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Formação de

Mediadores de Educação
para Patrimônio

Saberes
e formas
de expressão
patrimônios de todos nós

Rosilene Alves de Melo


SUMÁRIO
1. Todos nós somos e temos um patrimônio ............................... 67
2. Humanos: seres culturais .......................................................... 68
3. As culturas estão sempre em transformação ........................... 70
4. A proteção ao patrimônio cultural imaterial:
definições e políticas ................................................................. 72
5. Reconhecendo e identificando
nossos saberes e formas de expressão ..................................... 76

Referências bibliográficas ............................................................. 79


1.
TODOS NÓS
SOMOS E TEMOS
UM PATRIMÔNIO
Você sabia que além dos o patrimônio cultural imaterial da sua loca-
bens de natureza material, lidade e, porque não dizer, da humanidade.
como os conjuntos arqui- Ao manter o costume, mesmo sem refle-
tetônicos e monumentos tir sobre essas práticas no dia a dia, as pes-
tombados como patrimô- soas estão preservando o patrimônio cultural
nio, existem outros bens que imaterial. Através da vida familiar e da vida em
também são importantes sociedade, aprendemos a degustar os alimen-
para comunidades e países, tos e nos acostumamos com os sabores das
porém não são edificados? refeições. Aprendemos a cultivar os alimentos
Fazem parte do patrimônio e a cozinhar, a rezar e a crer nos deuses, a ence-
de uma sociedade as práticas, os saberes, nar brincadeiras e a fazer brinquedos, a cantar
as formas de expressão, as crenças, as e fazer instrumentos para o canto, a dançar e
técnicas e as celebrações que formam a sua fazer tambores, a ler poesia, a ouvir histórias e
identidade cultural e que nos são transmitidos a imaginar, entre outras tantas coisas.
através das gerações. Pois é, este conheci- O patrimônio cultural é uma riqueza e,
mento que não está nas paredes dos monu- por isso, precisa ser reconhecido como um
mentos, nem nas bibliotecas ou nas escolas, bem a ser preservado. Por isso, em nosso
mas no saber transmitido pelos nossos ante- módulo, vamos discutir o que é patrimônio
passados e pelos mestres, é o que denomi- cultural imaterial, procurando entender de
namos de patrimônio cultural imaterial. que maneira os seres humanos adquiriram
Sabia que mesmo que não tenha ne- a capacidade de produzir bens culturais,
nhuma leitura anterior sobre o conceito de compreender o acesso ao patrimônio cultu-
patrimônio imaterial, você participa de sua ral como um direito humano e acompanhar
transmissão e preservação? É sim. Quando passo a passo como um bem cultural é regis-
prepara uma tapioca no café da manhã, trado como patrimônio imaterial no Brasil.
quando lê um folheto de cordel, quando faz Vamos agora recuar no tempo e analisar
aquela receita de doce que sua avó ensinou, o sentido histórico da formação da diversi-
quando participa de uma cerimônia religio- dade cultural do planeta Terra, para com-
sa ou de uma festa na comunidade em que preender como adquirimos a capacidade
vive, você está usufruindo e preservando de produzir bens culturais. Vamos lá?

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 67


2.
HUMANOS:
SERES
CULTURAIS
esquisas arqueológicas mos-
tram que os hominídeos Hominídeos
tiveram que enfrentar mui- Pertencentes à família
tas adversidades, como as dos primatas, da qual
descende o homem
mudanças climáticas, o des-
atual (Homo sapiens) e
locamento de continentes, seus ancestrais.
os predadores e a escassez
de alimentos. Um exemplo
disto ocorreu após o desa-
parecimento das florestas na
África em razão da glaciação, há cerca de Glaciação
5 milhões de anos. As mudanças no meio Também conhecida
ambiente obrigaram esses grupos a buscar como “era do gelo”.
É um fenômeno
alimentos em outros ecossistemas.
climático que ocorreu
Esses desafios exigiram a adaptação dos ao longo da história 
nossos ancestrais e o desenvolvimento de do planeta Terra.
outras habilidades. O andar bípede e a capa-
cidade de utilizar e manejar as coisas com as
mãos foram adaptações que trouxeram no-
vas habilidades, como: lascar pedras, ossos
e galhos para coletar alimentos; confeccionar
instrumentos para a caça e para construir
abrigos contra o frio, a chuva e os predadores.

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Para cada tipo de material e para cada A apreciação da beleza, a ideia de trans-
finalidade foram produzidas ferramentas e cendência, a capacidade de representar a
técnicas diferentes. A confecção de potes si mesmos e aos outros – como atestam as
para guardar água e transportar alimentos pinturas rupestres – significam o desen- Pinturas
significou a sobrevivência em ambientes volvimento de um traço distintivo da nos- Rupestres
adversos. O controle do fogo foi, sem dúvi- sa espécie. Ao enfrentarmos adversidades Representações
artísticas pré-
da, um enorme passo na evolução huma- e nos adaptando ao meio ambiente, de- históricas, estudadas
na. O controle do processo de produção de senvolvemos a capacidade de representar por arqueólogos,
alimentos, que chamamos de agricultura, figuras, de comunicação, de atribuir valor realizadas em
desenvolvida há cerca de 12 mil anos atrás, simbólico a pessoas, aos animais e aos ob- paredes, tetos e outras
foi a descoberta mais importante para a jetos. Esta capacidade intelectual, exclusiva superfícies de cavernas
e abrigos rochosos
autonomia dos grupos humanos. da espécie humana, é chamada de cultura.
ou mesmo sobre
Por serem conhecimentos vitais para Ao longo dos milhares de anos da pre- superfícies rochosas
a perpetuação da espécie, passaram a ser sença humana na Terra, os grupos desen- ao ar livre.
aperfeiçoados e transmitidos de geração volveram saberes os mais diversos. As ferra-
a geração. A necessidade de comunicação mentas para o trabalho, formas de exprimir
em grupo estimulou o desenvolvimento as emoções, a religiosidade, as práticas agrí-
da linguagem. Tudo isto representou uma colas, os modos de como produzir, transpor-
enorme capacidade de adaptação ao am- tar e conservar os alimentos, as brincadeiras,
biente e de sobrevivência. a musicalidade, as danças e os jogos com as
Escavações arqueológicas comprova- palavras que deram origem à literatura.
ram que nossos antepassados desenvolve- A oralidade, a culinária, a dança, a reli-
ram o sentido de proteção ritual dos mortos giosidade, a literatura, a música, o teatro,
através do cuidado e da ornamentação dos o artesanato, os ofícios relacionados ao
corpos. A ritualização da morte tem um sig- trabalho e ao lazer são algumas dessas lin-
nificado muito importante. O luto demons- guagens e formas de expressão. A ação dos
tra o respeito com os entes próximos, a no- mestres – pessoas que preservam o saber
ção de família e a crença na transcendência coletivo e se tornaram guardiões das tradi-
da morte, matriz do pensamento religioso. ções – tem sido fundamental para a trans-
A confecção de colares, braceletes, a missão deste legado cultural ao longo do
pintura de conchas e as pinturas rupes- tempo. É no convívio entre as pessoas mais
tres revelam a capacidade de atribuição experientes, em geral idosas, com as crian-
de um valor estético aos objetos, ao próprio ças e jovens, que acontece o modo mais
corpo e aos lugares em que habitavam. A eficiente de transmissão das culturas.
percepção da beleza, a atribuição de uma
qualidade estética ao mundo que nos cerca
é a matriz da criação artística.
Os momentos mais importantes da vida,
como o nascimento, a alimentação em gru-
po, a sexualidade, as relações familiares ou
a morte passaram a ser revestidos de um
significado mais amplo e ritualizado.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 69


3.
AS CULTURAS ESTÃO
SEMPRE EM TRANSFORMAÇÃO
o longo da história, a vida A escravidão de milhões de africanos re-
social se tornou complexa presentou a criação de um sistema brutal
e gerou conflitos em razão de exploração da força de trabalho humana
das diferenciações sociais, baseada no racismo. Os africanos trazidos à
políticas, econômicas e reli- força como escravos para as Américas trouxe-
giosas. As hierarquias, as di- ram consigo suas culturas e formaram nesse
ferenças de classe social, as território sociedades marcadas pelas trocas
desigualdades e conflitos culturais e por diversas formas de resistência
se traduziram em guerras, cultural, como o sincretismo religioso.
massacres, genocídios e es-
cravização. Inúmeras formas de opressão,
discriminação e exploração acarretaram a
destruição e o desaparecimento de povos,
SE
línguas, costumes e tradições. LIGA!
É importante destacar os efeitos do co-
lonialismo na Idade Moderna. Nações eu-
ropeias ocuparam e exploraram territórios
alheios, subjugando populações economi- Indústria cultural é um conceito
camente e impondo as suas crenças e prá- criado pelos filósofos alemães
ticas culturais sobre os povos dominados. Theodor Adorno e Max Horkheimer
As missões católicas e protestantes no con- no livro Dialética do esclarecimento,
tinente americano, por exemplo, introduzi- publicado em 1944. Para os autores,
ram crenças desconhecidas até então das a produção artística difundida
populações nativas. O colonialismo euro- através dos meios de comunicação
peu no continente americano, a partir do sé- de massa representava a
culo XVI, trouxe consequências terríveis para decadência das culturas e a
as populações indígenas que habitavam utilização desses veículos como
este território há pelo menos 12 mil anos. instrumentos de manipulação
Inúmeras tribos e alguns impérios foram di- e alienação da população. Você
zimados e suas culturas desapareceram. concorda com essas afirmativas? Por
A destruição do império Inca na região quê? Fundamente seus argumentos
dos Andes, com uma população de 12 mi- com exemplos do seu cotidiano.
lhões de pessoas, ocorreu através do uso da
violência pelos colonizadores espanhóis. A
morte do líder inca Tupac Amaru, assassina-
do pelos espanhóis em 1572, representou o
fim de uma civilização riquíssima cultural-
mente. O mesmo ocorreu com o império
Asteca, localizado no atual México, com a
ocupação da capital Tenochtitlan em 1521.

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A partir do século XX assistimos também
ao surgimento de um fenômeno novo na hu-
manidade: a indústria cultural. Nos países
industrializados, especialmente a partir da
década de 1930, teve início a produção in-
dustrial de bens e produtos em larga escala.
Daí o surgimento da fotografia, do cinema e
Arte pop da arte pop. Surgem os veículos de comuni-
Do inglês Popular cação de massa, como o rádio, o jornal, a te-
Art  (Arte Popular), levisão e, mais recentemente, a internet. Este
trata-se de um
movimento artístico
fenômeno produziu o aparecimento da cha-
dos anos 1950, com mada cultura de massa, ou seja, o desen-
o objetivo de “abraçar” volvimento de bens culturais que são trans-
e desconstruir imagens formados em mercadorias para dar lucro a
pertencentes às empresas, indústrias e aos países capitalistas.
culturas de massa,
O aparecimento da indústria cultural pro-
a chamada
“cultura pop”, feita para moveu transformações nas práticas cul-
as grandes multidões. turais do mundo contemporâneo. Em muitos
países, a chegada da cultura de massa inter-
feriu drasticamente na cultura das comuni-
dades. O fenômeno da globalização, que se
aprofundou com a queda do Muro de Ber-
lim em 1989, promoveu o comércio de bens
culturais em uma escala sem precedentes.
Produtos culturais industrializados, como fil-
mes, discos e programas de televisão invadem
comunidades, povos e nações, ameaçando
uma padronização cultural do mundo.
As regiões menos industrializadas e os
países em desenvolvimento foram os espa-
ços mais atingidos pela invasão de produ-
tos culturais industrializados. Fenômenos
como o êxodo rural, urbanização, a forma-
ção de grandes cidades e a concentração
de populações pobres em áreas periféricas
produziram inúmeras mudanças culturais.
No entanto, as populações atingidas por
esses problemas desenvolveram inúmeras
estratégias de resistência cultural aos efei-
tos do colonialismo, da escravidão e da glo-
balização sobre as culturas tradicionais.
Pressões para a construção de políticas
de proteção às comunidades tradicionais ob-
tiveram algumas conquistas, especialmente
através da Unesco, órgão das Nações Unidas,
responsável pela proteção ao patrimônio
histórico, artístico e cultural da humanidade.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 71


PARA OS
CURIOSOS
4.
A PROTEÇÃO Confira a Declaração Universal
dos Direitos Humanos na íntegra em:

AO PATRIMÔNIO www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/
Language.aspx?LangID=por

CULTURAL
IMATERIAL:
DEFINIÇÕES
E POLÍTICAS
Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos, proclama-
da pelas Nações Unidas em
1948, no seu art. 27 afirma
que “todo ser humano tem o
direito de participar da vida
cultural da comunidade, de
fruir das artes e de participar
do progresso científico e de
seus benefícios”.
A introdução de um artigo específico acer-
ca do direito dos povos à proteção de sua
vida cultural foi consequência do horror pro-
movido pelo nazismo na Alemanha, sistema
político liderado por Adolf Hitler, que motivou
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Importante entender que o nacional-
-socialismo era uma ideologia de extrema-
-direita baseada na perseguição e extermínio
daquelas pessoas e de culturas diferentes
dos padrões culturais alemães (germânicos),
considerados pelos nazistas como “seres
superiores”. Ao assumir o poder, o Partido
Nazista executou cerca de 11 milhões de
pessoas entre judeus, ciganos, maçons,
homossexuais, comunistas, testemunhas
de Jeová, poloneses, soviéticos, pessoas
com deficiências físicas ou mentais.

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Para cumprir essa determinação da De-
Humanos a
claração Universal dos Direitos Humanos,
Unesco aprovou, em 2003, a Convenção
para a Salvaguarda do Patrimônio Cultu-
ral Imaterial. Este documento foi ratificado
por 175 países e se tornou a principal re-
ferência na criação de políticas públicas
para garantir a proteção a diversidade
cultural como um direito de povos e na-
ções,
ções assim definindo o patrimônio imaterial:
Entende-se por ‘patrimônio cultural imate-
rial’ as práticas, representações, expressões,
conhecimentos e competências – bem
como os instrumentos, objetos, artefatos e
espaços culturais que lhes são associados
– que as comunidades, grupos e, eventual-
mente, indivíduos reconhecem como parte
de seu patrimônio cultural. Este patrimônio
cultural imaterial, transmitido de geração
em geração, é constantemente recriado
pelas comunidades e grupos em função do
meio em que vivem, de sua interação com
a natureza e da sua história e, confere-lhes
um sentido de identidade e de continuida-
de, promovendo assim, o respeito pela di-
versidade cultural e a criatividade humana.
Para fins da presente Convenção, será leva-
do em conta apenas o patrimônio cultural
imaterial que seja compatível com os instru-
mentos internacionais de direitos humanos
existentes e com os imperativos de respeito
mútuo entre comunidades, grupos, indiví-
duos e do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, antes mesmo desse documento


da Unesco, a Constituição de 1988, no seu ar-
tigo 216, conceituou o patrimônio cultural
brasileiro como os “bens de natureza ma-
terial e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, ação e a memória dos diferentes
grupos que formam a sociedade brasileira”.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 73


O referido artigo define que o patrimô- Além de ser uma referência cultural, um
saber-fazer para receber o título de patri-
PARA OS nio cultural contempla as formas de expres-
são, a criação artística e tecnológica, os mo- mônio cultural imaterial brasileiro de-
CURIOSOS dos de viver, as obras, objetos, documentos verá ser aprovado no Conselho Consultivo
e espaços destinados às manifestações do Patrimônio Cultural.
artístico-culturais. Estabelece que cabe ao O Iphan é o órgão responsável por re-
Estado, em colaboração com a sociedade, ceber os pedidos de registro, que devem
No site do Iphan (portal.iphan. proteger o patrimônio cultural através dos ser encaminhados por representantes da
gov.br/) você encontra a relação de mecanismos de inventários, registros, de- sociedade civil, instituições públicas
todos os bens declarados como sapropriação e vigilância, bem como atra- ligadas aos poderes públicos de estados,
patrimônio cultural imaterial vés da adoção de ações de cautela. municípios ou da União.
do Brasil. Além disto, é possível Em 1997, a proteção ao patrimônio cul- Após acolher o pedido de registro, o Iphan
baixar o dossiê de registro tural no Brasil ganhou uma direção mais realiza uma pesquisa documental junto aos
(que traz o inventário dos bens efetiva durante a realização do Seminário locais e comunidades, recolhendo depoi-
registrados) e documentários. Patrimônio Imaterial: estratégias e formas mentos de mestres, fotografias, registros so-
de proteção, realizado no Ceará durante noros, filmes, trabalhos acadêmicos, a fim de
No site do Centro Nacional de
as comemorações os 60 anos do Iphan. reunir o maior número de informações possí-
Folclore e Cultura Popular (www.
Durante o Seminário foi divulgado o docu- veis acerca do bem a ser registrado. Esta fase
cnfcp.gov.br/) você terá acesso
mento que ficou conhecido como a Carta do processo de registro também é conhecida
aos documentos da Comissão
de Fortaleza, que defendeu a adoção de como inventário. A partir da documentação
Nacional de Folclore, que também
uma política nacional de preservação reunida é redigido um Dossiê de Registro
produziu um inventário minucioso
do patrimônio cultural, implementada que indicará em qual dos Livros de Registro
de diversas formas de expressão
no Decreto nº 3.551/2000 que criou o Pro- o bem cultural deverá ser registrado:
da cultura brasileira.
grama Nacional de Patrimônio Imate- • Livro de Registro dos Saberes: onde
No site da Unesco (nacoesunidas. rial. Esta lei define que o modo como o são inseridos os conhecimentos e os
org/agencia/unesco/) você patrimônio cultural deve ser identificado é modos de fazer que fazem parte da
terá acesso à relação de bens através do registro e não do tombamen- identidade cultural da sociedade. São
registrados como patrimônio to, como ocorre com o patrimônio mate- técnicas de produção, habilidades
cultural da humanidade. rial, pois os bens de natureza cultural são próprias na produção de objetos que
definidos como bens intangíveis. identificam grupos e comunidades.
Para receber o reconhecimento como
• Livro de Registro das Formas de
patrimônio, as práticas culturais devem
Expressão: se referem às artes e lin-
ser consideradas referências culturais,
guagens através das quais as comu-
ou seja, transmitidas há várias gerações
nidades, grupos e etnias transmitem
por meio da memória, marcando a iden-
seus saberes, como a música, artes
tidade de grupos sociais e favorecendo
cênicas, literatura, pintura, dança.
o sentido de pertencimento dos indiví-
duos às suas comunidades de origem. • Livro de Registro das Celebrações:
são cerimônias que marcam a vida
social de uma comunidade, como
festas, procissões, romarias e cele-
brações rituais do calendário.

74 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


• Livro de Registro dos Lugares: são
incluídos os espaços que marcam a
identidade coletiva, tais como feiras, SE
mercados, lugares de devoção, san- LIGA!
tuários, praças, referência naturais.
Para ser reconhecido como patrimô-
nio, um bem cultural precisa ser pratica-
O estado do Ceará foi um dos
do há várias gerações. É necessário haver
primeiros do país a criar uma lei
uma continuidade histórica, quando a
específica de reconhecimento do
comunidade possui um papel de manter
saber dos mestres. A Lei nº 13.842/06
o bem cultural vivo ao longo do tempo.
criou o Livro de Registro dos
Após ser reconhecido, o bem registrado
“Tesouros Vivos da Cultura”. Este
passa a receber a proteção do Estado
livro reconhece o saber e as técnicas
contra a apropriação indevida. O Estado
de pessoas, grupos e coletividades
também passa a ter a obrigação de pro-
considerados relevantes para
mover políticas públicas que garantam a
o fortalecimento da identidade
Salvaguarda sua salvaguarda e divulgação, destinan-
cultural de comunidades no Ceará. O
Proteção concedida do recursos para esse fim.
reconhecimento é dado por meio de
por instituições ou Para que as ações de salvaguarda pos-
autoridades. um diploma. Aos mestres e grupos
sam ser realmente implantadas é funda-
que comprovem estar em situação
mental a participação dos detentores,
de vulnerabilidade econômica, o
ou seja, das pessoas que fazem parte da
estado concede um auxílio financeiro.
comunidade onde aquele bem cultural é
Esta Lei foi considerada um marco
vivido no cotidiano. Esta participação deve
no reconhecimento do papel dos
se dar por meio da atuação da comuni-
mestres na transmissão da cultura.
dade e dos mestres. A população precisa
ter vez e voz na gestão de seu patrimônio.
A salvaguarda do patrimônio cultural deve
ser democrática e compartilhada entre os
poderes públicos e a sociedade.
No Brasil, instituições como o Iphan e o
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popu-
lar, além de diversas associações culturais,
PARA OS
organizações da sociedade civil (OSCs), gru- CURIOSOS
pos culturais, universidades contribuíram
com ações, pesquisas e diversas formas de
atuação para o reconhecimento e a prote-
ção do patrimônio cultural brasileiro. E, ali- Quer conhecer a Convenção para
ás, no seu bairro ou cidade, você conhece a Salvaguarda do Patrimônio
um grupo ou alguém que poderia ser consi- Cultural Imaterial na íntegra?
derado um Tesouro Vivo? Acesse: ich.unesco.org/doc/
src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 75


5.
RECONHECENDO
pintura, chamada Kusiva, que se caracteri-
za por padrões gráficos específicos. Os de-
senhos e formas geométricas pintados nos
objetos e nos corpos dos habitantes das
aldeias representam animais, objetos, par-
E IDENTIFICANDO tes do corpo e crenças a respeito da origem
desse povo. A técnica de pintura e padrões
NOSSOS SABERES gráficos representam um sistema de comu-
nicação, uma linguagem própria daquele
E FORMAS DE grupo e uma forma de expressão.
Em 2002. A arte Kusiva foi registrada
EXPRESSÃO como patrimônio cultural imaterial pelo
odos os brasileiros são herdei- Iphan. No ano seguinte, foi reconhecida
ros dos costumes e técnicas pela Unesco como Patrimônio da Huma-
desenvolvidas pelas comuni- nidade. Você sabia disso? Havia ouvido fa-
dades indígenas que ocupa- lar desses índios e/ou da arte Kusiva?
ram o continente americano Pois além da arte Kusiva, herdamos dos
há pelo menos 12 mil anos. antepassados indígenas a cestaria, a ola-
Na Amazônia, assim ria, diversas técnicas agrícolas, o uso da
como nos territórios co- farinha de mandioca, o hábito de dormir
nhecidos atualmente como em redes, a sabedoria do uso das plantas
Nordeste, Sudeste e Sul, achados arqueo- medicinais. Todos esses saberes resistiram
lógicos de diversos povos mostram como à destruição da maior parte das comuni-
os primeiros grupos que habitaram esses dades nativas e são preservadas principal-
lugares desenvolveram técnicas de caça e mente pelos povos residentes na Amazô-
a produção de artefatos, como esculturas, nia, onde se encontra o maior número
urnas funerárias e pinturas rupestres. de terras tradicionalmente ocupadas e
Além da relação com a sobrevivência, reservas indígenas. Esses grupos, ainda
a produção de artefatos possui a função hoje, preservam o saber dos primeiros ha-
ritual, demonstrando as crenças partilha- bitantes do território brasileiro.
das coletivamente. Além da herança cultural indígena, a cul-
Os Wajãpi são índios que vivem atu- tura brasileira é formada pela presença de
almente nas regiões banhadas pelos rios manifestações culturais vindas da África du-
Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Ama- rante a escravidão. Uma diversidade cultural
pá, e pertencem à tradição e língua tupi- que já existia há milhares de anos no conti-
-guarani. Esses povos desenvolveram um nente africano, o berço da humanidade. Os
complexo sistema artístico através da pin- povos bantos, angola, jejês e yorubás, além
tura corporal, confecção de cestos, armas dos malês e hauçás (convertidos ao islamis-
de caça, tecelagem e objetos de madeira. mo) trouxeram diversas crenças, costumes,
Esses materiais recebem uma técnica de religiões e formas de expressão para o Brasil.

76 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


Durante o processo da diáspora negra
(imigração forçada de africanos na condição
de escravizados), os africanos que vieram
para o Brasil conseguiram preservar muitos
seus costumes como um modo de resistir à
escravidão. Enfrentando as diferentes for-
mas de racismo e o preconceito racial, a
identidade africana se afirmou na socieda-
de brasileira. A diversidade cultural do Bra-
sil é marcada pela cultura afro-brasileira da
qual somos todos herdeiros e guardiões.
O candomblé e a umbanda são as mais
importantes expressões da religiosidade
afro-brasileira. O samba de roda do Recôn-
cavo baiano, o tambor de crioula do Mara-
nhão (mistura de canto, dança circular, per-
cussão, coreografia e umbigada) e o jongo
(dança coletiva com tambores e saudações
praticadas pelos escravos nas fazendas de
café e de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro,
São Paulo e Espírito Santo) são formas de ex- cultural e isso seria uma perda de re-
pressão que reúnem diversas linguagens, sa- ferências não só para os milhões de
beres e crenças. Através do preparo do aca- brasileiros de descendência africa-
rajé (bolinho consumido na África Ocidental na, para os descendentes de escra-
e que veio para o Brasil por meio dos escra- vizados que mantiveram a capoeira
vizados), as baianas de Salvador perpetuam como uma prática de resistência cultu-
um modo de fazer uma iguaria que surgiu ral, mas para todos os cidadãos brasilei-
como oferenda aos orixás e possui um sig- ros que deixariam de ter acesso à diversidade
nificado simbólico na cultura afro-brasileira. cultural da nossa sociedade.
Na Bahia, no final dos anos 1970, mili- Assim, em 2008, a roda de capoeira foi
tantes do movimento negro, pesquisadores, reconhecida como patrimônio cultural ima-
estudantes, carnavalescos e políticos come- terial do Brasil. No Iphan, a roda de capoeira
çaram a denunciar a decadência e a descarac- foi inscrita em dois livros de registro: por se
terização da capoeira. Naquele momento, as expressar através do jogo, da dança e da mú-
academias tradicionais de capoeira estavam sica, dos elementos das religiosidades afro-
desaparecendo e a prática estava perdendo -brasileiras, a capoeira foi inscrita como uma
suas características como forma de expres- forma de expressão. Mas a roda de capoeira
são de matriz africana, sendo introduzida nas tem um outro aspecto muito importante: a
escolas apenas como uma arte marcial, um transmissão deste saber através dos seus mes-
esporte. A capoeira havia perdido seu sentido tres. Por este motivo, o ofício dos mestres

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 77


que produzem os instrumentos, que fazem a A literatura de cordel tem uma relação
roda de capoeira acontecer, que ensinam as
músicas, os golpes, o ritmo e as danças aos
muito próxima com a poesia cantada de
improviso, conhecida como repente. É um PARA OS
mais jovens foi inscrito no Livro dos Saberes. gênero literário que possui três caracterís- CURIOSOS
Depois, em 2014, a roda de capoeira se- ticas essenciais: métrica, rima e narrati-
ria reconhecida como Patrimônio Cultural va. A poesia em versos chegou ao Brasil
Imaterial da Humanidade. Atualmente é através dos colonizadores portugueses.
praticada em 115 países. No Brasil é pre- Ao final do século XIX, a cantoria se tornou Na sua cidade ou estado, quais
senciada em todos os estados, sendo mais uma prática cultural muito difundida, es- as expressões culturais imateriais
presente na Bahia, Rio de Janeiro, Pernam- pecialmente na Paraíba, Pernambuco, Rio que você considera reveladoras
buco, Maranhão e no Ceará, onde é pratica- Grande do Norte e Ceará. da identidade da sua sociedade?
da a partir da década de 1970 por meio de No início do século XX surgiram as primei- Elas já foram registradas pelo
mestres pioneiros, como Zé Renato, Zé Ivan, ras tipografias destinadas exclusivamente a Iphan ou por outros órgãos de
João Baiano, Everaldo Ema, Rafael Magnata, impressão dos folhetos de cordel, como vi- preservação do patrimônio?
Armando, Jorge Negão e mestra Vanda Dias. mos no módulo 4 de nosso curso. Os poetas
Em 2018, a literatura de cordel e a xi- de cordel se tornaram artistas muito popu-
logravura foram reconhecidas pelo Iphan lares nas feiras e em mercados públicos e o
como patrimônio cultural do Brasil. Foi cordel ganhou o apelido de “jornal do sertão”.
em forma de versos que os poetas redigiram As histórias de príncipes e princesas, as
o pedido de registro ao Iphan, em 2010: narrativas sobre o cangaço, sobre padre Cí-
cero, sobre as secas e sobre o cotidiano da
Aqui eu peço clemência
população contribuíram para tornar o cor-
A quem manda no poder
del um gênero literário extremamente po-
É só uma questão de querer
pular, passando a ter seus folhetos ilustra-
E de tomar providência
dos com xilogravuras. Os cangaceiros, João
Não se trata de exigência
Grilo e o Pavão Misterioso passaram a fazer
Só falta encaminhamento
parte do imaginário social dos brasileiros.
Deste projeto atento
Os cearenses tiveram o privilégio de usu-
Dizendo claro e fiel
fruir do saber de inúmeros cordelistas, re-
Queremos para o cordel
pentistas e xilógrafos. Da mesma forma que
Seu registro e tombamento.
muitos sertanejos no passado aprenderam a
(João Batista Melo)
ler por meio dos cordéis, atualmente, a lite-
ratura de cordel tem sido bastante difundida
nas escolas e contribui para a formação da
aprendizagem de crianças e jovens. Em al-
guns municípios, como Mauriti, no sul do Ce-
ará, a literatura de cordel e o repente fazem
parte do currículo das escolas municipais.

78 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


REFERÊNCIAS AUTORA
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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 79


Este fascículo é parte integrante do projeto
Formação de Mediadores de Educação
Patrimonial, em decorrência do Termo de
Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito
Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de
Fortaleza, sob o nº 02/2019.

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