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Gérard de Nerval foi um escritor parisiense (1808-1855) de vida conturbada,

marcada desde o início por instabilidades de todos os tipos - órfão de mãe aos dois

anos, crises de loucuras frequentes, e o suicídio aos 47 anos de idade - esta

dinâmica biográfica influenciou de certa forma sua produção literária. Viveu o auge

da decadência do romantismo e utilizou na novela ​Sylvie procedimentos estéticos

românticos, tais como o sonho e o tom melancólico.1

A novela ​Sylvie remete a uma visão pictórica e põe o quadro em movimento

ao contar uma história: a do narrador–descripteur e a da cena teatral que ilustram a

sua hesitação diante de dois amores do passado – Sylvie e Adrienne. Mas o duplo

feminino projeta-se também em direção ao presente da narração; aqui também a

descrição metaforiza-se em linguagem pictórica.2

Retomando aquele tempo num quadro de sonho, veio-lhe o desejo de partir

para o local de suas lembranças. Desce a escada de sua casa, abre a porta, toma

uma condução e vai em direção a Loisy. Durante o caminho relembra de outros fatos

que ocorreram num passado próximo da época de sua viagem. Depois da noite

insone ele chega, e constata que tudo mudou, compreende que não pode recuperar

a ilusão. Ao retornar a Paris, a história acelera, ele tem um caso com a atriz,

Aurélie, e vai à aldeia vizinha onde Sylvie é agora uma mulher casada e

experimentando a maternidade, ela deixa de ser uma possibilidade de felicidade

amorosa, e passa a ser a realidade de uma conformada amizade. O relacionamento

com a atriz chega ao fim e ele se dirige a Sylvie, refletindo sobre suas ilusões

perdidas.

Uma história aparentemente comum, composta por belos quadros de cores

púrpuras, vermelhas e violáceos. Considerados geralmente retratos das paisagens

1
SILVA, Evaneide Araújo da. Para além da realidade: um conto fantástico de Gérard de Nerval.
Araraquara: Laboratório Editorial, 2009. p.501.
2
FACHIN, Lídia. Nerval e as estratégias da representação romântica. Itinerários, Araraquara, n. 25,
245-263, 2007.
francesas; esta impressão é fruto de uma interpretação equivocada, vigente no

período em que os autores estavam preocupados em satisfazer o gosto tradicional.

Sua engenhosidade narrativa está disfarçada entre os bosques que o narrador

passeia, ela subjaz na matiz obscura de suas impressões, quase inacessíveis da

alma do autor romântico, que conseguiu exprimir com perfeição a exaltação do

sonho de suas lembranças.

Proust ponderava sobre os equívocos de interpretação desta novela de

Nerval. Os críticos de seu tempo não foram bem sucedidos em compreender a sua

técnica narrativa, que alcança uma complexa impressão temporal diegética, ao criar

uma aparência de sonho3. Tomaram a obra ​Sylvie como um quadro tradicional da

vida francesa local, ingênua e idealizada. Pois, deixaram as opiniões desfavoráveis

sobre a vida extravagante do autor - que na Paris do século XIX participou do Clube

dos Haxixins, um grupo de literatos e intelectuais, que incluía Charles Baudelaire,

Théophile Gautier e Alexandre Dumas, à volta do psiquiatra Jacques-Joseph

Moreau, encontrava-se da substância inebriante e exótica, pouco difundida até então

na Europa, o haxixe4 - predominassem diante da apreciação de sua obra,

reduzindo-o como louco. Loucura que para Proust “não passa de um subjetivismo

excessivo [...] pois que ligada a um sonho, a uma lembrança, à qualidade pessoal da

sensação, e não aquela sensação de significado comum para todos [...] a realidade”

(1988, p.64). A loucura de Nerval era para Proust uma disposição artística, uma

capacidade de mergulhar e descrever os estágios da consciência, que observamos

dentro do processo de vigília e de suas gradações no decurso do sonho.

A decadência do romantismo colaborava com a tendência do palavreado inútil

reinante, com frases feitas, marcada pela recusa das expressões de toda a

3
PROUST, Marcel.​ “Gérard de Nerval”. In: ​Contre Sainte-Beuve​. ​Notas de crítica e literatura​. p.65.
4
​GURIAN, Gabriel Ferreira. Notas sobre o consumo de haxixe pelos literatos parisienses do Clube
dos Haxixins. ​Temporalidades​, Belo Horizonte, Vol. 8, n.2 (mai./ago. 2016). p.285.
impressão difícil de transmitir. Esta tendência do período de produção do autor,

somada ao preconceito de sua biografia, fomentaram esta equivocada interpretação

de ​Sylvie. Talvez, por sua aparência neoclássica a confusão com as paisagens

aquareladas da beleza francesa, seja para alguns o único valor dessa obra. Mas,

para Proust, a obra de Nerval era de cor púrpura, uma reação à literatura vazia da

época, que utilizava de paisagens tradicionais da França com fútil objetivo de

agradar.

Nerval e Proust têm em comum o interesse “a estas misteriosas leis do

pensamento [...] expressas em ​Sylvie​” (PROUST, p.69). Esse marcou em sua obra o

emblema do tempo revivido. A novela conseguiu exprimir, por meio de um quadro

simples, a experiência de um passeio pela lembrança exaltada, evocada pelo

anúncio de uma festa, em Loisy, publicado em um jornal. Este objeto que traz um

motivo de sonho, que aumenta a exaltação. E, o que impressiona Proust, é a

maneira como Gérard de Nerval encontrou para pintar o seu quadro com “as cores

de um sonho”, de um país que é real apenas em suas lembranças, porque este país

é oriundo delas.

O inexprimível, definido por Proust, misturado entre as palavras em ​Sylvie,

tem sua bruma dissipada por Umberto Eco ao desvendar os mecanismo narrativos

que dão contorno ao sonho do sonho de Nerval. Para Eco, o leitor precisa se portar

como se estivesse diante de uma paisagem misteriosa, coberta por nuvens

temporais. Pois, os eventos que transcorrem durante o enredo não estão definidos

com clareza no tempo. O autor de ​Sylvie usou de uma técnica moderna de

progressão e regressão temporal, muito comum no cinema atual: os flashbacks e

flashforwards. A interrupção da sequência cronológica da narrativa é elaborada pela

interpolação de eventos, reais e irreais. A novela é uma anacronia, como também

um momento futuro, realizando uma constante, e bem sucedida, mudança temporal.


Este mecanismo fundamental se baseia nas horas insones e nas evocações

provocadas pela atriz - lembrança de um amor - e pelo jornal - lembrança de sua

juventude. Dá-se início a lembrança dentro da lembrança, ou do sonho de um sonho

definido por Proust. Segundo Eco, é este emaranhado de flashbacks e flashforwards

torna a história fantástica. O efeito de névoa é a dúvida temporal de onde nos

encontramos: no passado ou no presente. É uma estratégia narrativa, que se dá por

meio de uma arte de empregos gramaticais perfeitos, visíveis ao leitor sofisticado,

definido por Eco como de segundo nível.

Nerval faz um entrelaçamento de porções de tempo, misturando as

lembranças rememoradas durante o passeio com as recordações existentes dentro

da lembrança do passado e com as lembranças do presente, formando o conjunto

do quadro onírico. Tanto na história, como o enredo, existe a sinalização dos

flashbacks. Gérard de Nerval organiza sua história pelo discurso narrativo, pois

formula a emoção particular de suas lembranças por meio de objetos que têm uma

relação de dependência mútua: as mulheres, os castelos, a festa de São

Bartolomeu, até os seres, são as sombras de sua lembrança. Esta indistinção entre

realidade e lembranças incide na impossibilidade de reconstituição de uma

sensação. O mecanismo dos flashback, fundamental para a elaboração da

impressão de sonho da novela, concentra-se no uso do tempo verbal imperfeito.

Esta estratégia de voz apresenta a vida como algo transitório e que não tem um

movimento próprio.

O tempo lembrado produz um sofrimento melodioso e a sensação de

insucesso. Sua complacência em reviver o que é impossível de voltar à vida, faz a

novela ter um tom terno e melancólico, característicos da elegia. ​Sylvie é uma

reflexão das ilusões que nos encanta perante as impossibilidades de concretização.


Aparentemente ingênuo, a tal ponto de confundir os críticos de seu tempo,

visto também desta forma por Proust, possivelmente, por achar que “não se pode ter

feito com inteligência e gosto uma paisagem e ter imprimido num país aquela

atmosfera de sonho”, ou para outros, a falsa impressão do foco novela no estético,

pela força das descrições da paisagem, criando uma falsa ilusão de sensação de

alegria com natureza. Nerval na verdade expõe a Ideia do que foi e do que devia vir

a ser, e nos reconduz, em ​Sylvie, à natureza, pela via de um estratégico caminho

lógico. Ele reflete sobre a impressão que os objetos lhe causam e que, segundo

Schiller (1795-6 p.44), é sinal distintivo do poeta sentimental. Nerval torna possível

incorporação da comoção de seu sonho. Suas lembranças não são simples

nostalgia, mas reflexão de uma Ideia sobre o que é o passado. O sonho se torna

referência de sua força lírica, ao permitir sugestionar-se por ele, concebendo uma

espécie de ponta, que segundo Proust (idem,p.71), é a do infinito. Para Schiller, o

poeta sentimental alcança esta ponta do eterno ao lidar com a realidade enquanto

limite de sua ideia e com a Ideia enquanto infinito. Nerval expressa a sensação que

o Ideal e a natureza incidem sobre ele, ao constatar a intangibilidade fatal - a

impossibilidade de reviver o passado - objeto de sua tristeza.

A novela contada por um narrador que busca voltar às origens, numa

tentativa de reconstituição de uma experiência que não se constitui, chega a

conclusão de que o momento jamais será superado, daí o Ideal intangível definido

por Schiller. Talvez, uma outra possibilidade para a consideração de Proust sobre

Nerval ser ingênuo venha da projeção de nostalgia como também da projeção de

futuro, sobre as quais Schiller refletiu. Entretanto, Nerval é artista sentimental, pois

faz uma meditação sobre o passado e produz comoção, ele convoca o leitor a

participar deste processo de revelação. É por isso que se consolida como

autor-modelo, segundo os critério de Umberto Eco, ao usar o discurso como


estratégia de revelação de como organiza sua história. A sua lógica temporal é a

lógica de sua subjetividade. O seu objetivo enquanto autor é fazer o leitor

compreender que ele está diante de um país localizado em sua interioridade. E,

realiza este compromisso com lucidez e inteligência na construção de seu sonho,

por meio do mecanismo fundamental das digressões temporais, apoiadas no usos

de tempos verbais imperfeitos. Nerval queria que o leitor-modelo percebesse porque

os tempos eram indistintos, para assim compreender seu processo de

entrelaçamento. As ligações temporais das expressões “alguns anos se passaram”;

“são quatro horas da madrugada”, “meses se passaram”, “os dias seguintes” são

combinações engenhosas para conseguir confundir nossa noção do tempo e nos

estimular a recompor a sequência dos eventos, compondo uma espécie de música,

com combinações ritmos narrativos variados, que seguem uma pré-organização

temporal própria e subjetiva. Talvez próprio dos loucos, seu comportamento

narrativo, numa primeira impressão, absurdo, representa o encantamento de estar

perdido nos bosques de Loisy. Nerval é um homem de uma geração em desencanto

e reserva sua lucidez e inteligência na construção do efeito de sonho do sonho das

intermitências do seu coração.


BIBLIOGRAFIA

ECO, Umberto. “Os bosques de Loisy”. In: ​Seis passeios pelos bosques da ficção.​
São Paulo, Companhia das Letras, 1997. (Trad. H. Feist). São Paulo, Iluminuras,
1988. (trad. H. Ramanzini)

FACHIN, Lídia. Nerval e as estratégias da representação romântica. Itinerários,


Araraquara, n. 25, 245-263, 2007.

GURIAN, Gabriel Ferreira. Notas sobre o consumo de haxixe pelos literatos


parisienses do Clube dos Haxixins. ​Temporalidades,​ Belo Horizonte, Vol. 8, n.2
(mai./ago. 2016). p.285.

PROUST, Marcel.​ “Gérard de Nerval”. In: ​Contre Sainte-Beuve.​ ​Notas de crítica e


literatura​. p.65.

SCHILLER, Friedrich. ​Poesia ingênua e sentimental.​ São Paulo, Iluminuras, 1991.


(Trad. M. Suzuki.)

SILVA, Evaneide Araújo da. Para além da realidade: um conto fantástico de Gérard
de Nerval. Araraquara: Laboratório Editorial, 2009. p.501.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURA COMPARADA

O suposto ingênuo e o entrelaçamento temporal nos Bosque de Loisy

Jéssica de Abreu Trinca


nusp: 6835670

São Paulo
2017

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