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16 A CONSTITUIçÃO ABERTA
Sumário
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES; 2. ABERTURA
EPISTEMOLÓGICA DO Direito Constitucional; 2.1. Concepção de
Constituição aberta e sua transdisciplinaridade; 2.2. Casuística; 3.
CONCRETIZAÇÃO E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAIS; 4.
ABERTURA PELOS PRINCÍPIOS; Referências bibliográficas
1. Considerações preliminares
A discussão teórica acerca da abertura das constituições pode en-
caminhar-se por distintas veredas. Assim, poderá ocupar-se: (i) da abertura
hermenêutica da norma constitucional; (ii) da abertura normativa expressa ao
Direito internacional e, no caso europeu, ao Direito comunitário; (iii) da abertu-
ra ao concreto; (iv) da abertura epistemológica, e; (v) da abertura de conteúdo.
A postura hemenêutica, por seu turno, deverá passar pelo debate acerca da
principiologia constitucional, dos “valores”, da “moral”, sua força e alcance.
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O tema “A Constituição Aberta” é título de duas importantes obras
no Brasil e constitui preocupação central do constitucionalismo contemporâ-
Como lembra Jorge Miranda, “No século XX a Constituição em sentido material (...) perde a
sua referência (ou referência necessária) a um conteúdo liberal” (Miranda, 2003: 20), “o conteúdo
da Constituição se relativiza para estruturar qualquer regime político.” (Miranda, 2003: 27).
“A Constituição Aberta” de Paulo Bonavides e “A Constituição Aberta e os Direitos
Fundamentais” de Carlos Roberto Siqueira Castro.
André Ramos Tavares
Havia uma esperança, que era nitidamente utópica, quase que pue-
ril. Pretendia-se com as codificações que, ao se possuir todas as leis escritas,
o Direito fosse acessível (e objetivamente cognoscível). Conseqüentemente,
não se demandaria nem tribunais nem advogados (Cf. Gilissen, 2001: 450) ou,
ainda, a tarefa destes seria eminentemente objetiva, alcançando-se o ideal da
segurança jurídica. Desnecessária seria qualquer discussão sobre o espírito
da lei (Gilissen, 2001: 517) sobre a vontade do legislador, sobre a justiça dos
comandos ou outras especulações por parte do operador do Direito.
Frise-se, também, que o conteúdo do Código francês (e das de-
mais codificações, nele inspiradas) pautava-se nos ditames do Direito na-
tural, conforme se depreende do discurso de Portalis, um dos autores do
Código Civil francês (Portalis, 1997: 53).
O Direito, assim como o Jusnaturalismo, evoluíram (o segundo 329
chegou ao seu ápice), porquanto adquiriu o Direito um mínimo de certe-
za quanto à existência e à sua aplicação. Porém, neste exato momento da
Codificação, o Direito e o Jusnaturalismo sofreriam a sua queda. Sobre
este ponto, observa Guido Fassó:
“Com a promulgação dos códigos, principalmente do napoleônico,
Os quatro redatores responsáveis pela elaboração do Código, François Tronchet, Jean
Portalis, Félix Bigot-Préameneu e Jacques de Malleville pautavam-se em diferentes ideologias.
Enquanto Portalis e Malleville defendiam o sistema jurídico dos pays du droit écrit; Tronchet e
Bigot-Prémaneu defendiam o sistema do pays du droit coutumier (Cf. Gilissen, 2001: 452). Desta
amálgama ideológica, o direito natural não poderia resultar excluído.
André Ramos Tavares
madeira fabricar uma mesa) e que por isso exige técnica, isto é,
uma espécie de know-how, um saber-fazer, para que um resulta-
do seja obtido.” (Ferraz Jr., 2001: 75).
Com efeito, o povo e a pluralidade que dele emerge não podem fi-
car de fora da interpretação e evolução constitucional. Como partido político,
como opinião científica, como grupo interessado ou, finalmente, como cida-
dão (Cf. Häberle, 1997: 37), estarão presentes na materialização do Direito.
Afinal, se assim não se considerar, corre-se o risco de a Constituição perder
a sua força, segundo as palavras de Konrad Hesse: “se as leis culturais, so-
334 ciais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, ca-
rece ela do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa
contrária a essas leis não logra concretizar-se.” (Hesse, 1991: 18).
Em conclusão, demanda-se, agora, que a visão constitucional se
torne holística, integralizante, a qual, de seus diversos ângulos,
Afinal, conforme bem lembra Louis Andrieu-Assieur:
bem por sustentar uma distinção rígida entre fato e norma, entre o concre-
to e o abstrato (cf. Engisch, 2004: 183). A concretização os reconhece como
elementos inseparáveis no processo de compreensão (interpretação, agora
compreendida como concretização) do Direito.
Acrescente-se, ainda, que esse tipo de análise (problemática) tam-
bém não opera um fechamento estrutural do próprio dispositivo, quer di-
zer, não afasta certos significados da disposição normativa, significados es-
tes que podem incluir ou excluir outros casos concretos que simplesmente
não foram verificados, porque não faziam parte da preocupação levada a
efeito em cada estudo. Conformam, em realidade, uma “quintessência inde-
terminada de casos”. Quando Müller (1989: 122) afirma que “como norma
de decisão, regula-se o caso concreto de uma maneira cuja particularidade
desenvolvida em cada caso pode ser qualificada de ‘aplicativa’”, fica certo
que a abertura, abstratamente falando, da disposição normativa, permanece
mesmo após a realização de um processo de concretização.
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A Constituição Aberta
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