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Fim de um mundo (por Manuel Castells)

Publicado em: abril 4, 2020

A equipe de gestão da crise sanitária nomeada por Trump elabora, como outros países, modelos para
prever a evolução da epidemia. Segundo suas projeções, se não se fizesse nada (ou seja, se fosse
seguida a opinião do presidente há cerca de um mês), poderia haver algo entre 1,6 milhões e 2,2
milhões de mortos por Covid-19 nos Estados Unidos. Para ter uma ideia da magnitude desses
números basta comparar com os 400 mil soldados norte-americanos que morreram na atroz
Segunda Guerra Mundial. No entanto, com medidas de confinamento estrito nos próximos 30 dias,
acreditam que poderão reduzir essas mortes a algo entre 100 mil e 200 mil pessoas nos próximos
meses. Claro que esperam rebaixar a cifra, mas ainda em seu nível mais baixo, com dezenas de
milhões de contagiados, os Estados Unidos aparecem agora como o epicentro da epidemia.

As conseqüências humanas são horríveis. Mas, além disso, as conseqüências econômicas e sociais
desta tragédia alcançarão o conjunto de um planeta globalizado cujo centro segue sendo os Estados
Unidos. Por que, de repente, ocorreu essa evolução catastrófica da epidemia que estava localizada
na China e na Coréia? Pela mesma razão pela qual a epidemia se tornou pandemia: nossa
interconexão global, o tráfego constante de pessoas e mercadorias entre todos os países, com muitos
destes intercâmbios tendo por origem e destino as grandes metrópoles norte-americanas. Além
disso, no interior dos Estados Unidos milhões de passageiros circulam diariamente em aviões que
formam a mais densa rede de tráfego aéreo do planeta. Não há trens, os ônibus são para os pobres e
as viagens de longa distância em automóveis se limitam aos períodos de férias. E os aviões são um
meio patógeno para toda classe de vírus e também para este. A Babel do século XXI, em suas
múltiplas megalópoles é, paradoxalmente, o território mais vulnerável do planeta. Ainda que
veremos em seguida o que vai ocorrer na África, América Latina e Índia.

Mas há mais elementos importantes neste cenário: o péssimo sistema de saúde pública
estadunidense, com milhões de pessoas sem cobertura, no qual coexistem a melhor tecnologia
médica do mundo (para aqueles que podem pagar) com uma medíocre medicina semi-pública, onde
os hospitais cobravam, até bem pouco tempo, 3 mil dólares por um teste de coronavírus. Também
influi o desleixo dos responsáveis políticos, incapazes de reagir a tempo, desdenhando as
advertências que chegavam da China. Diziam: aqui não é a China. Isso é verdade, mas o vírus não
sabe disso. Trump se referia a ele como o “vírus chinês”. Agora virou uma questão de vida ou morte
para o seu país. E é isso de fato. Da diferentes atitudes de responsáveis regionais resultam grandes
diferenças na expansão do contágio. A Califórnia e o estado de Washington, com governadores
democratas progressistas, adotaram medidas de confinamento há um mês. As escolas e
universidades fecharam e adotaram o ensino online. Eventos desportivos e espetáculos foram
suspensos.

Enfim, fizeram o que fizemos em nosso país gradualmente. Nova York e sua área metropolitana
foram os mais lentos em reagir. Além disso, é o principal nó dos fluxos globais que convergem nos
Estados Unidos. Nova York se converteu na Wuhan dos Estados Unidos. Mas que ninguém tenha a
ideia de pedir o confinamento territorial. Cada estado da União tem autonomia quase total para
aplicar suas próprias medidas. E como o vírus não conhece fronteiras vai se expandindo sem
obstáculos, contagiando outras áreas metropolitanas, porque a estrutura espacial funciona por
relações inter-metropolitanas, não por contigüidade territorial. Em uma situação de extrema
emergência, o governo federal poderia impor uma política centralizada, mas é improvável. Ao invés
disso, estados e municípios suplicam ao governo ajuda financeira, militar ou de equipamentos.
Trump ordenou às fábricas de automóveis que passassem a fabricar respiradores, tão escassos como
no resto do mundo, mas no momento se pratica uma política seletiva nos hospitais, reservando-os
aos que se podem salvar e transferindo-os para distintas regiões conforme a morte se desloca.
Enquanto isso, a ciência trabalha para encontrar remédios e uma vacina. Mas ainda está longe.

O colapso sanitário se estende à economia. E, daí, à economia mundial, à produção dependente de


cadeias globais de produção, ao consumo, com demanda decrescente pelo confinamento e pelo
medo do futuro, aos investimentos, apesar da taxa de juro de 0% do Federal Reserve (o Banco
Central norte-americano), porque a incerteza é absoluta, e aos mercados de commodities, com
preços despencando, sobretudo do petróleo, porque Rússia e Arábia Saudita escolheram esse
momento para um duelo suicida entre quem pratica o preço mais baixo. Isso seria bom para nós, se
pudéssemos viajar.

A OCDE estima que, nos países desenvolvidos, cada mês de confinamento reduz o crescimento do
PIB em dois pontos. Calculem. Entramos, sem dúvida alguma, em uma profunda e larga recessão
mundial que se converterá em uma crise financeira pior que a de 2008 porque as empresas voltaram
a se endividar pensando que de novo tudo era brincadeira. Em meio a tudo isso, e apesar de tudo, a
China deteve a expansão do vírus (que segue à espreita todavia) e ainda vai conseguir crescer 2%,
indicando uma mudança fundamental da hegemonia mundial. Não é o fim do mundo. Mas é o fim
de um mundo. Do mundo no qual estávamos vivendo até agora.

(*) Doutor em sociologia pela Universidade de Paris, é professor nas áreas de sociologia,
comunicação e planejamento urbano e regional e pesquisador dos efeitos da informação sobre a
economia, a cultura e a sociedade. Artigo publicado originalmente em La Vanguardia.

Tradução: Marco Weissheimer

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