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09/05/2020 Obra infantil de Monteiro Lobato é tão racista quanto o autor, afirma historiadora - 10/02/2019 - Ilustríssima - Folha

Obra infantil de Monteiro Lobato é tão racista quanto


o autor, afirma historiadora
Autora revisita polêmica sobre racismo do escritor, cuja obra entra em domínio
público

10.fev.2019 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/02/10/)

Lucilene Reginaldo

[RESUMO] Historiadora revisita a polêmica sobre o racismo nos livros


infantis de Monteiro Lobato (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/01/direito-autoral-e-salario-
de-professor-afetam-leitura-diz-marisa-lajolo.shtml), a partir de leitura de texto do colunista

Jorge Coli (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jorge-coli/).

No último domingo (3/2), Jorge Coli publicou em sua coluna na Ilustríssima


(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jorge-coli/2019/02/so-quem-nao-leu-ou-nao-entendeu-livros-de-lobato-pode-julga-

o texto intitulado “Viva Lobato!”. O artigo festeja a boa notícia de


los-racistas.shtml)

que as obras de Monteiro Lobato estão agora em domínio público.

Coli retoma um debate que acompanhei com interesse em 2010, provocado


pela denúncia de conteúdo racista do livro “Caçadas de Pedrinho”,
protocolada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no
Conselho Nacional de Educação.

Da denúncia, resultou um parecer técnico, solicitado pelo próprio MEC, que


recomendou a permanência do livro no Programa Nacional Biblioteca da
Escola com a seguinte advertência: “A obra ‘Caçadas de Pedrinho’ só deve ser

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utilizada no contexto da educação escolar quando o professor tiver a


compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil”.

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A recomendação deu publicidade ao assunto e levou a polêmica ao grande


público. Escritores de prestígio como Ziraldo
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/07/1491123-arquivo-aberto---a-patota-do-pasquim.shtml) e Ana
Maria Gonçalves se manifestaram publicamente. O primeiro defendendo a
importância da obra de Lobato para sua e outras gerações de brasileiros; a
segunda explicitando o conteúdo racista e alertando para seus efeitos
danosos nas crianças negras.

Ao ler o texto de Coli, fiquei impactada com uma afirmação: “Só quem não
leu ou não compreendeu os livros infantis de Lobato pode julgá-los racistas”.
Respeitosamente, quero discordar do meu colega. Minha argumentação
seguirá dois fios condutores. Primeiro, quero mencionar uma experiência
pessoal, algo que não é do meu feitio, mas creio que é apropriado para a
ocasião. Depois, falar da perspectiva de alguém que tem estudado a história
do racismo (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/05/nao-ha-motivo-para-celebrar-os-130-anos-da-lei-
aurea-diz-antropologa.shtml).

Em 2010, instigada pela polêmica, resolvi ler “Caçadas de Pedrinho” para


meu filho, com seis anos na época. A coleção de clássicos de Monteiro Lobato

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estava na sua pequena biblioteca, e já não me recordo se foi presente ou


aquisição. Eu mesma tinha lido Lobato na infância, numa daquelas edições
que os vendedores de enciclopédias ofereciam de porta em porta nos bairros
populares.

Sinceramente, não me lembro do impacto de Lobato na leitora infantil.


Recordo-me bem da série televisiva, uma versão já adaptada e depurada da
obra. Juntei a fome com a vontade de comer. Ler Lobato para meu filho, além
do prazer materno cultivado ao longo dos anos, seria também uma
oportunidade de “checar” e me posicionar no debate.

Confesso que foi uma experiência inusitada para uma mãe historiadora. Não
encasquetei apenas com a frase “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos
reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São
Pedro acima”. 

Tia Nastácia era sempre a “bola da vez”: ingênua, simplória, medrosa,


serviçal e alvo de racismo e discriminações explícitas. Tudo em perfeita
consonância com a hierarquia racial: na base da pirâmide, a mulher negra.

Para a onça que atacava os moradores do sítio, Tia Nastácia é “furrundu”, um


doce feito com mamão verde, rapadura, cravo e canela, portanto preto. No
calor da guerra com as onças, Emília, a bonequinha esperta e independente,
comenta: “Não vai escapar ninguém —nem Tia Nastácia, que tem a carne
preta”.

O que mais me incomodava era que Tia Nastácia era adjetivada como negra,
preta, o tempo todo. Só ela tinha cor, apenas nela a cor se colava como uma
marca indelével, mesmo que fosse “a boa negra”.

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Rosana Garcia e Jacira Sampaio, que interpretaram Narizinho e Tia Nastácia na versão de 1979
do "Sítio do Picapau Amarelo". - Nelson Di Rago/Divulgação/TV Globo

Negra é vocativo, como bem interpreta Ana Maria Gonçalves. As expressões


bradejavam contra tudo que nossa família buscava ensinar a um menino
negro de seis anos. Por isso, confesso, omiti, cortei palavras, adaptei e editei
alguns trechos. Logo eu, defensora do pensamento livre!

Não pretendo discorrer sobre o entusiasmo de Lobato com as ideias


eugenistas para demonstrar seu racismo —que está, sim, expresso em sua
obra ficcional. Muitos intelectuais já o fizeram com muito mais propriedade
e competência.

Entre 1918 e 1946, Lobato manteve correspondência constante com Renato


Kehl, diretor associado da Sociedade Eugênica de São Paulo. Como ciência, a
eugenia reconhecia a existência de qualidades raciais inatas e
hierarquizadas; como movimento social, formulou toda uma agenda de
intervenções no âmbito da higiene, dos comportamentos, da saúde mental e
da educação. Seu objetivo era “melhorar” a composição hereditária de uma

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sociedade, encorajando a reprodução dos grupos aptos, desencorajando ou


prevenindo a reprodução dos inaptos.

A adesão eufórica de Lobato aos “nobres ideais eugênicos”, palavras do autor


na primeira missiva enviada a Renato Kehl, elucida o desenraizamento
familiar de Tia Nastácia e Tio Barnabé. Nenhum dos dois tem pais, irmãos ou
filhos; seus únicos vínculos afetivos são com os personagens do Sítio, na
condição de serviçais.

O bom negro e a boa negra são estéreis. A desejada eliminação do elemento


negro —visando o avanço da civilização e o bem público, é claro— e a defesa
da subalternidade das gentes de cor foram explicitadas por Lobato sem
qualquer pudor.

Em 1928, quando era adido comercial do Brasil em Washington, Monteiro


Lobato enviou uma carta ao amigo Antonio Neiva explicando por que não
escrevia crônicas sobre suas impressões e vivência nos Estados Unidos. Após
comentários pouco delicados sobre a imprensa e os leitores brasileiros —a
primeira lhe parecia “um circo mambembe”, e seu público “um bando de
moleques feeble-minded” (estúpidos, em bom português)—, Lobato lamenta
nossa triste condição racial.

“País de mestiços, onde o branco não tem força para organizar uma Klux
Klan, é país perdido para os altos destinos. (...). Um dia se fará justiça ao Klux
Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu
lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca —mulatinho
fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor, porque a mestiçagem do
negro destrói a capacidade construtiva”.

O manuscrito original desta carta, citada na dissertação “Eis o mundo


encantado que Monteiro Lobato criou: raça, eugenia e nação”, de Paula
Habib, está no acervo do CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Diante
desses fatos, e mesmo reconhecendo que “a arte é sempre maior que o
artista”, é difícil cindir autor e obra.

Lobato era um homem do seu tempo. Usando uma expressão que já virou
lugar-comum, surfava na onda das teorias científicas e do pensamento social

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dominantes (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/01/o-que-fazer-com-filosofos-do-passado-que-se-
na primeira metade do século 20. Não era o único
revelaram-racistas-e-sexistas.shtml)

intelectual e literato racista e eugenista, muito pelo contrário. Poderia aqui


apresentar uma lista de entusiastas do racismo científico
(http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/12/1943569-movimentos-negros-repetem-logica-do-racismo-cientifico-diz-

antropologo.shtml). Alguns dos quais leio e releio por dever de ofício e particular
interesse por suas contribuições intelectuais.

O que difere, porém, Monteiro Lobato da maioria destes homens de letras,


entre tantas variáveis, é o público leitor privilegiado, os objetivos da leitura.
Para não me alongar demais, mas também por certo pudor acadêmico e
disciplinar, não entrarei no debate sobre o homem e sua obra de
inquestionável valor literário, sofisticação, além de outros atributos críticos.
Isso para mim é obvio.

Lobato é mais do que uma fonte para estudiosos do eugenismo, do


pensamento social e da história da literatura no Brasil. Assim, não vejo por
que a recomendação de 2010 não possa ser levada a sério na introdução de
seus livros para o público infantil.

A questão não é censurar Lobato, não se trata de forma alguma de banir seus
escritos por racismo. Uma boa solução é recorrer às edições críticas, que não
é prática desconhecida entre os editores. Isso aconteceu com “Tintim no
Congo”, a popular revista em quadrinhos produzida no bojo do colonialismo
belga, portanto, plasmada pela explicitação de estereótipos e preconceitos
contra os africanos. Após vários debates públicos em países da Europa, esta
obra tem sido publicada criticamente.

No Brasil, a Companhia das Letras, que tem os direitos de publicação de


Tintim, também apresenta uma nota crítica situando o autor, a obra e a
história do colonialismo belga.

Hoje, aos 14 anos, meu filho —assim como muitos meninos e meninas
negros, ou não, da mesma idade— pode ler Monteiro Lobato e outros
“homens de seu tempo”, sem minha constrangida edição, talvez até se
posicionar diante do autor e da obra. Com ajuda de uma nota crítica, talvez
seja mais fácil até para os mais novos. Aos seis anos, não havia autor nem

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obra, apenas personagens com os quais ele vibrava, se identificava ou


repelia.

Não quero crer que seja necessário ter um filho negro para ser sensível aos
malefícios do racismo na formação de uma criança. E acho também que
estamos, ou deveríamos estar, longe de querer que um garoto (ou garota)
negro aprenda com Nastácia qual é o seu lugar no mundo. 

Evidentemente, autor e obra são complexos, contraditórios, ambíguos, assim


como o leitor pode subverter e se apropriar do texto a seu modo. “Negro
também é gente, sinhá”, afirma Nastácia. Esta é a frase que encerra “Caçadas
de Pedrinho”. A personagem é assertiva —pelo menos aos olhos desta
leitora, talvez apesar do autor. Mas nem como mãe, nem como estudiosa do
racismo, posso concordar que, depois de afirmar minha humanidade, tenha
que reverenciar uma “sinhá”! 

Lucilene Reginaldo é professora do Departamento de História da Unicamp.

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