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Rev. bras.ter. cogn. v.2 n.2 Rio de Janeiro dez. 2006 Como citar este
artigo
ARTIGOS
Helene Shinohara
RESUMO
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ABSTRACT
Several new theoretical aspects and techniques have been added to cognitive therapy
since its beginning as a therapeutic approach. The need to expand the limits came from
the clinical work, especially with challenging clients. The work with dreams in
psychotherapy is one of these issues. Research suggests that some dreams may have
relation to the dreamer's personality, contain the same themes and expectations of the
awaken life, and express similar worries. Therefore some dreams could be considered
important therapeutic material, where cognitive and emotional patterns are expressed
and when schemas are fully activated. As the access to the dream memories and its
discussion occur in the awaken state, the mode to remember details and the
organization of the material will be influenced by the same characteristic distortions one
uses to interpret reality. The objective of this article is to present some considerations
about the cognitive model of dreams, including the description of an intervention that
used a dream as a sign of change in the client's core belief.
Introdução
Vários assuntos são pouco explorados na literatura sobre terapia cognitiva, por
diferentes razões. Apesar de fronteiras terem sido ampliadas e problemas antes
considerados de difícil prognóstico já poderem ser analisados e tratados, outros temas
relativos a aspectos clínicos relevantes acabaram por ficar fora do âmbito dos estudos da
mais promissora abordagem psicoterapêutica. Até bem pouco tempo atrás, os principais
livros sobre terapia cognitiva para profissionais, recomendados pelo site do Beck
Institute, enfatizavam teoria e técnica, e quase nada tinha sido publicado sobre relação
terapêutica, resistência, transferência e contra-transferência, inconsciente e sonhos. É
importante que artigos existentes sobre estes assuntos sejam compartilhados e novos
sejam escritos, por mais que pareça difícil ou pretensioso.
Perguntas sobre estes assuntos são freqüentemente feitas por alunos nas salas de aula.
Em conversas entre colegas (terapeutas experientes), discutem-se dificuldades e
peculiaridades dos casos que não respondem aos procedimentos básicos da terapia
cognitiva. Os clientes também nos colocam em situações para as quais nem sempre
estamos preparados tecnicamente. Portanto, são estes os desafios que nos forçam, cada
vez mais, a buscar novos horizontes.
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escasso material sobre o assunto, tomando como base um livro editado por Rosner,
Lyddon e Freeman em 2004. Complementariamente, será apresentado o trabalho com
um sonho trazido por um cliente para a terapia.
Parece estranho que Beck tenha escrito a teoria cognitiva dos sonhos em 1971 e quase
ninguém tenha ouvido falar disto. Na época, Beck estava fazendo uma série de estudos
sobre os aspectos cognitivos dos sonhos, enquanto ainda ligado, de certo modo, à
psicanálise. Ele apresentou este trabalho em um artigo publicado em revista daquela
abordagem, mas não houve boa recepção às suas idéias e nem à sua tentativa de
encontrar pontos em comum. Talvez, este momento tenha sido um marco para o
desenvolvimento da terapia cognitiva como abordagem independente.
Os sonhos
Sonhar é uma experiência humana que, desde sempre, intriga, confunde e encanta
tanto o homem comum quanto o cientista. A sabedoria popular encontra relações
causais entre um determinado tipo de sonho e certo acontecimento; ou credita-lhe
poderes de revelação sobre o futuro ou sobre enigmas; ou ainda de cura. Há explicações
que enfatizam a necessidade de reencontros com entes queridos que se foram, ou até
que os exploram como oportunidade para experiências extracorporais importantes, para
insights e para soluções de problemas do dia-a-dia. Há, portanto, uma série de crenças
a respeito dos sonhos, seus poderes e significados.
Para a psicologia, qual seu valor? Terá o sonho relação com a personalidade daquele que
o sonha? Terá alguma colaboração a dar? Estas perguntas têm sido respondidas de
forma diferente em cada uma das abordagens. Freud (1976), destaca a interpretação do
sonho como técnica importante para acesso e entendimento do Inconsciente. Para Jung
(1996), os sonhos têm função compensatória, ao apresentar ao ego pontos de vista que
são complementares às atitudes dominantes quando acordados, além de revelar o
inconsciente coletivo. A Gestalt entende os sonhos como produto pessoal do sonhador, e
todos os elementos introduzidos nele como projeções dos aspectos da sua personalidade
(Perls, 1977). Para os behavioristas radicais, os sonhos são comportamentos
discriminativos que trazem informação relevante sobre a história passada e as
contingências de reforçamento atuais (Skinner, 1976). Concorda-se, então, que é uma
atividade do ser humano que pode ser valorizada em psicoterapia.
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É no estágio do sono chamado de REM, que está associado a movimentos rápidos dos
olhos, que ocorrem os sonhos. Neste momento, observa-se uma alta atividade cerebral;
níveis de acetilcolina altos e de serotonina e noradrenalina baixos; sonhos vívidos,
bizarros e com imagens complexas. As imagens são claras e nítidas, apesar de ausência
de crítica, quando se aceita, por exemplo, como natural, estar sonhando com uma
pessoa que se transforma em outra no meio da conversa; quando se está em um local e,
de repente, em outro; ou quando coisas impossíveis ocorrem naturalmente naquele
contexto.
De qualquer forma, os sonhos fazem parte da experiência humana e têm sido foco
central nas psicoterapias psicodinâmicas. Por isso, discute-se a utilidade de uma teoria
dos sonhos que não esteja estabelecida em princípios psicanalíticos. Terapeutas
cognitivo-comportamentais podem construir uma compreensão dos sonhos baseada em
teorias contemporâneas e encontrar utilidade na análise de alguns sonhos, de alguns
clientes, em algum momento do trabalho clínico.
Em revisão de pesquisas realizada por Beck (1971), conclui-se que os temas dos sonhos
estão correlacionados com categorias diagnósticas. Por exemplo, depressivos relatam
sonhos de derrota e coerção; paranóides, de perseguição ou abuso; ansiosos, de perigo;
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A narrativa imposta pelo sonhador ao seu sonho quando o conta pode servir como uma
tentativa de interpretar e estabelecer alguma ordem à experiência sensorial caótica
vivenciada durante o sono. Este “barulho” refletido da atividade cerebral durante o sono,
quando lembrado em partes ao acordar, será arranjado numa seqüência coerente para
ser relatado.
O trabalho terapêutico
Muitas vezes, os sonhos são trazidos espontaneamente pelo cliente e podem ser parte
da agenda daquela sessão como qualquer outro assunto. Terapeutas cognitivo-
comportamentais têm dificuldade e se sentem pouco à vontade nestes momentos, já
que não estão familiarizados com esta perspectiva por não encontrarem referências
claras na bibliografia regular. A história do sonho nada mais é do que uma oportunidade
extra para identificação, questionamento e reformulação de crenças.
O trabalho terapêutico com os sonhos do cliente pode ser escolhido como estratégia em
momentos em que a terapia parece estar estagnada, por exemplo, ou quando emoções
fortes são vivenciadas neles. Para tanto, deve fazer parte da agenda da sessão como
qualquer outro assunto, como sugerido por Freeman e White (2004).
Registros de sonhos, fragmentos ou imagens devem ser pedidos de forma análoga aos
registros de pensamentos disfuncionais. Quando ocorreu o sonho, qual era a cena, o que
pensou, o que sentiu e o que fez. Os personagens envolvidos também serão explorados,
pois podem trazer diferentes perspectivas sobre o tema.
3. Qual o título desta história? Qual a relação deste título com a história?
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Caso clínico
Este é um exemplo de um sonho relatado por um cliente após alguns meses de terapia.
Suas crenças mais negativas sobre si mesmo e sobre o mundo são novamente ativadas.
As crenças nucleares identificadas são: “eu sou inseguro e incapaz de lidar com a vida” e
“o mundo só reconhece os vencedores”. Os principais temas das suas preocupações se
concentravam nos estudos, no estágio, nos relacionamentos, nas doenças e no futuro.
Apresentava medo acentuado de fracassar e decepcionar principalmente o pai, um
modelo de sucesso a ser seguido. As preocupações tinham como principal objetivo evitar
que isto acontecesse.
Além da preocupação, desenvolveu outras estratégias que lhe pareceram eficientes para
não correr riscos, como estudar todas as matérias de Direito diariamente; adiar começar
estágio; interagir pouco socialmente; seguir uma rotina “segura”. No entanto, estas
mesmas estratégias impediam que ele desconfirmasse suas crenças mais negativas.
Após alguns meses de terapia, nenhum novo ataque de ansiedade tinha sido relatado, e
o cliente demonstrava habilidade em identificar disparadores das preocupações e
trabalhar com seus pensamentos disfuncionais. Conseguiu começar um estágio em sua
área, estabelecer algumas novas amizades e sair pelo menos em alguns dos fins de
semana.
Trabalhou-se vários aspectos da história contada, sendo os seguintes alguns dos pontos
principais desta discussão. A primeira parte do sonho foi explorada para acessar
detalhes da cena e identificar seus pensamentos:
T: “O que está passando na sua cabeça, quando você está naquele canto da prisão?”
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C: “Está passando que estou sozinho, impotente, sem ninguém para me ajudar, que eu
vou ficar ali para sempre e, principalmente, que ninguém vai entender plenamente o que
estou sentindo. É um sentimento terrível e é só meu, eu estou existencialmente sozinho
na minha vida, eu não sei como lidar comigo mesmo e com a situação, preciso que
alguém me ajude e não tenho a quem recorrer, estou despreparado para enfrentar o
mundo.”
C: “É, e quando penso assim, sei que sinto muito medo, como no sonho.”
Após alguma discussão sobre isto, continuamos a explorar a segunda parte do sonho:
C: “Em um dado momento, um advogado bem jovem apareceu e perguntou o que tinha
acontecido. Contei para ele que não sabia porque estava ali, que não tinha motivo. Ele
ficou parado na grade olhando para mim, sorrindo e com uma cara que me tranqüilizou,
e aí eu acordei.”
C: “Acho que algo do tipo: Não se preocupe, tudo tem jeito, você pode contar comigo.”
T: “Porque será que ele aparece neste sonho e não nos anteriores?”
C: “Me parece que tem alguma mudança no sonho e que essa mudança tem a ver com o
que a gente vem discutindo nas sessões.”
T: “Como assim?”
T: “Por que será que apareceu no sonho um jovem advogado e não outra pessoa
qualquer, seus pais, por exemplo?”
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Foi interessante discutir, a partir deste ponto, as mudanças em suas crenças, ao longo
da terapia. Ele concluiu a sessão refletindo sobre como estava aos poucos se sentindo
menos menino, menos despreparado. Para o terapeuta e para o cliente, este sonho foi
importante no sentido de permitir perceber que antigas crenças estavam sendo
reformuladas e novas crenças estavam, sim, sendo formadas.
Portanto, para alguns clientes, o trabalho com sonhos pode ajudar a identificar crenças,
pode explicitar melhor o funcionamento cognitivo, ou pode evidenciar mudanças. Assim
sendo, o terapeuta cognitivo deve enriquecer seu arsenal de possibilidades terapêuticas,
ao incluir os sonhos como mais um meio para o entendimento da perspectiva particular
de seu cliente sobre si, sobre o mundo e sobre seu futuro. Beck (2007) afirma que
alterar o “tratamento-padrão” é necessário para abranger a multiplicidade de
dificuldades apresentadas pelos clientes.
Conclusão
Referências Bibliográficas
Beck, J. (2007). Terapia cognitiva para desafios clínicos. Porto Alegre: Artmed.
Freeman, A. & White, B. (2004). Dreams and the dream image: using dreams in
cognitve therapy. Em: R. I. Rosner; W. J. Lyddon & A. Freeman (Orgs.). Cognitive
therapy and dreams (pp.69-87). New York: Springer.
Jung, C. G. (1996). O homem e seus símbolos. 14ª. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
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Rosner, R. I.; Lyddon, W. J. & Freeman, A. (Orgs.) (2004). Cognitive therapy and
dreams. New York: Springer.
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