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Wolfgang Iser
HANS ULRICH GUMBRECHT
Originalmente, publicado como resenha a Der Akt des Lesens (O Ato da leitura) de W Iser
(1976), in Poética, 9, 3, Verlag B. R. Grüner, Amsterdam 1977.
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A estética da recepção necessita de uma teoria do texto que leve em conta os
seus genuínos interesses de conhecimento. Pois, se o objeto de suas investi-
gações históricas for o de chegar a conclusões sobre a diversidade do saber
social de distintos grupos receptores, a partir dos diferentes significados atri-
buídos a textos idênticos, e se uma estética da recepção normativa deve pre-
ver que significados distintos serão futuramente atribuídos a textos idênticos
por parte de diferentes grupos receptores, a fim de, talvez, se extraírem dos
mesmos sugestões para a elaboração de um cânone de leituras e para o apri-
moramento da competência receptiva,1 então uma teoria textual adequada
deverá preencher dois requisitos específicos. Em primeiro lugar, ela tem que
ser capaz de constituir uma estrutura de texto constante como termo de com-
paração para as diferentes concretizações (atribuições de sentido) de um texto;
em segundo lugar, deve ser capaz de reconstruir os “procedimentos literários”
perceptíveis no texto, como estímulos para a recepção de seus leitores, a fim
de que se possam compreender as diferenças entre concretizações compro-
vadas e concretizações prognosticadas, a partir das diferenças na apreensão
e na assimilação destes estímulos. O segundo postulado exclui a possibilida-
de de que o conceito de texto da estética da representação seja transposto
para a estética da recepção porquanto ele se refere à relação entre texto e
realidade e não à “interação”, conforme o autor, entre texto e leitor.2
No início da discussão sobre o desenvolvimento de uma estética da re-
cepção, acreditava-se poder resolver o problema do conceito de texto ade-
quado ao objeto designando-se simplesmente os procedimentos literários
(para a estética da representação: modos de apropriação da realidade) de ins-
truções e descrevendo-as a partir de uma perspectiva devidamente modifica-
da.3 Não por último, os escritos anteriores4 do autor tiveram o mérito de
chamar atenção para o fato de que, do ponto de vista da estética da recep-
ção, o texto apenas se “concretiza” através da atuação do leitor e que, devi-
do a isso, não pode simplesmente ser compreendido como uma partitura de
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“como núcleo da religião artística dessa época, prometia soluções que os sis-
temas religiosos, político-sociais ou das ciências naturais não mais podiam
oferecer” (p. 17). Em sua crítica à continuação de tal prática de interpreta-
ção, o autor equipara a procura de significados a uma pretensão universal de
esclarecimento da literatura (e também da ciência literária) e pode, por isso,
utilizar a crescente parcialidade da arte, observada desde o século XIX, como
argumento não só contra o legado do direito à interpretação universal mas
também contra o status da descoberta de significados como tarefa principal
da interpretação. Gerhard Kaiser mostrou que a interpretação orientada para
a descoberta de significado sempre esteve atenta à relatividade histórica de
suas pretensões.6 Contudo não se lhe afigura problemática a pretensão de
abrangência universal da interpretação em termos sociais (isto é, o postula-
do da validade de seus resultados para todos os receptores de uma determi-
nada época). Desse modo, sem querer ele confirma a premissa do autor de
que existe uma concomitância entre a pretensão de validade universal e a
interpretação que visa à descoberta de significados. Mas qual é o objetivo
das ciências da arte numa época em que seu objeto se tornou parcial não só
histórica como socialmente? A resposta do autor a essa pergunta é uma
legitimação histórico-filosófica da estética da recepção: “ Deduz-se daí que a
velha pergunta a respeito do que um determinado poema, drama ou roman-
ce significa tem de ser substituída pela pergunta a respeito do que acontece
ao leitor, quando este traz os textos de ficção à vida, através de sua leitura”
(p. 41). E esta nova questão vale tanto para a teoria do efeito proposta pelo
autor, quanto para estudos concretos da estética da recepção, de orientação
histórica ou normativa.
Na parte inicial de seu livro, portanto, o autor não somente justificou a
estética da recepção “para fora” ; com a última questão citada, também apon-
tou o ponto de partida para o seu posterior desenvolvimento, por meio do
esboço de uma teoria do efeito. Sua elaboração inicia com os preâmbulos
sobre a substituição do conceito de texto dentro da estética do efeito (p. 37-
86), para chegar novamente à perspectiva sintetizante da “interação entre
texto e leitor” (p. 257-355), por meio das descrições distintas do “pólo tex-
tual” (p. 87-174) e do “pólo do leitor” (p. 175-256). Foram sobretudo duas
as falhas a serem ainda melhor dissecadas na avaliação final da obra, que
dificultaram a leitura do livro e que fizeram com que o resumo que segue se
tornasse, em algumas partes, uma reconstrução interpretativa: estas falhas
são as inconsistências terminológicas e a distinção não conseqüentemente efe-
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que o autor mais adiante não consegue esclarecer por meio da relativização
histórica das estruturas de texto e de atos de leitura por ele analisadas. Ele
espera estabelecer tais estruturas de sentido (por parte de “leitores implíci-
tos” isolados) não só a partir da obtenção de um ponto de referência
transcendental, mas também a partir de um valor-limite da atribuição de sen-
tido, relevante do ponto de vista heurístico. A tradição decorrente da sedi-
mentação das concretizações nas histórias da recepção alude apenas a esse
valor-limite, e análises isoladas, baseadas na estética da recepção, podem
colocar em seu lugar — de modo contrafatual — o significado sedimentado
nas respectivas histórias de recepção anteriores?0 Parece assim que a praxis
da estética da recepção, em busca de constantes meta-históricas, remete à
história, se bem que não mais só a ela.
No início do capítulo seguinte, onde alude à teoria dos atos da fala de Austin,
enfatizando a distinção entre atos constativos e performativos, o autor elucida o
abandono da tradicional problemática do reflexo e a conseqüente adoção de
um “modelo de texto de ficção” funcionalista, com a qual retoma premissas teó-
ricas da estética da recepção. Os textos de ficção nascem de atos performativos,
pois estes “trazem algo à luz que começa a existir apenas no momento em que
ocorre a manifestação” (p. 92),11 e o modo da comunicação, constituído pelos
atos performativos, em termos gerais, está ligado a três “condições de êxito”,
por meio de cuja especificação o autor quer destacar, de todos os outros atos
performativos, os atos de fala referentes a textos de ficção. Eles devem estar in-
seridos em situações definidas; o falante (autor) e o ouvinte (leitor) devem com-
partilhar de um certo número de convenções tematizadas no texto; e o emprego
da convenção deve ser guiado por modos de proceder aceitos.
A contribuição do autor para a solução do problema da “ inserção
situacional” dos textos de ficção — que, sabidamente, podem constituir um
meio de comunicação nas mais diversas situações históricas e sociais *— é
formulada no final de seu livro (p. 257-60), de forma mais concisa do que
no contexto do desenvolvimento de seu modelo de texto (p. 101-114). En-
quanto o conhecimento mútuo dos parceiros da comunicação pode ser to-
mado como a situação dos atos pragmáticos da fala, e enquanto o desfazer
dos conteúdos contingenciais deste conhecimento pode valer como estímu-
lo e meta da comunicação pragmática, o texto de ficção e seu leitor, no iní-
cio do ato da leitura, encontram-se numa relação de “assimetria”, ou seja
(também): não estão numa situação definida. São estímulos, portanto, para
a comunicação por meio de textos ficcionais, segundo o autor, aquelas partes
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Considerações desta ordem sobre uma “teoria do efeito ideal” por certo
só se tornam possíveis após a leitura do presente livro. E por este motivo ele
é revolucionário, no sentido bem preciso da história da ciência. E isto vale,
independente de seu valor considerável para a fundamentação fenomeno-
lógica de certos setores da psicologia e da sociologia, para não falar das
múltiplas sugestões para interpretações históricas isoladas de obras da litera-
tura inglesa, que surgem, por assim dizer, “à margem” da leitura.
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Tradução
1NGRID STEIN
Revisão
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Notas
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