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Correspondência:
Pedro Angelo Pagni
Rua André Martins Parra, 171/25
17514-260 – Marília/SP
e-mail: pagni@flash.tv.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 567-587, set./dez. 2006 567
From the controversy of postmodernity to the
Lyotardian “challenges” to the Philosophy of
Education
Abstract
Keywords
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Pedro Angelo Pagni
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A pós-modernidade começou a se con- como a descentralização do sujeito moderno e
figurar como uma problemática filosófica entre os conseqüentes problemas da subjetividade
o final da década de 1970 e meados de 1980, para o ensino. Se nos estudos que se apropri-
ocupando o centro da polêmica protagonizada, aram tanto do pensamento rortyano quanto das
inicialmente, por Jean François Lyotard e posições desses filósofos franceses, a polêmica
Jürgen Habermas e, depois, além destes, por em questão foi arrefecida ou, mesmo, conside-
Richard Rorty e Fredric Jameson – para men- rada irrelevante, nos trabalhos acadêmicos que
cionar apenas os principais expoentes. Essa os criticam a partir das posições de Jameson,
polêmica começou a ser discutida no âmbito da Harvey e de certa tradição do marxismo, como
Filosofia da Educação, no Brasil, no final dos os de Moraes (1996; 2004), ela foi recuperada
anos 1980, circulando em alguns artigos e li- para o debate em Filosofia da Educação, de
vros que abordaram as suas implicações para a modo a ocupar o seu centro, do mesmo modo
Pedagogia ou para a Educação. Desde então, que alguns dos estudos sobre o pensamento
as relações entre pós-modernidade e educação habermasiano, anteriormente mencionados,
têm sido objeto de pesquisas, bem como de também o fizeram.
certa polêmica no âmbito da Filosofia da Edu- Nas produções acadêmicas resultantes
cação, a começar pela própria conceituação da dessas pesquisas1 , o livro A condição pós-moder-
pós-modernidade até chegar às posições filosó- na se configurou como uma referência importan-
ficas engendradas por ela. Os estudos que des- te, explicitamente ou não, porém raramente as
tacaram a posição de Habermas, na polêmica, obras subseqüentes a essa de Jean François
o fizeram para discutir o papel das Ciências da Lyotard são mencionadas, deixando uma parte de
Educação na modernidade (Markert, 1986) ou, seu legado filosófico de fora de tais discussões e,
então, compreender a educação na crise da particularmente, de suas eventuais contribuições
modernidade (Göergen, 1996; 2001), apresen- para a educação. Nota-se também que, nelas, os
tando a teoria do agir comunicativo (Medeiros, estudos que acentuaram a polêmica são os que se
1994; Gonçalves, 1999) ou o ‘paradigma contrapõem às posições e aos projetos filosóficos
neomoderno’ (Marques, 1992) como uma al- considerados como pós-modernos, propondo a
ternativa às implicações de tal crise no saber sua superação pelas filosofias que advogam a
pedagógico ou no ensino. Assim também acon- modernidade como um projeto inacabado ou, sim-
teceu com as produções acadêmicas em que plesmente, sustentam no projeto da modernidade
essa polêmica apenas ecoou para se pensar um modo de solucionar os impasses da educação
algumas questões educacionais, privilegiando contemporânea. Nesses casos, também, a crítica à
as posições do projeto filosófico rortyano pós-modernidade repousa, dentre outras referên-
(Ghiraldelli Júnior, 1996; 1997) para criticar os cias, sobre as teses expressas por Lyotard, no livro
‘criadores da desconfiança pós-moderna’ que preconizou a polêmica em questão, desconsi-
(Ghiraldelli Júnior, 2001). Nas pesquisas que se derando as suas produções antecedentes e, prin-
apropriaram dos pensamentos de Foucault, cipalmente, subseqüentes à sua publicação, em
Deleuze, Derrida, Baudrilard e Lyotard para que revê suas posições sobre o assunto e chega a
pensar questões educacionais, raramente se criar uma outra designação para o que antes con-
percebe uma defesa das posições desses filóso- cebia como pós-moderno.
fos franceses utilizando a expressão pós- O modo mais desejável de fazer Filoso-
modernidade, excetuando-se quando Veiga- fia da Educação, a meu ver, é o de partir de
Neto (1995) e, principalmente, Silva (1994; questões ou temas educacionais relevantes ao
1995) se referem à crise das metanarrativas e
suas implicações para as teorias pedagógicas 1. Agradeço a colaboração de Miriam Barretos Messias e de Tatiana de
que até então haviam se fundado nelas, bem Faria Berto na revisão bibliográfica sobre o assunto.
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pesquisador para buscar nos pensamentos dos da por Lyotard, situando-a no contexto no qual
filósofos respostas àquilo que o interpelam, no se origina, assinalando a sua opção pela polê-
presente, tal como desenvolvido em outras mica com Habermas, em vez da opção pela dis-
ocasiões (Pagni, 2004; 2005). Entretanto, não cussão, como alguns de seus contemporâneos
vejo como isso possa ser feito, com o necessá- franceses, e a problemática que confronta o
rio rigor, sem a contribuição de pesquisas que ensino, no livro A condição pós-moderna. Em
reconstituam seus projetos, o embate ou a seguida, aborda o desenvolvimento subseqüen-
confluência entre eles. Se, no presente, esse te de seu projeto, demonstrando a revisão de
fazer filosofia da educação está se excedendo, suas posições em relação ao valor atribuído
muitas vezes formando círculos de pesquisado- anteriormente às narrativas, até o ponto em que
res sobre um determinado filósofo contempo- cria o conceito de diferendo, elege como pro-
râneo na educação, isso parece acontecer por- blema das relações entre estética e política o
que tais pesquisas aferram-se ao comentário de sentimento (do) sublime e apresenta a rescrita
textos e não de projetos filosóficos, em que a da modernidade como alternativa à expressão
educação pode ou não ser abordada. Assim, pós-modernidade. Por fim, desse conceito, pro-
compreendo que esse trabalho de reconstituição blema e alternativa, decorrentes de seu proje-
de projetos filosóficos contemporâneos, seus to, indicam-se algumas questões específicas
embates e suas confluências, é ainda necessário que, à luz de sua filosofia, podem desafiar a
à Filosofia da Educação, sobretudo, quando o Filosofia da Educação na contemporaneidade.
projeto em questão foi pouco pesquisado no
Brasil, muitas vezes reduzido a uma única obra Um diagnóstico sobre o saber e
ou circunscrito à polêmica da qual participou, o ensino na pós-modernidade
excluído por certa tradição, nesse campo, como
ocorreu com o de Lyotard. A publicação do livro La condition
Desse ponto de vista, o presente artigo postmoderne de Jean François Lyotard, em
procura desenvolver uma interpretação acerca do 1979, parece ser um marco do debate
pensamento lyotardiano, privilegiando a análise modernidade versus pós-modernidade no cam-
das obras subseqüentes ao seu livro mais polêmi- po filosófico. Na medida em que enuncia o
co, com o objetivo de situar o seu projeto filosó- problema do estatuto e, principalmente, da
fico para além de um marco da pós-modernidade legitimação do saber na ‘informatização da
e de discutir as suas contribuições à Filosofia da sociedade’, reconhecendo que essa enunciação
Educação, na atualidade. Mediante tal interpreta- não seria original — a não ser no modo de
ção, recupera-se um projeto filosófico que lança analisar o referido problema —, Lyotard (2000)2
alguns ‘desafios’ à Filosofia da Educação referen- se refere a um contexto filosófico francês, no
tes ao deslocamento de sua problemática qual aquele problema adquiria certo sentido e
epistemológica para a estética, nutrida por um do qual ele fazia parte.
pensamento capaz de elucidar a face complexa e Nesse contexto, Lyotard (2000) se
obscura da educação, a sua sombra inumana, e posiciona como um filósofo antes do que um
o diferendo constitutivo do ensino, inapreensíveis expert , isto é, como alguém que interroga o
pela linguagem e pela comunicação. Assim, espe- presente em vez de chegar a conclusões defi-
ramos que tal projeto possa ser compreendido nitivas sobre ele. Isso não implica na assunção
não por aquilo que traz de polêmico à Filosofia pelo filósofo francês de certa superioridade do
da Educação, mas pelo que a desafia, no tempo
presente, como uma rescrita da modernidade. 2. Utilizaremos aqui a sexta edição de A condição pós-moderna, traduzida
para o português por Ricardo Corrêa Barbosa, lembrando que, até a sua quarta
Em sua primeira parte, o artigo enun- edição (1986), o livro teve por título O pós-moderno e que, a partir da quinta
cia a posição sobre a pós-modernidade inicia- edição, tenta recuperar o título original e ser mais fiel às idéias de seu autor.
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resse público despertado sobre os seus aspec- menta que ele gosta de ‘discussão’, mas não de
tos filosóficos, em virtude da recepção do neo- ‘polêmica’, porque uma ética, “que diz respei-
estruturalismo francês, o mesmo ocorrendo em to à pesquisa da verdade e a relação com ou-
relação ao tema da pós-modernidade, com a tro, está em jogo” (apud Eribon, 1996, p. 180-
publicação do livro La condition postmoderne 181): se naquela um “jogo sério de perguntas
de Jean François Lyotard, em 1979. Na confe- e respostas, no trabalho de elucidação recípro-
rência, ao compreender a “modernidade como ca, os direitos de cada pessoa são, de certo
um projeto inacabado”, Habermas (1992, p. 121) modo, recíprocos”. Em contrapartida, nessa for-
concebe a pós-modernidade como um “antimo- ma de interlocução, diz ele: “o polemista avan-
dernismo” e um meio de expressão das posi- ça armado de privilégios que possui logo de
ções dos “jovens conservadores”, de “George saída [...] ele detêm o direito que o autoriza
Bataille à Derrida, passando por Foucault”, que guerrear e a fazer dessa batalha um empreendi-
se apropriam da experiência da modernidade mento justo” (apud Eribon, 1996, p. 180-181).
estética, almejando uma “subjetividade descen- Ao contrário dessa estratégia, no con-
trada, liberta de todas as restrições da cognição texto filosófico francês, o livro de Lyotard
e da atividade voltada para fins, de todos os polemiza com a teoria habermasiana do agir
imperativos do trabalho e da utilidade” (p. 122), comunicativo, propondo uma alternativa teórica
afastando-se do mundo moderno. No livro, ao a ela. Embora esboce um diagnóstico do pre-
responder aos desafios lançados pela crítica à sente, como seus contemporâneos franceses,
razão moderna, desenvolvida pelos ‘neo-estrutu- Lyotard (2000) propõe um objeto, um recorte,
ralistas franceses’, Habermas (1990) procura re- algumas questões e uma abordagem para
construir o discurso filosófico da modernidade, pensá-lo, diferenciando-se e se singularizando
demonstrando o quanto este é fecundo como em relação às suas teses e filosofias. Por sua
tema filosófico e como projeto inacabado, contra- vez, isso não significa que admita ter privilégios
pondo-se às posições políticas acerca do fim da logo de saída ou de autorizar-se a fazer da
história, postulada pelos neoconservadores, e do batalha um empreendimento justo em relação à
fim do iluminismo, advogadas pelos anarquistas – teoria habermasiana, mas apenas fazer da po-
anteriormente denominados de ‘jovens-conserva- lêmica com ela um modo de elaborar melhor
dores’ –, entre os defensores da pós-modernidade. suas posições acerca da pós-modernidade e,
O livro de Lyotard (2000), de certo conseqüentemente, contemplá-las em seu pro-
modo, respalda as críticas do filósofo alemão e jeto filosófico.
a divisão que estabelece entre os defensores da Em síntese, pode-se dizer que o recorte
modernidade e os da pós-modernidade, algo estabelecido por Lyotard (2000, p. xv) sobre o
que Michel Foucault tentou evitar. Isso porque objeto desse livro é a posição do saber “após
parte dos filósofos franceses que lhes são pró- o estado da cultura após as transformações que
ximos, logo após essas críticas, adotam a pers- afetaram as regras dos jogos das ciências, da
pectiva de estabelecer confluências entre seus literatura e das artes a partir do final do sécu-
pensamentos e os da primeira geração da Es- lo XIX”. Ao analisar esse objeto, o seu objetivo
cola de Frankfurt, voltando contra o seu her- é explicitar a “crise dos relatos” ou das narra-
deiro mais importante, Habermas, o legado de tivas que afligem o saber científico nas “soci-
seus mestres. No entanto, como sugere Eribon edades mais desenvolvidas” e que geraram uma
(1996), Foucault utiliza a estratégia de não condição de incredulidade nas metanarrativas
polemizar direta e publicamente com o filóso- em que, até então, o legitimaram, a qual deno-
fo alemão ou com qualquer outro intelectual. mina de pós-moderna. Diante de tal condição,
Em uma entrevista a Paul Rabinow, quando Lyotard (2000) investiga a questão acerca de
perguntado os motivos dessa esquiva, ele argu- onde se poderia encontrar a legitimidade, já
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quando essa atividade ao mesmo regime de ter indeterminado também da ciência,
verdade e regras do saber científico (Lyotard, elucidando seu aspecto não assertivo, movido
2000, p. 44-46). por aquilo que a linguagem não consegue
O problema assinalado pelo filósofo apreender pelo conceito. Se as metanarrativas
francês, porém, é o de que, ao adequar-se ao seriam inviáveis para a legitimação desse saber,
mesmo regime de verdade e de regulamentação sob a condição pós-moderna, restaria, então, o
do saber científico, a transmissão de seus enun- “pequeno relato” como forma de expressão da
ciados e o aprendizado da habilidade de “invenção imaginativa”: produtora de lances
pesquisar, em que consiste o ensino, passa pela capazes de modificar as regras em/do jogo e o
mesma crise de legitimação, mediante a qual os assentimento estabelecido por uma comunida-
relatos especulativos são substituídos pelo crité- de, em torno de enunciados consensualmente
rio de desempenho. Com a informatização das estabelecidos como válidos, produzindo assim
sociedades, segundo ele, as redes de comuni- o dissenso, ao invés do consenso, e reativando
cação ocuparam o papel da distribuição dos o conseqüente fluxo das descobertas. São es-
enunciados verdadeiros, desempenhados pelo ses lances “de importância muitas vezes desco-
ensino, e o lugar do mestre seria colocado em nhecida de imediato”, segundo Lyotard (2000,
xeque, podendo ser substituído pelo computa- p. 99-134), que caracterizariam a paralogia dos
dor, já que se trataria de mera transmissão de inventores não para produzir a novidade utili-
dados, de informação, cujo armazenamento na zada pelo sistema para melhorar a sua eficiên-
memória da máquina seria superior ao do ho- cia, mas principalmente para contrapor-se ao
mem. Por seu turno, como a produção do sa- consensualmente estabelecido no âmbito des-
ber científico e o processo da pesquisa cientí- se saber e, quem sabe, aos efeitos de poder que
fica são determinados pela comunidade de dele resultam em sua aplicação ao existente.
experts aos quais se destina, o aprendizado do Por meio dessas indicações, Lyotard
pesquisar encontra-se restrito aos problemas (2000) questiona se esse novo lance no jogo do
estabelecidos, muitas vezes atinentes ao apri- saber científico e no ensino poderia ocorrer por
moramento do funcionamento do sistema, sem meio do jogo de experimentação sobre a lin-
que se escape as suas redes de informação e de guagem, presente tanto no processo de produ-
controle. Tanto a distribuição dos enunciados ção quanto no de transmissão de saberes. A sua
do saber científico quanto o aprendizado da resposta a essa pergunta é afirmativa, desde que
habilidade de pesquisar, que caracterizam o en- as universidades abrissem suas oficinas de cri-
sino, seriam administrados pelo sistema. Assim, ação e, juntamente com outras instituições,
o ensino também se pautaria na performance do ultrapassassem os seus limites, sob a condição
saber científico, em sua aplicação às esferas da pós-moderna. Para ele, vários campos do co-
vida humana e à matéria, convertendo-se em nhecimento, sobretudo os das ciências huma-
uma tecnologia que, em nome do desenvolvi- nas, poderiam reflexionar sobre as suas próprias
mento, manteria intacta as injustiças, as desigual- produções, sobre os objetos e os problemas
dades entre o primeiro e o terceiro, o terror e o que elegeram para análise, compreendendo os
poder vigentes em uma sociedade totalmente jogos de linguagem que os abarcaram, vendo
regida pelo desempenho (Lyotard, 2000). neles um processo de estetização similar ao da
Diante desse diagnóstico, a alternativa arte e elucidando aquela dimensão da lingua-
proposta por Lyotard (2000) é a de um crité- gem até então excluída da pragmática do saber
rio de legitimação do saber científico e do científico. Ao mesmo tempo em que vários
ensino, que se paute na pesquisa da instabili- professores, responsáveis pela transmissão des-
dade e na paralogia dos inventores. Para ele, a ses saberes na universidade, e não apenas nela,
pesquisa da instabilidade reconheceria o cará- poderiam resultar na assunção de tal atitude,
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como um problema das ligações entre estética ções possíveis” (Lyotard, 1999, p. 25-26). O
e política em sua filosofia, o filósofo francês sentimento seria um sinal desse estado, sendo
parece desafiar a própria filosofia e, como será necessário procurar encontrar “as novas regras
visto mais adiante, fornecer questões desafiado- de formação e de encadeamento de proposi-
ras à Filosofia da Educação. ções capazes de expressar o diferendo” revela-
Em uma coletânea, sob o título O pós- do por tal sentimento se não quiser que aque-
moderno explicado às crianças , publicada em le se transforme em um litígio e esse sinal de
1986, Lyotard (1993, p. 33) afirma ter exagera- alerta não seja inútil. Essa procura deveria ser
do na importância atribuída ao “gênero narrati- o objetivo “de uma literatura, de uma filosofia
vo”, em A condição pós-moderna, identificando e, talvez, de uma política” que “explicitam os
o conhecimento com ele, porém só percebeu diferendos e encontram seus idiomas” (Lyotard,
isso em uma “pesquisa mais longa e radical”, 1999, p. 26).
que resultou em Le différend. Após tal pesquisa, Nutrido pelos diferendos entre os gêne-
ele diz concentrar os esforços de sua filosofia em ros discursivos e, eventualmente, por encontros
“distinguir regimes de frases” e “gêneros de dis- entre eles, como diz Lyotard (1999, p. 182), o
cursos diferentes”, pois entende que, embora discurso filosófico se manteria “no exame crí-
permitissem “escapar à crise da deslegitimação”, tico” das frases, constituindo-se em um gêne-
as “pequenas narrativas” também não teriam “va- ro diferente do narrativo. Sem se sobrepor a
lor de legitimação”. Dessa forma, Lyotard (1993) ele, e aos demais gêneros, por ser portador do
procura explicitar os diferendos entre o gênero universal a partir do qual definiria o que é eti-
narrativo e o do conhecimento científico, mos- camente justo ou deveria ser politicamente
trando o quanto este se encontra impregnado superior, conforme um fim cosmopolita, o dis-
por aquele que, por sua vez, não tem valor de curso filosófico, justamente por saber que não
legitimação, em função de sua inconsistência e seria uma metanarrativa, se reconheceria como
de sua dificuldade de estar sujeito à prova. um gênero em busca de suas regras. Sob esse
Após a publicação de Le différend 3 , aspecto, o gênero filosófico poderia se aproxi-
então, o conceito de diferendo passa não ape- mar do gênero literário ou da narrativa. Embora
nas a ser determinante para a sua filosofia, a crítica não fosse o compromisso desses gêne-
como também a determinar o seu projeto filo- ros como eles, o gênero filosófico dá o que
sófico. O diferendo é um conceito criado para pensar por meio de seu discurso: problemas
explicitar, como explica Lyotard (1999, p. 9), significativos que se apresentam a percepção e
não um litígio, mas “um caso de conflito entre podem produzir o sentimento (do) sublime, tal
pelo menos duas partes” em que os gêneros como a literatura e algumas narrativas, desafi-
discursivos em disputa não podem ser julgados ando o pensamento dos portadores de nomes
em virtude da ausência de uma regra comum próprios, afetados por esse acontecimento, a
que possa ser aplicada a cada um deles. Se um voltarem-no ao desconhecido e ao incomensu-
desses gêneros em conflito for julgado pelas rável, no presente, para resistir ao passado que
regras de um outro, em função de uma sobre ele incide, não sem angústia, para vis-
inferência sem razão de ser ou de uma arbitra- lumbrar algum futuro.
riedade, o resultado desse julgamento implica Analogamente às produções da van-
em prejuízo para uma das partes. Nesse senti- guarda artística que serviram, senão de modelo,
do, o diferendo “é o estado inestável da lingua- ao menos de inspiração para o filósofo francês,
gem e o instante em que algo que poderia se esse dar o que pensar deveria salvar a honra do
expressar não pode fazê-lo”, implicando “no
silêncio como uma proposição negativa, mas 3. Utilizarei a versão espanhola desse livro, traduzida por Alberto L.
que, em princípio, apela também para proposi- Bixio, com o título La Diferencia.
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O pós moderno seria aquilo que no moderno alega cês na polêmica com Habermas, nesse contexto.
o ‘impresentificável’ na própria ‘presentificação’; Se Habermas defende uma estética do
aquilo que se recusa na consolação das boas for- belo e do inacabamento da modernidade, dessa
mas, ao consenso de um gosto que permitiria sen- forma, nesses termos, Lyotard postula uma estéti-
tir em comum a nostalgia impossível; aquilo que ca do sublime e a recordação daquilo que essa
se investiga com ‘presentificações’ novas não para mesma modernidade esqueceu e que denomina de
desfrutá-las, mas para melhor fazer sentir o que pós-moderno. Nesses termos, para o filósofo
há de ‘impresentificável’. (p. 26) francês, a pós-modernidade não seria o que
vem depois da modernidade, cronológica e his-
Do mesmo modo que um filósofo, um toricamente falando, mas o que vem antes e a
artista e um escritor pós-moderno trabalham sem acompanha, relembrando seus crimes e suas
regras, em uma busca sem fim naquilo que fez e atrocidades, alertando-a sobre a sua barbárie.
que continua a fazer. Como o filósofo, as suas Depois de Adorno, diz Lyotard (1993, p. 95),
obras têm as propriedades do acontecimento, por “usei o termo ‘Auschwitz’ para significar o quan-
esse motivo elas chegam tarde ou a sua prepara- to à matéria da história ocidental recente pare-
ção comece demasiado cedo aos seus autores. O ce inconsistente relativamente ao projeto ‘mo-
pós-moderno deveria ser entendido, conforme derno’ de emancipação da humanidade”. Ele se
Lyotard (1993, p. 26), “segundo o paradoxo do refere, assim, à necessidade de uma elaboração
futuro (pós) anterior (modo)”. Em outras palavras, desse signo que contradiz esse projeto e que aju-
o pós-moderno não seria o fim do modernismo, daria a nos defrontarmos com essa espécie de tris-
mas o seu estado nascente e constante. Não ha- teza do espírito do tempo, sem que isso implicas-
veria obra que se pretendesse ser moderna sem se na orientação para uma nova perspectiva, e sim
ser antes pós-moderna, já que esse termo seria em recobrar um “esquecimento inicial”.
usado para designar um esquecimento daquilo Para o filósofo francês, esse movimento
que a modernidade foi em seu início, do sublime estaria presente nas vanguardas artísticas que
que a impulsionou e a impulsiona, de seu nasci- inspiram a sua atitude filosófica. Ele se consti-
mento, metaforicamente falando. tuiria em um trabalho “longo, obstinado, alta-
Para a pós-modernidade, diz Lyotard mente responsável, orientado para a procura das
(1993, p. 27): “não competiria fornecer realida- pressuposições implicadas na modernidade”
de, mas inventar alusões ao concebível que não (Lyotard, 1993, p. 97). Ele poderia ser concebi-
pode ser ‘presentificado’”, sem que se espere a do, analogamente, ao trabalho de perlaboração,
“menor reconciliação entre ‘jogos de lingua- nos termos da terapia psicanalítica, isto é, como
gem’ em relação aos quais Kant, sob o nome uma tentativa de a modernidade elaborar “a sua
de ‘faculdades’, sabia que estão separados por perturbação presente associando livremente ele-
um abismo”. Somente a ilusão transcendente (a mentos aparentemente inconsistentes como situ-
de Hegel) poderia “esperar totalizá-los numa ações passadas” (1993, p. 97), com a finalida-
unidade real”, mesmo sabendo que o preço a de de descobrir seus próprios “sentidos ocultos”.
ser pago por ela seria o terror. Segundo Lyotard Se essa responsabilidade para com tal trabalho
(1993), já teríamos pagado esse preço o sufi- fosse abandonada por parte da filosofia, segun-
ciente durante os séculos XIX e XX, mas ainda do ele, estaríamos condenados a repetir o passa-
continuaríamos a ouvir murmúrios sobre essa do em seus aspectos mais sombrios e a fonte da
ilusão. Contra ele, a resposta seria: “guerra ao infelicidade que nos abateram durante dois sécu-
todo, testemunhemos em favor do ‘impresen- los, sob a denominação de modernidade. Por esse
tificável’, ativemos os diferendos, salvemos a motivo, considera ser essa a responsabilidade das
honra do nome” (Lyotard, 1993, p. 27). Essa é vanguardas artísticas e, por assim dizer, intelectu-
a espécie de mantra recitado pelo filósofo fran- ais ou filosóficas na pós-modernidade.
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um domínio do tempo, estabelecido pela sínte- dos bens culturais e com a transformação das
se conceitual, para que fosse disposto em uma unidades de informação em bits, já não se trata-
cronologia que ordenasse o passado e o futuro ria de “formas livres das aqui e agora à sensibili-
a partir do presente. dade e à imaginação” (1997, p. 43). Então, caso
Todavia, é justamente esse domínio do se admita que a perlaboração fosse assunto da livre
tempo por meio de uma síntese conceitual que imaginação e exigiria o desdobrar do tempo entre
o primeiro sentido da rescrita da modernidade o “ainda não”, “já não” e “agora”, o que poderia
procura renunciar na medida em que preconi- ser preservado disso e conservado após essa era de
za “a apreensão da estética das formas” – não novas tecnologias? Como poderia a perlaboração
a “recognição” – e “a aptidão para deixar apa- esquivar-se da lei do conceito, da recognição e da
recer as coisas da forma como se apresentam”, predição, em um momento em que unidades de
com uma atitude de que, cada momento, cada bits seriam constituídas a partir das formas lógicas
“agora”, seria como se fosse um “abrir-se a” e das regras provenientes desses gêneros? A res-
(Lyotard, 1997, p. 41). Desse modo, o filósofo posta dada por Lyotard (1997) a essas perguntas
francês considera que “a modernidade é, afinal, é a de que se contentaria que a rescrita da
a sua própria rescrita” e a entende nos seguin- modernidade resistisse à escrita dessa suposta pós-
tes termos: modernidade.
Ao se colocar essas questões e respondê-
Reescrever, como o entendo aqui, diz respeito à las desse modo, Lyotard parece retomar o diag-
anamnese da Coisa. Não só a Coisa que represen- nóstico do presente, esboçado em A condição
ta o ponto de partida para uma singularidade pós-moderna para, então, separar o que nele ain-
dita ‘individual’, mas a Coisa que assombra ’a lin- da consideraria atual, quase dez anos depois, e
guagem’, a tradição, o material com o qual, con- criar uma outra denominação, por meio de con-
tra o qual e no qual se escreve. Assim, a reescrita ceitos, problemas e perspectivas desenvolvidos
depende tanto de uma problemática do sublime, e em seu projeto filosófico, ao que entendia por
hoje ainda mais e mais obviamente, do que do pós-modernidade: a rescrita da modernidade. Ele
belo. Isso abre a grande porta para a questão das parece escapar, dessa forma, da polêmica
relações entre estética e ética. (p. 42) provocada pelo seu livro e pela designação
pós-modernidade, em um momento em que os
Nesses termos, a rescrita da modernidade debates mais intensos sobre ela haviam se ar-
não estaria relacionada com a pós-modernidade e, refecido ou que a ele somente interessava
muito menos, com a sua conversão no mercado polemizar sobre a discussão.
das ideologias. Embora já tivesse se utilizado desse
termo em outra ocasião, a pós-modernidade foi, ‘Desafios’ lyotardianos à
segundo ele, uma “forma provocatória” para “des- Filosofia da Educação
locar o debate do conhecimento”, que não impli-
cava na postulação de uma nova era e sim em uma Embora não se refira diretamente ao
“reescrita de traços reivindicados pela moderni- núcleo artístico da educação no desenvolvimen-
dade”, que estariam nela inscritos há muito tem- to de seu projeto, o filósofo francês argumen-
po. Com a rescrita da modernidade, o seu objeti- ta que a falência das Luzes deveria ser tomada
vo seria apenas dar voz a esses traços, dentro dos na atualidade como um luto a ser vivido, como
limites anteriormente enunciados, para que a pró- um sinal do declínio do humanismo no qual se
pria modernidade desenvolva um trabalho de pautou. Esse luto faria parte desse trabalho de
perlaboração sobre si mesma. O problema é que, perlaboração da modernidade, como sua
com a introdução das novas tecnologias na pro- rescrita. Afinal, nos dias de hoje, como sugere
dução, na difusão, na distribuição e no consumo Lyotard, em uma entrevista concedida a
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de um melhor partilhamento da vida comum, menos controlada, menos pedagógica, aquela
porém o poder de criticá-las, a dor de suportá- que Freud chama de castradora e que o faz di-
las e a tentação de se lhes escapar seriam sin- zer, a propósito da ‘boa maneira’ de educar as
tomas, e não somente singulares, de restos de crianças, que de qualquer forma será má (nisto
uma indeterminação, de uma infância persisten- próxima a melancolia kantiana). E inversamen-
te, mesmo na idade adulta. De outro modo, a te, tudo o que é instituído pode, por vezes, dei-
educação humanista também admitiu a crian- xar transparecer o infortúnio e a indeterminação
ça, o seu desprovimento de fala, a inabilidade é de tal maneira ameaçador que o espírito razo-
de calcular os seus benefícios e a hesitação em ável não pode deixar de temer, justificadamente,
decidir sobre seu interesse, como eminentemen- uma força inumana de desregulação. (p. 12)
te humanos, porque essa sua aflição seria uma
promessa de possíveis. Afinal, segundo Lyotard O filósofo francês justifica esse acento
(1997), o seu atraso inicial em relação à humani- no inumano que desafia a Filosofia da Educa-
dade a torna refém da comunidade adulta, em ção, na atualidade, em razão da alteração pro-
virtude de sofrer de uma falta que a chama para funda da natureza do próprio sistema, tal como
se tornar mais humana. Mesmo quando supre essa prenunciou ao conceber a condição pós-mo-
falta, dotando-se dos meios de saber e de fazer derna e detalhou ao substituir tal expressão por
saber, de agir e de fazer agir, interiorizando os rescrita da modernidade. Em tais diagnósticos,
interesses e os valores da civilização, o adulto ainda ele interpreta o desenvolvimento do sistema
aspira à plena humanidade, à realização do espí- como uma “ideologia do tempo presente”. Para
rito como consciência, conhecimento e vontade. Lyotard (1997, p. 14), tal ideologia realizaria o
Assim, a condição do homem seria a de restar essencial da metafísica, que tem sido muito
sempre a da possibilidade de se libertar da “selva- mais um pensamento de forças do que um
geria obscura de sua infância cumprindo essa pro- pensamento de sujeito. O que impressiona nessa
messa” (p. 11). “metafísica do desenvolvimento” seria o fato de
Nesses dois modos da educação huma- que ela não precisa de nenhuma finalidade,
nista, não existiria senão, para o filósofo francês, apenas se aceleraria e estenderia segundo a sua
uma diferença de acento, que uma dialética ou própria dinâmica interna, sem pressupor qual-
hermenêutica tentariam reconciliar em nome do quer emancipação ou liberdade, necessitando
humanismo. Alguns dos filósofos contemporâne- apenas de um “acaso cosmológico”. Embora
os buscariam essa reconciliação da formação hu- não tenha um fim, o desenvolvimento do sis-
mana, recordando a falta do que é próprio do ho- tema tem um limite, a explosão prevista do sol,
mem ou a sua transcendência para a completude. que o desafia objetivamente, porque não está
Contudo, Lyotard (1997) diz que não lhe agrada ao seu alcance transpô-la, comprometendo
nem a pressa com que eles fazem isso nem essa todos os campos de pesquisa e de sua aplica-
reconciliação, buscando aquilo que é inconciliá- ção, nos países ditos desenvolvidos, e subordi-
vel e invertendo os propósitos do humanismo a nando o interesse dos seres humanos ao da
fim de nele revelar o inumano. Isso porque ele sobrevivência da complexidade. Diante da espe-
considera o seguinte: rança de uma alternativa decisiva ao sistema e
da política revolucionária se encontrar sem
É preciso antes de mais nada recordar que se o emprego na atualidade, as questões levantadas
título de humano pode e deve caminhar entre a pelo filósofo francês são as seguintes: que mais
indeterminação nativa e a razão instituída ou a restaria de político que não seja a resistência a
instituir-se, também o pode e deve o inumano. esse inumano? Para opor essa resistência, o que
Toda educação é inumana visto que não funci- mais restaria além da dívida que toda a alma
ona sem contrariedades e terror, e refiro-me a contraiu com a indeterminação miserável de
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mensão artística do trabalho pedagógico. A humanista e unidade da linguagem, caracterís-
explicitação de tal dimensão, por meio da tica, respectivamente, da cultura e da pragmática
explicitação dos diferendos que a compreen- do saber científico na pós-modernidade. Cabe-
dem, pode fazer dele não um fenômeno a ser ria a uma Filosofia da Educação inspirada no
conhecido cientificamente e uma prática a ser projeto lyotardiano resistir a essa suposta pós-
empreendida tecnologicamente, mas uma arte modernidade, pensando justamente o que tais
em que o pensar por parte de seus agentes está teorias desconsideraram e o que ainda poderia
em xeque constantemente, em função do mun- ser desafiador à prática do ensino e à aprendi-
do em que vivem e da instabilidade de suas zagem. Em relação aos agentes desse ensino e
próprias existências. Nesse sentido, o problema dessa aprendizagem, tal Filosofia da Educação
do sublime que leva os seus agentes a pensa- poderia torná-los mais atentos à complexidade
rem teoricamente a sua ação no mundo, os e sensíveis às diferenças, de modo a elaborá-las
seus sentidos e a si mesmos, dá a eles o que e de pensá-las, no sentido da resistência ao exis-
pensar, desafiando a Filosofia da Educação para tente e do comprometimento com essa tarefa
se tornar um compromisso com esse filosofar ética e política. Mediante essa atitude, talvez, se
em tais circunstâncias. evitasse o pensamento totalizante proveniente
Em busca de um sublime que dê o que daquelas teorias pedagógicas que, nas práticas
pensar aos professores e alunos, a Filosofia da formativas ou comunicativas que compreendem
Educação vê-se instigada a produzir uma prá- o ensino, assumem um caráter doutrinário ou
tica que leve ao filosofar aqueles agentes do meramente prescritivo, resistindo às formas de
ensino, mediante questões que despertem um socialização e comunicação que, respectivamen-
sentimento de angústia próximo ao da criação te, silenciaram o inumano em nome do humano
artística: um sentimento que consiste na even- e o dissentimento em prol do consenso. Isso não
tualidade de nada ocorrer, no instante, na aula, significa abandonar a tradição cultural e o saber
um ócio necessário ao pensamento criativo. científico que lhes são constitutivas, mas lembrar
Analogamente ao pintor ou ao escritor que, a essas práticas o que esqueceram, desde a
diante da tela ou da página em branco, se vê modernidade; reescrevê-las, tendo em vista o
em compasso de espera de um acontecimento que, respectivamente, deformaram em nome da
a partir do qual emerge a sua pintura e a sua formação humana e da heterogeneidade da lin-
escritura e no qual encontra o sentimento de guagem ou das razões, que subordinaram a
existência e de prazer, mediante a sua criação, unidade do gênero cognitivo ou de uma razão
a aula poderia ser um tempo-espaço aberto a cogitante ou logocêntrica.
acontecimentos: não fosse a sua excessiva re- Para além de suspeitar da tradição em
gulamentação e disciplinarização. Tal aconteci- que se inscreveram e da linguagem universal
mento poderia provocar espanto e admiração, nos que pressupôs uma comunicação sem ruídos
partícipes dessa aula, mediante pensamento de desde a modernidade, esse trabalho de cons-
suas relações com o mundo e com si mesmo, tante recomeçar a pensar na educação, pen-
com suas experiências singulares e históricas, caso sando o próprio pensamento e dar voz ao si-
eles não estivessem imbuídos de defesas uns lenciado na infância, auxilia a dissentir sobre o
contra os outros, de uma moralidade e de uma convencionado no presente. Nesses termos, ele
adaptação ao existente, provenientes da tradição tem o sentido de criar problemas filosóficos não
cultural na qual estão inseridos e do instituído. convencionais nessas práticas e testemunhar o
Se as teorias pedagógicas não conside- infortúnio do próprio silêncio que aflige o
ram o que o sentimento sublime propicia ao pensamento, antes de se tornar linguagem e ser
pensar, em práticas como o ensino, foi porque comunicado. Por um trabalho de escuta analí-
nelas predominou o pressuposto de certo ideal tica desse silêncio e do fazer aflorar o sentimen-
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sofia da educação em seu sentido estrito de um Das indicações depreendidas da interpre-
filosofar interpelador sobre a sua própria prática, tação do projeto filosófico de Lyotard, desenvol-
dos regimes discursivos e dos sentidos que a com- vido após a revisão de algumas de suas posições
preendem no presente. Se esse modo de fazer fi- sobre a pós-modernidade, para se pensar na ati-
losofia da educação for incapaz de desafiar os vidade educativa, pode-se dizer que elas são fe-
alunos a romperem o círculo social que se fecha cundas para desafiar a filosofia da educação e os
sobre eles e compartilhar essa sensibilidade, na educadores, na atualidade, ao menos no que se
escola, em função de estarem totalmente enreda- refere aos aspectos destacados neste artigo. Se a
dos ao instituído, segundo Lyotard, outras Ágoras, maioria dos estudos circunscreveu à polêmica as
àqueles que nutrissem certa sensibilidade ao dife- posições de Lyotard ou de um de seus protago-
renciado e estivessem desafiados a uma experiên- nistas para depreender daí suas implicações para
cia com esse pensar, salvando a sua honra e resis- a educação, as indicações aqui reunidas são as de
tindo à sua expropriação na contemporaneidade. que recuperar esse projeto filosófico para pensar
Ainda que seja tardiamente, na vida adulta, a ex- com ele questões educacionais mais do que po-
periência com esse pensar poderia levar esses in- sições teóricas asseguradas ou previamente
divíduos ao reconhecimento de sua incompletude, estabelecidas, para além da pós-modernidade.
da insatisfação que ela gera e que nos faz buscar Espera-se que, dessa forma, outras pesquisas em
a criação. Isso implicaria no compartilhamento de Filosofia da Educação possam ser desenvolvidas
uma sensibilidade incomunicável e no reconheci- e a reflexão dos educadores possa ser desafiada
mento de uma menoridade intelectual que, ao invés a partir dessas indicações, antes do que deixar-se
de gerar imobilização, levaria a uma atitude de levar por uma polêmica, que parece ter perdido
resistência ao existente e de ruptura com ele, por há muito o seu tom desafiador, ou pela adesão a
meio da criação de outros modos de pensar e de uma doutrina supostamente nova, posterior à
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Recebido em 27.06.06
Aceito em 03.10.06
Pedro Angelo Pagni é professor assistente doutor do Departamento de Administração e Supervisão Escolar da FFC/UNESP,
Campus de Marília.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 567-587, set./dez. 2006 587