Passadas estas considerações, verificaremos, brevemente, como se dá a


operacionalização da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e
adolescentes, que, conforme o art. 15 da Resolução 113 do CONANDA, realiza-se através de três
tipos de programas, serviços e ações públicas, que são prestados diretamente pelo Poder Público
ou indiretamente por entidades da sociedade civil:

I – serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos
fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes;
II – serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos; e
III – serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas.

As políticas sociais, referidas no item I, destinam-se a todas as crianças e adolescentes


indistintamente, embasando-se, portanto, na universalização do atendimento, a exemplo da
educação e da saúde. Devendo, ainda, de acordo com o art. 16 da mesma resolução, ser
garantido com especial atenção às crianças e adolescentes com seus direitos violados (a exemplo
daqueles com seus direitos sexuais aviltados) ou em conflito com a lei.

O item III cita as medidas sócio-educativas, destinadas exclusivamente a adolescentes


autores de ato infracional, cujos programas executados deverão oferecer condições que garantam
o acesso destes socioeducandos às oportunidades de superação de sua situação que o levou a
entrar em conflito com a lei penal.

As medidas de proteção, indicada no item II, por outro lado, não possuem caráter
universal, uma vez que se referem às políticas subsidiárias, destinadas as crianças e
adolescentes que não tiveram os seus direitos fundamentais garantidos, pois é somente estas que
deverão ter protegidos os seus direitos humanos, visando garantir a sua dignidade e resgatar os
direitos que lhe foram subtraídos ou simplesmente negados. Estas medidas têm caráter de
atendimento inicial, integrado e emergencial, sendo que além de dever garantir o atendimento
as vítimas imediatamente logo após a ocorrência dessas ameaças e violações dos direitos
humanos de crianças e adolescentes, sempre deverá ser paralelamente desenvolvidas ações
voltadas à prevenção de tais ocorrências. Certamente é aqui que se concentram as atenções
desta Comissão Parlamentar de Inquérito, e é no sentido de identificar as falhas desta política que
se dedicou esta Comissão.

No sentido de melhor visualizar este eixo, apresentaremos sob o seguinte esquema:

Os Sistemas têm por característica a intersecção com outros Sistemas, justamente em


razão da singularidade e incompletude de cada Sistema. Vale, no momento, destacar duas
relações intrínsecas do Sistema de Garantia de Direitos (SGD): uma estabelecida com o Sistema
Único de Assistência Social (SUAS) e outra com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Particularmente nas situações abordadas por essa Comissão Parlamentar de Inquérito,


dois pontos de intersecção: em um localiza-se a especificidade comum aos SGD e SUAS:
Proteção Social Especial de Crianças e Adolescentes, dentro do qual se identificam, em níveis de
média e alta complexidade – conforme o caso –, situações de violência sexual contra esse público
jovem. Em outro, na área da saúde infanto-juvenil, temos a simbiose necessária no campo da
Atenção Básica e Especial às Crianças e Adolescentes: SGD e SUS.
Nesse prumo, cumpre salientar a fundamental participação das entidades de atendimento,
governamentais e não-governamentais, componentes do Eixo estratégico de Promoção de
Direitos no Sistema de Garantia de Direitos. Dentre elas, localizamos, na cidade de São Paulo, os
CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), os CREAS (Centro de Referência
Especializado da Assistência Social), as Casas-Abrigo, os NPPE (Núcleo de Proteção Psico-
Social Especial), os CRECAs (Centro de Referência da Criança e do Adolescente), PPCAAM
(Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte)(17) como alguns dos
principais equipamentos citados nessa CPI, e inseridos em programas de governo da Assistência
Social voltada à crianças e adolescentes identificados como em situação de vulnerabilidade e
risco social, na iminência de sofrer violação de direito ou já tendo sofrido, bem como, sustentando,
por vezes, frágeis vínculos familiares.

Ainda, apresentam-se como entidades de atendimento diversas aquelas cuja finalidade


social assim se demonstre, como, também, as Associações e Fundações privadas que, por vezes,
executam projetos e atividades de natureza estatal, em convênio com o Poder Executivo, na
maioria das vezes, Municipal (sobretudo na pasta da Assistência e Desenvolvimento Social).

No campo da Saúde, dividindo com a Assistência Social o pilar da Seguridade Social,


verificam-se, dentre os citados durante os trabalhos desta CPI, equipamentos públicos como
Unidade Básica de Saúde (UBS), Hospitais Gerais – nível estadual (HG) -, Ambulatórios
Especializados.

Sendo assim, vale retomar o nível de incidência dessas entidades e dos programas de
governo no contexto de trabalho desta CPI.

Ao se verificar o rol de representantes de entidades que promovem o direito de crianças e


adolescentes que já apresentem o direito à sexualidade saudável violado, compreendemos o
vasto campo de incidência das políticas de assistência social e saúde a sanarem não somente a
fissura do direito mencionado violado, mas também, outros direitos que, por vezes, demonstram-
se frágeis na sua efetivação, conforme o trajeto histórico da criança e de adolescentes. Assim, é
possível deparar-se com séries e conjuntos de direitos violados, admitindo-se que é
imprescindível a reparação, em rede articulada, dos vários direitos, sob pena de, caso se promova
a compensação em face de um único direito, seu restabelecimento manter-se insustentável, pois
isolado diante da necessária integralidade das políticas públicas voltadas para crianças e
adolescentes.

Em singela classificação, pode-se elencar a presença das seguintes entidades de


atendimento presentes nos quadros de convidados a colaborarem com os procedimentos dessa
CPI:

• FAROL;
• Instituto Sedes Sapientiae;

• CREAS;

• Hospital Pérola Byington;

• Projeto Quixote;

• Representantes de Secretarias de Governo Municipal.

8.2.2) Da Defesa de Direitos

Este eixo da defesa dos direitos de crianças e adolescentes caracteriza-se


primordialmente pela garantia do acesso a justiça a todos, ou seja, pelo recurso às instâncias
públicas e mecanismos jurídicos de proteção legal dos direitos humanos,
gerais e especiais, da infância e da adolescência, para assegurar a impositividade destes direitos
e sua exigibilidade, em concreto.

Este eixo se dirige a cumprir duas funções: defender os direitos de criança ou adolescente,
ou mesmo um grupo de crianças e adolescentes, que tiveram seus direitos ameaçados ou
violados por ação ou omissão da família, da sociedade, do Estado ou deles próprios, e de
responsabilizar o autor da violação, reparando o dano e, se necessário, aplicando sanções. Aqui
listamos primeiramente a defesa dos direitos, pois é neste ponto que reside a principal atividade
para o enfrentamento da violação de direitos, que certamente só será cessada com a promoção
do direito pleiteado. A responsabilização encontra limitações próprias deste sistema, não se
realizando no sentido de corrigir o problema, por isto mesmo é aqui colocado em segundo plano.
Assim, consideramos que a defesa é o aspecto principal deste eixo, devendo a responsabilização
funcionar somente como instrumento acessório e complementar, afirmar o contrário é admitir e
reproduzir um equívoco histórico que buscamos superar.

Neste sentido foram as considerações feitas por alguns convidados presentes nas sessões
desta CPI, em especial, as colocações feitas por Neide Castanha, membro do Comitê Nacional de
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, foram bem direcionadas neste viés, colocando
que considera a necessidade de haver, necessariamente, três objetivos a se buscar no
atendimento das crianças e adolescentes em caso de violência sexual:

1. Cessar a violência;

2. Restaurar seus direitos, visando resgatar sua dignidade; e

3. Promover a inclusão social pela cidadania (a ser realizado através das políticas públicas).

Aglutina-se neste eixo a atuação dos seguintes órgãos:


I – judiciais, especialmente as varas da infância e da juventude e suas equipes
multiprofissionais, as varas criminais especializadas, os tribunais do júri, as comissões
judiciais de adoção, os tribunais de justiça, as corregedorias gerais de Justiça;

II – público-ministeriais, especialmente as promotorias de justiça, os centros de apoio


operacional, as procuradorias de justiça, as procuradorias gerais de justiça, as corregedorias
gerais do Ministério Publico;

III – defensorias públicas, serviços de assessoramento jurídico e assistência judiciária;

IV – advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados;

V – polícia civil judiciária, inclusive a polícia técnica;

VI – polícia militar;

VII – conselhos tutelares;

VIII – ouvidorias; e

IX – entidades sociais de defesa de direitos humanos, incumbidas de prestar proteção jurídico-


social.

Vale ressaltar, ainda, a natureza excepcional de defesa de direitos embutida em alguns


dos equipamentos citados no eixo da promoção, como o CREAS, ao qual não basta acolher uma
criança ou um/a adolescente, no caso, com seu direito à sexualidade saudável violado,
incumbindo-lhe, também, realizar diversos procedimentos, dentre os quais, quando o caso,
proteção junto ao Sistema de Justiça.

Como podemos observar este eixo é formado basicamente de órgãos ligados ao poder
público, no entanto, é crucial enfatizar que a sociedade civil, que originariamente representamos
enquanto parlamentares, ocupa papéis fundamentais neste cenário, através dos Conselhos
Tutelares e dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Em relação ao Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas e a


Segurança Pública é importante ressaltar que o CONANDA estabelece a necessidade destes
órgãos serem instados no sentido da exclusividade, especialização e regionalização, devendo o
poder público viabilizar a garantia de criação, implementação e fortalecimento de Delegacias de
Polícia Especializadas e Varas Criminais, estas especializadas no processamento e julgamento, e
aquelas na apuração de crimes praticados contra ou por crianças e adolescentes, em todas as
comarcas da Capital e nas cidades de grande porte e
em outras cidades onde indicadores apontem essa necessidade.
Embora aqui façamos a defesa da garantia dos direitos e, portanto, registramos que deve
ser dada maior importância e ser empenhado maiores esforços à defesa em detrimento da
responsabilização, na prática não é o que verificamos, pois, houve a estruturação na cidade de
Varas Especializadas para processar e julgar crimes praticados por adolescentes, mas em
relação à criação de Delegacias e Varas Especializadas para apurar crimes praticados contra
crianças e adolescentes ainda é um faltante na cidade de São Paulo.

O Conselho Tutelar é um importante ator estruturado e consagrado como o grande


defensor dos direitos humanos, encarregados de "zelar pelo cumprimento dos direitos da criança
e do adolescente", particularmente através da aplicação de medidas especiais de proteção a
crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados e através da aplicação de
medidas especiais a pais ou responsáveis. Trata-se de um órgão público, contencioso e não-
jurisdicional, ocupado por pessoas diretamente escolhidas pela comunidade.

Disto podemos extrair que o cargo do Conselheiro Tutelar é de natureza pública e


autônoma (insubordinável) e, para tal, o candidato é eleito por sufrágio universal. Nesse sentido,
vale retornar à sessão de 25.06, cujo debatedor convidado fora o Promotor de Justiça Augusto
Rossini. Segundo ele, o Conselho Tutelar é detentor de diversas atribuições, com poderes de
requisição de serviços, mas não se apresenta com conselheiros necessariamente bem
preparados, conceitual e politicamente: “antes de serem conselheiros tutelares, eles têm que
conhecer a legislação para saber o poder”.

Diante disso, o debate tomou o rumo da defesa de qualificação dos trabalhos dos
Conselheiros, ao que Rossini propõe:

“a sugestão que trago aqui é uma coisa muito singela para a Prefeitura fazer, antes das
eleições dos conselhos tutelares, é fazer curso - a Casa pode fazer - um curso para que os
conselheiros tutelares conheçam o Estatuto da Criança e do Adolescente.”

A proposta de realização de cursos para os Conselheiros Tutelares está em debate há


anos, sobre o que, inclusive, houve informações de representante do Movimento Social da
Infância, especialmente do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
de São Paulo, presente na plenária, que disse haver um Projeto de Lei, na Casa do Povo, (PL
01/06), que inclui pormenores dos serviços conselheiros dentro do quadro da garantia de direitos
na cidade paulistana.

Entretanto, mantém-se polêmica a discussão sobre a vinculação do Conselheiro Tutelar a


determinados formatos de capacitação profissional, uma vez que é eleito pelo povo e, diante
disso, tem legitimidade de agir independentemente de normativas técnicas subsidiárias.
Comparativamente, ocorre a reflexão sobre a implicação de parlamentares e gestores eleitos pelo
povo, em cursos técnicos de qualificação dos trabalhos. Por óbvio, urge a necessidade de se
promover uma equação entre a autonomia conselheira e a especialização profissional.

É preciso ressaltar e assegurar que o legislador estatutário não deixou brecha para se
condicionar o trabalho do Conselheiro Tutelar à freqüência e titulação de aulas e cursos técnicos,
muito embora não tenha normatizado de modo contrário ao estabelecimento de mecanismos que
visem à qualificação do conhecimento e prática no cotidiano conselheiro. Desde que, salienta-se,
não seja a condição para a candidatura e/ou a assunção do cargo.

Deste modo, o Conselho Tutelar é órgão, ao contrário de sua expressividade na CPI,


qualificado como “porta de entrada” na defesa de direitos de crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual, para o que a sociedade paulistana deve dedicar maior espaço nos debates,
sempre sob a premissa metodológica de resguardo e proteção dessa instituição, exemplo das
conquistas políticas e institucionais do movimento da infância e juventude, para cuja política esta
CPI se destina.

O Vereador Carlos Bezerra, diante disso, na mesma sessão de 25 de junho, fez a seguinte
intervenção:

“Então, nesse sentido eu apontaria duas coisas que acho que seriam importantes
também de constarem no relatório. A questão no tocante ao tema Conselho Tutelar, a
qualificação do processo eleitoral

(...)

E, como segunda e última questão, uma adequação de normas e atribuições também


do conselho e dos conselheiros tutelares, porque, quando a gente ouve algumas falas,
parece também que o conselho tem suas atribuições todas garantidas, consolidadas,
enfim, que está concretizado e está consolidado. O que a gente percebe na prática é
exatamente o contrário. A fragilidade da estrutura em decorrência do próprio processo
eleitoral, da eleição”

Sobre os Conselhos Tutelares na cidade de São Paulo é pertinente salientar que são
estruturados a partir do número de 37, os quais receberam, todos, ofícios desta CPI para
responder a duas questões fundamentais ao bom desenvolvimento de nosso trabalho:

1. Solicitação de informações sobre o número de casos de violação do direito à sexualidade


que tem registrado cada um dos 37 Conselhos Tutelares,

2. Solicitação e informações sobre a forma de funcionamentos dos Conselhos em esquema


de plantões, e

3. Solicitação de informações sobre o andamento dos casos encaminhados via disque 181.
Foi o Conselho Tutelar o órgão que recebeu desta CPI o maior número de ofícios, que
somaram um total de 113, por outro lado, proporcionalmente, também foi este órgão o que em
menor quantidade e insuficientemente respondeu. Do total somente 11 foram respondidos,
nenhum em relação a primeira solicitação, apesar de ter havido reiteração daquele requerimento,
10 em relação a segunda, e 02 em relação a última, sendo que o Conselho Tutelar que
respondeu, localizado na Região da Sé, disse não ter conhecimento do encaminhamento
realizado e do andamento do caso pelo fato de ter este Conselho alterado a gestão. Isto dá
mostras da descontinuidade do trabalho e da ação conselheira na cidade.

Outro ponto tocado nesta CPI, ainda sobre os Conselhos Tutelares, diz respeito a sua
estrutura, que fora considerada insuficiente para que este órgão cumpra com a função típica que
lhe compete.

Uma atribuição que por fim cabe ressaltar dos Conselhos Tutelares, por ser especialmente
importante dentro do Sistema de Garantia de Direitos, refere-se ao assessoramento ao Poder
Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento
dos direitos das crianças e adolescentes, pois já que este é o órgão que atua no sentido de zelar
pelos direitos humanos e que muitas vezes acaba sendo a “porta de entrada” aos diversos tipos
de violações destes mesmos direitos, nada mais coerente que ter a atribuição de assessorar na
elaboração do orçamento voltado ao público infanto-adolescente, uma função que, apesar de ser
essencial à engrenagem deste Sistema, tem infeliz e inapropriadamente ficado alheia à atuação
deste órgão em muitas cidades brasileiras, o que no município de São Paulo não é diferente.

Um instrumento administrativo também tratado pela CPI foi o “Disque 100”. Ao visitarmos a
página eletrônica da Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão executivo responsável pela
idealização e execução do serviço telefônico, conferimos a seguinte definição:

O serviço do Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes é coordenado e executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
da Presidência da República (SEDH/PR), em parceria com a Petróleo Brasileiro S.A.
(Petrobras) e o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes
(Cecria).

Por meio do 100, o usuário pode denunciar violências contra crianças e adolescentes,
colher informações acerca do paradeiro de crianças e adolescentes desaparecidos, tráfico
de pessoas – independentemente da idade da vítima – e obter informações sobre os
Conselhos Tutelares.

O serviço funciona diariamente de 8h às 22h, inclusive nos finais de semana e feriados. As


denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de defesa e
responsabilização, conforme a competência, num prazo de 24h. A identidade do
denunciante é mantida em absoluto sigilo.

Alterado, em 2006, para o número 100, o Disque-Denúncia tem sido amplamente utilizado.
Mas, ao mesmo tempo, altamente questionado em seu método e na contribuição efetiva para a
resolução de conflitos e proteção de crianças e adolescentes.

As denúncias por ele recebidas são classificadas do seguinte modo:

• Tráfico de pessoas;

• Pornografia (impressa, eletrônica e por meio de outras formas de vídeo);

• Exploração sexual comercial (com intermediários, sem intermediários e “prostituição”);

• Abuso sexual, negligência e violência (com lesão corporal, violência física, violência
psicológica, violência com morte).

Muito embora recente notícia(18) da SEDH tenha veiculado a marca de 100 mil denúncias,
desde 2003, não há precisão direta para o conhecimento da real quantidade de fatos violentos. A
maior quantidade de notificações foi categorizada como atos de “Negligência” (35,04%), o que
deixa a dúvida sobre a efetividade da campanha, que enfatiza o destino do Dique 100 às
denúncias relacionadas diretamente à violência sexual. Isso, apesar da procura pelo serviço ter
aumentado em cerca de 625% de 2003 à 2008.

Até o mês fevereiro de 2009, o Estado de São Paulo estava em penúltimo lugar (25,48
denúncias por 100 mil hab.) na recepção de denúncias (ANCED, 2009).

Sobre este serviço algumas considerações importantes foram feitas na última sessão de
trabalho ocorrida nesta CPI a partir da exposição da convidada Neide Castanha, representante do
Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Disse ela entender que o
disque 100 teve um papel importante no desvendamento das situações de violência sexual, mas
que neste momento tem que se trabalhar para a descentralização do serviço, repassando a
metodologia, considerada bastante apropriada, para os municípios. Sobre a metodologia informou
ter saído recentemente publicação pela SEDH para dar publicidade à metodologia utilizada no
disque 100.

Em resposta a questionamento do Vereador Carlos Alberto Bezerra a convidada afirmou


que reside no monitoramento das denúncias que chegam via disque 100 um dos grandes
problemas encontrados neste fluxo, pois do total de denúncias recebidas chega informações de
apenas 20% dos casos, sendo que destes cerca de 80% refere-se a informações do Poder
Judiciário, dos quais ainda um significativo percentual informando que não houve prosseguimento
da ação penal.
Segundo ela estes dados apontam para duas fundamentais questões. Primeiramente que
avançamos muito no campo das idéias, mas na prática ainda temos muito a avançar. Em
segundo, aponta para a desumanização das relações, dentro da qual o clamor punitivo ofusca o
nosso senso de justiça, sendo, ainda, a criança ou adolescente com seu direito violado vistos e
tratados na perspectiva do processo e não na perspectiva da proteção de seus direitos. A partir
desta reflexão, coloca-se em questionamento a eficácia dos mecanismos de denúncia, dizendo
que temos caminhos a se seguir, mas, no entanto, devemos fazer a escolha de qual
perseguiremos. Porém, já adiantou que o caminho que entende adequado é de perseguir um fluxo
de exigibilidade de direitos – para o que se prestou esta CPI.

Dentro deste eixo incluem-se, ainda, as entidades sociais de defesa de direitos humanos,
que atuam com base na prestação da proteção jurídico-social, as quais recebem o nome de
Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA), que se diferenciam de
outras instituições da sociedade civil justamente por conta de sua especialização no atendimento
jurídico-social a crianças e adolescentes. Representante do CEDECA Interlagos, presente na da
sessão realizada por esta CPI em 30 de abril, foi o convidado Cláudio Hortêncio.

Um Centro de Defesa não se confunde jamais com uma assistência judiciária, pois a
atividade jurídica que realiza não existe de forma isolada, sendo esta uma estratégia de ação
política, que funciona conjunta e paralelamente com um trabalho social. Além de poder ingressar,
de forma estratégica, em juízo para atender interesse individual, possui permissão estatutária para
ingressar em juízo com ações para a defesa de interesses difusos e coletivos relacionados à
infância e juventude. Portanto seu papel não se resume apenas em representar pessoas perante
o Poder Judiciário, mas se caracteriza por atuar junto aos demais atores do Sistema de Garantia
de Direitos para garantir de maneira ampla os direitos das crianças e adolescentes, assim como a
funcionabilidade adequada deste Sistema. Neste sentido, a via judiciária não é exclusiva, pelo
contrário, compõe, ao lado e em conjunto com outros instrumentos de cunho administrativo e
social, o rol de ações com finalidade política social visando não somente a defesa, mas a
promoção e o controle dos direitos das crianças e adolescentes.

Do eixo da Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes, portanto, são as instituições


presentes na CPI:

• Conselho Tutelar;

• Ministério Público;

• Polícia Federal;

• Disque Denúncia;

Assim, poder-se-á apresentar este eixo sob o seguinte esquema visual:


8.2.3) Do Controle da Efetivação dos Direitos

Sabe-se que implementação e efetivação do Estatuto somente ocorrerá com a participação


da sociedade civil controlando e cobrando que os atores componentes dos eixos anteriores
cumpram cada qual com a função que lhe foi atribuída, em conformidade com os princípios da
Doutrina Proteção Integral, de acordo com as diretrizes dispostas nos instrumentos normativos
de garantia dos direitos humanos da criança e do adolescente. Para tanto foram criados espaços
mistos (especialmente os Conselhos) justamente para fomentar a participação da sociedade civil
organizada, a qual forma este eixo.

Sobre os Conselhos já foram feitas as devidas considerações quando discorrido sobre o


eixo da promoção.

Aqui é importante destacar que apesar deste eixo comportar as instituições da sociedade
civil que tenham em seus objetivos estatutários o trabalho com crianças e adolescentes, somente
considera-se integrante deste eixo se constituir-se de uma ação articulada e integrada em local
próprio, os quais são comumente conhecidos como Fóruns, que são espaço público não-
institucional aberto a toda a sociedade e a toda forma de opinião. Nesta CPI estiverem presentes
na plenária militantes dos Fóruns Municipal e Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente de São Paulo.

Fazemos esta observação pois sabemos que embora as entidades constantemente


cobram e propõem ações aos órgãos públicos, a desarticulação é uma marca comum destas
ações, que muitas vezes advém de interesses visivelmente corporativos de grupos, em detrimento
dos interesses das crianças e adolescentes. Neste caso, não podemos considerar que sejam
ações realizadas dentro deste eixo.

Cabe lembrar por fim que o controle também será feito pelo próprio Estado por intermédio
de seus órgãos próprios e dos poderes de controle interno e externo(19).

Assim, referente ao Eixo estratégico de Controle da Efetivação dos Direitos de Crianças e


Adolescentes, são as instituições contatadas e/ou presentes nas sessões desta CPI, todos
devidamente tratados no transcorrer deste relatório:

• Universidade Bandeirantes (UNIBAN);

• CMESCA;

• CMDCA – São Paulo;

• Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes

Eis o esquema deste eixo:


Por fim, traremos abaixo o organograma completo do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente:

Portanto, dentro de cada eixo, encontram-se os Atores Públicos e Políticos que, por
imprescindível atuação em rede, têm a missão de implementar as políticas públicas, prevenir a
violação de direitos, restituir o direito e, em órbita de monitoramento dos dois eixos (Promoção e
Defesa), controlar o adequado e harmonioso cumprimento de todas essas atribuições. Esse
Sistema vigora a partir de ações categorizadas em programas, projetos e atividades – na seara
governamental -, e por serviços – na seara não-governamental. Ademais, para além da divisão
clássica Governo-Sociedade Civil, temos, por inovação constitucional, os Conselhos Tutelares e
Conselhos de Direitos: o Conselho Tutelar é órgão público de defesa de direitos; o Conselho de
Direitos, órgão de gestão pública, responsável por formular políticas públicas e fiscalizar seu
cumprimento.

9) CONSTATAÇÕES E ANÁLISE CRÍTICA PROPOSITIVA

Inicia-se, nesse capítulo, um diálogo com o leitor na perspectiva do aperfeiçoamento de


práticas, fortalecimento de instituições, e – sabemos, o mais difícil - a construção de alternativas
que vislumbrem a real garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Por assim dizer, cabe a essa Relatoria, entre outras finalidades, recuperar ensejos,
insinuações e, propriamente, afirmativas propositivas para dar cabo à Comissão com significativa
contribuição à sociedade paulistana, e, quiçá, ao Brasil.

Deste modo, um campo de análise do que gerou essa CPI é a problematização de


procedimentos – e seus efeitos – internos ao funcionamento da Comissão Parlamentar de
Inquérito (aspectos formais da CPI).

Outro campo estabelecido a seguir é o questionamento das produções sobre as políticas


públicas, sua implementação, seja na seara da proteção das vítimas, seja na responsabilização
dos agressores (da produção material), devendo, ambos os feixes, perseguir o principal fim: a
garantia de direitos humanos.

9.1) Dos aspectos formais da CPI

Acerca dos aspectos formais destacados nessa CPI, temos, como questões mais
impactantes a serem reveladas e repensadas: o formato e a dinâmica de trabalho dos vereadores,
assim como o setor administrativo da Câmara Municipal de São Paulo; a compatibilização dos
trabalhos realizados em todos os 8 meses com a finalidade e competência de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito Municipal.

9.1.1) Dinâmica da Comissão Parlamentar de Inquérito “da Pedofilia” e do


Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil

Conforme a metodologia de trabalho adotada por esta Comissão no início de seus


trabalhos, estabeleceu-se que a sua primeira fase consistiria no diagnóstico da temática, a partir
do que, seqüencialmente, passaria a se investigar, e por fim, com base nos resultados obtidos
nestas duas primeiras fases, finalizar-se-ia esta CPI com uma fase interventiva, a qual se
reservaria a elaboração de estratégias e ações, pelas vias institucionais necessárias e pertinentes,
a fim de corrigir o desacerto municipal em relação à temática estabelecida.
Inaugurou-se esta Comissão Parlamentar de Inquérito, em 05 de marços, sob a
denominação de “CPI da Pedofilia”, sendo que já, oportunamente e astuciosamente, nesta sessão
inaugural, houve questionamentos por seus membros acerca da impropriedade da nomenclatura
adotada. Assim, com esta alerta inicial, seguiu-se a fase de Diagnóstico.

Nesta fase foram convidados diversos especialistas sobre Violência Sexual, os quais
também em suas explanações conceituais evidenciaram o equívoco na utilização do termo
pedófilo a fim de se referenciar ao abusador ou explorador sexual de crianças e adolescentes,
clareando o fato de que o vocábulo pedofilia tem sido equivocadamente empregado em nossa
sociedade, engano este que, conforme as explicações, não poderia se repetir nesta Comissão,
principalmente por se tratarem, os portadores deste distúrbio de personalidade, um número
significativamente pequeno dentre aqueles que abusam e exploram sexualmente as pessoas
infanto-adolescentes, significando com isto que somente se investigar a partir da relação com a
pedofilia, por conseqüência lógica, estaria se deixando de lado a maior parte dos casos de
violência sexual.

Esta inadequação nominal e, portanto, investigativa, também foi pontuada através de um


Manifesto lido em Plenário, assinado por mais de 120 entidades de Defesa dos Direitos da
Criança e Adolescente, as quais também pleiteavam a correção dos caminhos a se percorrer
através desta Comissão.

Assim, com base no amadurecimento dos trabalhos, dando mostras de honrosa inclinação
à escuta daqueles que representamos, acolheu-se o anseio da sociedade civil, e esta Comissão
Parlamentar de Inquérito, unanimemente, na sessão do dia 02 de abril deliberou-se pela
ampliação do foco investigativo com a conseqüente ampliação do nome da CPI, que, a partir de
então passou a se chamar “CPI ‘da Pedofilia’ e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-
Juvenil”.

Em fase conclusiva deste Relatório, é por bem a retomada da justificação de ampliação do


foco à luz dos preceitos de uma CPI, o que demonstra a acertabilidade, política e jurídica desta
Comissão.

“Parece evidente que, se e quando houver conexão razoável entre os fatos, será também
razoável admitir que sejam apurados em uma só e única investigação, realizada pela
mesma CPI, aplicando-se ao caso o princípio da eficiência, ou da economicidade, que
postula o máximo de resultado com o menor dispêndio de atividade, energia ou dinheiro
(CF, art. 37). De sorte que o fato determinado pode desde o início compreender vários
fatos interligados entre si, como pode, no curso mesmo da investigação, estender-se ela
sobre outros, ligados ao principal” (SPROESSER, 2008: 238).

O Supremo Tribunal Federal, chamado a se pronunciar sobre a questão, decidiu:


“Tem-se reconhecido, com apoio na jurisprudência desta Corte, que a comissão
parlamentar de inquérito não está impedida de estender seus trabalhos a fatos que, no
curso do procedimento investigatório, se relacionem a fatos ilícitos ou irregulares, desde
que conexos à causa determinante da criação da CPMI”. (MS 25733, Rel. Min. Carlos
Britto, decisão monocrática proferida pela Min. Ellen Gracie no exercício da Presidência, j.
03.01.06, DJ de 1º.02.06)

Em outro acórdão:

“Salienta-se, neste ponto, que se revela plenamente viável, a qualquer Comissão


Parlamentar de Inquérito, ampliar, de modo legítimo, o campo de suas investigações,
estendendo-as a outros eventos (não mencionados no requerimento de sua criação), sem
que incida, por tal motivo, em transgressão constitucional, contanto que tais eventos
guardem conexão com o fato principal que motiva a apuração congressional”. (MS 26441-
MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 29.03.07, DJ de 09.04.2007).

Enfim, esta acertada reavaliação do caminho a se percorrer teve um importante significado


e um ganho positivo não somente para esta Casa, mas, principalmente, para toda população
paulistana, especialmente aos nossos cidadãos mirins.

Sob esta ótica desenvolveu-se, durante os 4 meses de funcionamento regimental, os


trabalhos desta CPI, sob ações de Diagnóstico e, por somente duas sessões, de Investigação.

Com isto podemos, imediatamente, verificar o quanto dos trabalhos nos tomou a parte
correspondente à aquisição de conhecimento a respeito do enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil na cidade de São Paulo, não restando, no primeiro período dos trabalhos desta CPI
(antes da prorrogação), tempo apropriado para adentrar de fato nas outras duas fases conforme
inicialmente acordado, ou seja, na Investigação e na Intervenção. Portanto, justamente por conta
disto, decidiu-se prorrogar os trabalhos para um novo período de 04 meses.

Esse atraso, por certo, reflete uma – entre várias – dificuldade metodológica, com
destaque para o compromisso, dos convidados expositores e dos órgãos públicos solicitados, na
prestação de informações, conforme muito bem enfatizou o Vereador Floriano Pesaro através da
seguinte manifestação:

“Nós estamos aqui em um momento importante desta CPI de análise de informações, de


dados, que o relator Carlos Alberto Bezerra chamou de momento do diagnóstico da
situação, para que possamos fazer um relatório final que seja propositivo e, de fato,
avalie as políticas públicas existentes e seus respectivos fluxos de atendimento,
especialmente em relação às crianças vítimas de violência sexual.
No entanto, estamos percebendo que muitas das informações não estão chegando
ao nosso conhecimento. Essa CPI precisa ser respeitada como uma Comissão de
Inquérito da Câmara de São Paulo que necessita de informações, especialmente do
município, mas que não está obtendo.

Faço esse questionamento, Sr. Presidente, porque acho que está na hora, e quero pedir a
atenção do plenário, e estou aqui sugerindo um requerimento, ou pelo menos uma
notificação ao Sr. Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para que tome as
providências devidas, porque as informações que foram solicitadas às secretarias
municipais, especialmente à SMADS, do ponto de vista da execução do plano municipal
de enfrentamento à violência sexual e também informações à respeito do Disque 100
cheguem a esta Casa, a esta CPI.

Há outras informações, outros requerimentos que foram solicitados, houve a presença da


representante da SMADS logo no início da CPI, que não nos trouxe nenhuma
informação, e não temos condição, nobre Vereadora Sandra Tadeu, de evoluir no nosso
diagnóstico, que é o momento mais importante – como podemos propor um fluxo, um
“tratamento”, entre aspas, se posso chamar assim, se não temos um diagnóstico do
problema?

Então, é imperativo que esta Casa, esta CPI, sob o seu comando, nobre Presidente
Marcelo Aguiar, possa solicitar o encaminhamento de todos os requerimentos do plano
municipal, das ações da SMADS, da Secretaria de Direitos Humanos e de outras
envolvidas e do Disque 100 para o Sr. Prefeito para que possamos contar com a
colaboração, que tenho absoluta certeza de que será pronta, do Sr. Prefeito de São Paulo.

(...)

Só para complementar, talvez seja o caso de combinarmos o seguinte: se não vier


resposta em relação ao trabalho que a SMADS vem coordenando, em relação àquilo que a
Comissão Municipal vem realizando de reuniões, atas, discussões, planos, etc, e das
informações do Disque 100, sugiro até que essa CPI faça diligências, que a gente vá
aos responsáveis por essas áreas, como representantes de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito da Câmara Municipal e verifique, in loco, qual o trabalho que está sendo
realizado.

Quando tem reunião da Comissão Municipal de Enfrentamento? Vamos ver a data.


Eles não nos informam? Vamos fazer uma diligência, vamos buscar os documentos,
vamos começar a agir como age uma CPI, porque não é possível a falta de respeito
absoluta que estão tendo conosco aqui na Comissão Parlamentar de Inquérito. (s.
25.06)
Desta exaltada, não sem razão, manifestação parlamentar, podemos concluir que esta
Comissão cumpriu seu papel de forma acertada, tentando com muito empenho na fase
diagnóstica realizar a análise de informações sobre os dados no município no que concerne à
violência sexual contra crianças e adolescentes “para que possamos fazer um relatório final que
seja propositivo e que, de fato, avalie as políticas públicas existentes e seus respectivos fluxos de
atendimento”.

No entanto, houve um empecilho fundamental à realização de nossos trabalhos de forma


qualificada, consistente na não apresentação, por parte de alguns órgãos públicos, a esta CPI das
informações que foram sendo ao longo dos trabalhos solicitadas. Neste sentido, reproduzindo as
acertadas palavras “como podemos propor um fluxo, se não temos um diagnóstico do problema?”
Eis aqui um enorme óbice, pois dados importantes solicitados, especialmente dos Conselhos
Tutelares e da SMADS, ou simplesmente não chegaram ou quando chegaram foram insuficientes
a caracterizar um diagnóstico da situação de violação do direito à sexualidade na cidade.

Assim, a partir dos trabalhos desta CPI identificou-se com muita evidência que a cidade de
São Paulo não possui um diagnóstico global sobre a situação de violação de direitos das crianças
e adolescentes. O que transparece um enorme empecilho ao enfrentamento à violação dos
direitos sexuais de crianças e adolescentes na cidade, pois sem tem minimamente o
conhecimento preciso – ou parcial – da situação, como se poderá planejar as metas no sentido de
se combater tais violações?

Portanto, a “deficiência” verificada na fase diagnóstica dificultou de sobre maneira o


adequado desenvolvimento das fases posteriores.

No entanto, ainda que os trabalhos tenham se dado sem o amparo – pela inexistência – do
referido diagnóstico, um grande nó ao respeito à dignidade e à garantia dos direitos da criança e
do adolescente em São Paulo foi identificado no desenvolvimento da fase Investigativa: o fluxo de
atendimento. Neste verificou-se a completa inadequação, seja pela inexistência de um fluxo claro
e preciso de atendimento às vítimas, pela revitimização que lhe é marca, ou pela secundarização,
no que concerne a preocupação, da criança em relação ao agressor.

Acreditamos não haver dúvidas quanto à qualidade ímpar dos trabalhos e das temáticas
desenvolvidas nesta CPI, que muita serventia e proveito trouxe a esta cidade, mas também é fato
que problemas sérios permearam – e de certa forma obstruíram – o desenvolvimento desta
Comissão. Algo essencialmente importante que acabou se perdendo na dinâmica dos trabalhos,
refere-se a ponto relacionado à metodologia acordada nesta Comissão, conforme consta da
“Apresentação” deste Relatório, especialmente em relação a reconhecida – ainda que de
sobremaneira desatendida – necessidade da elaboração do plano de ação por CPI. A ausência
real deste plano de ação acabou por fim a fazer com que as ações fossem tomadas muitas vezes
sem o planejamento adequado para se chegar ao uso mais adequado, correto e proveitoso
possível deste inquérito parlamentar.

Por derradeiro, é preciso consignar que o resultado de uma gama de dificuldades que
tenham prejudicado a qualidade de algumas das sessões também ficou por fim localizado e
refletido no Relatório desta CPI. É evidente que, em primeiro plano, a ausência ou insuficiência de
informações comprometeu o bom andamento das sessões seguintes. Mais evidente ainda é, em
segundo plano, o efeito no Relatório da Comissão, documento de organização de todos os
registros necessários para eternizar os trabalhos desta Casa do Povo, bem como, para os fins da
política pública, contribuir, externamente, na efetivação da Doutrina da Proteção Integral.

9.1.2) Retomada dos preceitos e finalidades de uma CPI no contexto da Comissão


Parlamentar de Inquérito da Pedofilia e do Enfrentamento da Violência Sexual
Infanto-Juvenil

Como fora minuciosamente tratado neste relatório, quando da conceituação e da


fundamentação de uma CPI, pudemos ver que esta Comissão tem como missão genuína
investigar, poder conferido ao Parlamento para instrumentalizar o exercício da atribuição
exclusiva prevista no artigo 40, X, da Constituição, ou seja, o ato de “fiscalizar e controlar,
diretamente, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

Vimos, também que esta Comissão Parlamentar de Inquérito da “Pedofilia” e do


Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil teve como escopo de promover o controle da
orientação política do Poder Executivo municipal no que se refere à temática, tendo como
finalidade principal fazer com que o desvio de orientação resulte no devido ajuste de rumo
apontado pela Constituição e pelas leis vigentes no ordenamento jurídico nacional e municipal.

É certo que consta no Requerimento nº 0019/2009, constituinte desta Comissão, que


“requer a constituição de CPI, com base no art. 33 da Lei Orgânica do Município, para averiguar
casos de pedofilia, especialmente quanto à existência de rede de pedófilos no âmbito do
Município de São Paulo”, o que revelou, conforme verificamos no decorrer dos trabalhos, um
lamentável engano, provavelmente por inafastável influência da CPI do Senado Federal que, em
seu requerimento de instalação, por sua vez, visava “a criação de uma comissão parlamentar de
inquérito, com o objetivo de investigar e apurar a utilização da internet para a prática de crimes de
"pedofilia", bem como a relação desses crimes com o crime organizado”.

Vale a pena apontar uma ressalva, essencial aqui retomar – também como uma alerta ao
parlamento de todo país que muitas vezes se equivoca quanto ao uso deste instrumento
parlamentar –, da inadequação de quaisquer Casas Legislativas municipal ou Estadual em se
apurar crimes, exceto se estes tiverem diretamente relacionados com a atuação da Administração
Pública do mesmo âmbito territorial de sua competência, o que verificamos não ser o caso desta
CPI. Isto porque a competência legislativa na área penal é de exclusividade do Congresso
Nacional.

No entanto, como já dito, já na primeira sessão percebeu-se a impropriedade em se apurar


casos de pedofilia por intermédio de uma CPI, mas entendendo a importância de se tratar desta
temática a partir das especificidades da capital paulista, seqüencialmente, deliberou esta CPI,
acertadamente, pela ampliação de seu foco investigativo e pela sua readequação nominal. Isto
significou que se focaria não mais nos casos de pedofilia, mas sim no enfretamento à violência
sexual infanto-juvenil, numa perspectiva centrada na garantia e pela defesa dos direitos humanos
das crianças e adolescentes residentes nesta cidade. E neste prumo é que se seguiu com a fase
investigativa e interventiva.

É imperioso salientar que a função controladora do Parlamento advém de nossa


competência-dever de observar se as leis estão em efetiva aplicabilidade. Assim, a CPI é mais um
– e catalisador – ambiente para se apurar as falhas no sistema político. Embora disparada por fato
determinado, a Comissão Parlamentar de Inquérito deve se alicerçar no contexto político em que
se insere o fato apurável. E, nesse sentido, inaugurada com objetivo mais restrito – apuração de
exposição de conteúdo impróprio nos sítios eletrônicos -, posteriormente, a CPI “da Pedofilia” e do
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil teve o condão de assentar-se nas políticas de
proteção dos direitos de crianças e adolescentes como um todo.

Neste sentido, nada mais coeso, conforme fomos direcionados pelos trabalhos, de termos
centrado grandes esforços para se investigar a política pública municipal a partir do fluxo
estabelecido no município para o atendimento das crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual, o que demonstrou que esta CPI foi direcionada pela luz da garantia e defesa dos direitos
das pessoas menores de 18 anos com morada em São Paulo.

Em confirmação e destaque de alguns pontos já anunciados ao longo desta CPI – por


informações especialmente produzidas na fase do Diagnóstico -, relevamos o Fluxo de
Atendimento como um elemento fundamental de compreensão do Sistema de Garantia de
Direitos, conforme observou o Vereador Carlos Bezerra:

“Sem interromper, queria só insistir numa questão, a gente insiste, nós estamos
trabalhando muito com o foco no fluxo, na rede, na fragilidade da rede, porque
nossa idéia como Vereadores que compõem essa CPI, é construirmos um relatório
que observe as fragilidades dessa rede, os pontos vulneráveis dessa rede, e
efetivamente aponte caminhos e alternativas, enfim, é nesse sentido que vai a minha
questão” (s. 25.06).
Consoante a essa intervenção, algumas exposições, ao longo do primeiro quadrimestre,
também apontaram para a necessidade de se investigar as falhas no fluxo de atendimento para se
criar e aperfeiçoar os mecanismos de qualificação dos serviços em geral.

Além disso, ainda temos reflexões que aportaram a comunicação com a População como
método de qualificação das políticas. A comunicação, vale lembrar, é elemento intrínseco à boa
política pública, vez que determinante à intersecção entre as linhas de ação e os atores do
Sistema de Garantia de Direitos.

“(...) não só o atendimento é importante, mas a questão de poder trabalhar em uma


situação mais de informação com a população. (...) segundo a Organização Mundial de
Saúde, a gente vai trabalhar nessa questão, com três níveis de prevenção: a primária, a
secundária e a terciária. A primária será o trabalho com grandes palestras, campanhas; a
secundária seria quando já existe uma situação de risco, e terciária, quando você está
fazendo a prevenção com aquela família que já está vitimizada e temos de intervir para
que outras pessoas não sejam vitimizadas.” (Dalka, s. 26.03)

Assinalando, ademais, o fluxo de atendimento, obviamente, ele não se opõe aos


mecanismos de defesa e responsabilização, no entanto, deve ser qualificado com foco na
proteção da criança e do adolescente. Diferentemente dos serviços de responsabilização,
mormente localizados nos departamentos do sistema penal, que, por si, não garantem a efetiva
proteção dos direitos desses jovens.

“O que podemos pensar em termos de enfrentamento da exploração sexual de crianças e


adolescentes? Ações policiais não resolvem, não do ponto de vista da violação de direitos.
Agora, a polícia tem, sim, que investigar as redes, buscar a responsabilização desses
exploradores” (Gloria Maria, s. 26.03).

Fomos, assim, levados a empreender energia mais intensa nas questões referentes aos
serviços de proteção direta aos direitos da criança e do adolescente, visto durante os trabalhos –
tendo restado ao final confirmado – serem insuficientes e/ou falhos neste Município.

Por todo exposto aqui e no tópico anterior, podemos concluir que ainda que muito pouco
esta CPI tenha conseguido avançar, da forma devida e esperada na Fase do Diagnóstico – ainda
que esta fase tenha tomado conta da maior parte dos trabalhos realizados por esta Comissão
Parlamentar de Inquérito –, no que se refere ao número, mesmo que aproximado de violações aos
direitos sexuais existentes na capital paulista, prestou, ainda assim, crucial contributo à política
municipal ao desvendar ser o diagnóstico da situação de violação de direitos um faltante absoluto
deste município e de se aperceber as inescusáveis falhas encontradas no fluxo de atendimento
destinado às vítimas de qualquer tipo de violência sexual. Esta identificação, no entanto, nos
aponta, por fim, a uma questão fundamental: a necessidade de dar urgentemente cumprimento
cabal ao Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.

CONCLUSÕES

Fatos relacionados a diagnósticos de parafilias são conhecidos pela sociedade médica


desde muito antes da expressão pedofilia destacar-se nos consultórios psiquiátricos e nas páginas
de jornais. Ocorre que é do próprio comportamento humano impor culturas políticas que
determinem conjuntos de atitudes corretas, aceitáveis e incorretas; daí a formação moderna das
leis, sob o ponto de vista do indivíduo social.

Nos últimos anos, a pedofilia ganhou espaço no cenário sanitarista-mental, na medida em


que verificações sociais fundadas em estudos e/ou apelos midiáticos espetaculares passou a
deduzir o alinhamento desse diagnóstico com o comportamento erótico entre adultos e crianças,
algo, vale reforçar, totalmente avalizado em outras e pretéritas culturas, inclusive ocidentais.

No Brasil, o desenvolvimento desse conhecimento e dessa perspectiva social deu-se à luz


dos direitos sexuais de crianças e adolescentes, muito embora arduamente concebidos como
direitos, especialmente por alguns setores religiosos.

Nesse sentido, destacamos a observância automática à defesa de direitos desse público


jovem, como primeiro ponto do qual se desdobram avaliações sobre as políticas de enfrentamento
à violência sexual, nas quais se incluem práticas de responsabilização dos agressores,
atendimento das vítimas, mobilização social, produção de conhecimento teórico sobre a questão,
orçamento público, elaboração de modelos metodológicos de monitoramento das mesmas
políticas etc. Ou seja, é premente que se estabeleçam políticas integradas de proteção a crianças
e adolescentes, e não somente – como outrora – práticas interventivas isoladas e, por vezes,
meramente punitivas e revitimizadoras. Essa é a conjuntura em que, na década de 2000, o Brasil
elabora seu primeiro Plano de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra
Crianças e Adolescentes, que, na lógica dos princípios de descentralização político-administrativa,
deve servir de diretriz para as políticas instaladas nas demais esferas federativas, cada qual a
partir de seus próprios Planos.

Vale pontuar, portanto, o entendimento de que as práticas garantidoras do saudável


desenvolvimento sexual de crianças e adolescentes, até pouco tempo refratárias e residuais
perante práticas interventivas caritativas e/ou punitivas – salvo raras exceções -, deve propiciar
um plano de políticas públicas integradas. E, para além das ações delituosas que podem referir-se
a um sintoma pedófilo, a Comissão Parlamentar de Inquérito da “Pedofilia” e do Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil de São Paulo deparou-se exatamente diante da ausente e
insatisfatória rede de políticas integradas, desde o atendimento às vítimas até mesmo à garantia
de direitos à saúde mental ao agressor que seja evidentemente pedófilo e necessitado de
atenção, sem contar as práticas de defesa e responsabilização reduzidas à punição deste e, por
vezes, ao isolamento da vítima.

Em diversas reuniões desta CPI, os parlamentares tomaram contato com órgãos de


promoção, defesa de direitos e controle da efetivação dos direitos, e, diante disso, cumpre reforçar
o papel de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Municipal, que, no caso em tela, deve,
sobretudo, voltar-se à apuração das políticas sociais de garantia de direitos de crianças e
adolescentes, bem como dos demais envolvidos.

Sendo assim, fora mais do que acertado o acolhimento da proposta da sociedade civil de
ampliação do foco e conseqüente mudança da nomenclatura que intitula esta Comissão: a
precariedade das políticas sociais de desenvolvimento de crianças e adolescentes não está
restrita à persecução penal realizada, incessantemente, aos agressores, mas, mais do que isso,
presente nas políticas básicas e especiais de promoção e proteção do público vitimizado.
Vitimização, diga-se de passagem, gerada não somente pelo fato delituoso individual, mas ainda
pelo insuficiente e insatisfatório repertório de programas governamentais e não-governamentais,
característica maior de um Estado Brasileiro que ainda não firmou políticas de Estado, e sim,
quando muito, políticas de governo.

É evidente o alto impacto de atuação da CPI na sociedade que a sustenta e, ao mesmo


tempo, circunda-a. Impacto que deve voltar-se, em sua capilaridade, ao objeto principal de
instalação da Comissão. A prioridade absoluta na garantia de direitos de crianças e adolescentes
não pode se localizar somente no plano político ou em práticas isoladas, senão, mormente, nas
práticas reais e intrínsecas ao ambiente revolto de interesses contraditórios e particulares
predominantes em uma sociedade como a brasileira, vindo a paulistana a ser expressiva nessa
marca nacional.

Nesse passo, reforça-se, em modo conclusivo, a evidência resultante das ações dessa
CPI: a imperiosidade de se oxigenar as instituições de Estado – Ministério Público, Defensoria
Pública, Órgãos de Tribunais de Justiça, Conselhos de Direitos etc -, instituições de governo –
prefeitura municipal e suas secretarias e regiões administrativas – e instituições da sociedade civil
– de atendimento, pesquisa, controle e defesa de direitos humanos.

É nítida a disputa de poder estabelecida entre setores da sociedade civil e governo, seja
do ponto de vista meramente partidário, como também ideológico. Por essa razão, as instituições
de Estado, em tese, acima do binômio mencionado, devem ser fortalecidas no campo dos Direitos
Humanos, sob a perspectiva da garantia universal de desenvolvimento de todas as crianças e
adolescentes. Pois são as instituições de Estado as justificadoras e protetoras do equilíbrio
democrático arduamente construído na República Federativa do Brasil, enquanto assim se o
desejar.

RETROSPECTIVA DAS SESSÕES REALIZADAS

Primeira Sessão – 05 de março

A primeira questão importante a ser tratada nessa CPI foi o conceitual entendimento de
Pedofilia, de modo que, automaticamente, debateu-se sobre a definição da nomenclatura que
intitula a Comissão. Diante dessa definição, foi conseqüente o prenúncio sobre a definição do
foco. Essa questão foi colocada desde o início pelo Vereador Relator Carlos Alberto Bezerra,
aduzindo, claramente, sobre a incongruência entre a proposta de uma CPI (apuração de fato
determinado e, eventualmente, tipificado como crime) e o que estava sendo proposto, já que a
Pedofilia trata-se de uma Patologia, portanto não passível da ação de uma Comissão, que só
alcança sentido com a ampliação da nomenclatura para manifestações de violência sexual,
reconhecidamente, o implícito objeto de investigação desta CPI. Segue trecho desta sessão:

“Carlos Alberto Bezerra Jr. –

‘O primeiro [apontamento] é sobre a questão da nomenclatura da CPI. (...) Falarmos em


CPI da Pedofilia, apesar de acabar se consagrando esse nome, parece-me inadequado.
Pedofilia é patologia, não é tipificada no Código Penal, (...) Eu proporia a alteração e
discussão para que se tivesse uma CPI de combate à exploração e violência sexual à
criança e ao adolescente ou, pelo menos, de enfrentamento da pedofilia na cidade, pelo
menos para podermos fazer esse debate que creio ser um debate importante.

O segundo apontamento que faria: uma CPI, ainda mais uma CPI que trata de um
tema como este - do enfrentamento da violência sexual contra a criança e o adolescente
na cidade - é um tema que perpassa por vários outros temas, como por exemplo: a
questão do tráfico de drogas, o tráfico de pessoas, a questão da drogadição, prostituição,
enfim, vários temas que são transversais a esse. Então, faço desde já, um apelo para que
tenhamos uma estratégia definida e um foco definido, para que seja mantido o foco. A
tentação durante todos os trabalhos da CPI será enorme, no sentido de desviarmos o foco,
em virtude de tamanha amplitude de problemas que serão adicionados conforme
avançarem as investigações e as discussões.

Por último, proporia para a discussão de todos os colegas Vereadores que


pertencem à CPI: que a CPI tivesse um foco especial também na questão de
levantamento de experiências brasileiras relevantes. Particularmente, no atendimento
e na definição de normativas para a nossa cidade’.”
O Vereador Floriano Pesaro lembrou-se do andamento de programas sociais de prevenção
e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, nos anos em que fora Secretário Municipal
de Desenvolvimento e Assistência Social, tais como São Paulo Protege, Sentinela, Programa de
Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), bem como do Centro de
Referência da Criança e do Adolescente (CRECA) e da Campanha Dê Mais que Esmola. Dê
Futuro.

Nesse momento, pelo Vereador Presidente, foram acolhidas as observações retratadas


pelos Vereadores da mesa, em especial a proposta de discussão acerca da nomenclatura que
intitula a CPI, bem como seu foco, o que vem a ser um divisor de águas no andamento da
Comissão Parlamentar de Inquérito.

Na Etapa Conceitual, marcante na Fase do Diagnóstico, diversos especialistas foram


convidados para realizar exposição condigna com a temática pertinente à sessão respectiva.
Nesse prumo, já apresentados destaques da primeira sessão, e com o fim de situar o leitor de
modo amplo, é o convite à leitura da síntese das sessões dessa Fase.

Sessão de 19 de Março

Nesta sessão, promoveu-se à apresentação da metodologia de trabalho da CPI, de


proposição do Vereador Relator, com conseqüente aprovação pelos demais Vereadores, fato
inédito em qualquer ato legislativo desta cidade, já que, de forma geral, as sessões se iniciam a
partir da simples explanação do objeto e seguem sem aprofundamento e planejamento público
sobre as estratégias de atingimento do fim pretendido.

É a metodologia publicizada na sessão:

• Composição da equipe de assessores designados pelos Vereadores que integram a CPI;

• Elaboração e divulgação interna de calendário das reuniões de assessoria, com definição


prévia de data, horário e local;

• Elaboração do plano de ação desta Comissão Parlamentar de Inquérito. Neste sentido, a


elaboração do plano da CPI leva em conta o agendamento de uma visita de seus membros
ao Senado Federal, no sentido de recolher o material produzido, na CPI da Pedofilia, sobre
a cidade de São Paulo; ou a presença do Senador Presidente da CPI da Pedofilia em
sessão desta Comissão Municipal

• Cronograma de ações da CPI: cronograma interno que inclui, entre outras atividades, as
reuniões, e um externo, de visitas e oitivas;

• Designação de assessor pela secretaria desta Comissão.


Procedeu-se à leitura das ações dispostas na metodologia, ações pormenorizadas mais
acima.

Nessa Sessão, as manifestações sobre a necessidade de re-definição da Nomenclatura


precedeu diversos debates para o amadurecimento sobre os rumos da CPI. Houve algumas
intervenções de militantes, especialistas e representantes de entidades, todos voltados à defesa
dos direitos da criança e do adolescente.

Vale salientar, ainda, que mais de 100 (cem) instituições(20) elaboraram e apresentaram
um Manifesto direcionado aos Vereadores da CPI, defendendo a ampliação do foco e,
conseqüentemente, do nome, pois, segundo o documento, somente assim seria possível, de fato,
alcançar o objetivo de enfrentar as principais formas de violência sexual contra crianças e
adolescentes. Seguem algumas das intervenções citadas:

“Glória Maria Motta Lara (Entidade FAROL) – ‘Para nós, que atuamos na área, faz
diferença, porque distinguimos a questão da pedofilia da questão da exploração da
violência sexual. O pedófilo, na minha opinião, na opinião da minha entidade, é uma
pessoa que deve ser tratada, mas deve também ser responsabilizada’.”

“Lúcia Toledo (Entidade FAROL) – ‘Quem que essa CPI de fato quer se preocupar?
Quando deixa claro que o nome é do pedófilo no universo de pessoas que abusam e
exploram sexualmente crianças e adolescentes uma parcela pequena são pedófilos. E
além, disso você não dialoga com a sociedade de que aquele que leve e trás, que
fotografa, que explora, que permite que naquele hotel tenha criança sendo explorada, etc
(...) Toda aquela rede de aliciadores se identifique (sic) com essa CPI. Só vai identificar
quem de fato for. E que geralmente trabalha silenciosamente. Tem de deixar claro para a
sociedade com quem que vocês querem dialogar.’”

Em seguida, procedeu-se à leitura do Manifesto dos Atores Sociais com o respectivo


pedido final:

“Manifesto de apoio à CPI para o enfrentamento à violência sexual e infanto-juvenil:


a sociedade civil organizada que atua na defesa dos direitos humanos da criança e
do adolescente: ‘através deste manifesto, vem saudar a instalação da CPI da Pedofilia
destinada a averiguar a existência de rede de pedófilos no município de São Paulo,
inclusive, quanto à utilização da internet para prática de tais crimes. Requerimento para
instalação da CPI na CMSP, de 04/02/2009, com base em ocorrências jornalísticas,
notadamente, matéria do jornal Folha de S. Paulo, de 09 de outubro. De plano, fazemos
algumas condenações (sic - NT): no requerimento anunciado não há em nenhum momento
menção a crime e sim a eventuais práticas abusivas de conotação sexual. No
requerimento, é fundamento, de fato, para sua instalação a matéria veiculada no dia 09 de
outubro no jornal supracitado. No entanto, em tal matéria, o foco é a pesquisa que retrata a
exposição de crianças como expectadores aos sítios eletrônicos de conteúdo impróprio.
Portanto, o único fato utilizado em requerimento para a instalação da CPI não a justifica,
uma vez que não traz em pauta exatamente a prática violenta que sustenta a pedofilia,
mas sim a responsabilidade do mantenedor provedor desse instrumento comercial
eletrônico. Em outro plano, sendo um único fato formalmente utilizado para a instalação da
CPI, eleva a rede eletrônica ao grau de máxima importância investigativa, deixando em
segundo lugar, como justificativa fática, outros e reais modos de manifestação da
exploração e abusos sexuais. Contexto político: infelizmente, assistimos que tão grave
situação tem sido retratada de forma inadequada, principalmente pela mídia de grande
audiência que, mais preocupada com apelos públicos imediatistas e superficiais, não se
preocupa em tratar a situação com cuidado, profundidade e respeito devido, pautada pura
e simplesmente em interesses comerciais que acaba ‘revitimizando’ crianças e
adolescentes, não dando conta de responder a situações de violações presentes em nosso
cotidiano contra meninos e meninos. A ampliação do foco investigativo conceitual e
institucionalmente sabe-se que pedofilia não é crime em si, mas segundo a Organização
Mundial de Saúde, um estado psicológico de atração sexual por crianças chegando a ser
caracterizado como um desvio sexual. Uma vez que as políticas públicas devem ser
direcionadas à garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes, sugerimos que a
Comissão Parlamentar de Inquérito tenha como foco as práticas de violência sexual contra
esse público, dentro das quais estará, eventualmente, a prática derivada desse estado
psicológico definido como pedofilia. Assim, diante dos fatos e construção dos diversos
grupos pautados por um processo de elaboração científico-conceitual, solicitamos com
respeito devido a esta CPI que o foco da sua ação seja ampliado, pois o recorte pedofilia
sugerido não dá conta da real problemática que visualizamos por dois motivos: formal, a
nomeação de pedofilia que a coloca como objeto de investigação retira de foco a prática
de violência enfocando somente o estado psicológico; material, propriamente a prática de
violência derivada do estado psicológico pedofilia tira o foco da garantia de direito, reduz o
âmbito investigativo tão somente ao autor e eventual crime na lógica do dano não se
apurando o contexto de violência sexual contra criança e adolescente na lógica do desafio.
A CPI, é inegável, trata de um aspecto que entendemos grave que, porém, está dentro de
uma problemática muito maior que é da exploração, abuso e violência sexual, já que essas
são suas manifestações. Entendemos que, a partir daqui, há necessidade de fortalecermos
esse processo de mudança da cultura ‘vitimizadora’ de crianças e adolescentes da
sociedade paulistana e precisa, sim, investigar a violência e propor outros caminhos de
resolutividade não-reducionista. Assim, é possível detectar outras possibilidades de
apuração dos fatos de violência sexual contra crianças e adolescentes, incluindo,
eventualmente, os ligados à pedofilia. Com essa adequação conceitual, os procedimentos
decorrentes também já poderão impulsionar a elaboração de políticas públicas voltadas ao
pedófilo e à vítima, bem como sua família, contribuindo para atuação da delegacia de
crimes virtuais. Frisa-se que é atribuição principal do Parlamento a criação e a adequação
de normas e a fiscalização da correta execução das mesmas, por meio da implementação
e efetivação das políticas públicas de garantia de direitos da criança e do adolescente.
Pedido: entendendo a sensibilidade dos nobres Vereadores que, ora se empenham e se
juntam na nossa historia de luta para superação de todo tipo de desrespeito à infância,
juventude e adolescência, pedimos que esta CPI tenha sensibilidade necessária para
compreender a dimensão e a importância das nossas ponderações, entendendo-se, por
fim, que o fenômeno que também (ininteligível) na pedofilia tem uma abrangência maior,
que é todo o processo de exploração e abuso sexual contra criança e adolescente num
nefasto circuito de ‘vitimização’ e exploração comercial. Portanto, todos os expostos (sic) e
visando ter esta CPI maior condição de produzir os efeitos planejados que esperamos a
não ser de mera punição, mas principalmente de defesa e proteção de crianças e
adolescentes, solicitamos a ampliação de seu foco investigativo, adequando-se à
materialidade dessa investigação no seu teor e produção e, conseqüentemente,
conceituando adequadamente sua denominação, seguindo as nomenclaturas adotadas no
plano nacional, estadual e municipal de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.”
Assina (sic) esse manifesto várias organizações sociais, conselhos e fóruns.

A partir da leitura e aprovação da Carta encaminhada aos Parlamentares desta Comissão,


documento coerente com diversos posicionamentos apresentados pelas especialistas em suas
exposições – antes e depois dessa sessão inovadora -, modificou-se o plano de trabalho da CPI,
ampliando-se o foco de estudo e atuação, bem como sua nomenclatura. Passa a denominar-se
“CPI da Pedofilia e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil”, conforme viremos mais
adiante. Ressalte-se que a ocupação das sessões com esse debate, aparentemente de mera
formalidade, é fato que demonstra a dificuldade conceitual de se lidar com o tema, que
estabelece, por sua vez, uma interface entre Saúde Mental e Sistema de Justiça. Essa relação
não é somente interdisciplinar, mas, ainda, intersetorial e transversal aos eixos de defesa de
direitos (criança, adolescente, mulher, portador de deficiências etc).

Ainda nessa sessão, ensaiavam-se sugestões para elaboração das linhas de ação, como
profere o Vereador Presidente:

A primeira sugestão é que seja uma linha de trabalho que abranja a parte educacional e
sociológica, assim como a parte legal e jurídica, e que façamos audiências públicas para
que possamos levar às esferas estadual e federal até mesmo uma alteração da
Constituição como idéia, como informação, como conteúdo. Outra sugestão é que essa
linha de trabalho também abranja um trabalho na área da saúde física e mental, assim
como um trabalho na área de investigação e de assistência social, assim como um site,
que possa estar ligado a alguns órgãos que já hoje em dia fazem um trabalho de
acompanhamento na cidade de São Paulo.

O Vereador Relator ainda abordou, sob o ponto de vista metodológico, a necessidade de


se incluir no planejamento desta CPI discussões de concepções teóricas sobre “pedofilia” e
formas “violência sexual”. Bem como a imperiosidade em se trabalhar considerando-se as
peculiaridades de cada região da cidade.

A respeito da CPI Federal (Senado Federal), fez, ainda, um convite aos demais
Vereadores para irem, todos, à Brasília, em visita ao Presidente daquela Comissão, de modo a se
recolher cópias dos documentos de apuração de fatos relacionados a São Paulo.

Entre os requerimentos apresentados, vale destacar o proposto pela Vereadora Juliana


Cardoso, segundo o qual se solicitam aos Conselhos Tutelares da cidade informações precisas,
colhidas nos atendimentos, sobre fatos relacionados à violência sexual.

Sessão de 26 de março

O esforço das primeiras sessões da CPI foi voltado para trazer reconhecidos especialistas
de evidente contribuição aos trabalhos dos membros parlamentares, de modo a se compreender
melhor os conceitos em discussão.

Sendo assim, foram convidados diversos representantes do movimento social,


atendimento a criança e ao adolescente e da academia, que puderam contribuir significativamente
para esse entendimento. Na sessão de 26 de março, destacamos alguns trechos da exposição de
Dalka Chaves do Instituto Sedes Sapientae, e de Glória Maria Motta Lara da entidade Farol.

Segundo Dalka Chaves, é notória a expressão da violência sexual no interior da casa da


vítima e/ou de seu pai ou mãe, identificada como Violência Doméstica Sexual:

a Organização Mundial da Saúde fala que nessa última década milhões de crianças
sofreram abusos e negligências nas mãos de seus pais e cuidadores. Então, uma coisa
que chama atenção neste tema, é que a grande maioria dos casos acontecem dentro da
própria casa.”. Dalka, ainda, observa que a violência sexual direta não é de titularidade
masculina, embora a maior parte das práticas seja atribuída ao homem. Explica, em
seguida, o que podemos denominar como Pedofilia e como abordamos seu alcance mental
e manifesto. Faz de todos os conceitos uma abordagem prática, em especial a partir de
sua atuação no Instituto que representa nessa sessão. E na prática que utiliza como
contexto, traz outras formas de violência contra criança e adolescente – trabalho infantil e
tráfico de seres humanos – para denotar uma cultura, segundo ela, “adultocêntrica” e
“falocêntrica”.

Ainda aborda a necessidade de se atentar à nomenclatura atual sobre as formas de


violência sexual, as quais, na sua maioria, encaixam-se em uma das três possibilidades:
“Violência, abuso e exploração sexual”, de acordo com as análises feitas sob a elaboração dos
Planos Nacional, Estadual e Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescente. Chegou a associar o equívoco da nomenclatura por influência da equivocada
associação feita e amplamente divulgada por intermédio da CPI do Senado, dizendo que “Eu acho
que o termo pedofilia ficou popularizado até em função da outra CPI nacional”.

Com mais detalhes, Dalka explanou sobre sintomas e manifestações das vítimas de abuso
sexual, o que nos faz olhar com afinco para essa violência intradomiciliar. Encerrou sua fala
tratando da rede de proteção da criança (em especial, o fluxo de atendimento) em face da relação
desta com seus responsáveis, entre eles, o próprio agressor. Nota-se que a contribuição de Dalka
Chaves, nesta fase de Diagnóstico, enfatiza – pela própria experiência do Instituto Sedes
Sapientiae – a produção de violência no âmbito doméstico e familiar, com destaque para o abuso
sexual contra crianças e adolescentes.

Glória Maria, por sua vez, trouxe uma importante contribuição do ponto de vista do Direito,
ampliando o foco da violência sexual, agregando elementos do cotidiano, na militância e no
atendimento aos direitos de crianças e adolescentes explorados e abusados sexualmente.

Introduz o assunto pelo viés da Violência Sexual, atribuindo, acima de tudo, o caráter de
violação de direito fundamental. Conceituou a violência pelo Abuso Sexual, expandindo-se para as
questões relativas à Exploração Sexual Comercial, na qual inclui o Turismo Sexual e o Tráfico de
Pessoas na modalidade pertinente. Expôs a amplitude e a variedade de manifestações de
violência, que chegam, pela via da tecnologia virtual, à Pornografia Eletrônica infanto-juvenil.

A convidada, ainda, adiantou pontos territoriais paulistanos de presença de eventual


prática de exploração sexual comercial, tais como o chamado “Autorama”, e a rua Augusta:

Há também os autoramas da Cidade. Não é só o autorama do Ibirapuera, tem outros locais


com esquema de funcionamento do autorama. Há região da Rua Augusta, nas
proximidades da Rua Luís Coelho. Basta passar por ali à noite para você ver meninas
muito novas mesmo. Pior: se você parar e perguntar, pedir um documento, conversar com
elas, elas vão te dar um documento com 18 anos e vão te dizer com a maior confiança a
data em que elas nasceram, que vai bater com 18 anos, embora você veja que ela não
tem mais do que 13, 14 anos.

E ataca:
O que a gente sabe mais sobre São Paulo? Que os serviços são insuficientes. Por
exemplo, do serviço especializado, do antigo Sentinela, a gente tem cinco para atender
toda a cidade de São Paulo. A gente sabe que é muito pouco, a gente sabe que esse
pessoal do atendimento – tem a Dalka, tem mais gente, tem pessoal da Rede Criança – se
mata para tentar atender a uma demanda e sabem que não vão dar conta, pois o grupo é
muito pequeno.

Glória, por fim, traz uma percepção segundo a qual o pedófilo suspeito – na observação
comum -, por vezes, pode não carregar tal diagnóstico, mas ser um membro da rede de
exploração sexual comercial, tamanha a quantidade de interfaces existentes nas diversas
maneiras de manifestação da violência sexual. Retrata, ainda, as perspectivas de enfrentamento à
exploração sexual, afirmando que as forças meramente repressivas não têm condições de bastar
as práticas violentas, muito embora se deva qualificar o trabalho policial para o fim investigativo,
de extrema importância na apuração e mapeamento dessas práticas. E adverte, localizando parte
da responsabilidade:

Enfim, de fazer esse diagnóstico da situação em São Paulo, de tentar obrigar o Poder
Executivo a capacitar os seus servidores para que eles possam fazer esse atendimento de
forma adequada

Sessão de 02 de abril

Convidada: Mirian Tronolone – Assistente Social, funcionária da PMSP; Coordenadora da


Proteção Social Especial, departamento de programas para Criança e Adolescente.

Nesta sessão, a exposição seria conduzida por Miriam Tronnolone. No entanto, Rony Lins,
assessor pessoal do Senador da República Magno Malta, atual presidente da CPI da Pedofilia do
Senado Federal, pediu voz para apresentar dados de suposta ação de pedófilos. Objetivou, com
isso, a sensibilização dos vereadores para tornar o foco principal à Pedofilia, o que suscitou
novamente debate sobre a mudança ou não do nome da CPI.

Na seqüência, Miriam Tronnolone apresentou-se, anunciando que o motivo pelo qual


comparece à sessão, segundo informações que obteve, era de conhecer a CPI para saber quais
seriam as demandas e levá-las para a Secretaria. Fez a apresentação do programa de Proteção
Especial, pelo qual é responsável na SMADS. Houve questionamento por parte dos vereadores
acerca das informações disponibilizadas. Exemplo disso foi a intervenção do Vereador Floriano
Pesaro:

há um estudo referente à demanda? Há filas de espera para o atendimento nos serviços?


Como estão sendo encaminhados os casos que a rede não comporta? Há previsão de
continuação da parceria entre a Secretaria e as organizações conveniadas, especialmente
as do centro de juventude que atendem crianças de 7 a 14 anos? Quais as ações de
prevenção junto à rede de proteção que estão ocorrendo hoje na Secretaria ou ainda que
possa não ocorrer, mas quais são as propostas? Há ações específicas para a identificação
dos pontos de exploração sexual?

Miriam trouxe algumas informações sobre a execução dos programas, mas ressaltou que,
de acordo com as informações que obteve sobre sua ida à CPI, não dispunha de dados
detalhados em mãos, mas adiantou alguns fatos da Administração. Fez menção à dificuldade que
a Secretaria encontra em realizar pesquisas de diagnósticos, atribuindo a responsabilidade,
sobretudo, ao fluxo de atendimento e defesa das vítimas. Mas, alertou que a CMESCA tem
estudado os dados ofertados pelos serviços diretos e indiretos, bem como os estabelecidos na
SMADS, de modo a se subsidiar para o aperfeiçoamento do Plano Municipal. Outros dados
informou:

Através de uma parceria com a rede criança de combate à violência, é um serviço


conveniado com a Assistência Social. Tem a área de abrangência a macrorregional Sul, e
é um convênio com capacidade para 80 atendimentos. Na região norte, nós temos um
serviço, na Freguesia do Ó, através de convênio com o Instituto Sedes Sapientiae, é o
Centro de Referência às Vítimas de Violência da Zona Norte, abrangência regional
macronorte, capacidade de atendimento, 50. Na Região Oeste, temos um serviço
localizado na Lapa, em convênio com Sedes também, com abrangência para a região
Oeste, com capacidade de 50 atendimentos. Na Região Leste, temos um serviço de
proteção social localizado em São Miguel Paulista, através de convênio com a rede de
criança de combate à violência doméstica, com abrangência para atendimento da Região
Leste, 80 atendimentos. E na região da Vila Mariana, temos o Centro de Estudos Paulista
Psiquiatria, o Projeto Quixote, com abrangência macrorregional para 80 atendimentos.

Assegurou que a continuidade qualificada desses programas tem considerado as diretrizes


do Sistema Único da Assistência Social (SUAS).

Por fim, uma senhora de identificação protegida sob comando da presidência da CPI
trouxe fato relacionado à violência sexual cometida contra seus filhos pelo pai dos mesmos. Fato
que despertou o interesse dos Vereadores, tanto em acompanhar o desenvolvimento das
investigações – elegendo-o como um primeiro caso da CPI – quanto em saber o que motivou a
denunciante ir à CPI. Ela respondeu que estivera, dias antes, com o Vereador Presidente Marcelo
Aguiar, sob condução do Sr. Rony Lins, que se pronunciou neste mesmo dia de Sessão, dizendo
ser membro da assessoria do Senador Magno Malta, presidente da CPI homônima do Senado.

No tocante aos requerimentos, um destaque final: os vereadores, mobilizados acerca do


nome da CPI e sua possível alteração, aprovaram requerimento, proposto pela Vereadora Juliana
Cardoso e, assim, ampliou-se o foco e alterou o nome para CPI da Pedofilia e do Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil.
Sessão de 16 de abril

Convidado: Claudio Hortêncio Costa, pesquisador da Universidade Bandeirante (UNIBAN)


e membro do CEDECA Interlagos.

Antes da pronúncia de Claudio Hortêncio, fora anunciado o envio de material sobre a


temática à CPI, pelo médico do Hospital Pérola Byington, Sr. Jefferson Drezet.

Ao trazer o olhar da Proteção Integral à criança e ao adolescente, Claudio Hortêncio Costa


alertou-nos sobre os riscos de não olhar para a globalidade da questão em detrimento de
situações pontuais. Sua contribuição é abrangente, remetendo-nos para documentos
internacionais, Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei Orgânica da
Assistência Social, que se constitui na sua efetivação em um Sistema articulado, dando-se
completude à idéia da Proteção Integral, de necessária constância de harmonia.

Enfatiza que direito à sexualidade não se resume – nem deve se destacar – no direito a
manter relações sexuais, pois, antes de tudo, adverte que a criança e o adolescente devem ser
reconhecidos como sujeitos que possuem desejos, incluindo os sexuais. O que não significa
valorar suas práticas, conforme o modo e a relação estabelecida.

Claudio Hortencio aponta, ainda, no aspecto da organicidade das políticas, para o Sistema
de Garantia de Direitos – conceituando-o – como um ambiente, regulamentado pelo CONANDA
(Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), a estratificar e classificar os atores
sociais, públicos e políticos responsáveis pela promoção, defesa de direitos e controle da
efetivação desses direitos. Nesse sentido, é preciso concentrar atenção na macro-organização de
proteção dos direitos da criança e do adolescente, sob pena de não se atingir as finalidades caso
a caso. Em resposta às necessidades de Vereadores de serem orientados sobre os possíveis
rumos da CPI, Claudio Hortêncio chegou a suscitar os Fluxos – a exemplo dos realizados pela
ABMP (Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça) – como ferramentas que
viabilizam a compreensão do Atendimento, no aspecto da proteção.

Entre novas iniciativas de proteção da Criança e julgamento penal dos casos, Claudio
Hortêncio citou a prática do Depoimento sem Dano, contextualizando-o a partir do reconhecimento
do direito de fala, da criança.

Acusa, por fim, a incapacidade preventiva real dos trabalhos de proteção dos jovens,
denunciando que boa parte dessas práticas se dá no nível terciário da prevenção, o que ainda se
mostra insuficiente.

Sessão de 30 de Abril
Convidados: Mariângela Aoki, representante da Secretaria Municipal de Saúde, Jefferson
Drezzetti, médico representante do pioneiro Hospital Pérola Byington paulistano; Ivan Mello, Vice-
Presidente do Instituto Zero a Seis; e Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, do Hospital das
Clínicas.

Ângela trouxe apontamentos sobre o funcionamento do fluxo de atendimento para vítimas


de abuso e violência sexual. Dedicou-se a demonstrar, ainda, o esforço empreendido pela
Secretaria Municipal de Saúde (SMS), rumo, segundo ela, a uma “cultura de Paz”, para o que se
deve assimilar as diversas proposituras legais, a exemplo da Lei Maria da Penha e do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Mariângela Aoki lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS)
considera a violência como caso de saúde pública, concepção basilar dos trabalhos atuais da
SMS, investindo-se na prevenção e formação de profissionais para uma ação qualificada.

Aoki destinou-se a informar os dados estatísticos que a SMS abriga, traçando, em seguida,
reflexões e conclusões sobre o sistema de proteção de crianças e adolescentes, sobretudo, no
que toca ao fluxo de atendimento Vale destacarmos alguns dados trazidos por ela.

Trouxe vários slides, mas só darei destaque que no Município de São Paulo de morte por
homicídio, a primeira causa de morte, vai dos 15 aos 34 anos; a segunda causa, dos 35
aos 44 anos; a terceira causa de morte, de cinco aos 14 anos. (...)

De 2005 a 2008, na verdade, a Secretaria, antes disso, já tem colocado essa questão
dentro da agenda da saúde, porque até então a violência era mais no campo da
Segurança, e agora a gente trabalha com a violência, também, como uma questão de
saúde pública, temos a capacitação de mais de 1.400 profissionais, produzimos material
de apoio, uma revista e um vídeo Tecendo Redes de Paz; Cadernos de Violência
Doméstica Sexual, voltada para a criança e adolescente, para a mulher e para a pessoa
idosa, e um álbum seriado de prevenção à violência para fazer trabalhos educativos de
prevenção. (...)

Temos, na rede municipal, oito hospitais de referência para a violência sexual, sendo que
cinco que fazem aborto legal. (...)

Neste ano, fizemos um trabalho com os pediatras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,


psicólogos e fonos do Programa Aprendendo com Saúde (...) uma parceria entre
Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Educação; e um curso de
Prevenção de Violência e Promoção de Cultura de Paz que está ocorrendo em Cidade
Tiradentes, uma parceria com a Prefeitura com o Projeto da Região da Île-de-France que
está envolvendo 199 professores profissionais, focando principalmente agentes
comunitários de saúde. (...)
em 2003, para poder atender a lei e pela importância do setor de saúde ter esta
informação, nós montamos o Sistema de Informação de Notificação de Violência, que é o
SINVI, enquanto isso a Prodam estava desenvolvendo um aplicativo que entrou em
funcionamento de verdade em julho de 2008, esse novo sistema, que é o Sistema de
Informação para Vigilância de Violência e Acidentes, foi lançado numa Portaria em 2007,
mas o sistema passou a rodar só em julho de 2008, onde os hospitais públicos e privados
têm de notificar e toda rede básica especializada do SUS, da Cidade de são Paulo. (...)

Nesse sentido, Aoki ressaltou a obrigatoriedade de os profissionais notificarem a


Secretaria de Saúde nos casos de violência detectados.

Mais um ponto importante de sua fala, relacionado ao Fluxo de Atendimento:

Então posso citar o Hospital do Jabaquara, Hospital de Campo Limpo, Hospital do M’Boi,
do Tatuapé que organizam o núcleo, o Hospital do Servidor Público Municipal tem um
núcleo. Então se chega lá num pronto socorro e é identificada uma situação de violência,
são feitos todos os cuidados necessários em saúde e isso é encaminhado para esse
núcleo que é composto por uma equipe multiprofissional de assistente social, psicólogo
para poder fazer todo o cuidado necessário.

A partir daí, a orientação é que ele referencia esse caso para a unidade básica para dar
prosseguimento ao cuidado. Um exemplo, a rede aqui da região da Vila Mariana-
Jabaquara, que está constituída, essas situações, esses casos são encaminhados, são
discutidos nessa rede para poder, além do cuidado em saúde, quais são os outros
cuidados necessários, seja do ponto de vista da educação, da assistente social, às vezes
precisa de um abrigamento, isso é um caso que não precisa de um... se a criança está
correndo algum tipo de risco mas não implica, não precisa de uma internação, mas a
orientação que é dada no hospital é que essa criança aciona o Conselho Tutelar e a partir,
acionando o Conselho Tutelar essa criança ela pode ficar, provisoriamente, afastada da
família até remover esse risco.

Jefferson Drezzetti reforçou alguns dados coletados a partir das práticas hospitalares e
detalhou o fluxo de atendimento das crianças e adolescentes violadas em seus direitos, realizado
no interior do Hospital Perola Byington. Advertiu, ainda, sobre os aspectos da violência e as
dificuldades a serem superadas. Parte majoritária dos dados que revelou está contida em
documentos extras que enviara para a CPI. E explica, com pormenores, a natureza jurídica do
Hospital:

O Hospital Pérola Byington, que não é unidade do Instituto Médico Legal da Secretaria de
Segurança Pública que está alocada dentro do Pérola Byington, não tem – e digo que não
tem, porque sou coordenador do serviço há 15 anos – nenhum tipo de limitação a qualquer
tipo de atendimento. Homens ou mulheres de qualquer idade, em qualquer situação de
abuso suspeito ou confirmado, em qualquer grau de complexidade, são admitidos pela
Instituição. E eu não tenho referência – pelo menos que tenha me chegado até hoje; não é
possível acompanhar pessoalmente os 18 mil casos, mas não há antecedente na
Instituição de que nós temos uma negativa de atendimento na transferência para outro
hospital, salvo situações muito particulares por período muito curto. Portanto, não há
limitação. Se hoje, nesse momento, chegar uma pessoa de 18 anos de idade do sexo
masculino, ela receberá atenção, sim. E não há limitação do atendimento hospitalar.

Mesmo sob a experiência própria e estrutura do Hospital P. B., Jefferson responde


perguntas sobre a demanda observando que sua fonte, por vezes, é a impressão no atendimento.

Ivan Mello trouxe informações referentes ao público-alvo de sua Instituição, crianças na


fase da primeira infância. Adiantou a necessidade de se priorizar o Investimento Público
privilegiado à criança, bem como do fortalecimento das redes sociais e públicas no setor da
comunicação e informação.

Já Lúcia Williams, trouxe alguns dados sobre a ação desenvolvida no município de São
Carlos (interior de SP), e a preocupação do entendimento do abuso praticado contra criança, bem
como o preconceito e tabu pelos quais o tema está envolvido. Inaugura, nesta CPI, o tema do
Depoimento sem Dano, ou, como preferiu, “Depoimento Protegido”, firmando posicionamento
favorável à prática, independentemente da nomenclatura que a refere.

Sessão de 14 de maio

Convidada: Leila Paiva – Governo Federal – Enfrentamento à Violência Sexual contra crianças e
adolescentes.

Em sessão ímpar, sentou-se à mesa da vereança o Senador Magno Malta, atual


presidente da CPI da Pedofilia na Casa Federal. Basicamente, citou informações sobre sua ação
na CPI do Narcotráfico, que lhe inspirou a apresentação do requerimento para a instalação da CPI
da Pedofilia. Para essa sessão, originariamente, fora convidada a Sra. Leila Paiva, representante
da Subsecretaria de Promoção da Criança e do Adolescente, da Secretaria Especial de Direitos
Humanos - Presidência da República. No entanto, por “motivo de agenda”, não esteve presente.
Restou, assim, infrutífera a necessidade de se obter dados sobre o funcionamento do “Disque
100”, motivo do convite. O funcionamento sobre o trâmite dos requerimentos, pela Administração
da Câmara Municipal de São Paulo, passou a receber questionamentos por Vereadores como
Floriano Pesaro e Carlos Bezerra.

O Senador refletiu sobre sua história pessoal, seu alcance profissional e sua dedicação à
questão da infância, particularmente pela empreitada nacional assumida na frente da CPI da
Pedofilia federal. Com constantes recortes de contextos, o pano de fundo de sua explanação, de
tom alta, e predominantemente punitivo, é a responsabilidade efetiva do pedófilo enquanto
desejoso de algo proibido, maléfico às crianças e adolescentes. Apontou para mecanismos em
estudo, como a Difusão Vermelha – segundo o Senador, espécie de permissão internacional de
cumprimento de ordem de prisão – e a “Castração Química”, ambos por ele apoiados.

Em eufórica e expansiva explanação, o Senador Magno Malta chegou a caracterizar o


CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), Conselho de Gestão
Pública de composição paritária entre Governo e Sociedade Civil, como uma Organização não-
governamental: “O CONANDA é uma ONG (...) o Conanda é de uma importância muito grande
para o País (...)” Por meio dessa assertiva, fez o convite público para participação em audiência
pública, com a presença do CONANDA, cuja pauta seria o Depoimento sem Dano, com cuja
prática concorda.

O Senador, no entanto, não trouxe informações significativas para a real necessidade


desta CPI Paulistana, como era o propósito para sua vinda:

Não tenho estatística de São Paulo, não tenho estatística do Rio, não tenho estatística de
lugar nenhum.

Em outras palavras, ele não abordou eventuais investigações da CPI Federal sobre casos
e situações referentes ao Município de São Paulo.

Sessão de 21 de maio

Convidada: Representante da CMESCA.

De modo a se publicizar oficialmente, nesta CPI, a Comissão Municipal de Enfrentamento


à Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (CMESCA), foram convidadas as
representantes Lucia Fonseca de Toledo (Conselho Regional de Psicologia - SP) e Bethania
Rezende de Carvalho (Comissão Municipal de Direitos Humanos), para destacarem sua
composição, atribuições e a construção/aprovação do Plano Municipal para o Enfrentamento da
Violência infanto-juvenil, nos termos das diretrizes da descentralização político-administrativa,
uma vez que o Plano Nacional instalou, no Brasil, princípios para este enfrentamento a ser
planejado e regulamentado nas instâncias estaduais, municipais e distrital.

Lúcia Toledo explicou, com detalhes, a composição e atribuições da CMESCA, bem como
trouxe, brevemente, um histórico da produção dos Planos de Enfrentamento, que culminou na
elaboração do Plano Municipal. Observou que a criação da CMESCA teve contribuição do
Vereador Carlos Alberto Bezerra (PSDB), cujo projeto de lei municipal, segundo ela, “institui o
programa de enfrentamento à violência sexual, programa de conscientização”, que, “na verdade, e
além disso, ela é instituída a partir do Decreto Municipal 48.358, de 17 de maio de 2007.
Bethania Rezende, por sua vez, detalhou os elementos constituintes do Plano Municipal de
Ações Integradas (Plano de Enfrentamento), seus eixos, ações e parceiros. Advertiu, ademais,
que, no que tange ao Plano, encontra-se para publicação; já sobre a CMESCA, pretende-se
elaborar um planejamento bienal para sua atuação e manter as reuniões ordinárias mensais, que,
por sinal, enfatizou, são abertas ao público.

Sessão de 18 de junho

Convidado: Delegado de Polícia José Mariano de Araújo Filho.

Na sessão, o convidado Delegado de Polícia José Mariano de Araújo Filho apresentou a


Delegacia que representa:

“É a única Delegacia especializada no Estado de São Paulo, e a sua atribuição legal é justamente
tratar de todo e qualquer tipo de crime, cujo emprego da tecnologia o caracterize. Ou seja, o meio
utilizado para a prática ou a tentativa da prática criminosa seja o meio tecnológico.”

Isso quer dizer que a Delegacia não se encerra somente nos crimes praticados contra
crianças e adolescentes, tampouco nos crimes eletrônicos de violência sexual, dois recortes que,
por sua complexidade, demandam um aperfeiçoamento do funcionamento da Delegacia, bem
como de todo o aparato público de investigação policial:

“Gostaria, até, de ressaltar que esse trabalho de investigação do crime praticado por meio
eletrônico é justamente um trabalho no qual todos aqueles que estão envolvidos, devem ter uma
característica de conhecimento técnico e, também, o conhecimento operacional daquilo que a
Polícia pode realizar.”

Por dois momentos, o Delegado destaca a atribuição e a responsabilidade dos


equipamentos de políticas sociais municipais, tais como de Educação e de Saúde. No primeiro
aspecto, avalia sua existência no fluxo de investigação de casos e responsabilização dos
suspeitos, na medida em que os jovens vítimas, por vezes, freqüentam tais equipamentos,
especialmente as escolas. Nesse sentido, os equipamentos, sob o ponto de vista investigativo,
têm um lugar privilegiado no fornecimento de informações. No segundo aspecto, traz o Delegado
a questão do fluxo de atendimento e proteção à vítima, ensimesmado na rede de atenção
municipal.

No entanto, verificou-se, pelos dizeres do Delegado, a inexistência de banco único de


dados pessoais de estudantes da rede pública municipal de educação, bem como, de outro lado,
a importância atribuída, pela Autoridade convidada, ao sistema educacional no processo
investigativo, a ponto de ele ter sugerido, em caso específico, a exposição da foto de uma aluna
diante dos docentes e diretores de todas as escolas do município, até que se descobrisse quem
era a jovem.
Assim, o Delegado aponta a dependência que o serviço policial tem da rede pública de
políticas sociais, sem a qual se torna muito mais difícil lograr êxito na operação administrativa. Por
isso, explica o fluxo interno da Delegacia:

“existem dois instrumentos com o qual a Polícia Civil de São Paulo trabalha. É o instrumento da
investigação preliminar e o instrumento, efetivo, que se chama inquérito policial. O inquérito
policial, o que justifica a sua instauração é a existência de indícios suficientes de uma autoria ou
para uma determinação de autoria e prova da materialidade delitiva.”

E, na prática, perguntado sobre a quantidade de casos de violência sexual contra crianças


e adolescentes que chegam à Delegacia especializada, única no estado de São Paulo, respondeu
que “em termos de denúncia, o que chega ao nosso conhecimento na cidade de São Paulo é em
torno de dez a doze casos ao mês”, sendo que “nesses dois anos nós efetivamente
transformamos em inquérito policial pelo menos cinco casos, de que eu tenho conhecimento, e sei
que efetivamente geraram duas condenações policiais”.

Ainda adiantou que é parte do planejamento anual 2009 a criação de um portal eletrônico
de facilitação da comunicação entre os cidadãos e a Delegacia de Polícia, para que as denúncias
possam ser realizadas.

O Delegado destacou outro óbice às investigações, não mais ligadas aos equipamentos de
políticas sociais, mas ao fluxo de informações eletrônicas que contêm conteúdo pornográfico
infantil. Segundo ele, em nome do sigilo de dados pessoais, provedores e outras empresas –
como a Google – dificultam, ao máximo, o acesso pelos investigadores policiais, diante do que se
deve recorrer ao Juízo, que, por mais rápido que se situe nesse conjunto de procedimentos, não
responderá, muitas vezes, ao tempo que a demanda estabelece. Ressaltou que, nesse caso, o
tempo pode ser de até oito meses. Mas, ao mesmo tempo, alertou para a existência de diversas
parcerias com empresas responsáveis por manter bancos de dados de serventia às investigações,
como no caso de bancos financeiros.

Perguntado sobre os provedores existentes com sede na cidade de São Paulo, o Delegado
respondeu que tem a lista de concessionárias inscritas em funcionamento e que providenciaria à
Câmara Municipal as informações pertinentes. Disse, ainda, ser possível localizar a origem dos
dados e seu computador, pelo sinal de “IP” instalado em cada máquina.

Sessão de 25 de junho

Convidado: Representante do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Neste último dia de sessão, conforme Regimento Interno da Casa do Povo, esteve
presente o Promotor de Justiça Augusto Eduardo de Souza Rossini, em nome do Ministério
Público.
Rossini abordou três pontos fundamentais para essa CPI: A atuação dos atores do
Sistema de Justiça, particularmente, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPESP); a
atuação dos Conselhos Tutelares (CT) na cidade paulistana; a comunicação estabelecida no fluxo
de atendimento dentre os serviços de proteção. Ou seja, aportou temáticas relacionadas as
funções fundamentais do eixo de Defesa de Direitos do Sistema de Garantia de Direitos.

Cumpre destacar o teor de Carta elaborada pela Promotoria de Justiça dos Direitos
Difusos e Coletivos da Infância e Juventude:

“São Paulo, 23 de junho

Ofício 1949/09

Referência CPI da Pedofilia

Excelentíssimos Senhores e Senhoras Vereadores e Vereadoras,

As Promotoras de Justiça que esta subscrevem, exercendo suas funções na Promotoria de


Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude vêm, pela
presente, expor algumas das dificuldades encontradas no encaminhamento das crianças e
adolescentes vítimas de maus-tratos e abuso sexual e sugestões para melhoria do
atendimento.

1. As denúncias de abuso sexual e maus-tratos contra crianças e adolescentes vêm


crescendo assustadoramente e não há resposta imediata, multidisciplinar e integrada por
parte do Poder Público.

2. O número insuficiente de CAPS infantil e CREAS dificulta o acesso da população


vitimizada e de alta vulnerabilidade social e econômica a psicólogos e psiquiatras.

3. Há necessidade de estudo para adequação do número de CAPS infantil e CREAS


ao número de habitantes de cada região, pois são constantes as queixas de falta de
psicólogos e psiquiatras infantil.

4. O desconhecimento do fluxo de atendimento pela própria rede pública municipal faz


com que seja necessária a divulgação do referido fluxo, com o papel de cada
agente/serviço – CREAS, CRAS, CAPs, Conselho Tutelar, Delegacias de Polícia,
Promotorias de Justiça Regionais da Infância e da Juventude, Hospitais e outros.

5. Há necessidade de conscientização do papel do educador no encaminhamento de


denúncias de maus-tratos na escuta do aluno, sem prejuízo da garantia do sigilo do
denunciante.
Sem a pretensão de ter esgotado o assunto, renovamos os nossos protestos de
elevada estima e consideração e colocamo-nos à disposição para outros esclarecimentos.

Carmen Lúcia de Mello Cornacchioni; Dora Martin Strilicherk e Laila Said Abdel Qader
Shukair, Promotoras de Justiça”.

Sessão de 06 de agosto

Nessa sessão, o Vereador Relator procedeu à apresentação de sua relatoria parcial, a


partir do acúmulo de trabalhos realizados do início da CPI até a sessão de 25 de junho, última
antes do encerramento do período legislativo e da etapa da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Sessões seguintes

Algumas sessões seguintes foram realizadas com visita de campo na CMESCA, no


CREAS-Sé, no Hospital Pérola Byington e no Projeto Quixote. Nesses casos, tratou-se sua
relatoria em outro momento deste Relatório, com as necessárias especificidades.

Sessão de 05 de novembro

Convidada: Neide Castanha, Secretária-Executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à


Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Neide Castanho fora convidada e, entre outras informações, trouxera os seguintes dados,
que sintetizam a situação do fluxo de denúncias no Brasil:

“Dados de Violências Registradas no estado de São Paulo e no município de São Paulo

As tabelas abaixo apresentam os tipos de violências registradas nas denúncias recebidas pelo
serviço Disque Denúncia Nacional do Brasil, em São Paulo (estado e capital), no período de maio
de 2003 a outubro de 2009, no ano de 2008 e no ano de 2009 de janeiro a outubro.

Obs.: Uma denúncia pode registrar mais de um tipo de violência.

Período: maio de 2003 a outubro de 2009

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes: 100

Tipo de Violência Registrada São Paulo


Brasil SP (estado) (capital)

Exploração Sexual 19.936 1.845 446

Negligência 56.559 8.169 2.743

Pornografia 814 134 60

Tráfico de Crianças e Adolescentes 345 33 13


Violência Física e Psicológica 54.752 7.652 2.533

Abuso Sexual 30.136 3.595 1.004

Período: 2008

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes: 100

Tipo de Violência Registrada


São Paulo
Brasil SP (estado) (capital)

Exploração Sexual 6.247 646 162

Negligência 20.762 3.117 1.061

Pornografia 280 52 22

Tráfico de Crianças e Adolescentes 95 10 4

Violência Física e Psicológica 18.820 2.827 947

Abuso Sexual 9.330 1.242 374

Período: 2009 – de janeiro a outubro

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes: 100

Tipo de Violência Registrada


São Paulo
Brasil SP (estado) (capital)

Exploração Sexual 4.661 396 114

Negligência 13.234 1.916 689

Pornografia 141 20 6

Tráfico de Crianças e Adolescentes 52 5 0

Violência Física e Psicológica 13.393 1.871 684

Abuso Sexual 8.211 948 263


A tabela abaixo apresenta os tipos de violências registradas nas denúncias recebidas pelo
serviço Disque Denúncia Nacional em São Paulo (capital), ano a ano:

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e


Adolescentes: 100

Município: São Paulo (capital) Ano

Tipo de Violência Registrada 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 (até 10/11)

Exploração Exploração por 0 0 1 3 1 0 0


Sexual Terceiros em
Comercial Situação de
Escravidão

Exploração 0 0 8 45 59 62 41
Sexual com
Intermediários

Exploração 1 0 7 1 48 104 79
Sexual sem
Intermediários

Prostituição 0 0 6 0 0 0 0

Negligência 51 61 53 248 580 1061 702

Pornografia Ao Vivo 0 0 1 0 1 1 0

Impresso 0 0 0 3 3 8 2

Internet 2 0 5 3 13 10 6

Vídeo 0 0 1 3 9 10 2

Tráfico de Internacional 0 0 0 2 3 1 0
Crianças e/ou
Adolescentes Nacional 0 0 0 0 4 3 0

Não Informado 0 0 0 1 1 0 0

Violência Com Lesão 4 0 14 200 341 438 317


Física e/ou Corporal
Psicológica
Com Morte 0 0 0 3 2 6 3

Violência Física 5 0 50 235 452 762 559

Violência 4 0 19 149 374 801 533


Psicológica

Abuso Sexual 6 0 37 126 198 374 275

A tabela abaixo apresenta os tipos de violências registradas nas denúncias recebidas pelo
serviço Disque Denúncia Nacional em São Paulo (capital), no ano de 2009, mês a mês:

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes:


100

Município: São Paulo (capital)

Tipo de Violência Registrada Ano - 2009

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov (até dia 10)

Exploração Exploração 2 2 6 4 5 2 2 7 6 4 1
Sexual Sexual com
Comercial Intermediários

Exploração 9 3 9 8 14 7 8 6 10 3 2
Sexual sem
Intermediários

Negligência 90 73 114 73 81 62 60 46 51 39 13

Pornografia Impresso 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0

Internet 0 0 0 1 0 2 0 0 3 0 0

Vídeo 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0

Violência Com Lesão 36 35 53 29 35 25 25 16 29 25 9


Física e/ou Corporal
Psicológica
Com Morte 0 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0

Violência Física 69 56 88 58 64 44 53 35 41 36 15

Violência 78 64 95 70 58 32 28 33 34 30 11
Psicológica

Abuso Sexual 30 24 37 37 38 19 20 31 15 12 12

Notas
(1) Artigo escrito por Carlos Nicodemos e Fabiana Pereira de Oliveira, intitulado “Proteção jurídico-
social do direito humano à sexualidade: caminhos alternativos para uma verdadeira
responsabilização”. in ANCED, Associação Nacional dos Centros de Defesa. A Defesa de
Crianças e Adolescentes vítimas de violências sexuais – reflexões sobre a responsabilização a
partir de dez situações acompanhadas por Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente no Brasil, São Paulo, SP, 2009, p. 151-152.

(2) Art. 32, § 2º - Às Comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:


II – fiscalizar, inclusive efetuando diligências, vistorias e levantamentos "in loco", os atos da
administração direta e indireta, nos termos da legislação pertinente, em especial para verificar a
regularidade, a eficiência e a eficácia dos seus órgãos no cumprimento dos objetivos
institucionais, recorrendo ao auxílio do Tribunal de Contas, sempre que necessário;
IV – convocar os Secretários Municipais, os responsáveis pela administração direita e indireta e os
Conselheiros do Tribunal de Contas para prestar informações sobre assuntos inerentes às suas
atribuições; (Ação Direta de Inconstitucionalidade 11.754-0/6 – O Tribunal de Justiça julgou
procedente em parte a demanda para o fim de declarar a inconstitucionalidade do final do inciso
IV do parágrafo 2º, do art. 32, a partir de "e os Conselheiros do Tribunal de Contas para prestar
informações sobre assuntos inerentes às suas atribuições".)
IX – solicitar informações ou depoimentos de autoridade ou cidadãos;
XII – requisitar, dos responsáveis, a exibição de documentos e a prestação dos esclarecimentos
necessários;
(3) Fonte: Relatório Final em www.camara.sp.gov.br.

(4) Diz o artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal que “Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

(5) Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a Pedofilia encontra-se referida


no diagnóstico de Transtorno de Preferência Sexual (F65.4), e constitui “Preferência sexual por
crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente
pré-púberes ou não". Vem a ser comumente reconhecida quando o possuidor do desejo já está na
fase adulta e, portanto, apresenta significativa diferença de idade perante a criança ou o(a)
adolescente.
(6)
Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a Pedofilia encontra-se referida no
diagnóstico de Transtorno de Preferência Sexual (F65.4), e constitui “Preferência sexual por
crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente
pré-púberes ou não". Vem a ser comumente reconhecida quando o possuidor do desejo já está na
fase adulta e, portanto, apresenta significativa diferença de idade perante a criança ou o(a)
adolescente.

(7) Souza CM, Adesse L. Violência sexual no Brasil: perspectivas e desafios. Brasília, Ipas Brasil e
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2005. 188p

(8) Consoante apresentação do convidado Dr. Jefferson Drezzetti (sessão de 30.04).

(9) Segundo Dalka Chaves, obra de autoria de Christiane Sanderson, editora “M. Books”.

(10) Trecho citado do texto “Proteger e responsabilizar. O desafio da resposta da sociedade e do


Estado quando a vítima da violência sexual é criança e adolescente”, elaborado pelo consultor
Renato Roseno para o Comitê Nacional de Enfrentamento Sexual contra Crianças e
Adolescentes. 2007.

(11) O termo “Criança”, internacional, refere-se, em nossa legislação pátria, ao público de 0 a 18


anos (criança e adolescente).

(12) Fonte: Secretaria Especial de Direitos Humanos – Subsecretaria de Promoção dos Direitos
da Criança e do Adolescente (SEDH-SPDCA)

(13) Fonte: http://www.safernet.org.br/site/indicadores

(14) Fonte: Material visual apresentado durante a Sessão da CPI.

(15) Se, por ventura, no processo de elaboração das leis orçamentárias, descumprirem-se as
deliberações do CMDCA, este poderá e deverá representar ao Ministério Público para que se
tomem as providências cabíveis (o art. 210 do ECA arrola outros órgãos e entidades com
legitimação para demandar em Juízo neste sentido).

(16) Auad, Denise. Conselhos e Fundos dos Direitos da Criança e Adolescente: uma opção pela
Democracia Participativa. FDUSP, São Paulo, 2007, p. 141 -142.

(17) Fonte: www.capital.sp.gov.br (portal da Prefeitura Municipal de São Paulo)

(18) 15.07.09 - Disque 100 atinge a marca de 100 mil denúncias registradas em 6 anos – Fonte:
SEDH

(19) Tais órgão e poderes encontram-se descritos nos artigos 70 a 75 da Constituição Federal.
(20) A maior parte das entidades subscritoras do Manifesto está representada em documento
assinado pela mandatária do CNRVV/Instituto Sedes Sapientiae, Dalka Chaves, bem como pelo
Movimento Nossa São Paulo.

BIBLIOGRAFIA

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ANCED (2009) – Resumo Executivo – Coordenação Michelle Gueraldi

ANCED, Associação Nacional dos Centros de Defesa. A Defesa de Crianças e


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Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente da ONU.

Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069/90.

Constituição do Estado de São Paulo.

Lei orgânica do município de São Paulo.

Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Regimento Interno do Senado Federal.

Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo.

Resolução 113 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente).

PROPOSIÇÕES do Vereador-Relator

Tal o encerramento da CPI, é evidente a necessidade de se contribuir com proposições dessa


Relatoria, haja vista a produção sistematizada dos fatos implícitos e constituintes da Comissão.
Sendo assim, a seguir vêm as proposições destacadas por essa Relatoria:

1) Nomeação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de


São Paulo para a coordenação da Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual de
Crianças e Adolescentes (CMESCA).

Justificativa: A CMESCA é coordenada, por definição legal, pela Secretaria Municipal de


Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da cidade paulistana. No entanto, como princípio
republicano democrático e constitucional-cidadão, mais adequado é a ocupação do cargo de
coordenação por uma instituição intersetorial e paritária (governo e sociedade civil), característica
do CMDCA, que tem por atribuição controlar e deliberar as políticas públicas direcionada ao
público infanto-juvenil.

2) Estabelecimento Vinculação Orçamentária para programas de proteção especial de média


e alta complexidade, da Assistência Social.

Justificativa: No mesmo passo que as políticas de Educação e Saúde – de vinculações


constitucionais e regulamentações estaduais e municipais -, a política de Assistência Social deve
ser garantida pela via orçamentária, independentemente das vontades e opções de gestão, pois,
emancipada para a ótica do Direito – e não mais do Dano -, é uma política que agrega diversos
direitos sociais, haja vista a integração do SUAS com o SGD.

3) Desvinculação, dos programas da Assistência Social de proteção especial, do Fundo


Municipal da Assistência Social, devendo os mesmos ser custeados a partir de dotação
orçamentária disposta, especialmente, na unidade orçamentária da SMADS.

Justificativa: Nos termos da Lei 4.320/64, Fundo Especial é destinado a financiar atividades e
projetos complementares. Na nova concepção de fundos sociais, adiciona-se a característica da
inovação concebida no bojo das ações a serem executadas pelo financiado. Outra marca de
importante destaque é o financiamento de setores da sociedade civil, ao contrário das rubricas
específicas destinadas à execução pelo próprio agente público. Por isso, o Fundo da Assistência
Social deve abrigar orçamento voltado às ações complementares executadas por segmentos civis,
e não pelos órgãos do governo – como a SMADS -, que, ademais, são financiados por grande
parte dos recursos previstos no Fundo.

4) Realização de Audiência Pública, quando da elaboração das leis orçamentárias, para tratar
da temática específica dos Fundos Municipais.

Justificativa: Os Fundos municipais foram estabelecidos na organização do sistema político para


garantia de recursos necessário à complementariedade da política pública básica, possuindo
assim uma grande importância ao atendimento dos direitos das crianças e adolescentes. Embora
sejam compostos por recursos exclusivamente públicos, o planejamento ao seu empenho tem
ficado alheio e olvidado nos momentos das audiências públicas que ocorrem para finalidade
específica de se debater publicamente o planejamento orçamentário.

5) Revisão do Capítulo I da Lei Municipal nº 11.123/1991.

Justificativa: A lei 11.123/91 dispõe sobre a política municipal de atendimento aos direitos da
criança e do adolescente, sendo que o seu capítulo I traz de forma muito singela e insuficiente as
disposições gerais sobre este atendimento. Portanto, precisa de revisão para oferecer um maior
subsídio normativo à cidade no que tange o atendimento e a garantia dos direitos das crianças e
adolescentes.

6) Qualificação e Ampliação de CREAS.

Justificativa: Foi observado, em visita realizada por Vereadores desta CPI ao CREAS, o nível de
precariedade estrutural e humana. Todavia, antes disso, as discussões parlamentares verificavam
a insuficiente quantidade desses equipamentos. Nesse sentido, duas devem ser as metas
relacionadas à política de assistência de média complexidade: aumento da quantidade de
CREAS, bem como qualificação estrutural e de recursos humanos dos mesmos.

7) Garantia de rubrica orçamentária para a execução do Plano Municipal de Enfrentamento à


Violência Sexual Infanto-Juvenil.

Justificativa: Significante avanço teve esta CPI a partir da publicação do referido Plano, no
entanto, a sua execução somente será viabilizada a partir da disponibilização de recursos
específicos.

8) Realização de Convênio de cooperação para consultoria específica de finanças à


CMESCA.

Justificativa: A CMESCA necessita de consultoria especializada para elaborar a peça


orçamentária de forma a viabilizar um cronograma de execução do Plano Municipal de
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil a ser construído por esta Comissão.

9) Criação do Observatório de Efetivação do Plano Municipal de Enfrentamento da Violência


Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Justificativa: Uma vez criado o Plano Municipal mencionado, deve haver um órgão de controle
externo para verificar e avaliar sua efetiva implementação. De outro lado, o Poder Legislativo
apresenta duas atribuições genéricas: elaborar leis e fiscalizar a efetivação de suas normas. É
premente, assim, coadunar a necessidade de criação de órgão de controle com a atribuição
parlamentar de fiscalização.

10) Criação de Comissão de Estudos na Câmara Municipal para analisar, compreender e


estruturar no município o fluxo de atendimento às crianças e adolescentes com seus direitos
humanos violados.

Justificativa: A inadequação do fluxo de atendimento na cidade foi constatado como o grande nó


à garantia dos direitos das crianças e adolescentes, a partir do que necessita de um maior
aprofundamento para se chegar a um consenso sobre o melhor formato, o que somente se
chegará com um estudo específico da questão, para ao final normatizar a conclusão.
11) Criação, por lei, da Frente Parlamentar Municipal de Defesa dos Direitos de Crianças e
Adolescentes, na Câmara Municipal de São Paulo.

Justificativa: Mais abrangente do que as ações de Comissões Parlamentares de Estudos, a


Frente Parlamentar, ao vincular setores legislativos de outras instâncias federativas, fortalece as
bandeiras políticas de enfrentamento à violação de direitos de crianças e adolescentes, bem como
iniciativas de aperfeiçoamento e qualificação de normativas voltadas ao público infanto-juvenil.

12) Realizar interlocução com a Mesa da Câmara Municipal, para que esta planeje ações para
2010, visando à produção de material relacionado à violência sexual contra crianças e
adolescentes, escrito, sob responsabilidade do Centro de Comunicação Institucional da Câmara, e
áudio-visual pela TV Câmara.

Justificativa: Sabe-se que a comunicação é crucial para a garantia dos direitos humanos das
crianças e adolescentes. Especialmente em relação à violência sexual, reside aí um grande aliado
ao seu enfrentamento.

13) Criação de programação, no âmbito da TV Câmara, que promova as seguintes ações:

a. sistematização de reportagens externas (mídias de grande audiência) – clipping – para oferta


aos Vereadores da Câmara Municipal em exercício nas Comissões Parlamentares de Inquérito;

b. sistematização de fatos internos à Câmara Municipal, referentes ao exercício de Comissões


Parlamentares de Inquérito, para pauta de veículo de comunicação externo.

Justificativa: Para efeito de maior integração entre produções midiáticas parlamentares e as


promovidas nos grandes meios de comunicação, é importante alinhar o tempo das notícias e
informações institucionais entre todos. Por primeiro fruto, temos a qualificação dos trabalhos
parlamentares especialmente no campo da fiscalização – por isso, a localização da CPI. Por
segundo, a garantia de maior fluxo de informação à sociedade como um todo.

14) Representação junto o Ministério Público do Estado de São Paulo, para celebração de
Termo de Ajustamento de Conduta perante o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) de São Paulo para que este se comprometa a elaborar o Plano de
Proteção Integral (PPI), nos termos do art. 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Justificativa: O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer a atribuição do Conselho


Municipal DCA em formular e avaliar políticas, assim o fez desde que, antes disso, compreenda-
se o ambiente social em que as políticas devem existir, os interesses da sociedade
(especialmente das crianças e adolescentes), métodos de planejamento e monitoramento etc.
Para tanto, cumpre salientar a obrigatoriedade de os Conselhos de Direitos elaborarem o
denominado Plano de Proteção Integral, no qual devem constar todos os elementos imperiosos
para a elaboração e avaliação das políticas infanto-juvenis. E, uma vez inexistente, cabe
responsabilizar e exigir que o CMDCA faça-o, nos termos da normativa nacional e internacional
dos direitos de crianças e adolescentes.

15) Representação junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo, para celebração de
Termo de Ajustamento de Conduta perante o Executivo Municipal para que se comprometa a
efetivar o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.

Justificativa: Verificou-se ser o referido plano de suma importância para se promover na cidade o
enfrentamento à violência sexual. No entanto, de nenhuma valia terá este documento se não
assumido e colocado em prática pelo governo municipal.

16) Qualificação dos serviços de atendimento a pessoas envolvidas nas situações de


violência sexual contra crianças e adolescentes, sobretudo no caso de violência sexual intra-
familiar, na ótica da dinâmica familiar.
Justificativa: É bastante comum a abordagem clínica e assistencial isolada de pessoas
envolvidas nas situações de violência sexual. No entanto, é importante atentar-se para a não
exclusão do/a agressor/a em nome da proteção e atenção à vítima. Ou seja, o atendimento ao
agressor deve ser disponibilizado e qualificado, de modo a se superar o entendimento de
“balança”, segundo o qual quanto mais se prestam serviços de atenção à vítima, menos se geram
possibilidades de atenção psicossocial a agressores.

17) Municipalização do serviço de denúncia (metodologia disque 100)


Justificativa: Sabemos o quanto é importante mecanismos com vistas a denunciar as situações
de violência contra crianças e adolescentes, no entanto, ficou consignado a dificuldade de se
administrar este tipo de serviço pelo âmbito nacional, o que acaba sendo um obstáculo ao
acompanhamento e monitoramento do encaminhamento dado ao caso.

18) Implementação do SIPIA (Sistema para Infância e Adolescência)


Justificativa: O SIPIA é um sistema de registro e tratamento de informações sobre a garantia dos
direitos fundamentais de crianças e adolescentes, a contribuir especialmente com a ação dos
Conselhos Tutelares na cidade. Assim, a sua implementação de fato é um aliado importante não
somente para a garantia, mas também para o controle dos direitos.

VEREADOR MARCELO AGUIAR – Presidente

VEREADOR QUITO FORMIGA – Vice-Presidente

VEREADOR CARLOS ALBERTO BEZERRA JÚNIOR – Relator


VEREADOR FLORIANO PESARO

VEREADORA JULIANA CARDOSO

VEREADOR NETINHO DE PAULA

VEREADORA SANDRA TADEU

VOTO ADITIVO DO VEREADOR MARCELO AGUIAR AO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA PEDOFILIA E DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
SEXUAL INFANTO-JUVENIL (referendado pelos demais membros da CPI)

Inclusão no Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia e do enfrentamento


à violência sexual infanto-juvenil do “Depoimento sem medo” como indicação ao Poder Judiciário
para que faça parte dos procedimentos nas ações sobre o tema.

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