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PROCESSO DE ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS E LEIS EM MOÇAMBIQUE

PROCESSO DE ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO


DE POLÍTICAS E LEIS EM MOÇAMBIQUE

ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA DAS MULHERES DE CARREIRA JURÍDICA 1


AMMCJ
PROCESSO DE ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS E LEIS EM MOÇAMBIQUE

Ficha Técnica
Título: Processo de Elaboração e Desenvolvimento de Políticas e Leis em Moçambique
Instituição: Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica
Organização da Pesquisa: Dr.ª Osvalda Joana
Entrevistadores: Dr.ª Tânia Waty
Dr. João Fumo
Dr.ª Ivete Maciel
dr.ª Lourdes Vanessa
Revisão linguística: Dr. Leonel Magaia

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A igualdade entre sexos é uma aquisição recentíssima da nossa


história, e se a igualdade no plano legal vem chegando pé ante pé, a
igualdade fáctica ainda tarda. A lei, em luta isolada, não foi capaz de
destronar tradições, influências familiares, preconceitos,
mentalidades regressivas1.

1 RAPOSO, Vera Lúcia Carapeto, O Poder de Eva, Almedina, 2004, p. 13, 14 e 15.

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ÍNDICE

ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS ................................................................................................. 5

AGRADECIMENTOS ...................................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 7

CAPÍTULO I – A LEI, NOÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ................................................................ 11

CAPÍTULO II – POLÍTICA DE ELABORAÇÃO DE LEIS EM MOÇAMBIQUE ............................ 13

CAPÍTULO III – PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE LEIS EM MOÇAMBIQUE ........................ 19

CAPÍTULO IV – FEITURA DO ANTEPROJECTO DE LEI CONTRA A VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA................................................................................................................................... 26

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................................................ 30

BIBLIOGRAFIA E LEGISLAÇÃO ................................................................................................. 32

ANEXOS ........................................................................................................................................ 33

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ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

AR: Assembleia da República

CM: Conselho de Ministros

CRM: Constituição da República de Moçambique

CEDAW: Convenção sobre à Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres

ART: Artigo

AR: Assembleia da República

MMAS: Ministério da Mulher e da Acção Social

MJ: Ministério da Justiça

CM: Conselho de Ministros

AMMCJ: Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica

LDH: Liga dos Direitos Humanos

MULEIDE: Mulher, Lei e Desenvolvimento

WILSA: Women and Law in Southern Africa

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AGRADECIMENTOS

O texto que se segue corresponde a pesquisa sobre o processo de elaboração e


desenvolvimento de políticas e leis em Moçambique.

Deparamo-nos com alguns obstáculos e tornando-se por isso essencial agradecer a todos
aqueles que auxiliaram a ultrapassar este desafio, desde logo a Dra. Esperança Machavela
(Ministra da Justiça), o Dr. Aly Dauto (Assembleia da República), o Mestre Boaventura Gune
(Docente Universitário), a Dra. Célia Buque (Directora Nacional da Mulher – MMAS), o Dr. Carlos
Tajú (Director do Secretariado do Conselho de Ministros), Dr. Coutinho e Dra. Filomena
Grachane (Assembleia da República) à WLSA, MULEIDE, Fórum Mulher e a LDH.

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INTRODUÇÃO

1. Âmbito da investigação

O texto que se segue corresponde à pesquisa sobre o processo de elaboração e


desenvolvimento de políticas e leis em Moçambique apresentada à N’weti, Comunicação
para a Saúde.

A N’weti é um Instituto de Comunicação para a Saúde e Desenvolvimento cujo objectivo é


desenvolver iniciativas de comunicação para mudança social com um impacto a nível social,
comunitário e individual em Moçambique.

A N’weti contempla a Saúde como sendo um produto resultante de iniciativas


multissectoriais que incluem a promoção de um ambiente saudável e favorável para a tomada de
decisões informadas; advocacia para criação de plataformas legais; políticas de saúde pública e
promoção dos direitos humanos; acções comunitárias para criação de ambientes favoráveis à
mudança; o desenvolvimento de habilidades pessoais e re-orientação de serviços de saúde no
sentido de uma abordagem voltada para a promoção dos direitos humanos.

A N’weti embarca agora numa campanha de advocacia que procura promover a


passagem rápida da proposta de lei sobre Violência Doméstica em Moçambique. A campanha
será levada a cabo juntamente com a actual Coligação para a proposta de lei sobre Violência
Doméstica.

Como parte dos principais requisitos para avançar com a campanha, uma pesquisa sobre
o processo de elaboração e desenvolvimento de políticas e leis é necessária de modo a entender
como políticas e leis são elaboradas e desenvolvidas e onde a participação e influência é
aconselhável.

O enfoque da pesquisa basear-se-á em saber como a actual proposta de lei sobre


Violência Doméstica foi desenvolvida e os diferentes estágios atravessados e necessários para

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sua promulgação como lei. Com a pesquisa, a N’weti visa englobar o grupo que até então tem
estado a fazer esforços para a aprovação de uma lei que proteja as mulheres contra actos de
violência doméstica e pretende inteirar-se da forma como as leis nascem e, por conseguinte,
perceber o processo que norteou a elaboração da proposta da lei contra a violência doméstica
bem como os obstáculos que impedem a sua aprovação.

Esta pesquisa enquadra-se na materialização dos objectivos da Associação Moçambicana


das Mulheres de Carreira Jurídica que, de forma técnico e cientifica pretende contribuir com o seu
know how para o trabalho prático já iniciado pelo grupo, de modo a que se ultrapassem os
obstáculos que ditaram a não aprovação até ao momento.

Estando presente na consciência do grupo que a aprovação desta lei contra a violência
doméstica é urgente, a AMMCJ vai com este trabalho descortinar perseguindo todos os caminhos
e contornos que esta proposta conhece em busca da sua aprovação, não tendo ainda ocorrido,
não obstante tenha acarretado árduo trabalho de pesquisa sócio - cultural e jurídico nas diversas
esferas da sociedade moçambicana.

É de recordar que esta proposta de lei contra a violência doméstica colheu a sensibilidade
e simpatia de quase toda a sociedade moçambicana que tem estado a testemunhar elevados
índices de violência doméstica com efeitos nefastos, não só para as mulheres, como também para
as crianças e para o instituto família, que tem estado a entrar em decadência devido a não
punição dos actos de violência que ocorrem no seio familiar dada a subordinação e dependência
dos membros mais frágeis da família (principais vitimas) principal impedimento para a denúncia.

2. Objectivos da pesquisa
Constituem objectivos da presente pesquisa os seguintes:
 Descrever o processo de elaboração e de desenvolvimento de políticas e leis em
Moçambique;
 Identificar e rever as plataformas institucionais, políticas e legais existentes
relacionadas com a violência doméstica em Moçambique incluindo compromissos
internacionais, regionais e da SADC dos quais o país é sígnatário;

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 Identificar políticas ou leis actualmente em discussão, em formulação ou em fase


de promulgação, relacionadas com a violência doméstica;
 Identificar os estágios onde a proposta de lei sobre violência doméstica passou e
passos a seguir;
 Identificar oportunidades para a participação da sociedade civil e fazer
recomendações sobre como e quando a sociedade civil pode ser mais influente
na aprovação da proposta de lei.

3. Metodologia

a) Recolha bibliográfica

Por se tratar de uma problemática transversal a todas as discussões relativas à cidadania,


realizou-se uma consulta doutrinária (bibliográfica) e da legislação em vigor em Moçambique para
melhor perceber como é realizado o processo de elaboração de políticas e leis pelos poderes
públicos e qual o espaço reservado à sociedade civil nesta matéria.
A não aprovação da Proposta de Lei sobre a Violência doméstica elaborada pela
sociedade civil moçambicana, é preocupação do grupo, pelo que se revela crucial a percepção
dos contornos percorridos por esta proposta de lei bem, como a revisão dos objectivos revisitando
a bibliografia sobre a matéria de modo a contextualizar a discussão sobre a proposta.

b) Entrevistas

Foi imprescindível para este trabalho a realização de entrevistas semi - estruturadas para
os grupos envolvidos no processo de feitura de leis em Moçambique e, por conseguinte, foram
organizados dois questionários dirigidos às instituições de poder legislativo e executivo e para a
sociedade civil que permitiram a captação da perspectiva de cada grupo neste processo e
abordagem histórica e social do mesmo.

c) Instrumentos de recolha de informação

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Ao longo da pesquisa de campo foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa:

 Guião de entrevista – Composto por um conjunto de dois questionários, destinados a cada


um dos grupos alvos previamente estabelecidos, a saber legislativo e executivo, e
sociedade civil.
 Guia de pesquisa – instrumento que auxiliou a equipa de pesquisa no campo, de modo a
centrar-se nos objectivos fundamentais da pesquisa.
 Amostra da pesquisa – construída por critérios de exemplaridade que definiu o número de
entrevistas a serem realizadas por cada categoria seleccionada.

d) Categoria de entrevistados

Foram definidos três grupos de acordo com os objectivos da pesquisa:


 Órgãos legislativos – são instâncias com competência de apreciação e aprovação das
propostas de lei, como o parlamento (e suas comissões especializadas).
 Órgãos executivos (Conselho de Ministros) – são instâncias com competência para a
apresentação de propostas de leis.
 Sociedade Civil proponente da Lei contra a Violência Doméstica – são informadores
privilegiados que estiveram directamente envolvidos nos estudos sociais do género bem
como na redacção e proposta da lei supracitada.

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CAPÍTULO I
LEI: NOÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

a) Noção e caracterização

O que é a lei?
A lei é uma norma.
E o que será norma?
A norma há-de ser uma regra de conduta social que orienta o modo de ser, estar e
comportar-se em sociedade2. A norma pode ser costumeira ou de moral, de trato social ou
ética, religiosa ou jurídica.

A norma moral consiste num conjunto de preceitos e regras altamente obrigatórias para
com a consciência, pelos quais se rege antes e para além do direito, algumas vezes até em
conflito com ele. A sanção consiste no remorso e no arrependimento.

A norma de trato social consubstancia os usos ou convencionalismos sociais destinados


a tornar a convivência mais agradável e tem como punição para a sua violação a reprovação e
segregação.

A norma religiosa é criada por um ser transcendente, diz respeito à fé, à crença numa
vida ultraterrena, visa a aproximação do Homem com Deus e tem como sanção para a sua
violação o remorso de foro exclusivo da Igreja.

A norma jurídica por sua vez e como veremos mais adiante, é uma ordem que surge
através do poder do Estado e que por isso é imperativa porque dirigida a ser observada.3

Assim, a norma jurídica é o Direito, é a lei.

A lei pode-se definir em dois sentidos, em sentido amplo e em sentido restrito.


2 DUARTE, Maria Luísa, Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL, 2003, p. 168, 169.
3 JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, Reproset, 1996, p. 16, 17.

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Em sentido amplo será toda a norma que emana do Estado, que orienta e regula a vida
em sociedade e que é de cumprimento obrigatório, sob pena de sanção e o Estado conta com
uma máquina repressiva (para a fazer cumprir), como sejam a Polícia, Tribunais, etc. A lei em
sentido amplo é a norma jurídica em geral, é o Direito.4

Em sentido restrito, a lei é a norma jurídica que é emanada pela Assembleia da


República, porque está autorizada pelo ordenamento político da comunidade a produzir normas
jurídicas. Está é esta a principal fonte de direito.

b) Hierarquia das Leis

De seguida passamos a apresentar a hierarquia da leis, a saber:


As leis obedecem a uma hierarquia, a saber:
1. As Leis Constitucionais que abrangem a própria Constituição da República;
2. As «normas e os princípios de Direito internacional geral ou comum», de que Moçambique
seja parte;
3. As leis emanadas da Assembleia da República,
4. Os decretos-leis do Governo;
5. Os decretos;
6. Os assentos;
7. Os Regulamentos;
8. Os Decretos Regulamentares;
9. os Regulamentos;
10. as Resoluções;
11. as Portarias;
12. os Despachos Normativos.5
A nossa abordagem é essencialmente referente à lei em sentido restrito, o processo da
sua elaboração sob ponto de vista teórico e prático por forma a avaliarmos o mecanismo utilizado
para a submissão da proposta de Lei contra a da Violência Doméstica ao Parlamento
moçambicano.
4 DUARTE, Maria Luísa, ob.cit., p. 198, 202.
5 JUSTO, A. Santos, ob. Cit. p. 90 a 92.

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CAPÍTULO II
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1. ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS

O processo de elaboração de políticas em Moçambique está relacionado com o regime


político estabelecido para o Estado, o qual está bem expresso no art. 1º da Constituição da
República de Moçambique onde se define o tipo de Estado, o sistema de governação e a política
social e económica a implantar, factores que servem de orientação para a governação.

As politicas públicas definem-se logo à partida nos manifestos eleitorais dos partidos
políticos com pretensão de ascender ao poder, são esses manifestos eleitorais que oferecem os
indicadores ao público eleitor do programa de governação em caso de vitória de eleições, porque
identificam os principais problemas de que enferma a sociedade, iniciando-se normalmente pelas
questões relativas a satisfação das necessidades básicas, como seja a paz, a saúde, a educação
e a estabilidade económica que passa pelas vias de comunicação, circulação de pessoas e bens,
até ao desenvolvimento técnico-científico.

Após o período eleitoral aquilo que constituiu manifesto eleitoral do partido político
vencedor é aperfeiçoado e transformado no plano periódico de governação e para o caso de
Moçambique, mais concretamente para o Governo, é o denominado plano quinquenal, que não é
nada mais, nada menos, que o espelho do sistema político implantado que é social-democrata
com a economia liberalizada virada para o alívio a pobreza.

Este plano quinquenal que traça a política de governação e orienta a politica legislativa é
desenhado, aperfeiçoado a nível das estruturas políticas do partido no poder e portanto são as
intenções, as vontades, as prioridades deste partido que se vão transformar em leis reguladoras
desta sociedade com vista à satisfação tanto dos interesses desta organização política
(Estado), como dos governados. Está é a génese do Estado.

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Para a implementação concreta deste programa de governação o Estado organiza-se


para dirigir, através dos organismos pré-estabelecidos na CRM. E esta organização passa pela
nomeação dos representantes dos diversos sectores e territoriais que são da confiança do
dirigente máximo do Estado (Presidente da República) constituindo assim o Governo (o Conselho
de Ministros e Governadores) e, conforme se verá adiante, são estes que estabelecerão as
prioridades legislativas, pois são provenientes do partido com maior representatividade no
Parlamento.

Estas entidades governamentais são os potenciais legistas que com base nas ideologias
do seu próprio partido, desde que não extravase o previsto na CRM, elaboram as leis, pois
contrariamente seriam declaradas inconstitucionais, nulas e sem nenhum efeito, pelo órgão
denominado Conselho Constitucional que fiscaliza e controla as leis emanadas da Assembleia da
República para que estejam em harmonia com a Lei Fundamental.

As entidades públicas na implementação desta política fazem-no propondo leis à


Assembleia da República para sua aprovação e também elaborando e aprovando decretos-leis e
decretos sobre matérias que não são estritamente da competência do Parlamento, mas que visem
a materialização concreta do plasmado nas leis. Assim se manifesta a vertente executiva.

A política de governação tem como corolário a política legislativa materializada em forma


de lei, de decreto-lei, decreto, diplomas ministeriais, e despacho.

Mas todas estas manifestações legislativas estão harmonizadas com o plano quinquenal
do Governo.

Vejamos então uma breve história do sistema legislativo moçambicano.

Na nossa história conhecemos um sistema político de economia centralizada (1975-


1989) e a sua política legislativa estava orientada para este sistema que preconizava a existência
de um partido único, o Estado como o principal agente económico, a eliminação das empresas

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privadas através das nacionalizações e criação das empresas estatais, a não separação de
poderes e a limitação dos direitos de expressão, de reunião e de associação.

Com a Constituição de 1990 surge uma nova ordem jurídica, política e social do Estado
(novo regime) com princípios que contrariam o anterior regime, priorizando o multipartidarismo, a
liberalização da economia (empresas privadas) e a extinção das empresas estatais, um verdadeiro
exercício democrático através do sufrágio universal, da liberdade de expressão, da liberdade de
reunião e de associação.

Assim, a nova política legislativa visa dar corpo à nova ordem política e as prioridades
legislativas são estabelecidas em função das necessidades de governação prática do país, senão
vejamos:
 as primeiras leis orientadoras foram o de Estabelecimento do novo tipo de Estado
após os Acordos de Paz;
 a consolidação da paz;
 as leis económicas e sociais para garantir a desenvolvimento da economia
nacional.

Verificamos assim que à medida que o Estado se vai desenvolvendo e se vai


consolidando, vai satisfazendo gradualmente as necessidades das populações e por isso é que as
leis sociais começam a ganhar corpo.
Assim surgiu a Lei Eleitoral, a Lei dos partidos políticos, a Lei do associativismo, a Lei
orgânica dos Tribunais, Lei do sistema nacional da Educação, a Lei dos deficientes, de apoio
velhice, à Saúde, a Lei do Ensino Superior, e na política de igualdade de género foi aprovada
recentemente a Lei da Família.
E agora tendo em conta a ordem de prioridades falamos do Anteprojecto da Lei contra da
Violência Doméstica visando proteger a mulher e a criança contra a violação dos seus direitos no
próprio seio familiar.

Assim podemos verificar que o processo de elaboração de políticas é muito abrangente e


engloba várias áreas. O Governo estabelece prioridades por áreas e em cada área. Assim, tendo

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sido em 2004 aprovada uma nova Lei da Família que espelha o princípio da igualdade de género,
este parece ser o momento oportuno e pertinente para que se aprove uma lei protectora da mulher
contra a violação dos seus direitos no seio da família, como o são as propostas da lei da violência
doméstica, das Sucessões e de base de menores como resultado de uma sequência lógica.

2. TRANSFORMAÇÃO DE POLÍTICAS EM LEGISLAÇÃO

A política de elaboração de leis há-de ser a ideia e os ideais para dar lugar à existência de
determinadas normas orientadoras da sociedade, como seja as leis, que são regras jurídicas que
emanam da autoridade social que as promulga e têm por fim a tutela dos interesses individuais e
colectivos, segundo um critério de justiça6.

Elas têm uma função valorativa, enquanto definem os interesses individuais ou colectivos
que asseguram protecção, e uma função imperativa, enquanto impõem essa regulamentação. As
regras jurídicas, por serem um imperativo ou um comando, têm de definir o que comandam,
valorando do prisma jurídico que constitui o objecto do comando.

Assim, sistematicamente podemos estabelecer que as regras jurídicas, emanam duma


autoridade que as promulga; são gerais e abstractas (as regras de direito são iguais para todos,
devem aplicar-se indistintamente a todas as situações iguais que se apresentem na vida social); e
são aplicadas coercivamente7.

Verificamos aqui que as leis regulam as condutas humanas, e por isso se encontram em
permanente evolução adaptando-se às modificações sociais ou mesmo harmonizando-se na sua
dinâmica interna.

A evolução destas exprime-se e resulta da modificação do modus vivendi8 dos membros


da sociedade que exige diferentes soluções para diferentes problemas carecidos de tratamento
jurídico.

6 MARQUES, José Dias, Introdução ao Estudo do Direito, Editora Danúbio, 1998, p. 105.
7 JUSTO, A. Santos, ob.cit., p. 82.
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A legislação surge, assim, como facto vivo e progressivo, isto é, procura a cada momento
adaptar-se e responder às exigências da evolução social e económica, pelo que, a cada momento
nos deparamos com novos campos de actuação da lei.

Embora na Constituição da República de Moçambique esteja consagrada a chamada


separação e independência dos órgãos de soberania, nomeadamente Assembleia da República
como órgão legislativo, o Governo como executivo e os Tribunais como órgão judicial,
essa divisão de poderes não impede a complementaridade, pois todos concorrem para o mesmo
fim político, o que significa que cada um com a sua função orienta-se pelos princípios
constitucionalmente consagrados.

Nesta interdependência cabe ao Parlamento (Assembleia da República) a função


legislativa, que se consubstancia na criação das leis através da aprovação das mesmas.
Sendo a lei um instrumento de intervenção e de direcção de todos os órgãos de soberania
e da sociedade em geral, ela deve provir do mais alto órgão legislativo, porque é ela que define as
normas que regem o funcionamento do Estado e a vida económica e social do país.

Assim, a opção de apresentar a proposta de lei é sempre política e o desencadear de um


processo legislativo pressupõe sempre uma escolha política, conciliada ao regime político, no
sistema do Governo vigente, bem como no programa de governação.

Este enquadramento há-de variar de sector para sector, do contexto e realidade social,
tendo em conta o grau de desenvolvimento da sociedade em questão, e há-de também variar de
acordo com a urgência aplicada a cada um dos fenómenos sociais tendo em conta os anseios das
próprias populações, porque, em última análise, o Governo na sua actuação não pode perder de
vista a satisfação das necessidades básicas da sociedade.

Era desejável que sempre que possível a decisão de legislar fosse objectivamente do
legislativo, mas a tentação é oposta, porque esta iniciativa de legislar surge normalmente em
resposta às reivindicações da opinião pública (sociedade civil) ou mesmo da comunidade

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internacional que pressionam o executivo e os deputados a satisfazer rapidamente as classes


destinatárias que clamam por medidas adequadas para resolução dos problemas que lhes
afligem.

Deste modo é perceptível que contrariamente ao estabelecido na lei em que se dá


primazia ao parlamento para iniciativa de lei, de facto, quantitativamente e até qualitativamente
prevalece o papel do Governo, porquanto é quem em primazia escreve a proposta de lei e não o
Parlamento, isto porque o Governo é o executivo e os deputados são maioritariamente deste
Governo, e pressionado por uma classe de cidadãos, acaba por influenciar os deputados a
legislarem sobre as matérias que lhes interessam.

Mas não podemos perder de vista nesta avaliação que como acto de função política, a lei
deve prosseguir os fins do Estado, de harmonia com o disposto na CRM. O legislador encontra na
CRM a enunciação expressa ou implícita dos fins que pode e deve realizar, recorrendo para tal
aos meios que a Lei Fundamental lhe consente, sob pena de incorrer na prática de actos
inconstitucionais por excesso de poder ou desvio de poder.

Na subsequente exposição nos ocuparemos da criação da lei em sentido restrito,


descriminando cada uma das suas fases.

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CAPÍTULO III
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1. TEÓRICO: LEGISLATIVO E DOUTRINÁRIO

Do ponto de vista teórico e doutrinário, a lei no seu processo de formulação, passa por
várias etapas estabelecidas na Constituição da República de Moçambique. Neste processo temos
a iniciativa da lei (elaboração do texto e apresentação), discussão (apreciação na generalidade e
análise e aprovação na especialidade), votação, aprovação, promulgação, publicação e vigência
da lei (entrada em vigor)9.

Eis então as fases de processo de elaboração de leis:

a) INICIATIVA DA LEI

O sistema de iniciativa de lei em Moçambique configura-se como um sistema de iniciativa


pluralista, dado que o poder de iniciativa é constitucionalmente atribuído a vários órgãos 10. Esta
iniciativa legislativa configura-se juridicamente como um poder, pois o poder dos deputados, do
governo, dos grupos parlamentares, que lhes é atribuído directamente da Constituição para a
realização do interesse público, tendo em conta a sua posição jurídica no ordenamento
constitucional.

O acto legislativo é um acto intencional, voluntário, há-de exprimir um desígnio de acção


politica livremente determinado em função da representação do interesse geral. Simplificando é
necessário que exista vontade, mas não qualquer vontade, a vontade das instituições autorizadas
pela CRM.

Temos assim, no novo quadro constitucional definido como instituições com iniciativa
legislativa, (art.º 183 da CR):
 Deputados [(alínea b) do art. 173 da CRM];
9 TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Almedina, 1999, p. 65.
10 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, Almedina, 1992, p. 956.

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 Bancadas parlamentares [(alínea e) do nº 1 do art. 196 da CRM];


 Comissões da Assembleia da República [(alínea e) do nº 1 do art. 196 da CRM];
 Governo (através do Conselho de Ministros) [(alínea c) do nº 1 do art. 204 da CRM].

Estas instituições são aquelas que têm a competência de submeter propostas legislativas
para serem apreciadas pela Assembleia da República 11. Vale dizer que cada órgão dotado de
competência legislativa tem o seu modo próprio de agir na feitura das leis. E por isso importa
descrever, ainda que em breves termos, o formalismo próprio da respectiva actividade.

Vários centros legistas estão nos diversos Ministérios que têm a responsabilidade de fazer
um esboço e o enviam para o ministro do pelouro que por sua vez o apresenta ao Conselho de
Ministros. Este órgão aprova a proposta de lei que vai à Assembleia da República.

Se o anteprojecto for iniciado pelos deputados da Assembleia da República, do mesmo


modo é apreciado nesta instância, nas comissões competentes.

Sendo da iniciativa do Presidente da República o anteprojecto é também depositado neste


órgão colegial.

Se os cidadãos politicamente organizados tiverem uma proposta de lei, ela deve ser
apresentada via Executivo ou deputados da Assembleia da República. Nestas instancias de
soberania as propostas são transformadas em anteprojectos e são discutidas na Assembleia da
República. O respectivo expediente observa uma trajectória própria, que tem o seu início na
secretaria geral da Assembleia da República e o seu fecho tem lugar com a deliberação final do
plenário. Esta tramitação designa-se por tramitação legislativa e tem por finalidade recolher e
elaborar os dados e elementos que permitam analisar a oportunidade do procedimento legislativo
bem como o respectivo conteúdo.

O direito de iniciativa legislativa manifesta-se através da apresentação à AR de um texto


articulado de preceitos normativos denominados, conforme os casos, por projectos de lei

11 JUSTO, A. Santos, ob.cit., p. 83.

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(iniciativa parlamentar, pertencente aos deputados e aos grupos parlamentares) e por proposta de
lei (iniciativa legislativa governamental, pertencente ao Governo), isto porque cada acto legislativo
anda associado a uma forma especificada pela CRM – a lei, o decreto lei (art.º 181 e 182 da CRM)
– a qual corresponde, por seu lado, um determinado procedimento legislativo.

Independentemente de quem exerce a iniciativa de lei, a proposta é sempre depositada


nos órgãos colegiais. O trabalho fundamental cabe, entre nós, à comissão permanente e às
comissões especializadas; a estas serão enviados os projectos ou propostas de lei, uma vez
admitidos, a elas competirá dar parecer devidamente fundamentado, podendo, inclusive, sugerir
ao plenário a substituição do texto do projecto, tanto na generalidade como na especialidade

b) DISCUSSÃO

O texto apresentado à AR é por esta discutido e votado na generalidade. Se o texto não é


aprovado na generalidade, finda aí o processo legislativo sem que dele tenha chegado a surgir
efectivamente qualquer lei. Na hipótese inversa, que é a normal, passa-se à discussão de cada
um dos preceitos em particular, sendo esta a discussão na especialidade.
A apreciação na generalidade serve para estabelecer se é oportuno legislar sobre a
matéria contida na proposta e se o texto é um ponto de partida aceitável (se concluir que não é
oportuno, o texto é reprovado e não prossegue, e assim o passo seguinte será discutir o que fazer
para ser oportuno). Este é um debate entre os deputados, debate público, que conduz à
aprovação.

c) APROVAÇÃO (VOTAÇÃO)

Na análise e a aprovação na especialidade faz-se a arrumação do texto em termos de capítulos,


sequência, redacção para que o texto saia efectivamente definitivo. Este processo é muito
importante porque deve produzir um texto que reflicta um ponto de vista maioritário ou consensual
dos deputados. Esta é aprovação na especialidade porque é discutido capítulo por capítulo,
secção por secção, para chegar ao texto que se pretende.

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Existe posteriormente a declaração de aprovação geral da Lei, reflectindo que se chegou


ao fim do processo, foi aprovada a lei e leva assinatura do Presidente da Assembleia da
República.

d) PROMULGAÇÃO

É o acto pelo qual o Chefe do Estado, entre nós, o Presidente da República, atesta
solenemente face a nação a existência da lei e ordena que ela se execute, no pressuposto de que
esta está regularmente votada nos termos constitucionais.
Assim, envia-se a lei ao Presidente da República e este analisa com base na CRM
achando oportuno pode solicitar o parecer do Conselho Constitucional, para verificar se a lei fere
algum princípio constitucional, e se concluir que não avança e promulga e mandando-se publicar
(se verificar que fere algum princípio constitucional então pode vetar o diploma apresentado).

e) PUBLICAÇÃO

Um dos pressupostos da obrigatoriedade da lei é a possibilidade de ser reconhecida pelos


seus destinatários, e para o efeito deve ser levado ao conhecimento dos destinatários através da
sua publicação, que é feita no Jornal Oficial12 13 14, no Boletim da República. A falta de
publicidade inibe a produção de efeitos jurídicos e, por conseguinte, a lei é juridicamente ineficaz.

f) VIGÊNCIA DA LEI

Com a publicação, completam-se todos os requisitos da entrada em vigor do diploma.


Mas entre a publicação e a vigência da lei decorrerá um período de tempo de vocatio legis.
Existem quatro formas de entrada em vigor das leis 15 16:
- Pode entrar em vigor imediatamente (devido à importância da matéria), nesta
caso a vocatio legis é igual a zero;

12 DUARTE, Maria Luísa, ob.cit., p. 173.


13 JUSTO, A. Santos, ob. Cit. p. 84, 85.
14 ASCENSÃO, José Oliveira, O Direito, Almedina, 1999, p. 289.290.
15 JUSTO, A. Santos, ob. Cit. p. 85, 86.
16 ASCENSÃO, José Oliveira, ob. Cit., p. 294,295.

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- Pode entrar em vigor numa data expressamente prevista na lei, neste caso a
vocatio legis é igual ao tempo pré-estabelecido no próprio documento
referenciado;
- A lei pode não indicar a data da sua entrada, mas indica o intervalo de tempo, que
vai desde a sua publicação à entrada em vigor. Neste caso a vocatio legis é igual
ao intervalo de tempo para a entrada em vigor.
- Finalmente, pode ainda não existir nenhuma disposição a estabelecer a entrada
em vigor, neste caso socorremo-nos da Lei da vocatio legis.

2. DA TEORIA JURÍDICA À PRÁTICA LEGISLATIVA

A pesquisa em apreço foi acompanhada, como já o referimos na introdução, pela feitura


de entrevistas às entidades com iniciativa legislativa como sejam o Conselho de Ministros,
Assembleia da República, Ministério da Justiça e ainda Ministério da Mulher e Acção social.

Sendo nossa pretensão verificar se a matéria teórica se adequa à prática verificamos que
a praxis (prática) legislativa se conforma com o disposto na lei e na doutrina.

Entretanto, foi possível vislumbrar das entrevistas concedidas que existe uma questão
preocupante: a questão dos prazos.
O Conselho de Ministros, o Governo não têm prazos legais para apreciar as
propostas/projectos de lei. O processo é aleatório. O prazo estende-se nos 5 anos que dura o
mandato. Na Assembleia da República - inicialmente no primeiro regimento - consignavam-se
prazos de depósito dos anteprojectos de lei que deviam ser escrupulosamente respeitados.
Havendo propositura fora do prazo a Assembleia não devia conhecer. O actual regimento não tem
qualquer prazo. A Assembleia da República não tem agenda fixa, mas sim flexível.

O critério de escolha das propostas de lei para aprovação não é aleatório. Obedece a dois
critérios fundamentais: ordem de entrada e complexidade. De acordo com as entrevistas não há
um critério de discriminação. Não obstante os anteprojectos de lei apresentados pelo Conselho de

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Ministros que visam materializar o plano económico e social aprovado têm tido, via de regra, a sua
apreciação/aprovação, mais célere.

3. RATIFICAÇÃO DOS DIPLOMAS INTERNACIONAIS

No sentido técnico o tratado ou convenção17 não é lei, mas é uma fonte importante de
Direito e entre nós é particularmente importante na medida que a Constituição contém o que se
chama uma cláusula de recepção plena, nos termos da qual os tratados internacionais vigoram na
ordem jurídica moçambicana, sobre condições de conclusão e de publicidade. É de salientar que
as normas dos tratados e convenções internacionais prevalecem em caso de conflito sobre
qualquer norma interna mas não podem violar a Constituição.

Os tratados são pois parte integrante da ordem jurídica moçambicana, e nesse sentido,
torna-se essencial perceber como se fazem e quais são os passos e precauções a adoptar.

Na doutrina clássica existem três fases para a conclusão do Tratado: a negociação,


assinatura e ratificação.

A fase de negociação corresponde a um acordo de vontades, que pressupõe a existência


de uma fase prévia, em que se define o objecto, as soluções que interessa reter ou as que
interessa prestar. Esta é uma fase de concertação, que é talvez a mais importante, nas
negociações internacionais, porque estamos perante poderes juridicamente iguais, em que não
aparece a imposição de cláusulas. A fase da assinatura não marca a entrada em vigor do
Tratado, mas fica aqui fixado o texto definitivo. A Ratificação marca a entrada em vigor desse
Tratado no Estado membro.

Moçambique tem sido prolífero na ratificação de tratados e convenções internacionais, em


termos qualitativos e quantitativos, na medida em que tem ratificado tratados vanguardistas tendo
em conta a realidade geográfica e social do nosso país. É exemplo deste factor a ratificação do
CEDAW e ainda a ratificação do Protocolo a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
17Acordo de vontades concluídas sob forma escrita entre sujeitos de Direito Internacional, regido pelo Direito Internacional e do qual
resultam direitos e obrigações para as partes contratantes.

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Povos, relativamente aos direitos da Mulher e as imensas resoluções relativamente aos Direitos
das crianças. Se é positiva a ratificação destes diplomas internacionais, torna-se importante
estabelecer o grau de implementação do Governo Moçambicano, o grau de aplicabilidade destes
diplomas na esfera nacional.
A AR, com já o dissemos anteriormente, estabelece a entrada destes diplomas,
estabelecendo que hierarquicamente são infra-constitucionais e supra-legais, querendo este facto
dizer que os diplomas ratificados são superiores a qualquer lei, exceptuando a Lei Constitucional.
Assim, os pressupostos anteriormente referidos pressupõem que a Lei da Violência Domestica
teria que ser aprovada urgentemente, e mais, que estas normas alusivas à violência doméstica
presentes nos tratados já deveriam estar a ser aplicadas na prática no nosso país.
Mas não é só esta norma que deveria já estar a ser aplicada, mas também a questão do
aborto (já em discussão), o direito da informação quando ao parceiro é diagnosticado HIV/SIDA
(bastante polémico entre os médicos do nosso país e não só), normas protectoras da mulher
viúva, da mulher idosa e portadora de deficiência física.

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CAPÍTULO IV
FEITURA DO ANTEPROJECTO DE LEI CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

1. ANTECEDENTES

Nas proximidades do ano 2000, activistas defensoras da cidadania da mulher, criaram


mecanismos de intercâmbio entre as várias organizações sociais que defendem a mulher em
torno do objectivo principal de concertar acções no sentido de intervir de forma mais
institucionalizada no apoio das mulheres vítimas de violência doméstica.

Na época era a KULAIA, sitiada no Hospital Central de Maputo, que reunia um grupo de
psicólogos clínicos que atendiam as vítimas de violência doméstica que apareciam no hospital.
Concomitantemente outras organizações sociais como a WLSA, no Centro de Estudos Africanos
da Universidade Eduardo Mondlane, coordenavam esforços no sentido de perceber e trazer a
discussão os problemas relacionados com a violência doméstica.

Neste processo constatou-se que não havia uma lei específica que criminalizasse a
violência doméstica, estando esta prática subsumida na generalidade do tipo legal de crime de
ofensas corporais.

Foi nesse sentido, e tendo em conta o contexto internacional e com ajuda de


organizações não-governamentais internacionais que se criou o grupo Todos Contra a Violência
que se encarregou de atender e realizar discussões mais aprofundada das questões ligadas à
matéria para tornar visível o problema.

2. PERCEPÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL PROPONENTE (Fórum Mulher, WLSA,


MULEIDE e AMMCJ)

As organizações sociais entrevistadas consideram que o processo de aprovação está


moroso e que não existe uma vontade política para a sua aprovação.

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É também unânime a expectativa negativa relativamente à aprovação da proposta na sua


versão original.

Se por um lado entendem que a aprovação da proposta terá lugar um dia (porém
indeterminado), e que este facto prende-se com o verniz formal da democraticidade do Estado e
do cometimento do Governo com a promoção da cidadania feminina perante a comunidade
internacional, por outro, já prenunciam profundas mudanças ou descaracterização da proposta
inicial, tendo em conta as experiências que colheram aquando da aprovação da Lei de Família.

É curioso verificar que muitas das organizações não têm conhecimento ao certo do ponto
de situação desta proposta de lei no Parlamento e para quando a sua aprovação (com ou sem
alterações).

Se para algumas entrevistadas se deve ao facto do Parlamento ter uma agenda


carregada, para a maioria é interpretada como uma situação propositada indiciadora do descaso
por parte do poder público.

Vozes há que acrescentam a este quadro um cenário que aponta a possibilidade de não
haver tratamento igual entre as propostas e projectos de lei. Se por um lado as propostas
económicas estão a reboque da globalização capitalista hegemónica e, portanto, exige muita
celeridade, por outro, as propostas de lei com forte interesse social, que introduzem alterações
estruturais nas relações sociais e nas formas de sociabilidade, merecem menos interesse por
parte do poder público.

A falta de prazos vinculativos para aprovação, a serem observados pelos poderes


públicos, gera um desgaste psicológico muito grande a estas organizações que por essa razão
vêem fragilizadas a actuação da sociedade civil na criação de propostas de lei.

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3. PRINCIPAIS CONSTRANGIMENTOS SEGUNDO A PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE


CIVIL PROPONENTE

Os principais constrangimentos observados na aprovação da proposta de lei segundo as


entrevistadas são: por um lado o paradigma social hegemónico de supremacia do homem sobre a
mulher que gera resistências estruturais à mudança no sistema social; por outro lado, as vozes
contestantes entendem que a proposta não foi construída no pressuposto da igualdade de género
(artigo 36 da CRM) incorrendo assim em inconstitucionalidade, sendo por conseguinte mais
defensora dos direitos das mulheres do que dos homens.

As proponentes contornam o argumento da inconstitucionalidade (que no seu entender é


formal) enquadrando as questões no artigo 18 da CRM que enuncia que vigoram no ordenamento
jurídico moçambicano, os tratados e acordos internacionais, validamente ratificados depois de sua
publicação oficial. A discriminação positiva das mulheres na proposta da Lei, de acordo com as
proponentes, tem cabimento na Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação
contra as mulheres, ratificado na Resolução de 4/93, de 2 de Junho.

4. LIMITAÇÕES DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O ENFRAQUECIMENTO DA


SOCIEDADE CIVIL

O sistema representativo refere-se a um conjunto de instituições que definem uma certa


maneira de organização do Estado. De acordo com diversas linhas doutrinárias encontramos duas
teorias: a representação por identidade e a representação por dualidade.

Em termos tipo-ideais a identidade por identidade “ retira ao representante todo o poder


próprio de intervenção política, animada pelos estímulos de sua vontade autónoma e o acorrenta
sem remédio à vontade dos governados, escravizando-o a um escrúpulo de fidelidade ao
mandante”18.

18 BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, Malheiros Editores, São Paulo, 1994, p. 203.

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A representação por dualidade “toma-se aí o representante por nova pessoa, portadora de


uma vontade distinta daquela do representado”.

É opinião dos entrevistados, de que o Parlamento nacional no seu estágio de evolução


institucional, o seu funcionamento aproxima-se ao do tipo-ideal da dualidade entre a vontade dos
representantes e dos governados, estando os primeiros, de acordo com a mesma perspectiva,
pouco se importando com as reais aspirações dos cidadãos que os elegeram, em nome de
interesses superiores ao da disciplina partidária.

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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Da pesquisa em apreço foi possível descortinar o seguinte:

 A decisão de legislar é sempre política, obedece sempre à política do Governo do dia, aos
seus interesses e prioridades;
 Existe coincidência entre a doutrina, a legislação e a prática no que concerne à feitura de
leis e políticas em Moçambique;
 Como pudemos verificar, a participação da sociedade civil no processo de elaboração de
leis em Moçambique é nula, legalmente não temos nenhuma previsão e a Constituição só
permite uma acção directa no controlo da constitucionalidade;
 E que por si só a ratificação dos diplomas internacionais não constitui pressão bastante
para o Estado contratante, carecendo muitas vezes de legislação doméstica. para
aplicação concreta.

Este facto obriga que reflictamos sobre mecanismos para contornar esta realidade que se
prende grandemente com concertações, lobbying e advocacia, que podem passar pela inflamação
da sua necessidade no seio da sociedade civil e também na concertação e influência sobre os
órgãos que detém o poder de iniciativa legislativa.

Assim as recomendações, tendo em conta que é PROJECTO DE LEI (significando que


quem a acolheu foram os deputados) passam por várias áreas de acção:

1. É necessário em absoluto que se ganhe o apoio do executivo. A iniciativa de lei é


sempre política e tal facto não é contra legem (contra a lei). Assim a sociedade civil ficaria
mais protegida se enveredasse pela negociação e conversação por forma a angariar
apoios de instituições como o Ministério da Justiça e o Ministério da Mulher e Acçao
Social para que estas façam desta proposta também sua, e sendo também sua, a
proposta estaria a cumprir a política do Governo apesar de pressionada pela sociedade
civil.

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2. É necessária uma mega campanha sensibilizadora dirigida a população, para que


esta faça uma pressão sobre o legislativo. Este factor poderia ditar uma deliberação
rápida tendo em conta que nos encontramos próximos de eleições.

3. É necessário que se sensibilize os jornalistas e se preparem debates televisivos e


radiofónicos.

4. É necessário aproveitar a criação da Rede Mulheres (ex) Ministras e (ex)


Parlamentares, (e o Fórum das Mulheres Parlamentares) para que estas possam apoiar
esta causa.

Neste momento a parte legal esta disposta em terreno inferior, a sociedade civil nada
pode fazer se não influenciar os sectores do executivo para encabeçarem a proposta junto do
Conselho de Ministros e os parlamentares a votarem favoravelmente.

Porem necessário é ter em consideração que uma vez que a não aprovação desta lei
não é meramente jurídica, a solução não tem que se restringir ao plano meramente jurídico, mas
também ás condicionantes culturais que se sobrepõem às de índole jurídica e política, e que
constituem um abissal entrave à genuína igualdade.

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BIBLIOGRAFIA E LEGISLAÇÃO

 RAPOSO, Vera Lúcia Carapeto, O Poder de Eva, Almedina, 2004.


 DUARTE, Maria Luísa, Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL, 2000.
 JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, Reproset, 1996.
 MARQUES, José Dias, Introdução ao Estudo do Direito, Editora Danúbio, 1998.
 TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Almedina, 1999.
 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, Almedina, 1992.
 ASCENSÃO, José Oliveira, O Direito, Almedina, 1999.
 SANTOS, Boaventura de Sousa, Por uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos,
in Identidades, Revista Crítica de Ciências Sociais nº 48.
 ARTHUR, Maria José; MEIJA, Margarita, Coragem e Impunidade, Maputo, 2006.
 BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, Malheiros Editores, São Paulo, 1994.

 Constituição da República de Moçambique


 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as
Mulheres
 Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da
Mulher em África

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ANEXOS

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