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Une porte doit être ouverte ou fermée (Uma porta deve estar aberta ou fechada)
Sabedoria popular francesa
aumento da capacidade de consumo de uma parcela dos assalariados mais pobres é uma boa
notícia, mas não é suficiente para demonstrar a formação de uma nova classe média.
A elevação do salário mínimo acima da inflação, a ampliação da acessibilidade ao
crédito e a redução do desemprego – associados a políticas públicas, como o Bolsa Família
- parecem ter sido os principais fatores do aumento do consumo das famílias entre 2004 e
2009. Mas é um abuso concluir, por analogia com outros períodos históricos, que a
mobilidade social estaria mais intensa. O consumo de bens duráveis e semi-duráveis, como
automóveis e eletro-eletrônicos, não é adequado para demonstrar que teria surgido uma
nova classe média.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10074-15204,00-
A+NOVA+CLASSE+MEDIA+DO+BRASIL.html
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capita, e o Produto Interno Bruto (PIB) não cresceu significativamente. Acontece que a
evolução do PIB foi uma variável decisiva na história econômico-social do Brasil. A
explicação para a redução das desigualdades estaria, segundo pesquisadores do IBGE, nos
programas de distribuição de renda como, por exemplo, a cobertura mais universal da
aposentadoria do INSS, e o Bolsa Família. Mas, ainda assim, o tema permanece
controverso, porque existe uma subnotificação da renda da riqueza: rendimentos
financeiros no Brasil e no exterior, ou aluguéis, por exemplo.5
As informações disponíveis são contraditórias porque sinalizam tendências
antagônicas. Por um lado, a participação proporcional dos salários sobre a riqueza nacional
continua descendente, o que é claramente regressivo, acentuando a desigualdade entre
proprietários de capital e assalariados. O total pago na forma de salários como proporção do
PIB era, em 1995, superior a 35%, enquanto, as rendas do capital eram um pouco
superiores a 31%. Dez anos depois, em 2005, as posições se inverteram. A proporção do
total de salários no PIB é inferior a 31%, enquanto, a proporção das rendas do capital está
quase alcançando 36%.6
Por outro lado, a disparidade de renda entre os assalariados – as diferenças entre o
salário médio do trabalho manual, o salário médio de trabalhadores em funções de rotina, e
o salário médio dos assalariados com nível superior -, veio diminuindo nos últimos quinze
anos. Os assalariados têm uma remuneração mais homogênea. Em resumo, a desigualdade
entre os salários veio sendo reduzida. Este processo revela dinâmicas econômico-sociais
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A desigualdade social é uma variável que procura medir a disparidade de condições econômico-sociais. O
Radar Social, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que 1% dos brasileiros
mais ricos (1,9 milhão de pessoas) detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres
(96,5 milhões de pessoas). A autodeclaração tem margens de erro significativas, se os dados não forem
cruzados com outras fontes como o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) e o IRPJ (Imposto de Renda
da Pessoa Jurídica) protegidos pelo sigilo fiscal, e se estes dados não forem conferidos com outros, como a
IPMF (Imposto Provisório de Movimentação Financeira), protegidos pelo sigilo bancário. Esta incerteza
sempre foi grande para aferir a desigualdade. Conferir em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais20
08/default.shtm Consulta em 20/03/2010.
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Segundo João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do IPEA, o estudo "Os ricos no Brasil", de
Marcio Pochmann identificou que vinte mil clãs familiares se apropriam de aproximadamente 70% dos juros
que o governo paga aos detentores dos títulos da dívida pública. Pode-se supor que um clã familiar seja
formado por um conjunto de 50 pessoas: avôs, avós, pais, mães, tios, cunhados, cunhadas, sogros, genros,
noras, sogras, primos, primas, irmãos, irmãs e bebês. Fica fácil fazer a conta para saber quanto cada membro
de um desses clãs ganhou por mês, em média, em 2006.Neste mesmo ano, foram destinados pela União ao
pagamento de juros da dívida interna mais que R$ 152 bilhões. Somente desta fonte, cada rentista rico
embolsou, por mês, R$ 8.873,38 de renda bruta. Conferir em: http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?
ttCD_CHAVE=2851 Consulta em 24/03/2020.
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Segundo a diretora do escritório da Organização internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo,
entre 2001 e 2007 a chamada distribuição funcional da renda, ou seja, a proporção do PIB composta pela
remuneração ao trabalho caiu na maioria (70%) dos países analisados no período de 1995 a 2007. O relatório
informa, também, que em 70% dos países foi registrada uma piora na distribuição da renda entre os
trabalhadores, o que mostra o aumento nas desigualdades salariais de uma forma geral. O nível salarial médio
dos trabalhadores cresceu, todavia, no mundo todo, mas o índice ainda pode ser considerado pequeno: menos
de 2% na maior parte dos países. http://www.guiame.com.br/v4/11193-1462-Sal-rios-m-dios-cresceram-no-
mundo-mas-n-o-o-suficiente-diz-OIT-.html Consulta em 26/03/2010
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O percentual do investimento público total na educação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto)
aumentou nesta década, mas teve grandes oscilações, porque entre 2000 e 2005 caiu de 4,7% para 4,5% e, a
partir de 2006, subiu para 5,1%. Segundo o estudo Education at a Glance, da Unesco, publicado em 2009,
Portugal investe 5,6%, acima da Espanha, com 4,7%. A média da OCDE é de 5,7%. A Islândia gasta 8% do
PIB na educação. Dinamarca, Coréia e Estados Unidos também ultrapassam os 7%. As pesquisas podem ser
feitas no site do INEP (Instituto Nacional de pesquisas e estudos Educacionais Anísio Teixeira):
http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros/P.T.I._dependencia_administrativ
a.htm Consulta em 23/03/2010.
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média sugere que as relações entre as taxas de mobilidade social absoluta e relativa estão
mudando.
A explicação para esta diferença repousa em uma experiência histórica da sociedade
brasileira. Durante meio século, entre 1930 e 1980, ela conheceu uma mobilidade social
absoluta significativa, comparativamente, à situação atual. Esse processo foi possível em
função da acelerada urbanização que permitia a absorção massiva de mão de obra
analfabeta ou semi-alfabetizada pela indústria. Mas a mobilidade social relativa foi
estacionária, ou quase imperceptível e, essencialmente, restringida à classe média. 12 Se
analisarmos a origem social da maioria da classe média e, também, o que podíamos chamar
o “repertório cultural” das gerações anteriores, veremos que, com raras exceções, uma
grande parcela destes segmentos intermediários foi favorecida pelo aumento da
escolaridade de um período histórico anterior.
Esse fenômeno é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional.
O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro. O Brasil agrário era uma
sociedade de desenvolvimento econômico lento e grande rigidez social. Durante muitas
gerações os antepassados da maioria esmagadora do povo brasileiro foram vítimas da
imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos,
não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já
sabiam que seriam sapateiros. Os filhos dos médicos, ou engenheiros, ou advogados,
mesmo se não tivessem propriedades, poderiam, em contrapartida, aspirar uma inclusão nos
meios burgueses.
R$1,200,00. As curvas evolutivas dos salários médios entre 2002/2009 foram muito semelhantes. Dados
disponíveis em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/marco2009.pdf
Consulta em 21/03/2010.
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Os economistas e sociólogos consideram duas taxas de mobilidade social, a absoluta e a relativa. A taxa
absoluta compara a ocupação do pai e a do filho, e a primeira atividade de cada um com o último emprego de
cada um. A taxa de mobilidade relativa indica o nível de desigualdade de acesso a estas posições. No Brasil, a
taxa absoluta foi alta até 1980, mas a relativa foi desde sempre baixa. Essa foi uma das heranças deixadas por
uma sociedade erguida sobre o escravismo. Em outras palavras, conhecemos uma intensa mobilidade social
devido à urbanização, mas isso não fez do Brasil um país menos injusto, somente, menos pobre. O que
explica esse processo é que as trajetórias de mobilidade social beneficiaram milhões de pessoas, mas muito
poucos ascenderam de forma significativa. As pessoas subiram na hierarquia socioeconômica, mas subiram,
em geral, para o degrau imediatamente superior ao que seus pais ocupavam. O tema pode ser pesquisado em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092000000300011
Consulta em 20/03/2010.
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O período histórico que favoreceu a mobilidade social absoluta ficou para trás
A contextualização em história é feita através de variados recursos, mas o mais
importante é a periodização. A periodização está para a história como a lei de gravidade ou
a relatividade geral está para a física, e a seleção natural está para a biologia. Delimita o
sentido das pesquisas. Sem periodização a história não pode ser ciência. O seu objeto de
estudo são as transformações que afetaram a vida social dos povos ao longo do tempo. Este
tempo social é diferente do tempo cronológico, porque nem os dias, nem todos os anos,
nem as décadas, e nem mesmo os séculos são iguais uns aos outros. O século XX, por
exemplo, pela intensidade das mudanças que ocorreram, corresponde a vários dos séculos
que o precederam.
Periodizações são indispensáveis, portanto, porque a história se apresenta,
aparentemente, como um fluxo contínuo de acontecimentos, ou uma sequência ininterrupta
de eventos, com um ritmo definido pela nossa experiência física de dias de vinte e quatro
horas. Houve épocas, no passado, em que civilizações que, por um período foram
prósperas, depois sofreram longas estagnações. Há épocas, etapas e, sobretudo, conjunturas
em que o tempo histórico se acelera. Os sistemas sociais conheceram eras de formação ou
gênese, desenvolvimento ou apogeu, e declínio ou decadência. Quando as mudanças são
inadiáveis, mas as relações sociais se mantêm intactas, as sociedades mergulham em crise.
As crises econômicas assumem a forma de convulsões sociais irrefreáveis. A forma destas
transformações na época contemporânea foram as revoluções políticas e, quando
radicalizadas, revoluções sociais. Os ritmos da história são identificados na forma de
periodizações. Periodizar significa classificar. Há diferentes métodos para se realizar
classificações corretas. Não basta que sejam coerentes. A coerência é um dos critérios
teóricos para se conferir a qualidade das periodizações, mas está longe de ser só por si
satisfatório. Boas classificações exigem comparações que identifiquem semelhanças e
diferenças entre as diferentes épocas, etapas e conjunturas, e expliquem quando e porquê as
mudanças foram qualitativas. Toda periodização visa atribuir sentido. Periodizar é buscar
um fio condutor de explicação na aparente confusão dos acontecimentos.
A sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos
pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais
dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu
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esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões reformistas não
morrem sozinhas - em especial entre os professores, que são, paradoxalmente, um dos
instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar a sociedade.
O que a história sugere, mas ela tem poucos estudantes, é que a transformação social
não é possível sem luta. Se o capitalismo resistir às reformas distributivas, e a classe
burguesa não estiver disposta a fazer concessões, a demanda social não fará senão
aumentar, ou seja, a pressão objetiva de uma crise social insolúvel vai ficar mais forte, o
que abrirá o caminho para a revolução brasileira.