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Existe uma nova classe média no Brasil?


Redução da expectativa de mobilidade social pelo aumento da escolaridade

Valerio Arcary , é professor do IF/SP


(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), e doutor em História pela USP.

Une porte doit être ouverte ou fermée (Uma porta deve estar aberta ou fechada)
Sabedoria popular francesa

O que tem de ser, tem muita força


Sabedoria popular portuguesa

Much ado about nothing (Muito barulho sobre nada)


Sabedoria popular inglesa

Diminuiu ou não a desigualdade social no Brasil? A mobilidade social está mais


intensa ou não? Está se formando uma nova classe média? Como dizem os franceses, a
porta da ascensão social está aberta ou fechada? O tema alimenta uma polêmica exaltada.
Um bom parâmetro, porque incontroverso, é recordar que o Brasil se manteve, em 2009,
como um dos dez países com maior desigualdade social do mundo segundo o relatório do
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) sobre o IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) em 177 países.1 É importante acrescentar que o índice de Gini
mede a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho, portanto, não leva em conta as
rendas do capital: juros e lucro. É uma informação insatisfatória para avaliar toda a
dimensão da desigualdade.
A formação de uma “nova” classe média foi alardeada pela mídia apoiada em um
estudo feito por pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio: cem milhões
de brasileiros teriam alcançado uma renda mensal igual ou superior a R$1.200,00.2 O
1
O Brasil é o oitavo. Pior do que o Brasil estão apenas a Guatemala, e os africanos Suazilândia, República
Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia, todos países, incomparavelmente, mais pobres. O
coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e
publicada no documento "Variabilità e mutabilità", em 1912. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0
corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa
desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). O índice brasileiro foi de 0,593 em
2003. De acordo com o documento, no Brasil 46,9% da renda nacional concentram-se nas mãos dos 10%
mais ricos. Já os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u112798.shtml Consulta em 20/03/2010
2
De acordo com uma pesquisa de Marcelo Néri, divulgada pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), do Rio, em agosto de 2008, nos últimos seis anos cerca de 20 milhões de brasileiros
deslocaram-se para a classe média. As famílias com renda mensal entre R$ 1.065 e R$ 4.591 são os que
compõem a classe média baixa, ou classe C. São hoje 52% da população (eram 44% em 2002).
2

aumento da capacidade de consumo de uma parcela dos assalariados mais pobres é uma boa
notícia, mas não é suficiente para demonstrar a formação de uma nova classe média.
A elevação do salário mínimo acima da inflação, a ampliação da acessibilidade ao
crédito e a redução do desemprego – associados a políticas públicas, como o Bolsa Família
- parecem ter sido os principais fatores do aumento do consumo das famílias entre 2004 e
2009. Mas é um abuso concluir, por analogia com outros períodos históricos, que a
mobilidade social estaria mais intensa. O consumo de bens duráveis e semi-duráveis, como
automóveis e eletro-eletrônicos, não é adequado para demonstrar que teria surgido uma
nova classe média.

Crescimento ou diminuição da classe média?


A definição do que seria a classe média no capitalismo contemporâneo provoca
grandes polêmicas sociológicas. O critério pode ser aferido pela ocupação profissional, ou
seja, grosso modo, o lugar no processo produtivo, abraçado pelo marxismo. A classe média,
em perspectiva histórica, era composta por pequenos comerciantes, artesãos ou
proprietários rurais. Sendo muito heterogêneos, podiam ser identificados como membros
das classes médias, no plural, para ilustrar a diversidade de sua inserção social. Os
marxistas ampliaram a utilização do conceito de classe média para incorporar as novas
camadas urbanas que se massificaram com a expansão dos setores de serviços que exigiam
uma elevada escolaridade, os profissionais liberais. O conceito se vulgarizou na linguagem
coloquial com as ambições de ascensão social que tornaram preconceituoso ou até
pejorativo o pertencimento à classe trabalhadora, e passou a ser usado, também, para
classificar todos os que, mesmo sendo assalariados, não realizavam trabalho manual.
Outras correntes metodológicas preferiram identificar a estratificação social usando
critérios combinados de renda familiar, escolaridade e consumo. São essas pesquisas que
pretenderam identificar uma nova classe média em função do aumento do consumo que
acompanhou o crescimento econômico, entre 2004 e 2008, e a expansão do crédito,

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10074-15204,00-
A+NOVA+CLASSE+MEDIA+DO+BRASIL.html
3

sobretudo, na modalidade de crédito consignado. Estima-se classe média, nesse critério,


famílias que correspondem a cerca de 52% da população.3
A classe média dos países centrais se constituiu, majoritariamente, a partir de
pequenos proprietários rurais. Ela foi importante para que mercados internos ganhassem
escala. A concentração da propriedade da terra no Brasil foi, historicamente, um obstáculo
para a formação de uma classe média de agricultores, com poucas exceções. Entre elas, a
experiência dos colonos de origem européia no Rio Grande do Sul foi a mais significativa.4
A maioria da classe média brasileira foi beneficiada, na segunda metade do século XX, por
dois processos que acompanharam a urbanização. Resumindo: (a) a industrialização tardia e
acelerada levou à formação de dez grandes regiões metropolitanas, com pelo menos um
milhão de habitantes, e a demanda por habitação impulsionou a valorização exponencial
dos imóveis urbanos; (b) o atraso cultural e baixíssima escolaridade da maioria do povo, em
condições de crescimento econômico, potencializaram uma enorme desigualdade entre os
salários do trabalho manual, e os salários dos setores médios mais instruídos. Patrimônio
valorizado e escolaridade mais alta, no marco de um processo de urbanização que, durante
meio século, permitiu uma situação de pleno emprego, foram os fatores mais significativos
para a formação da classe média brasileira.

Duas tendências contraditórias


Os dados disponíveis (estudos do IPEA, e da PNAD de 2008 do IBGE) informam
dois indicadores que são incongruentes. A Pnad de 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que, entre
2001 e 2004, a renda dos 20% mais pobres cresceu cerca de 5% ao ano, enquanto os 20%
mais ricos teriam perdido 1%. Mas, nesse mesmo período houve queda de 1% na renda per
3
A classe C, outras das denominações da nova classe média, cresceu, entre dezembro de 2002 até abril de
2008, 24,55%, equivalendo a 53,81% da população brasileira. E, ao contrário do que se poderia imaginar,
mesmo após o acirramento da crise financeira internacional, o grupo continuou crescendo. Entre setembro e
dezembro do ano de 2009, a classe C apresentou evolução de 1,24%. De acordo com o estudo, o índice
apurado supera todos os apontamentos para o mesmo período em anos anteriores, com exceção de 2004. Já as
outras classes encerraram 2008 com a seguinte representatividade: E (17,38%), D (13,18%) e AB (15,33%),
sendo que esta última, ao contrário da classe C, começa a sentir os efeitos da crise, caindo 0,65% nos últimos
meses de 2009, enquanto em 2007 e 2006 apresentou aumentos superiores a 3%. A conclusão consta do
estudo divulgado, nesta quarta-feira (11), pela FGV (Fundação Getulio Vargas), intitulado Crônica de uma
Crise Anunciada: Choques Externos e a Nova Classe Média. Disponível para pesquisa em:
http://www3.fgv.br/ibrecps/Clippings/lc120.pdf Consulta em 20/03/2010.
4
MAESTRI, Mário. La aldea ausente: la formación del campesinato en Brasil. Socialismo o Barbarie,
Buenos Aires, v. 17-18, p. 253-289, 2004.
4

capita, e o Produto Interno Bruto (PIB) não cresceu significativamente. Acontece que a
evolução do PIB foi uma variável decisiva na história econômico-social do Brasil. A
explicação para a redução das desigualdades estaria, segundo pesquisadores do IBGE, nos
programas de distribuição de renda como, por exemplo, a cobertura mais universal da
aposentadoria do INSS, e o Bolsa Família. Mas, ainda assim, o tema permanece
controverso, porque existe uma subnotificação da renda da riqueza: rendimentos
financeiros no Brasil e no exterior, ou aluguéis, por exemplo.5
As informações disponíveis são contraditórias porque sinalizam tendências
antagônicas. Por um lado, a participação proporcional dos salários sobre a riqueza nacional
continua descendente, o que é claramente regressivo, acentuando a desigualdade entre
proprietários de capital e assalariados. O total pago na forma de salários como proporção do
PIB era, em 1995, superior a 35%, enquanto, as rendas do capital eram um pouco
superiores a 31%. Dez anos depois, em 2005, as posições se inverteram. A proporção do
total de salários no PIB é inferior a 31%, enquanto, a proporção das rendas do capital está
quase alcançando 36%.6
Por outro lado, a disparidade de renda entre os assalariados – as diferenças entre o
salário médio do trabalho manual, o salário médio de trabalhadores em funções de rotina, e
o salário médio dos assalariados com nível superior -, veio diminuindo nos últimos quinze
anos. Os assalariados têm uma remuneração mais homogênea. Em resumo, a desigualdade
entre os salários veio sendo reduzida. Este processo revela dinâmicas econômico-sociais
5
A desigualdade social é uma variável que procura medir a disparidade de condições econômico-sociais. O
Radar Social, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que 1% dos brasileiros
mais ricos (1,9 milhão de pessoas) detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres
(96,5 milhões de pessoas). A autodeclaração tem margens de erro significativas, se os dados não forem
cruzados com outras fontes como o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) e o IRPJ (Imposto de Renda
da Pessoa Jurídica) protegidos pelo sigilo fiscal, e se estes dados não forem conferidos com outros, como a
IPMF (Imposto Provisório de Movimentação Financeira), protegidos pelo sigilo bancário. Esta incerteza
sempre foi grande para aferir a desigualdade. Conferir em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais20
08/default.shtm Consulta em 20/03/2010.

6
Segundo João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do IPEA, o estudo "Os ricos no Brasil", de
Marcio Pochmann identificou que vinte mil clãs familiares se apropriam de aproximadamente 70% dos juros
que o governo paga aos detentores dos títulos da dívida pública. Pode-se supor que um clã familiar seja
formado por um conjunto de 50 pessoas: avôs, avós, pais, mães, tios, cunhados, cunhadas, sogros, genros,
noras, sogras, primos, primas, irmãos, irmãs e bebês. Fica fácil fazer a conta para saber quanto cada membro
de um desses clãs ganhou por mês, em média, em 2006.Neste mesmo ano, foram destinados pela União ao
pagamento de juros da dívida interna mais que R$ 152 bilhões. Somente desta fonte, cada rentista rico
embolsou, por mês, R$ 8.873,38 de renda bruta. Conferir em: http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?
ttCD_CHAVE=2851 Consulta em 24/03/2020.
5

contraditórias, embora não seja inusitado: a elevação do piso da remuneração do trabalho


manual é positiva, mas a queda do piso dos assalariados com elevada escolaridade é
negativa.
A recuperação econômica, entre 2004 e 2008, teve efeitos positivos sobre a renda
média das famílias. A redução da diferença entre o salário médio dos trabalhadores
manuais, dos assalariados em atividades em funções administrativas de rotina, e dos
assalariados com nível superior e responsabilidades de gestão intermediária parece ser uma
tendência consolidada. O Relatório Mundial sobre Salários 2008/2009 da OIT informa que,
se considerarmos o aumento do nível salarial médio, a América Latina e Caribe foi a região
que registrou a média mais baixa de aumento, 0,3% ao ano, mesmo percentual registrado
no Brasil no mesmo período.7

Mobilidade social menor através da educação


O lugar da educação como instrumento de ascensão social foi sempre muito
valorizado pela classe média brasileira, que se destacou pelo esforço de garantir a elevação
da escolaridade para seus filhos. Os investimentos públicos em educação,
proporcionalmente ao PIB, continuaram, contudo, baixos, embora tenha ocorrido uma
pequena melhora nos últimos anos.8 Os sacrifícios da classe média para garantir uma
educação superior de qualidade para os seus filhos têm sido, portanto, muito grandes,
porque significaram financiar o ensino básico em escolas particulares, em função do funil

7
Segundo a diretora do escritório da Organização internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo,
entre 2001 e 2007 a chamada distribuição funcional da renda, ou seja, a proporção do PIB composta pela
remuneração ao trabalho caiu na maioria (70%) dos países analisados no período de 1995 a 2007. O relatório
informa, também, que em 70% dos países foi registrada uma piora na distribuição da renda entre os
trabalhadores, o que mostra o aumento nas desigualdades salariais de uma forma geral. O nível salarial médio
dos trabalhadores cresceu, todavia, no mundo todo, mas o índice ainda pode ser considerado pequeno: menos
de 2% na maior parte dos países. http://www.guiame.com.br/v4/11193-1462-Sal-rios-m-dios-cresceram-no-
mundo-mas-n-o-o-suficiente-diz-OIT-.html Consulta em 26/03/2010

8
O percentual do investimento público total na educação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto)
aumentou nesta década, mas teve grandes oscilações, porque entre 2000 e 2005 caiu de 4,7% para 4,5% e, a
partir de 2006, subiu para 5,1%. Segundo o estudo Education at a Glance, da Unesco, publicado em 2009,
Portugal investe 5,6%, acima da Espanha, com 4,7%. A média da OCDE é de 5,7%. A Islândia gasta 8% do
PIB na educação. Dinamarca, Coréia e Estados Unidos também ultrapassam os 7%. As pesquisas podem ser
feitas no site do INEP (Instituto Nacional de pesquisas e estudos Educacionais Anísio Teixeira):
http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros/P.T.I._dependencia_administrativ
a.htm Consulta em 23/03/2010.
6

seletivo dos exames de acesso às universidades públicas.9 O setor de educação privada


expandiu e passou a ter uma expressão significativa sobre o PIB, a partir dos anos setenta e
oitenta do século XX.10
A classe trabalhadora, contudo, alimentou esperanças, incomparavelmente, menores.
O orçamento doméstico da maioria das famílias proletárias não podia garantir as
mensalidades do ensino privado. Permaneceu atendida pela matrícula de seus filhos na
escola pública primária e secundária, porque a maioria da geração adulta já considerava
uma vitória o simples aumento de escolaridade além daquela que tinham tido oportunidade.
Essas expectativas parecem estar se invertendo.
O esforço de garantir o acesso à universidade da geração mais jovem vem
aumentando, entre os trabalhadores, mas a esperança, entre a classe média, de que uma
escolaridade superior poderia ser um impulso para ocupações melhor remuneradas, parece
estar diminuindo. Esse desânimo não é infundado: há algumas décadas o salário médio dos
assalariados com nível superior vem em queda lenta. Mais de 80% dos brasileiros com
cursos superiores completos trabalham em atividades diferentes, e até, distantes, de sua
formação profissional.11 Este paradoxo parece intrigante. O crescente desalento da classe
9
Desde o século XIX, as sociedades urbanizadas secundarizaram o papel das Igrejas, portanto, da caridade, na
educação, e os custos de uma maior escolaridade foram divididos entre o Estado e as famílias. Segundo os
dados divulgados pela Unesco, para o ano de referência de 2005, existem as mais díspares situações. De um
lado a Dinamarca, por exemplo, os investimentos públicos para a educação universitária correspondem 96,7 e
gastos das famílias a 3,29%%. No outro extremo, o Chile, os números são, respectivamente, 15,46% e
83,67%. Em Portugal, os custos são divididos entre 86% para o estado e 14% para as famílias. Nos Estados
Unidos as proporções são 35,38% e 35,14%, e outros 29,47% são os custos absorvidos por outras entidades
privadas, como variadas fundações. No México 68,87% e 30,64%. Dados comparativos sobre os
investimentos públicos de outras nações podem ser procurados no site da UNESCO:
http://stats.uis.unesco.org/unesco/ReportFolders/ReportFolders.aspx Consulta em 23/03/2010
10
Segundo estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a atividade educacional desenvolvida pelo setor
privado – inclusive as instituições sem fins lucrativos – era responsável por 1.184.126 ocupações em 2006,
conforme dados do IBGE. Este número correspondia a 1,27% do total da PEA (População Economicamente
Ativa), estimada em pouco mais que 93 milhões de pessoas.Também havia, em 2005, 19.940 fundações
privadas e associações sem fins lucrativos dedicadas às atividades de educação e pesquisa. Estas entidades
empregavam 509.265 pessoas. A escolaridade média dos profissionais que atuam no setor é de 12,6 anos de
estudo, bem acima dos 7,4 correspondentes à totalidade da força de trabalho. A educação privada superou
uma movimentação de R$50 bilhões em 2006, ou seja, alcançou 1,5% do PIB. O PIB é um indicador do valor
dos bens e serviços realizados durante um ano, portanto, é uma medida da produção, consumo e poupança
nacional. Consulta em 23/03/2010. O estudo pode ser encontrado no site:
http://www.fenep.com.br/arquivos/setor_educacional.pdf
11
O salário mínimo obteve aumentos reais nos últimos quinze anos. O salário médio nacional permaneceu
estagnado no Brasil desde 2002. A evolução histórica do salário médio das ocupações com nível superior,
quando não permaneceu estacionária, veio declinando. A pesquisa mensal de emprego do IBGE de março de
2009 nas seis maiores regiões metropolitanas revelou que o salário médio da população que se autodeclarou
como branca, com escolaridade de 9,1 anos, foi de aproximadamente R$1.600,00. O da população que se
autodeclarou como parda ou negra, com escolaridade média de 7,6, foi de R$800,00. A média nacional foi de
7

média sugere que as relações entre as taxas de mobilidade social absoluta e relativa estão
mudando.
A explicação para esta diferença repousa em uma experiência histórica da sociedade
brasileira. Durante meio século, entre 1930 e 1980, ela conheceu uma mobilidade social
absoluta significativa, comparativamente, à situação atual. Esse processo foi possível em
função da acelerada urbanização que permitia a absorção massiva de mão de obra
analfabeta ou semi-alfabetizada pela indústria. Mas a mobilidade social relativa foi
estacionária, ou quase imperceptível e, essencialmente, restringida à classe média. 12 Se
analisarmos a origem social da maioria da classe média e, também, o que podíamos chamar
o “repertório cultural” das gerações anteriores, veremos que, com raras exceções, uma
grande parcela destes segmentos intermediários foi favorecida pelo aumento da
escolaridade de um período histórico anterior.
Esse fenômeno é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional.
O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro. O Brasil agrário era uma
sociedade de desenvolvimento econômico lento e grande rigidez social. Durante muitas
gerações os antepassados da maioria esmagadora do povo brasileiro foram vítimas da
imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos,
não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já
sabiam que seriam sapateiros. Os filhos dos médicos, ou engenheiros, ou advogados,
mesmo se não tivessem propriedades, poderiam, em contrapartida, aspirar uma inclusão nos
meios burgueses.

R$1,200,00. As curvas evolutivas dos salários médios entre 2002/2009 foram muito semelhantes. Dados
disponíveis em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/marco2009.pdf
Consulta em 21/03/2010.
12
Os economistas e sociólogos consideram duas taxas de mobilidade social, a absoluta e a relativa. A taxa
absoluta compara a ocupação do pai e a do filho, e a primeira atividade de cada um com o último emprego de
cada um. A taxa de mobilidade relativa indica o nível de desigualdade de acesso a estas posições. No Brasil, a
taxa absoluta foi alta até 1980, mas a relativa foi desde sempre baixa. Essa foi uma das heranças deixadas por
uma sociedade erguida sobre o escravismo. Em outras palavras, conhecemos uma intensa mobilidade social
devido à urbanização, mas isso não fez do Brasil um país menos injusto, somente, menos pobre. O que
explica esse processo é que as trajetórias de mobilidade social beneficiaram milhões de pessoas, mas muito
poucos ascenderam de forma significativa. As pessoas subiram na hierarquia socioeconômica, mas subiram,
em geral, para o degrau imediatamente superior ao que seus pais ocupavam. O tema pode ser pesquisado em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092000000300011
Consulta em 20/03/2010.
8

O período histórico que favoreceu a mobilidade social absoluta ficou para trás
A contextualização em história é feita através de variados recursos, mas o mais
importante é a periodização. A periodização está para a história como a lei de gravidade ou
a relatividade geral está para a física, e a seleção natural está para a biologia. Delimita o
sentido das pesquisas. Sem periodização a história não pode ser ciência. O seu objeto de
estudo são as transformações que afetaram a vida social dos povos ao longo do tempo. Este
tempo social é diferente do tempo cronológico, porque nem os dias, nem todos os anos,
nem as décadas, e nem mesmo os séculos são iguais uns aos outros. O século XX, por
exemplo, pela intensidade das mudanças que ocorreram, corresponde a vários dos séculos
que o precederam.
Periodizações são indispensáveis, portanto, porque a história se apresenta,
aparentemente, como um fluxo contínuo de acontecimentos, ou uma sequência ininterrupta
de eventos, com um ritmo definido pela nossa experiência física de dias de vinte e quatro
horas. Houve épocas, no passado, em que civilizações que, por um período foram
prósperas, depois sofreram longas estagnações. Há épocas, etapas e, sobretudo, conjunturas
em que o tempo histórico se acelera. Os sistemas sociais conheceram eras de formação ou
gênese, desenvolvimento ou apogeu, e declínio ou decadência. Quando as mudanças são
inadiáveis, mas as relações sociais se mantêm intactas, as sociedades mergulham em crise.
As crises econômicas assumem a forma de convulsões sociais irrefreáveis. A forma destas
transformações na época contemporânea foram as revoluções políticas e, quando
radicalizadas, revoluções sociais. Os ritmos da história são identificados na forma de
periodizações. Periodizar significa classificar. Há diferentes métodos para se realizar
classificações corretas. Não basta que sejam coerentes. A coerência é um dos critérios
teóricos para se conferir a qualidade das periodizações, mas está longe de ser só por si
satisfatório. Boas classificações exigem comparações que identifiquem semelhanças e
diferenças entre as diferentes épocas, etapas e conjunturas, e expliquem quando e porquê as
mudanças foram qualitativas. Toda periodização visa atribuir sentido. Periodizar é buscar
um fio condutor de explicação na aparente confusão dos acontecimentos.
A sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos
pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais
dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu
9

durante cinco décadas um capitalismo com taxas aceleradas de crescimento econômico,


enquanto se realizavam as tarefas históricas de urbanização e industrialização. Os dois
processos foram simultâneos, ainda que não tenham tido a mesma proporção em todo o
país. O certo, todavia, é que existiu mobilidade social absoluta para a maioria do povo, que
ficou menos pobre e, também, também, relativa, beneficiando a classe média.
O crescimento parece ter sido mais significativo que a escolarização, mas é provável
que tenha ocorrido uma sinergia na confluência de causas. Logo, a promessa de que seria
possível ir além dos limites do capitalismo agro-exportador, e fortalecer um crescimento
apoiado na expansão do mercado interno e, portanto, viver melhor, através de reformas
como uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-
desenvolvimentismo - era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma
coesão social para a estabilidade dos regimes políticos. A força de inércia das ilusões
reformistas repousava nessa história.

Vinte e cinco anos depois do fim da ditadura o balanço é desanimador


A expectativa de que o capitalismo periférico brasileiro poderia realizar uma
regulação social do mercado, quando se encerrou a ditadura, era compartilhada por
milhões. A experiência histórica, vinte e cinco anos depois, parece desanimadora. As
poucas reformas desse período democrático foram efêmeras, transitórias e instáveis. Não se
construiu um Estado de bem estar social. Como dizem os portugueses, o que tem de ser,
tem muita força.
Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que a economia
brasileira perdeu o impulso que teve até os anos oitenta. A questão decisiva é que o Brasil é
hoje uma sociedade econômica e socialmente congelada, comparativamente, àquilo que ela
foi. A explicação fundamental deste processo parece ter sido a estagnação econômica entre
1980 e 2010 que se manifesta pela permanência da mesma renda per capita: duplicamos o
PIB, mas duplicamos também a população. O capitalismo brasileiro do século XXI é um
capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa, e a educação deixou de ser um
trampolim social. O salário médio dos setores que alcançam uma escolaridade técnico-
profissional como os operários qualificados, oscila pouco acima do salário médio. O
daqueles com escolaridade elevada, ou seja, o ensino superior, mantém uma curva
10

descendente contínua há mais de duas décadas: professores, quadros intermediários da


administração pública ou privada, profissionais assalariados, como médicos, advogados,
engenheiros, arquitetos, etc.
Todas as informações disponíveis confirmam que a possibilidade de se conquistar
recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável através do
esforço individual de uma educação maior está reduzida. Em outras palavras, a mobilidade
social relativa está estagnada, ou retrocedendo. A razão de fundo deste processo foi a
estagnação econômica. A crise crônica da sociedade brasileira já foi percebida, pelo menos
parcialmente, pelas massas trabalhadoras, e mesmo pelas camadas médias, ainda que esse
mal estar não se manifeste, como nos anos oitenta, em uma elevação da participação
política. Os anos de suspiro entre 2004 e 2008, com seu crescimento baixo, foram recebidos
com alívio por uma geração que vivia entre recessões longas e curtas. A função social da
educação na sociedade é cada vez mais estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a
perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações
sociais, somente as perpetua.
Uma outra forma de ilusão gradualista nas perspectivas de justiça social nos
limites do capitalismo foi a esperança de que uma população mais educada mudaria,
gradualmente, a realidade política do país. Se fosse assim, a Argentina ou a Coréia do Sul,
dois exemplos de sociedades que conquistaram - a primeira na primeira metade do século
passado, a segunda mais recentemente - índices elevados de escolaridade, não seriam
infernos de desigualdade social para os trabalhadores.
Todas as promessas de que a educação seria o instrumento meritocrático que
permitiria que, nos países de inserção periférica, cada um tivesse a sua justa função na
sociedade, tremeram com a crise dos ajustes neoliberais do final dos anos noventa, e
começam a desmoronar com a crise de 2008/09. A ideologia de que cada um tem o lugar
social que merece é uma ideologia reacionária, porque naturaliza aquilo que não é natural.
Legitima o que é anti-humano. A ideologia que justifica que os capitalistas cumprem uma
função indispensável; que defende que o direito de herança ilimitado de fortunas (não raras
vezes maiores que a economia de nações) é justa; que argumenta que a desigualdade social
é inevitável, e a escola é o instrumento que permite a seleção que justifica a divisão do
trabalho, é percebida como um fatalismo por milhões de pessoas. Mas, ainda que em crise,
11

esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões reformistas não
morrem sozinhas - em especial entre os professores, que são, paradoxalmente, um dos
instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar a sociedade.
O que a história sugere, mas ela tem poucos estudantes, é que a transformação social
não é possível sem luta. Se o capitalismo resistir às reformas distributivas, e a classe
burguesa não estiver disposta a fazer concessões, a demanda social não fará senão
aumentar, ou seja, a pressão objetiva de uma crise social insolúvel vai ficar mais forte, o
que abrirá o caminho para a revolução brasileira.

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