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A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO COMO

RECAPITULAÇÃO DA TEOLOGIA CRISTÃ


Weber e as raízes proféticas do
racionalismo ocidental

Renan Springer de Freitas

Em todos os tempos só tem havido um meio de quebrar compensa quem obedece a Seus mandamentos e
o poder da magia e estabelecer um padrão racional de pune quem os transgride) e estabelecer, a partir
conduta; este meio é a grande profecia racional. dessa concepção, o preceito, incompatível com
WEBER (1993, p. 362)
“todo pensamento genuinamente asiático”, de que
“por meio de um comportamento prosaico, dirigi-
Profecias liberaram o mundo da magia e, ao fazê-lo,
criaram a base para a ciência e a tecnologia moder- do às ‘demandas do dia’, é possível obter salva-
nas, como também para o capitalismo. ção” (Weber, 1960, pp. 332, 342).1 Por outro lado,
WEBER (1993, p. 362) tem lhe sido atribuída a promessa de um futuro
no qual Israel prevaleceria sobre todas as outras
Desde os escritos seminais de Max Weber, a nações, a qual, após a devastadora experiência do
sociologia da religião tem desenvolvido uma linha exílio na Babilônia (século VI a.C.), teria transfor-
de raciocínio bastante curiosa a respeito do signi- mado os judeus em um “povo-pária”, auto-segre-
ficado cultural e histórico da profecia hebraica. gado, ressentido, ritualista, legalista, orientado por
Por um lado, esta última tem sido vista como uma ética dual (isto é, com um padrão de com-
nada menos que o empreendimento intelectual portamento em relação aos judeus e outro em
relação aos gentios) e, como tal, incapaz de difun-
que gerou a singularidade da nossa civilização ao
dir o “padrão racional de conduta” que a doutri-
conceber a idéia de um Deus universal (que re-
na profética de um Deus universal havia estabe-
lecido.2 Essa linha de raciocínio conduziu à tese
Artigo recebido em junho/2007 de que, se, por um lado, a doutrina profética he-
Aprovado em agosto/2007 braica anterior ao exílio desencadeou o processo

RBCS Vol. 22 nº. 65 outubro/2007


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de formação dos traços caracteristicamente “racio- escapado ao destino de pária. O judeu, a partir de
nais” do padrão de conduta que se estabeleceu agora, poderia ser um heleno para os helenos do
no ocidente, por outro, o fato de os judeus terem mesmo modo que um judeu para os judeus [...].
Esta foi a sensação apaixonada de liberdade tra-
sobrevivido ao cativeiro apenas como um “povo
zida por Paulo. O judeu poderia realmente livrar-
pária”, orientado por uma “ética dual”, impediu a se das antigas promessas de seu Deus colocando
continuidade deste processo, o qual, não obstan- sua fé no novo salvador, que se sentiu abando-
te, não foi interrompido para sempre por causa nado na cruz por aquele mesmo Deus. Várias
do subseqüente advento do universalismo cristão. conseqüências se seguiram deste rompimento
Essa postulada transição do particularismo das cadeias vigorosas que mantinham os judeus
firmemente presos à sua condição de pária. Uma
judaico ao universalismo cristão encontra-se na
delas é o ódio terrível, suficientemente documen-
base de todo esforço já realizado pela sociologia tado, precisamente dos judeus da diáspora contra
weberiana para explicar a emergência do racio- este homem [...]. Em cada linha escrita por Paulo
nalismo peculiar ao ocidente. A versão mais aca- sentimos o júbilo contagiante de um homem que
bada desse esforço encontra-se na obra de Wolf- foi resgatado, com o sangue do Messias, da “es-
gang Schluchter, que, mais do que ninguém, cravidão” daquela lei sem esperança para a liber-
empenhou-se em argumentar que enquanto as dade. A conseqüência mais ampla foi a possibili-
dade de uma missão cristã mundial (Weber, 1965
escrituras judaicas instituíram o que poderia ser
[1922], pp. 259-260).
chamado de um “reino da legalidade”, isto é, uma
ética baseada na observância mecânica de normas
Este longo excerto sugere que faltou às
concretas, o Novo Testamento, ao rechaçar o inte-
escrituras sagradas judaicas um alcance universal,5
lectualismo judaico, típico dos centros urbanos,3
isto é, que nenhuma “missão mundial” poderia ter
realçando, no lugar, a importância da convicção
sido iniciada a partir da pregação profética
supra-intelectual, instaurou o “reino da moralida-
hebraica a menos que o padrão particularista de
de”, isto é, uma ética baseada em princípios abs-
conduta peculiar ao judaísmo fosse rompido e
tratos internalizados.4 Paulo é apontado como o
substituído por um padrão universalista. Na medi-
grande arquiteto dessa transição, cuja caracteriza-
da em que, nos marcos dessa linha de raciocínio,
ção o próprio Weber encarregou-se de fazer em
o trabalho missionário de Paulo foi o aconteci-
termos muito vivos:
mento responsável por tal ruptura e substituição,
Com a ajuda de uma dialética que somente um ele significou uma guinada decisiva na evolução
rabino poderia ter, Paulo, por onde passou, erra- da ética ocidental.
dicou o que era mais peculiar à lei judaica, como Nesse artigo discuto a pertinência de toda
também o que era mais eficiente nela, a saber, as essa linha de raciocínio. Argumento que ela se
normas com caráter de tabu e as promessas mes- limita a recapitular uma concepção teológica
siânicas únicas. Posto que esses tabus e essas
oriunda do pensamento cristão do segundo sécu-
promessas vinculavam toda a dignidade religiosa
dos judeus à sua condição de povo pária, a rup- lo, a saber, a de que o sacrifício redentor de Jesus
tura efetivada por Paulo foi fatal em seus efeitos. tornou o judaísmo obsoleto porque universalizou
Paulo efetuou esta ruptura postulando que as o acesso à graça divina anteriormente restrito a
promessas messiânicas presentes nas escrituras um suposto “povo escolhido”. Embora esta con-
judaicas haviam sido parcialmente cumpridas, e cepção possa ser encontrada em escritos cristãos
parcialmente abolidas, pelo nascimento de Cristo.
De uma forma triunfal ele usou o argumento, de
do primeiro século, sua forma mais acabada apa-
fato impressionante, de que os patriarcas de Is- rece na obra do apologista Justino, o mártir (100-
rael, já bem antes que os tabus e promessas judai- 165),6 e é conhecida, desde o influente trabalho
cas fossem tornados públicos, haviam vivido de da teóloga cristã Rosemary Ruether, por teologia
acordo com a vontade divina e, graças à sua fé, da superação – ou teologia da substituição
que era a garantia da eleição por Deus, alcança-
(Ruether, 1974). Nessa perspectiva, pretendo mos-
do a bem-aventurança. A força que impulsionou
o trabalho incomparável da missão de Paulo foi trar o quanto o argumento weberiano a respeito
sua oferta, aos judeus, de um tremendo alívio, um da emergência do racionalismo ocidental se acha
alívio proporcionado pela consciência de ter embebido na teologia cristã da superação. Ao atri-
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buir à ética farisaica, peculiar aos judeus da época [...] o universalismo de Paulo ter sido articulado
da pregação Paulina, um caráter particularista, no contexto e nos termos de uma luta pelo con-
trole sobre o passado judaico. De todas as anti-
pré-Paulino, que em boa hora veio a ser substi-
nomias de identidade a partir das quais ele foi
tuído e superado pelo universalismo subjacente à construído, foi somente a categoria de judeu,
doutrina Paulina da justificação pela fé, a sociolo- de descendente de Abraão – não as categorias de
gia da religião tem sido levada, por um lado, a su- grego, escravo, mulher ou homem –, que preci-
bestimar o potencial universalizador do arcabou- sava se expandir para abrir espaço para toda a
ço religioso judaico e, por outro, a superestimar o humanidade (Niremberg, 2003, p. 210).
papel histórico-cultural da doutrina Paulina da
justificação pela fé: conforme pretendo mostrar, o Essas considerações chamam a atenção para
desenvolvimento do cristianismo e, por extensão, algo que escapou a Weber, a saber, que Paulo não
do racionalismo ocidental, dependeu de fatores negou as distinções homem/mulher e escravo/
cuja conexão com a referida doutrina, e com o liberto da mesma forma que negou a distinção
trabalho missionário de Paulo de um modo geral, judeu/grego. Nos dois primeiros casos, Paulo está
é muito menor do que o pensamento weberiano dizendo que, embora a condição de homem ou
nos levaria a supor. mulher, escravo ou liberto, é irrelevante perante
Deus sob um ponto de vista religioso e espiritual,
cada homem, mulher, escravo ou liberto deve se
manter como tal do ponto de vista físico e social.
1
No caso da distinção judeu/grego, entretanto, tu-
do muda. Neste caso, como explicou muito bem o
No excerto acima Weber parafraseia, com
historiador da religião John D. Crossan, em seu
grande admiração, o versículo da Epístola de
The birth of Christianity, Paulo “tira a distinção da
Paulo aos Gálatas, que diz: “não pode haver ju-
alma e a coloca no corpo; tira-a do espírito e a
deu nem grego; nem escravo nem liberto; nem
coloca na carne” (1999, p. xxv). Para entender este
homem nem mulher; porque todos vós sois um
argumento, basta imaginar o que significaria negar
em Cristo Jesus” (Gl 3:28). Weber parece supor
as distinções homem/mulher e escravo/ liberto da
que essas palavras traziam algo de substancial-
mesma forma que Paulo negou a distinção
mente novo para os judeus ou gentios de língua judeu/grego. Significaria supor que seria indife-
grega a quem Paulo se dirigia. Tal suposição, rente perante Deus que, por exemplo, um homem
entretanto, dificilmente se sustenta. Em um artigo pintasse as unhas ou inserisse silicone no peito,
recente, David Niremberg (2003) argumenta que ou que um escravo se rebelasse contra a sua con-
o universalismo presente no versículo acima já dição. Certamente não era nada disso que Paulo
era subscrito por um dualismo filosófico (fre- tinha em mente quando disse que não pode haver
qüentemente chamado de neoplatônico) muito homem nem mulher, nem escravo nem liberto,
difundido, o qual chamava a atenção para a exis- perante Cristo. Mas era exatamente algo desta
tência de uma irmandade de espírito e enfatizava natureza que estava presente na sua negação da
a superioridade do estado espiritual sobre as vá- distinção judeu/grego. Nenhum homem, nem
rias diferenças de corpo e de circunstância que escravo algum poderiam, segundo Paulo, renun-
marcam a “carne” dos seres vivos. Nesse sentido, ciar à sua condição física e/ou social (quer pin-
o que haveria de extraordinário no referido versí- tando as unhas, quer renunciando a servir a seu
culo seria o fato de Paulo ter defendido seu uni- amo), mas um judeu poderia renunciar à sua con-
versalismo contra um status particular que era até dição físico-social abrindo mão das “normas com
então quase que inteiramente ignorado pela tra- caráter de tabu” e das “promessas messiânicas úni-
dição filosófica grega. Nem a condição de homem cas” contidas na Torá. Há, portanto, uma clara
ou mulher, nem a condição de liberto ou escravo, incoerência aqui, e o próprio Weber acabou por
mas somente o judaísmo servia como o alvo per- incorporá-la ao seu pensamento ao elogiar Paulo
manente de sua eloqüência. Isto aponta para o por oferecer aos judeus uma oportunidade (não
fato de aproveitada) para abandonar o judaísmo.7
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Se Weber equivocou-se ao supor que o cita- vos estavam abertos para o que posteriormente
do versículo Paulino trazia alguma novidade teo- viria a ser chamado de cristianismo.8 Quando
logicamente revolucionária, ele, não obstante, Paulo iniciou seu trabalho missionário, em mea-
estava certo ao dar a entender que a posição de dos do primeiro século, um leque de “cristianis-
Paulo era motivada pela tensão entre dois objeti- mos” potencialmente viáveis já estava se forman-
vos: o de manter a relevância da promessa de De- do, e o cristianismo que ele próprio lutou para
us a Abraão (e, portanto, a relevância das escritu- estabelecer era apenas um a mais. Weber, eviden-
ras judaicas) e o de estender esta promessa para temente, estava ciente disto. Ele parece não ter
além dos descendentes carnais de Abraão. Afinal estado suficientemente atento, entretanto, para
de contas, como Niremberg nos faz lembrar, se o uma outra coisa, a saber, que qualquer que fosse
objetivo de Paulo tivesse sido o de abandonar as a forma final a ser tomada pelo cristianismo, o ca-
escrituras sagradas dos judeus, ou de simples- minho que conduziria a ela seria atravessado por
mente condená-las como falsas – como pouco uma questão absolutamente decisiva: o que fazer
mais tarde o fariam tanto os marcionitas como os do Deus da Bíblia hebraica? – o deus da vingan-
cristãos gnósticos, aos quais oportunamente retor- ça e da espada, como o diria o teólogo patrístico
narei –, “o particularismo judaico não teria se tor- Marcião (85-159), cujo pensamento só nos é aces-
nado mais importante para os primeiros cristãos sível pelos escritos de seus inúmeros adversários.
do que todo um conjunto de outras identidades Poderia o Deus ciumento e punitivo dos judeus
étnicas que eles foram capazes de simplesmente ser reconciliado com o Deus do amor e da com-
ignorar como espiritualmente insignificantes” paixão, dos (então emergentes) cristãos?
(Niremberg, 2003, pp. 210-211). Mas, como Paulo Embora a resposta que se sagrou vencedora,
não o fez, o caminho ficou aberto para que a após o quarto século, tenha sido um “sim”, mui-
“questão judaica” se tornasse o problema chave tos influentes teólogos patrísticos do início do
da hermenêutica cristã e na elaboração da teolo- segundo século não hesitaram em responder
gia e ontologia cristãs. negativamente. Dentre eles, destacavam-se o já
Que a “questão judaica” tenha se tornado o mencionado Marcião e, também, Valentim (105-
problema chave da hermenêutica cristã é algo que 165, aproximadamente) – um líder cristão da Ale-
dificilmente alguém contestaria em nossos dias. Na xandria que, a exemplo de Marcião, se dirigiu a
verdade, o próprio Weber parece estar sugerindo Roma, trazendo consigo um conjunto complexo
isso ao afirmar que uma das “atividades sem par” de idéias gnósticas gregas que pudessem ser uti-
de Paulo, que teve “efeitos significativos para o lizadas para elaborar uma teologia cristã essen-
cristianismo primitivo”, foi ter “transformado o livro cialmente diferente da judaica. Se as doutrinas
sagrado dos judeus em um dos livros sagrados dos desses teólogos tivessem, no fim das contas, pre-
cristãos e, no princípio, o único” (Weber, 1965 valecido, não haveria qualquer razão para que a
[1922], p. 259). Há de se perguntar, entretanto, se Bíblia hebraica tivesse que ser transferida para os
não seria mais apropriado ver tão extraordinário cristãos como um de seus próprios livros sagra-
feito como a culminação de um processo muito dos. Entretanto, mesmo asseverando que “no An-
mais complicado e laborioso, isto é, como o resul- tigo Testamento a idéia de ‘salvação’ aparece so-
tado final de uma longa e sangrenta batalha pela mente no sentido elementar e racional de
criação da ortodoxia cristã – ou, o que resulta no liberação dos males concretos” (Weber, 1965
mesmo, como a solução que se obteve, após um [1922], p. 44), Weber considerava inconcebível
enorme esforço, para um problema extremamente qualquer tipo de cristianismo à margem desse
espinhoso que, por muito boas razões, dominou livro. Assim, em seu Ancient Judaism ele assegu-
todo o período patrístico. Refiro-me ao problema, rou que se Paulo não tivesse transferido o Antigo
jamais abordado por Weber, ou por seus seguido- Testamento para os cristãos, “seitas gnósticas e
res, de saber se o Deus dos judeus e o dos cristãos mistérios do culto de Kyrios Christos teriam exis-
era o mesmo. tido no solo helênico, mas não teriam proporcio-
É sabido que nas décadas que se seguiram à nado uma base para a Igreja cristã ou para uma
crucificação de Jesus muitos caminhos alternati- ética cristã do dia-a-dia” (Weber, 1952, p. 4).
A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO... 113

Na próxima sessão, deter-me-ei na expres- longo e extenuante esforço, cujo ponto de partida
são “ética cristã do dia-a-dia”, uma vez que por foi uma reação, dos teólogos patrísticos, à tentati-
meio dela Weber está sugerindo algo, crucial para va marcionita de separar completamente o cristia-
sua linha geral de argumentação, que pretendo nismo do judaísmo. Afinal de contas, conforme
contestar, a saber, que se uma ética cristã não Mack mostrou, após a pregação de Marcião, os
tivesse substituído a ética característica do judaís- cristãos não poderiam mais meramente pressupor
mo farisaico do primeiro século nenhum padrão que o Deus e pai de Jesus Cristo era o mesmo
racional de conduta concebível poderia ter surgi- Deus de Israel; que eles próprios, os cristãos, ao
do naquela época. Por ora, entretanto, devo me mesmo tempo em que deveriam ser gratos às nor-
voltar para a afirmação de que nenhuma verda- mas éticas e aos sentimentos veiculados pelas es-
deira Igreja cristã poderia ter surgido sem a ajuda crituras judaicas, deveriam também rejeitar a Lei
das escrituras judaicas. Trata-se, na verdade, de judaica, e que o sentido principal da aparição de
um equívoco, porque, conforme apontou o histo- Jesus era, como apregoava Paulo, a expansão da
riador da religião Burton Mack, no início do se- noção de Israel, de forma a incluir os gentios
gundo século a doutrina de Marcião – segundo a (Mack, 1996, p. 259).
qual o Cristianismo só poderia ter sua própria Disso resulta que, se o cristianismo final-
identidade se cortasse todos os laços com os mente tornou-se uma religião mundial, isto
judeus, com suas escrituras e com qualquer coisa dependeu muito mais do sucesso dos apologistas
remotamente relacionada a seu Deus da espada e patrísticos em compatibilizar o Deus das escritu-
da vingança – “foi ouvida em Ponto, Éfeso e Ro- ras judaicas com o Deus do Novo Testamento do
ma. Congregações se formaram, uma escola se que de um presumido empenho (ou sucesso) da
fez, e uma Igreja marcionita se espalhou por todo missão Paulina em livrar os judeus de sua presu-
o império e em direção ao leste. Vilas inteiras tor- mida condição de “povo pária” expandindo a
naram-se cristãs marcionitas, e os marcionitas noção de Israel. Há de se perguntar, entretanto,
desafiaram os teólogos centristas por centenas de por que a visão gnóstica de Marcião foi tão con-
testada no segundo século. Por que tantos pais da
anos” (Mack, 1996, p. 253, grifos meus).9
Igreja reagiram à sua doutrina de forma tão vigo-
Sendo Weber tão excepcionalmente erudito,
rosa, mesmo após sua morte? Por que, em outras
ele certamente sabia que o cristianismo marcioni-
palavras, eles insistiram em se manter ligados às
ta havia se difundido. Por alguma razão, entre-
escrituras judaicas, a despeito de todas as incon-
tanto, ele ignorou este fato. Se não o tivesse feito,
sistências, de um ponto de vista teológico, que tal
ele não teria descrito a missão Paulina da forma
decisão poderia acarretar?
como o fez, isto é, como um empreendimento tão
A visão que o cristianismo forjou a respeito
excepcionalmente bem-sucedido e decisivamente
do seu próprio desenvolvimento levar-nos-ia a
importante. Ele não teria afirmado, por exemplo,
responder que as escrituras judaicas tinham que
que o trabalho missionário de Paulo “ergueu uma
ser mantidas para que se tornasse compreensível
cerca robusta contra toda intrusão do intelectua-
o sentido da morte e da ressurreição de Jesus. Esta
lismo grego, especialmente o gnóstico” (Weber,
não é, entretanto, uma resposta muito boa, se
1965 [1922], p. 259). A força exibida pelas doutri-
tivermos em mente que no segundo século, e
nas teológicas de Marcião e Valentim no início do
mesmo nos séculos subseqüentes, era perfeita-
segundo século leva-nos a duvidar de que uma mente possível compreender o sentido da morte e
“cerca” de tal natureza tenha sido erguida algum da ressurreição de Jesus nos marcos do arcabouço
dia. Em conseqüência, se o cristianismo conse- gnóstico trazido a Roma por teólogos como Va-
guiu forjar, para si próprio, a imagem de uma reli- lentim. Portanto, a profecia hebraica não era
gião que superou o judaísmo no plano teológico, necessariamente imprescindível para a validação
isto não ocorreu, como a linha weberiana de do argumento de que Jesus morreu e ressuscitou
raciocínio nos levaria a pensar, por causa do tra- por alguma boa razão teológica.11 Por que, então,
balho (supostamente emancipatório) da missão de a insistência em manter o laço com o judaísmo?
Paulo.10 Ao contrário, isto foi o resultado de um
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2 Essas considerações levantam uma questão


absolutamente crucial: como foi possível aos cris-
Até meados do segundo século, o cristianis- tãos criar tal passado teológico para si próprios de
mo não havia ainda conseguido forjar sua unida- forma a permitir que o cristianismo finalmente
de. Faltava-lhe uma voz unânime, ou algo próxi- pudesse alcançar sua unidade e encontrar seu
mo disso, pois as igrejas ditas cristãs se achavam lugar no Império? Devo dizer prontamente que
bastante espalhadas, funcionando cada qual a seu isso nada tem a ver com o trabalho missionário de
modo, com seus respectivos bispos desfrutando Paulo. Afinal, mesmo tendo Paulo pregado por
de grande autonomia. Nessa época, um grande toda a Grécia, quase um século após sua morte
número de novos líderes começou a afluir para ainda continuava difícil para um grego com-
Roma. Era o início de um processo que se esten- preender sua pregação: o que poderia ser, por
deria por mais de cem anos (Webb, 1998). Mar- exemplo, um deus martirizado, ou uma ressurrei-
cião e Valentim foram dois dos primeiros líderes ção corpórea, ou uma nova ordem mundial advin-
a chegar. Ambos imaginavam que a unidade cris- da desta ressurreição? (Mack, 1996, pp. 262ss.).
tã só poderia ser obtida se o cristianismo pudes- Esta “conversa” cristã certamente soava tola se
se ser visto como uma novidade, isto é, como comparada com a sabedoria produzida pelas esco-
uma nova maneira de pensar a respeito de Deus, las clássicas de filosofia grega. Havia, então, uma
dos seres humanos e do mundo. Este clamor por difícil missão a ser cumprida: mostrar aos gregos
novidade foi sedutor por algum tempo, mas, a que tudo o que os cristãos diziam fazia sentido até
partir de certo momento, mesmo nos termos dos próprios gregos. É aqui
que Justino, o mártir, o apologista patrístico men-
[...] ficou claro que a própria idéia [gnóstica] dos
cristãos serem uma “raça” nova, filhos de um cionado na sessão introdutória deste artigo, que, a
Deus completamente novo e tornado conhecido exemplo de Marcião e Valentim, deixou sua terra
em tempos recentes por meio de um mensageiro natal (a Samária) para se dirigir a Roma, entra em
vindo de um outro mundo, desafiava frontalmen- cena e, por assim dizer, a “rouba”. É melhor dei-
te toda sensibilidade cultural e toda convicção xar que o historiador Burton Mack diga qual foi o
filosófica no mundo greco-romano (Mack, 1996,
extraordinário feito teológico de Justino:
p. 161).
Olhem para nós [os cristãos] e nosso elevado
Para resumir uma longa história, Marcião e padrão moral, Justino disse, e vejam vossas próprias
Valentim estavam apresentando o cristianismo orgias e festivais de bebedeira. Alguma coisa deve
como uma novidade, e havia ficado claro que estar errada com vossos deuses e deusas. Olhem
“novidade não era um sinal de sabedoria no para eles: orgulhosos, invejosos, licenciosos e trai-
çoeiros. Certamente não foi com eles que vossos
mundo greco-romano. O que as pessoas queriam
filósofos aprenderam sobre a virtude. Sabem de
era uma sabedoria enraizada em tempos antigos e onde vem a sabedoria de vossos filósofos? Ela vem
digna da história ilustre de seu próprio povo e de Moisés. Foi lendo Moisés que eles descobriram
cultura” (Idem, p. 261).12 O homiliasta J. Webb a sabedoria (sophia) e a razão (logos) de Deus, a
expôs esse mesmo ponto de vista de uma manei- qual criou o mundo e continua a mantê-lo. E um
ra que vale a pena reproduzir: deles, Sócrates, estava mesmo disposto a morrer
pela verdade. Ora, que grego já se dispôs a morrer
[...] tanto para a mente romana como para a grega por Sócrates? Agora vejam o caso de Jesus. Ele não
uma religião “nova” não era algo que merecesse apenas conhecia o pensamento (logos) de Deus
muito crédito. Para ser respeitada e amplamente como os filósofos o conhecem, mas o conhecia
aceita, uma religião tinha que ser antiga, tinha como filho de Deus, ou sua auto-expressão (logos)
que ter raízes no passado, de preferência em um pessoal. E revelou a sabedoria e o pensamento de
passado remoto. Em certo sentido, isto se tornou seu Pai pela maneira como viveu, como a própria
a pedra de toque do impulso cristão para “criar” encarnação da mensagem (logos) do Pai para nós.
um passado para si próprio, não só na acepção Em decorrência, vejam quantos cristãos estão dis-
histórica do termo [...], mas, sobretudo, na acep- postos a morrer por ele. Esta é então a sabedoria
ção teológica, isto é, um passado cuja origem adequada tanto para um filósofo como para um teó-
remontasse à própria mente de Deus (1998, p. 3). logo (Idem, p. 263, grifos do autor).
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Os filósofos gregos obtiveram acesso à sabe- Justino desenvolveu o argumento de que Jesus
doria e à razão divina por intermédio de Moisés! estava presente o tempo todo. As escrituras
Mas, e quanto a Moisés? Como ele próprio obte- hebraicas versavam sobre Jesus, afinal. Assim,
tudo o que se fazia necessário era encontrar as
ve sua sabedoria? Teria sido por intermédio de
referências a Jesus – por mais escondidas ou vela-
Deus, cuja voz escutava em certas circunstâncias, das que estivessem – e segui-las até o final. As
como os judeus estavam acostumados a pensar? profecias hebraicas, e havia muitas, não eram,
Não, responde Justino. Moisés adquiriu sua sabe- então, o que aparentavam; o que elas verdadei-
doria ouvindo, não a Deus diretamente, mas ao ramente faziam era anunciar a chegada de Jesus.
“primeiro logos criado por Deus”,13 isto é, o filho A “palavra” de Deus que já se ouvia desde
Abraão, Isaac e Jacó era, na verdade, a voz de
de Deus. Quando, por exemplo, lemos Êxodo
Jesus. Nessa perspectiva, Marcião, com sua obsti-
3:2-10, imaginamos que a voz que Moisés escuta nada rejeição das escrituras hebraicas, constituía
– vindo da “sarça ardente”, dizendo: “Eu sou o um obstáculo para o desenvolvimento do cristia-
Deus de seus pais, o Deus de Abraão, o Deus de nismo. Não se tratava de rejeitar o judaísmo, mas
Isaac e o Deus de Jacó” (Ex; 3:6); “Eu vi, eu vi a de rever a história judaica de tal forma que ela
miséria do meu povo que está no Egito” (Ex; 3:7) culminasse em Jesus, e não no estabelecimento
etc. – é a do próprio Deus. Mas Justino não pensa de um estado judeu sediado em Jerusalém. Isto
significava rearranjar as escrituras hebraicas de
assim. “Quando Deus fala, ai de nós!, não é mais
forma tal que o último livro fosse o de Malaquias,
Deus quem fala”, teria dito Justino se pudesse ter em vez das Crônicas. Significava também criar
lido Schiller.14 Como não pôde, recorreu a Isaias uma teologia que sustentasse que o Deus e Pai de
1:3 (“mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo Cristo era o mesmo “Deus” que havia tentado, em
não é capaz de me entender”) para provar que a vão, conduzir o povo judeu por séculos (Webb,
voz que se dirigia a Moisés não podia ser a de 1998, p. 3).15
Deus mas, sim, a de Jesus.
Estamos, portanto, diante de um épico no Sugiro que essa teologia, constituída a partir
qual um Jesus etéreo fala a um Moisés de carne e do empenho dos teólogos do segundo século,
osso, cuja pregação é a fonte da sabedoria da filo- notadamente de Justino, em transformar o passa-
sofia clássica grega! Este foi o grande feito teoló- do judaico em um passado cristão mediante o
gico e filosófico de Justino (Mack, 1996, pp. 259- argumento de que o povo judeu foi incapaz de
273). O cristianismo precisava de um passado realizar, ou mesmo de perceber, aquilo que seus
teológico. Justino lançou as bases para que tal próprios profetas haviam anunciado, e hoje
passado pudesse ser criado ao fazer de Moisés conhecida pejorativamente, até mesmo pelos pró-
um personagem da história do cristianismo; ao prios cristãos, como “teologia da superação”, é o
converter o passado judaico em um passado cris- empreendimento intelectual que, desde os escri-
tão, isto é, ao encontrar uma maneira de ler a his- tos seminais de Max Weber, se encontra na base
tória de Israel como a história do Deus cristão; de toda discussão sociológica a respeito do pro-
como uma história que contava como o épico cesso de racionalização ocidental. Afinal, se tal
cristão e não como o épico de Israel, o qual apon- empreendimento não tivesse sido bem-sucedido,
tava em direção ao estabelecimento de uma teo- não teria sido possível atribuir às missões de Pau-
cracia judaica em Jerusalém (Idem, p 268). No lo, ocorridas quase três séculos antes, a impor-
coração de todo esse empreendimento estava tância teológica e histórica que retrospectivamen-
uma única palavra: logos, te se lhes atribuiu e, conseqüentemente, não teria
também sido possível atribuir a essas missões o
[...] a noção grega que escorregou, quase que papel tão crucial (na evolução da ética ocidental)
incidentalmente, para o Evangelho de João, bem que Weber, Parsons e, recentemente, Schluchter
no início do segundo século. O logos de João lhes atribuíram. Assim, sem o alicerce propiciado
revelava a “mente de Deus”, assim argumentava
por essa teologia, que sentido poderia fazer a tese
o evangelho; ademais, palavras similares a logos –
“a mente de Deus” – estavam espalhadas por weberiana de que a profecia hebraica trazia em
todas as escrituras hebraicas, a começar dos lon- germe certas concepções inovadoras (como, por
gínquos mitos da criação, presentes no Gênesis. exemplo, o próprio monoteísmo), cujas potencia-
116 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

lidades éticas o povo judeu, em razão de sua con- um homem “fraco, como uma criança e, portanto,
dição de pária, não foi capaz de desenvolver e, inconstante em sua vontade e sujeito a pecados,
portanto, foi necessário que o judaísmo farisaico isto é, à desobediência ao criador paterno” (Weber,
viesse a ser substituído, ou superado, pelo cristia- 1952, p. 400). Em resumo, o que havia sido supe-
nismo Paulino, para que tais potencialidades pu- rado era uma ética religiosa que demandava,
dessem, de fato, ser desenvolvidas? Ou, ainda, sobretudo, “uma obediência de criança ao monar-
como compreender a grande admiração de Weber ca do mundo” (Idem, ibidem). Em um contexto
por Paulo e seu trabalho missionário? – admiração inteiramente diferente, Weber faz referência a um
que, diga-se de passagem, torna-se particularmen- padrão de conduta que “não consiste em uma sis-
te nítida se atentarmos para o fato de Weber ter tematização vinda de dentro, irradiando a partir
identificado, no episódio de Antioquia (Gálatas, de um centro que o próprio indivíduo logrou
2:11), onde Paulo, em contraste com Pedro, sen- estabelecer” (Idem, 1965 [1922], p. 190). Seu alvo,
tou-se à mesa com os gentios, um dos três ao fazer tal afirmação, não foi os fariseus, mas sua
momentos chaves da história da cultura ocidental linha de raciocínio autoriza-nos a afirmar que ele
(Weber, 1993, pp. 322-323).16 lhes atribuiria, também, tal padrão heterônomo,
Da mesma forma, pode-se perguntar se sem infantil de conduta. Além disso, Weber mostra-se
o lastro proporcionado por essa teologia, a socio- bastante agradecido a Paulo por ter este último
logia de matriz weberiana poderia ter formulado oferecido aos seres humanos uma oportunidade
a tese de que o advento do cristianismo significou (que só viria a ser verdadeiramente aproveitada
uma “revolução de valores últimos”,17 ou sugerido um milênio e meio mais tarde, pelos protestantes
que as missões Paulinas purgaram a Torá “de calvinistas) de se comportar autonomamente,
todos os aspectos da ética imposta por ela que como se espera de um adulto.
ritualmente caracterizam a posição especial dos Mas, devemos mesmo ser tão agradecidos a
judeus como um povo pária” (Weber, 1952, p. 4) Paulo? Alguns sociólogos têm se apoiado nos
ou, ainda, postulado a existência de uma “ética ombros de Weber para dar a entender que sim.
cristã do dia-a-dia” (Idem, ibidem), moldada a Schluchter, por exemplo, em seu já citado livro
partir do universalismo Paulino, que teria substi- Rationalism, religion and domination, sugere
tuído, ou superado, uma ética farisaica dual, ba- que a passagem de Paulo significou uma “revira-
seada em tabus, peculiar à existência pária dos volta dos valores tradicionais” – por “tradicionais”,
judeus, exemplificada pelo comportamento de é importante esclarecer, Schluchter quis dizer,
Pedro no episódio de Antioquia. Seria viável tudo exatamente, farisaicos. Nos marcos do “arcabou-
isso à margem da teologia cristã da superação? ço tradicional”, Schluchter argumenta, “havia a
‘lei’ controlando o espírito’; agora é o ‘espírito’
que controla a ‘lei’.” Essa transição, de acordo
3 com ele, “levou à flexibilidade na aplicação das
normas” (Schluchter, 1989, p. 206). Há de se inda-
Minha resposta é, evidentemente, não. Para gar, entretanto, se alguma “reviravolta” ocorreu
justificá-la, vou iniciar relembrando a tese de We- mesmo em razão da passagem de Paulo e, em
ber, exposta no Ancient Judaism, de que graças caso afirmativo, se consistiu, como afirmou Schlu-
ao trabalho missionário de Paulo foi possível sur- chter, em uma “reavaliação da relação entre ‘espí-
gir uma “ética cristã do dia-a-dia” ao final do pri- rito’ e ‘lei’ de forma a proporcionar novos meios
meiro século, em substituição à então prevale- de conceber a natureza da ‘lei’ e o alcance de sua
cente ética farisaica. Weber não diz (no Ancient validade sem, entretanto, anulá-la” (Idem, pp.
Judaism) em que exatamente consistia essa ética 206-207). Curiosamente, há teólogos cristãos (e
que acabara de surgir, mas é muito claro a res- judeus também, naturalmente) que não só nega-
peito do tipo de ética que havia sido superada: riam que tal “reavaliação” tenha ocorrido (porque,
tratava-se da tradicional “ética da retribuição”,18 na verdade, nada havia para ser “reavaliado”)
característica das “classes não-privilegiadas”, e como, também, não parecem ter por Paulo, o
que, no caso específico dos fariseus, pressupunha suposto arquiteto dessa suposta “reavaliação”, tão
A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO... 117

elevado apreço. Deixemos que um deles, o teó- ela é freqüentemente composta “por um conjun-
logo protestante Lloyd Gaston, fale por si: to de prescrições e proibições heterogêneas, deri-
vadas dos mais diferentes motivos e ocasiões.
A abolição da Lei por Paulo é o que mais tem Nesse conjunto, há pouca diferenciação entre exi-
aborrecido não só os intérpretes judeus, mas a gências importantes e sem importância; qualquer
quem quer que tenha algum conhecimento sobre
infração da ética constitui pecado” (Weber, 1965
o conceito de Torá nos escritos judaicos. Não é
tanto a invectiva de Paulo o que incomoda, mas [1922], p. 44). A afirmação de Weber, à qual já fiz
sua ignorância. Para quem compreende o judaís- alusão, de que “no Antigo Testamento a idéia de
mo rabínico, os ataques de Paulo são não apenas ‘salvação’, prenhe de conseqüências, ainda tem o
injustos, mas totalmente fora de propósito. Os significado racional elementar de liberação dos
rabinos nunca falam da Torá como um meio de males concretos” (Idem, ibidem), conjugada com
salvação, e quando falam em salvação, se é que o
sua insistência em enfatizar o caráter “tabuístico”
fazem, o modo da Torá, “que é a vossa vida” (Dt:
32:47), é esta salvação. O zelo ético dos rabinos
do judaísmo farisaico, autoriza-nos a inferir que
torna-se ainda mais fervoroso em razão de acredi- Weber incluiria a ética religiosa farisaica nesse
tarem que os mandamentos expressam a vontade estágio primitivo.
de Deus para o bem de Israel, mas eles jamais Mas ética religiosa é algo que evolui. Isso
podem, por isto, ser tachados de legalistas. Fé e ocorre quando após algum tempo passa a haver
obras jamais podem ser vistos como opostos, pois um melhor entendimento a respeito de o que
cada um se tornaria sem sentido sem o outro. A lei
constitui um pecado ou o que conta como uma
não é sentida como um fardo (quando o é, é
modificada), e a frase característica é “o júbilo dos exigência ética importante. Nesse caso, uma trans-
mandamentos”. Longe de ser um estímulo ao formação radical pode acontecer: o desejo racio-
pecado, ou a maldição da condenação, a lei é o nal de assegurar prazeres pessoais para si próprio
meio misericordioso de Deus ajudar as pessoas a realizando ações que agradem a Deus pode ser
superar seus “impulsos malignos”. Não há qual- substituído por uma concepção do pecado como
quer indicação de que Paulo fosse ciente de que o poder unificado do antidivino em cujas garras o
muitas das leis dizem respeito aos meios de arre-
homem pode cair. Na medida em que tal substi-
pendimento, os quais pressupõem o pecado
humano, mas, em contrapartida, proclamam o per- tuição ocorre, a “bondade” começa a ser vista
dão divino. É extremamente significativo que o como uma capacidade integral para uma atitude
conceito de arrependimento, tão central tanto para de santidade, como também para um comporta-
a teologia rabínica como para a doutrina de Jesus, mento consistente derivado de tal atitude. Este é o
nunca ocorra em Paulo. Como G. F. Moore obser- estágio mais racionalizado que uma ética religiosa
vou: “o fato de um judeu com os antecedentes de pode alcançar, especialmente se durante a transi-
Paulo ignorar, e por implicação negar, a grande
doutrina profética do judaísmo, a saber, que Deus,
ção se desenvolve “uma esperança por salvação
a partir do amor, livremente perdoa o pecador sin- concebida como um anseio irracional por ser bom
ceramente penitente e o restaura para sua prote- sem ganhar nada com isto, a não ser a própria
ção, parece, de um ponto de vista judaico, inex- consciência gratificante de sê-lo” (Idem, ibidem).
plicável (Gaston, 1987, pp. 18-19). A expressão “o modo da Torá”, na citação
acima, refere-se exatamente a esta “atitude de
Devo deter-me na expressão “o modo santidade” que acabo de mencionar, em conjunto
da Torá” porque ela aponta para algo que a linha com o “comportamento consistente” dela deriva-
de raciocínio de Weber nos impediria de entre- do. Em outras palavras, refere-se exatamente a
ter, a saber, a existência, entre os fariseus, daqui- algo que Weber supôs inconcebível entre os fari-
lo que Weber, ele próprio, chamou de “um seus: uma ética altamente racionalizada, caracteri-
padrão de conduta que seja uma sistematização zada por “um anseio irracional” por seguir os
vinda de dentro, irradiando a partir de um cen- mandamentos meramente por segui-los. Que
tro que o próprio indivíduo logrou estabelecer”. tenha surgido, contra as expectativas de Weber,
Fiel à sua abordagem “desenvolvimentalista”, tal forma racionalizada, sublimada, de piedade
Weber concebia vários estágios no desenvolvi- entre os fariseus, é algo que pode ser entendido
mento da ética religiosa. Em um estágio primitivo, se nos detivermos em uma breve asserção dele
118 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

próprio em Ancient Judaism, a saber, que uma mos), não haveria diferença entre a perspectiva
“esperança messiânica [...] foi por toda parte man- de Weber e a de Neusner sobre a religiosidade
tida pelos fariseus” (Idem, 1952, p. 390). Isto é farisaica. Acontece, entretanto, que o anseio por
verdade, naturalmente, mas deve-se perguntar um redentor, tal como descrito na citação acima,
que tipo de esperança messiânica era esta. Pre- já não é mais uma característica do judaísmo fari-
tendo mostrar que uma vez entendida a natureza saico desde o final do primeiro século.19 Devo pas-
da esperança messiânica farisaica ficará imediata- sar a palavra a Neusner novamente:
mente claro o quanto Weber se equivocou ao
supor impossível uma ética racionalizada entre os Quando chegamos ao primeiro século da era co-
mum, assistimos a uma mudança radical da natu-
fariseus e o quanto Schluchter errou o alvo ao
reza da esperança messiânica farisaica. Quem
propor, ancorando-se em Weber, que o advento quer que seja familiarizado com os evangelhos
dos primeiros movimentos cristãos significou uma não se surpreenderia em saber da grande e viva
“reviravolta dos valores tradicionais”. expectativa, prevalecente entre alguns grupos, da
Retomemos, então, à questão-chave: qual a chegada do Messias. As pessoas que fixam sua
natureza da esperança messiânica mantida pelos atenção em eventos de seu próprio tempo, cujos
fariseus? Weber responderia que se trata da “espe- desdobramentos são catastróficos, esperam, natu-
ralmente, por um futuro melhor. Tal expectativa
rança racional elementar de liberação de males
constitui, então, um contexto para o mito messiâ-
concretos”, característica de toda “religiosidade de nico. Mais surpreendente, entretanto, foi o desen-
retribuição”. Receio, entretanto, que esta não seja volvimento, entre o povo de Israel, de uma segun-
uma boa resposta. Para explicar isso, devo recor- da resposta à história, de natureza radicalmente
rer aos escritos de um estudioso ímpar do judaís- distinta. Trata-se da resposta daqueles preparados
mo farisaico, o teólogo Jacob Neusner: de uma vez por todas para transcender os even-
tos históricos e se despedir das guerras e rumores
Os autores do Levítico e do Deuteronômio, dos de guerra, da política e da vida pública. Essas pes-
livros históricos de Josué a Reis, e a literatura pro- soas, após 70 d.C. [ano da destruição, pelos roma-
fética concordavam que quando Israel fazia a nos, do segundo templo de Jerusalém], empenha-
vontade de Deus, era recompensado com paz, ram-se em construir uma nova realidade, para
segurança e prosperidade; quando desobedecia, além da história, que enfocava o significado dos
era punido pelas mãos de reinos poderosos que afazeres comezinhos da vida cotidiana. A sabedo-
surgiam como instrumentos da ira divina. Esse ria compilada na Mishnah não mostra covardia,
modo de conceber o significado da vida israelita nem passividade diante de eventos catastróficos,
levantou a questão: por quanto tempo? Quando mas o início de um novo modo de ser. Os sábios
os grandes eventos da história conheceriam seu resolveram exercer uma liberdade não controlada
clímax e conclusão? A esperança pelo Messias – pela história [...]. Eles empreenderam uma busca
o ungido de Deus, que redimiria o povo e o colo- pela eternidade no aqui e agora; lutaram para
caria no caminho para sempre, acabando, dessa estabelecer uma sociedade capaz de se manter em
forma, com as vicissitudes da história – surgiu meio à mudança e à tensão. Na verdade, esta era
como uma resposta para essa pergunta (1991, p. uma nova interpretação do significado da história.
10). As nações do mundo supunham que “faziam” a
história e que suas ações importavam. Mas esses
Esta passagem poderia muito bem ter sido sábios sabiam que Deus faz a história, e que é a
realidade formada em resposta à vontade de Deus
escrita pelo próprio Weber. Afinal, o que mais ela
que conta como história [...]. Esta nova concepção
oferece senão uma bela ilustração daquilo que de tempo e de mudança constituiu o início de
Weber chamou de “religiosidade de retribuição”, uma tradição sacerdotal que mais tarde teve con-
caracterizada por uma “obediência de criança” a tinuidade no judaísmo chamado rabínico ou tal-
um monarca celestial todo-poderoso que um dia múdico (Neusner, 1991, pp. 10-11, grifos meus).
apontará (ungirá) aquele que livrará seu povo dos
“males concretos” que sempre o afligiram? E, de O contraste entre este longo excerto e aque-
fato, se não fosse pela expressão “uma resposta”, le igualmente longo de Weber, reproduzido na
a qual sugere que pode ter havido pelo menos sessão introdutória deste artigo, não poderia ser
mais uma (como de fato houve, conforme vere- maior. Ambos referem-se ao judaísmo farisaico do
A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO... 119

primeiro século.20 Entretanto, enquanto Weber vê Tudo isso está claramente em desacordo com
um judaísmo “tardio”, ou mesmo esgotado, enges- a tese weberiana, realçada por Schluchter, de que
sado em centenas de prescrições rituais e tabus, e a “judiaria da diáspora” constituía uma “comu-
em boa hora sendo substituído por uma forma nidade especial, fechada para o mundo exterior
mais “flexível” (como o diria Schluchter) e “eman- através de barreiras rituais” e “com baixa capaci-
cipatória” de religiosidade, representada pelo cris- dade de difusão” (Schluchter, 1989, p. 199). Em
tianismo Paulino, Neusner, cuja linha de raciocínio resumo, a tese weberiana, muito pouco discutida
não se desenvolveu sob o guarda-chuva da teolo- na literatura sociológica, de que os judeus consti-
gia cristã da substituição, vê um judaísmo que está tuem um povo pária, escravizado por um legalis-
apenas começando. Nesse novo judaísmo, renas- mo que foi abolido pelo trabalho missionário de
cido das cinzas do Segundo Templo, um certo tipo Paulo, não faz justiça às relações de fato existen-
de esperança messiânica, ou um certo modo de tes entre judeus, pagãos e cristãos nos primeiros
experimentar e interpretar os grandes eventos, que séculos da era comum. Em relação a tudo isso,
pode ser chamado histórico, foi substituído por ou- vale a pena mencionar que o próprio Schluchter
tro, que pode ser chamado meta-histórico. O mo- contestou, ainda que de forma bastante tímida, a
do histórico enfatiza a importância intrínseca dos tese weberiana do povo-pária, ao afirmar, valen-
eventos e se interessa por seu peso e significado. do-se de um livro publicado em 1937 (Causse,
Nesse sentido, ele reivindica conhecer “o segredo 1937), que se trata de “uma projeção retrospectiva
da história, a época da salvação e o modo pelo da fase do desenvolvimento medieval sobre a anti-
qual podemos nos redimir” (Idem, p. 11). O modo guidade” (Schluchter, 1989, p. 178).22
meta-histórico, em contraste, ignora os grandes Mas, contestar este caráter de povo pária
eventos e realça, em contrapartida, a “construção que Weber atribui aos judeus é vislumbrar no
de um modo de ser eterno, imutável neste mundo, arcabouço religioso judaico alguma possibilidade
capaz de pairar acima das vicissitudes da história” de inclusão de não judeus. Seria, entretanto, con-
(Idem, p. 12). cebível tal inclusão? Em outras palavras: teria o
Nos marcos desta imagem do judaísmo fari- arcabouço religioso judaico um alcance universal?
saico como um modo meta-histórico de abordar a
vida, no qual a atenção do fiel é dirigida para o
“significado último contido nos menores e mais 4
modestos afazeres” (Idem, p. 11), nada haveria de
surpreendente em ouvir, por exemplo, do histo- Dentre os livros da Bíblia hebraica que
riador fariseu Flávio Josefo (37-100 d.C.), que mereceram de Weber uma atenção especial, há
um diretamente endereçado a essa questão.
[...] muitos povos, e desde muito tempo, mostram Refiro-me ao livro conhecido por Deutero-Isaias
um grande interesse por nossas práticas piedosas. (Isaias 40-55). Weber tinha por este livro o mais
Não há uma só cidade grega e nem um povo bár-
elevado apreço, por supor que seu autor, diferen-
baro para onde não se tenham estendidos nossos
costumes do repouso semanal e onde não se temente de todos os outros profetas bíblicos, não
guardem os jejuns, as lamparinas acesas e muitas estava preocupado meramente com o futuro de
regras a respeito da comida (Contra Apião Israel; “o problema” desse autor anônimo, Weber
2:282).21 enfatizou, era “a teodicéia do sofrimento de Israel
na perspectiva universal de um governo mundial
Da mesma forma, não ficaríamos surpresos sábio e divino” (Weber, 1952, p. 375). Assim,
de ouvir que “durante toda a antiguidade, os Deutero-Isaias é, para Weber, um livro único por-
pagãos, os judeus e vários cristãos continuavam a que traz consigo uma “teodicéia do sofrimento”,
se misturar nas sinagogas; a se encontrar em e- de acordo com a qual Deus possui um plano
ventos culturais e cívico-esportivos; a se encontrar sagrado para todo o mundo, e não somente para
em cerimônias oficiais e nos banhos [...]. Esta cone- o benefício de Israel.
xão cultural perdurou mesmo após a conversão de De acordo com Weber, o autor anônimo de
Constantino” (Fredriksen e Lieu, 2004, pp. 88-89). Deutero-Isaias via na experiência devastadora do e-
120 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

xílio babilônico nada mais que um meio (na verda- da mesma forma que uma ética do dia-a-dia era
de, o mais importante) para a realização do plano essencialmente “plebéia” por causa de sua afini-
sagrado de Deus. Em outras palavras, Deus tinha dade com esse estrato [...]. A justificação do sofri-
mento tinha um apelo particular ao estrato ple-
um plano para toda a humanidade cuja realização beu, ao pobre e humilde, que acreditavam ser
só seria possível se Israel fosse “purificado”. piedosos e justos. A moralidade profética não po-
Sendo este o caso, o destino ignominioso de Israel deria ser aceita por um nobre militante, um rico
era apenas um meio de purificação: “Yahweh não proprietário de terra ou em uma corte principes-
purifica seus fiéis ‘como se refina a prata’”, afirma ca. Entretanto, isto é uma visão equivocada, in-
fluenciada pela idéia defendida por Nietzsche,
Weber, parafraseando Isaias 48:10, “mas o torna
em A genealogia da moral, de que a moralidade
seu ‘povo escolhido’ na ‘fornalha da aflição’” defendida pelas doutrinas proféticas tem um cará-
(Idem, p. 371). Assim, enquanto a pregação pro- ter plebeu, ou constitui a fonte de uma religiosi-
fética hebraica pré-exílio supunha que o sofri- dade cultivada por grupos de status que têm uma
mento fosse meramente uma punição pelo peca- existência pária. Os estratos mais baixos – argu-
do, ou uma advertência para fazer penitência, em mentaram Nietzsche e Weber –, particularmente
os pobres e os expropriados, quando não reco-
Deutero-Isaias esse padrão foi amplamente supe-
nhecem a astúcia e a fraude como armas legíti-
rado por uma valorização do sofrimento per se mas em sua luta pela sobrevivência, tornam-se
como um meio de obter salvação. Na medida em piedosos e celebram a humildade e a subjugação
que Deutero-Isaias “glorifica o sofrimento imere- como virtudes morais em si mesmas. Nietzsche
cido” como um meio de cumprir uma missão so- rejeitou esta “moralidade de escravos” como uma
teriológica, este “livro extraordinário”, como forma disfarçada de ressentimento. Entretanto, a
moralidade profética era revolucionária e heróica.
Weber a ele se referiu, encerra a “ética específica
Ela protestava contra a subjugação social e eco-
da humildade e da não-resistência revivida no nômica, como também contra toda ausência de
Sermão da Montanha” (Idem, p. 376). poder que colocava alguns homens nas mãos de
Se é verdade que Deutero-Isaias encerra outros. O sofrimento que resultava da opressão
uma “ética específica da humildade e da não- social não era celebrado. O livro Deutero-Isaias
resistência”, cabe perguntar de que tipo de aclamava o sofrimento como um serviço prestado
à causa divina para acelerar a salvação. Convictos
“humildade” e de “não-resistência” está se falan-
de que representavam a causa de Deus, os profe-
do. Será da “humildade” e da “não-resistência” tas foram capazes de enfrentar os poderosos. Em
revivida no Sermão da Montanha, como Weber o períodos posteriores, quando a luta aberta se reve-
asseverou? Receio que não. A humildade e a não- lou impossível, a paciência heróica tornou-se a
resistência apregoada no Sermão da Montanha característica do povo judeu (Idem, pp. 221-222).
encerra uma esperança messiânica totalmente
desconectada de preocupações nacionais e políti- Se a ética da “humildade” e da “não resis-
cas. Em decorrência, o reino da terra é separado tência” apregoada em Deutero-Isaias foi de algu-
do reino divino, algo inaceitável para toda a lite- ma forma “revivida” em uma época posterior,
ratura profética, que sempre “coloca sua esperan- como Weber o sugeriu, seria muito mais apro-
ça na dinastia de Davi e na restauração de um priado dizer que ela foi revivida na forma da
reino justo e bem-sucedido” (Shmueli, 1968, p. “heróica paciência” mencionada acima, do que na
221). Portanto, ao sugerir que o Sermão da Mon- forma de uma “glorificação do sofrimento imere-
tanha “revive” a prédica do autor anônimo de cido” tal como expressa no Sermão da Montanha.
Deutero-Isaias, Weber está ignorando o fato Afinal, “paciência heróica” é claramente algo que
de que a “humildade” e a “não-resistência” apre- diz respeito ao modo meta-histórico de abordar a
goadas em Deutero-Isaias estão relacionadas com vida – o qual enfatiza o significado último dos a-
a elevação do reino terrestre, e não com sua nega- fazeres comezinhos da vida cotidiana –, caracterís-
ção. É conveniente recorrer, para explicar melhor tico, conforme vimos, do judaísmo após a queda
essa questão, a um estudioso do assunto, o já do segundo templo, enquanto a “glorificação do
mencionado scholar Efraim Shmueli: sofrimento imerecido” é algo que diz respeito ao
Weber afirmava repetidamente que a doutrina modo histórico, ou messiânico, de abordar a vida
profética atingia, sobretudo, um estrato “plebeu”, – o qual enfatiza a importância dos grandes even-
A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO... 121

tos. Mas Weber não enxergou essa diferença. O permite aos não-judeus relacionar-se com Deus à
que ele viu foi um modo “humilde” e “não-resis- sua própria maneira, que lhe autoriza ter sua
tente” de ser, sendo, em um primeiro momento, maneira particular de relacionar-se com Ele atra-
assumido pelos judeus – acarretando, para os vés da aliança do Sinai. Mas, para ser considera-
mesmos, uma “conseqüência fatal”: “a glorificação do um “justo”, é necessário manter alguma forma
da situação de povo pária e sua perseverança de relacionamento com o Criador, e não pode
nessa situação” (Weber, 1952, p. 375) – e, poste- haver tal relacionamento à margem da Torá, co-
riormente, “revivido” por Jesus em seu Sermão da mo também não pode haver Torá à margem dos
Montanha. E, embora Weber não o tenha dito, sua mandamentos (Gaston, 1987, p. 23).
linha de raciocínio autoriza-nos a afirmar que, de Nessa perspectiva, o alcance universal do
acordo com ele, é exatamente por causa de ter judaísmo farisaico estaria em especificar os man-
sido “revivido” no Sermão da Montanha que o damentos aos quais todos devessem se submeter.
projeto, presente em Deutero-Isaias, de colocar a Isto seria possível? Na verdade, não é difícil entre-
teodicéia do sofrimento de Israel na “perspectiva ter uma resposta afirmativa. Conforme vimos, teó-
universal de um governo mundial divino e sábio” logos cristãos contemporâneos como Lloyd Gas-
pôde ser devidamente executado. Assim, mais ton, e não tão contemporâneos como George
uma vez a sociologia de Weber se mostra embe- Foot Moore, mostraram-se surpresos pelo fato de
bida na teologia cristã da superação: se Deutero- Paulo jamais fazer referência à doutrina judaica
Isaias é um livro relevante histórica, teológica ou do arrependimento. Talvez, entretanto, esta omis-
mesmo eticamente, é apenas porque concebeu um são não seja algo assim tão surpreendente se
projeto universalista cuja execução estava condi- tivermos em conta que Paulo se dirigia funda-
cionada à posterior superação do judaísmo pelo mentalmente a uma audiência culturalmente gre-
cristianismo. ga e, por essa razão, o conteúdo de sua pregação
Aparte Deutero-Isaias, há ainda, na perspecti- podia ser baseado em uma parte da Torá que
va de Weber, uma maneira de conferir à Torá um lidava exclusivamente com não-judeus.23 Refiro-
alcance universal, qual seja, purgá-la “de todos me às chamadas leis de Noé, que seriam mais
aqueles aspectos da ética imposta por ela que tarde codificadas por Maimônides. Alguns estu-
ritualmente caracterizam a posição especial dos diosos sustentam que elas formavam o núcleo da
judeus como um povo pária” (Idem, p. 4). Weber, doutrina de Paulo tal como revelada em suas
conforme vimos, supunha que Paulo, por meio de epístolas.24 As leis de Noé são um conjunto muito
seu trabalho missionário, havido realizado tal tare- simples de proibições: à idolatria, a evocar o
fa. Os próprios teólogos, entretanto, não atribuem nome de Deus em vão, ao roubo, ao assassinato,
a Paulo tão extraordinário feito. Não me refiro a à má conduta sexual e à crueldade com os ani-
teólogos judeus, mas aos próprios teólogos cris- mais, acrescidas de um mandamento segundo o
tãos, como Lloyd Gaston, já citado longamente, ou qual se deveria estabelecer tribunais de justiça
Rosemary Ruether, bastante conhecida por ter que assegurassem localmente a observação des-
cunhado a feliz expressão “teologia da superação”. sas proibições. Muitos dos fariseus contemporâ-
Assim, em seu célebre Faith and fatricide, já neos de Paulo já afirmavam que qualquer gentio
mencionado, Ruether observa que enquanto o que pudesse guardar as sete leis de Noé seria um
cisma entre particularismo e universalismo era um justo e, portanto, teria seu lugar “no mundo vin-
problema maior para a Igreja, o judaísmo já havia douro” (Keener, 2005, p. 538). Nessa perspectiva,
encontrado uma solução. Colado no postulado a Torá não precisaria ser transferida para os cris-
fundamental “toda Israel tem uma parte no tãos – ou, como apregoava Weber, ser purgada de
mundo vindouro” (Mishnah Sanhedrin 10:1) está seus traços caracteristicamente judaicos – para
o corolário referente aos “justos dentre as nações que fosse possível lhe atribuir um alcance univer-
do mundo que têm uma parte no mundo vindou- sal. Afinal, ao encerrar as leis de Noé, ela propi-
ro” (Talmude Sanhedrin 13:2 – R. Joshua, fim do cia uma religiosidade sem restrições de laços étni-
primeiro século). Nessa perspectiva, seria exata- cos ou nacionais ao mesmo tempo em que proíbe
mente a perspectiva universalista de Israel que qualquer meio institucionalizado de conceder a
122 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

graça. A razão, aliás, para que o arcabouço des- lógico, mais precisamente, nos marcos da teologia
sas leis fosse tão “magro” (seis proibições muito cristã da superação. Nesse caso, estaremos permi-
simples mais a prescrição do estabelecimento de tri- tindo que uma concepção teológica que vem
bunais locais) é a de que, em seus marcos, o con- sendo crescentemente rejeitada mesmo no inte-
ceito de autoridade religiosa deixava de pertencer a rior do pensamento cristão sirva de quadro de
alguma base institucionalizada e passava a ser referência para a investigação sociológica. Se
posto nas mãos dos indivíduos. Por esta razão, nin- parece ser inevitável que nos movamos no terre-
guém, nem mesmo um rabino, poderia prescrever no da teologia ao estudarmos o impacto sócio-
normas de conduta a, ou ter qualquer autoridade histórico de diferentes doutrinas e práticas reli-
religiosa sobre, um seguidor das leis de Noé. giosas, é melhor que o façamos abertamente.

5 Notas

Nota-se que o argumento aqui desenvolvido


1 Weber enfatiza que este preceito constitui o fun-
envolve uma espinhosa discussão sobre as rela-
damento de todo o significado “especificamente
ções entre o judaísmo e o cristianismo. Entretanto, ocidental de ‘personalidade’”, posto que “é em
penso que a sociologia da religião, a menos que um reino trans-mundano de salvação da transito-
deliberadamente desista de abordar certos temas, riedade que todos os mais elevados interesses da
não pode se furtar a discussões de tal natureza – Ásia estão postos e, com isto, a ‘personalidade’
por mais espinhosas que se mostrem. Weber pa- também acha seu valor” (Weber, 1960, p. 339).
recia estar ciente da inevitabilidade de discutir no 2 De acordo com Weber, a transformação dos
terreno teológico, como se pode concluir da judeus em um “povo pária” teve início ainda
antes do exílio (586 a.C) e consumou-se com a
asserção de Friedrich Graf, após ter tido acesso à
Restauração judaica, após o exílio (538 a.C), tal
sua correspondência pessoal, de que “nos últimos como relatada nos livros de Esdras e Neemias. A
anos, Weber repetidamente enfatizou que para partir de então, iniciou-se um processo de auto-
ele os interlocutores mais importantes no debate segregação, pois não era mais concedido aos
sobre A ética protestante eram os ‘especialistas’ judeus o direito de se casar com gentios, e os
em assuntos religiosos, os teólogos. Deles somen- casamentos “mistos” já existentes foram desfeitos
por decreto. Ver, por exemplo, Neemias 13:23.
te ele esperava uma ‘crítica frutífera e instrutiva’”
(Graf, 1993, p. 27, grifos meu). 3 Seria conveniente reproduzir o argumento de
Ao permitir que sua discussão sociológica se Weber a esse respeito: “[...] o judeu estabeleceu
como seu ideal ético [...] o intelectual que dedica
deslocasse para o terreno da teologia, Weber deli- a vida ao estudo dos textos sagrados e dos
beradamente incorreu em certos riscos, mas, se comentários [...]. Foi exatamente esse traço inte-
não o fizesse, ele teria que recuar diante de seu lectualista do genuíno judaísmo tardio, com sua
principal tema: o processo de racionalização oci- preocupação com a erudição bíblica, que Jesus
dental. Se é verdade que um momento crucial des- criticou. Sua crítica [foi motivada] pela natureza
de sua fé e por sua maneira peculiar de obedecer
se processo tenha sido, como se tem sugerido des-
a lei, ambas apropriadas a um artesão rural ou a
de Weber, a transição de Saulo, o fariseu, para um habitante de cidade pequena, e ambas cons-
Paulo, o cristão, então é inevitável discutir a natu- tituindo a base da oposição de Jesus aos virtuo-
reza e a real importância dessa transição – algo sos do conhecimento da lei, os quais eram nasci-
que não pode ser feito à margem da teologia. As- dos e criados no solo da polis de Jerusalém. Os
sim, se contestamos (como procurei fazer aqui) a membros desses círculos legalistas urbanos per-
guntavam ‘O que pode vir de bom para nós de
tese weberiana de que havia um particularismo
Nazaré?’ – uma pergunta típica de qualquer habi-
legalista farisaico que veio a ser superado pelo tante de cidade grande no mundo clássico”
universalismo peculiar ao pensamento Paulino (Weber, 1965 [1922], p. 253).
estaremos nos movendo no terreno da teologia. 4 A tese de que a transição do Antigo para o Novo
Se, por outro lado, aceitamos essa tese, estare- Testamento significou uma transição da “legalida-
mos, também, nos movendo em um terreno teo- de” para a “moralidade” foi defendida por W.
A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO... 123

Schluchter (1981, p. 69; 1989, especialmente pp. evidente se lermos a História eclesiástica, de
197ss.). Eusébio, bispo da Cesaréia. Assim, o livro 1, capí-
tulo 4:1, diz: “Mas para que ninguém suponha
5 Na verdade, Weber admite uma honrosa exceção.
que sua [a de Jesus] doutrina seja nova e estra-
De acordo com ele, a pregação do autor anôni-
nha, como se tivesse sido elaborada por um
mo do livro conhecido como Deutero-Isaias, ao
homem de origem recente, e em nada diferente
qual oportunamente retornarei, tem um caráter
dos demais, passemos a considerar brevemente
universalista.
essa questão também”; e, o parágrafo 4 deste
6 A obra de Justino resume-se às Apologias I e II e mesmo capítulo afirma: “Mas se somos evidente-
ao Diálogo com Trifão. O cerne do que é hoje mente novos e se este nome de cristãos, novo na
conhecido como “teologia da superação” está verdade, é conhecido somente há pouco tempo
presente no Diálogo com Trifão, escrito por volta por todas as nações, nosso modo de vida e nosso
do ano 150. comportamento, com nossas doutrinas religiosas,
não foram recentemente inventados por nós, mas
7 Ao afirmar que, após a missão de Paulo, “o judeu desde a criação primordial do homem, por assim
poderia realmente livrar-se das antigas promessas dizer, foram estabelecidos pelo entendimento
de seu Deus colocando sua fé no novo salvador, natural dos hebreus, os divinamente favorecidos
que se sentiu abandonado na cruz por aquele de outrora” (Eusébio, Church history, versão ele-
mesmo Deus” (Weber, 1965 [1922], pp. 259). trônica, tradução livre).
Weber está claramente elogiando Paulo por ofe-
recer aos judeus uma oportunidade para abando- 13 Justino, o mártir, Apologia 1:63, apud Mack (1996,
nar o judaísmo. p. 270).

8 Conforme apontou o historiador Burton Mack, 14 O verso de Schiller é “Quando a alma fala, ai de
após a morte de Jesus, “Sectários hassídicos, cul- nós!, não é mais a alma que fala” (ver Munz,
tos locais de mistério, mágicos itinerantes, místi- 1999, p. 20).
cos exegetas, filósofos cósmicos e mistagogos 15 Talvez o leitor não saiba que na Bíblia hebraica o
gnósticos apelavam todos para o nome de Jesus livro de Malaquias situa-se no meio, e o livro de
para validar a fonte ou a verdade de seus respec- Crônicas é o último, por ser o mais tardio. Após
tivos programas” (1996, p. 199). a Bíblia hebraica ter sido transformada no “Antigo
9 A expressão “teologia centrista” é uma invenção Testamento” da Bíblia cristã, o livro de Malaquias
de Mack. Os textos que compõem o Novo Tes- tornou-se o último, em razão do que diz no capí-
tamento foram coletados de acordo com o inte- tulo 3, parágrafo 1: “Eis que enviarei o meu men-
resse de uma forma particular de congregação sageiro para que prepare um caminho diante de
cristã que se formou aos poucos, entre o segun- mim”.
do e o quarto séculos. Ao chamar essa forma 16 Os outros dois momentos são a profecia hebrai-
de cristianismo de “centrista”, Mack quer dizer ca, por ter eliminado a magia, e o milagre de
que “ela se posiciona entre as formas gnósticas Pentecostes, por ter promovido a fraternização no
de cristianismo, por um lado, e formas radicais de espírito cristão.
comunidades Paulinas e espiritualistas, por outro.
Foi o cristianismo centrista que se tornou a reli- 17 Schluchter expôs esta tese da seguinte maneira:
gião do Império sob Constantino, reuniu os tex- “Jesus iniciou uma revolução de convicção, de
tos que hoje conhecemos como o Novo valores últimos, a qual conduziu a uma religiosi-
Testamento e os juntou às escrituras judaicas para dade da fé. Nem a subordinação da ‘lei sagrada’
formar a Bíblia cristã” (1996, p. 6). à ‘sagrada convicção’, a penetração dos conteú-
dos da Torá e da profecia ética [hebraica] pelo
10 A esse respeito, o historiador da religião John mandamento do amor, nem a expectativa da
Crossan foi mais longe, a ponto de sugerir que segunda vinda de Jesus, combinada com uma
Paulo foi mais importante, tanto de um ponto moralidade rudimentar do ressentimento, traduz
de vista histórico como teológico, no século VI o caráter radical dessa transformação. Esta se
do que no primeiro (ver Crossan, 1999, p. xxi). expressa muito mais em uma atitude interna não-
racional de ‘confiança ilimitada em Deus’. Jesus
11 Ver a esse respeito J. Crossan (1999, especial-
buscava uma fé caracterizada pela convicção
mente o capítulo 2).
supra-intelectual. Sua mensagem produziu a uni-
12 A preocupação em apresentar o cristianismo ficação, a simplificação e a internalização do
como uma religião antiga permaneceu extrema- modo religioso de vida. Ela também substituiu o
mente viva até pelo menos o século IV. Isto fica virtuoso da lei pelo virtuoso da fé, produzindo,
124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

assim, uma nova forma de aristocracia sagrada” non/2787/ixcnine.html. Embora a autoria seja
(1989, p. 210). Este excerto levará o leitor desavi- anônima, o Autor oferece a fonte, a obra do rabi-
sado a concluir que o estabelecimento de uma no alemão Jacob Emden (1697-1776), e a infor-
ortodoxia cristã foi algo que se estabeleceu de mação em questão é consistente com as informa-
forma muito fácil. ções obtidas na Encyclopaedia judaica, verbete:
“Jewish Christian Sects”.
18 “[...] a religião judaica tornou-se notavelmente
uma religião de retribuição. As virtudes deman-
dadas por Deus são praticadas apenas para obter BIBLIOGRAFIA
compensação” (Weber, 1965 [1922], p. 112).
19 A bem da verdade, Weber sabia disso. Em The BAECK, Leo. (1958), Judaism and Christianity.
sociology of religion, ele menciona, de passagem, Nova York, The Jewish Publications
“que a espera dos judeus por um governante Society of America.
autoritário, na pessoa do Messias, foi mantida até,
pelo menos, a destruição do Templo por [Tito]” CAUSSE, Antonin. (1937), Du groupe ethnique à
(p. 228). Weber só não se perguntou que tipo de la communauté religieusse: le problème
esperança foi mantida pelos fariseus após tal des- sociologique de la religion d’Israel.
truição.
Paris, Libraire Felix Alcan.
20 Na verdade, desde a destruição do segundo tem-
plo, em 70 d.C., não há outro judaísmo além do
CROSSAN, J. D. (1999), The birth of Christianity.
farisaico. Nova York, HarperCollins.
21 Este livro foi recentemente traduzido para o por- FREDRIKSEN, Paula & LIEU, Judith. (2004),
tuguês, ver Josefo (2006). “Christian theology and Judaism”, in G.
22 A bem da verdade, a tese do povo pária é de R. Evans (ed.), The first Christian theo-
valor duvidoso mesmo em relação à Idade Média. logians: an introduction to theology in
O scholar Ephraim Shmueli deixou isto claro: early church, Londres, Blackwell.
“Até o século XIV, os judeus eram aceitos nas
guildas dos comerciantes e dos artesãos [...]. GASTON, L. (1987), Paul and the Torah.
Apenas no período da peste negra, com as revol- Vancouver, University of British Colum-
tas plebéias contra os patrícios, as guildas de ofí- bia Press.
cio tornaram-se poderosas na Alemanha, excluin-
do os judeus, embora não totalmente nem em GRAF, Friedrich W. (1993), “The German theolo-
todo lugar. Em muitas cidades da Alemanha os gical sources and Protestant church
judeus eram burgueses e empregavam cristãos. politics”, in H. Lehman e G. Roth (eds.),
Eles administravam seus próprios negócios por Weber’s Protestant ethic, origins, eviden-
intermédio de instituições autônomas no âmbito ce, contexts, Cambridge, Cambridge
da comunidade citadina. Esses fatos não são cer-
University Press.
tamente evidência de uma situação de pária”
(Shmueli, 1968, p. 191). JOSEFO, Flávio. (2006), Antiguidades dos Judeus
23 De fato, esta é uma interpretação generosa. Um contra Apião. Curitiba, Juruá.
teólogo judeu como Leo Baeck não se surpreen- JUSTINO. (1995), Justino de Roma (Apologias I e
deria com o fato de Paulo ter ignorado o concei-
to judaico de arrependimento por uma razão bas-
II. Diálogo com Trifão). São Paulo,
tante diferente. Para Baeck, não haveria lugar Paulus.
para o arrependimento no pensamento de Paulo KEENER, Criag S. (2005), Comentário Bíblico Atos
porque a doutrina deste último postulava um
– Novo Testamento. Belo Horizonte,
“homem completo” (finished man). Ela supunha
que quando um homem “recebe” Cristo ele se Atos.
completa, nada mais havendo para aprender ou MACK, Burton. (1996), Who wrote the New
do que se arrepender (ver Baeck, 1958, especial-
Testament? The making of the Christian
mente o capítulo intitulado “Romantic religion”).
myth. San Francisco, Harper.
24 Devo esta informação a um texto de autoria anô-
nima, intitulado Christian Talmud, disponível no MUNZ, Peter. (1999), Critique of impure reason.
site http://www.geocities.com/athens/parthe- Londres, Praeger.
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168 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 65

A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO THE SOCIOLOGY OF RELIGION LA SOCIOLOGIE DE LA RELIGION


COMO RECAPITULAÇÃO DA TEO- AS A REVIEW OF THE CHRISTIAN EN TANT QUE RECAPITULATION
LOGIA CRISTÃ: WEBER E AS RAÍ- THEOLOGY: WEBER AND THE DE LA THÉOLOGIE CHRÉTIENNE:
ZES PROFÉTICAS DO RACIONAL- PROPHETIC ROOTS OF OCCIDEN- WEBER ET LES RACINES PRO-
ISMO OCIDENTAL TAL RATIONALISM PHÉTIQUES DU RATIONALISME
OCCIDENTAL

Renan Springer de Freitas Renan Springer de Freitas Renan Springer de Freitas

Palavras-chave: Sociologia da re- Keywords: Sociology of religion; Mots-clés: Sociologie de la religion;


ligião; Racionalismo ocidental; Pro- Occidental rationalism; Hebraic pro- Racionalisme occidental; Prophétie
fecia hebraica; Teologia cristã. phecy; Christian theology. hébraïque; Théologie chrétienne.

Desde os escritos seminais de Max Since the seminal writings of Max Depuis les écrits séminaux de Max
Weber, a sociologia da religião tem Weber, the sociology of religion has Weber, la sociologie de la religion
retratado a profecia hebraica como a pictured the Hebraic prophecy as the traite la prophétie hébraïque comme
própria matriz do racionalismo oci- very matrix of the occidental rati- la propre matrice du rationalisme
dental, ao mesmo tempo em que lhe onalism, while attributing to it the occidental, en même temps qu’elle
tem atribuído a promessa de um futu- promise of a future in which Israel lui attribue la promesse d’un futur
ro no qual Israel prevaleceria sobre would prevail over all other nations. dans lequel Israël prévaudrait sur to-
todas as outras nações. Após a expe- After the experience of the Babylonic utes les autrres nations. Suite à l’exil
riência do exílio babilônico, essa pro- exile, such promise has transformed babylonien, cette promesse aurait
messa teria transformado os judeus the Jews in a “pariah-peoples,” self- transformé les juifs en un “peuple-
em um “povo-pária”, auto-segregado, segregated, ritualistic, le- galist, ori- paria”, auto-ségrégué, ritualiste, léga-
ritualista, legalista, orientado por uma ented by some dual ethics and, as a liste, orienté par una éthique dualiste
ética dual e, como tal, incapaz de con- result, unable to confer a universalis- et, en tant que tel, incapable de con-
ferir uma dinâmica universalista ao tic dynamics to the ethical monothe- férer une dynamique universaliste au
monoteísmo ético peculiar a seu pró- ism peculiar to its own sacred Book. monothéisme éthique propre à son
prio Livro sagrado. A profecia hebrai- The Hebraic prophecy would have, Livre sacré. La prophétie hébraïque
ca teria, nessa perspectiva, dado início in this perspective, begun the evolu- aurait, suivant cette perspective, été à
a um processo evolutivo que somente tive process that only the New l’origine d’un processus évolutif qui
o Novo Testamento, com sua doutrina Covenant, with its universal salvation n’aurait été mené à bon terme que
da salvação universal, via sacrifício do doctrine via the sacrifice of The par le Nouveau Testament, avec sa
Redentor, teria sido capaz de levar Redeemer, would have been able to doctrine de salut universel par le sac-
adiante. Argumenta-se que tal linha de carry out. It is argued that such rea- rifice du Rédempteur. Nous défen-
raciocínio, que se encontra na base de soning, found in the basis of all the dons qu’une telle ligne de pensée –
todo o empenho, de matriz weberia- effort of Weber to explain the evolu- qui se trouve à la base de tout l’ef-
na, em explicar a evolução da ética tion of the occidental ethics, has fort, de matrice webérienne – s’est,
ocidental, se desenvolveu no interior developed within some theological en expliquant l’évolution de l’éthique
de um arcabouço cuja natureza é teo- framing. It can be seen more pre- occidentale, développée à l’intérieur
lógica; mais precisamente, nos marcos cisely in the markings of the d’une structure de nature théologi-
da “teologia cristã da superação”, as- “Christian theology of overcoming,” que et, plus précisement, suivant les
sim chamada por postular que o Novo which postulates that the New indicateurs de la “théologie chréti-
Testamento superou o judaísmo ao Covenant has superseded Judaism by enne de surpassement”, qui se nom-
universalizar o acesso à graça divina making universal the access to the me ainsi par le fait de soutenir que le
que este último havia restringido a um divine grace the latter had restricted Nouveau Testament a supplanté le
pretenso “povo escolhido”. to a pretense “chosen peoples.” judaïsme en mondialisant l’accès à la
grâce divine que ce dernier avait lim-
ité à un soit-disant “peuple élu”.

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