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Memórias Catrumanas
Recordações da Vila de Nossa Senhora
da Pena do Burity no Urucuia
GOIÂNIA
2007
Copyright © 2007 By Sidney Valadares Pimentel
Contato: urucuiano@hotmail.com
Pedidos: gev@grupovieira.com.br
CDU: 572.7
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
A meu irmão Edson,
aquele que melhor soube personificar
a herança romântica modernista do pai.
Um livro de memórias não tem lugar para piedade.
Ribeiro Somente
Sumário
Introdução............................................................................................11
Sobre o bom e o mau sertão................................................................17
As histórias da vila................................................................................20
Correntes migratórias..........................................................................25
A domus catrumana.............................................................................28
Os caminhos........................................................................................33
Ruas e praças........................................................................................39
Árvores.................................................................................................43
A busca pela terra prometida...............................................................49
Valadares e Pimentéis..........................................................................63
A casa nova...........................................................................................66
O cavalheiro da triste figura.................................................................71
As novas exigências..............................................................................76
A nova casa nova..................................................................................85
A loja....................................................................................................96
Serviçais e agregadas..........................................................................100
Os caixeiros........................................................................................105
O puro e o impuro.............................................................................110
Luz, sorvetes e picolés.......................................................................125
Os castigos e seu simbolismo.............................................................128
Redes de protecionismo....................................................................134
Dois modos de ganhar a vida.............................................................144
Gente de fora.....................................................................................148
O entrecruzamento de diásporas.......................................................152
De volta ao ninho..............................................................................155
Arquitetura das moradias..................................................................163
Flores e desavenças............................................................................168
Entre produzir e coletar.....................................................................171
Jegues e armas de guerra...................................................................174
Artífices e artefatos............................................................................181
Curas e curadores..............................................................................192
Religiosidades....................................................................................200
Os ritos de morte...............................................................................208
Festas e festins....................................................................................218
O dicumê...........................................................................................232
As estratégias educacionais................................................................243
Leitura e leitores................................................................................263
Da brincadeira e dos brinquedos.......................................................269
Da aquisição da homência.................................................................288
O namoro...........................................................................................291
O noivado..........................................................................................297
Política e politicagem.........................................................................301
A violência.........................................................................................311
Assim Caminha a Catrumanidade....................................................317
Ana Muda...........................................................................................319
Jeromuage..........................................................................................322
Marcelino...........................................................................................325
Tubina................................................................................................328
Benedita Tonta...................................................................................331
Benício Providência...........................................................................334
Josino..................................................................................................337
Conclusão..........................................................................................341
Agradecimentos.................................................................................343
Introdução
Carmo Bernardes
Sobre o bom e o mau sertão
das vertentes do rio São Francisco até o Planalto Central, o gado foi-
se dispersando e tocando seus vaqueiros, no que alargaram suas con-
quistas sem a necessária presença de conquistadores de fora.
Correntes migratórias
no Urucuia. Era desse lado que ficava a propriedade que meu pai,
José Gomes Pimentel, arrematara da Igreja, o que levou seus ad-
versários políticos da UDN a espalhar que ele dera o tombo em
Nossa Senhora da Pena.
As fazendolas que nessa parte existiam e até outras mais para
baixo eram identificadas pelo nome do mesmo córrego, acrescidas
dos nomes dos respectivos proprietários, que também adquiriram
suas posses da diocese de Paracatu: a Extrema “de Alcides”, “de Pi-
mentel”, “de Orlando do Prado”, “de Darinho”. Mais próximo desta
última existia um minúsculo fio d’água, pouco mais que uma mina
que dava vazão ao seu anseio de correr em direção ao rio, que se cha-
mava Descanso. No meu miúdo e corriqueirozinho imaginário ca-
trumano em formação, aquela palavra, para uma grota, era um des-
propósito. Descanso. O nome teria sido colocado por alguém durante
uma parada momentânea de estafante caminhada? Ou seriam as pa-
lavras do Salmo 23, possivelmente ecoadas em meu espírito depois
de ouvi-las citadas, seja pelos católicos frei Cecílio e frei Prequelmo,
seja pelo presbiteriano reverendo Stevão: “O Senhor é o meu pastor:
nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me
para junto das águas de descanso”.
Um terceiro caminho saía da parte de cima da vila, do mesmo
lado que dava acesso à estrada para Goiás, passava ao lado da pro-
priedade que há um tempo pertenceu à nossa tia Guilhermina e seu
marido, Pedro Valadares Versiani, atravessava a Vereda e subia uma
pequena colina em direção ao que se chamava porto de São Vicente.
Era por esse trilho que saíamos a cavalo quando, de férias, íamos para
“lá em cima”, que era como, na família, sempre nos referíamos à fa-
zenda São Vicente da Direita, de nossa propriedade.
Dois últimos trilhos saíam alternadamente na direção da re-
gião denominada Pernambuco, além da qual o mundo não existia
para mim. Ou era o meu inalcançável deserto dos tártaros. O nome
Pernambuco deve-se ao fato de que aí corre um riacho que é afluente
do Urucuia e que possui o mesmo nome. De acordo com a historio-
fonia do lugar, no início do século XIX foi criada a primeira prelazia
para permitir o controle eclesiástico da região que já fora dada como
sesmaria desde antes de meados do século XVIII. Daí, a constituição
de toda a mitologia em torno do nome, segundo a qual repetiam-se
Memórias Catrumanas 36 Sidney Valadares Pimentel
Êxodo, 3:7-8
A busca pela terra prometida
Foi então que um dia, nos idos de 1943, atendendo aos ape-
los do irmão, Alcides tomou um vapor em Januária com destino a
São Romão. Naquela cidade, hospedou-se na pensão que pertencia a
Dativo Joaquim Estrela, casado com Lídia Cordeiro Valadares, irmã
de sua cunhada Alcina. Ali Alcides encontrou um amigo de seu ir-
mão José a quem comunicou que pretendia ir para a vila, mas estava
sem meios de prosseguir viagem. O sujeito então lhe disse que tinha
em seu poder um burro pertencente ao subdelegado do povoado de
Barra da Vaca e, caso se interessasse, ele poderia usá-lo até lá. E de
lá para frente sempre haveria como acabar de chegar, nem que seu
irmão José tivesse de mandar um positivo com animal para buscá-lo.
Assim ele fez, tendo chegado a Buritis no dia 7 de setembro de 1943 e,
portanto, exatamente na data em que começava a romaria dedicada
à Santa Padroeira da vila.
À vista da falta de espaço para abrigar o irmão, José conseguiu
hospedagem para ele com um vizinho por nome de Catulino. Alcides
passou então alguns dias dormindo na residência desse seu bondoso
hospedeiro e comendo na casa do irmão em frente. No último dia
da festa, Catulino convidou José e Alcides para almoçar em sua casa.
A comida era especial, mas o que mais maravilhou Alcides foram as
catorze qualidades de doce servidas de sobremesa.
Dois dias depois do encerramento da festa, José mandou um
peão levar Alcides a cavalo até Januária, onde ele continuava moran-
do. Consta que, na partida, José teria feito a Alcides uma pergunta
de despedida que aos circunstantes soou como um enigma. “Até lá
ou até cá”, teria dito José. “Até cá”, respondeu Alcides decidido. E de
fato sua promessa foi cumprida. No final do ano seguinte, depois do
nascimento do primeiro filho — Florisval —, Alcides e Isabel enfren-
taram a demorada e penosa viagem a cavalo para a vila, conduzindo
o pimpolho na cabeça da sela.
Desde Santa Maria da Boa Vista, que distava cerca de dezoito
léguas de Petrolina, região onde nasceram os filhos do primeiro ca-
samento do velho Raimundo, os Pimentel se especializaram na arte
de transformar peles in natura, especialmente de gado, carneiros e
cabritos, em produtos manufaturados. Em seus curtumes rescenden-
do a barbatimão, o pai tratava as peles que os filhos ajudavam a cor-
tar e moldar para fazer as ditas “precatas” cangaceiras, ou botinas,
Memórias Catrumanas 58 Sidney Valadares Pimentel
Que somos nós?
Pronomes pessoais.
Mário de Andrade
Valadares e Pimentéis
Para uma vila que podia contar com menos de cem fogos e,
portanto, com população apoximada de quinhentos habitantes, o nú-
mero de domus existentes tanto na área coletivamente habitada quan-
to nas proximidades rurais era bastante elevado. Contadas de memó-
ria e sem muita precisão, poderiam ser nomeadas como principais
as ligadas aos Pimentel, aos Fonseca Melo, aos Lopes, aos Durães,
aos Versiani, aos Prado, aos Nery, aos Garcia, cada uma das quais
articulava suas constelações de interesses e de parentelas associadas.
Ao lado dessas, coexistiam muitas outras domus de menor alcance
mas de não menor importância quanto aos laços que envolviam de
modo variável as múltiplas redes de lealdades e deslealdades, de con-
sangüinidade e fortes ou débeis alianças matrimoniais, bem como de
amizades nascidas de inimizades comuns, muitas delas materializa-
das no compadrio.
A domus que nossos pais construíram assentando pedra sobre
pedra e tijolo sobre tijolo foram o amálgama de duas forças ora con-
vergentes, ora contraditórias. Em alguns momentos exerciam forte
atração, em outros se repeliam. Contudo, sempre com os olhos vol-
tados para algo maior do que a existência de cada uma separadamen-
te, que era o futuro e o sucesso da empreitada que tinham em vista.
As polaridades que construíram nossa descendência como seres bio-
lógicos e culturais também nos lançaram no meio de forças antité-
ticas. Uma, a dos Valadares, que valorizavam a tradição; a outra, a
dos Pimentel, que olhando para a frente e para o alto, investiam na
modernidade.
Como já disse, minha mãe arrastava atrás de si como um
caudal a herança centenária de um vespeiro que herdara da abelha-
rainha Joaquina do Pompéu largas léguas de terra, orgulho da con-
quista, gado e outras riquezas. A tradição que ela e sua gente carrega-
vam como um enfeite, um broche, uma condecoração, era legítima,
não era inventada. Caracterizava-se pela unidade dos costumes e pela
invariabilidade amalgamada numa sociedade rústica e repetitiva qua-
se como um moto contínuo. A tradição, para nossa banda feminina,
era a tradução de um modelo regional de existência. Antes mais do
que hoje, quando netos e bisnetos são obrigados a sair e travar conta-
to com outras realidades. É claro que mesmo estes sempre voltam,
mas voltam diferentes, ainda submissos à tradição, mas diversamen-
te submissos. Penso que sempre houve nos submundos de uma men-
talidade que toma a tradição como freio da modernidade, subsumido
a esse processo de transformação êmica, uma necessidade de expul-
Entre as escassas fotos deixadas por meu pai, duas são particu-
larmente úteis como comprovação dessa disparidade. Ambas são do
mesmo ano, 1955. A primeira mostra meu pai e seu irmão Joaquim,
além de seo Roberto Beirigo, especialista em instalação de equipa-
mentos elétricos, e uma quarta pessoa não identificada, ao lado da
máquina de beneficiar arroz mandada instalar na vila pela firma Ir-
mãos Pimentel Ltda. Apesar da importância do momento, estão to-
dos em mangas de camisa. A outra foto foi tirada durante o batismo
de Josete, filha de nossa prima Odete Pitangui do Prado, que morreu
ainda bebê. Aparecem nela meu pai e minha mãe (esta com a batizan-
da nos braços), tia Celina, a avó, sua filha Odete e Dália (professora na
vila e filha do fazendeiro Antonino Lopes). Na foto, todas as mulheres
estão muito bem trajadas com seus vestidos talhados a rigor, enquan-
to meu pai está portando um terno escuro que lhe cai muito bem.
Com que propósitos faço as considerações dos parágrafos aci-
ma? Precisamente com o objetivo de apresentar um novo persona-
gem que, ao longo de catorze anos, exerceu uma importância muito
grande não apenas no seio de nossa família, como também em toda
a vila e que nunca, em momento algum e em nenhum lugar, foi visto
trajado de outro modo senão de terno e gravata, como se estivesse
indo participar da cerimônia mais importante de sua vida.
Era uma manhã ensolarada e quente na vila. Cada um dos vi-
lões e cada uma das vilãs cuidavam dos afazeres do dia. Os vendei-
ros vendiam. Os ferreiros malhavam o ferro. Os pescadores, como de
praxe, pescavam sempre peixes menores do que afirmavam ter deixa-
do escapar. Os capinadores carpiam seus joios e urtigas. Os ceifeiros
ceifavam seu arrozal. As donas de casa cuidavam dos maridos e das
crianças. As cozinheiras cozinhavam. As lavadeiras lavavam. As mu-
lheres de vida livre da rua de Trás fuleiravam. As crianças faziam suas
criancices. A molecada que não tinha escola pra freqüentar, ou enco-
menda pra entregar, fazia molecagem. E tudo seguia na mais perfeita
ordem e cada coisa estava em seu devido lugar quando, de repente, lá
vem o pedreiro e latoeiro Nezim Pé-de-Chumbo, como guia e palafre-
neiro, conduzindo um homem elegante montado num airoso ginete.
O cavaleiro, via-se logo pelo talhe, não era gente nem aderente do
povinho prascóvio do lugar nem de qualquer uma das vivendas mais
longínqüas, como a urucuiana Barra da Vaca ou a riopretana Unaí.
Memórias Catrumanas 73 Sidney Valadares Pimentel
viviam os quatro filhos nascidos na vila, Valdeci, nossa irmã que era
fruto de um relacionamento de meu pai com uma mulher de Porto-
de-Manga e que, tão logo se viu casada, minha mãe tomou para criar,
e o primogênito Zezito, que fora trazido de Januária para nossa com-
panhia com a idade de onze anos. Devem ser acrescentadas ainda,
como moradores cativos da casa, seo Rezende e uma empregada que,
a esta altura, creio tratar-se já de uma serviçal de pele clara chamada
Eduarda, que viveu conosco até inícios da década de 1960.
Entre os que migraram de Pernambuco para Minas naquela
viagem de 1933, João e Raimundo, o velho, acompanhados de suas
respectivas famílias, haviam-se transferido para Formosa, onde ins-
talaram curtume e sapataria. Joaquim, casado, permanecia tocando
uma pequena venda no sítio denominado Fazenda da Roça, distante
quatro léguas do povoado da Barra da Vaca. Assim, somente nossa
família e a de tio Alcides viviam na vila. Este último ganhando a vida
também como pequeno comerciante e lambedor-de-sola, designação
rebaixante conquistada mais devido ao estereótipo etnocêntrico cris-
talizado em torno da situação de migrante pau-de-arara nordestino
do que em razão da atividade que exercia em sua oficina.
Memórias Catrumanas 78 Sidney Valadares Pimentel
Havia ainda uma quinta irmã, que não morava na vila e por
isso mesmo só vim a conhecer muito mais tarde em Formosa, na
casa e pensão de nossa tia Joaninha Pitangui, com quem nunca tive
proximidade alguma.
Pois exatamente quando meu pai se via na bananosa de ter de
encontrar espaço bastante para o crescimento de seus negócios, veio
a tomar conhecimento de que o Pedrão estaria procurando compra-
Memórias Catrumanas 79 Sidney Valadares Pimentel
tunidades de ganho como jamais visto por ali. Prova isto o fato de
que, antes de concretizar a permuta dos imóveis, ele tenha proposto
um acordo societário aos irmãos Alcides (que continuava morando
na vila e trabalhando em sua venda-oficina de pequenos consertos e
fabricação artesanal de produtos em sola) e Joaquim (que tocava seu
pequeno comércio na Fazenda da Roça). Foi assim que, traçados os
planos para a criação da sociedade que se materializaria na constitui-
ção da firma Irmãos Pimentel Ltda., foi fechado o negócio e meu pai
tratou de terminar a construção do imóvel adquirido, que seria sua
parte no negócio.
Como já disse, Manoel Ângelo Bonfim, o seo Anjo, era um
pernambucano que chegou antes de nós. Para falar francamente, foi
esse nordestino que, partindo de Pernambuco, em parte descobriu
e em parte inventou a trilha que vinha dar na vila. Foi num grande
rancho desse seu conterrâneo que meu pai se hospedara com toda a
quinquilharia que trouxera para negociar, quando viera ao lugar pela
primeira vez.
Seo Anjo era um sertanejo alto e forte que tinha a pele cur-
tida e amorenada pelo sol das caatingas e dos carrascais cobertos
de vegetação áspera. Era casado com D. Maria, nordestina extre-
mamente diligente que trouxera consigo e que, barrigada após bar-
rigada, lhe dera uma fieira de filhos da melhor cepa. Anos mais
tarde, quando seo Anjo dividiu cama, mesa e sinagoga, que até
então eram exclusividade dessa heroína e boa parideira, com uma
outra mulher do lugar que, sabe-se lá por que desígnios da sorte,
carregava o nome de Ana Paca, foram os filhos, em especial o de-
dicado Cassimiro, que proveu o seu sustento, amenizando as dores
da mesaliança.
Além de muito festivo, sendo um dos que melhor se garantiam
numa sanfona pé-de-bode, seo Anjo possuía também seu saberzinho
nas artes de curtimento de peles e consertos de calçados e tralhas de
tropeiros e carreiros. Tio Alcides e ele monopolizavam essa atividade
na vila. Não sei se por causa ou apesar disto, os dois estabeleceram
uma relação de proximidade muito forte.
Devido a essa amizade, pouco antes de concretizar-se a nego-
ciação para criação da sociedade entre germanos que redundaria na
fundação da firma Irmãos Pimentel Ltda., seo Anjo convidou tio Al-
Memórias Catrumanas 81 Sidney Valadares Pimentel
Aí, então, nosso tio tomou a decisão ali mesmo: “Se a gente
combinar no preço, eu compro”. E naquele mesmo instante fizeram
o negócio. O caminhão foi comprado por cento e vinte mil cruzeiros,
pagos a dez por mês, valor que foi acrescido de mais dez mil para
compensar o que Zé Rita gastara na abertura da estrada.
Algum tempo depois de curto período de aprendizado, com
as pernas bambas ao enfrentar — mais do que as dificuldades — os
Memórias Catrumanas 84 Sidney Valadares Pimentel
Por volta dos últimos oito anos da década de 1950, essa nos-
sa casa, mesmo considerando apenas a parte residencial, era, sem
sombra de dúvida, a mais ampla da vila. Concebida para comportar
grandes cômodos, compunha-se de seis quartos, duas salas, cozinha,
despensa e corredores que uniam tudo isso num conjunto mais ou
menos harmônico. Ultrapassando o batente da entrada principal, pe-
netrava-se numa sala a que costumávamos chamar de sala-de-fora,
mas que minha mãe, em seus raros arroubos de matrona hospitalei-
ra, denominava sala-de-visitas. Foi nesse espaço que meu pai, logo
depois da mudança, instalou uma pequena sala-de-aula de uma inci-
piente escola particular, entregando a regência da classe à nossa tia
Celina Pitangui do Prado, que ali deu aulas por um tempo aproxima-
Memórias Catrumanas 87 Sidney Valadares Pimentel
maior respeito por esse grande homem — nos dois sentidos — que
depois, como político, prestou significativos serviços à nossa terra,
ainda que nem sempre tenha recebido o devido reconhecimento.
O puro e o impuro
interferência curativa agora era lida pela população da vila como uma
prática que estava mais de acordo com os preceitos médicos do que as
intervenções dos curadores e raizeiros. Notadamente pelas pessoas
mais intelectualizadas que, de certo modo, exerciam liderança sobre
as demais. Os líquidos e pozinhos, sais e bases, solventes e emolien-
tes, formas e bacias, balancinhas e pesos, bicos queimadores, pipetas,
bisturis, seringuinhas e seringonas, toalhas, estojos de ferver e mui-
tas outras coisas compunham o instrumental com que seo Rezende
se tornara o terror de todos, mas especialmente dos pequenos.
Lembro-me, a propósito, de um episódio ocorrido quando seo
Olivério levou sua filha à loja para se tratar de uma pereba que se
zangara. Seo Olivério era um compadre de nossos pais que vivia de
agregação no sítio da Extrema. Algum tempo depois, essa sua filha,
de cujo nome não me recordo, foi tratada da ingestão de soda cáusti-
ca. Não por tentativa de suicídio, mas por pura malineza. Queria ver
que gosto que aquelas escaminhas prateadas tinham, disse. Recordo
ainda a labuta de seo Rezende com a garota, obrigando-a a engolir
colheradas e mais colheradas de uma pasta de polvilho e água, simi-
lar em tudo ao grude que se faz para colar as bandeirinhas nas festas
juninas. Pasta a que ele próprio adicionara uma porção de certo pó
que tinha a coloração da genciana. Salvou-se a menina. Muitos anos
depois, vim a reencontrá-la. Relembrando o fato, disse-me ela que a
única seqüela que ficara da peripécia era um queimor no esôfago, o
que a obrigava a sempre tomar suas refeições entremeadas de goles
de água fria.
Uma outra intervenção que deu muito o que falar nas redonde-
zas, e foi acrescentando cada vez mais fama ao nome de seo Rezende
como boticário que operava verdadeiros milagres em suas curas, foi
a que envolveu o caso de um certo Wilson da Candinha, morador de
uma região que a população chamava Detrás da Serra. Esse Wilson
era um pequeno lavrador que costumava complementar sua dieta
doméstica com a carne de caça conseguida na espera de mateiros,
catingueiros e outros “eiros” cervídeos da região.
Nesta oportunidade, procurando tirar proveito das áureas flo-
radas dos pequizeiros como estratégia para atração dos veados, e
inocente de tudo da infeliz surpresa que o aguardava, Wilson passou
a mão na carabina e foi para sua espera. Pois não foi nada não. O
Memórias Catrumanas 115 Sidney Valadares Pimentel
caçador subiu num pequizeiro bem florido onde sabia que os cervi-
nos estavam vindo comer a florada, armou a rede e sentou-se nela
para puxar a arma que previamente amarrara numa corda fina mas
resistente. Dependurou a pesada carabina numa galha fina, que não
suportou o peso e caiu. Refestelado bem ancho de si na rede, Wilson
só escutou um barulho surdo que fez tuf, e ele pensou lá com seus bo-
tões: “Uai, essa bala pegou em quê?”. Quando ele menos esperava, a
rede foi-se tingindo de sangue. A bala entrou nos quartos, atrás, e saiu
na virilha. Bala 44. Apavorados, os parentes pegaram o Wilson e trou-
xeram para a vila. Pois o leitor não há de crer que, abaixo de Deus, foi
seo Rezende que salvou o caçador daquele acidente? Naquele início
dos anos 50 ainda não existia Brasília e não havia como recambiar o
corpo do acidentado para Formosa ou para Anápolis. E foi à custa de
ir tenteando com uma seringuinha de lavagem interna, além da admi-
nistração de poderosas poções preparadas com produtos de farmácia,
aliados a raízes e ramos que eram apanhados no mato pela negra Sati-
ra, sua informante e fornecedora dos milagres da biodiversidade, que
o farmacêutico colocou o Wilson são de novo.
Mas voltando à vaca fria, eu estava contando sobre o dia em
que seo Olivério levou a menina para que o velho a tratasse de uma
ferida que se infeccionara. Ao ver o tamanho da seringa com a qual
o farmacêutico se preparava para aplicar uma injeção na garota, seu
Olivério disse naquele seu maneirismo catrumano: “Mas sô Rogeno,
c’uma aguia desse tamano a menina não regeste nem pregeste”.
Seo Rezende era um homem sério, cumpridor de seus deveres,
fleumático. Sua única diversão era a cura. Não ria, pouco sorria. Uma
única vez peguei-o, a contrapelo de sua personalidade, fazendo um
chiste. Mané Macaco — irmão de João Macaco, negrinho metido a
esperto que trabalhava como ajudante de meu pai e cuidava do cava-
lo Titã pertencente ao farmacêutico — procurou-o para se curar de
uma “doença de rua” que transformara seu baixo corporal em inter-
mitente biqueira. João Macaco, que passava as horas de folga ali pela
loja, de bobeira, esperando que alguém o enviasse a cumprir algum
mandado, ao ver o irmão que saía da sobreloja precedido pelo far-
macêutico, tartamudeou: “Tttttaca uma Bbbbbenzetacil nesse nego
pr’ele deixá de sê ssssssafado, sssssô Rezende”. Seo Rezende parou,
olhou para o negrinho e disse: “João, aprende uma coisa: Benzetacil
Memórias Catrumanas 116 Sidney Valadares Pimentel
Eu tava na peneira
Eu tava peneirando...
Memórias Catrumanas 123 Sidney Valadares Pimentel
... quando fui interrompido pelo velho com uma paródia in-
ventada ali na hora:
Eu tava na besteira
Eu tava era bestando...
Ai seo Rezende
O senhor pita mas não ‘cende.
coisas em volta e com meu próprio corpo. Minha mãe, para preve-
nir-se contra desatinos, deu para colocar-me inicialmente de casti-
go e, posteriormente, para manter-me amarrado por uma pequena
cordinha ao pé da mesa em que se exercitava com suas costuras.
Mas excetuando a agitação, eu era um menino quase normal. Dife-
rençava-me dos outros colegas por ser mais inteligente e mais vivo
— sem quaisquer laivos de genialidade —, ou, como se dizia então,
menos “rudo”.
Luz, sorvetes e picolés
nossa casa onde pretendia se hospedar. O que dizem ter ocorrido daí
em diante só Deus sabe se é verdade ou não. Mas ouvi de um parente
próximo de ambos que minha mãe foi recebê-lo na porta e, antes que
desmontasse de seu suado ginete, disse-lhe que, como sabia que ele
tinha ido até lá com o propósito de fazer política para o major Jéfer-
son, ele nem precisava desmontar, podia voltar em cima do rastro, o
que, fulo de raiva, ele fez. De então em diante, o afastamento entre
os dois irmãos foi inevitável e completo. Tanto que, insensível aos
apelos de nossa sempre compreensiva tia Badina, quando meu pai
morreu, ele recusou-se a ir à vila para o costumeiro apoio moral à
irmã repentinamente enviuvada. Contaram-me recentemente que,
diante da recusa do irmão em comparecer ao velório do marido, mi-
nha mãe teria respondido com um muxoxo para demonstrar que para
ela aquela decisão era insignificante, após o que desabafou: “Decerto
ele pensa que aqui não tem rede”. Retomava, assim, uma crítica que
costumava fazer ao irmão de preferir o ócio ao negócio. E ainda por
cima, como se não bastasse, fez tio Zinho provar do próprio veneno,
recusando-se também a ir ao seu velório. O pior da desavença en-
tre os irmãos foi que nós, os filhos de ambos, nunca tivemos nenhu-
ma proximidade na infância. Apesar disso, minha mãe sempre teve
um apreço muito grande pelos sobrinhos, principalmente Murat e
Ney que, como costumava dizer, “puxaram a inteligência de meu tio
Saint-Clair”. Bom, eles que são irmãos e brancos que se entendam.
A vida, então, não era fácil pra ninguém. Pela dificuldade que
tínhamos para fazer nossas malinezas à socapa, imagino a trabalheira
que era para os adultos responsáveis nos manter em ordem, além de
ter de cuidar de todas as demais tarefas. Corriam pela casa verda-
deiros riachos informativos a dar conta dos usos e abusos diários de
tudo que havia ali e que devia ser mexido assim e não assado. Eram
diversas as indagações que pairavam no ar ao correr do dia. Quem
não se levantara a tempo ou simplesmente se esquecera de fazer a
sua obrigação? De buscar água na fonte, decorar seu ponto na ponta
da língua para a aula de geografia ou história, tirar o limo dos pe-
nicos, molhar a horta, botar comida para os porcos, torrar o café,
dar milho às galinhas, varrer a casa, arrumar os quartos, espanar os
móveis, buscar a carne no açougue de seo Neco, encher os tambores
do banheiro e do lavatório, banhar-se na hora certa, botar comida
Memórias Catrumanas 137 Sidney Valadares Pimentel
tia Maria foi procurar meu pai dizendo: “Ai José, pelo amor de Deus,
meu irmãozinho, manda um atrás de Jove que ele vai se matar”. Meu
pai estava costurando uma barrigueira e nem tirou o olho da sovela
com que procurava fixar uma argola para dizer: “Foi não, Maria. Ele
foi foi matar um catingueiro que está comendo flor num pé de pequi
lá na larga da Extrema”. Não deu outra. No dia seguinte, pouco antes
do almoço, Expedito, seu segundo filho, apareceu em nossa casa com
um pernil de catingueiro mandado pelo pai. Além dos cinco que já
haviam nascido quando os pais se mudaram para a vila — Maria do
Socorro, Expedito, José, Raimundo, Manoel —, aí nasceu o último,
Demerval, que era afilhado de nossos pais.
Dois modos de ganhar a vida
pai para atucanar minha mãe. A ela deve-se a clareza de haver denun-
ciado a lógica de um outro ponto de vista. Sabe-se que, no meio de
uma discussão acalorada com minha mãe, D. Lió teria dito: “Quem
esse povo pensa que é? Chegaram no Buriti comprando e vendendo
pena de ema e couro de cateto...” E não precisava dizer mais nada.
Tudo estava dito agora em seu libelo etnocêntrico: começaram do
nada e se fizeram por sua própria conta e risco. Bem o inverso do que
ocorria sistematicamente.
A propósito, ainda me lembro de um livro existente em nos-
sa casa e hoje desaparecido que era um bom testemunho em favor
do que conto neste ponto. Continha ele um relatório impresso pelo
governo do estado de Minas Gerais, com base no primeiro levanta-
mento realizado oficialmente na bacia hidrográfica do rio Urucuia. O
trabalho foi comandado por um certo Dr. Mascarenhas, engenheiro,
em meados dos anos 50, tendo como guia e principal assessor nativo
o pescador Marcolino Fonseca Melo. Lá pelas tantas de seu relatório,
afirma o engenheiro que encontrara na vila um próspero comercian-
te pernambucano, indivíduo de mentalidade modernizante e que,
entre outros feitos, junto a dois irmãos com quem se associara, havia
montado loja, farmácia, bar, máquina de beneficiar arroz, além de
ter instalado um sistema particular de fornecimento de eletricidade
para as casas da vila.
E foi assim que, além do que lhe rendia a sociedade com os
irmãos, meu pai foi-se fazendo em outra área que sobremaneira o
atraía, a do investimento em propriedades rurais e na pecuária. Por
essa época, os bens pertencentes à igreja na vila passaram para o
controle dos redentoristas em Paracatu, que, prontamente, os colo-
caram à venda, sendo as quotas-partes adquiridas, em primeira ou
segunda mão, por vários moradores da vila, entre os quais meu pai,
tio Alcides, seo Antonino Lopes, Orlando de Souza Prado, seo Dário
(Darinho), meu padrinho Baltazar Fonseca Melo e muitos outros. Na
parte que nos pertenceu e para onde nos mudamos em 1960, depois
da extinção da sociedade, meu pai criou gado.
A grande propriedade denominada São Vicente da Direita
constituía um direito de herança adquirido aos herdeiros e legali-
zado. Ainda que fosse uma área bastante acidentada e com pouca
terra de cultura, talvez porque nela houvesse água em abundância,
Memórias Catrumanas 147 Sidney Valadares Pimentel
meu pai pensava fazer dela uma propriedade bem ajustada para a
criação de gado zebu. Beneficiando-se de uma hipoteca dessa mesma
fazenda junto ao Banco do Brasil, comprou 400 novilhas enraçadas,
metade gir e metade nelore, além de vários garrotes.
Gente de fora
Posso contar nos dedos o número de pessoas ou, como era cos-
tume dizer, de “gente de fora”, que se aventurou a ir ganhar a vida
na vila. E mesmo assim, dentre os que tomaram a decisão e um dia
vieram dar com os costados por ali, alguns acharam o lugar pequeno
demais para eles e voltaram em cima do rastro ou passaram adian-
te. A propósito, contou-me tio Alcides que, quando o Dr. Melo Aze-
do, médico pernambucano que esteve morando na vila no final da
Segunda Grande Guerra, decidiu-se a ir embora, apresentou como
justificativa para a sua decisão a seguinte assertiva lógica: “Olha, Al-
cides, onde tem dez médicos, aí cabe mais um; mas onde não tem
outro, não cabe nenhum”.
Não consigo apresentar com algum grau de precisão a seqü-
ência cronológica da vinda dos que, ou tiveram maior importância
para a vila como um todo, ou foram mais importantes para mim,
pessoalmente. Entretanto, de acordo com a lembrança que tenho
desse período, acho que, se não o primeiro, um dos que vieram logo
foi um pernambucano chamado seo Cecílio, casado com uma mulher
que tinha um nome paronímico ao seu — Cecília — e uma carrada de
filhos e filhas, a maioria atravessando a adolescência.
Seo Cecílio possuía um caminhão todo estropiado que os filhos,
principalmente os dois mais velhos, Lomas e Abelardo, esmerilavam
a mais não poder naqueles caminhos esburacados que conduziam a
Goiás. Este último, que viria a casar-se com nossa irmã Valdeci tor-
Memórias Catrumanas 149 Sidney Valadares Pimentel
nome daquele filho que um dia teve a sorte de encontrar seo Rezen-
de por intermédio de uma dentre as muitas cartas semelhantes que
escreveu e enviou pelo correio) morreu em Ribeirão Preto, tendo
sido enterrado na cidade de Passos. Em 2005, vim a conhecer tanto
a viúva, Conceição, quanto as filhas, Suzana, Sandra e Solange, que
continuavam a viver em Ribeirão, onde travei conhecimento com as
três primeiras, principalmente com Suzana e seu marido Adnan, dos
quais me tornei muito amigo. Mas nem assim consegui apurar mui-
to do que, de fato, se passou com o avô, Zezé Rezende, como era
chamado por parte da família. Na falta de informações mais precisas
sobre as circunstâncias do nascimento e infância do Aníbal, o que po-
demos acrescentar, na tentativa de procurar compreender melhor a
vida anterior de seo Rezende, é compor um outro enredo tão supos-
to e imaginado quanto o anterior, que tanto pode estar muito perto
como excessivamente longe de uma versão real dos fatos.
Enredo B: Seo Rezende era um farmacêutico prático que du-
rante um certo tempo viveu maritalmente com uma senhora bem de
situação da cidade de Varginha, chamada Maria de Oliveira Maia, que
anteriormente fora casada com Evaristo Justino de Lima. Da relação
do farmacêutico com essa mulher, teria nascido um menino que re-
cebeu o nome de Aníbal, de cuja certidão consta, como pai, o citado
Justino, provavelmente em virtude de que, de acordo com as leis de
então, uma mulher casada não podia registrar um filho declarando
como pai outro indivíduo. O menino ainda não havia crescido muito
quando, por desacordo em relação ao modo caridoso e filantrópico
de dirigir a farmácia, que também pertencia à Maria Maia, seo Re-
zende teria se afastado da relação e ido trabalhar em outras cidades,
entre as quais Delfinópolis. Assim, o Aníbal que o encontrou via cor-
respondência no final da década de 1950 seria realmente seu filho,
ainda que o nome do pai constante em sua documentação não fosse
o de José de Oliveira Rezende.
Antes de concluir, resta ainda a seguinte indagação a respon-
der: por que motivo o farmacêutico teria criado uma história dife-
rente para dar conta de seu passado? Com toda certeza porque, em
seu imaginário oitocentista, ter um filho de uma relação não-estável
e não-legal era algo incompatível com o nome e com o prestígio que
havia conseguido angariar em nossa vila, se visto de uma ótica rea-
Memórias Catrumanas 160 Sidney Valadares Pimentel
Affonso Arinos
Memórias Catrumanas 162 Sidney Valadares Pimentel
Memórias Catrumanas 163 Sidney Valadares Pimentel
Dito assim pode parecer que afirmo que as casas não possuíam
jardins e canteiros. Possuíam, mas ambos se localizavam, ou de um
dos lados da residência, ou na parte de trás do lote, quando não em
ambos. Embora conservassem sua função estética, seu efeito “de-
monstração” destinava-se muito mais a um certo público interno
feminino constituído por amigas, comadres e parentes, que compe-
tiam entre si, do que ao público externo. Ali abundavam cercados,
canteiros e aléias de verduras, flores e ervas medicinais. Quase sem-
pre compostos em figuras geométricas ou no formato de corações
adubados com esterco curtido e limitados por demarcações de pe-
dras ou sobras de madeira semi-enterradas. Era ali que as mulheres
implantavam seus campos experimentais com todo tipo de plantas.
Quitoco. Erva-cidreira. Sabugueiro. Manjericão. Alecrim. Hortelã.
Funcho. Salsa. Beldroega. Losna. Babosa. Camomila. Poejo. Arruda.
Língua-de-sogra. Violeta. Onze-horas. Pimenta-malagueta. Pimenta-
dedo-de-moça. Pimenta-fidalga. Pimenta-roxa. Lírio. Magnólia. Ora-
pro-nobis. Rosa. Rosa branca. Rosa rosa. Rosa encarnada. Mastruz.
Romã. Etc. Etc. Etc. E depois vinham as árvores de grande porte que
dão frutas. Mangas. Manga-rosa. Manga-espada. Manga-abóbora.
Manguita. Manga-ubá. Jenipapeiros. Jaboticabeiras. Goiabeiras.
E depois ainda havia as criações do reino animal que eram
mantidas em casa contidas nos limites dos lotes. Cachorros e gatos.
Galos. Galinhas. Frangos e frangas. Pintos. O povinho miúdo dos
garnizés. Ou os baitas galos-índios do pescoço pelado. Os rhodes. Os
patos e perus. E as populações verdoengas que aprendiam a falar à
custa da repetição e da teimosia ou permaneciam trancados em sua
linguagem sibilina e incompreensível aos humanos: periquitos, jan-
daias, papagaios, araras.
Muitas árvores e animais faziam a delícia dos de casa e da mo-
lecada da rua. Mas também podiam ser responsáveis por espalhar a
cizânia na vizinhança. No caso das árvores frutíferas, quando cres-
ciam seus galhos para o outro lado, empetecando com suas folhas
amareladas e frutos apodrecidos o bem cuidado quintal do vizinho.
Ou da vizinha, que era quem, em tais casos, se sentia mais atingida.
No caso dos animais quando, se aproveitando de brechas nos tapu-
mes que dividiam os quintais, fugiam para o outro lado, principal-
mente em busca de sobras de comida.
Nesse ponto aprofundava-se o processo de cisão entre a ma-
nutenção das áreas comunais e a privatização do “meu pedaço”. E
então, num crescendo, a particularização exigia o aperfeiçoamento
das técnicas de construção de cercas e tapumes. Mesmo sendo mem-
bros de uma mesma linhagem, as regras de vizinhança e de convívio
tinham de ser obedecidas para a manutenção da paz. De fato, ainda
que no princípio não houvesse qualquer distinção física, senão ape-
nas uma linha imaginária que unia (ou separava) os lotes de dois vizi-
nhos, o transcorrer do tempo e a crescente frustração de expectativas
quanto ao bem-viver conduziam ao início do processo de demarca-
ção objetiva das áreas.
A confirmação das particularidades começava, em geral, com a
construção de uma cerca de arame farpado de três ou mais fios, sobre
a qual a trepadeira melão-de-são-caetano costumava traçar, com seus
cordões débeis, uma rala mas colorida cortina vegetal. Um segundo
estágio implicava cortar e trazer para o local varetas de arbustos de
aproximadamente dois metros de comprimento, que eram trançadas
verticalmente, aproveitando os fios de arame como anteparos para
fixação. Um terceiro era cumprido retirando-se toda a cerca e cons-
truindo em seu lugar um muro de adobes ou de tijolos. Finalmente,
como última etapa, mandavam-se esmigalhar garrafas e litros vazios
e afixar os estilhaços sobre o muro mediante a liga de uma argamas-
sa que os prendia fortemente. Note-se que algumas vezes a primeira
e segunda etapa podiam ser substituídas por uma cerca de madeira
roliça da grossura de um caibro, fixadas verticalmente por meio de
tabocas rachadas ao meio e amarradas com fios de arame ou fortes
embiras.
Entre produzir e coletar
com os beiços e os cascos. Os jegues eram uma festa para nós, me-
ninos, e o ai-jesus dos ciosos pais de família que procuravam a todo
custo ocultar da curiosidade de suas filhas a crueza naturalista das pe-
ripécias reprodutivas dos animais. Aquilo para nós, meninos, na casa
dos dez, onze anos, era o mais edificante substitutivo das aulas de
Educação Sexual que podíamos obter. Conteúdo que, àquela altura
da educação brasileira, nem de leve passaria pela cabeça de nossas di-
letas professoras ministrar aos capetinhas disfarçados de alunos que
tinham em suas salas de aula. Todos, sem exceção, mergulhados, des-
de aquela idade, senão antes, no besteirol aprendido e reforçado pelo
imaginário subjacente ao anedotário ensinado pelos mais velhos.
Longe das vistas de seo Anjo ou de algum de seus filhos, princi-
palmente Cassimiro e Estêvão, os jumentos eram usados pela popu-
lação como se fossem de uso público. Algumas vezes nós organizáva-
mos corridas com eles. Outras vezes, eles eram usados pelos adultos
para fins mais práticos. De certa feita, o escrivão Pedro Pereira da
Silva e o irmão de seu cunhado Norberto do Prado, o fazendeiro Or-
lando de Souza Prado, combinaram com meu pai de trazer-lhe no dia
seguinte uma banda de catingueiro. Fechada a negociação, cada um
pegou um jumento com sua cordinha de caroá e, com armas e redes
às costas, seguiram montados nos animais para a espera num pequi-
zeiro não muito distanciado da vila. Mais ou menos umas duas horas
depois que os caçadores haviam sumido de nossas vistas, vimos os
dois animais, em sua característica lerdeza, voltando para junto do
restante da tropa. Na manhã do dia seguinte, lá estava um rapazinho
gago criado por Orlando com a metade do veado prometido.
Cassimiro, o primogênito de seo Anjo, aprendera desde cedo
a cuidar da tropa e dos cargueiros, sempre conduzindo mercado-
rias. Fosse da vila para mesmo perto ou então para mais longe, era
comum ver-se ele e o pai com seus lotes de animais transportando
tudo quanto há de cá pra lá e de lá pra cá. Nessa época, pelo que me
recordo, rapaduras e mantimentos em grãos eram o que mais con-
duziam. Às vezes mercadorias deles mesmos; outras vezes, a soldo
dos interessados.
Um pouco mais tarde, meu pai convidou esse mesmo Cassimi-
ro para ser capataz de sua tropa. Então, acompanhado do moleque
João Pereira Valverde, o João Macaco, e mais um auxiliar com força
Memórias Catrumanas 176 Sidney Valadares Pimentel
para ajudar a botar e tirar as bruacas, por algum tempo esse ainda
jovem mas diligente nordestino conduziu nossos burros e mulas por
esse sertão adentro e afora. Inicialmente em viagens mais longas
para levar algumas mercadorias até São Romão e de lá trazer outras.
Depois, em viagens mais curtas em torno da vila, para mascatear
produtos “de loja”, cedidos pelo abastado comerciante de Belo Ho-
rizonte, Euclides Andrade, em regime de partição de lucros do mon-
tante negociado.
A tropa de carga que pertencia a meu pai constava de alguns
burros e mulas, acompanhados de todo o equipamento e arreatas
necessários ao transporte. Além desses, faziam parte da comitiva três
animais de sela usados pelos condutores, além de mais um ou dois
sobressalentes, espécie de reserva para substituir qualquer um em
caso de acontecer algum acidente de percurso. Além de servir para o
transporte de cargas, tanto a tropa de meu pai quanto a de seo Anjo
funcionavam como correio para conduzir correspondências e valo-
res ao longo de todo o caminho entre a vila e as áreas ribeirinhas.
Naquele tempo, os carros de bois foram mais um recurso
auxiliar do que um substitutivo do quase descomunal esforço dos
tropeiros e seus animais de carga. Reservados para o transporte em
dimensões e peso praticamente incompatíveis com os suportados pe-
los cargueiros, os carros de bois são uma segunda fase da abertura
dos caminhos que até o seu surgimento não passavam de tortuosos
trilhos cavados na relva. Não que, ante a relativa fragilidade dos re-
cipientes — as bruacas —, houvesse grande variedade de produtos
cujo transporte se tornasse impossível. Estes eram praticamente
inexistentes. Para o armazém de secos e molhados de meu pai, os
cargueiros traziam de São Romão quase todo o necessário. Pesadas
caixas de madeira contendo cada qual duas latas de querosene de vin-
te litros. Sacos de sal de trinta quilos. Robustas ferramentas confec-
cionadas em ferro e aço como machados, picaretas, marretas, chapas
de fogão de lenha etc.
Mas, para o alargamento dos trilhos, os carros de bois eram
insuperáveis. Chegado até nós pelas mãos dos colonizadores, esse
veículo medieval exigia um know-how que fazia a fama de muitos
mestres de ofício. Incontestável era que o saber envolvido na cons-
trução de um carro de bois devia ser amplo no que se referia aos
Memórias Catrumanas 177 Sidney Valadares Pimentel
D. Marcelina era uma mulher clara que vivia numa fazenda si-
tuada na região denominada Pasmado. Freqüentemente um seu filho,
o Sebastião Vaz, aparecia em nossa loja para comprar litros do vinho
Moscatel, componente obrigatório das eficazes garrafadas que tanto
sua mãe quanto o Raimundinho manipulavam. Nunca consegui sa-
ber se todo o carregamento de vinho que o Sebastião Vaz acondicio-
nava em resistentes alforjes chegava intacto ao “laboratório” de D.
Marcelina, ou se, sendo ele um beberrão de marca maior, conseguia
desviar parte do produto para seu próprio consumo.
Já o Raimundinho, como o vi algumas ocasiões na vila, era um
sujeito grenhudo, pequeno e magricela, de pele puxando para o par-
davasco, barba rala por fazer, que gostava de andar descalço e com
as barras da calça de algodão cru arregaçadas até o meio das canelas
meio arqueadas. Similarmente a D. Marcelina, Raimundinho exercia
um saber próximo da prática xamânica, por usar em sua terapêutica
uma combinação do poder de substratos de plantas e animais com o
poder sugestivo da linguagem.
Entre os substratos, era quase infinita a composição dos ele-
mentos retirados dos animais, alguns dos quais eram usados de
modo mágico, como as vergônteas do boi, do jumento e da anta; o
bico torrado de certos pássaros; o sebo do carneiro; o óleo de certos
peixes e de mamíferos, como o quati, além de muitos outros. Mas era
no reino vegetal que se encontrava a imensa maioria dos componen-
tes que nossos taumaturgos catrumanos combinavam em suas mei-
zinhas doces e amargas, como quitoco, erva-cidreira, capim-santo,
gengibre, barbatimão, catuaba, verga-tesa, arnica, hortelã-pimenta,
fedegoso, buchinha, tipi, canela-de-perdiz, copaíba, favela, cagaita,
pimenta-de-macaco, erva-de-bicho e vários outros. Não podemos es-
quecer, como disse mais acima, que era comum os elementos cons-
tantes das garrafadas dos curadores virem dissolvidos em litros e li-
tros de um vinhozinho fraco e doce, o que davam principalmente às
folhas, cascas e raízes uma palatabilidade mais aceitável e ao gosto
dos consumidores de cura.
Além do saber fitoterápico, encontrava-se envolvido também
na cura um outro conhecimento que fazia com que os terapeutas
fossem tidos como raizeiros, rezadores e benzedores. De fato, xa-
mãs. E nesse aspecto a sapiência catrumana era tão vasta quanto a
Memórias Catrumanas 194 Sidney Valadares Pimentel
Ingredientes:
1 kg de polvilho doce (fécula de mandioca)
1/2 kg de açúcar refinado
250 ml de óleo de soja
Cerca de 10 ovos (até o ponto de enrolar)
Uma pitada de sal
Modo de preparar:
Coloque o óleo no polvilho, misturando bem com as mãos até o ponto
de umedecer a massa. Bata os ovos com o açúcar e o sal no liquidificador,
despejando-os em seguida sobre a massa umedecida. Amasse bem e enrole
os biscoitos. O ponto da massa para enrolar é meio duro. Ponha para ferver
uma panela média com água até a metade. Coloque os tarecos enrolados
na água fervente até cobrir o fundo da panela. À medida que os biscoitos
forem subindo, retire-os com espumadeira e coloque-os num pano umede-
cido com água sobre uma mesa. Depois de escorridos, coloque os biscoitos
numa fôrma levemente untada com óleo sem deixar que fiquem muito pró-
ximos. Coloque-os para assar em forno brando pelo período aproximado
de 45 minutos.
tiveram na vila suas classes e seus discípulos. Isto para não mencionar
o grande número de alunos que eram enviados para uma espécie de in-
ternato rural existente numa propriedade perto da Barra da Vaca, cha-
mada Fazenda Tamboril. Esse mestre-escola chamava-se Benevides e,
de acordo com os depoimentos da época, infundia verdadeiro pânico
entre os incautos discípulos, fossem eles inteligentes ou rudes. Entre
os rapazes da vila que foram enviados “para aprender mais a ser gente
do que a ler”, como me disse um dos alunos em tom de brincadeira,
seo Vitalino Fonseca Melo enviou o filho Marcol, e seo Lindolfo Gon-
çalves enviou a filha Lió e o filho Hemetério, futuro expedicionário.
Era esse o panorama da escola particular na vila, já que a edu-
cação pública propriamente dita é realidade dos anos 50. A primeira
escola pública criada chamava-se Escola Isolada Cândido José Lopes,
que depois se transformou em Escola Combinada e por fim em Grupo
Escolar Cândido José Lopes. Foi essa derradeira fase da metamorfose
que eu conheci melhor por ter convivido com os mestres e alunos de
então. Mas antes de falar dos recursos humanos, quero discorrer um
pouco sobre as condições materiais desse que foi o primeiro espaço
dedicado ao ensino não-particular na vila.
O lote onde se erguia o grupo escolar era tão vasto que caberia,
se esse fosse o caso, até um seminário com salas de aula, de estudo,
refeitório, cozinha, despensa, salão de jogos e até quadras de esporte.
A área construída compunha-se de um prédio de aproximadamente
75 m2 dividida em duas salas de aula isométricas nas extremidades,
intercaladas por um saguão acanhado e descoberto nas partes da
frente e de trás. À direita e à esquerda do saguão ficavam as pare-
des com amplas portas almofadadas, feitas de madeira de lei, que
davam entrada às duas salas de aula. Apesar do espaço exíguo que
compunha as salas, cada uma possuía seis amplas janelas também
de madeira, distribuídas igualmente nas partes dianteira e traseira.
O piso de todo o prédio era construído em cimento liso queimado
de cor natural, em cuja superfície, aqui e ali, soltavam-se algumas
placas, deixando à mostra verdadeiras cicatrizes. No início de todo
semestre, atendendo às ordens, só Deus sabe de quem, vinham o car-
pinteiro e o pedreiro (geralmente os conhecidíssimos Zé Martins e
Raimundinho de Marieta) e faziam reparos superficiais mas suficien-
tes para suportar as batalhas de mais um semestre.
Memórias Catrumanas 248 Sidney Valadares Pimentel
das aulas. Quando a área interna do quintal era insuficiente para nos-
sas brincadeiras, apropriávamo-nos da praça que, então, ainda não
havia perdido espaço para o atual campo de futebol mal-ajambrado,
para o hospital, para a delegacia de polícia, para o posto de saúde,
para a Copasa e para as residências particulares. Com o tempo, além
dessas perdas, um ex-prefeito, avaliando certamente que o espaço era
excessivo para uma atividade tão desimportante como era a educa-
ção, decidiu alienar parte da área ocupada pelo grupo escolar.
O corpo docente que foi sendo incorporado para assumir as
salas de aula não esteve sempre imune às influências das mesmas
pressões existentes no tempo anterior à adoção da escola pública.
Mas à exceção do professor Vergílio, trazido de Paracatu para co-
brir uma falha insanável naquele momento, todas as demais pessoas
que assumiram a docência no grupo escolar eram gente da terra. Em
1950, Dália Prado Lopes tinha somente 15 anos e encontrava-se em
Paracatu estudando. Em 1952, porém, teve de deixar os estudos e
voltar para a vila a fim de cuidar da mãe doente e da casa. Então, para
suprir a ausência de docentes mais qualificados, inexistentes na vila,
começou a dar aulas, inicialmente submetida a contrato temporário
junto à prefeitura de Unaí e, em seguida, a partir de maio do mesmo
ano, em contrato permanente junto à Secretaria de Educação do es-
tado de Minas Gerais. Por via desse contrato, assumiu turmas do se-
gundo e terceiro ano, às vezes isolada, outras vezes conjuntamente.
Ao lado da prima e cunhada Dália, D. Zeta foi a responsável
pela solidificação do ensino público em Buritis, transformando o
curso primário em um saber mais sólido até do que o que se podia
encontrar em núcleos urbanos muito mais adiantados. Além delas,
algumas outras professoras ajudaram a consolidar o ensino público,
que até então não ia além da terceira série do curso primário. Entre
estas, cabe um lugar destacado a outra jovem natural da vila chamada
Lindaura Fonseca Campos. Filha do pescador Marcol, ainda menina
Lindaura esteve morando na cidade mineira de Araguari com o pai, a
mãe e alguns dos irmãos mais velhos. Quando a família regressou em
1952, Lindaura, com cerca de 13 anos, freqüentou as aulas particula-
res que uma moça da vila, chamada Misu, oferecia. Depois, passou
também por outras classes, como as oferecidas por nossa tia Celina
e pelo inesquecível professor Vergílio, tendo concluído ali o ciclo de
Memórias Catrumanas 252 Sidney Valadares Pimentel
escola não porque a gente já sabe ler e escrever”. E foi assim que a
menina-moça Lindaura, que não conhecia xampu, nem sabonete e
muito menos vaso sanitário, inaugurou a fila de jovens que partiriam
para estudar em Esmeralda.
O curso em Caio Martins não era lá essas coisas. Havia um
ensinamento formal baseado nas disciplinas tradicionais (Matemáti-
ca, Geografia, Ciências etc), aliado ao aprendizado técnico, principal-
mente agrícola. Quando a fila dos pretendentes começou a andar, fo-
ram várias as famílias que enviaram seus filhos para o estudo, o que,
naturalmente, gerou um acréscimo de votos para o coronel, compa-
tível com a aposta que ele fizera desde o início. Seguiram Lourenço
Ferreira do Prado, filho de D. Grossa; Edvarde Fonseca, primo carnal
de Lindaura; Sebastião Campos, filho da professora D. Fulô e futuro
caixeiro das Casas Pimentel; Valdecy, minha irmã; José Pimentel Fi-
lho, o Zezito, meu irmão, que marrento desde aquela época, fugiu
num trem para Pirapora com o fito de escapar ao regime interno e
ao sofrimento do trabalho agrícola; Lanes, filha de João Honorato
Primo, fazendeiro e primeiro prefeito depois da emancipação da vila;
Antônio, filho do funcionário da SUCAM João de Carlota, e alguns
outros cujos nomes me escapam neste momento.
Em Caio Martins, Lindaura concluiu o curso Normal Regional
Rural, que equivalia ao primeiro grau. Quando voltou à vila, mais
duas professoras haviam se incorporado ao trabalho no grupo es-
colar: Carlota Santana Prado e D. Anália. De modo que, com as três
classes iniciais do primário ocupadas, ainda que não tivesse sido cria-
da legalmente, Lindaura foi dar aula para uma suposta quarta série,
existente de fato mas não de direito. Lembro-me de que daquela tur-
ma fantasma faziam parte doze alunos, entre os quais Ordália Fer-
reira do Prado (de alcunha Piu), Helena (filha de João Farias Pinho,
nosso vaqueiro na fazenda São Vicente da Direita e valente extermi-
nador de onças), minha prima Terezinha de Araújo Pimentel e eu.
Posteriormente, egressas ou não do curso técnico de Caio Mar-
tins, outras professoras foram sendo absorvidas. Entre elas, um dos
nomes que me vem à memória é o de Lanes. De modo que várias
foram as combinações da relação mestre-disciplina por turma/ano.
Eu, por exemplo, cheguei à escola pública alfabetizado na classe mul-
tisseriada de D. Fulô e da segunda até a quarta freqüentei as classes
Memórias Catrumanas 254 Sidney Valadares Pimentel
que serviam para um, serviam para o outro. Rê mais an é igual a rã.
Dois mais um é igual a três. Vô menos ô mais ó é igual a vó. Era assim
que, como a Bíblia fazia surgir o outro gênero de um osso do parceiro
englobante, a escola fazia surgir o mesmo de uma mesma e simples
operação.
E depois havia outros livros um pouco mais complexos. Quem
não se lembra da Cartilha Sodré e sua pata concretista? E além dos
livros ainda havia o restante do instrumental necessário ao bom de-
sempenho do aluno. Também no tocante aos cadernos, a diversida-
de não era grande. Havia em primeiro lugar “os de arame” e “os
sem arame”. Ambos, como se por encanto, tinham a capacidade de
ir perdendo folhas à medida que o fim do semestre ou do ano se
aproximava. De modo que no encerramento das aulas já não havia
folhas brancas para ser usadas. Principalmente nos cadernos brocha-
dos sem arame, pois, nesse caso, cada folha arrancada correspondia
ao dobro, já que a parte que ficava, sem a devida ligadura, soltava-se
também. Para as anotações nos cadernos, usavam-se sempre lápis,
apontadores e borrachas, penas e tinteiros.
A entrada no grupo causava mudanças em vários aspectos. Em
primeiro lugar, havia a obrigatoriedade de portar uniformes. Enquan-
to na escola particular ia-se à aula com a roupa da lida diária, sem
qualquer exigência de padronização ou até mesmo de muito asseio,
a freqüência à escola pública exigia um uniforme padronizado em
termos de cor e aspecto, em razão dos quais o aluno, mesmo na rua,
sentia-se constrangido a perder sua individualidade. E socialmente
dava-se tanto valor a esse constrangimento que a roupa comum usa-
da pelos alunos nem se chamava uniforme, chamava-se farda. Minha
mãe costumava dizer: “Vai tirar sua farda que é pra não sujar”. Ou,
no período de treino para o “grande” desfile de 7 de setembro: “O
treino vai ser de farda ou com uma roupa qualquer?”. O que queria
dizer que a farda não era uma roupa qualquer. Além de padronizar
internamente, ela constrangia o comportamento dos alunos na rua,
isto é, no trajeto de casa para o grupo e vice-versa. Tudo de malfeito,
ou errado, ou proibido que se fizesse era condenado num grau ainda
mais ou menos intenso, dependendo se o malfeitor estava ou não
vestindo sua farda do grupo. Isto para não mencionar a discrepância
existente de roupa para roupa, dependendo do cuidado, do apuro no
Memórias Catrumanas 256 Sidney Valadares Pimentel
cavam de ouvido. O único que sabia ler pautas musicais e por esse
motivo era considerado pela população como um verdadeiro músico
era seo Vergílio.
Quando veio para a vila, esse mestre conseguiu um quarto na
Pensão Pitangui, ao lado de nossa casa, onde, nos momentos de des-
canso, curtia sua solidão. À boca da noite, depois de comer o bife
acebolado de nossa tia Celina, apanhava sua clarineta e sentava-se na
porta da pensão, um tanto separado dos demais fregueses, pondo-se
a tocar melodias que caíam no agrado das pessoas mais idosas da
vila. Branca, Valsa de Eurídice, A Pequenina Cruz do Teu Rosário, Abismo
de Rosas e outras, pinçadas caprichosamente no cancioneiro popu-
lar. Quando a balbúrdia de jovens e adultos, nativos e mascates em
trânsito, ameaçava perturbar o sarau de nosso bom mestre, ele reti-
rava-se para debaixo do jatobazeiro e de lá continuava a executar suas
belas e sentimentais melodias.
Por ocasião de algumas cerimônias realizadas no grupo, era
o professor Vergílio que comparecia sempre com sua clarineta para
executar peças alusivas ao evento. Houve um Natal que não me saiu
da memória porque, além do professor Vergílio com sua clarineta,
fomos brindados também com a voz de uma menina chamada Bren-
da Maria cantando a música Chuá Chuá, de Pedro Sá Pereira e Ary
Pavão. Ela não cantava muito bem, admito. Mas só a presença dela,
balançando o corpo pra lá e pra cá e dizendo chuá-chuá compensava
quaisquer deficiências da voz.
Do ponto de vista dos surdos debates que ocorriam na vila em
torno da questão da aprendizagem e dos complicados métodos para
conseguir que ela se estabelecesse o mais eficientemente possível, o
mínimo que se pode dizer é que ali nunca se acreditou em algum tipo
de processo que não fosse puramente mnemônico. A lei geral que
valia para todos era a da decoreba e de seu corolário, o “repete aí que
eu quero ver se você sabe mesmo”. O que discernia, então, os que
haviam aprendido dos que permaneciam na negra noite da ignorân-
cia era o mesmo que separava um papagaio galego de um papagaio
verdadeiro. Era se o modelo, que estava nas páginas dos livros, podia
ser repetido tal e qual. Para tanto, os próprios discípulos desenvol-
viam técnicas criativas destinadas a facilitar a decoração de textos, de
poesias, de regras gramaticais, de resultados das quatro operações.
Memórias Catrumanas 259 Sidney Valadares Pimentel
tel, papel, tecido, cola, água, fogo, construía seus brinquedos. Todos
envolvendo um alto grau de inventividade e pensados como um si-
mulacro de algo mimeticamente sonhado e experimentado em nível
minimalista.
O brinquedo era uma coisa, um objeto, algo que um de nós
fazia com uma boa dose de invenção a partir do aproveitamento de
restos de outros brinquedos ou objetos usados no dia-a-dia. Ou mes-
mo de material inteiramente novo, conseguido só Deus sabe como e
adquirido só nós sabíamos com que fundos. Mesmo não sendo uma
coisa dotada de alto grau de ineditismo, o brinquedo constituía-se
em uma invenção nova, no sentido de que cada um de nós fazia o
seu, tornando-o um objeto diferente dos demais, seja no tamanho,
na cor, seja nos materiais de que era feito. Desse ponto de vista, ele
era sempre uma reinvenção que carregava em seu íntimo uma quota
do que éramos, ou pensávamos, ou sentíamos.
Mais do que o brinquedo, a brincadeira fazia parte da tradi-
ção cultural e vinha sendo repetida, geração após geração, mantendo
uma estrutura básica, ainda que aqui e ali se diferenciasse em algum
aspecto superficial. Tanto um quanto a outra possuíam a sustentá-
los um saber cultural. Só que o primeiro permitia uma contribuição
maior da individualidade do que a segunda, enquanto a contribuição
cultural nesta era mais relacional e visível do que no brinquedo.
Pensemos, como exemplos, numa peteca e numa roda de ci-
randa. Dependendo do que tínhamos em mãos, ou em mente, ou
ainda em ambas, podíamos paradigmaticamente reinventar uma pe-
teca usando uma infinidade grande de material para o enchimento,
ou de penas de aves diversas para a determinação da aerodinâmica.
Em contrapartida, o máximo que podíamos intervir na composição
da roda de ciranda seria na mudança de um verso ou outro, ou ainda
de toda a cantiga, e mesmo assim qualquer mudança deveria levar
em consideração o aceite geral para não haver desencontros.
Do ponto de vista dos participantes, tanto os brinquedos como
as brincadeiras podiam ser usados isoladamente ou em grupos mis-
tos, por meninos e/ou meninas. Quanto à espacialidade, isto é, os lu-
gares onde se brincava, havia a casa, o terreiro e a rua. O cruzamen-
to das duas relações determinava onde e por quem o brinquedo e a
brincadeira, preferencial ou obrigatoriamente, eram usados, saben-
Memórias Catrumanas 270 Sidney Valadares Pimentel
bomba tonta em cima desse Buriti, que não vai sobrar nem um pé-
de-serrense pra contar causo dos outros”.
Lavadeira em nossa domus, Antônia era muito mal paga. Não
pela roupa que levava na cabeça dentro de uma bacia estufando de
tão cheia, pois desse serviço recebia por peça o justo valor combina-
do e, como se sabe, o que é combinado não é barato nem caro. Não
isso, mas os momentos de aprendizado e extração do prazer que a
rapaziada de nossa domus se sentia no direito de gozar. Não em sua
tapera-de-encontros na rua de Trás onde a competição não nos era
favorável, mas ali mesmo na beira do rio, sobre a macia alcatifa de
tiririca, ou entre as moitas de assa-peixe, ouvindo o murmurar das
rasuras da Vereda e o resfolegar de nossa Dulcinéia de ébano.
Havia outras que exerciam na vila, mas não com idêntica com-
petência, a mesma função didática de Antônia Batata. Dessas me
lembro pouco. Sei de ouvir pela boca dos vários caixeiros da loja que
havia uma certa Joana Facão que no final da década de 1950 abando-
nou a vila e foi-se embora pra Brasília. Tempos depois escutei das
mesmas fontes autorizadas que uma sua filha de alcunha Helena Fa-
cão havia “assentado praça” na capital, metáfora usada para elidir o
verbo prostituir.
Entre as “mulheres de vida livre” assumidas e prontas para o
que desse e viesse e as “mulheres de família”, tidas como honestas
procriadoras e sustentáculos das domus, havia uma categoria inter-
mediária composta por mulheres que não eram uma coisa nem ou-
tra. Geralmente mães solteiras que passavam sua existência botando
filhos no mundo de pais diversos como conseqüência de relaciona-
mentos provisórios, mas que mantinham uma vida regulada pela so-
briedade e por uma ocupação sancionada pela gente da vila como
legítima e honesta.
Passada a fase mais crítica do aprendizado, o menino se trans-
formava em rapaz, se não pronto, pelo menos bem encaminhado no
tocante ao saber “de homência” de que necessitava para assumir uma
relação estável com uma moça preferencialmente “bem nascida”
numa das melhores domus da vila. Vinha agora uma outra fase a que
se convencionou chamar namoro e que, ao contrário das conquistas
fáceis das “mulheres de vida livre”, não dependia somente do ímpeto
para impor-se e do dinheiro para pagar uma noitada.
O namoro
mesmo, tocaria num único fio de seu cabelo, nem de nenhum de seus
parentes, enquanto ele fosse vivo. De acordo ainda com minha mãe,
a vó Donana tinha tanta confiança em Antônio Dó que, quando os
revoltosos de 30 passaram pelo Urucuia, ela o encarregou de condu-
zir seus familiares para um lugar protegido, acho que num espigão
da Serra do Meio, dando toda garantia para que nada de ruim viesse
a lhes acontecer. Dizia ela que do ponto em que se encontravam,
viram quando os revoltosos chegaram à fazenda do Zumbi, onde pa-
raram para dar de beber à tropa e descanso aos homens.
Como era apresentado nesses relatos mitológicos, Antônio Dó
costumava também fazer das suas na vila ou em suas proximidades.
Em seu livro sobre Buritis, o historiador local Oscar Reis Durães
narra o episódio da perseguição movida por Maria Bita, a terceira e
última mulher do coronel Cândido José Lopes, pai de seo Antonino
Cândido Lopes, contra este. De acordo com aquele autor, a citada
Maria Bita, sentindo-se preterida na partilha dos bens do extinto ma-
rido por seu vivaldino enteado, contratou nosso jagunço-herói para
matá-lo. Sabedor da ameaça, seo Antonino corre a se proteger na fa-
zenda do amigo Felipe Rodrigues da Costa, que convenceu o jagunço
a não cumprir o mandado da viúva, lembrando-lhe que o perseguido
era na época seu protegido da mesma forma que em outro momento
ele, Antônio Dó, em semelhantes circunstâncias, também o fora. A
parte final da história em que se ressaltam os momentos de dúvida
do jagunço colocado na berlinda entre o preito de gratidão de um be-
nefício recebido anteriormente e a palavra agora empenhada, ressal-
ta a salomônica escolha em que mais uma vez sobressai a honradez
como o mais caro bem da pessoa.
Se, no entender de meu pai, Virgulino Ferreira Lampião era um
herói nacional e no de minha mãe Antônio Dó era um herói estadu-
al, havia outros cujas violências perpetradas por ali mesmo tiveram
o poder de transformá-los em bandoleiros locais. Entre estes, meus
ouvidos ressaltam ainda o nome de José de Queiroz. Lembro-me de
que se falava sobre esse personagem quase sempre à boca pequena.
Não fosse o comentador falar em corda na casa de enforcado. De
acordo com o que se dizia na época, José de Queiroz era um vilão
(agora principalmente no mau sentido) que possuía muitos crimes
nas costas. Morador na Forquilha Nova, fazenda que ficava à margem
Memórias Catrumanas 313 Sidney Valadares Pimentel
Pai: Abel.
Filho: Oi, pai.
Pai: Abel, me diz uma coisa.
Filho: Digo, pai.
Pai: Abel, com quem é que eu pareço?
Filho: O senhor, pai?
Pai: Eu, filho. Com quem é que eu pareço?
Filho: Deixa eu ver. O senhor parece com seo Biá.
Pai: Não!
Filho: Então deixa eu ver.
(Breves instantes de espera).
Filho: Ah, pai, já sei. O senhor parece com o boi laranjo do cu verme-
lho.
Pai: Não, desgraça! Tá me azucrinando. É outro.
Filho: É outro, pai?
Pai: É outro, você sabe.
Filho: Então é com seo Zé Pimentel?
Pai: É não, eu lá tenho a cabeça chata por acaso?
Filho: Ah, então é com Marcole.
Pai: Também não.
Filho: Com o Vevitalino.
Pai: Não.
Filho: Com o Izidião.
Pai: Qual é Izidião, trem, o de dona Celina?
Filho: Esse não, pai, o dos Mangues.
Pai: Pareço não, com nenhum dos dois.
Filho: Ah, então já sei.
Pai: Quem então?
Filho: O Veantonino.
Pai: Ra-ra-ra. Ele mesmo. Até o terno marelo.
Memórias Catrumanas 323 Sidney Valadares Pimentel
improvisado aviso dos vicentinos deu com ela morta, tendo o rosto
completamente desfigurado por ter servido de repasto aos ratos du-
rante a noite.
Benício Providência
e as latas de servir na casa, ele acha que deve privilegiar sua crença
mágica. Ele tem um cruzeiro para molhar que fica longe, do outro
lado da Vereda, num local elevado e de não muito fácil acesso. Princi-
palmente para subir com uma lata de vinte litros quase cheia d’água.
A cruz é enorme, construída em cerne de aroeira. Por isso o
povo do lugar a chama de cruzeiro. E ele vai gastar uma, duas, três,
quatro viagens até achar que a cruz está bem encharcada. Parece que
em seu imaginário existe uma relação direta entre a porção de água
que ele conseguir despejar e o nível de precipitação pluviométrica na
região. Isso é o que ele pensa. Mas não é o que, provavelmente, pen-
sará D. Olívia, que precisa de água primeiro em suas bilhas e suas va-
silhas. Senão, quando o marido chegar estafado da fazenda e for com
muita pressa ao pote não vai encontrar bulhufas de água. Por isso ela
diz quase como uma súplica: “Trazer primeiro, molhar o cruzeiro
depois”. E ele então pega o trilho cruzando obliquamente a praça na
direção do Poço dos Padres, ou do Mata-Cavalo, ou da Varginha.
A voz que lhe sai da garganta é repetitiva e grave. Grossa como
se tivesse um exército de besouros mangangás aquartelado em suas
cordas vocais. As pessoas da vila desenvolveram um conjunto com-
plexo de códigos, sinais e entonações pra se comunicar com seus “bo-
bos”. Muito provavelmente pensava-se que, sem aqueles recursos,
ninguém conseguiria fazer-se entender. E o mais extraordinário era
que as unidades significativas não compunham um conjunto que se
aplicava a todos indistintamente. Não, a cada um aplicava-se deter-
minado código. O mais comum era que, ao dirigir-se a Josino, as pes-
soas (crianças e adultos) engrossassem suas vozes ao máximo, como
se, usando uma entonação menos grave, ele não pudesse alcançar a
compreensão do sentido.
“Trazer primeiro, molhar o cruzeiro depois”, ele repete. No
caminho, topa com uma cambada de rapazes que voltam do banho
no perau e resolvem mexer com ele. “Zino, cadê a pilha?”. Josino
enfia a mão no bolso da calça de algodão cru e tira uma pilha de
lanterna Rayovac esgotada. A pilha é sua distração e seus malabares.
Algum tempo atrás, usava um limão ou um coco xodó. Mas isso foi
antes de descobrir que a pilha usada funciona melhor. A lata sobre a
cabeça rude, o olho projetado na distância. Uma mão segura a lata
para não cair, a outra joga sua pilha-malabar. Josino não precisa olhar
Memórias Catrumanas 338 Sidney Valadares Pimentel
para a pilha. A experiência lhe diz que ela girará no ar uma única vez
e, depois de descrever 360 graus, descerá docemente sobre a palma
de sua mão como um zepelim. E assim ele fará de acordo com a exi-
gência de Olívia. Trará primeiro a água de beber e de servir em casa.
Depois cuidará de sua crença mágica.
Josino sabe, é claro, que aquilo que ele faz é a sério. Que sem
sua ajuda a vila e suas cercanias não receberiam a benfazeja água da
chuva, sem a qual as plantas, os animais, e até a gente mesmo se es-
turricariam. Josino sabe, ou pelo menos desconfia, que não adianta
correr e fazer penitência somente no período da seca, consoante o
proceder dos catrumanos da vila. Quando a chuva demora ou não
é suficiente, as pessoas se juntam, molham o cruzeiro e fazem tem-
poronas orações, imitando-o. Depois se esquecem de continuar as
promessas no dia-a-dia. Ele não, seu procedimento é contínuo, única
forma de fazer com que o milagre do abastecimento celestial perdu-
re. Mesmo no período das águas, quando acontece um veranico, lá
vai ele com sua pilha e sua lata d’água.
Agradecimentos
cípio de Arinos. Minha boa tia Nena, preceptora dos filhos de nossos
tios Alcides e Isabel. Lindaura Campos Valadares. Minha prima, a
modista Odete, e seu marido Zé Dentista. O casal Orlando do Prado
e Maria Pompília. João Macaco, nosso “negrinho do pastoreio”. Meu
padrinho Baltazar Fonseca Melo. As irmãs Zoraíde, Maria, Mariana,
Carlota e Inês. Helena, filha de nosso ex-vaqueiro João Farias Pinho,
e Dadá, sobrinha de Eduarda, que viveram em nossa casa um tempo
como estudantes. Antoniel e sua mulher Chica. Onofre, Ondina e
Ornelina, irmãos. Meu primo Napoleão e sua mulher Marlene, ele
genealogista arinense, ela natural da vila e pertencente à domus dos
Fonseca Melo. Salustiano, o Preto Santana, ex-caminhoneiro e ex-
prefeito de Arinos. Sebastião Campos. João Barrão. Cassimiro, pri-
mogênito de seo Angêlo Bonfim. Osmar Costa Vale. Alberto Ferraz.
O engenheiro Célio Jacinto de Abreu e sua mulher Ângela Prado
Abreu. E, por fim, a meus sobrinhos José Mário e Eliane Rodrigues
Pimentel, pelo muito que ajudaram no escaneamento de antigas fo-
tografias usadas no trabalho.
Não tenho como agradecer suficientemente à boa amiga e re-
visora Edna Lúcia Rodrigues pelo trabalho de dar coerência e bri-
lho à minha escrita, na árdua tarefa de preparar os originais para a
publicação. E, por fim, para permanecer sempre lembrado, a meus
familiares, pelo tempo em que me ausentei do convívio para lembrar
e escrever.
Mas não gostaria de concluir sem antes dizer que os relatos e
interpretações que constam deste trabalho são de minha inteira res-
ponsabilidade, ainda que muitos calcados em informações recebidas
de outros pessoalmente ou através de leituras.
Goiânia, 13.8.05 a 19.6.07
Esta edição foi produzida em julho de
2007, em Goiânia. Composto na fonte
Dante MT Std. Miolo papel Pólen
80 g/m2 e capa Triplex 250 g/m2.
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Impresso na Gráfica e Editora Vieira