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EDIÇÃO BRASILEIRA:
C apa e projeto gráfico : Andréia Custódio
T radução : Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti
E ditor: Marcos Marcionilo
C onselho E ditorial: Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Gilvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]
Kanavillil Rajagopalan [Unicamp]
Marcos Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre [UFES]
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP]
SalmaTannus Muchail [PUCSP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
K93n
Krieg-Planque, Alice
A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico
e metodológico / Alice Krieg-Planque;tradução Luciana Salazar
Salgado, Sírio Possenti. - São Paulo : Parábola Editorial, 2010.
-(Lingua[gem] ;39)
Tradução de: La notion de"formule en analyse du discours
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7934-009-3
1. Análise do discurso. 2. Sociolinguística.3.Comunicação
de massa e linguagem.4. Linguagem e línguas. I.Título. II. Série.
DIREITOS RESERVADOS À
Parábola Editorial
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pabx: [11 ] 5061 -9262 |5061 -8075 |fax: [11 ] 2589-9263
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e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br
ISBN: 978-85-7934-009-3
Nota do Editor.........................................................................................7
Introdução geral.......................................................................................9
Capítulo 1: “Da análise do vocabulário sociopolítico à
delimitação de fórmulas” .............................................. 14
Capítulo 2: “O trabalho heurístico de Jean-Pierre Faye:
a fórmula ‘Estado total’” ............................................... 15
Capítulo 3: “A análise de Marianne Ebel e Pierre Fiala”................ 15
Capítulo 4: “Propostas: aspropriedades dafórmula” .........................15
Capítulo 5: “Sobre a noção de fórm ula: síntese, deslocamentos,
questões”........................................................................ 16
CAPÍTULO 1
Da análise do vocabulário sociopolítico à delimitação de fórmulas....17
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
Bibliografia........................................................................................... 123
A -x? -V -VS-X?
8
Introdução geral
sta obra é dedicada à noção de fórm ula, tanto do ponto de vista teó
E rico quanto do metodológico. Por fórmula, designamos um conjunto
de formulações que, pelo fato de serem empregadas em um momento e
em um espaço público dados, cristalizam questões políticas e sociais que
essas expressões contribuem, ao mesmo tempo, para construir. Assim,
por exemplo, podemos considerar que formulações como “mundialização/
globalização”, “mundializar/globalizar”, “antimundialização, “antimun-
dialistas”, “altermundialização”, “altermundialistas” etc. constituem as
variantes de uma mesma fórmula — “mundialização” — , cujo estudo
seria útil para compreender o modo pelo qual os debates sobre o estado
das relações sociais se desenvolveram na virada do século XX para o
século XXI.
Como sugere o exemplo acima, a noção de fórmula deriva principal
mente da análise do discurso. Essa contextualização, como consequência,
implica certos posicionamentos em relação aos termos utilizados em
diferentes ramificações das ciências da linguagem {léxico, cristalização,
colocação, neologia, atestação, ocorrência, nominalização, emprego, uso, reformu
lação, paráfrase, produção discursiva, discurso, performatividade, sloganização...).
Voltaremos a isso ao longo destas páginas. A perspectiva pluridisciplinar
na qual este trabalho se situa impõe, igualmente, o recurso a termos
que provêm de diversos horizontes das ciências humanas e sociais. Es
clareceremos essas escolhas no decorrer dos capítulos.
Além da própria noção de fórmula, o trabalho aqui proposto permite
pensar e analisar outros fenômenos de retomada e de circulação discursi
vos, como as pequenas frases ou os slogans, por exemplo. Ele permite, ainda,
compreender a forma como diversos atores sociais (homens e mulheres
políticos, militantes de associações, representantes sindicais, dirigentes
de empresas, comunicadores, jornalistas profissionais, intelectuais...)
organizam, por meio dos discursos, as relações de poder e de opinião.
ûsattïfl m asnwif m mmmk, m
O volume que o leitor vai 1er agora resulta, ao mesmo tempo, de
um trabalho anterior, de demandas sobre esse trabalho e de uma von
tade editorial coletiva.
Antes de qualquer coisa, um trabalho já realizado. Em 2000,
defendemos uma tese de doutorado intitulada Émergence et emplois de
la form ule “purification éthnique” dans la presse française (1980-1994). Une
analyse du discours (Krieg, 2000). Esse trabalho era, de certa maneira,
uma história de palavras: a das quatro palavras que são “purificação”,
“limpeza”, “depuração” e “étnica”. Mais precisamente, tratava-se de
estudar os momentos, na história dos discursos, em que essas palavras
om on
1 O plano geral da tese defendida em 2000 era: “Capítulo I. A noção de fórmula: circunscri-
ção do objeto e referências teóricas”, “Capítulo II. Apresentação do corpus estudado”, “Capítulo
III. O discurso sobre a guerra iugoslava: a fórmula e seus contextos”, “Capítulo IV. Unidades
lexicais em ato: a fórmula, seus falsos gêmeos, seus concorrentes”, “Capítulo V. Análise das
características notáveis da fórmula ‘purificação étnica’”, “Capítulo VI. Construir e desconstruir
a fórmula: empregos e problematizações da fórmula ‘purificação étnica’ (1980-1994)”. it
A NOÇÃO DE “ FÓ R M U LA” E l ANÁLISE DO DISCURSO
tal como nós a entendemos: como um recurso fecundo para a análise
dos discursos políticos, midiáticos e institucionais.
Enfim, este livro é o resultado de uma vontade editorial coletiva.
De fato, este volume é fruto de trocas feitas desde há alguns anos en
tre diferentes membros de duas equipes: o LaSeLDi2, da Université de
Franche-Comté, e o Céditec3, da Université Paris-Est. De um lado e de
outro, em meio a conversações, e-mails, jornadas de estudo, colóquios,
cursos em Besançon ou em Créteil, obras coletivas ou números de revistas
que permitiram a colaboração de alguns de seus membros, firmou-se
uma convergência de pontos de vista. Essas afinidades dizem respeito
a um modo de pensar e de praticar a análise do discurso, mas também
a um modo de partilhá-la com públicos de estudantes e de colegas. A
presente publicação inscreve-se na confluência de determinada concepção
do trabalho científico e de opções relativas a seu compartilhamento4.
A natureza do projeto editorial escolhido determinou duas caracte
rísticas da obra. De um lado, quisemos editar um volume breve: tratava-
se deliberadamente de produzir um fascículo eficaz, um resumo — em
todos os sentidos do termo — que pudesse ser útil tanto à compreensão
do substrato teórico da noção de fórmula, quanto a suas possibilidades
de análise concreta de um corpus. Por outro lado, quisemos deixar a bi
bliografia tal como registrada na pesquisa de origem, exceto por alguns
5 Para uma visada global dos trabalhos recentes em análise do discurso, em particular numa
perspectiva crítica, podem-se retomar: Simone Bonnafous, 2006; Simone Bonnafous e Malika
Temmar (orgs.), 2007; Krieg, 2000b; Maingueneau, 2005; Schepens (org.), 2006.
6 Ver, por exemplo, Dominique Maingueneau, 1991, 1992 e 1995; Francine Mazière, 2007. 13
A NÛÇAÛ DE “ FO R M U LA” i l ANALISE 00 DISCURSO
que aspira compreender os discursos por meio das diferentes formas de
cristalização que esses mesmos discursos modelam e fazem circular.
Enfim, nas articulações das ciências da linguagem com as ciências
da informação e da comunicação, o trabalho aqui apresentado mostra
o interesse que um ponto de vista discursivo pode ter sobre a comu
nicação. Se, como propomos (2006a: 34), definirmos a comunicação
como um conjunto de habilidades relativas à antecipação das práticas
de retomada, de transformação e de reformulação dos enunciados e de
seus conteúdos, então a análise do discurso deve ser situada entre as
abordagens disciplinares centrais para o estudo dos fatos de comunica
ção. A compreensão do trabalho dos comunicadores (ou daqueles que,
sem estar formalmente investidos de tal missão, devem integrar uma
função comunicacional em uma de suas atividades, seja ela profissio
nal e/ou amadora) passa necessariamente, em parte, por uma análise
discursiva: as noções de fórm ula, mas também as de pequena frase, de
elemento de linguagem, de argumento ou ainda de slogan contribuem para
essa compreensão.
O plano adotado na presente obra retoma aquele que havia per
mitido explicitar os fundamentos teóricos e metodológicos da noção de
fórmula, graças aos quais havíamos alcançado os resultados publicados
em 2003. Esse plano se apresenta assim:
k k k
Da análise do vocabulário
sociopolítico à delimitação de
fórmulas
1 Sobre esses programas, ver, por exemplo, a base Textopol alimentada por Pierre Fiala e
Jean-Marc Leblanc, http://textopol.free.fr.
2 Que se tornou, em 1999, “Pratiques du langage au 18e: histoires, usages”.
3 Em 1998, depois de uma fusão com a equipe “Linguistique et informatique” da ENS Fontenay
Saint-Cloud, o laboratório “Lexicométrie et textes politiques” (UMR 9952) tornou-se o laboratório
Analyses de corpus linguistiques, usages e traitements (UMR 8503). Neste trabalho, utilizamos a
antiga denominação, porque os trabalhos aqui citados foram levados a cabo fundamentalmente
pelas equipes que compunham, até 1998, o “Lexicologie et textes politiques”, de 1965 a 1987, e
depois o “Lexicométrie et textes politiques”, de 1988 a 1998.
4 Ver os oitos fascículos publicados pela equipe “18e et Révolution”, 1985, 1987, 1988, 1989,
1991,1999, 2003 e 2006.
5 Fiala (org.), 1999.
6 Otto Brunner, Werner Conze, Reinhart Koselleck (1972-1984).
7 Hans-Jürgen Lüsebrink e Rolf Reichardt (orgs.), (1985 -...). Ver também Hans-Jürgen Lüsebrink
e Rolf Reichardt (1990). Os leitores francófonos podem, ainda, 1er o artigo de Rolf Reichardt
(1982).
(1989) sobre a palavra “révolution” [revolução], a de Marie-France Piguet
8 O livro de Marie-France Piguet resulta de sua tese de doutorado (Piguet 1993). Ver em Piguet
(1996) uma resenha desse livro feita por Fiala (1997). Sobre “classe”, ver, ainda, Piguet (1997) e
(1998).
9 A predileção por esse período se explica pela investigação aprofundada de que ela foi objeto
em Tournier (1975).
10 Tournier ([1979] 1992); Tournier ([1982] 1992); Tournier, “Petit aparté prototypique sur la
grève”, in Tournier (1992: 273-277).
11 Tournier, “Travailleur aux prises avec l’histoire”, in Tournier (1992: 127-133).
12 Tournier ([1984] 1992).
13 Ver em particular “Aux sources du sens, l’étymologie sociale” in Tournier (1992: 279-291) e
“Des mots en histoire”, in Tournier (1997: 287-298). 19
osunosiQ oa isnvNv w i «y i d n d o j ,, m o võ o n v
nas quais se afirmam coisas novas com o mesmo termo, com vistas a
investigar a origem dessas mutações nos próprios textos em que elas
acontecem, e prosseguir na direção da novidade (Piguet, 1996: 6).
para estabelecer seu verdadeiro sentido” (seu primeiro objeto, dizem eles, é o estudo da “forma
ção” das palavras). Citado por Rey (1970: 42).
18 Ver Piguet (1996: 54, 56 e 59).
19 Tamba (2009: 64). Ver também Sonia Branca-Rosoff (1998a), em particular Sonia Branca-
Rosoff (1998b) e Christian Touratier (1998). Ver, ainda, Robert Lafont (1987).
e caracterizar a “zona de turbulência” que essa palavra atravessa. A
ordem” (ibid.: 29), uma palavra que adquire, em sentido amplo, uma
“função ‘performativa’” (idem). Impulsionada por um acontecimento,
uma palavra se impõe. E se impõe a todos como um remédio (a quase
todos, na realidade, com destaque para a extrema-direita). Ela simboliza
uma solução. Mas, paralelamente a essa retomada massiva na superfície
dos enunciados, a palavra vê seu sentido se dispersar.
Geneviève Petiot (1990) explora o campo lexical de “liberté(s)”
[liberdade(s)] tal como aparece em textos legislativos e parlamentares
de maio de 1984, durante os debates sobre o projeto conhecido como
“projet Savary”23. O contexto do debate é polêmico:
46 Boyer (1987d). Esse estudo, assim como análises sobre outras “palavras-s/oga/?” do primeiro
centenário miterraniano (“solidarité” [solidariedade], “rigueur” [rigor], “ouverture” [abertura],
“rassemblement” [reunião]...), foram retomadas por Henri Boyer em Boyer (1991). Sobre a foca
lização léxico-pragmática, ver também Boyer (1987a) e Boyer (1987c). 31
C A P Í T U L O 2
1 Jean-Pierre Faye é também autor de poemas reunidos em diversas antologias: Faye 1960;
1965; 1977; 1984; 1992.
2 Faye, 1972b: 11.
ele chama de “supernarrativa”, isto é, uma “narrativa das narrativas”
(no caso, trata-se das narrativas produzidas pelos ideólogos e atores do
espaço político no período entre as duas grandes guerras, na Itália e
li', 23 LvÀl! JLiFk, . ;A>
total *
pela qual seria possível estudar conjuntamente o regime hitlerista e o
Ela não sai pronta de uma teoria da linguagem; Faye a toma dos
próprios materiais, dos textos, narrações e discursos que, desde 1929,
esboçam os contornos de um novo tipo de Estado. Ele a encontra em
Cari Schmitt16, que a chama ora de “fórmula”, ora de “conceito”, e
também em Ernst Forsthoff17: “Der totale Staat ist eine Formel” [O
Estado total é uma fórmula] (Ebel, 1979: 18).
P. Ã gSíífiSP
A fórmula “totale Staat” não chega de repente aos escritos daquele
que é seu promotor inicial, o jurista e politólogo alemão Carl Schmitt:
ela tem uma gênese. Faye vê o início dessa gênese no que ele chama “o
enunciado totalitário primitivo”25, isto é, no discurso que Mussolini pro
nuncia por ocasião do congresso fundador do Partido Nacional Fascista,
em 22 de junho de 1925. Nessa noite, Mussolini afirma a vontade de
dominação do fascismo sobre o Estado italiano e diz isso (ou qualquer
coisa semelhante a isso, pois imediatamente o enunciado de Mussolini
torna-se um enunciado polimorfo26*):
Ver Faye (1972a: 356); Faye (1972b: 88); Faye (1973: 132).
:s Faye (1973: 65).
29 Traduzido para o francês em 1990 como: Ernst Jünger, L’É tat universel, seguido de La mobi
lisation totale. Trad.: Henri Plard e Marc de Launay. Paris: Gallimard.
30 O filósofo Ernst Krieck, rival ciumento de Heidegger por sua qualidade de “filósofo do nacional-
socialismo”, é reitor da Universidade de Frankfurt e depois tenente-coronel da SS sob o regime
nazista. Morre em 1946, no que Faye chama de um “campo de desnazificação” (1996b: 107).
31 Faye (1973: 47).
A NQÇÃO Di “FORMULA” EM ANÁLISE DO DÏSCÜBSO totalitário” fascista. De fato, diz Cari Schmitt ao final de 1932, por
“totale Staat” deve-se compreender
C. A circulação
O “modo de apreensão” escolhido por Faye para seu estudo da
fórmula “se liga a um enunciado e [...] o segue em sua circulação”33. A
circulação da fórmula “totale Staat” começa no enunciado de Mussolini,
com o qual o adjetivo “totalitário” entra na política. A circulação da
fórmula é então uma mudança de língua, em que a fórmula, em sua
“passagem pelos Alpes”, como diz Faye (1973: 81), passa do italiano ao
alemão. Outra circulação da fórmula de língua a língua se operará nos
apelos da Falange Espanhola a um “Estado totalitário”. Circulando de
uma língua a outra, a fórmula muda também de lugar de emergência
nas formações políticas: do centro como lugar de emergência, na Itália,
a fórmula emerge na periferia, na Alemanha. Pois se “Stato totalitário”
surge no próprio coração do partido fascista italiano e permanecerá
uma expressão reivindicada pelo regime, a fórmula “totale Staat” é, ao
contrário, “produzida, forjada ou estampilhada [...] não pelos próprios
J
total*
nazistas, mas por mensageiros situados em sua periferia”34, e não fará
mais que uma passagem relâmpago na fala do próprio Hitler, em 3 de
“ estad o
outubro de 193335. Mudando de língua, a fórmula muda, então, de lugar
naquilo que os cientistas políticos chamariam hoje de “tabuleiro político”.
o im m im
de rabino convertido ao protestantismo, observador atento da língua do
Terceiro Reich — que ele chama de LTI — observava:
mas demora algum tempo até se saber, ou dar a entender, que ela
nasceu. A distância entre esse nascimento e esse reconhecimento é
medida pelo desaparecimento final de toda distância entre os dois
componentes: no ano de [19] 19, é “nationale Bolschewismus”49,
em [19]20, na coletânea de textos que abre o artigo de Radek, já é
“Nationalbolschewismus” (“Gegen den Nationalbolschewismus”).
Passou do estado de achado literário e fortuito ao de ideologema
durável50.
48 O “equivalente” da soldadura alemã seria, talvez, em língua francesa, o hífen ou, mais
frequentemente, características semânticas específicas e um comportamento sintático particular
que devem, ambos, ser identificados caso a caso.
49 Trata-se de um artigo de Karl Radek publicado em 1919. Karl Radek era, então, delegado
do Partido Comunista (bolchevique) russo. De origem judaica, Radek será vítima dos expurgos
stalinistas em meados dos anos 1930. Ver Raul Hilberg ([1942] 1994: 227 e 341).
50 Faye (1972a: 82).
44
* 51 Trata-se de um texto de Alfred Kurella.
0 TRABALHO HEURÍSTICO DE JE A N -P IE R R E FAYE: A FÓ R M U LA “ ESTADO TOTAL5
sintagma aqui parece atestado pelo simples fato de que é ainda disjun-
to: o hífen, essa membrana linguística, ainda não foi absorvida52.
E. 0 processo de aceitesdícaSe
A fórmula, segundo Faye, é atuante: ela tem uma eficácia, ela
gera um processo de aceitabilidade, ela tem como efeito tornar alguma
coisa aceitável. No caso, a fórmula “totale Staat” tem como efeito tornar
aceitável a destruição dos judeus da Europa:
57 ' Idem.
58 Faye (1972b: 64).
59 Faye (1972a: 659) e Faye (1996a: 216).
60 Faye (1973: 67).
61 “Hermenêutica livre” que é o domínio das “interpretações selvagens, incontroladas, empi-
ricamente não restringidas”, segundo a formulação de Bernard Lahire (1996: 62). Pondo-se em
guarda contra os perigos a que se expõe a análise do discurso, Dominique Maingueneau (1999:
180) evoca, por sua vez, o risco de uma hermenêutica incontrolada (“uncontrolled hermeneutics”).
aceitabilidade é simplesmente mais ou menos verossímil. Verossímil, por
exemplo, é o processo de aceitabilidade cumprido pela palavra “võlkisch”62.
“Substituindo a palavra totalmente negativa que é antisemitisch pela palavra
‘positiva’ por excelência na língua do nacionalismo alemão: võlkisch”63, é
a plena “aceitabilidade do discurso nazista”64 que se prepara. Fazer com
que “nacional” possa significar também “racista”, eis um passe de mágica
que torna possível muitos raciocínios e as ações que eles justificam.
O processo de aceitabilidade pelo qual passam as fórmulas opera-se
especialmente pelo seguinte tipo de procedimento: joga com a polissemia
dos termos ou com a ambiguidade de certas categorias, como aqui, com
“võlkisch”, a do adjetivo dito relacionai65. O processo de aceitabilidade
pode, igualmente, realizar-se por meio da circulação, noção cara a Faye
e sobre a qual é necessário voltar aqui. Porque a circulação, que é mu
dança de língua, mudança de formação discursiva, mudança de sentido,
mudança por derivação ou composição, é para Faye produtora de efeitos66.
Apesar de podermos desconfiar de qualquer um — Hannah Arendt —
que não trabalhe exclusivamente com o texto67, e apesar de haver alguma O
provocação em evocar essa filósofa ao lado de Faye68, é preciso notar
que os raciocínios de um e de outro se encontram em certos pontos.
118-119, 185-186). Essa crítica de Faye advém de sua recusa em elaborar uma metalinguagem
distinta da linguagem-objeto (ver Krieg, 2000c: 26-28 e aqui, neste capítulo, passagens em que
já abordamos essa problemática).
J j K l 69 Faye (1973: 63).
F"
0 TRABALHO HEURÍSTICO i l JE A N -P IE R R E FAYE: A FO R M U LA “ ESTADO TOTAL5
voltarão nestas páginas. Entretanto, nosso trabalho difere do de Faye em
certos pontos. Notadamente, Faye tem a seu favor o que se chama “a
perspectiva histórica”. Langages totalitaires foi publicado vinte e sete anos
depois do fim da Segunda Guerra Mundial e mais de quarenta depois
das narrativas e dos atos ali reportados. Se Faye pode dizer que um
discurso de Mussolini proferido em junho 1925 torna possível “os seis
milhões de judeus assassinados”, é porque os historiadores demonstra
ram como esses milhões foram assassinados, como foram assassinados
e por quem. Essa “página de glória” da história alemã, dizia Himmler,
“jamais fora escrita e jamais o será”70. A essa página destinada a ficar
em branco, historiadores puderam, no entanto, acrescentar o peso da
prova de milhões de linhas.
Contrariamente à obra de Faye, nosso trabalho de pesquisa de
doutorado71 foi contemporâneo dos discursos que analisava. Quando,
na perspectiva de nossa tese, começamos a nos interessar pelos usos das
expressões “purificação étnica”, “limpeza étnica” e “depuração étnica”,
em março de 1994, os nacionalistas sérvios continuavam a sitiar Sarajevo
e Gorazde. Ninguém poderia dizer, naquele momento, quando e como
a guerra teria fim, nem se outros países iriam entrar mais amplamente
no conflito armado, nem sob quais modalidades e com quais consequên
cias. Hoje, a página de miséria da história iugoslava ainda está por ser
escrita. Ela não tem milhares e milhares de linhas. A guerra iugoslava
é objeto de pesquisas; ela se torna aos poucos um objeto de justiça; ela
mal começa a ser objeto da história. Mas a guerra iugoslava foi, em sua
imediaticidade, um objeto de discurso, e esse discurso foi, por sua vez,
nosso objeto. Tratou-se, para nós, de fazer uma análise contemporânea
dos discursos que se referiam, eles próprios, aos fatos que lhes eram
contemporâneos.
A contemporaneidade é frequentemente apresentada como uma
desvantagem para a pesquisa. Não acreditamos nisso, e pensamos, como
Arlette Farge, que “um dos lugares-comuns do saber histórico” consis
te em acreditar que “quanto mais alguém remonta ao tempo passado,
1 Sobre Fritz Meier e James Schwarzenbach, ver também Pierre Fiala (1984).
â NOÇÃO DE “ FÓ R M U LA” EM ANÁLISE DO DISCURSO
5 Carta de leitor. Citada por Pierre Fiala, Josiane Boutet e Marianne Ebel (1982: 63-65) .
6 Fiala e Ebel (1983a: 173). 53
A NOÇÃO i l “ FÓ R M U LA” E i ANÁLISE DO DISCURSO
Idem.
Ibid.: 177.
Ibid.: 176.
i piiüi fiili
dos grandes deslocamentos da análise do discurso”, deslocamento que
começa a se operar suavemente no mês de novembro de 1977 (segundo
o testemunho de Jacques Guilhaumou, que assistia ao acontecimento10):
o deslocamento que consistiu “em descompactar as formações discursi
mmimm a a
vas”, segundo a expressão de Robin (idem), a pensá-las como abertas,
permeáveis, heterogêneas. Nesse contexto, um dos responsáveis pelo
grande deslocamento realizado, Jean-Jacques Courtine, destacou antes
de nós a importância das proposições de Fiala e Ebel. Comentando um
i liâiJii il
trabalho anterior de Fiala e Ebel (1977), Courtine escrevia que as noções
de “circulação”, de “fórmula” e de “referente social”
59
C A P Í T U L O 4
Propostas:
as propriedades da fórmula
D
ando continuidade ao trabalho de Jean-Pierre Faye e aos estudos
de Marianne Ebel e Pierre Fiala, propomo-nos, agora, a circuns
crever o objeto fórmula por meio de suas principais propriedades. Essas
propriedades determinam certas tomadas de posição no método de
apreensão do objeto, tanto do ponto de vista da construção do corpus
(por exemplo, a necessidade de certa densidade temporal que permita
apreender a fórmula em sua historicidade discursiva), quanto no que
diz respeito às orientações metodológicas (por exemplo, o recurso a um
tratamento não automatizado do corpus, com vistas a delimitar alguns
tipos de descristalizações). Com base nisso, apresentaremos, ao longo
destas reflexões, as restrições que pesam sobre o estudo de uma fórmula,
na medida em que ela:
- tem um caráter cristalizado;
- se inscreve numa dimensão discursiva;
- funciona como um referente social;
- comporta um aspecto polêmico.
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recentes sobre a cristalização não são muitos”. Hoje é bem diferente.
-ó»
Mas a quantidade de produções mais ilustra o grau de dispersão dos
fatos observados do que joga luz sobre a situação. Por exemplo, o caráter
heterogêneo das contribuições formuladas em 1994, por ocasião de um
colóquio dedicado à noção de “locução”, dá uma ideia da diversidade do
ICFJC
fenômeno assim chamado5. “Para o usuário da língua dito ordinário, a
locução é um momento de sossego na atividade linguageira”, como tão
a
'FM ' '> ,
bem diz Blanche-Noëlle Grunig (1997: 13). Para o pesquisador que se lança
à análise de um objeto, ela é mais um momento de angústia. Em 1995,
Danielle Candel fez um rigoroso inventário das diferentes acepções dos
termos “locução”, “expressão”, “sintagma”, “colocação” e “fraseologia”
tais como aparecem nos usos da comunidade de linguistas6: constata-se
que a terminologia de uns se sobrepõe à de outros. “Da locução crista
lizada à simples expressão fraseológica, os limites são fluidos”, conclui
Candel (1995: 155), com grande clemência. “Estamos em presença de
uma grande cacofonia”, escreve mais energicamente Gaston Gross (1996:
5), depois de ter observado que “o fato linguístico da cristalização foi
obscurecido por denominações frouxas e muito heterogêneas, de modo que
se verificam estratos definicionais frequentemente incompatíveis” (ibid.:
3). A isso se pode acrescentar o fato de a noção de “estereotipia”, que dá
suporte à de cristalização, ser um objeto de investigação de disciplinas
não linguísticas, cada uma delas atravessada por suas divisões internas.
“O compartilhamento de palavras e noções não é claro”, advertem Ruth
Amossy e Anne Herschberg-Pierrot (1997: 5) na abertura de uma obra
dedicada a uma abordagem didática do estereótipo.
Já no campo das ciências da linguagem, a diversidade terminológi
ca se deve, em parte — no que diz respeito tanto à cristalização como
$wm m à m é
De fato, antes de mais nada, a fórmula existe também através de
múltiplas paráfrases de que ela é a cristalização, conforme os termos de
Ebel e Fiala ou, para retomar os termos do método transformacional
então empregado por Maldidier13, através das diferentes transformações
das quais a “fórmula estereotipada” ou o “enunciado mínimo”14 é o resul
tado (no caso por ela estudado, trata-se de “l’Algérie, c’est la France” [a
Argélia é a França]). Entretanto, é preciso frisar que, se a formula existe
também através de suas paráfrases, ela não existe fora de uma sequência
cristalizada bem identificável que as condensa. Portanto não são fórmulas
aquilo que a psicologia social chama de “estereótipos” (as mulheres são
mais doces do que os homens; os negros têm ritmo no sangue...). Também
não são fórmulas o que Jean-Blaise Grize (1990: 30-31) chama de “pré-
construídos culturais”, em virtude dos quais cada grupo cultural atribui
a um objeto valores específicos, e o percebe numa cadeia de expectati
vas particular (por exemplo, o gato ser associado ao sagrado no antigo
Egito). Tampouco são fórmulas os saberes e crenças partilhados como
conhecimentos prévios à comunicação verbal, que Marie-Anne Paveau
(2006) propõe apreender como elementos de “pré-discurso”, sendo este
definido como “um conjunto de quadros coletivos suscetíveis de organizar
cognitivamente a produção, a circulação e a transmissão de discursos”.
Também não são fórmulas o que Jean-Claude Anscombre e Oswald
Ducrot chamam de “topoi”15, isto é, princípios gerais, intralinguísticos,
mas culturalmente determinados, que servem de apoio ao raciocínio
sem que sejam asseverados pelo locutor, e que permitem a passagem de
moins l’achat est justifié” [Quanto mais alto o preço, menos justificada é
â NOÇÃO il “ FO R M U LA” E l ANÁLISE DO D
PROPOSTAS:
“l’exclusion” [os excluídos, a exclusão] ou, ainda, “excluant” [excludente],
como em “une société excluante”19 [uma sociedade excludente], Elas
podem, igualmente, corresponder, no caso de sequências superiores à
unidade lexical simples, a operações de comutação que conduzem a
sintagmas novos dos quais só a análise em contexto permite dizer se se
trata realmente de variantes de uma mesma fórmula (por exemplo, “pu
rification ethnique” [purificação étnica], “nettoyage ethnique” [limpeza
étnica] e “épuration ethnique” [depuração étnica] aparecem na análise
como variantes de uma mesma fórmula20), formulações não concorrentes,
isto é, semanticamente e/ou lexicalmente próximas, mas com funciona
mento discursivo distinto (como “cantonisation ethnique” [cantonização
étnica], “découpage ethnique” [segregação étnica], “dépeçage ethnique”
[desmobilização étnica], no caso que estudamos em detalhe), ou de
descristalizações (como “épuration artistique” [depuração artística],
“nettoyage ethnico-culinaire” [limpeza étnico-culinária], “purification
éthique” [purificação ética], Ainda que o fenômeno da descristalização
(também chamado de “desvio”21, “palimpseste verbal”22 ou “locução
neológica”23) e o fenômeno da palavra-valise24 sejam, em geral, estudados
separadamente pelos pesquisadores, podemos considerar que a palavra-
25 Se a aproximação desses dois fenômenos raramente é feita, podemos citar como exceção a
afirmativa de François Rastier (1997: 322): “A diferença entre lexias simples e complexas não tem
nada de fundamental, e não surpreenderia constatar, no que tange às lexias simples, os mesmos
fenômenos que acontecem com as lexias complexas. Onde a descristalização das lexias complexas
conduz a uma análise em palavras, a descristalização das lexias simples conduz a sua análise
em morfemas ou, por diversos procedimentos semelhantes, a outras palavras”. Rastier cita como
exemplo de descristalização de uma lexia simples a substituição operada sobre um nome próprio
de país: “Yougoslamort” [N.T. Iugoslávia + morte, num jogo de contraste com Yougoslavie, em
que se pode entrever a palavra “vie”- vida] (Rastier, 1997: 323).
26 Judith Milner (1982).
27 Alain Bensaçon, “Catastroïka: le programme intérieur”, L’Express, 20/11/1987, p. 39.
28 René Backman, “Fidel lance la touristroïka”, Le Nouvel Observateur, 05/08/1988, p. 32/33.
29 Sophie Grassin, “Tout l’Est danse la lambadastroïka”, LExpress, 09/03/1990, p. 155.
30 Laurent Bijard, “Les dictateurs ‘francophones’ sont toujours là... — Afrique: photo de famille
avec taches”, Le Nouvel Observateur; 10/11/94, p. 58-59.
31 N.T. Trata-se de palavra corrente em francês — “serbisation” — , um termo que faz referência
a procedimentos condenáveis atribuídos aos sérvios na guerra dos Bálcãs.
PROPOSTAS: AS P M P fflE B A B iS M F B i í ü L A
ou menos mutuamente exclusivos. Dito de outro modo, para retomar a
terminologia de Henri Boyer (1987b: 44), as formulações concorrentes
da fórmula não são “concorrentes linguísticos”, mas “concorrentes do
ponto de vista sociopragmático”.
O caráter cristalizado da sequência é uma condição necessária para
sua existência como fórmula. A cristalização implica certa concisão.
Decerto podemos dizer que, sob dado aspecto, Em busca do tempo perdido,
as Memórias de guerra do general de Gaulle ou o longo discurso pronun
ciado por M artin Luther King em 28 de agosto de 1963, quando houve
a marcha dos negros sobre Washington, são blocos textuais cristalizados.
Mas dificilmente diriamos desses textos que são sequências cristalizadas.
Os modos de “descristalização” a que esse tipo de “cristalização” é sus
cetível correspondem a gêneros muito particulares (pastiche, paródia),
cuja análise não pode ser feita com os mesmos métodos aplicados às
sequências cristalizadas (em contrapartida, há as sequências cristalizadas
“Longtemps je me suis couché de bonne heure” [“Durante muito tempo,
eu costumava deitar cedo”], “Toute ma vie, je me suis fait une certaine
idée de la France” [Por toda minha vida, fiz certa ideia da França] ou
“I hâve a dream” [“Eu tenho um sonho”]). Ora, é a concisão que per
mite à formula circular, no sentido material do termo, é ela que permite
à sequência ser integrada a enunciados que a sustentam, a incluem, a
retomam, a reforçam, a reiteram ou a recusam. É a concisão que permite
à formula ser reafirmada ou recusada em bloco, tornar-se parte integrante
de uma argumentação. Donde a tendência dos textos que representam
questões sociopolíticas fortes circularem sob a forma condensada de
uma sequência que supostamente resume seu teor: a sequência “I have
a dream” — e suas versões francesas “Je fais un rêve” [Eu tenho um
sonho = eu sonho] ou, menos fielmente, “J’ai fait un rêve” [Eu tive um
sonho = eu sonhei] - faz circular com ela um conjunto complexo de
posições que ela condensa, cujo peso ela carrega sozinha, com base nas
quais ela ocupa lugares nos discursos que a retomam. Donde também
uma tendência das fórmulas a “reduzir” — como se diz de um molho
no domínio culinário — à medida que sua circulação aumenta e sua
estatura se fortalece. É o caso do “programa comum de governo do
A NOÇÃO DE “ FO R M U LA” EM ANÁLISE 00 DISCURSO
PROPOSTAS: A
da fórmula para outros quadros. Por exemplo, a redução sofrida por
“direito de ingerência humanitária” facilita a utilização da expressão
assim reduzida (“direito de ingerência”) num contexto não mais “huma
nitário”, mas “político”, como fez um jornalista do Nouvel Observateur29.
Ou, ainda, a redução sofrida por “solução final da questão judaica na
Europa” torna possível a utilização da sequência reduzida em um contexto
do “mundo animal” (“Elefantes: a solução final”, manchete no mesmo
semanário3
40), ou sua utilização para um referente próximo, por sua
9
natureza, a um referente já designado, mas diferente do ponto de vista
do contexto geo-histórico (um ano depois do genocídio ruandês, escreve
um pesquisador: “Fim de 1993, tudo está pronto para a implantação da
solução final, elaborada pelos quadros do exército e a família da esposa
do presidente Habyarimana”41). Só o desaparecimento de uma parte
da sequência torna possível esse tipo de propagação: a sobrevivência
do complemento do nome “da questão judaica na Europa” impediría
39 Robert Schneider, “La candidature qui inquiète Rocard — Kouchner au secours des eu
ropéennes”, Le Nouvel Observateur, 07/10/1993, p. 56-57. (Ele [B. Kouchner] é considerado um
desertor da sociedade civil. E se ele fosse, na verdade, um dissidente da política? Seguro de sua
experiência e de sua popularidade, ei-lo decidido a fazer valer... seu direito de ingerência”).
40 Caroline Brizard, “Éléphants: la solution finale”, Le Nouvel Observateur; 17/06/1988, p. 48-49.
O título do artigo é resultado da retomada da expressão usada por um pesquisador, no corpo do
artigo, com apenas uma repetição, para designar o massacre dos elefantes na África (“Reconstruir
Notre-Dame ou Versailles é sempre possível, mas reconstituir uma espécie animal extinta, isso,
jamais”, salienta Pierre Pfeffer, diretor de pesquisa no CNRS. [...]. Em 1985, entre 800 e 1.000
toneladas de marfim deixaram a África, 600 toneladas foram recolhidas em 1987, ou seja, 60.000
elefantes mortos, redução devida mais à diminuição da população total do que a alguma tomada
de consciência. Os caçadores, na sua urgência, abatem indivíduos cada vez mais jovens. ‘É a
solução final’, diz Pfeffer”). Essa retomada ilustra de modo característico a função dramatizante
dos títulos e manchetes.
41 Jean-Pierre Gouteux, “Idéologies et massacres inter-ethniques au Rwanda-Burundi”, Golias
Magazine, n. 43, jul-ago 1995, p. 22-27.
o uso da sequência conservada em sua totalidade para designar esses
sunosia
51 George Orwell ([1948] 1950: 427, “Apêndice. Os princípios da novilíngua”). Assim, o termo
“bempensado” significa “pensar de maneira ortodoxa”, “crimepensado” significa “crime cometido
em pensamento”, “pensarpol” significa polícia do pensamento, “crimessexo” significa imoralidade
76 sexual.
LA
“parti ouvrier” [partido operário], “salaire parental” [salário-família],
RMU
“préférence nationale” [preferência nacional], “sélection naturelle” [se
Sil FO
leção natural], “solidarité internationale” [solidariedade internacional])
E
e, de outro lado, as nominalizações52 (“modernisation” [moderniza
D D
A
ção], “nationalisation” [nacionalização], “réunification” [reunificação],
PRIE
“intégration” [integração], “exclusion” [exclusão], “reprise” [retomada],
R
PROPOSTAS: IS P O
“mondialisation” [mundialização/globalização], “réforme” [reforma]). O
adjetivo denominai53 é o lugar de uma ambiguidade por meio da qual se
deixa à apreciação de interpretações diversas a natureza da relação que
se estabelece (ou então que, exatamente, não se estabelece) entre o nome
54 Termo usado num artigo de Alain Finkielkraut, “Le rêve ridicule dTsaac Bashevis Singer”,
Le Monde, 21/08/1996, p. 10. (“Se, de fato, o campo desaparece com o golpe de uma técnica de
cada vez melhor desempenho, numa submissão cada vez maior aos princípios econômicos de
rentabilidade, inexoravelmente a 'periferização’ matará também as cidades. A racionalidade que
nos governa revela-se cada vez menos razoável”).
55 Termo utilizado por militantes de organizações civis e personalidades políticas de esquerda
no momento do “caso dos sem-documentos da igreja Saint-Ambroise” (18 a 24 de março de
1996), depois “da igreja Saint-Bernard” (28 de junho a 23 de agosto de 1996), “caso” que teve
um desfecho violento e provisório, com a evacuação de 300 africanos que ocupavam a igreja
Saint-Bernard, em Paris, promovida por 1.500 homens das polícias civil e militar. Para um resumo
dos fatos, ver Weydert (1996). Sobre a gênese dos fatos, ver Siméant (1995) e (1998).
56 Leis que “fabricam clandestinos”, conforme pudemos 1er e ouvir à época. Veja-se, por exemplo,
78 o artigo não assinado “Como as leis Pasqua criam clandestinos”, L’Humanité, 09/08/1996, p. 5.
mmmà m
Ao dizer que a fórmula se cristaliza numa forma da língua bem
identificada e que a análise deve levar em conta essa forma, fazemos
escolhas.
Antes de mais nada, no que se refere à análise morfossintática,
estimamos que seja necessário considerar as formas tal como elas se
apresentam nos enunciados, sem recorrer a métodos transformacionais.
Eles certamente oferecem vantagens locais efetivas, ao porem em evi
sw
wisoémd
dência a recorrência de certas predicações para além da diversidade
das formulações (Maldidier, 1969), ou o método “énoncés-vedettes”
[enunciados-vedete] estereotipados (Marcellesi, 1969). Mas sua aplicação
inicial e sistemática a um corpus tem como consequência “desambiguizar”
uma ambiguidade que é exatamente constitutiva do que se está dizendo,
de impor o homogêneo justamente onde o heterogêneo é que deveria ser
captado. “Transformar certas frases do texto em frases gramaticalmente
equivalentes”, como preconizava Harris ([1952] 1969: 12), é puxar o
tapete do que o enunciador diz, porque o que é dito se diz no modo
como é dito. Esses efeitos perversos do método transformacional, por
meio do qual a enunciação — mas também o sentido — “é esquivado”57,
foram amplamente sublinhados antes de nós: por Jean-Jacques Courtine,
a propósito da redução da ênfase58, por Patrick Sériot, a propósito da
transformação da nominalização em enunciado verbal59 e, indiretamen
te, pela invalidação da proposta harrissiana, por Ann Banfield60 e por
Jacqueline Authier-Revuz61, a propósito da equivalência entre discurso
direto e discurso indireto. Seguimos as trilhas de todos esses autores.
Essas críticas já são antigas e bem conhecidas. Mas será bom voltar
a elas, pois é observando as falhas do transformacionalismo que percebe
mos na justa medida todas as preciosas ambiguidades que se enovelam
até mesmo na mais sumária das palavras. No caso que estudamos, o
da fórmula “purification ethnique” [purificação étnica] (Krieg-Planque,
2003), reduzir “os complementos do nome a adjetivos ou o inverso”, como
70 Alain Touraine et. al. Le grand refus. Réflexions sur la grève de décembre 1995. Paris: Fayard,
1996.
71 Alain Caillé e Jean-Pierre Le Goff, Le tournant de décembre. Paris: La Découverte, 1996.
72 René Mouriaux et al. Le souffle de décembre. Paris: Éditions Syllepse, 1997.
73 Julien Duval et al. Le “décembre” des intellectuels français. Paris: Liber éditions, 1998.
74 Emmanuel Terray, “Sur le mouvement de décembre”, Journal des Anthropologues (Paris: Asso
ciation Française des Anthropologues), n. 64-65, primavera-verão de 1996, p. 191-209.
75 “Mouvement social de décembre”, número temático da revista La revue M. Mensuel, Marxisme,
Mouvement (Paris), n. 83, julho de 1996. Sobre a expressão “mouvement social”, ver o artigo de
René Mouriaux (1996).
76 Farah Khosrokhavar, “Les nouvelles formes de mobilisation sociale”, in Alain Touraine et
al., op. cit., p. 195-246; p. 198.
77 Alain Touraine, “L’ombre d’un mouvement”, in Alain Touraine et al., op. cit., p. 11-102; p.
90.
78 “Tous ensemble! Réflexions sur les luttes de novembre-décembre”, dossier de Futur antérieur
(Paris: L’Harmattan), n. 33-34, 1996.
79 Michel Wieviorka, “Le sens d’une lutte”, in Alain Touraine et al., op. cit., p. 247-296.
80 Jean Dubois, “Décembre 1995: un mouvement polysémique”, Projet (Paris), n. 245, primavera
de 1996, p. 95-106.
81 Henri Vacquin e Yvon Minvielle, Le sens d ’une colère, chances et perspectives. Novembre /décembre
1995. Paris: Stock, 1996 e CGT, L’hiver de la colère, le livre des grévistes de novembre-décembre. Paris:
La Vie Ouvrière Éditions, 1996.
82 Ver Hetzel, Lefèvre, Mouriaux e Tournier (1998: 197-199). 83
A NOÇÃO DE “ FO R M U LA ” EM AN Á LISE DO DISCURSO
83 Récit du service France, “Le gouvernement et les syndicats jouent à cache-cache”, Le Monde,
09/12/1995, p. 5.
84 84 Luc Rosenzweig, “Il peut le dire!”, Le Monde, 12/12/1995, p. 33.
m m m i m m m m m èm ê s i «swisodoid
fadada a desaparecer do vocabulário governamental?”, pergunta-se um
editorialista, dessa vez a propósito da política governamental de Juppé
em matéria de imigração. “Já à época das grandes greves de novembro
e dezembro, o primeiro-ministro se recusara a pronunciar a palavra.”85
Unidades lexicais descritíveis nas categorias da língua, “concertation”,
“négociation” e “dialogue” são também fórmulas no quadro do universo
discursivo que evocamos há pouco. Fórmulas que, nesse sentido, não
podem ser descritas senão depois de seus usos.
A preexistência formal da sequência em relação a seu estatuto
“formulaico” não vale apenas para as unidades lexicais simples. Ela
vale também para nomes compostos. O nome composto “sans-papiers”
[sem-documento], por exemplo, parece ter se tornado uma fórmula na
segunda metade de 1996, no contexto do que será chamado por todo
mundo precisamente de “l’affaire des sans-papiers de 1’église Saint-Ber-
nard” [o caso dos sem-documento da igreja Saint-Bernard] (todo mundo,
ou quase todo mundo, uma vez que o caso figurará para o partido do
Front National genericamente como “l’affaire des étrangers de 1’église
Saint-Bernard” [o caso dos estrangeiros da igreja Saint-Bernard])86. Nesse
período de 1996, o nome composto “sans-papiers” [sem-documento] se
tornou uma fórmula. Sua aparição é contundente. Ele é comentado,
questionado. Frequentemente, a palavra é percebida como uma vitória
dos que lutam pela regularização de sua situação administrativa. Para
muitos comentadores, “sans-papiers” vem oportunamente substituir um
termo julgado impróprio, “clandestins” [clandestinos], Podemos 1er no
Jornal du Dimanche que “‘clandestins’ é uma categoria que reúne tudo e
nada, e tem um apelo pejorativo”87, na qual os “sans-papiers” não devem
ser jogados. Num outro semanário, a “lição dos ‘sans-papiers’” é, antes
de mais nada, uma aula de vocabulário: os “sans-papiers”
88 Valérie Hunier e Thierry Leclère, “La leçon des sans-papiers”, Télérama, 28/08/1996, p. 7.
89 Sobre a categoria dos “sans” [sem] no espaço sociopolítico europeu desde os “sans-culottes”
do período revolucionário, ver a obra de Jacques Guilhaumou (1998). Especificamente sobre os
“sans-culottes” de 1790-1792, ver Annie Geoffroy (1985a). Especificamente sobre a denominação
“sans-papiers”, ver Salih Akin (1999) e também Johanna Siméant (1995 e 1998).
90 Serge July, “Ce que les sans-papiers ont changé”, Libération, 30/08/1996, caderno especial
“Saint-Bernard”, p. I, II, III.
91 Gérard Desportes, “Le pays redécouvre le mot ‘asile’”, Libération, 30/08/1996, caderno especial
“Saint-Bernard”, p. VII.
92 Libération, 13/012/1975, p. 1, manchete de capa de Une.
w
fó r m u la
estrangeiros(as) em situação irregular93.
mmmmmm m
A preexistência formal da sequência em relação a seu estatuto
íormulaico é um fenômeno observável em unidades lexicais simples e
em nomes compostos. E também em sintagmas. Podemos considerar
que o sintagma “extrême droite” [extrema-direita], mais do que atesta
do depois de um século e meio de circulação, é alçado à condição de
PROPiSTis: is
fórmula no momento em que — possivelmente não pela primeira vez
na sua vida — , em junho e julho de 1996, ele se torna objeto de um
debate público. Esse debate tem origem em dois direitos de resposta que
o jornal Libération, por decisão judicial, é obrigado a publicar em 11 de
junho de 199694. O primeiro direito de resposta foi obtido pelo Club de
.'Horloge95 porque o Libération tratara das atividades dessa associação sob
a rubrica “Extrême droite”96. O segundo foi obtido pelo jornal Présent
porque o Libération qualificara o periódico de “quotidien d’extrême droite”
[diário de extrema-direita]97. Desde então, o sintagma “extrême droite”
se põe a circular no espaço público como objeto de questionamentos.
Todas as personalidades ou quase todas as que foram entrevistadas no
rádio, na televisão e nos jornais foram chamadas a responder a esta
pergunta: “Devemos continuar usando a expressão “extrême droite” para
qualificar o Front National?” Um florilégio de respostas de políticos
a esta pergunta foi publicado num diário nacional98. “Extrême droite”
como expressão se torna objeto de debate. Aparece nas pesquisas de
93 Frédéric Ploquin, “France: les sans-papiers du sexe”, L’Évenemnt du jeudi, 06/08/1992, p. 28-29.
;4 A importância desses dois direitos de resposta foi amplificada pela publicação, três dias an
tes, de outro direito de resposta, obtido também por decisão judicial, pelo presidente do partido
Front National contra o Monde (ver o texto de Jean-Marie Le Pen e o comentário de Jean-Marie
Colombani na edição de 09-10/06/1996, p. 26). Não se tratava de uma palavra sendo posta em
causa, mas de sua relação com um acontecimento. Jean-Marie Le Pen condenava Pierre Georges
por ter feito, numa de suas crônicas (“Les squatters du racisme”, Le Monde, 12/05/1995, p. 36),
uma aproximação entre a manifestação do Front National no dia Io de maio de 1995 e um crime
racista que aconteceu no mesmo dia.
95 N.T.: que se apresenta como “um reservatório de idéias da direita”.
96 Michel Sousse, “Le Club de l’Horloge ne mégote pas sur le cachet de ses orateurs”, Libération,
23-24/10/1993, p. 7.
97 Bernard Fromentin, “‘La loi de Dieu transcende les lois”, Libération, 19/07/1995, p. 4.
98 “Le FN est bien d’extrême droite — Quarante hommes politiques affirment qu’ils continueront
d’utiliser cet épithète”, Libération, 10/06/1996, p. 14-15. 87
I Ü Ç l Q DE “ FÓ R M U LA” E l ANALISE D i OISCURSO
106 Jacques Fontenoy, “Loi contre réxclusion: loin du compte!”, Lutte Ouvrière, 06/03/1998, p. 7.
107 Ver Pierre Agudo, “La fracture sociale”, L’Humanité, 18/05/1992, p. 7.
108 Lembremos que um corpus é considerado “saturado” quando seu enriquecimento por novos
enunciados não traz mais dados novos do ponto de vista da problemática adotada, pelo menos
não mais dados novos suscetíveis de modificar os resultados de maneira substancial. Para con
siderações metodológicas em matéria de análise de discurso, pode-se examinar Krieg, 2000b.
informações novas bastante consistentes109. A lexicometria, pois é dela
que de fato se trata, pode, ao contrário, mostrar-se muito útil na coleta
de candidatos a fórmulas, quando o analista não é contemporâneo do
período estudado: ela pode ser um meio, estabelecendo frequências e
evidenciando os “segmentos repetidos”110, tal como os estudados na
perspectiva do ex-laboratório de Lexicométrie et textes politiques de
Saint-Cloud111, para selecionar sequências cuja utilização recorrente,
num dado momento, as torna suscetíveis — mas apenas suscetíveis —
de serem fórmulas.
O caráter discursivo da fórmula é o que resulta, na sequência, de
uma certa utilização, seja ela concomitante ou posterior ao aparecimento
dessa sequência na língua. Essa utilização varia de uma fórmula a outra.
Ela deve, no entanto, reunir duas propriedades constitutivas da fórmula:
seu caráter de referente social e seu caráter polêmico, duas propriedades
que apreendemos como interdependentes.
109 Ver, sobre esse ponto particular, a crítica de Benoît Habert (1985).
110 Ver Lafon et Salem (1983); Salem (1987); Fiala, Habert, Pineira (1987).
111 Sobre esse laboratório, ver introdução desta obra.
112 Notadamente: Courtine (1981); Habert (1984); Maingueneau (1991: 85-87).
113 Ver Krieg, 2000c: 42 e aqui, no capítulo 3.
PROPOSTAS: AS PROPRIED AD ES OA FO R M U LA
sociais na Suíça francesa dos anos 1960-1980. Quando, na França, em
1996, uma antiga estrela do cinema denuncia o drama vivido pelos car
neiros sacrificados nas cerimônias de Aid el-Kebir e, ao mesmo tempo,
a invasão da França por uma “superpopulação estrangeira”114, estamos
diante de uma comunidade de formas com referentes sociais diversos.
Para delimitar esse referente social, não é preciso recorrer às múltiplas
expressões da “emprise et la surpopulation étrangère” enunciadas na
Suíça, mas às formulações postas no coração do espaço público francês
dos anos 1990. Para citar apenas três dos presidentes da República fran
cesa (de diferentes filiações políticas), encontramos estas formulações: na
“zona de tolerância”115 que, segundo François Mitterand, caracteriza a
França em matéria de emigração; na “invasão”116 lamentada por Valéry
Giscard d’Estaing num penoso circunlóquio verborrágico e com recurso
ao dicionário; e, enfim, na “overdose”117 de estrangeiros, como disse
14 Brigitte Bardot, “Mon cri de colère”, Le Figaro, 26/04/1996, p. 2. (“Eis que meu pais, a
França, minha pátria, minha terra, é de novo invadida, com a bênção de nossos sucessivos go
vernos, por uma superpopulação estrangeira, notadamente muçulmana, com a qual nós somos
coniventes! Diante desse transbordamento islâmico, devemos estar prontos para defender com
nossos corpos, na linha de frente, nossas tradições. A cada ano, vemos florescerem mesquitas
por toda a França, enquanto os grandes sinos de nossas igrejas se calam por falta de padres”).
Cinco meses mais tarde, numa revista feminina, Brigitte Bardot diz: “E preciso reconhecer que
há uma invasão muçulmana na França nos últimos anos” (Elle, 23/09/1996, p. 88-95, entrevista
concedida a Fabrice Gaignault e publicada sob o título “Bardot la scandaleuse”.)
:i5 Em 10 de dezembro de 1989, numa entrevista para rádio e tevê difundida ao vivo pela An
tenne 2 e pela Europe 1, François Mitterand assim responde a uma pergunta sobre imigração
proposta por um dos jornalistas: “Não me peça para dar uma opinião de caráter moral, embora
eu tenha, claro, uma opinião. Mas a zona de tolerância foi atingida desde os anos 1970, e já
havia quase quatro milhões e duzentas mil ‘cartes de séjour’ [permissão oficial de estadia] em
1982. [...] Tanto quanto possível, não devemos ultrapassar essa cifra, mas temos controlado isso
há anos e anos” (citado por Le Monde, 12/12/1989, p. 2-4, “Les déclarations de Mitterand”.)
116 Valéry Giscard d’Estaing, “Immigration ou invasion?”, Le Figaro Magazine, 21/09/1991, p.
48-57: “Ainda que sobre esse tema sensível seja necessário manejar as palavras com precaução,
em razão da carga emocional ou histórica de que elas se revestem, o tipo de problema ao qual
teremos de fazer face está se transferindo da questão da imigração (‘chegada de estrangeiros de
sejosos de se instalar no país’) para a questão da invasão (‘ação de entrar, de tomar subitamente,
segundo a definição dada pelo Littré’)”. Sobre a expressão “invasão”, como utilizada por Valéry
Giscard d’Estaing, ver as propostas de Catherine Lavergne (1997).
117 Em 19 de junho de 1991, por ocasião de um jantar-debate em Orléans, Jacques Chirac diz:
“Nós não rejeitamos os estrangeiros. Ocorre apenas que hoje em dia há muitos deles. Nosso
problema não são os estrangeiros, mas o fato de haver uma overdose. [...] O trabalhador que
mora na Goutte D’Or, que trabalha com sua mulher para ganhar em torno de 15.000 francos,
vê, de seu conjunto habitacional, uma família amontoada — pai, três ou quatro esposas e umas
I NOÇÃO Dl “ F ÍR M U i ” El ANÁLISE DO DISCURSO
vinte crianças — que tem 50.000 francos de ajuda social, naturalmente sem trabalhar. Se você
somar a isso o barulho e o cheiro, o trabalhador francês fica louco. Dizer isso não é ser racista.
[...] O primeiro racismo não acontece entre os franceses de origem e os imigrantes, mas entre os
árabes e os negros” (citado por Régis Guyotat, “Le maire de Paris: 11 y a overdose’”, Le Monde,
21/06/1991, p. 40.)
92 118 Ver as explicações de Danielle Candel (1995: 163-164).
w
133
Bourdieu ([1973] 1984: 226).
•134
Harold Garfinkel ([1967] 1984: 186-207), “Good organizational reasons for bad clinic records”).
135
Ver também Krieg-Planque, 2008.
PROPOSTAS: AS PRO PR IED AD ES DA FÓ R M U LA
como escolher as palavras: tanto faz que se trate de refutação por
denegação ou por reversão, os elementos a refutar se impõem à refu
tação, dadas as posições ideológicas hegemônicas a partir das quais
eles são produzidos136.
136 Jean-Jacques Courtine (1981: 107, sublinhado por Courtine). A refutação por denegação se
exprime na estrutura “não é Y que P (e/ mas é X que P)”, e a refutação por reversão se exprime
na estrutura “é X que P (e/ mas não é Y que P)”.
137 Marie-Claude Decamps, reportagem em Denver, Colorado, “La fin de la visite du pape —
Jean-Paul II et ‘la bataille de la vie’”, Le Monde, 17/08/1993, p. 4. Para o enunciado de João Paulo
II em inglês, ver The New York Times, 16/08/1993, p. A12 ou The Washington Post, 16/08/1993.
138 Joseph Vandrisse, correspondente no Vaticano, “L’encyclique ‘Evangelium vitae’ sera publiée
jeudi — Jean-Paul II contre la ‘culture de la mort’”, Le Figaro, 27/03/1995, p. 10.
A NOÇÃO i l ssF Ó i l ü i r EM ANALISE DO DISCURSO
139 Ver em particular Mouillaud (1982). Esse artigo segue explicitamente a trilha do trabalho de
Jean-Pierre Sueur (1968). Ver também Mouillaud (1979: 220-228, “Titres à référence”); Mouillaud
e Têtu (1989: 115-128, “Le titre et les titres”); Mouillaud (1990).
140 Le Figaro, 29/12/1997, p. 3.
141 France-Soir, 24/09/1997, p. 9.
142 L’Express, 25/0919/97, p. 82.
143 Le Nouvel Observateur, 04/12/1997, p. 10.
144 Mouillaud (1982: 84).
145 Mouillaud (1990: 149).
PROPOSTAS: I l PROPRIED AD ES iâ FO R M U LA
é o das pressuposições”146, em que “o que é pressuposto é a presença
de certa ‘unidade cultural’ no entorno do jornal”147. As manchetes de
jornal em “X: Y ” são, assim, como um bloco de recibo, no qual se
escreve o que há de novo, a cada dia, na parte destacável, que retoma
de certo modo a parte fixa, supostamente conhecida pelo leitor. Nas
manchetes com estrutura “X: Y ”, o enunciado referencial “‘designa’
— e não ‘significa’”148: ele designa os acontecimentos, os objetos ou
processos exteriores ao jornal, que estão no mundo, e no mundo tal
como o leitor supostamente o representa. As reiterações de uma mesma
sequência na parte fixa da manchete contribuem para estabelecer uma
ordem do dia nos temas da vida pública. Manchetes como “Periferia:
a febre do sábado à tarde”149; “Periferia: a prevenção pelo esporte”150,
“Periferia: a política do talão de cheque”151; “Periferia: amanhã uma
Los Angeles?”152 e “Periferia: a constatação do fracasso”153 são, assim,
o índice de que “periferia” funciona como referente social num dado
momento no espaço público francês.
D, 0 caráter polêmsec ûz t f e d s :
A fórmula se assenta numa materialidade linguística relativamente
estável, ela tem um caráter discursivo e constitui um referente social.
Ela também é polêmica: eis a quarta de suas propriedades constitutivas,
da qual trataremos agora.
Fiala e Ebel escrevem, a respeito da expressão “Überfremdung”: “Ao
designá-la como fórmula, sublinhamos que ela é, antes de mais nada, um
objeto polêmico” (1983a: 35). Seguimos esses autores mais uma vez. Já
afirmamos e ressaltamos, concordando com eles, que o caráter polêmico
146 Idem.
147 Idem.
148 Mouillaud (1982: 82).
149 Título de um artigo de Sylvie Cottrant e Brigitte Vital-Durand no Libération, 27/05/1991, p. 28.
150 Título de um artigo de Marc Ambroise-Rendu em Le Monde, 01/08/1991, p. 1 e 8.
151 Título de um artigo de Juliette Nouel em Science & Vie Économie, n. 85, julho-agosto de 1992,
p. 40-43.
152 Título de um artigo de Gérard Petitjean em Le Nouvel Observateur, 10/09/1992, p. 86.
153 Título de um artigo de Emmanuel Schwartzenberg em Le Figaro, 17/09/1992, p. 30.
A NOÇÃO DE “ FO R M U LA” EM ANÁLISE DO DISCURSO
m m m im i
século XX não teria como omitir a fórmula “exclusion”, ao mesmo tempo
como uma evidência da época e como um objeto questionado. Assim
também uma história do conflito iugoslavo não poderia desconsiderar
a fórmula “purification ethnique”, ao mesmo tempo como um referente
social e como objeto polêmico, conforme expusemos em nosso trabalho
“Purification ethnique”. Une form ule et son histoire (Krieg-Planque, 2003).
As questões que as formulas carregam são de natureza extrema
mente variada, assim como são variadas as maneiras de os locutores
responderem a essas questões, de tomarem parte no debate. A questão
pode provir do fato de que a fórmula é monopolizada por uma formação
discursiva adversária (pode tratar-se, então, de se apropriar da fórmula,
eventualmente atribuindo a ela um sentido diferente, e de neutralizá-la,
fazendo uso do procedimento de retorção157); do fato de que a paternidade
de uma fórmula que gostaríamos de reclamar como nossa é reivindicada
pelo adversário (trata-se, nesse caso, de dizer que somos nós os seus
autores); do fato de que nos é atribuída pelo adversário — com ou sem
razão — a paternidade de uma fórmula que rejeitamos (trata-se, então,
de exprimir repúdio)... Todos os procedimentos discursivos e metadis-
cursivos são capazes de contribuir para que a fórmula sirva ao desígnio
político que cada qual se atribui: neologismo de sentido, neologismo de
forma, reivindicação, repúdio, retorção, reformulação...
A polêmica pode se efetuar ao modo da injunção de proferimento
e ao da recusa de enunciar. É esse, de acordo com o que pudemos
observar, o destino sofrido pela palavra “négociation” no outono de
157 Sobre o procedimento de retorção, ver particularmente Angenot (1982) e Taguieff (1987: 17).
Ver também uma ilustração do procedimento em Brauns (1990).
ÍSiH3S!fl Oi ISSlf!¥ 11 «W llltip» l i if Í M ¥
PROPOSTAS:
meio da qual, a palavra é sede de uma pluralidade de ‘índices de valor’,
de uma pluralidade de ‘acentos contraditórios”161, conservando, graças
à permanência do significante, “uma estabilidade que pode, sozinha,
garantir o prosseguimento e o sucesso da comunicação”162. Esse tipo
de polêmica testemunha também o “caráter ‘regional’” das formações
ideológicas, segundo a formulação de Courtine, caráter regional “que
explica o fato de podermos, a partir de formações ideológicas antagônicas,
falar dos mesmos ‘objetos’ (a democracia, a liberdade, o pluralismo...) e
falar deles ‘diferentemente”’ (1981: 34-35).
Observando as manifestações discursivas dos diferentes tipos de
questões que as fórmulas carregam, poderiamos recorrer à metáfora do
combate que Courtine utiliza — embora ele a tenha recusado depois
(1981: 23-24) — , e dizer que o uso das fórmulas assume conjuntamente
a forma da guerra de posição e a da guerra de movimento. O discurso
político é, então, visto
para cada grupo (1) de impor seus próprios significados aos signifi-
cantes que fazem parte do vocabulário político comum: liberdade,
igualdade, democracia, justiça... (esses termos que fazem crer que to
dos os grupos dizem a mesma coisa) e de combater a mesma tentati
va por parte do adversário: recusar a ele o emprego dessas unidades;
(2) de dar a verdadeira significação dos termos típicos do adversário,
denunciando seus significados ocultos: de impedir, portanto, que
esses signos do adversário se instalem na língua; (3) de impor seus
próprios signos linguísticos: significante e significado: participação,
programa comum... [...] Cada grupo político constrói, então, dois
dicionários: o seu, que ele quer ver transformado em dicionário da
língua, e o do adversário, que ele condena ao desaparecimento.
168 Guy Herzlich, “Flexibilité et coût du travail sont au coeur des travaux, à Lille, du G7 sur
remploi”, Le Monde, 02/04/1996, p. 3.
169 Arnaud Levy, “La misère au pilori”, France-Soir; 17/10/1995, p. 6.
170 Entrevista concedida por Laurent Fabius a Sylvie Pierre-Brossolette e Jean-Pierre Séréni,
“Fabius: ‘Si ce n’est pas l’euro ce sera le dollar’”, L’Express, 01/02/1994.
171 Yves Daoudal, “Tapie chez lui ao Monde”, Présent, 22/12/1994, p. 3.
como transmissor de uma nomeação imprópria: “A sociedade capitalis
fó r m u la
ta [...] produz a exclusão, como se diz hoje”172. Para Le Figaro, enfim,
“exclusion” é uma palavra de “todos os outros”, uma palavra da classe
m
política em seu conjunto:
p r o p r ie d a d e s
Uma parte da França está afundando, vítima do que os senhores Chi
rac, Giscard d’Estaing, Barre, Hue e outros chamam de exclusão173.
■ m m m wã: i s
Paralelamente a essa designação do responsável, diante de uma
palavra que nomeia mal, alguns locutores tentam reencarnar uma pa
lavra que lhes parece desencarnada. E o que faz o editorialista de La
Croix quando escreve:
172 Ariette Laguiller, encontro da Luta Operária em Argenteuil, Val-d’Oise, 4 de março de 1995,
173 Editorial de Fraz-Olivier Giesbert, “La stratégie du va-tout”, Le Figaro, 28/11/1995.
174 Editorial de Bruno Frappai, “Le grand dessein”, La Croix, 28/03/1995, p. 1.
175 Carta divulgada ao mailing da Fondation de France, janeiro 1996. As maiúsculas são originais.
A NOÇÃO DE “ FÓ RM U LA” 1 1 ANÁLISE DO DISCURSO
uma formula consiste em analisar os diversos tropeços dos locutores no
decorrer das sequências ou, dito de outro modo, consiste em analisar
as diferentes operações metadiscursivas opacificantes176 que incidem
sobre a fórmula. A título de exemplificação de uma análise de corpus
como essa, o leitor poderá reportar-se ao capítulo VI de nossa tese
(“Construire et déconstruire la formule: emplois et problématisation de
la formule ‘purification ethnique” (1980-1994)”, Krieg (2000c: 494-650),
ou à segunda parte de nosso livro sobre a formula “purificação étnica”
(“Utiliser et commenter la formule ‘purification ethnique’”, Krieg-Planque
2003: 255-450).
Sobre a noção de fó rm u la :
síntese, deslocamentos, questões
1 Por exemplo: “Você dá o tom da nossa revista e garante que os prazos sejam cumpridos,
desde a encomenda dos artigos até a diagramação do boneco. Além disso, assume uma função
de releitura, com seu senso de escrita e de fórmula, que lhe permite fisgar o interesse do leitor”
[(anúncio de oferta de emprego da revista Art & Décoration para um(a) secretário(a) de redação
(publicado em Libération, 05/07/1996, p. 24].
2 Por exemplo: “Parece que é mesmo panela velha que faz comida boa. Essa fórmula está
valendo para a organização da garden-party [de Jacques Chirac no Élysée, em 14 de julho de
1996]”. Artigo assinado N. G., “Comme Mitterand”, Libération, 13/14/07/1996, p. 8.
3 Sobre essa formulação, ver também Krieg, 2000a.
SOBRE A NOÇÃO DE FÓ R M U LA : S ÍNTES E, DES LO CAM ENTO S , QUESTÕES
B. A formula: uma categoria graduai
A noção de formula não é uma noção aproximativa: as propriedades
que a caracterizam, expostas neste volume, são precisas. Entretanto,
uma fórmula é em si um objeto que se situa num continuum: uma se
quência é mais ou menos fórmula conforme preencha mais ou menos
cada uma das quatro propriedades que a caracterizam. A categoria
“fórmula” é, desse ponto de vista, uma “categoria fluida”, ou seja,
gradual, de tipo weberiano, e não uma “categoria de limites defini
dos e nítidos”, de tipo aristotélico, para retomar os termos de Alban
Bouvier (1996: 203). Digamos o óbvio: para que uma sequência possa
ser caracterizada como fórmula, é preciso que ela atenda às quatro
propriedades da fórmula. Mas, de um lado, essas quatro propriedades
podem estar presentes de modo desigual (por exemplo, “cristalização”
forte, mas “caráter polêmico” fraco); e, de outro lado, cada propriedade
é mais ou menos bem preenchida. As propriedades de que falamos só
são de fato verificáveis em continua, e não mensuráveis em termos de
presença ou ausência.
A cristalização, como pudemos sublinhar seguindo diferentes
autores, é uma propriedade relativa: uma sequência é mais ou menos
cristalizada segundo ela preencha mais ou menos bem um certo número
de critérios e segundo seja percebida mais ou menos claramente como
formando um bloco, a partir de uma posição interpretativa razoável4.
O caráter discursivo da fórmula é mais ou menos forte na medi
da em que os usos determinam mais ou menos o destino formulaico
da sequência. Por exemplo, foram sobretudo os usos que fizeram da
expressão “extrema-direita” uma fórmula no verão de 1996, usos em
que o partido Front National recusava esse qualificativo, alimentando,
assim, uma polêmica pública sobre a justeza ou a inadequação desse
rótulo. Outras sequências partem, por assim dizer, “armadas” de suas
características semânticas e morfossintáticas próprias para tornarem-se
fórmulas: o uso, ainda que determinante, é apenas o desencadeador do
4 Sobre a noção de “interprétante razoável”, ver Krieg-Planque, 2006a: 37-40. [Ver também
entrevista de Krieg-Planque “Fórmulas e lugares discursivos: propostas para a análise do discurso
político”, em Linguasagem, edição n. 6, UFSCar, mar. 2009, disponível em http://www.letras.
ufscar.br/linguasagem,]
acesso da sequência à condição de formula. É o caso, certamente, da
A N Q Ç iO i l “ FÓ RM U LA” I l ANÁLISE 00 ilS C ü iS D formula “purificação étnica”.
O caráter de referente social da formula também é relativo: a sequên
cia se impõe, mais ou menos, como passagem obrigatória dos discursos
produzidos no espaço público. Algumas áreas locais do espaço público
e algumas categorias isoladas de locutores podem se manter refratárias
ao uso da fórmula, conseguindo contorná-la. A complementaridade dos
diferentes critérios que permitem dizer que uma fórmula funciona como
um referente social se mostra, então, particularmente importante.
Por fim, a fórmula é mais ou menos polêmica. O leque é farto:
de sequências pouco questionadas (como “a crise” ou “a retomada”),
a sequências altamente problemáticas (como “purificação étnica” ou
como “extrema-direita”, num momento bem circunscrito do debate),
passando por sequências medianamente polêmicas (como “exclusão” ou
“sem-documentos”) — até onde pudemos julgá-las.
O fato de a fórmula ser um objeto inscrito em um continuum não
faz dela, de modo algum, um objeto totalmente acientífico que resiste a
uma análise fundamentada. Ao contrário, o caráter contínuo do objeto
— e, consequentemente, a grande diversidade de silhuetas e figuras sob
as quais será possível encontrá-lo — faz da noção de fórmula uma noção
heurística, suscetível de ser sempre recolocada, revisitada, redefinida.
5 Jürgen Habermas (Ia edição [1962] 1978) (2a edição [1990] 1993).
6 Lembremo-nos de que as críticas são principalmente as seguintes: Habermas idealiza uma idade
de ouro do espaço público no século XVIII. Ele caricatura demasiadamente o espaço público do
século XX, como refeudalizado e em plena deliquescência, onde o reino da crítica é substituído
pelo reino da opinião, e onde o espaço público emancipador do Iluminismo se transforma em
um espaço público aliénante das democracias ocidentais pós-industriais. As lacunas das pesquisas
históricas de Habermas levam-no a desconhecer o papel das classes populares, por um lado, e
o das mulheres, por outro, na formação do espaço público. Sua concepção de espaço público
é demasiado homogênea, unitária, consensual, não conflituosa: em sua obra, como em Rawls
([1941] 1987), a comunicação tem como horizonte muito mais o acordo do que o conflito, e os
sujeitos estão mais para sujeitos livres num espaço de liberdade do que para sujeitos constrangidos
num espaço de dominação.
7 A primeira tradução desse prefácio foi publicada em Quaderni (Habermas, [1990] 1992).
8 Habermas ([1990] 1992: 174). 113
©
m 50) considera que ele se perpetua até hoje, “alargando suas bases de
intervenção e se fragmentando”. Neveu convida a “pensar a existência
m de espaços públicos parciais e plurais”9 ou “mosaicos”10, e a levar em
conta “uma pluralidade de espaços em que se toma a palavra que vem
alimentar o espaço público central”11, enquanto Jean-François Tétu
(1995) sublinha a existência de espaços públicos locais, por meio dos
a quais foram estabelecidas instâncias de comunicação e de mediação
s*s específicas. Isabelle Paillart, explorando, por sua vez, as vantagens
da noção de “espaços públicos parciais”, considera que ela “permite
afastar-nos de uma visão ideal e normativa do espaço público. O
deslocamento da análise na direção de outras esferas nos faz lembrar
que o espaço público se constitui de relações de dominação. Estas se
põem, o mais frequentemente, em termos de conflitos entre interesses
políticos e econômicos contraditórios”12. Enfim, Dominique Wolton,
numa perspectiva um pouco diferenciada — otimista, e mesmo idealista,
das relações sociais, se não apaziguadas, pelo menos reconciliáveis — ,
crê observar a existência de um “espaço público ampliado”13 ou de um
“espaço público fracionado”14 que, aliás, entende como uma ameaça de
atomização social, diante da qual ele vê o apoio às mídias generalistas
como uma das soluções.
Definido como mais ou menos fragmentado e como mais ou
menos conflituoso, o espaço público não existe independentemente do
princípio de publicidade, por meio do qual os atores compartilham seus
pontos de vista, expõem suas opiniões em praça pública, tornando-as,
desse modo, visíveis a quaisquer outras pessoas, alimentando, assim, a
possibilidade de um debate público e contraditório de suas opiniões: “O
‘espaço público’, num sentido amplo, é o quadro ‘midiático’ graças ao
qual o dispositivo institucional e tecnológico próprio às sociedades pós-
industriais é capaz de apresentar a um público os múltiplos aspectos da
15 Jean-Marc Ferry (1991: 20). Registremos, em todo caso, que as aspas nos termos “espaço
público”, “midiático” e “público” não são sintoma de um emprego frouxo desses três termos,
posto que Jean-Marc Ferry, logo a seguir, dedica linhas e linhas a defini-los.
16 Sobre estes, ver Caroline Olivier-Yaniv, 2003. 115
A NOÇÃO DE “FÓRMULA” E l ANALISE DÛ DISCURSO
MED 17 Ver, sobre isso, a advertência de Bernard Delforce e Jacques Noyer (1999: 35).
SOBRE A N0ÇÃ0 i l FÓ R M U LA : S ÍN TES E, O iS LO Û A M EN TÛ S , QUESTÕES
em uma análise que visa precisamente atestar a existência da fórmula
como referente social.
18 Leblanc (1995: 65). Ver também pontos de vista similares em Pierre Bourdieu (1994); Patrick
Champagne (1995); Serge Halimi (1997).
19 François-Henri Virieu (1990: 10).
20 Siblot (1987: 84). Sobre “aliénation”, ver também Françoise Gardes-Madray e Paul Siblot
(1989). 117
ele considera como “um perfeito exemplo dessas devastadoras inflações
â MOÇÃO DE “ FÓ R M U LA” El ANÁLISE DO DISCURSO
30 Do nome dado ao número de Langage et Société coordenado por Pierre Fiala (1993): “Les
tailleurs de l’information”.
31 Sobre a teoria do filtro, poderemos ver, numa perspectiva sistemista, as proposições de
Abraham Moles (1971) e as de Michel Mathien (1989), que se inspiram nas teorias do “gate-
keeper” desenvolvidas por David White, Wright Mills e Paul Lazarsfeld, assim como a noção
de “porteiros” importada da psicossociologia de Kurt Lewin. Mas veremos, sobretudo, numa
perspectiva crítica, as proposições de Edward S. Herman e Noam Chomsky (1988, tradução
francesa 2008).
32 N.T.: referência ao caso conhecido como L’affaire Dreyfus (1894-1906).
33 Arthur Meyer, Ce que mes yeux ont vu. Paris: Plon, 1911. Citado por Thomas Ferenczi ([1993]
1996: 195). 121
mais do que os jornalistas, são os iniciadores das fórmulas, e partindo
m
do fato de que as fórmulas são questões, podemos nos perguntar sobre
o caráter necessário das fórmulas no espaço público e para a política.
Existe um “esforço da política para tomar a língua”, escreve Maurice
Tournier (1997: 292), e porque a língua — ainda que seja necessário, aqui,
falar antes em discurso — é um lugar e um meio de poder, e tal esforço
é sem dúvida mais forte quando fornecido pela política do que pelas
mídias propriamente. Alguns atores — Michel Rocard34, por exemplo,
ou ainda Pierre Bourdieu35, de um modo totalmente distinto — veem
com maus olhos a circulação acelerada, e de certo modo não controlada,
de palavras e expressões que, segundo eles, impedem de pensar e empo
brecem o debate democrático. Com isso, eles reforçam as bases para o
estabelecimento do lugar-comum segundo o qual o discurso político, no
espaço público contemporâneo, sofreria certas formas de “decadência”
ou de “degenerescência”36.
Para além desses pontos de vista, é ainda mais o caráter atuante
dos discursos políticos e da construção de uma narrativa deles que
gostaríamos de sublinhar, para encerrar. É assim que retomamos a tese
exposta na introdução, segundo a qual as fórmulas participam, nas
complexas relações de dominação que os discursos organizam, de um
processo de aceitabilidade.
34 Ver, por exemplo, Michel Rocard, Le coeur à l’ouvrage. Paris: Odile Jacob, 1987, ou ainda as
propostas de Michel Rocard reunidas por Jean-Claude Raspiengeas em Télérama, 15/11/95, p.
14-24 (“Les médias: un pouvoir sans contre-pouvoir”).
35 Ver os protestos expressos por Pierre Bourdieu depois de sua aparição no programa Arrêt sur
images no dia 23 de janeiro de 1996, na emissora France-5 (Pierre Bourdieu, “Analyse d’un passage
à l’antenne”, Le Monde Diplomatique, abril, 1996, p. 25). Ver as respostas de Daniel Schneidermann,
diretor do programa acusado (Daniel Schneidermann, “Response à Pierre Bourdieu”, Le Monde
Diplomatique, maio 1996, p. 21). Ver também a entrevista de Bourdieu feita por Philippe Royer
para La Croix, “Intellectuels et médias, modes d’emploi”, 22/02/1994, p. 10, e ainda Bourdieu,
Sur la télévision, seguido de L’emprise du journalisme. Paris: Liber éditions, 1996 (em particular p.
10-42).
36 Ver análise desse lugar-comum feita por Simone Bonnafous (2003).
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