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DOSSIÊ
PRIMEIRA REPÚBLICA
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A QUESTÃO DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA...
pos Sales foi, portanto, a de opor um princípio de próprio Poder Legislativo na figura das comissões
vertebração social a este ambiente desordenado. de verificação de poderes do Congresso. Cada plei-
As instituições do liberalismo político constituí- to oferecia ao país um espetáculo de comédia elei-
am, nesta perspectiva, um obstáculo ao andamen- toral, conforme expressão da época. Os mandatos
to desejável da vida pública. de deputados, senadores e governadores de esta-
O modelo de representação política que do eram sabidamente produto de arranjos políti-
estruturou a cena republicana original baseou-se, cos informais.
portanto, num fundamento claramente anti-libe- O sacrifício dos princípios elementares da
ral, avesso ao sistema partidário e aos demais ins- representação liberal era, portanto, o custo da
trumentos da democracia representativa liberal. previsibilidade na política. A condição da relativa
Nesta matriz política, o objeto da representação estabilidade instituída por Campos Sales era a ga-
eram as unidades federativas, e não o indivíduo rantia da fraude nos processos formais de produ-
ou o povo. Segundo Renato Lessa, o sistema de ção da política. A despeito do novo equilíbrio de
Campos Sales teria reeditado a prescrição poderes, a República não provocara, portanto, em
mandeviliana dos vícios privados e virtudes pú- matéria eleitoral, rompimento substantivo com as
blicas para a formulação oligárquica do rotinas do Império. Os rituais da representação
particularismo estadual e da unidade nacional política permaneciam inscritos num universo
(Lessa, 1999, p.6). O ajuste eleitoral baseado nos ficcional fundado no divórcio entre normas e prá-
estados resultaria na constituição de um corpo ticas da política.
nacional único e ordenado. Este seria o caminho É fundamental notar, contudo, que, a des-
da conversão do particular em universal. peito do inequívoco predomínio político do mo-
O protagonismo dos estados não era, con- delo Campos Sales durante a Primeira República,
tudo, auto-suficiente. As oligarquias locais foram a reflexão sobre representação política não se res-
elementos centrais na configuração da simbiose tringiu a seus limites. Liberais, positivistas e rea-
política que perdurou, a despeito de importantes listas representam três importantes matrizes da
contratempos, por toda a Primeira República. A crítica aos caminhos reais da política. A compre-
praxe política inventada por Campos Sales visava ensão sobre o tema da representação na Primeira
contornar a excessiva carga contenciosa dos gover- República não pode passar ao largo de um olhar
nos da primeira década republicana. No seu mo- mais detido sobre essas tradições do pensamento
delo político, o presidente da República concedia político brasileiro. O objetivo deste artigo é justa-
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apoio irrestrito aos estados em troca da garantia, mente o de investigar as reflexões liberal, positivista
por parte dos governadores, de bancadas e realista sobre representação política – caracteri-
legislativas afinadas com suas diretrizes. A ação zadas, a despeito das distâncias importantes entre
política dos presidentes de estado fundava-se, por si, pela recusa do modelo de alternância de pode-
sua vez, num modelo de reciprocidade com as oli- res. Dito de outro modo, trata-se de enxergar o tema
garquias. Os coronéis, importantes operadores da representação política na Primeira República
deste modelo político, zelavam pela fidelidade das pela marca das presenças, e não pela imagem habi-
eleições ao resultado esperado pelos governos es- tual da ausência.
tadual e federal. Em troca disto, faziam-se verda-
deiros soberanos locais.
Esta delicada arquitetura de personagens LIBERAIS, POSITIVISTAS, REALISTAS E A
políticos fundava-se na adulteração de cada uma QUESTÃO DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
das etapas do processo de constituição de pode-
res – isto é, alistamento, votação, contagem dos A insatisfação de liberais, positivistas e rea-
votos e verificação final dos diplomas, entregue ao listas com a relação simbiótica e extra-formal entre
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estados e oligarquias, embora devida a motivos Irineu Machado no Senado, esta perspectiva é
diversos, convergia no reconhecimento do povo enunciada de modo claro: “Todos os povos são
como inspiração necessária da representação polí- feitos da mesma massa, é necessário que mãos va-
tica. Seja como operadores e/ ou meros receptores lorosas venham plasmar o organismo de uma Na-
da política, os men in the street, conforme expres- ção, tirando-a dos caos da sua origem.” (Anais
são de Azevedo Amaral, eram descritos como eixo Senado, 1921, p.558) Longe de legar aos homens
fundamental da política. As importantes distânci- desordenados a responsabilidade por sua desor-
as entre os modos de interpretar a realidade social dem, o senador identifica nos usos inoportunos
não tinham nenhuma relação, portanto, com o aceite da política o foco da grave dissipação social.
ou a recusa dos sujeitos ordinários como objeto Diante do déficit educacional do povo, os su-
da ação política, mas com as diferentes concep- jeitos ilustrados pelo privilégio da cultura teriam uma
ções sobre o que fazer de uma realidade social pro- missão social a desempenhar. A falha em atender a
fundamente fragmentada e dispersa. esta designação marcaria a trajetória equívoca de de-
Antes, contudo, de avançar no tratamento putados e senadores apartados do ideal republica-
das diferenças normativas, vale ainda reforçar os no. Nesta perspectiva, os principais operadores do
pontos de afinidade entre as três principais matri- Estado eram tidos como perpetuadores das condi-
zes de reflexão sobre o problema da representação ções de desventura das massas, inaptas a redefinir,
política na Primeira República. Havia um acordo por si sós, os seus caminhos. No mesmo discurso, o
largo em torno da existência de uma política frágil senador contrasta a impotência do povo deseducado
e incipiente como conseqüência necessária da de- com a potência dos homens ilustrados:
ficiência sociológica crônica observada. Nesta pers-
pectiva, o ambiente povoado por átomos O povo brasileiro é um povo que ainda não está
educado, conscientemente de seus deveres, e,
desordenados não era tido como favorável à con- neste caso, àqueles dos mais cultos e felizes a
solidação do interesse público, por definição, in- quem Deus concedeu a fortuna de poder desen-
volver a sua inteligência e a sua cultura, a esses
teiro e indivisível. Os críticos de Campos Sales cabe o sagrado dever de coração de pôr a sua
alma ao serviço dos mais desventurados nesse
não lidavam, portanto, com o problema da repre- profuso amor, neste sentimento de bondade, de
sentação política em abstrato, mas em alusão à re- altruísmo que é uma forma da perfeição huma-
na, do dever patriótico (Anais Senado, 1921,
alidade concreta na qual se inscrevia. Era o tema p.562).
da amorfia popular que moldava, enfim, o olhar
dos políticos para o desafio da representação. Deste diagnóstico das capacidades diferen-
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da vida política. Se o povo não estava inteiramen- um valioso experimento de pedagogia política. As
te isento de responsabilidades sobre seu destino, semelhanças entre as matrizes interpretativas des-
sem dúvida ocupava um papel coadjuvante dian- tacadas detém-se, portanto, no plano dos diagnós-
te da potência de metamorfose social identificada ticos e não avançam nas formulações positivas
no Estado. sobre como a sociedade e a política devem ser. As
As distintas reações normativas ao diagnós- normas abrigam as diferenças, embora igualmente
tico de uma massa amorfa e impotente diante das inscritas na suposição comum da política como
causas de seu infortúnio convergem num duplo e lugar de criação.
necessário fundamento político do governo, o de
criação e unidade do povo. Esta inscrição comum
tem importante afinidade com a dotação política Rui Barbosa e Assis Brasil: origens do libera-
do soberano de Hobbes, dotado da faculdade de lismo republicano
invenção do sujeito representado (Jaume, 1986).
Na teoria hobbesiana, os homens padecem dos Legado à história como o principal ícone da
males da desordem quando dispersos numa multi- tradição liberal no Brasil, Rui Barbosa também acu-
dão destituída de forma, que precede o próprio mulou o estigma de um intelectual divorciado da
conceito de povo. Na fábula política daquele au- realidade do país. Em sintonia com a reflexão libe-
tor, o medo da morte violenta só é suprimido quan- ral de gestação estrangeira, Rui Barbosa passaria
do, através do uso da razão, os indivíduos consti- ao largo das idiossincrasias nacionais.
tuem-se num pacto e submetem-se coletivamente Dos discursos pronunciados na Campanha
a um poder de enormes proporções (Hobbes, 1989). Civilista, de 1909, e na campanha pelo governo da
A conversão da dissipação em unidade é o princi- Bahia, de 1919, depreende-se, contudo, uma clara
pal movimento da passagem fundamental do caos preocupação do político com as particularidades
originário à civilização. Há de se notar, contudo, de nossa formação social. À diferença do clássico
nesta formulação hobbesiana, um importante pa- discurso liberal, que define a ação estatal em pata-
radoxo: os homens dispersos que instituem o pac- mares mínimos, Rui Barbosa evoca o Estado e os
to não constituem o objeto da representação na homens públicos como importantes personagens
nova ordem. Estes indivíduos são reinventados da vida política. O despreparo cívico do povo é
pelo soberano e esta é a condição da sua existência tido como resultado da negligência dos governos.
como um coletivo ordenado. A ação representati- Segundo ele,
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ando-lhes a educação e a cultura. Bem fora daí, tica não prescindia de um movimento que se pro-
porém, a política, em cujas mãos caiu o sertão
baiano, é a que tem por objeto estimular, no ho- jetasse de cima para baixo, moldando a cena dissi-
mem, os instintos subalternos, asselvajá-lo e pada conforme a índole unitarista do interesse
animalizá-lo (p.98).
público. Nesta perspectiva, o povo era tido, simul-
Nesta perspectiva, a política é tida como taneamente, como sujeito e objeto da criação polí-
instrumento passível de bons e maus usos. Na tica. Isto é, a condição de sua identidade ativa se-
cena política observada, não restariam dúvidas ria justamente a intervenção modeladora do Esta-
quanto à impertinência das ações dos homens de do ou dos personagens da vida pública, destinada
Estado. Os sertanejos, personagens a que se dirige à garantia da lisura dos processos eleitorais e tam-
a campanha política de Rui Barbosa, estariam con- bém a uma certa pedagogia cívica. Não fosse a in-
denados a uma “vida estagnada e coagulada” (Bar- terferência de um ator externo, a massa desagregada
bosa, 1967, p.36), a uma existência marcada pelo seguiria entregue às condições de reprodução de
imperativo da sobrevivência e aprisionada pelas seu infortúnio. Não haveria propósito em crer que,
exigências materiais imediatas, fato incompatível deixados a si mesmos, como estavam desde sem-
com as demandas da vida pública. A causa deste pre, os homens comuns iriam organizar-se por si
infortúnio era claramente política. sós e, deste modo, configurar, à sua imagem e se-
Para Rui Barbosa, a distinção fundamental melhança, uma Nação ilustrada pela boa política.
entre sertanejos e litorâneos era apenas devida ao Todo mimetismo da política com a sociedade esta-
acaso, relativa ao abismo entre seus respectivos va fadado à reprodução do atraso. A perspectiva
ambientes de socialização. Os processos de grave mais verossímil, se abolida uma ação incisiva e
espoliação que se abateram sobre a população do renovadora por parte do Estado, era, portanto, a
sertão ter-lhe-iam extinto todo vigor cívico. O acento de perpetuação do desalento. Considerada a grave
na idéia de uma “raça inteligente, de grande vitali- apatia política do povo, a cena política não pode-
dade”, investida de um “brônzeo heroísmo”, loca- ria configurar-se como espelho da realidade soci-
lizava a responsabilidade pelos desacertos políti- al, típica metáfora liberal. Se não havia um povo
cos nos algozes do povo desfrutado. Eram as clas- claramente constituído, não havia a possibilidade
ses políticas locais, extremamente oportunistas, os de a representação política simplesmente repro-
sujeitos por excelência da degradação do sertane- duzir uma cena social já existente.
jo. O fato da profunda desagregação cívica tinha, A possibilidade de rompimento com esta
portanto, uma genealogia social muito evidente. inércia degenerativa estaria localizada, portanto e
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cos modificarem e moldarem a índole do povo tância da política. Isto é, a garantia da forma incide
conforme o imperativo da vida cívica. O lugar da de modo determinante na produção da substância
política é definido em franca sintonia com a pre- política e vice-versa. Embora não destituído de ten-
missa progressiva e cumulativa da pedagogia. Tal sões, o laço estreito entre forma e conteúdo ilustra
como o aprendizado do andar, quando “a criança a crença do liberalismo brasileiro na potência cria-
hesita, cai e por vezes quebra até o narizinho” (As- tiva da política, e não meramente na sua capacida-
sis Brasil, 1934), o exercício político implica tenta- de de reproduzir, como uma imagem especular,
tivas e erros sucessivos até o alcance de uma situ- uma realidade já constituída. Isto é, o universo
ação mais estável e dificilmente suscetível à que- formal é tido, nesta tradição de pensamento, como
da. Embora Assis Brasil não identifique, como Rui instrumento para a metamorfose dos usos e hábi-
Barbosa, uma natureza heróica no brasileiro, tos políticos.
tampouco deriva qualquer sorte de fatalismo polí- À semelhança da formulação política de
tico da observação da realidade social. Hobbes, portanto, a percepção do liberalismo re-
Para Assis Brasil, portanto, a experimenta- publicano original era a de que o povo não pré-
ção é a condição do aperfeiçoamento; o acerto po- existia ao momento da representação. À diferença,
lítico é o corolário dos desacertos. Ainda que o contudo, do extremo hobbesiano de supressão dos
mau governo seja o destino inexorável dos homens direitos políticos, o sufrágio universal era tido como
que empreendem o voto desqualificado, é a expo- uma realidade da qual não era possível retroceder.
sição a este infortúnio que abriga a possibilidade Sendo um dos imperativos da vida moderna, res-
de conversão moral dos eleitores e seus governos. tava aos políticos a educação deste meio. Nesta
Essa perspectiva de uma pedagogia eleitoral desti- versão mitigada do princípio hobbesiano de re-
nada ao melhoramento da vida pública está clara presentação, a qualificação política dos cidadãos
no seguinte fragmento de discurso: teria um duplo fundamento: a ação do represen-
tante instituído e o próprio processo de constitui-
A nação também se corrige, tem também as suas ção de poderes.
neuroses, os seus momentos, suas hesitações, seus
emportements, mas é preciso deixar que ela viva, Nesta perspectiva, a transição da massa ao
segundo deva viver. O caso da nação é o mesmo povo – isto é, do aglomerado desordenado ao con-
de cada um de nós: (...) na água é que se aprende
a nadar. É no exercício da função que o indivíduo junto ordenado de almas populares – resultaria
adquire idoneidade para essa mesma função. É,
pois, preciso que a nação tenha liberdade, não da intervenção criativa do Estado e também das
como querem os nefelibatas e sonhadores, para incursões diretas dos eleitores ainda não qualifi-
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O positivismo e a representação política como motivação primordial da ação política. Sem refe-
substância rência aos homens comuns, a moral e a ciência
constituem meios desprovidos de finalidade, cor-
Se a premissa do Estado como móvel es- pos carentes de alma. A técnica e o imperativo de
sencial da vida pública constitui marco importan- pureza dos espíritos, temas positivistas por exce-
te do pensamento liberal nas origens da Repúbli- lência, não se justificam por si mesmos, mas pela
ca, foi no castilhismo que este fundamento alcan- convicção de que conduzem a sociedade ao bem
çou expressão máxima. Nesta filosofia política, comum e, portanto, de que a representam. Se o
baseada no positivismo de Augusto Comte, o prin- argumento do saber conduz à definição de uma
cípio de impotência do povo é levado ao limite. A minoria privilegiada pelo conhecimento, não defi-
constituição estadual do Rio Grande do Sul, de 14 ne uma maioria indigna de representação. A von-
de julho de 1891, subordina toda ação legislativa tade do povo, inacessível a si próprio, é interpre-
ao corpo executivo, num claro rompimento com o tada pelo governante, dotado da faculdade e da
fundamento liberal da Carta Constitucional do país. oportunidade do conhecimento. À semelhança do
Para Assis Brasil, um dos críticos mais contun- Grande Legislador rousseauniano, o chefe políti-
dentes do castilhismo, no estado gaúcho “a Lei co é uma figura excepcional capaz de conhecer a
Fundamental confere exclusivamente ao déspota a consciência oculta que é de todos e de cada um,
faculdade de fazer as leis, de as regulamentar e sem ser da maioria ou da minoria dos homens. Os
aplicar, pondo-lhe apenas na mandíbula sujeitos ordinários e desconhecedores de sua pró-
pantagruélica uns freios irrisórios de manteiga, que pria vontade são descritos, nesta perspectiva, como
ele traga e digere” (Assis Brasil, 1925). Nesta or- objeto – e não sujeito – da representação.
dem política, o soberano goza, portanto, de larga Para Borges de Medeiros, principal opera-
concessão de poderes. dor do castilhismo, todos os homens produzem
A precedência da ciência sobre outros crité- desejo na medida em que experimentam a neces-
rios de organização da vida social é a principal sidade, mas poucos são capazes de refletir ade-
marca desta matriz de entendimento da represen- quadamente sobre esta condição comum e ascen-
tação política. Longe da fortuna incerta das opini- der à produção de saber. Sendo o desejo uma
ões, que configuram a política no paradigma libe- pulsão elementar, própria de uma “organização
ral clássico, a cena pública apurada pelo saber ci- cerebral ainda rudimentar” (Medeiros, 1933, p.47),
entífico não estaria fadada aos caprichos da forma, a experiência da opinião, que implica pensamento
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ordem. Faltava um Estado forte que ordenasse os cional é rudimentar ou nula, não podem elevar-
vícios particularistas e operasse como “poderoso se, por si mesmos, ao culto do Estado e da sua
modificador sociológico” (p.48). autoridade.” (Viana, 1930, p.100) Desta incapaci-
Além da crítica ao federalismo da Carta de dade de superação espontânea o autor deriva forte
1891, Oliveira Viana critica, na República, os tem- associação entre princípio de Estado e realismo:
pos curtos dos mandatos políticos e as eleições
dos poderes Executivo e Legislativo. Aí estariam O Brasil precisa realizar desde já uma alta polí-
tica de caráter profundamente orgânico e nacio-
as origens da instabilidade e dos maus usos da nal. Esta política, porém, só pode ser feita por
política (Viana, 1930, p.27). O desejo de organiza- iniciativa do Estado. Ora, o Estado, pela maneira
por que está organizado na Constituição vigente,
ção da vida pública, bem como a gestação de um não pode eficazmente realizá-la. Logo, tudo de-
pende de uma reforma constitucional que orga-
“grande ideal coletivo” (p.314), de que ainda não nize o Estado num sentido que o capacite para
dispúnhamos, são formulados em outras bases: este fim superior e necessário (p.13).
Esse alto sentimento e essa clara e perfeita cons- Diante de uma sociologia extremamente frá-
ciência só serão realizados pela ação lenta e con-
tinua do Estado – um Estado soberano, gil e, ao mesmo tempo, poderosa para definir os
incontrastável, centralizado, unitário, capaz de rumos da política, o Estado concebido por Olivei-
impor-se a todo o país pelo prestigio fascinante
de uma grande missão nacional (p.315). ra Viana é descrito por sua capacidade de sobre-
por-se ao fato da profunda desagregação social.
Alberto Torres foi o precursor, entre os rea- Contra a potência de desordem implicada nas
listas, desta alusão ao Estado como fio condutor massas, deve-se opor uma força incontrastável. À
da política. Para ele, a principal carência nacional diferença do liberalismo de Rui Barbosa e Assis
era de “um governo consciente e forte, seguro dos Brasil, a condução da vida pública, na perspectiva
seus fins, dono da sua vontade, enérgico e sem realista, é claramente incompatível com concessões
contraste”. Em oposição à excentricidade liberal, à expressão política das massas. A habilitação po-
Torres concebia o chamado Poder Coordenador lítica de indivíduos inábeis configura o próprio
como protagonista da harmonia social. A peculia- avesso do princípio de representação, que supõe
ridade deste poder era seu caráter vitalício. Sua a figura metonímica da parte pelo todo. As massas
permanência constituiria valioso contraponto à desqualificadas não estão em condições de, efeti-
nociva instabilidade da ordem republicana, flutu- vamente, projetar-se na vida pública e indicar os
ante ao sabor do desvio faccioso da política. Trata- bons caminhos. O ceticismo realista com relação
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