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1) Doenças passadas produziram estigmas sociais e teorias da conspiração, mas também ensinaram lições valiosas.
2) Pandemias se espalham pelas rotas de comércio e migração humana, assim como vírus antigos.
3) Grupos afetados por doenças são frequentemente culpados injustamente, gerando perseguições.
1) Doenças passadas produziram estigmas sociais e teorias da conspiração, mas também ensinaram lições valiosas.
2) Pandemias se espalham pelas rotas de comércio e migração humana, assim como vírus antigos.
3) Grupos afetados por doenças são frequentemente culpados injustamente, gerando perseguições.
1) Doenças passadas produziram estigmas sociais e teorias da conspiração, mas também ensinaram lições valiosas.
2) Pandemias se espalham pelas rotas de comércio e migração humana, assim como vírus antigos.
3) Grupos afetados por doenças são frequentemente culpados injustamente, gerando perseguições.
ARTIGO Ao longo da História, doenças produziram bodes expiatórios, teorias conspiratórias e radicalização em comunidades, mas também cientistas geniais, líderes responsáveis e populações criativas
Quatro lições de outras pandemias
para não repetirmos erros do passado MARIZILDA CRUPPE/2004 MARCOS LEITÃO DE ALMEIDA seu poder marítimo, carregou Especial para O GLOBO o vibrio cholerae do Rio Gan- - ges, na Índia, até os bairros po-
No início do surto epidêmi- bres londrinos. Na década de
co do novo coronavírus 1920, o vírus HIV1-M infectou em São Paulo, David Uip, o in- trabalhadores migrantes e fectologista chefe do centro de mulheres nos centros urbanos controle e prevenção da Co- da África Central e de lá se es- vid-19 naquele estado, afir- palhou pelo continente atra- mou que a história das antigas vés de vias férreas e pluviais até pandemias serviria como o re- que o avião o levasse para a Eu- positório de experiências que ropa imperial, os Estados Uni- poderia guiar as ações futuras dos e o Haiti. Portanto, a histó- do governo da região mais rica ria dos patógenos se confunde do Brasil. A frase ecoa o histo- com as rotas de expansões hu- riador Fernand Braudel, se- manas. gundo o qual a história serviria A segunda lição é que, geral- de laboratório para outros ra- mente, as pandemias provo- mos das ciências que lidam cam o surgimento de bodes ex- com as sociedades humanas, piatórios. Comunidades afli- como a economia e também, tas com a doença miram no es- por que não, a infectologia. tranho para expurgar o que as Mas o que pode a história das ameaçam, pois, assim, pen- antigas pandemias nos ensi- sam reforçar os laços de identi- nar sobre a atual expansão glo- dade que mantêm entre si. Na bal da Covid-19? segunda ocorrência da Peste Quando em setembro do Negra na Europa (1348-1350), ano passado comecei a estru- por exemplo, muitas cidades turar, junto com uma profes- acusaram judeus de terem dis- sora do departamento de his- seminado a doença por meio tória da Universidade Nor- do envenenamento intencio- thwestern (EUA), um curso nal de rios e poços de água. A sobre a história das pandemi- histeria que resultou da acusa- as, não poderia imaginar que ção inverídica teve conse- sequer conseguiríamos apli- quências horrendas. Em vilas car a prova final aos alunos jus- europeias, comunidades ju- tamente por conta de uma daicas foram perseguidas, seus pandemia. É comum que a membros julgados, assassina- história pareça uma coisa es- dos e queimados em céleres tanque e restrita ao passado. E processos judiciais. Coube a não é sempre que consegui- um pároco alemão, Konrad de mos perceber com clareza que Megenberg, declarar que os estamos vivendo um marco judeus não podiam ser respon- histórico. Mas o rápido alastra- sabilizados pelo morticínio. mento de uma pandemia glo- Céticos podem argumentar bal em um mundo de relações que a Idade Média não nos re- globalizadas subitamente su- presenta, que somos muito di- blinhou o aspecto trágico do ferentes daqueles homens e nosso curso: a história das epi- mulheres e que, portanto, sua demias não apenas ensinava história é apenas um exercício sobre o que anti- infértil de erudição. gos patógenos fi- Talvez a pior Mas logo ali, na dé- zeram com nos- faceta das teorias cada de 1980, uma sos antepassa- conspiratórias história semelhante dos; ela agora seja a politização era escrita. A desco- saltava aos olhos da doença berta da síndrome da como o tal repo- legitimando imunodeficiência ad- sitório de experi- posições quirida e sua brutal in- ências a que se negacionistas cidência na comuni- referiu Uip e po- dade gay abriam um deria nos ajudar a entender e novo capítulo sobre bodes ex- “outro” um jeito de se irmana- oHIV e o patógeno dos símios. também produziu cientistas Órfãos da Aids. combater o espraiamento da piatórios na História. Antes de rem e salvarem aqueles que Já recentemente, um jornalis- geniais, líderes responsáveis e Doença teve nova doença. receber o nome Aids, a doença consideram iguais. Uma ex- ta de Serra Leoa defendeu a hi- populações criativas. Foi um bodes O que, então, a dor e a expe- era comumente chamada de pressão como “vírus chinês” é, pótese de que a epidemia de médico como John Snow que, expiatórios e riência dos nossos antepassa- “câncer gay” na imprensa esta- portanto, apenas o termo mais Ebola na África Ocidental teve em meio à epidemia de cólera teorias dos têm a nos ensinar? Entre dunidense. Médicos diziam novo deste longo vocabulário origem em um laboratório es- em Londres em 1854, de- conspiratórias e as muitas possibilidades que a que era a doença dos 4 Hs: ho- macabro de estigma social. tadunidense na região. Perce- monstrou que era a água dos ainda hoje é uma história nos oferece, gostaria mossexuais, hemofílicos, vici- De forma semelhante, a ter- bem a familiaridade com os di- londrinos, e não o ar pútrido epidemia na de ressaltar apenas quatro im- ados em heroína e haitianos. ceira lição é a de que grupos so- as atuais? da cidade, que transmitia a do- África portantes lições. Não era verdade, evidente- ciais atingidos por pandemias ença. Com isso, a cólera pôde mente, mas a associação fez frequentemente alimentam À LUZ DA CIÊNCIA ser combatida com eficiência. VÍRUS NA GLOBALIZAÇÃO história. Nos EUA, prolifera- teorias conspiratórias sobre Mas, talvez, a pior faceta das Esses quatro ensinamentos A primeira é que a conectivi- ram grupos religiosos e con- suas origens. Para além da acu- teorias conspiratórias seja a sinalizam o perigo de estigma- dade social e comercial, tanto servadores que diziam que a sação aos judeus no século politização da doença legiti- tizarmos grupos, de condenar- hoje quanto no passado, pavi- Aids era um castigo divino XIV, também durante as epi- mando posições negacionis- mos povos, de aceitarmos ce- menta as rotas através das contra a comunidade gay. Em demias de Aids e Ebola conspi- tas. A prática pode soar con- gamente soluções mágicas e, quais as doenças se deslocam. 1986, o famoso reverendo radores e líderes negacionistas temporânea a nós brasileiros, sobretudo, de ignorarmos o Por exemplo, a segunda ocor- Graham clamava a seus fiéis buscaram culpados. Um caso mas também guarda antece- trabalho de cientistas, histori- rência da Peste Bubônica no que a doença era um castigo famoso foi o de Edward Hoo- dentes na História global. Em adores e jornalistas. Os fenô- século XIV chegou à Europa àqueles que violavam a mora- per, jornalista estadunidense 1998, o recém-eleito presi- menos de longa duração não pelas rotas comerciais que li- lidade cristã. O estigma as- que divulgou que a Aids evo- dente da África do Sul, Thabo são destinos. Em face de uma gavam a China à Itália. A varío- sombrou a comunidade gay luiu em meio às campanhas de Mbeki, negava a existência do pandemia sempre teremos es- la, que durante séculos casti- por muitos anos depois disso. vacinação contra a pólio na HIV e afirmava que a Aids era colhas. Mas são tendências e gou o Velho Mundo como Na África do Sul, onde a doen- África Central nos anos 1950 e subproduto do subdesenvolvi- inspiram cuidado. Cabe a nós, uma doença endêmica, atra- ça se alastrava em meio à crise 60. Hooper argumentava que, mento do país. Mbeki apoiou a neste momento, ou insistir- vessou o Atlântico em carave- do apartheid, supremacistas como as vacinas eram produ- produção de remédios bizar- mos nas opções que já causa- las e, no século XVI, dizimou brancos chamavam-na de zidas a partir de células de ros e panaceias contra a doen- ram tantos sofrimentos e tan- impérios e sociedades amerín- mais uma forma de “swart ge- chimpanzés, elas poderiam ça, como o Virodene. Hoje, o tas mortes, ou aprendermos as dias inteiras. Não faltaram eu- vaar”, o perigo negro. ter transmitido o vírus da imu- país ainda enfrenta a maior lições e superarmos, juntos, ropeus que, como Lorde Am- Vemos, então, que a produ- nodeficiência símia a huma- epidemia de Aids do mundo. informados, mais esta crise. herst, espraiaram a doença in- ção de um bode expiatório não nos e, a partir daí, desenvolvi- O quarto ponto importante, tencionalmente, para dizimar écaso isolado e que comunida- do o HIV. A teoria foi ampla- é que, se a pandemia produziu Marcos Leitão de Almeida é indígenas que se puseram em des aflitas com o rápido esprai- mente desacreditada, em par- bodes expiatórios, teorias historiador e presidential fel- seu caminho. No século XIX, o amento de um patógeno en- te porque estudos demonstra- conspiratórias e radicalização low na Universidade Nor- Império Britânico, afirmando contram na violência contra o ram a distância genética entre dentro de comunidades, ela thwestern, de Illinois, EUA