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fagulha Verão/Outono de 2019 – Ano IV – Nº5

valor

r$5
A
sugerido

D A-S E
FO A C IA!
M OC R
DE
Não existe governo revolucionário
Organizar a morte do Estado e do Capital
Da discordância ao ódio
Uma prática para a coesão
Nada a esconder, nada a temer
Por que um feminismo negro?
Homens abusivos
Pedagogia libertária
Encontrando o Amor Revolucionário
Julho de 1981: dois funcionários da Itaipu
Binacional apertam as mãos enquanto
uma casa de madeira arde em chamas al-
tas atrás deles. Outra imagem mostra os
servidores perto de uma caminhonete
com a logomarca da Itaipu na porta. Um
deles está escorado no veículo e olha pa-
ra a câmera, como se estivesse posando.
Mais uma vez, uma construção envolta
em fumaça aparece ao fundo. Inéditas, as
fotos revelam uma faceta praticamente
desconhecida da construção da hidrelé-
trica: funcionários colocavam fogo em
ocas de índios guarani que viviam na re-
gião de Foz do Iguaçu, no Paraná, para
expulsá-los do local.
2. fagulha
Colàboré
çom Préçisàmosdoséuàpoio!
fàgulhà!
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Todos textos de Fagulha podem e devem ser copiados. Impor


regras e restringir a circulação de informações é sabotar a
evolução e libertação das pessoas e dos povos.
Recriar o U
m desânimo geral se abateu sobre todas nós no último ano. Mui-
tas de nós estão com medo, se sentindo desempoderadas, sem
saber o que fazer. Mas na prática, pouca coisa mudou. O Estado
continua sendo um leviatã ineficiente e por mais recursos que tenha a

imaginário da seu dispor, não consegue monitorar e controlar todo mundo, a todo
momento¹. Temos que aproveitar as brechas e usá-las para nosso pro-
veito, levando a cabo não apenas ações que desafiem o Estado, mas
que inspirem outras pessoas a fazer o mesmo. Afinal, são nossas ações

resistência! que definem o que é ou não é possível. Pequenos atos, que rompem
nossa rotina de medo, como lambes, pixações e outras formas diverti-
das de reinventar o espaço público³ (ou privado), vão contribuir para o
imaginário de outras pessoas sobre o que é possível e elas por sua fez
podem cometer seus próprios gestos de desafio ao Estado.

A maior ameaça neste momento é a falta de esperança.

Não há nada que nos impeça de fazer um cartaz e espalhar pela ci-
dade, de pendurar uma faixa, de organizar uma festa de rua contra o
capital, de prestar solidariedade a imigrantes ou ao povo em situação
de rua, de pixar um muro, de montar uma banquinha de zines, de puxar
um festival ou feira. Se começarmos fazendo aquilo que não é tão difícil
de ser feito, em breve estaremos fazendo coisas que nem imagináva-
mos serem possíveis. Um pouco como o que aconteceu nos cinco anos
que antecederam 2013, mas dessa vez sem fazer reivindicações ao Es-
tado, pois já vimos aonde isso leva!

1. Longe disso. Sua principal arma é o medo, que pode nos levar à paranoia e nos
imobilizar. Um grande exemplo disso foi a Operação Érebo, que investigou anarquistas
por supostamente terem incendiado viaturas de polícia, sedes de partidos políticos e
bancos, que gerou grande comoção na mídia, mas que não deu em nada. No fim das
contas alguém causou um prejuízo grande à força policial e se safou². O que o Estado
ganhou com a Operação Érebo foi o cancelamento da 8ª Feira do Livro Anarquista de
Porto Alegre e desarticulação de vários grupos e coletivos anarquistas, que acharam
que poderiam ser alvo de uma caça às bruxas.
2. Mas atenção! A incompetência do Estado não nos dá liberdade para sermos
desleixadas com segurança pessoal e coletiva, pois sabemos muito bem que, quando
quer dar o exemplo, o sistema judiciário pode condenar seus inimigos políticos sem
qualquer tipo de prova (como no caso do Lula) ou até mesmo pessoas inocentes (como
Amarildo, Rafael Braga, etc., etc., etc.). Então não dê bobeira!
3. Pra uma lista interminável de ideias, vale sempre o clássico manual do coletivo
CrimethInc., Receitas Para o Desastre, disponível para download em: https://
crimepensar.noblogs.org/post/2017/03/18/receitas-para-o-desastre-um-livro-de-
receitas-anarquista/
índice

Foda-se a democracia! 07
Não existe governo revolucionário 09
Organizar a morte do Estado e do capital, não de pessoas 13
Da discordância ao ódio 19
Uma prática para a coesão 23
Uma taxonomia da ação 28
Nada a esconder, nada a temer 31
Por que um feminismo negro 36
Homens abusivos que usam do feminismo
para conseguirem imunidade 38
Pedagogia libertária, uma prática autogestionária 40
Encontrando o amor revolucionário 42
Casos isolados 46
Livros & Filmes 48
Histórias de Resistência – A Revolta dos Cabanos 49
Então você se preocupa com o futuro da
democracia agora que Jair Bolsonaro foi
eleito presidente do Brasil? Foi às ruas em
defesa da democracia? Tem medo do que um
homem que já declarou seu desprezo pelo
valores democráticos pode fazer quando
estiver no poder? Está com medo que o
governo brasileiro se transforme numa
ditadura? Você teme pela sua liberdade?

O que você quer quando


pede por democracia?

6. fagulha
FODA-SE
RACIA A DEMOC por Grax
aim-do-M
ato

T
alvez seja o momento de você se dar conta de que Democracia nunca foi sinônimo de decisões toma- cidadania se manteve até os dias de hoje, fazendo
democracia não é o oposto de ditadura, ou de fas- das coletivamente, de respeito às liberdades individu- com que aquelas pessoas que não tem o papel cor-
cismo. Bem pelo contrário, para milhões de pesso- ais, e aos “direitos humanos”. Na melhor das hipóteses reto não possam participar das eleições ou conseguir
as ao redor do mundo, incluindo migrantes, povos respeitou os direitos que ela mesmo criou para aque- empregos com os mesmos direitos1. Embora a demo-
indígenas, minorias étnicas ou outras pessoas que bus- les considerados dignos (no masculino pois ao longo cracia tenha estendido o direito à participação políti-
cam sua liberdade (como os zapatistas no México ou o da história são majoritariamente homens mesmo), con- ca às mulheres, ainda existem bilhões de pessoas
povo de Rojava no Curdistão) a democracia pode ser siderados aptos para receber o rótulo de cidadão. que não têm direito a participar das decisões políti-
mais tirânica do que foi a ditadura militar no Brasil para Tem sido assim desde que foi concebida na antiga cas que os afetam. Por exemplo, centenas de milhões
a maioria da pessoas de classe média. O oposto de fas- Atenas, onde só votavam os homens adultos, com trei- de pessoas, que vivem em países da África e Oriente
cismo não é democracia, o oposto de fascismo é liberda- namento militar e sangue ateniense. Mulheres, escra- Médio que são afetados pelas políticas das demo-
de, e a democracia pode inclusive ser uma barreira a ela. vos, estrangeiros, jovens, ou seja, a maioria da cracias europeias, não só não possuem o direito de
população, não tinha voz na assembleia. influenciar essas decisões como seu ingresso no ter-
Nos últimos séculos, a situação pode até ter se ritório europeu é vetado cada vez mais veemente-
tornado um pouco mais inclusiva, dando direito de mente ao ponto de morrerem tentando chegar lá.
voto às mulheres, por exemplo. Mas a concepção de Mas, tudo bem, vamos imaginar como seria se a
1. Mas nem por isso sua mão de obra é desprezada, basta olhar os milhares de imigrantes ilegais em empregos que ninguém mais aceitaria, sem qualquer tipo de garantias ou direitos. São assim os imigrantes
bolivianos costurando roupas em São Paulo, os paquistaneses construindo Dubai, os mexicanos limpando casas na Califórnia.

fagulha .7
um processo democrático? Você ainda estaria
reclamando se Haddad tivesse vencido as elei-
ções? Ou só está descontente porque não foi a
sua opção que venceu a disputa?
Todo governo é isso: a imposição das vonta-
des de umas pessoas sobre outras. Numa mo-
narquia é o rei e a nobreza que impõem sua
vontade sobre toda a população, na ditadura

Bolsonaro foi eleito democraticamente. militar foram os militares e seus aliados, numa
teocracia, são os líderes religiosos. A única dife-
rença é que numa democracia o número de pes-
soas ditando o que se pode e não se pode fazer
é maior, podendo ser a maioria da população
democracia funcionasse perfeitamente, uma de- No fim das contas, isso ainda não seria muito que impõe suas vontades sobre a minoria. É cla-
mocracia direta (uhu!) onde todas as pessoas diferente do que aconteceu agora, não é mes- ro que não estamos dizendo que é assim que as
pudessem participar diretamente das decisões mo? Afinal, Bolsonaro foi eleito democratica- democracias funcionam hoje em dia. Na verdade
que as afetam, sem o mente. Se a maioria a população não têm todo esse poder e as elei-
intermédio de repre- das pessoas que fo- ções são apenas uma válvula de escape para
sentantes. Seria ótimo,
Você aceitaria a criminalização ram votar decidiu dar ao povo a impressão de que ele está no
não? Na verdade seria de relacionamentos homossexuais que quer ser gover- controle, quando quem realmente controla o jo-
uma ditadura da maio- se a decisão fosse tomada nada por um homem go são as elites e o poder financeiro. Mas o que
ria onde grupos ou in- autoritário, fascista, importa é que quando lutamos para salvar a de-
divíduos incapazes de
democraticamente? racista, misógino e mocracia, ou quando pedimos mais democracia,
angariar simpatia e homofóbico, é direi- estamos apenas pedindo que as regras sejam
apoio teriam sempre que obedecer às decisões to delas, não é? E se rolasse um plebiscito sobre impostas por um número maior de pessoas. Se
da maioria. A polícia continuaria sendo essencial a criminalização das relações homossexuais? o nosso objetivo é a liberdade, não deveríamos
para impor as decisões da maioria sobre uma Você acataria o resultado independente de qual estar lutando para que ninguém mais imponha
minoria insatisfeita. fosse, apenas por ter sido decidido através de nada sobre ninguém?

8. fagulha
Não existe
governo revolucionário
Por que você não pode usar o Estado para abolir as classes
por CrimethInc.

D
esde a metade do século 19, anarquistas Isso explica porque o resultado da revolução de O governo em si é uma relação de classes. Não
afirmam que a chave para a libertação não é 2011-2013 no Egito lembra o resultado da Revolu- há como abolir uma sociedade de classes sem
apoderar-se do Estado, mas aboli-lo. Mesmo ção Russa de 1917-1921, que por sua vez lembra o abolir a assimetria entre governante e pessoas
assim, de Paris a São Petersburgo, de Barcelona a resultado da Revolução Francesa de 1848-1851. Em governadas. A economia é apenas uma das mui-
Beijing, geração após geração de revolucionárias cada um desses casos, assim que as pessoas que fi- tas esferas nas quais os diferenciais de poder co-
teve que aprender essa lição da maneira mais difícil. zeram a revolução pararam de tentar fazer a trans- dificados são impostos através de construções
Tirar e pôr governantes no poder muda muito pouco. formação social diretamente e optaram em investir sociais; a política é outra. A propriedade privada
O que importa são os instrumentos de governo – a sua esperança em representantes políticas, o poder de capital é para a economia o que o poder esta-
polícia, as forças armadas, os tribunais, o sistema se consolidou nas mãos de uma nova autocracia. tal é para a política.
prisional, a burocracia. Não importa se é um rei, um Quer os novos tiranos sejam militares, aristocratas Sem uma crítica do Estado, até mesmo revoluci-
ditador ou um congresso que dirige esses ou trabalhadores, quer eles tenham prometido res- onárias que atingirem o sucesso estão condenadas
instrumentos, a experiência para quem é oprimido taurar a ordem ou personificar o poder do proleta- por sua vez a se tornarem opressoras, assumindo a
continua sendo basicamente a mesma. riado, o resultado final foi basicamente o mesmo. posição das governantes que elas derrubaram.

fagulha .9
Sem uma crítica ao Estado, mesmo Marx e Lenin criaram uma confusão a desigualdade econômica e política é em
tremenda ao prometerem que o Estado primeiro lugar abolir os mecanismos que
revolucionários de sucesso estão condenados a poderia ser usado para abolir a socieda- criam diferenciais de poder – não usando
de de classes, e depois de alguma forma as estruturas do Estado, mas organizando
tornarem-se opressores por sua vez, assumindo desapareceria. Em outras palavras, “os redes sociais para a autodeterminação e
a vaga dos governantes que derrubaram. trabalhadores” – ou seja, um partido que defesa coletiva que fazem com que seja
declara representá-los, da mesma forma impossível a imposição dos privilégios de
que todo partido de governo faz – po- qualquer elite econômica ou política. Isso
deria manter a polícia, as forças armadas, é o oposto de tomar o poder.
os tribunais, o sistema prisional, a buro- Governos de todos os tipos se opõem
cracia e todos outros instrumentos do a este projeto. A primeira condição para
Estado, mas que estes iriam magicamen- qualquer governo deter o poder é de
te começar a produzir igualdade ao invés que ele deve conseguir um monopólio
de desigualdade. Isso traz a questão: o da força coercitiva. Na luta para alcançar
que é o Estado? Mais que tudo, é a con- esse monopólio, despotismos fascistas,
centração de legitimidade política em ditaduras comunistas e democracias li-
instituições específicas, e não nas pesso- berais se tornam parecidas. E para al-
as que por elas são governadas. Esta é a cançá-lo até mesmo os partidos mais
própria definição de desigualdade, uma radicais acabam se unindo a outras for-
vez que privilegia as pessoas que, atra- ças de poder. Isso explica porque os
vés dessas instituições, detém o poder bolcheviques empregaram oficiais cza-
sobre as demais. Quando marxistas e le- ristas e métodos de contrainsurgência;
ninistas tomaram o poder em dúzias de explica porque eles repetidamente to-
revoluções, nenhuma delas teve sucesso mavam o lado dos pequenos burgueses
em abolir a sociedade de classes – e ao contra anarquistas, primeiro na Rússia e
invés de desaparecer, como resultado, o mais tarde na Espanha e em todo lugar.
Estado se tornou mais poderoso e invasi- A história nos conta a velha mentira de
vo. Como foi afirmado na Circular de que a repressão bolchevique foi neces-
Sonvelier: “Como podemos esperar que sária para abolir o capitalismo. O proble-
uma sociedade livre e igualitária emerja ma com o bolchevismo não foi que ele
de uma organização autoritária?” usou força brutal para empurrar um pro-
Quando pessoas revolucionárias ten- jeto revolucionário, mas que ele usou
tam desfazer as desigualdades de classe força brutal para esmagá-lo.
criadas pela propriedade privada de capi- Não é uma posição muito popular re-
tal dando o total controle do capital ao conhecer isso hoje em dia, quando a
Estado, isso simplesmente transforma a bandeira da União Soviética se tornou
classe que detém o poder político na no- uma tela fraca, que se distancia, na qual
va classe capitalista. O nome disso é capi- as pessoas podem projetar aquilo que
talismo de Estado. Sempre que você vê quiserem. Uma geração que cresceu
representação política e administração após a queda da União Soviética renovou
burocrática, você encontrará uma socie- a ilusão de que o Estado pode solucionar
dade de classes. A única solução real para todos nossos problemas se as pessoas

10. fagulha
certas estiverem no poder. Aquelas pessoas que de- der sob a promessa de reformar o capitalismo, no fim
fendem Lenin e Stalin dão exatamente as mesmas das contas foram obrigados a implementar um projeto
desculpas que ouvimos de proponentes do capitalis- neoliberal que inclui medidas de austeridade e repres-
mo que apontam que as formas nas quais consumido- são. Consequentemente, sua ascensão ao poder dre-
res foram beneficiados durante seu governo ou nou a força dos movimentos de base ao mesmo tempo
argumentam que as milhões de pessoas que em que permitiu que pessoas reacionárias de
foram exploradas, aprisionadas ou direita posassem de rebeldes para lu-

Não existe
mortas, fizeram por merecer. crar com as inquietações popula-
De qualquer forma, uma volta res. Esta história aconteceu no

receita para uma


ao socialismo de Estado do sé- Brasil com o Partido dos Tra-
culo 20 é impossível. Como balhadores (PT), na Grécia com
conta a velha piada do Bloco o Syriza, na Nicarágua com a
Oriental, o socialismo é a transi-
ção dolorosa entre o capitalismo
sociedade livre. administração Ortega.
O único outro modelo de go-
e o capitalismo. Deste ponto de vista verno “revolucionário” é o descarado
podemos ver que a ascensão temporária do capitalismo de Estado representado pela
socialismo no século 20 não foi a culminação da histó- China, cujas elites acumulam riquezas às custas das
ria mundial como predita por Marx, mas uma fase na trabalhadoras sem a menor vergonha, da mesma for-
disseminação e desenvolvimento do capitalismo. O ma que o fazem nos Estados Unidos. Como a URSS
“socialismo real existente” serviu para industrializar antes dela, a China confirma que a administração esta-
economias pós-feudais para o mercado mundial; ele tal da economia não é um passo rumo ao igualitarismo.
estabilizou forças de trabalho inquietas através desta O futuro pode trazer o empobrecimento neoliberal,
transição da mesma forma que o acordo fordista fez no enclaves nacionalistas, economias de comando totali-
ocidente. O socialismo de Estado e o fordismo são am- tário, ou a abolição da propriedade privada anarquista
bos expressões de uma trégua temporária entre o tra- – provavelmente incluirá todos esses – mas será cada
balho e o capital que a globalização tornou impossível. vez mais difícil preservar a ilusão de que algum gover-
Hoje o capitalismo de livre mercado irrestrito está no poderá solucionar os problemas do capitalismo pra
prestes a engolir as últimas ilhas de estabilidade soci- qualquer pessoa além de algumas privilegiadas. Fas-
al-democrata , incluindo mesmo a Suécia e a França. cistas e outros nacionalistas estão ansiosos para capi-
Sempre que partidos de esquerda ascenderam ao po- talizar com essa desilusão e assim promover suas
próprias versões de socialismo exclu-
dente; não devemos facilitar o seu cami-
Tanques russos circulando pelas ruas de Budapeste nho legitimando a ideia de que o Estado
para suprimir a revolta de 1956. pode servir às pessoas trabalhadoras se
fosse propriamente administrado.
Algumas pessoas argumentam que
devemos suspender os conflitos com
proponentes do comunismo autoritário
Contra o capitalismo e o Estado.
para focar em ameaças mais imediatas,
como o fascismo. Mas o medo dissemi-
nado de um totalitarismo de esquerda
deu a recrutadores fascistas os seus

fagulha .11
principais argumentos. Na disputa pelos corações e ela não pode ser imposta de cima pra baixo. Se alme- das concentrações de poder, da esfera doméstica até
mentes de quem ainda não escolheu um lado, distin- jamos criar igualdade genuína, temos que nos organi- a sede do governo.
guir as nossas propostas de mudança social daquelas zar de uma forma que reflita isso, descentralizando o À medida que as crises de nossa era se intensifi-
defendidas por stalinistas e outros grupos autoritários poder e rejeitando todas formas de hierarquia. Cons- cam, novas lutas revolucionárias estão prestes a sur-
só tem a nos ajudar. truindo projetos locais capazes de atender às neces- gir. O anarquismo é a única proposta de mudança
Dentro das lutas populares contra o capitalismo, a sidades imediatas através da ação direta e da revolucionária que não se encharcou em um mar de
violência estatal e o fascismo, devemos dar peso solidariedade, interconectando-as em escala global, sangue. Cabe a nós a atualizarmos para o novo milê-
igual às disputas entre diferentes visões do futuro. poderemos dar passos rumo a um mundo onde nin- nio, ou estaremos condenadas a repetir o passado.
Não o fazer significa assumir com antecedência que guém possa governar nenhuma outra pessoa. O tipo
seremos derrotadas antes de que qualquer uma des- de revolução que queremos não pode acontecer da
sas visões gere frutos. Anarquistas, mensheviques, noite pro dia; é o processo contínuo de destruir to-
revolucionárias socialistas e outras pessoas apren-
deram da maneira mais difícil depois de 1917 que fa-
lhar em se preparar para a vitória pode ser ainda
mais desastroso do que falhar em se preparar para
a derrota.
A boa notícia é que os movimentos revolucionári-
os não precisam acabar como a Revolução Russa.
Existe outro caminho.
Ao invés de buscar o poder estatal, podemos
abrir espaços de autonomia, despindo o Estado de
legitimidade e desenvolvendo a capacidade de su-
prir as nossas necessidades diretamente. Ao invés
de ditaduras e exércitos, podemos construir redes

NENHUM GOVERNO
rizomáticas mundiais para defenderem umas às ou-
tras contra qualquer pessoa que queira exercer po-

PODE TE DAR
der sobre nós. Em vez de ir atrás de novas
representantes para solucionar nossos problemas,

LIBERDADE
podemos criar associações de base fundamentadas
na cooperação voluntária e no apoio mútuo. No lu-
gar de economias gerenciadas pelo Estado, pode-
mos estabelecer novos bens comuns em princípios
horizontais. Esta é a alternativa anarquista, que po-
deria ter sido exitosa na Espanha nos anos 1930 se
não tivesse sido esmagada por Franco de um lado e
Stalin do outro. De Chiapas e Kabylia a Atenas e Ro-
java, todos inspiradores movimentos e insurgências
das últimas três décadas incorporaram elementos
do modelo anarquista.
Proponentes da solução estatal alegam que são
mais eficientes, mas a questão é: são mais eficien-
tes em que? Não existem atalhos para a libertação;

12. fagulha
Pintura de Flavio Costantini representando o mo-
mento em que anarquista italiano Gaetano Bresci
Organizar a morte do Estado
mata o Rei Umberto em 1900. Um ano antes,
Bresci salvou a vida do ilustre anarquista Errico
Malatesta ao se jogar sobre um homem que que-
e do Capital, não de pessoas
ria matá-lo com um tiro nos Estados Unidos. Perspectivas revolucionárias sobre atentados e assassinato de poderosos.
por Facção Fictícia.

“A terrível guilhotina de 1793 que não pode ser acusada


nem de preguiça, nem de lentidão, não chegou a destruir
a classe nobre na França. (…) E em geral, pode-se dizer
que as carnificinas políticas nunca mataram os partidos;
mostraram-se, sobretudo, impotentes contra as classes
privilegiadas, porque a força reside menos nos homens
do que nas posições ocupadas pelos homens
privilegiados na organização das coisas, isto é, a
instituição do Estado e sua consequência assim como sua
base natural, a propriedade individual.”

– Mikhail Bakunin.

.
No dia 6 de setembro de 2018, em Juíz sado o crime alegando “divergências pes-
de Fora, Minas Gerais, o deputado fede- soais” e que teria feito a ação “a mando
ral e candidato à presidência Jair Bolso- de Deus”.
naro recebeu uma facada na barriga Enquanto algumas pessoas analisam os
enquanto era carregado pelas ruas da ci- impactos do atentado na campanha de
dade e escoltado por mais de 20 polici- Bolsonaro – um fascista, homofóbico, ma-
ais. A ação foi flagrada por câmeras e chista e racista declarado –, outras dizem
celulares e repetida até a exaustão na te- é tudo uma completa encenação. Há tam-
levisão e pela internet. O algoz, Adelio bém quem, num tom mais alarmista, com-
Bispo de Oliveira, foi preso em flagrante. pare o ataque contra o parlamentar ao
Taxado de “simpatizante de esquerda” assassinato do diplomata alemão Ernst
por alguns e “lunático conspiratório” por vom Rath em 1938, que foi o estopim da
outros, Adelio teria supostamente confes- Noite dos Cristais: ataques em massa

fagulha .13
contra sinagogas, casas e lojas de judeus na Alema- perseguição de movimentos políticos.
nha e na Áustria, resultando na prisão e morte de de- Do ponto de vista ético, se confundimos as pessoas
zenas de pessoas. De fato, é bem possível que com as instituições que elas operam, cairemos na ideia
Bolsonaro e seus eleitores usem do atentado como es- de que matar um por um de cada policial, juiz, presi-
tratégia para se passar por vítima e despertar solidari- dente ou milionário vai nos livrar das desigualdades
edade em forma de ódio contra algum grupo – como do mundo, como se as ideias, as práticas e as institui-
sempre fazem os fascistas. Ou pior: alguns fanáticos ções que criam essas desigualdades residissem nos
podem usar o episódio como pretexto para praticar corpos dos que matamos. E se o nosso foco for execu-
seus ataques semelhantes aos tiros contra o ônibus de tar adversários políticos, independente da situação ou
uma caravana de apoiadores do PT e de Lula no Para- das consequências, o que garante que após uma revo-
ná em março de 2018. Mas, para além desses pontos, lução não façamos paredões de execução de inocen-
é importante discutir o uso político de atentados e as- tes e supostos “contrarrevolucionários”? Não somos
sassinatos de pessoas poderosas na sociedade fora de pacifistas e sabemos que sempre haverá violência de-
um contexto de combate ou guerra e enquanto ação corrente dos conflitos de uma revolução social que en-
de propaganda ou mobilização social. O momento em que um cidadão confere se um parlamentar frente os defensores de uma ordem opressora. Mas
tem sangue e merda na barriga como todos os outros mortais. acreditar que o fim dessa ordem depende essencial-
A visão estratégica e a visão ética mente do sangue dos seus defensores pode abrir ca-
ocupadas pelos homens privilegiados na organização minho para aparatos sociais tirânicos e assassinos que
Após o ataque a Bolsonaro, a internet e as ruas das coisas”. Como explica Alexandre Samis, “Bakunin não sabem mais quando parar de matar. Vemos isso
ferveram em debates sobre a legitimidade ou a ne- acreditava que as energias revolucionárias deveriam muito bem no caso dos Jacobinos após a Revolução
cessidade de matar defensores de políticas de extre- ser concentradas na destruição das ‘coisas’, no caso, Francesa de 1789 ou da Revolução Russa e a tomada
ma-direita e que, em última instância, colocam em do Estado e da sociedade dividida em classes, e não do poder pelos Bolcheviques em 1917.
risco real a vida de milhões de pessoas negras, das ‘pessoas’. A questão suscitada, para muito além de
LGBTTIQ, pobres ou imigrantes apenas por serem um contexto histórico, define para os libertários um
parte de minorias políticas. Enquanto anarquistas, princípio basilar: o do antiautoritarismo”. Ou seja, há
nos interessa o debate porque ele toca a luta contra muito tempo que anarquistas apontam que nossos
políticas e regimes autoritários. É um debate sobre maiores inimigos são as instituições políticas, econômi-
como resistir ao extremismo da direita, mas também cas e culturais que alimentam o conflito quando colo-
a qualquer forma de Estado e exploração capitalista. cam umas poucas pessoas em posições de privilégios
E as questões mais importantes que queremos tratar e outras em situações de opressão e subordinação.
aqui seriam principalmente estratégicas e éticas. Do ponto de vista estratégico, matar um fascista
Anarquistas e socialistas já mataram presidentes e como Bolsonaro em praça pública fará pouco pelo
reis. Mas será que conseguiram alguma mudança sis- fim do fascismo e toda forma de autoritarismo e
têmica profunda com ações isoladas para eliminar cer- opressão. Um problema sistêmico não desaparece
tos indivíduos em posições de poder? Os fatos levam com a morte de um indivíduo, por mais que tentemos
a crer que não, pois as instituições que acumulam po- personificar ideias e políticas nele. Se fosse assim,
der continuaram intactas e operando com carne sem- bastava esperar a morte de um ditador para que re-
pre nova. Bakunin nos alertou também sobre essa gimes caíssem e os povos vivessem em liberdade.
questão quando disse que “as carnificinas políticas Sabemos que sistemas autoritários permanecem
nunca mataram os partidos; mostraram-se, sobretudo, após a morte de seus líderes e que atentados e as-
Bolsonaro e sua metralhadora imagi-
impotentes contra as classes privilegiadas, porque a sassinatos contra indivíduos separados de uma am-
nária: você pode matar um homem,
força reside menos nos homens do que nas posições pla luta social criam mártires e pretextos para mas a babaquice é imortal.

14. fagulha
a morte de McKinley e consolidou o caminho do im-
perialismo estadunidense nas Américas e no mundo.
"A minha hipótese é que o tribunal não é a expressão natural da justiça popular, mas
pelo contrário, tem por função histórica reduzí-la , dominá-la, sufocá-la, “Matar um homem para defender uma
reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho de Estado.” ideia não é defender uma ideia,
é matar um homem.”
– Michel Foucault – Jean-Luc Godard

Confundir pessoas com sistemas e instituições anarquista e filho de imigrantes poloneses chamado Por sua vez, Leon Czolgosz não tinha muitos laços
historicamente construídas nos parece não apenas Leon Czolgosz. O presidente morreu oito dias de- no movimento anarquista e “seu gosto por violência
um erro estratégico mas também aponta caminhos pois devido aos ferimentos. McKinley ficou conheci- fez com que muitas pessoas achassem que ele era
para questões éticas, como o surgimento de tribu- do por suas políticas imperialistas na América e na um infiltrado até o dia em que matou o presidente”.
nais revolucionários que penalizariam indivíduos co- perseguiçao aos povos indígenas. Durante seu go- O jovem foi preso sem direito a ver qualquer familiar
mo forma social exemplar e uma política de verno, os Estados Unidos ganharam controle dos ter- ou amigos e morreu na cadeira elétrica um mês de-
extermínio de inimigos por divergências políticas e ritórios de Porto Rico, da Ilha de Guam e do Havaí. pois do atentado. Na sua época, Emma Goldman foi
ideológicas. Muitos dizem que foi durante seu governo que os uma das poucas pessoas no movimento anarquista
EUA conquistou o papel de “polícia do mundo”. Co- que buscou entender e defender Czolgosz – mesmo
Exemplos históricos mo podemos perceber, sua morte não mudou os ru- depois de ter sido presa por semanas junto com
mos do estado que comandava, e suas políticas não mais 12 militantes anarquistas após o assassinato do
Em 1901, William McKinley, presidente dos Esta- apenas permaneceram vivas, como se intensificaram. presidente, sem nenhuma acusação ou justificativa
dos Unidos foi atacado com dois tiros pelo jovem Theodore Roosevelt assumiu como presidente após formal. Muitos apontam que foi nesse momento que
o socialismo ganhou destaque nos Estados Unidos
enquanto o anarquismo perdeu credibilidade devi-
"Estas bichas matam fascistas".
do aos ataques da mídia e do governo que depreci-
Milícias internacionalistas anarquistas/que- avam anarquistas como terroristas sedentos por
er em Rojava: quando o confronto for inevi- sangue. Os mesmos tipos de estratégias vimos após
tável, sabemos que matar fascistas não 2013 no Brasil, com a prisão de 23 militantes no Rio
deve ser um dilema. de Janeiro em 2014 e a tentativa de criminalizar o
movimento anarquista no Rio Grande do Sul em
2017. Em ambos os casos o Estado e mídia burguesa
usaram manifestações, filiações políticas e atos iso-
lados de depredação para forjar organizações crimi-
nosas fictícias que nunca feriram nem mataram
pessoas e demonizar os movimentos sociais, especi-
almente os anarquistas.
Se atos que nem mesmo chegaram a tirar vidas
são usados para criminalizar movimentos, a violência
contra indivíduos enquanto forma de propaganda
política pode colocar o movimento numa posição de
fragilidade contra os ataques da mídia, do Estado e

fagulha .15
suas ações promovendo sequestros, ataques e aten-
tados que mataram grandes proprietários de terras
que exploravam o povo curdo e alvos políticos e mi-
litares do estado turco. Paralelamente aos atenta-
“O problema da luta armada só existe para aquele que quer conservar seu próprio dos, o PKK buscava construir atividades culturais e
monopólio de armamento legítimo, o Estado. O que existe, por outro lado, é organizativas com o objetivo de estimular um levan-
efetivamente uma questão de uso das armas. Quando, em março de 1977, 100.000 te popular e a criação de um estado socialista curdo
independente. A forte repressão após o golpe mili-
pessoas se manifestam em Roma, dentre as quais 10.000 armadas, e ao fim de um dia tar na Turquia em 1980 fez com que o partido fosse
de enfrentamentos nenhum policial foi morto ou gravemente ferido, quando teria sido considerado um grupo terrorista pela Turquia e por
muito fácil fazer um massacre, percebemos um pouco melhor a diferença que existe toda a comunidade internacional, forçado a agir na
clandestinidade. Parte de suas lideranças foram pre-
entre o armamento e o uso de armas. Estar armado é um elemento da correlação de sas e seus militantes se refugiaram na Síria e na Eu-
forças, a recusa de permanecer de maneira desprezível à mercê da polícia, uma ropa. Com dificuldade para atuar na Turquia, o PKK
maneira de se arrogar nossa impunidade legítima. Resolvido esse assunto, resta a começou a realizar atentados nos países europeus.
No fim da década de 1990 o PKK anuncia que não
questão da relação com a violência, uma relação cuja falha de elaboração prejudica pretende mais lutar pela criação de um estado nacio-
em toda parte os progressos da subversão anti-imperial.” nal curdo e sim focar em criar autonomia para os po-
vos fora das estruturas estatais e em 2005 declara
um cessar fogo unilateral. Seu projeto político princi-
– Tiqqun pal se torna o Confederalismo Democrático, uma for-
ma de democracia de comunas locais dos bairros e
da opinião pública. Não é preciso sermos reféns da abriu caminho para a criação do Bureau of Investiga- cidades. Baseada na igualdade de gênero e no plura-
opinião pública, nem nos dispor a fazer apenas aquilo tion (Departamento de Investigação), em 1908, que lismo, seu Confederalismo promove a autonomia e
que uma maioria na sociedade iria aceitar. Mas deve- se tornou o FBI trinta anos depois. A maioria das leis autodeterminação não apenas dos curdos, mas de
mos entender as consequências de nossos atos e o anti-anarquistas não foram usadas até a Primeira povos de ao menos quatro etnias e três religiões. Ins-
quão fortes são nossos laços sociais e políticos para Guerra Mundial, quando passaram a ser usadas con- pirados pela revolução Zapatista no México e por
aguentar a difamação, o medo e a perseguição política. tra imigrantes anarquistas e qualquer outro imigrante ideias anarquistas como as de Murray Bookchin, os
Pessoas comuns, que ainda não tomaram partido, que representasse alguma ameaça para a nação”. movimentos em Rojava organizaram durante décadas
tendem a ver os movimentos que ganham fama com Mais recentemente, temos o exemplo da revolu- as estruturas educacionais, econômicas e políticas pa-
atentados como apenas uma facção militarizada, es- ção social em andamento em Rojava, no norte da Sí- ra sua autonomia e libertação. Com o início dos levan-
pecializada em combate ou em ataques. Se uma ria, que tem suas raízes no surgimento do Partido tes da Primavera Árabe e a deflagração da guerra civil
construção de relações sociais fortes, como ocupa- dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), fundado em na Síria em 2014, os curdos não tiveram outra opção
ções, cooperativas, sistemas de educação e uma am- 1978 no sul da Turquia levando adiante uma guerri- que não pegar em armas por suas vidas e seu projeto
pla estrutura autogerida não se tornarem conhecidas lha urbana marxista-leninista. O povo curdo é o mai- político quando encurralados entre o fascismo do Es-
antes dos conflitos com agentes do Estado, dificil- or povo sem estado do mundo e conta com cerca de tado Islâmico e o totalitarismo dos governos da Tur-
mente terão suporte após ações isoladas violentas. 4 milhões de pessoas espalhadas pelos territórios da quia e da Síria e demais grupos rebeldes e jihadistas.
Como nos contam camaradas do coletivo Cri- Síria, Iraque e Turquia, vivendo há séculos como re- A revolução em Rojava mostrou que é importante
methInc, depois que McKinley foi morto pelas mãos fugiados, perseguidos políticos sem direitos. Curdis- a “democratização da violência”. Isto é, todas as
de um anarquista, “multidões atacaram comunas e tão é o nome desse território não reconhecido por pessoas, grupos e povos devem saber se defender.
jornais anarquistas em retaliação. O governo dos EUA onde está espalhado seu povo. O PKK, desde o iní- Uma vez que não há um Estado monopolizando o
passou leis anti-anarquistas. O medo do movimento cio formado por homens e mulheres curdas, iniciou uso legítimo da violência, saber se defender de

16. fagulha
como uma forma de autodefesa coletiva, eles se afas-
taram dos atos de vingança contra indivíduos para
construir a maior revolução social e experiência de
organização de um povo sem Estado no século XXI
até então. Os curdos aprenderam com as ideias e
práticas anarquistas. Está na hora de aprenderemos
com a experiência desses homens e mulheres comuns
que escrevem juntos uma história extraordinária.

Destituição no lugar de paredão

“A revolução da vida cotidiana liquidará


as noções de justiça, de castigo e de
suplício – noções determinadas pela troca e
pelo reino do fragmentário. Não queremos
“Só ajuda a violência, ser justiceiros, mas senhores sem
escravos, reencontrando, para além da
onde reina a violência…” destruição da escravidão, uma nova
inocência, uma nova graça de viver. Trata-
– “Santa Joana dos Matadouros”, Bertolt Brecht se de destruir o inimigo não de julgá-lo.”

– Raoul Vaneigem
Execução do pedagogo anarquista catalão Francisco Ferrer
retratado também por Costantini: quando não vencemos,
somos nós os primeiros corpos contra a parede.
Anarquistas sempre rejeitaram as eleições e a de-
mocracia representativa por serem mera ilusão: uma
opressores externos e resolver conflitos internos pas- construir estruturas que garantem a autonomia e a li- pessoa não é capaz de encarnar os interesses de
sa a ser uma missão de todas as pessoas. A revolu- berdade de um povo. Qualquer grupo que, para di- uma classe, suas vontades ou ideias. Ela, no máximo,
ção curda conta com uma forte e disciplinada milícia vulgar suas ideias, parta desde o início das ações consegue defender os interesses de uma elite admi-
popular (YPG) e uma ainda mais temida e exemplar violentas isoladas acaba criando uma barreira com o nistrativa enquanto parte dela. E, de fato, quem to-
milícia exclusivamente feminina (YPJ). Juntas, essas resto da população e ficam sem apoio contra os dis- ma o Estado coloca os interesses do Estado e das
forças foram decisivas para derrotar e expulsar o Es- cursos criminalizadores do Estado. Esse tipo de classes poderosas acima das classes inferiores. Fa-
tado Islâmico do norte da Síria, mas hoje enfrentam ação, quando realizada fora de um contexto de zendo o caminho contrário, o mesmo raciocínio mos-
as ofensivas do governo da Turquia para eliminar guerra social ou sem um amplo trabalho de constru- tra que matar uma única pessoa não vai acabar com
qualquer resistência e organização curda, mesmo fo- ção de poder de base, apenas coloca o movimento suas ideias, eliminar sua classe, nem necessariamen-
ra de seu território. em um risco estratégico. te desencoraja seus apoiadores. Uma dura lição
A lição que o PKK e a revolução em Rojava pode Sem o foco na construção do apoio e da participa- aprendida também pela Facção do Exército Verme-
nos ensinar é que começar um movimento baseado ção popular, o PKK estaria fadado a acabar com seus lho (RAF) na Alemanha. Entre as décadas de 1970 e
em atentados isolados e no assassinato de podero- membros presos ou mortos. Ao mudar sua política, 1990 o grupo praticou assassinato de políticos, ofici-
sos dificilmente vai fazer ruir um sistema opressor e seus objetivos a longo prazo e organizar a violência ais, policiais e empresários sem qualquer efeito mai-

fagulha .17
or na sociedade alemã. O grupo caminhou para o to- lo voto ou pela força porque sabem que a existência um vazio, é sufocá-la positivamente. Destituir não é,
tal isolamento na clandestinidade, além de levar à do Estado em si depende e perpetua uma divisão da portanto, atacar a instituição, mas, sim, a necessida-
morte ou à prisão a maioria de seus membros. Os sociedade em classes de dirigentes e dirigidos. Em de que temos dela. Não é criticá-la (…), mas assumir
exemplos atravessam os séculos e os continentes uma sociedade onde não existem cargos executivos realmente o que se supõe que ela faz, fora dela. Des-
(onde podemos destacar a Guerrilha da Araguaia no ou militares que acumulam tanto poder, não existe o tituir a universidade é estabelecer longe dela lugares
Brasil, as Brigadas Vermelhas na Itália, as FARC na risco de um fascista tomar esse cargo e fazer valer de pesquisa, de formação e de pensamento mais vi-
Colômbia, como exemplares da limitação dessas suas vontades políticas e caprichos pessoais. Sem o vos do que ela é (…). Destituir a justiça é aprender a
ações), mas não caberia aqui analisar todos. Estado, o Exército, a propriedade privada e a polícia regular, nós mesmos, nossos desacordos, colocar pa-
A luta revolucionária não deve ter como fim o julga- para defendê-la, homens como Jair Bolsonaro ou Eike ra isso um método, paralisar sua faculdade de julgar
mento e punição de quem praticou atos que conde- Batista são apenas idiotas arrogantes e egoístas. Sem e expulsar seus oficiais de justiça de nossas vidas.
namos, a revolução não é um elogio à vingança e ao essas posições de poder, esses homens não são na- Destituir a medicina é saber o que é bom para nós e
ressentimento, muito menos a instrumentalização do da. Mas sem esses homens, tais posições de poder o que nos deixa doentes, arrancar da instituição os
ódio. Ela deve ser um esforço positivo de construção continuam sendo uma ameaça para nós aqui embai- saberes apaixonados que nela sobrevivem em suas
de estruturas de vida paralelas sem relações media- xo, pois basta alguém assumir seu lugar que o siste- obras e não voltar jamais a se encontrar só, no hospi-
das pela violência. Isso não significa criar um dilema ma continua seu trabalho da mesma forma. tal, com o corpo entregue à soberania artística de um
moral quanto ao uso da violência. Malatesta explica Se vamos tomar de volta a capacidade de nos orga- cirurgião desdenhoso. Destituir o governo é se tor-
muito bem que “a ideia central do anarquismo é a eli- nizar, devemos começar pela capacidade de organizar nar ingovernável. Quem falou em vencer? Superar é
minação da violência na vida social, é a organização a morte do Estado e do Capital, não de indivíduos. So- tudo. O gesto destituinte não se opõe à instituição,
das relações sociais fundamentada na livre vontade mente a organização descentralizada, horizontal e ele não coloca contra ela uma luta frontal, mas a neu-
de todos e de cada um, sem intervenção do policial. É autônoma da sociedade de forma a tornar essas insti- traliza, esvazia-a de sua substância, dá um passo pa-
por isso que somos contra o capitalismo que, apoian- tuições fracas e inúteis vai nos libertar dos efeitos ra trás e a observa morrer.” (Agora – Motim e
do-se na proteção do policial, obriga os trabalhado- opressivos delas. Se queremos uma sociedade livre, Destituição).
res a deixar-se explorar por aqueles que detêm os devemos priorizar a criação
meios de produção, ou mesmo ficar sem trabalho e de um poder coletivo e so-
sofrer de fome quando os patrões não tem interesse cial que torne essas institui-
Marcha antifascista no Rio de Janeiro, 2016: Esmagar o fascismo, abolir o
em explorá-los. Eis porque somos inimigos do Estado, ções fracas e inoperantes,
Capitalismo e destruir o Estado – nada menos que tudo isso junto!
que é a organização coercitiva, ou seja, violenta da a ponto delas não fazerem
sociedade”. E continua: “a violência só é justificável a menor diferença em nos-
quando é necessária para defender a si mesmo ou sas vidas, sem necessaria-
defender os outros contra a violência. O delito come- mente destruir as pessoas
ça lá onde acaba a necessidade.” A violência pode operando elas, ou fazer dis-
destruir e nos libertar de uma ordem opressora, mas so um projeto político. E
não é o melhor laço para manter uma sociedade livre. então, poderemos destruí-
Quando Durruti diz que “o Fascismo não se deba- las, deixando-as perecer
te, se destrói”, acreditamos que ele está falando mais sem ninguém por perto.
de sistemas políticos e ideias do que apenas de seus Como descrito pelo Comitê
partidários. Mesmo sabendo que uma vez no front de Invisível, precisamos desti-
batalha da Revolução Espanhola, sua vida e a de seu tuir o poder estatal e capi-
povo dependia da morte de fascistas armados que talista:
estavam tentando tomar o controle do Estado. Anar- “Subtrair-se às institui-
quistas não acreditam na tomada do Estado, seja pe- ções é tudo menos deixar

18. fagulha
Coragem para se encontrar Adelio Bispo pode até saber que Bolsonaro
representa uma ameaça a vida dos pobres e mi-
Não é necessário também oferecer um julga- norias, porém, mais do que nunca, é a vida de
mento moral das ações de outros anarquistas Adelio que agora está em risco. Depois de ser
ou indivíduos aparentemente desesperados co- linchado e preso, ele será processado com base
mo Adelio Bispo, que tiveram coragem de mos- na Lei de Segurança Nacional, criada durante a
trar a políticos e outros poderosos que suas ditadura que Bolsonaro tanto elogia e tem sau-
ações para manter um mundo de desigual e dades – mais uma prova de que mesmo anos
opressivo terão consequências. Precisamos, aci- após a saída ou mesmo a morte de seus líderes,
ma de tudo, entender o contexto de isolamento os aparatos de uma ditadura militar não apenas
e frustração causados pela vida em uma socie- continuam vivos, mas continuam operantes den-
dade tão desigual, que pode levar alguém a to- tro de uma democracia.
mar partido e realizar tais ações tão extremas. Por fim, temos uma mensagem a todas as
Muitas pessoas oprimidas se sentem impo- pessoas que, por raiva ou frustração, pensam
tentes e querem romper com esse sentimento em furar um bloqueio policial para tirar a vida
da forma mais rápida possível. Tão comum co- de um tirano com suas próprias mãos, ou atear
mo o atentado contra figuras de poder, é a au- fogo em si mesmas como um último protesto:
todestruição transforma em da ação política. Já vocês não estão sós!
comentamos sobre o homem de cinquenta anos E uma mensagem para todos aqueles que
que ateou fogo em si mesmo na frente do Palá-
cio do Planalto no dia em que um muro era er-
guido por presidiários para separar
manifestantes de esquerda de manifestantes de
querem nos manter sob controle, opressão ou
mortos: vocês não estão seguros!
É possível e necessário nos encontrar e nos
organizar para planejar a queda de regimes in-
NÃO SE LAMENTE,
direita no dia da votação do Impeachment de
Dilma Roussef em 2016. Ele foi levado ao hospi-
tal com cerca de 70% do corpo queimado, mas
teiros e não apenas de um tirano. Não deixare-
mos a ansiedade e a frustração guiarem nossos
atos nem aceitem correr o risco de ir para a pri-
ORGANIZE-se!
sobreviveu. Seu gesto se compara ao de Moha- são ou túmulo sem apoio, solidariedade ou
med Bouazizi, o vendedor ambulante tunisiano mesmo em vão. A construção de um novo mun-
impedido de trabalhar que se matou com gaso- do livre da autoridade do Estado ou do capital
lina e fogo em frente a um prédio público e foi certamente levará ao confronto com pessoas
o estopim das revoltas hoje conhecidas como que querem defender sua existência, por isso
Primavera Árabe. Ambos os atos denunciam a não devemos hesitar na hora de defender nos-
violência silenciosa de uma sociedade que cala sas vidas e as de nossos pares. Existem pessoas
e isola indivíduos até que não sobre nada além que já mostraram a coragem de arriscar a vida
da solidão e do desespero. Na impossibilidade pelo bem de todas as outras pessoas oprimidas.
de se encontrar com outros corpos para organi- É preciso sermos fortes e nos organizar para
zar a resistência, a opção encontrada por esses que ninguém tenha que lutar ou sofrer na soli-
homens foi transformar o desespero em uma dão, no isolamento. Quanto mais pessoas opri-
forma de potência, mesmo que autodestrutiva – midas compartilharem dessa coragem, mais
com a diferença de que a do brasileiro que ate- teremos força para derrubar os tiranos desse
ou fogo em seu próprio corpo não iniciou ne- mundo, levando seus regimes com eles – e a
nhum grande levante. esse dia daremos o nome de revolução.

fagulha .19
D i r ân N
as últimas duas décadas nossos costumes avan-
çaram pelo menos um pouco no sentido de acei-
tação da homossexualidade, na luta contra o
racismo, na igualdade de gêneros e no respeito às mino-
rias de forma geral. Agora estamos assustadas com uma

a ód
onda reacionária que dominou o país, propagando um
discurso de ódio e intolerância com as minorias e com os
movimentos sociais, ao ponto de pipocarem agressões
homofóbicas, antifeministas e esquerdofóbicas por todo
o lado. O que deu errado? Por quê as pessoas estão se
opondo tão violentamente a mudanças que visam cons-
Como a nossa forma de comunicar truir um mundo com mais tolerância e igualdade e sen-
pode sabotar nossos esforços. tem tamanho ódio por ativistas e pessoas que defendem
Texto de Cachorro Voador. a igualdade das mulheres, a igualdade de gêneros?

fagulha .20
Em termos de conteúdo, nosso discurso pode seu ponto-de-vista, da sua vivência e tentando rou com a polarização política que acabou levan-
ser muito diferente do da direita reacionária e impor a nossa visão como A Verdade. do Bolsonaro, Mourão e uma horda de
conservadora, mas, pelo menos até o momento, E isso parece não estar dando certo para ninguém. reacionários ao Palácio do Planalto, o que agora
tem sido idêntico na forma. “Eu tô certo, você es- pode pôr tudo a perder.
tá errado!” é a forma de comunicação preferida Todo ataque, gera resistência. Ainda estamos presas a uma mentalidade de
na civilização ocidental e nas suas esferas de in- tentar realizar transformações acusando as ou-
fluência desde o seu surgimento. Seja com nossas Assim como a violência do Estado e do capita- tras pessoas de estarem erradas, e isso não es-
famílias, em nosso círculo de amizades, com nos- lismo gera resistência por parte das pessoas que tá funcionando.
sas colegas de trabalho ou com uma pessoa es- lutam por liberdade e por um mundo com mais Quando abrimos mão do diálogo, a única forma
tranha na rua, quando nos deparamos com uma igualdade, quando agimos ou dizemos algo que de mudar o comportamento opressivo de outra
discordância, somos ensinadas desde pequenas a outras pessoas interpretam como crítica, julga- pessoa é através do constrangimento ou do me-
argumentar, jamais a dialogar. Quando uma crian- mento ou reprovação, é muito provável que surja do. Ou seja, através da ameaça de ostracização
ça faz algo que pessoas adultas não aprovam, ela resistência às mudanças que estamos tentando ou de uso da força. A ostracização não resolve o
logo é posta em seu lugar: “Não pode!”, “Sua ir- realizar. É normal ficar na defensiva durante um problema, apenas o afasta de nossos olhos. Por
responsável!”, “Isso é errado!”. Ao invés de exemplo, ostracizar uma pessoa homofó-
dialogarmos com ela para descobrir por
que fez e o que estava tentando fazer com
Ainda estamos presas a uma mentalidade bica não fará com que ela deixe de ser
hostil a pessoas em relacionamentos ho-
aquilo, somos impelidas (pela nossa pró- de tentar trazer transformação acusando as moafetivos, apenas fará com que ela faça
pria criação) a demonstrar todas as formas outras pessoas de estarem erradas, isso longe de nossos olhos e de nossa es-
em que elas erraram.
E nas nossas discussões sobre política e
e não está funcionando. fera de influência – ou seja, empurramos o
problema para outras pessoas.
transformação social, agimos da mesma Já a força não é uma forma eficaz de
forma. Estamos sempre prontas para acusar e cri- ataque, mesmo que argumentativo, e, dentro de convencimento e de mudanças a longo prazo, prin-
ticar, mas jamais para tentar compreender o que um certo limite, isso é até mesmo saudável para cipalmente se o que queremos é um mundo basea-
faz aquela pessoa pensar e agir daquele jeito, não aceitarmos acriticamente tudo que nos dizem do no princípio da liberdade. O uso da força pode
nem para expor nossos sentimentos e juntas ten- e sermos manipuladas. sim ser eficiente como defesa, para preservar a vi-
tarmos encontrar uma solução para nossos pro- Os últimos anos de avanços na igualdade soci- da frente a uma ameaça. Se a polícia representa
blemas. Quando fazemos isso sem ouví-las e al, como o maior acesso da população negra às uma ameaça à liberdade e à vida das pessoas, a
buscar a empatia, estamos negando a validade do universidades através das cotas, o empodera- força pode ser útil para impedir o seu avanço, pro-
mento das mulheres para denunciar tegendo as pessoas da repressão. Se uma mulher
abusadores publicamente e a cora- está prestes a ser violentada por um homem, esfa-
SEIS NOVE gem de casais homoafetivos de de- queá-lo pode ser uma forma eficaz de preservar a
monstrar o seu amor em público, integridade física e mental dela. A ameaça de vio-
entre outros, trouxeram no seu en- lência física também pode dissuadir um grupo fas-
calço uma resistência feroz. Pessoas cista de cometer ataques homofóbicos e racistas, e
que se sentiram julgadas ou acusa- a sabotagem pode proteger uma floresta do des-
das de serem machistas, racistas, matamento iminente. Embora a força possa ser
homofóbicas, e todo mundo que se uma boa solução para ameaças imediatas à vida,
identificou com elas por ser parte não é a melhor solução a longo prazo.
de uma cultura que ainda propaga Se forçamos alguém através do constrangimen-
esses valores, ficaram na defensiva to, da coerção ou do medo de punição a fazer al-
e ali se entrincheiraram. Isso colabo- go contra a sua vontade, essa pessoa voltará a

fagulha .21
"As pessoas foram treinadas a criticar, insultar e
se comunicar de formas que distanciam as pessoas."

— Marshall B. Rosenberg

fazer isso assim que enxergar uma oportunidade de ra o suficiente, e isso pode acabar imobilizando-a ou vista, a saída é estabelecer um diálogo. Para isso,
fazê-lo sem sofrer retaliação. Se o número de pesso- afastando-a do movimento. Se ela simpatiza com precisamos ouvir e ser ouvidas, o que é muito raro
as constrangidas for grande, elas poderão fazer par- nossa luta, mas não é tão radical quanto nós, a pro- hoje em dia. Realmente escutar nossa interlocutora
te de um movimento reacionário. babilidade de afastá-la é ainda maior e poderemos não é ficar pensando, enquanto ela fala, em como re-
ser taxadas de extremistas, reduzindo nosso apoio trucá-la, mas ouvir o que ela tem a dizer, tentar des-
Opondo-se a ideias, não a pessoas em grupos mais moderados. Por outro lado se ela for cobrir como ela está se sentindo e o que leva ela a se
mais conservadora ou não for familiarizada com idei- sentir assim. Muitas vezes, somente depois de ter
Chamar alguém de fascista, machista, racista ou as mais radicais, ela pode acabar se identificando certeza que você ouviu o que ela tinha a dizer, uma
homofóbico pode fazer a gente se sentir bem, des- com os rótulos que impomos a elas, assumindo a pe- pessoa se abrirá para saber o que você sente, preci-
carregar um pouco da nossa raiva e frustração e re- cha de antifeminista, de defensor dos direitos dos sa e as mudanças que gostaria de ver. Precisamos
forçar nosso sentimento de estarmos do lado da homens, passar falar de racismo invertido e outras aprender a discordar das ideias de alguém sem de-
justiça e da liberdade. Mas vai ser pouco eficiente formas de vitimismo. sumanizar a pessoa.
em transformar as ações dessa pessoa. Se ela luta Há uma diferença entre acusar alguém de “ser” ra- É improvável que conseguiremos resolver as dis-
por mudanças radicais, como nós, isso pode fazer cista e de ter agido de forma racista. O mesmo vale
com que se sinta inferiorizada, que não é boa ou pu- para o sexismo, a homofobia ou o fascismo. Essas Mais tarde, na delegacia... Nunca
opressões estão entranhadas dentro de nós e mes- pensamos nisso
Puxa, rapazes, fico triste dessa forma,
mo a pessoa mais esclarecida pode cometer atos comissário. Talvez
quando vejo vocês espan-
machistas, racistas, sem ter consciência, mas isso cando e prendendo pessoas, devêssemos nos
VERME Antes
fascista que
não significa que ela pense que mulheres ou pesso- pois acho que todo mundo focar em combater
a opressão do
as negras são inferiores ou que devem ser tratadas deveria ter uma vida
FASCISTA! comunista
de forma diferente. Se em certo momento ela agiu digna e o capitalismo Estado.
comedor de não permite.
criancinhas. de forma que consideramos opressora, se conver-
sarmos sobre essa ação específica será mais fácil
para nós dialogarmos abertamente e também para
ela evitar realizar aquela mesma ação no futuro. Mas
se a rotulamos como machista, racista, homofóbica, a
congelamos no status de opressora, e será muito
mais difícil para nós estabelecermos um diálogo com
ela e mais difícil será para ela mudar, e portanto es-
taremos mais distantes do nosso objetivo de acabar
com a opressão.
Se enxergamos as outras pessoas como iguais e
não queremos oprimí-las, impondo nosso ponto-de-

22. fagulha
putas numa única conversa, mas mesmo que haja dis- posição e energia e, por vezes, pode ser muito tenta- escutam, começamos a criar uma cultura de diálogo.
cordância é precioso mantermos os canais abertos dor mandar a pessoa catar coquinhos e seguir com Essa cultura se faz muito necessária em uma conjuntu-
para irmos compreendendo umas às outras e quem nossa vida. Por essa razão, precisamos conhecer e ra que, estimulada pelas redes sociais corporativas
sabe um dia elas estarão prontas para atender nossos respeitar nossos próprios limites. Se não estamos con- (Facebook, Instagram, etc.), facilita o bloqueio e a ex-
pedidos. seguindo manter um diálogo, temos que ter em mente clusão de pessoas de quem discordamos de nossas
Nem sempre é fácil manter um diálogo com quem que é sempre possível interrompê-lo e perguntar à bolhas e da nossa própria existência digital.
pensa e fala coisas que ferem nossos princípios e va- outra pessoa se ela estaria disposta a continuar em Quem mais se beneficia do isolamento e da desin-
lores. Fica mais fácil se mantivermos o foco em qual outro momento. Também precisamos aprender a pe- tegração das comunidades é o Estado, o fascismo e
necessidade humana aquela pessoa está tentando dir ajuda quando necessário. qualquer grupo interessado em fazer perseguição po-
proteger quando diz e pensa isso. Afinal, todas preci- A fim de conseguirmos escutar alguém, precisamos lítica. Se queremos um mundo livre de opressão, pre-
samos das mesmas coisas: sustento, segurança, liber- nos sentir escutadas e para isso é importante ter pes- cisamos encontrar formas não-coercitivas de criá-lo,
dade, paz, compreensão, etc. É claro que manter esse soas em quem confiamos com quem podemos nos senão estaremos reproduzindo as mesmas dinâmicas
tipo de diálogo demanda uma boa quantidade de dis- abrir e desabafar. Ao criar redes de pessoas que se e estaremos portanto fadadas ao fracasso.

"O mundo não está dividido


entre Oriente e Ocidente.
Você é americana, eu sou
iraniana, nós não nos
conhecemos, mas
conversamos e nos
entendemos perfeitamente.
A diferença entre você e seu
governo é muito maior que a
diferença entre você e eu. E
a diferença entre eu e meu
governo é muito maior que a
diferença entre eu e você.
E nossos governos são muito
parecidos."

— Marjane Satrapi,
quadrinista iraniana.
fagulha .23
Quando estamos organizando coletividades, a forma como

Uma
interagimos entre nós é crucial para que tenhamos boas chan-
ces de alcançar nossos objetivos. É aqui que entra a comunica-
ção como prática fundamental. Várias dessas peças que faziam

prática
muito sentido para mim (princípios anarquistas), mas que esta-
vam soltas, muitas vezes como conceitos abstratos (sofriam pa-
ra ganhar expressão prática), começaram a se encaixar quando

para a passei a praticar formas de comunicação mais atentas. As pala-


vras estão na superfície de processos mais profundos e elas

coesão
moldam nossas visões de mundo e formas de nos organizar-
mos. Logo, a expressão condiciona o conteúdo e vice-versa:
com uma comunicação baseada em valores, esses valores aca-
bam virando ações evidentes! Não que apenas se comunicar di-
ferente vá resolver todas as mazelas contra as quais anarquistas
por Chuy costumam lutar. Pelo contrário, isso não resolve e, em si mesmo,
não pretende resolver nada. As ações de que falo são na verda-
de uma atenção incessante que, a partir daí, costumam se des-
dobrar em melhores soluções para os nossos diversos
problemas, acima de tudo, o de coesão de grupo.

De onde vem a distância

A primeira percepção que tive ao praticar esse tipo de comu-


nicação talvez não seja tão óbvia por ser quase invisível. Notei
que a forma como eu usava as palavras para conseguir o que
A narquistas em geral costumam falar de uma base de princípios – apoio
mútuo, autonomia, solidariedade, etc. – que é essa cola mínima que liga
as diferentes tendências sob um mesmo nome. Independente das estratégi-
queria não era nem um pouco eficiente caso tentasse seguir os
princípios anarquistas. O uso da linguagem que aprendi é es-
cancaradamente autoritário, chantagista, ao mesmo tempo viti-
as de ação, seja propaganda, trabalho de base, criação e divulgação de ma-
mista e abusivo. Com ele, instauramos verdades morais a partir
teriais de estudo, uma comuna no mato ou na cidade, insurreição e
das quais a única coisa que conseguimos fazer é condenar as
destruição de propriedade privada, os princípios anarquistas são ao mesmo
pessoas. Acima de tudo, quando falamos somos propositada-
tempo o ponto de partida e o objetivo dessa cultura política. Entretanto, du-
rante minha vivência em coletivos e também a partir dos relatos que recebi mente confusos para nos eximir de responsabilidades. “Pois é,
de amizades, percebi que esses princípios, ou valores, têm bastante dificul- fui obrigada…”, “é assim que as coisas funcionam”, “ele é tão
dade de ganhar expressão prática na mão das pessoas. querido, mas não tive escolha: precisou aprender na marra”. Is-
so é usado por todo mundo, não importa sexo, idade, classe,
cor da pele, etc, tá aí na rua, em casa, na creche, na mesa do
bar, na intimidade do abraço, na organização de atividades li-
bertárias. É tão normal que não nos damos conta do distancia-
mento contínuo que provocamos entre nós. E além disso, por
não conhecer outro caminho, a gente sofre e agride as pessoas
queridas num desespero vertiginoso.

24. fagulha
Então, percebi também que esse linguajear , esse mecei a olhar para essa postura, investigá-la sempre que
jeito de falar, não só caminhava para o lado oposto do aparecia. Dado seu incessante reaparecimento, qualquer
meu ideal como anarquista, como parecia que “funcio- pessoa terá muitas oportunidades para estudá-la e
nava” bem em situações em que a balança das rela- transformá-la. Mas para isso é preciso tomar uma certa
ções de poder pendia para o meu lado (ou para o lado distância, não entrar no jogo de “quem tem a razão”.
de quem tiver mais poder no momento). Primeiro, eu
não tinha a segurança suficiente para sustentar minha Como sempre, a prática
intenção e aí, geralmente por medo, eu fazia uma volta
para longe do assunto. Depois, frustrado com esse É a partir do treinamento da nossa atenção que con-
desvio, a fala ganhava um aspecto agressivo (passivo seguimos sair daquele desespero que falei acima. Ob-
ou ativo) e por eu ter mais poder, saía mais ileso da in- viamente isso leva muito tempo, como qualquer prática
teração. Exemplos seriam: sinceridade virava grosseria, (pensa, por exemplo, numa língua estrangeira ou numa
silêncio encobertava mentira, interesse visava adula- arte marcial). E acho que essa é uma razão para as pes-
ção, etc. São todas estratégias retóricas e de lingua- soas que buscam anarquizar o mundo estarem carre-
gem corporal que a gente pratica sem pensar para gadas de ansiedade: querem as coisas para ontem e
tentar ganhar a conversa ou a situação. Da mesma for- fazem isso através de um improviso sem base na expe-
ma, nosso ouvido está totalmente ofuscado classifican- riência. É muito triste que não tenhamos uma troca ge-
do tudo que capta como ameaça. Obviamente, como racional que mantenha o fluxo de transformação radical
todo mundo, eu fazia essas coisas, mas agora passei a na qual dedicamos tanta energia. Na verdade, pelo
notá-las com mais clareza. Estar mais atento não signi- contrário, o que se mantém (e também é muito fácil no-
fica ser gentil e dócil, mas saber olhar para minhas tar nos nossos grupos) é a falta de cuidado com nossos
ações (falar, agir, interpretar, me relacionar, ignorar, próprios objetivos, desejos e responsabilidades, tanto
festejar, repudiar, etc.) como minhas. coletivos quanto individuais. Temos muito mais vonta-
de (e prática) em defendermos ideais abstratos do que
A disputa onde todo mundo perde as relações concretas que podem nos fazer avançar.
Essa prática de atenção pode muitas vezes parecer
No fundo, o “funcionar” normal dentro de uma con- um processo puramente individual. Porém, ela pode
versa é na verdade sinônimo de disputa. “Eu é que te- ser parte de uma tomada de consciência e seus efeitos
nho razão”, “você é uma manipuladora”, “eu tive que sempre extrapolam a pessoa. Por um lado, uma análise
empurrar ela pra fora da okupa”. Quando essa queda sistêmica de processos históricos e estruturas sociais
de braço se instaura, a polarização é inevitável: “quem aguçam a percepção de si, das opressões que se sofre
não está comigo é meu inimigo!”. e/ou seus privilégios. Um exemplo disso poderia ser
“Mas o que eu coloco no lugar da disputa, então?” os grupos intimistas feministas onde, ao contar suas
Vamos dar um passo atrás por um momento. Podemos experiências pessoais, as mulheres descobriam que o
começar pelo que parece mais fácil: que tal estar pre- que acontecia com cada uma individualmente era algo
sente e não disputar a razão com as pessoas que gos- que passava com todas; essa partilha tornava evidente
tamos (e que eventualmente iremos tretar)? Faça a uma opressão sistêmica. Por outro, uma atenção volta-
experiência, sobretudo nos momentos onde se tem da para a prática pessoal nos abre caminhos diferentes
mais certeza de que o outro está “errado”. das usuais relações de poder codificadas na socieda-
Ter consciência de que o linguajear que eu conhecia de. É a velha história: os níveis micro e macro estão
me colocava sempre em disputa foi chave para mim. Co- profundamente interligados.

fagulha .25
O prazer de estar certo e a to”. Mais que isso, é meu dever tornar melhor
percepção das necessidades esse fulano ignorante, anormal, infantil, esquisi-
to, maricas ou machona, branquelo ou preto,
Uma fonte que tem me inspirado muito nes- que tem pelo demais ou pelo de menos, que
sa vertente de ação são as esquematizações fala “ellado”, senta errado, ama errado, e sabe
feitas por Marshall Rosenberg, sujeito que de- de uma coisa, joga logo no lixo e despacha pra
senvolveu aquilo que costuma ser chamado de gente não ver como ele vai morrer.
comunicação não-violenta. É curioso notar que O prazer de corrigir o outro vibra em todas
ela nasceu no período em que o anarquismo as frequências na sociedade e obviamente está
ainda era uma semente adormecida no adubo dentro do meio anarquista.
dos movimentos de direitos civis, feminista e Entretanto, a galera libertária tem uma intui-
pacifista. Num de seus áudios, ele comenta que ção profunda, quase mística, de que a coopera-
foram duas perguntas que guiaram sua pesqui- ção pode mover montanhas. Na sua obra Apoio
sa. Gosto delas pois dão-me uma ideia do pon- Mútuo, Kropotkin afirma e tenta provar cientifi-
to de partida para o qual, quando em dúvida, camente que a cooperação também é chave na
sempre posso voltar. Elas são mais ou menos seleção natural e não apenas a competição: os
assim: 1) por que as pessoas desfrutam ao fazer seres que melhor se ajudarem, sobreviverão.
os outros sofrer? e 2) por que e como algumas Juntar-se por solidariedade é não apenas a ne-
pessoas, mesmo nas situações mais difíceis e cessidade dos fracos (que ganham força com o
improváveis, continuam compassivas e abertas número), mas é sempre necessário onde não
para as outras? existe concentração de poder ou ele não está
A resposta que ele encontrou para a primei- concentrado o suficiente para agir sozinho.
ra pergunta é surpreendentemente anarquista: Concentração de poder, hierarquia e autorida-
gostamos de ver os outros sofrer porque nos de são algumas das regras desse jogo que a
últimos dez mil anos temos sido criados numa gente sempre vai perder. E esse ponto é fun-
cultura que ensina, acima de tudo, obediência à damental para anarquistas: sempre que qual-
autoridade. Autoridades são pessoas que de- quer poder se concentra e se cristaliza (numa
têm e concentram poder numa sociedade (ou instituição ou num cargo duradouro, por exem-
grupo) e elas são a referência do que é certo e plo), surge a possibilidade tantas vezes com-
do que é errado (qualquer pesquisa histórica provada de abuso. Quando a isso se soma o
mostra que esses critérios são quase sempre poder estrutural que paira no ar, comumente
arbitrários, inventados da cabeça de quem tá chamado de privilégio, então o resultado é pa-
mandando no momento). Essa cultura caminhou radoxalmente obsceno de tão esperado.
por diversos povos e eras e hoje recebe o no- Logo, se buscamos que o poder se difunda,
me de justiça retributiva: se você age certo, ga- oferecer, pedir e aceitar ajuda são práticas
nha presente; se age errado, leva pau (lembra muito necessárias, pois promovem a interde-
daquela reunião do coletivo mais importante pendência, multiplicam capacidades e reduzem
da sua vida ou daquele dia com a pessoa que o peso e o estresse de ter que fazer tudo por
você ama? Pois é…). Logo, se vejo uma pessoa conta própria (que é o resultado de querer ser
fazer algo que considero errado, terei muito forte sozinho o tempo todo). Pedir ajuda é algo
prazer em corrigi-la ou em “mostrar o jeito cer- que requer prática, da mesma forma que acei-

26. fagulha
tá-la. Para que não vire dívida, a ajuda deve sempre ser existe essa de “ontem estive atento pra caramba e ago-
uma oferta motivada pela alegria. ra já entendi como que funciona”. Pelo contrário, ela é
E aqui entra uma possível resposta para a segunda uma prática constante. E a importância da atenção é
pergunta: algumas pessoas conseguem manter-se que ela nos deixa vivos, transitórios, mutantes, aprendi-
abertas e ligadas às outras porque estão com sua aten- zes. Nenhuma regra, tradição, instituição, configuração
ção voltada, a cada momento, para o que elas ou as ou- social se mantém fixa e valorizada quando a atenção
tras pessoas necessitam de mais profundo. “Quando está desperta. Por inversão, as instituições, hierarquias,
ouço tal coisa, o que essa pessoa no fundo está preci- relações preestabelecidas de poder só seguem iguais e
sando?”, “quando eu reajo dessa maneira, qual necessi- rígidas por vivermos numa cultura de obediência (logo,
dade me moveu ali?”. Essa é uma hipótese que fica em de passividade).
aberto, que precisa ser verificada a cada vez. Junto Porém, falo aqui de uma atenção plena e não de uma
com ela vem outra, a de que as necessidades humanas vertente “de esquerda” da atenção (algo que poderia
são universais, todo mundo tem as mesmas. Aqui não se confundir com preocupação com as questões soci-
vou entrar naquela discussão da quinta série sobre ais). Não, a atenção aqui sempre brota da pessoa, qual-
quais são “as” necessidades universais. O discernimento quer pessoa, em qualquer situação, e não tem nada a
poderia acontecer assim: se você acha que uma neces- ver com ser politicamente correto.
sidade é universal (por exemplo, seu desejo de compa- Estar atenta é uma habilidade, um poder cujo desen-
nhia ou de ter um celular novo, etc), imagine se outras volvimento nesse texto está seguindo o rastro da pala-
milhões de pessoas, em diferentes culturas e épocas, vra. Entretanto, não estou dizendo que devemos ficar
também teriam ela. Será que teriam? Quebre a cabeça só conversando, que tudo se resolve na fala. Tretas não
nisso e mantenha essa pergunta em mãos quando esti- se resolvem, a sociedade não funciona. Tá na hora da
ver buscando por quais necessidades estão vivas a ca- gente largar mão dessa esperança juvenil. Porém, a co-
da momento em si e no outro. municação é um dos meios necessários e incontorná-
veis para conseguirmos conviver bem e causar
Aprendizagem agora, e depois e depois de amanhã… transformações coletivamente (violentas ou não). Nossa
coesão depende dela. A atenção, por sua vez, visa to-
Perguntas importantes não precisam de respostas mar boas decisões, sejam elas estudar química, cultivar
definitivas: elas existem para nos manter em estado de mandioca, defender-se, estar com crianças, realizar
busca. Elas motivam nossa atenção! Por isso, a atenção ações diretas, etc. Ela serve de base para agirmos ago-
é algo de situação, instantânea, sempre presente. Não ra e tem tudo a ver com anarquismo!

fagulha
fagulha
.27 .27
Uma Taxonomia da ação
Extraído do capítulo 6 do livro Deep Green Resistance: Estratégia para Salvar o Planeta

A
s estratégias e táticas que escolhemos de- Claro que, às vezes, essas categorias se so- luta. Quando os resistentes ganham, é porque
vem ser parte de uma estratégia maior. Isto brepõem. Um protesto pode ser um meio para eles lutam mais do que pensavam ser possível.
não é o mesmo que a construção do movi- pressionar um governo, uma forma de sensibi- E esta é a segunda parte do nosso fardo.
mento; derrubar a civilização não requer uma maio- lizar a opinião pública, uma tática direcionada Uma vez que aprendemos as histórias de
ria ou um único movimento coerente. Uma grande de perturbações econômicas, ou todos os três, quem revida – uma vez que nós realmente as
estratégia é necessariamente diversificada e des- dependendo da intenção e organização. E às aprendemos, uma vez que choramos por eles,
centralizada, e irá incluir vários tipos de ações. vezes uma tática pode apoiar a outra; um ato uma vez que as inscrevemos em nossos cora-
de omissão como uma greve de trabalho tem ções, uma vez que as carregamos em nossos
Uma ação eficaz muitas vezes requer um al- muito mais probabilidade de ser eficaz quando corpos como um veterano de guerra carrega
to grau de risco ou sacrifício pessoal, de modo combinada com propaganda e protesto. estilhaços dolorosos – não temos escolha, mas
que a ausência de uma grande estratégia plau- Em um momento nós iremos fazer um rápi- revidar nós mesmos. Só fazendo isso podemos
sível desencoraja muitas pessoas genuinamen- do passeio de nossas opções taxonômicos pa- esperar viver de acordo com o seu exemplo.
te radicais de agir. Por que eu deveria correr ra a resistência. Mas, primeiro, um aviso. As pessoas têm lutado sob as condições mais
riscos à minha própria segurança em atos sim- Aprender as lições da história vai oferecer-nos adversas e terríveis que se possa imaginar; es-
bólicos ou inúteis? muitos presentes, mas estes presentes não sas pessoas são nossos parentes na luta pela
Quando buscamos estratégias e táticas efica- são livres. Eles vêm com um fardo. Sim, as his- justiça e por um futuro habitável. E nós encon-
zes, temos que estudar milhões de ações passa- tórias de quem revida estão cheias de cora- tramos essas pessoas – nossa coragem – não
das e ações potenciais, a maioria dos quais são gem, brilho e drama. E sim, podemos apenas na história, mas agora. As encontramos
ou fracassos históricos ou becos sem saída. Po- encontrar discernimento e inspiração em am- não apenas entre os seres humanos, mas em
demos evitar gastar um monte de tempo e um bos os seus triunfos e suas tragédias. Mas o todos aqueles que revidam.
monte de angústia recorrendo a uma taxonomia peso da história é a seguinte: não existe uma Devemos revidar, porque se não o fizermos,
de resistência simples e rápida. Ao olhar ramos maneira mais fácil. vamos morrer. Isto é certamente verdade no
inteiros de ação de uma só vez podemos rapida- Em Star Trek, todos os problemas podem ser sentido físico, mas também é verdade em ou-
mente julgar quais táticas são realmente adequa- resolvidos na cena final, invertendo a polaridade tro nível. Uma vez que você sabe realmente o
das e eficazes para salvar o planeta (e para da matriz defletora. Mas isso não é a realidade, auto-sacrifício e infatigabilidade e bravura que
muitos tipos específicos de ativismo de justiça e isso não é o nosso futuro. Cada vitória da re- nossos parentes têm mostrado nos tempos
social e ecológica). A taxonomia de ação também sistência foi vencida por sangue e lágrimas, com mais sombrios, você deve agir ou morrer como
pode sugerir táticas que nós poderíamos ignorar. angústia e sacrifício. Nossa fardo é o conheci- uma pessoa. Temos que revidar não só para
De um modo geral, podemos dividir todas mento de que existem contudo tantas maneiras ganhar, mas para mostrar que estamos ambos
as nossas táticas e projetos em atos de omis- de resistir, que essas formas já foram inventa- vivos e dignos dessa vida.
são ou atos de comissão. das, e todas elas envolvem profunda e perigosa

28. fagulha
fagulha .29
As tuas bonecas
estão fazendo uma
festa?

Não, mamãe! Elas estão se rebe-


lando contra um governo opres-
sivo que está tentando acabar
com as suas liberdades.

30. fagulha
NADAA
ESCONDER
NADA A
TEMER Texto de Graxaim do Mato

M
uitas vezes somos levadas a desconsiderar memes e conversas sem muita importância. Mas permitir mações queremos que as pessoas vejam ou não nas
nossa privacidade, seduzidas por aplicativos e que todas nossas comunicações sejam vigiadas e moni- relações pessoais com nossa família, nossas amiza-
serviços que prometem nos conectar a nossas toradas pode ser muito danoso, especialmente em con- des, quais outras escolhas não faríamos se tivésse-
famílias, amigas e até mesmo nos ajudar a conseguir um textos de perseguição política e regimes mais mos consciência de todas as formas como nossos da-
trabalho. A impressão é que nos conectamos diretamen- autoritários. dos são usados pelas empresas que nos prestam
te com quem queremos conversar ou compartilhar aque- serviços? Compartilharíamos voluntariamente nossos
le meme. Mas será que nosso comportamento seria o Não há nada de errado em escolher quais informa- hábitos pouco saudáveis com nosso plano de saúde?
mesmo se fosse evidente com quem estamos comparti- ções desejamos compartilhar e com quem queremos Permitiríamos que milhares de pessoas desconheci-
lhando todos esses pequenos detalhes? Será que quere- compartilhá-las. Na verdade, já fazemos isso diaria- das conheçam nossos itinerários e horários? Por que
mos compartilhar com nosso chefe que estamos mente. A maioria de nós não conversa com sua mãe e então que quando se fala em segurança digital uma
matando o trabalho? Com a seguradora que deixamos o seu pai sobre sua vida sexual, não dá sua senha do das respostas mais comuns é “não tenho nada a es-
carro estacionado na rua? Todos esses pequenos deta- banco só porque alguém pede, não faz cocô com a conder? Não pode ser por presumirmos que quem
lhes podem parecer insignificantes, afinal são apenas porta aberta. Se escolhemos diariamente quais infor- vai ler essas informações é “apenas” o governo e as

1. Se nem mesmo gigantes da tecnologia como Google conseguem impedir o vazamento de dados de milhões de usuárias, o que dizer de todos os aplicativos que instalamos em nossos celulares e que pedem
acesso aos nossos contatos, à nossa localização, às nossas mensagens?

fagulha .31
Abrir mão da privacidade por acreditar
que não temos nada a esconder é como
abrir mão da liberdade de expressão
por pensar que não temos nada a dizer.

corporações, como se confiássemos cegamente que juiz, curtir nas redes sociais uma publicação de uma “importante” para ser vítima dos terroristas de toga?
essas instituições agirão de forma íntegra e impedi- dessas “organizações terroristas” ou até mesmo Pode ser que, ainda assim, não pareça que nossa
rão que esses dados caiam na mão de pessoas mal comprar arroz orgânico, se o produtor for filiado ao vida online seja digna de nota, que vá atrair a atenção
intencionadas1. Será que é por que a possibilidade MST, pode ser o suficiente para criminalizar alguém. das autoridades. Mas afirmar que nunca faremos algo
de que essas informações sejam usadas contra nós Se o sistema judiciário já fez perseguição política du- do tipo seria admitir que temos sangue de barata, que
sempre nos pareceu tão remota, afinal vivemos em rante o próprio governo Dilma, quando Rafael Braga foi podem fazer o que quiserem conosco, e mesmo as-
um regime democrático, no Estado de Direito? Ainda condenado por portar uma garrafa de detergente e sim, nunca levantaremos nossa voz, nunca oferecere-
nos sentimos assim agora que Bolsonaro foi eleito também quando iniciaram-se os processos contra o mos qualquer tipo de resistência. Assistirmos
presidente? grupo dos 23 do Rio de Janeiro, que foram condena- impassíveis às corporações e ao Estado assumirem
Bolsonaro e sua camanga querem endurecer a Lei dos em 2018, por supostas ações durante as manifesta- controle e realizarem uma vigilância total sobre nos-
Antiterrorismo, sas comunica-
criada no gover- Lutar por privacidade hoje é proteger a nossa capacidade de agir e de resistir amanhã. ções é sabotar
no de Dilma quaisquer futu-
Rousseff. Com as modificações, propostas pelo decré- ções de 2013 e 2014… Se já em 2017, a polícia alegou ras possibilidades de ação e autodefesa. Pois todas
pito senador gaúcho Lasier Martins2, ações do MST e que garrafas PET cheias de sacos plásticos eram co- informações coletadas sobre nós neste momento po-
do MTST ou até mesmo um simples protesto contra a quetéis molotov com o intuito de criminalizar anarquis- derão ser usadas no futuro para minar ou mesmo im-
corrupção da classe política poderão ser considera- tas… O que esperar agora que o resultado das urnas pedir ações que nem cogitamos hoje. Ou até mesmo,
dos atos terroristas3. O projeto pretende punir até endossou um maluco que defende a tortura e assassi- se não defendermos de forma ferrenha a nossa priva-
mesmo quem “louvar pessoa, grupo, organização ou natos extrajudiciais, que invoca a perseguição política? cidade, ferramentas como a criptografia poderão ser
associação pela prática de crime de terrorismo”, ou Como você acha que a “Justiça” irá se portar? Será que completamente criminalizadas, como aconteceu na
seja, dependendo da interpretação da lei que fizer o realmente é preciso cometer um ato ilícito, fazer algo Austrália. Então o simples fato de escolher não com-

2. https://www.documentcloud.org/documents/5029672.html#document/p1
3. Na nova lei antiterrorismo, seus likes podem levar você pra cadeia. The Intercept. https://theintercept.com/2018/11/07/lei-antiterrorismo/

32. fagulha
SCONDER    NADA
E  A 
 A  TE
«Se alguém me der seis linhas escritas pela mão DA ME

NA
do mais honesto dos homens, encontrarei nelas

R
algo que o mande para a forca.»

— Cardeal Richelieu em 1641.

partilhar alguma informação com o Estado os seus contatos, relações, articulações e,


será motivo para sermos criminalizadas. mesmo que não vá fazer nada para chamar
a atenção do Estado, você pode acabar ex-

A A ESCONDER NADA A TEMER
Com o que já têm sobre mim, não faz dife- pondo aquelas pessoas que fariam algo. Por

NADA A ESCONDER NADA A TEM
rença o que faço daqui pra frente" outro lado, se escolher apagar sua conta, o
Estado não terá acesso a esses dados tão
Se por um lado algumas pessoas dizem facilmente. Sim, é possível que o Facebook
que não têm nada a esconder, outras, mais guarde esses dados e não os delete, como
pessimistas, dizem que agora seria muito afirma que faz, mas será mais difícil para o
tarde para implementar medidas de prote- Estado e para grupos fascistas acessá-los4.
ção à privacidade, pois com as informações Toda ideia que pressupõe que já perde-
que já estão disponíveis na rede, elas já es- mos, que não há nada que possamos fazer
tariam comprometidas. Parece improvável para nos proteger, é um presente para o
que o novo governo irá perseguir todas as Estado, para as corporações e para todo
pessoas que já disseram ou fizeram no pas- sistema de opressão.
sado algo que as defina como opositoras E pense além de você, pense nas pesso-
ao regime (a menos que seja algo realmen- as que estão começando a se envolver em
te muito importante) e o valor da informa- política agora. É importante que haja uma
ção se deteriora com passar do tempo. Mas cultura de segurança em circulação, para
as informações que ele coleta hoje podem permitir que as pessoas consigam agir com
comprometer suas ações no presente e no um mínimo de tranquilidade.
futuro, sua liberdade e a também liberdade
de outras pessoas com as quais você se co- Mais poder ao Estado e às corporações
munica. Sua negligência compromete as
pessoas da mesma forma que a negligência Ademais, informação é poder. Ela vale ou-
delas vai te comprometer. ro para as pessoas que estão ou almejam es-
Se você decidir ficar no Facebook dentro tar no poder. Por muitos anos, o sistema era
desse novo cenário, por exemplo, tenha em controlado por quem conseguia melhor utili-
vista que você pode estar expondo todos zar os meios de comunicação tradicionais, rá-

4. Se isso ainda não for argumento suficiente para você, tire um tempo para realizar o Data Detox proposto pelo
coletivo Tactical Tech: datadetox.myshadow.org/detox

fagulha.33.33
fagulha
dio, TV, jornais e revistas impressos, seja mo, que já falamos, e outras que impõem
através de influência política ou financeira. multas e penalidades para pedestres e
Hoje, como mostraram as campanhas de veículos que bloquearem vias de trânsito
Trump, do Brexit e do Bolsonaro, isso já está sem autorização prévia. Mesmo que em
obsoleto. Quem chega ao poder ainda é nossa busca por uma sociedade mais jus-
quem tem mais poder econômico, mas que ta e igualitária, a gente decida utilizar
o utiliza para comprar, coletar e utilizar as in- apenas os meios permitidos pela lei hoje,
formações pessoais de milhões de pessoas. não há garantia alguma que amanhã es-
Quem controla os dados controla a nar- sas formas de protesto não serão tam-
rativa. A campanha presidencial brasileira bém proibidas. E aí, o que faremos?
de 2018 foi um exemplo gritante disso. Obstruir vias sem autorização, bloquear
Quando quem controla as tecnologias pode o acesso a prédios governamentais e cor-
controlar o que você vê, os fatos não impor- porativos, quebrar vidraças de bancos, sa-
tam. Quando permitimos que o Estado e as botar as engrenagens que oprimem as
corporações coletem todos nossos dados pessoas e destroem o ambiente natural
indiscriminadamente, estamos lhes dando são formas legítimas, mas geralmente ile-
de bandeja mais poder para nos controlar e gais, de lutar pelo que acreditamos. Esta
manipular. É impossível controlar aquilo que revista que está em suas mãos, por exem-
se desconhece. Portanto, cada pedaço de plo, é ilegal. Pois quando a criamos opta-
informação que conseguirmos manter longe mos por não seguir os trâmites exigidos
dos olhos e ouvidos dos sistemas de vigi- por lei, o que daria mais poder para o Es- Leis são um péssimo parâmetro
lância, é mais um pouquinho de poder que tado nos controlar, seja através da buro- para usarmos como guia do que é
retemos em nossas próprias mãos. cracia ou da repressão. Em vez disso
decidimos criar manieras de dificultar o certo e do que é errado.
Mudança social e transformação só vêm controle estatal, de forma que se quiserem
quando se quebram as leis nos controlar, teriam que gastar preciosos
recursos para isso. Em vez de permitir que
Você quer, como nós, ver um mundo o Estado regule e controle nossa ativida-
com mais liberdade? Justiça? Igualdade? de, estamos simplesmente o ignorando, ti-
Então se, além de desejar, vamos fazer al- rando dele o poder sobre nossas ações.
go concreto a respeito, provavelmente As leis são um péssimo parâmetro para
teremos que quebrar algumas leis, come- usarmos como guia do que é certo e o
ter alguns atos considerados crimes. O que é errado. Algumas delas podem inclu-
Estado permite que seus cidadãos e cida- sive nos colocar em risco sem oferecer ne-
dãs lutem por mudanças sociais apenas nhum benefício, como ficar parado em seu
de algumas formas muito limitadas, como carro à noite no sinal vermelho em uma
através de petições e manifestações pa- rua deserta. Recusar-se a obedecer as leis
cíficas. Mas mesmo as poucas formas pode ser uma forma eficiente e prática de
permitidas por lei estão ficando cada vez deslegitimar o Estado, e que por outro la-
mais restritivas. Estão surgindo cada vez do empodera muito o indivíduo que se vê
mais leis que limitam e criminalizam os livre de restrições e impeditivos. Mas se o
protestos de rua, como a lei antiterroris- Estado sabe tudo que você está fazendo,

34. fagulha
R
por onde você anda, com quem você fala, então vo- ralisar. Precisamos adotar medidas que aumentem
cê se torna um alvo fácil e correrá o risco de perder nossa sensação de segurança, para que sejamos capa-
a sua liberdade. zes de continuar agindo apesar de uma conjuntura
mais sombria.
Retomando o controle Existem diversas ferramentas por aí, que são fei-
tas por pessoas que, como nós, valorizam a liberda-
A esta altura, deve ter ficado bem claro para to- de de escolhermos quem pode ter acesso aos
do mundo que a situação política de um país pode nossos dados e quem não, de forma colaborativa,
mudar muito rápido. E todas leis, recursos, ferra- sem visar lucro. Elas nem sempre são tão atrativas e
mentas e informações acumuladas por um governo, fáceis de usar quanto os aplicativos e serviços co-
servirão também ao seu sucessor. E todos os direi- merciais, que são projetados para nos seduzir, com
tos que o Estado promete respeitar e proteger, ele vastos recursos financeiros. Precisamos fazer uma
pode também tomar. Mesmo que você ainda acre- escolha: ou escolhemos a comodidade, a facilidade,
dite no chamado “Estado de Direito”, é sempre o apelo estético e pagamos por isso com nossos
bom ter em mente que o amanhã é uma incógnita e dados (e consequentemente com nossa liberdade)
todas as suas certezas podem ruir. Então em vez de ou escolhemos priorizar a nossa privacidade, a nos-
confiar nossos direitos nas mãos do Estado, não faz sa segurança, a nossa liberdade e alcançamos isso
mais sentido mantermos nossa liberdade em nossas através de um pouco de movimento. Se queremos a
próprias mãos? segunda opção, precisaremos nos esforçar, princi-
Muitas pessoas ficaram apavoradas com a vitória de palmente no início, para aprender a usar essas fer-
Jair Bolsonaro. Se deixarmos, esse medo pode nos pa- ramentas de forma segura e convencer nossos
contatos a migrar para esses serviços. Também é
É assus- Não importa. Parece
Sério...? Bem, não é importante fortalecermos o desenvolvimento des-
tador pensar Não tenho nada a como se eu tivesse
que o governo
que estão acessado algo na sas ferramentas, seja apoiando esses projetos fi-
esconder. Se o monitorando
está monito- governo quiser a internet
internet que eu não nanceiramente, com trabalho voluntário de
rando os te- queira no meu regis-
me ouvir pedindo também. tradução, programação, sugestões e críticas, seja
lefonemas tro permanente....
das pessoas. uma pizza, que
fique à vontade. utilizando-os e ajudando na sua difusão e amplia-
ção de suas redes.
Abaixo listamos alguns links com informações so-
bre como proteger a sua privacidade no meio digital:
• autodefesa.org – oferece dicas básicas e rápi-
das de segurança digital. Além disso, para apro-
fundar no tema, compila os melhores guias em
Bem, então português sobre o assunto.
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porativos que já utilizamos.
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cia: Dicas, ferramentas e tutoriais para uma mai-
or segurança nas comunicações online.

fagulha .35
Por que um
feminismo
negro? por Mara Gomes

Tenho a impressão que essa discussão sobre femi- lher negra ganhou um papel mais forte na história do
nismo, geralmente, se limita apenas a algumas mulhe- feminismo, porque foi fundada nos EUA a National
res. Não que seja um feminismo limitado, um Black Feminist Organization em 1973 e, antes disso
feminismo classista, obviamente não, porque a idéia também, feministas negras haviam aparecido e criado
central do feminismo é igualdade, igualdade essa que uma literatura nova. Essa fase foi marcada como uma
deve ser de gênero e também entre mulheres. Mas fase de transição, entre o que o feminismo já tinha
então por que um feminismo negro se esse feminismo conquistado na primeira onda, e a libertação sexual
deve englobar todas mulheres? feminina. A segunda e a terceira onda coexistiram, foi
O feminismo tem seu início, como um movimento quando se começou a discutir o que chamamos hoje
social, nos séculos XIX e XX quando as mulheres bus- de “Teoria da diferença” o argumento era que, embo-
cavam a igualdade de direitos civis, principalmente o ra a diferença de sexo recebia toda a atenção, outras
direito ao voto, essa época era chamada de primeira diferenças também eram essenciais e deviam ser re-
onda feminista. Nesse momento as lutas eram centra- conhecidas e tratadas. Audre Lorde foi uma das pri-
das nos EUA e Inglaterra e a mulher negra não se in- meiras a escrever sobre essa idéia, que discutia as
cluía assiduamente nessa discussão, porém não diferenças entre as mulheres além do sexo.
significa que não existiam negras feministas nessa Aí então chego na resposta da questão inicial do
época. A exemplo de Sojourner Truth e Harriet Tub- texto: por que um feminismo negro? A resposta é por-
man, além de outras, no século XIX a luta dessas mu- que a mulher não é um núcleo fechado, a categoria
lheres negras era por uma liberdade diferente. Elas mulher é cheia de subdivisões e essas subdivisões são
buscavam se verem livres das amarras e dos resquíci- de classe, raça, sexualidade, além de outras. O femi-
os da escravatura. Sojourner Truth filha de escravos e nismo, no seu início, era apresentado apenas em cima
ex-escrava foi ativista pelos direitos dos negros e das da idéia de separação binária entre homem e mulher,
mulheres e o questionamento que fez em um dos seus logo não existiam outras ramificações, mas a discus-
discursos mais famosos foi: Ain’t I a woman? ( Eu não são não para por aí, o gênero é algo muito mais com-
sou uma mulher?). A mulher negra é uma mulher igual plexo e a mulher não é uma categoria única.
a mulher branca? Se é, então por que é tratada dife- A mulher negra sofre uma dupla opressão, uma por
rente, por que não tem os mesmos direitos? ser negra e outra por ser mulher. Gênero e raça se
Entrando na segunda onda entre 1960 e 1980 a mu- transpassam e também a classe social, já que por

36. fagulha
resquícios deixados para nós dos tempos de escravatura a Outro dado também é que as mulheres pobres – e particular-
maioria da população negra é pobre, mora em lugares de bai- mente aquelas que são negras – estão entre as principais preju-
xa estrutura e tem o menor índice de educação. Para esclare- dicadas pela ilegalidade do aborto no país. Pois são essas
cer, como já vieram me questionar antes, não estou mulheres que por não terem dinheiro buscam apoio em clínicas
apresentando aqui uma hierarquia de opressão, muito pelo clandestinas mais baratas, precárias e com falta de higiene.
contrário. A opressão da mulher negra não é mais importante São muitas questões e se enumerá-las todas aqui é capaz
que a opressão da mulher branca, porém a mulher negra car- que esse texto não encontre nunca o seu final. Há uma dife-
rega outras questões que não atingem diretamente a mulher rença além da diferença de gênero perpetuando o feminismo,
branca. Questões essas que nos transpassam além do gênero por isso há a necessidade de um feminismo negro, por isso
e que devem ser discutidas com um viés diferente. precisamos discutir uma lógica que dê conta das questões de
Não vemos mulheres negras na mídia, do mesmo jeito que ve- classe e de raça. Vivemos todos em um sistema patriarcal,
mos mulheres brancas. Não vemos muitas mulheres negras na classista e racista, por isso estamos vinculados a esses inúme-
faculdade, como não vemos negros em geral, mas vemos ros preconceitos e falhas graves nas estruturas do Estado.
homens brancos e mulheres brancas. Em um país onde a Portanto nosso papel como mulheres, pretas, índias, brancas,
população de negros compõe mais de 50% e que pardas, amarelas e feministas é lutar contra essas amarras so-
números como a taxa de desocupação entre mu- ciais e discutir sempre o porquê dos preconceitos, o porquê
lheres negras chega a 12,4%, contra 9,4% en- de estarmos tão presos a essa lógica burra que gere a socie-
"Sou uma Feminista Negra. tre mulheres brancas e a renda média das dade em que vivemos.
mulheres negras é de R$ 436, contra O feminismo negro está aí para reforçar essa idéia de luta,
Quero dizer que reconheço que R$ 649 dos homens negros, R$ 797 abraçando questões que nem sempre são abraçadas e anali-
tanto o meu poder como as minhas das mulheres brancas e R$ 1.278 sadas, mas estamos todos juntxs na mesma luta, sem hierar-
opressões primárias são resultado dos homens brancos, há com quia de opressão, sem nenhum desfavorecimento, estamos
certeza alguma diferença todxs unidxs contra o mesmo inimigo, o patriarcado e por fim
de ser negra bem como de ser a ser discutida (dados também estamos lutando juntxs na mesma luta contra o pre-
mulher e portanto minhas lutas em do IPEA 2007). conceito de gênero, classe e raça.
ambas as frentes são inseparáveis."

– Audre Lorde
fagulha .37
Homens Abusivos Que Usam
do Feminismo Para
Conseguirem Imunidade
por Aline Rod

Alguns homens se beneficiam ao usarem do femi- adentrar no feminismo como cooperador – a causar
nismo para conseguirem imunidade. São homens que danos no psicológico da mulher que ele abusou, pois
não diferente de outros abusam de mulheres, porém além de ter sido abusada, ela agora tem que lidar
descobriram que “apoiando” o feminismo eles nunca com o total apagamento dos abusos que sofreu, e
serão descobertos nem cobrados. São homens que ainda vê-lo procurando ser reconhecido como apoia-
lançam textos sobre feminismo ou discursam feminis- dor da luta das mulheres. Mais uma vez o patriarcado
mo mas nunca tiveram nem de perto a tentativa de se exige apenas dela que resolva sozinha os seus trau-
retratarem com as mulheres que eles abusaram. Isso mas. Mais uma vez ela tem que achar forças para en-
nos mostra que ele não está interessado em praticar frentar uma nova batalha.
o discurso, nem apoiar as mulheres, mas se livrar da O comportamento manipulativo e narcisista de seu
culpa. O que só mostra seu grau de manipulação, só abusador tá sempre lá presente ao alcance deste pa-
confirma o quanto foi abusivo. Só comprova que ele ra que possa se beneficiar, para conseguir algo em
continua sendo abusivo ao seguir passando por cima troca, para conseguir o que ele deseja e só o que ele
dos sentimentos e da realidade das mulheres que ele deseja (característica do seu narcisismo), e para que
abusou, sem nenhum escrúpulo. Ora, se esse homem se mantenha na mesma posição social que tinha antes
se dá ao trabalho de ler textos sobre abuso e distri- de cometer os abusos.
buí-los ou discursar sobre feminismo, significa que ele Algumas pessoas vão dizer que bastava então as
tem acesso para entender a questão. Mas muito pelo mulheres abusadas por esses homens fazerem de-
contrário, ao invés de procurar entender o que é de núncias. Bastava mesmo? Elas por acaso não as fa-
fato abuso, ele escolhe continuar sendo um homem zem? Quantas mulheres denunciam seus abusadores
manipulativo, logo, abusivo. Ele continua desta forma e são tachadas de exageradas, vingativas, rancorosas
que escolheu – de fingir que nada aconteceu e ainda e mentirosas? Quantas mulheres depois dos abusos

38. fagulha
que sofreram ainda tem que lidar com estar constantemente pessoal, e procura agora separar o pessoal do político? Para
tendo que provar para todo mundo que o que lhes aconte- esta eu tenho a resposta: por convenniência e covardia.
ceu é verdade? Quantas mulheres ficam estigmatizadas e É conveniente oscilar entre o que é pessoal do que é polí-
são ostracizadas por denunciarem abuso enquanto seus tico quando se trata de você mesmo. E é covardia desde
abusadores não só se safam mas recebem solidariedade da quando ele se utilizou da manipulação, e segue incessante-
comunidade? Quantas vezes a mulher mesmo que não faça mente com o seu comportamento covarde. Eu acho que é
uma denúncia numa escala pública, aberta, fala sim para muito triste, não me dá nenhuma alegria escrever este texto
amigos mais próximos ou em comum com seu abusador e nem recompensa. Mas está feita a denúncia. Esta é a minha
tem que ver o mesmo continuando receber o mesmo trata- denúncia, contra todos os homens que se safam dos abusos
mento sem nenhuma ressalva por parte de nenhuma dessas que cometem, saibam vocês que nós sabemos muito bem o
pessoas? Nem todas as mulheres estão também dispostas a que aconteceu. E se lhes resta um pingo de dignidade admi-
se exporem, principalmente porque sabem que não serão tam que o que fizeram foi abusivo, lembrem do que aconte-
apoiadas. cia durante o tempo que se relacionavam, lembrem das
E por que a responsabilidade disso tudo fica com a vítima mentiras relevantes e graves, e igualmente das atitudes, que
do abuso? como consequência, só estendeu o prazo de validade da
O que a sociedade está querendo nos dizer? manipulação que se operava. lembrem dos impedimentos
A obrigação não está na mulher em fazer a denúncia, mas que criaram sejam nas escolhas que suas parceiras faziam,
deveria estar nos homens não cometerem abusos e se co- seja nas roupas que vocês criticavam ou no comportamento
meterem se responsabilizarem por isso. Isso não é dizer que delas com o intuito de controlá-las. Lembrem de como vo-
as mulheres não devem denunciar, de forma alguma, isso é cês as usaram para prazer pessoal ou para outros fins quan-
tirar a responsabilidade exclusiva dos ombros das mulheres do ao mesmo tempo desconsideravam as necessidades ou
abusadas e também compreender as que não se sentem se- dificuldades delas. lembrem daquele momento que vocês já
guras para fazê-lo. sabiam o que tava acontecendo mas optaram por deixá-la
É muito comum homens que cometeram abusos preferi- no escuro e a enganaram até o fim, mas não vacilaram de
rem enxergar que o que aconteceu foi uma questão pessoal, forma alguma, de sugá-la até drená-la quase que completa-
uma coisa entre homem e mulher, das “relações interpesso- mente porque “sua companheira” estava ali para te servir e
ais”, e falham em compreender que o que aconteceu foi nutrir afinal das contas. Lembrem de que foram vocês que
completamente fruto do patriarcado, que enquanto lhes be- continuaram andando pelos mesmos espaços que tinham
neficia, tem desfavoráveis consequências materiais e espe- em comum enquanto ela teve que se retirar, e não esque-
cíficas às mulheres dentro deste mesmo sistema. çam que muitas vezes esses espaços eram o ganha pão de-
Mas esses mesmos homens (pasmem!) discursam também la, e aqui vale lembrar que as mulheres tem menor poder
sobre a estrutura do patriarcado! Como se ele tivesse imuni- econômico em comparação aos homens. Lembrem do que
dade, como se ele não tivesse colaborado e não seguisse vocês faziam no foro íntimo, quando sua parceira estava
colaborando com essa estrutura. Então o homem abusador dormindo. Porque elas não esqueceram, e ao contrário de
que defende que se deve meter a colher na violência contra vocês, elas se culpabilizam por “terem deixado chegar até
a mulher, que demonstra ter consciência de que o pessoal é aquele ponto”. O patriarcado é tão cruel que a culpa sempre
político, por quê ele de repente tenta a todo custo defender fica com a mulher. Foi ela em fim que aguentou porque quis.
que o que ele fez foi meramente a nível humano, natural e

fagulha .39
Pedagogia Libertária
Uma proposta autogestionária.
Texto de Fulvio Pelli.

A pedagogia libertária é uma proposta com vertentes antiautoritárias, den-


tre elas o anarquismo, o construtivismo e os professores progressistas. Pensa-
dores anarquistas como James Guillaume, Proudhon, Roorda, Ferrer, Bakunin,
entre tantos outros intelectuais, preconizaram a pedagogia libertária como um
método de ensino que oferece aos discentes um ambiente livre do autoritaris-
mo, que os professores em determinadas situações, impõem aos seus alunos.
Ao contrário da injunção, da deliberação individual do professor às questões
comuns entre ele e seus discentes, vem as decisões horizontais, que a partir de
assembleias, todos têm o ensejo para sugerir, opinar, justificar e argumentar
suas propostas, como também o direito de contrariar ideias adversas às suas.
Decisões democráticas a partir de eleições não contemplam a minoria, que
muitas vezes pode ter argumentos mais eloquentes do que a maioria, tornando
a democracia em uma “ditadura da maioria”. Em um ambiente com práticas li-
bertárias, as tomadas de decisões, por exemplo, são discutidas entre todos a
partir de assembleias, e a deliberação acontece quando a classe, de forma unâ-
nime, acorda com a proposta da pauta. Caso alguém se contraponha à maioria,
esse apresenta seus argumentos, a questão é retomada e novamente discutida,
podendo ou não haver mudanças nas decisões finais.
Toda e qualquer ameaça, obrigação, prêmio e punição, antagoniza a liberda-
de e a autonomia que o estudante precisa para seu pleno desenvolvimento.
Inibir a réplica, coibir uma contrariedade, sublinhar o negativo, onde o docente
assume uma postura autoritária e ditatorial contrapondo-se à vontade de to-
dos, muitas vezes nem ouvida, torna o aluno incapacitado para expressar seus
sentimentos, ameaçado por algum termo pejorativo ao errar uma questão que
não decorou, depreciado por aquele que deveria ser seu motor de otimismo,
perseverança e coragem. A ausência de afeto, amizade, ternura, entre tantas
outras faltas de demonstração de carinho dos professores pelos alunos, cria
um abismo imensurável na relação entre docentes e discentes. O encontro sau-
dável entre ambos é fundamental para que efetivamente aconteça o aprendi-
zado inesquecível, divertido, prazeroso e significativo. A pedagogia libertária
sugere a comunicação não violenta para que haja uma sintonia e amorosidade
diminuindo possíveis conflitos, e esses existindo, possam ser solucionados com
mútuo respeito.
Os conteúdos massificados propostos nos livros mativa permite que o docente “ava-
didáticos são muitas vezes extenuantes e precisam lie” seus alunos de diversas maneiras
obedecer um tempo que provavelmente passará tão em diferentes momentos. Observa- Mamãe, por quê
rápido que os alunos dificilmente irão assimilar im- se, nos discentes suas habilidades, eu tenho que ir para
a escola?
portantes conceitos e fundamentos, para aplicarem seus comportamentos, a assimilação
em novos desafios. Os imensos questionários apáti- de conceitos e fundamentos a partir
cos não instigam a investigação, a pesquisa, nem de atividades práticas, participação
mesmo exigem o entendimento sobre o conteúdo, im- nos encontros, perguntas elaboradas
permeabilizando o ensino. Na pedagogia libertária a por eles mesmos e respostas aos es-
assimilação do conteúdo acontece de forma integral, tímulos das indagações que surgem
ou seja, os trabalhos intelectual e braçal facilitam para durante as investigações, sempre evi-
a construção do aprendizado, não há divisão entre o denciando os acertos e os avanços
pensar e o agir. As questões são respondidas após os conquistados pelos alunos. Mostra-se Para que você possa ser
resultados evidentes de uma série de experiências re- o erro como resposta natural que transformada em um autômato

alizadas durante o processo de investigação. O papel ocorre no processo de qualquer homogêneo aprovado pelo estado
incapaz de pensar fora do senso comum.
que o docente libertário assume nos encontros com aprendizado. O erro não é encarado
Você irá aprender a repetir informações ao
seus alunos é de se posicionar como um orientador, como uma frustração, mas sim como
invés de pensar por si mesma para que não se
que possa facilitar e direcionar o ensino para que o um resultado significativo para futu- torne uma ameaça ao status quo. Quando você
aluno seja capaz, gradualmente, de investigar e pes- ros acertos, encorajando-os em no- se formar, arranjará um emprego, pagará
quisar com autonomia. O docente apenas aponta o vas tentativas. Portanto, o medo de impostos, para perpetuar o sistema
caminho que seus estudantes podem ou não seguir errar não está presente em um ambi- corporativo de servidão assalariada.
para assertividade e êxito de suas experiências, e au- ente pedagógico libertário.
xilia na compreensão de conceitos e fundamentos A interdisciplinaridade é intrínseca
aplicados na atividade proposta. O educador libertá- ao aprendizado. A pedagogia liber-
rio não sugere respostas aos alunos, pelo contrário, tária sugere o ensino por meio de
mais indaga do que responde, procurando estimular a projetos. Desta forma o discente sente-se livre para
busca, por eles mesmos, de soluções para os proble- abraçar uma ideia que inicialmente acredita possuir
mas propostos. afinidade. O projeto pode ser uma horta orgânica, um
As avaliações que somam resultados, contando er- protótipo de robótica, o aprimoramento de algo que
ros e acertos, aprovando ou reprovando, pouco con- já existe, um brinquedo, etc. O aluno, em um ambien-
tribui para o desenvolvimento do aluno, pois poderá te propício para o avanço de seus projetos, provavel-
repetir o ano com o mesmo método que “impediu” mente terá maior interesse e consequentemente
seu avanço escolar. Muitas vezes o aluno é avaliado maior possibilidade em aprender e compreender
uma única vez a cada bimestre, e de uma única forma conceitos que em outros momentos não permitiu.
ou seja, a escrita. Responde o questionário previa- Conclui-se que a pedagogia libertária é uma pro-
mente decorado, aponta falso ou verdadeiro, assinala posta anti-autoritária, em que os alunos aprendem a
uma alternativa e pronto, está avaliado. Não importa aprender, tornando o ensino mais significativo, diver-
as condições emocionais do aluno no momento da tido, prazeroso, formando seres autônomos e seguros
prova, o professor não permite que o discente expres- para tomarem suas próprias decisões, livres da obe-
se outra forma de aprendizado, e não realiza uma ava- diência sem sentido.
liação sobre a maneira como está oferecendo o ensino
para seus alunos. Diferente disso tudo, a avaliação for-

fagulha .41
amo
Encon

r
tran

revoluc
d

i
o

on
o

ário
em um mundo de profunda alienaçao
uan ta s peça s de arte foram
cria-
qual
ram escritos, q or? Há alguma razão pela ás

A po em as fo
me. Quantos a sobre o am agia por tr
q uan ta tin ta foi derramad escobrir os segredos e a m nda perma-
das, re, tentou d do amor ai
hu m an idad e , desde semp significado e a substância nições diferentes de
a o fi
am or. A o m esmo tempo, deparamos com muitas de s, às vezes nos é di-
d o os nó
e ce m u m m istério. Hoje, n o r po deria salvar a todos r significa cura. Mas
n am o
o r. À s ve ze s dizem que o s o amor dói, às vezes o am s o amor é significa-
am eze õe
qu e o am o r é cego. Às v falando e sob quais condiç
to os
e amor estam
de que tipo d
tivo e gratuit
o? as condi-
ue considerar
temos q
sobre o amor, o capitalis-
s e p en sam o s ed ad e moldada pel
Quando conv
er sa m o . Em um a so ci a do amor
as d o nosso tempo ad o e a substânci
ções sociais e
p o lític o, o si g ni fic mpreender
o e (auto)alienaçã ó s m al podemos co
mo, egoísmo
, se xi sm crutáv ei s. N em treinada
ai s o bscuros e ines ex au stivamente b
tornam-se ca
d a ve z m
que significa
amar , ne ss a o excessivo,
o r. O an o nimato, consum
e experimenta
r o am dos en tr e sível, que
co ntramos tranca ta lvez até compreen
bagunça ond
e no s en te o ca so , e vida social e
É frequentemen p ar a escapar da
exploração e
g ue rra?
amor seja des
en vo lv id o ade violenta
to d e m ei o a uma socied
nosso próprio
co nc ei de am o r em tarde, levar
p eq ue na e segura bolha o r irá, m ais cedo ou mais
construir uma ordagem ao am
oísta . M as esse tipo de ab
e eg to.
tr aç ão e ao desapontamen
à frus

42. fagulha
ades pa-
se m pr e. As tra dições e mentalid
para ebradas.
ni za rm os gl ob almente. Em do do m in an te s devem ser qu
conectarmos e no
s or ga arcais s vezes
m as ta m bé m a co ex ce ss ivo na beleza física tri m en to s ro m ân ticos”, que muita
s românticas, vez de intensifica
r o fo elacio na s basea-
Não só as relaçõe se re s hu m an os ial da s m íd ias sociais pode “R e do am or , sã o em muitos caso
e filhos, entre os o pote nc
to e a solida- es
tão lo ng r e violên-
relação entre pais cie da de , de - e no consumo, em po de ra m en pé is de gê ne ro, lutas de pode
tre o indivíduo e
a so
ser direcionado pa
ra o s em pa ento é
e a natureza e en pa ra lib er ta r- r em er gi r e cr escer o amor do to do s os tipos. O casam
s e revolucionada
s
riedade, a fim de
fa ze cia de vida que
vem ser analisada e po ss ib ilit ar m en te vis to co mo um evento na
sistema capitalis ta . triarcal que fre
qüen te mento é
se dos grilhões do da de do m in an - revolucionário , é o ho m em pa ra nç a e am or . No entanto, o casa
. Quando a socie Mas acima de tu
do z se gu ssão con-
o verdadeiro amor se re fe re m a o am or e ex pe rimentar uma tra m ei os m ais im portantes de opre
or, eles geralmen
te aprender um do s e. Devi-
te fala sobre am he te ro ss ex ual tem que re rm as so cia is que foram im- he re s* , a so cie dade e a juventud
to monogâmico
e
revolução interior.
As no as m ul s pessoas
um relacionamen da , m ais fre - m se r re je ita das e comba- tra an tiz aç ão do casamento, muita
e um homem. E ain
postas aos homen
s de ve à ro m patriar-
entre uma mulher os qu e es tã o as. Pa ra ve rd adeiramente do on he ce m as raízes e a natureza
que não, esses sã
o tid de sc s não es-
quentemente do a de st a in st itu ição. Muitos de nó
amor. O sexism o e ca l de que o
mais distantes do fa - m os cie nt es o suficiente do fato
stidos de amor , ta triarcado
violência sutis, ve s m en to é um a ferramenta do pa
dade de muitos do ca sa res a de-
zem parte da reali ca pi ta lis m o que força as mulhe
namentos rom ân ti- e do do lar,
chamados “relacio - pe nh ar se u pa pel de reprodutor
ídia e a literatura
ge se m ado. Não
cos”. A grande m fo rm a de tra balho não remuner
am e idealizam
o um a rática o ca-
ralmente romantiz - rta qu ão alt ernativa e democ
ões sexuais e os pa im po permane-
assédio, as agress - en to se ja or ganizado, ele ainda
rtanto, o amor de sa m cal, mas
péis de gênero. Po a in st itu içã o do sistema patriar
considerando os ce um lizado, es-
ve ser analisado or nu nc a po de ser instituciona
xismo, que afas ta m o am dade ca-
mecanismos do se lm en te no s es tados da moderni
pe cia o de lado,
o amor de todos nó
s.
ta . M as ta m bém deixando iss
lamento das m u- pita lis relaciona-
A rivalidade e iso ais de m os ve r a vio lência em muitos
s ferramentas m po
lheres* é uma da triarca do . mentos e casamen
tos.
muitas ve-
antigas e m ais fo rte s do pa
so cia liz aç ão se xista das pessoas
xismo exige um a A e é normal
A luta contra o se a os ho m en s a acreditarem qu
ra de envergon ha r ze s lev o leva as
luta contra a cultu len to e ab us ivo, e do outro lad
e impede que ha ja se r vio portar vio-
as mulheres, o qu es a pe ns ar em que têm que su
minista base ad o m ulh er ais. E esse é
um movimento fe re s. cia e ab us os se xuais, físicos e verb
entre as mulhe lên oblemas.
na solidariedade so cia is ap en as um dos muitos pr o a socie-
Neste contexto,
as m ídias
de que vem moldand
têm desempenhad
o um papel im - A MENTIRA O ut ra
du
re ali
st ria
da
liz ad a há mais de um
século é o
ta s da de in as pessoas.
os anos. Mui s- amar e res- maneira, o ho- e alienação entre
portante nos últim og ue ira s e at ivi im po rta de qu e
cresce nt e an on im at o período
, jornalistas, bl a peitar alguém
, não
ído. É claro que e obras de arte do
autoras feministas ol vim en to de um
cal tem qu e se r de st ru sc in an te s po em as
o do sécu-
enciar o desenv ri- mem patriar devam morrer,
Os fa
Alemanha no iníci
tas puderam influ ol vim en to . A va qu e os ho m en s pr es sio ni sm o na
ção de ar-
ista em desenv m isso não sig
nifica
e a personalida-
do ex
mo toda uma gera
consciência femin in clu in do ta m bé a m as cu lin id ad e m os tra m -n os co
la vida nas
es discutidas, ta mas significa
que
ser combatidas.
lo XX
ntiu ameaçada pe
edade de questõ ial ist a, an tir ra cis m ôn ica s de ve m s e po et as se se
esintegra-
eer, anticolon i- de sexistas e
hege
, o desejo de
tista
dada pela auto-d
as perspectivas qu o, fo ra m di sp on an ei ra sig ni fic at iva de s cid ad es , m ol
bre o feminism Para amar de m r abandona- gr
an
e anticapitalista so ias so cia is e nos proporci- es ta r no poder tem que se
da s m íd nos cont ro lar e
bilizadas através oportunidade de
am a gr an de
onar
fagulha .43
O amor romântico
o é con-
à o ut ra , pois amor nã
umir um a nsumo,
d e q ue o vem cons ac o st um ados ao co para

não irá nos salvar


ão o s
to, medo e se
nsaç sumo. Estam mo nos treina
ção, isolamen vi d a an ônima nas o s o u nã o. O capitalis meçamos
va i ac abar. Hoj e, a
a m ui to s adm itam
r is so q ue também co
m un d o idad e p ar tudo, é p o amizades e

do isolamento e ci d ad es é uma real a m e d is- calcular q ua nd o se trata de


g ra nd es cam ar ad
r a cobrar
e ca lc ul ar ou nos ma-
Só re ce ntemente um ia m or re ué m no s desaponta
de nó s. cê p od er
o capitalista vo por meses". Há amor. Q
uand o al g tativas”, ten-
nossas expec
da solidão
m un d e às
se : "N o taria não “a te nd desperdício.
ca sa e ninguém no ze s es- goa, ou p es soa como um
em su a s. M ui ta s ve trat ar es sa or termos
rd ad e nessas palavra d e is ol a- demos a s co no sc o mesmos p
m ui ta ve experiê nc ia s zang ad o mo se nos-
nf or táveis com a te rv ir em Estamo co nf ia nça e amor, co
ta m os co uém va i in
i “investido
” te m p o , e mercado
so lid ão , porque ning ué m va g um ti po de valor d
men to e minho , ni ng
so amor tive ss e al o. Mas o
ou fic ar no seu ca or re r em o am o r fosse limitad
sua vi d a ode at é m
a ou como
se no ss ssessão, se
a d e você. Você p va zi o e en co ntrar uma po
exig ir na d a. M as o o si g ni fic a jogar tudo
e ni ng ué m se importari ta rd e, as- amor nã ir co m o gostamos e
sua ca sa o ou m ai s e se ve st mor signifi-
nt id o irão, mais ced ni fic ad o maquiar no s ag radar mais. A
falta d e se visão d o si g mq ue nã o as lutar por
nt ro le . Perde-se a nt o m ais fora assi en as lutar contra, m
sum ir o co vida. E q ua r, e nã o é ap lutar para
p ri a existência e al , mais ca luta g ar . O amor tem que
de su a p ró da vi d a so ci
algo em prim
ei ro lu a relaciona-
os d a sociedade e o se aplica apenas
nos af as ta m m se nt id o. izar. E is so nã os de rela-
os , e a vida mais se liv re e se real m as a todos os tip
infe liz fic am uma en er g ia s rom ân ti co s, ue algo não
en te ndido como se nt ido. mento o s a fugir assim q
O am o r, iedad e, d á ós te nd em nimato e a
m ca lor e solidar q ue en- ções. N q ue q ue remos. O ano
cora jo sa co or, aq ue le s do je it o o de recuar
co nhecem o am o m ais funciona r no s dão o confort
Aque le s q ue ia do am o r, nã de no s is o la , tendemos
nt at o com a mag vi d a. Não opção b le m as . Fazendo isso
tram em co elevad o na par d o s p ro por isso que
um sentido mais r en con- e esca nó s mesmos, e é
pro cu ra rã o
o, mas no am o rm ui to em ” de sermos
ir o , riqueza e lucr r a ra zão a pensa ra d o “perigo social a
em d in he sa p o d e se loca m o s fo existe a bolh
o s vi d a e liberdade. Es m su a es p er ança nos co P o rq ue af in al de contas, vo lta . Es -
tram sita os. de
q ua l ta nt as pessoas depo se u is o la m ento. criticad gura que podemos rastrear ng e do
pel a para lo
outra pessoa as única e
se te nos mantém
em arrastar ha ja um a o u duas pesso se ti p o d e m edo geralmen
orta onde to. O amor e profundo.
Mas não imp será isolamen or verdadeiro difícil essa
o is o lam en to es ta r li- am ja um a tarefa muito
en vo lv id as , lamen to . N ão
Mas, em b o ra se o sob o capi-
ro sperar em iso va rão à en to e a alienaçã
nã o p o d e p mun id ad es le erar o is o la m do de 5 mil
d a co letiva e às co b se rv ado de sup lid ad e do patriarca -
gad o à vi po d e se r o o e a m en ta hábitos, com
tr aç ão e in satisfação. Isso tre pais e filhos. talism o ss ív el ab an donar velhos lu ci o na r
frus
a a relação
en é p e revo
nd o se o lh d o to m ar p osse anos, s e cr en ça s, renovar-se e é, co -
qua tentan amen to vent ud
nd o o s p ais continuam so ci ed ad e, é pro- port en te no ss o coração. A ju en to d o s
Q ua da tam vim
se u fil ho e m antê-lo longe e m an te nh a dis- comple
e o at iv is ta preso do Mo p o rt ad o r
de edo s escrev , o
l q ue a cr iança tenha m d es en vo lv er sua mo eg ra s, M um ia Abu-Jamal p az d e
vá ve oder s N é ca
edade sem p ce Pantera cionária, ela
tância da soci o, um a cr ia nça que cres na tu ra l d a energia revolu as sa la d oras, usando
. N o entant ia apren- d e fo rças av
au to no m ia rosa e so lid ár udar d ia nt e ansformações
co m unidade amo le tiva e da nos m – fe rv ilhando de tr ul-
em um a
valor do amo
r, da vi d a co
nossos co rp o s ientes e prom
er á so b re o ná rias – p ar a mudar amb m p re es sa
d lucio Se a juventud
e cu
lid ar ie d ad e. , el as nã o devem revo an ça s so ci ai s.
so am e- gar mud
essoas se am ão. Elas não d
44. fagulha
Quando as p d e su a so lid
a fuga
se ver como um
or não é
ap lic a ao amor. O am
mesm o se uando se
in te iro e tivos. O um ac o ntecimento. Q
o mun d o te, nã o é amor não
d ic al , ela carregará e co ns - um inciden ti co , p or exemplo, o
mudan ça ra va so ci ed ad amor ro m ân is repousar
im en to de uma no vo lu ci o- fala de se um a vez e depo
dará o na sc men te re aixo na r- tático. O
re o am or verdadeira p es so as , significa ap vento”. O amor não é es
truída so b d ua s se “e ia fluida.
re al iz ar o amor entre el as so fr a sobre es id ad e, o amor é energ
nário. P ar a
ncial que cad
a um a d volve at iv novas situa-
es se ém te m amor en p az de enfrentar
não é ap en as letiva ta m b nific a se r ca necessária.
ça . U ma rebelião co e si g ni fi- Amor sig is o am or dá a força
uma m ud an ém p o d esafio s, p o mútuo e
. À s ve zes isso tamb co nt ra ções e d am o r significa apoio
que em er g ir Luta r um as ram en te o idade, sig-
as co ntra as outras. ra s, m as Verdadei r co ra gem e honest
car lu ta r um as às o ut
a respeito,
signi fic a te ém nutrir e
nã o si g nifica odiar um ra vé s d r ao m undo e tamb
as out ra s izad o at var o am o Como o fi-
ra o se xismo internal o am or nifica le e ao m esmo tempo.
lutar co nt to rn am mun id ad ca: "Se eu
. A s condições que N o ss o amar a co ta Er ic h Fromm colo
(auto ) cr íti ca r ac ei ta s. psi ca na lis as as pes-
o ss ív el não devem se xo u p ar a lósofo e a p es so a eu amo tod
quase im p Dag ) d ei am o um eu posso
eh m et Aksoy (Fîraz re nd a realmente d o , eu amo a vida. Se
camar ad a M osas: “N ão se amo o m un devo ser ca-
as p alavras poder lis m o , aos soas, eu a, “e u te amo”, eu
trás al g um
o se renda ao
m at er ia
s- dizer a o
utra p es so o mundo, eu
m o , nã d es re am o em você tod
ao ca p it al is de am o r, ao dizer : “E u mbém amo
o na m en to s feios, à falta ld ad e. N ão se paz de d e vo cê o mundo, eu ta
rela ci desigua amo atravé s
eneração e à a deve lutar você mesmo”.
peito, à deg en te am que há para
ué m que re alm
o no ca- você em d e te r dito tudo o
rend a” . A lg os q ue es tã
Estamos lo ng e meçar, deva-
s es ses mecanism s e re- Em bora, para co
cont ra to d o
ses m ec an is m o bre o am o r. ência, moral
am o r. Libertar es no ss as dizer so am ar requer consci
min ho d o
eles é um
a d as tend er q ue sociedade.
co nt ra ci o ná ri os. mos en ar a si mesmo e à
belar -s e ns re vo lu ade d e m ud erizada pelo
d ad es como jove se r bus- e vont e q ue é caract
resp o ns ab ili livre d ev em a so ci ed ad o pode flo-
d e um a sociedade o m ais Em um e e m edo, o amor nã
Os id ea is
os coletivam
ente . Tu d o o, ri va lid ad ece mais os
al iz ad si g nifi- egoísm el o amor não conh
cad o s e re rmo s d ar um
rescer. Que m lu ta p a pavimen-
r ac eito se quise fo rç a necessária par
não p o d e se eo b té m a re. O amor é
o r. . A m bos medos um a sociedade liv
cad o ao am
elhante a um
a re vo lu çã o camin ho p ar a o medo ou o
O amor é sem a revo- tar o rt e que a raiva,
im co m o um rça m ai s fo difícil, mas é
o s a equívocos. Ass p o nt o, o uma fo o p o de ser mais
estã o su je it um ce rt o Cons tr ui r al g E isso pode
d ev e terminar em ad o mo- ódio. q ue destruir algo.
luçã o nu nc a um d et er m in mais fo rt e d o ue podemos
ev e terminar em q ue uma muito m ais bonitas q
am o r nã o d as p en sa m a d as co is as m slogan do
m b ém . Muitas pesso m o m ento ser um m o vim ento curdo. U
men to ta , apen as um
os aprender
co m o viver, viva em
Se você quer

,
um incidente

a r
é m b ém d iz: -
o ta rd o nós jovens, fe

m
re vo lu çã histó ri a e ento cu

a
nam movim

 
muda. Mas a a forma que

e r
d o en si es m

u
q ue tu is no s D a m pode-

q
s atua e! – rias

 
em e revolucioná
revolucionário ue liberdad

c ê
rocesso do q ósofas, artistas

o
movimentos

Se v
m ai s um p m in ista s, fil
lução é podemos ver
que uma revo

!
lução, como

e
dizer:

d
vo cesso mos

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orte da Síria)

 l
em Rojava (N da vida e

m
as as partes

  e
d

e
clui to
in is que foram

    am
q ue
permanente m o do que os idea
da sociedad e, d e e significa-
co ntin ue m a serem vívidos
combatidos
fagulha .45
Casos
agridem e removem celular à força da Maré. O menino morreu enquanto
de mulher que filmava ação policial ambulância foi bloqueada pela PM na
na Rocinha. entrada da comunidade.
26/03 – DF – policial civil atira em 21/06 – Teresina, PI – policiais der-
taxista durante briga no trânsito. rubam professora e quebram seu fê-

Isolados ??/05 – Rio Branco, AC – três PMs


espancam e torturam um homem,
que teve seus punhos pregados ao
chão em formato de crucifixo, foi es-
pancado e teve seu nariz quebrado.
mur, durante protesto na Assembleia.
24/06 – Várzea Grande, MT – PM
arranca mulher pela janela de carro
puxando-a pelos cabelos. Seu compa-
nheiro foi jogado no chão, algemado,
02/05 – Tabatinga, AM – três poli- levou socos e um policial pisou em
ciais federais são denunciados por seu pescoço. Na delegacia ela foi no-
As "autoridades" nos dizem que torturar homem com chutes e tapas. vamente espancada com socos, chu-
a tortura, assassinato, 04/05 – Ceilândia, DF – policial mi- tes e puxões de cabelo e ameaçada
litar executa sua ex-namorada e dis- sob a mira de uma arma, enquanto
sequestro e outras ações para três vezes contra professor de seu marido levou socos, foi atingido
violentas cometidas por academia. com spray de pimenta e foi obrigado
policiais são "casos isolados". 18/05 – Campo Grande, MS – poli- a limpar seu próprio sangue do chão
Esta coluna faz uma cronologia cial civil é preso por pedofilia. da delegacia com sua camisa. Na
de apenas alguns desses "casos 29/05 – Imperatriz, MA – três PMs mesma noite, um jovem foi agredido
são presos por homicídio. com cabo de aço e seu amigo teve a
isolados" que ocorreram ??/05 – Rio de Janeiro, RJ – Indo mão queimada com maçarico pela
durante a elaboração desta para a escola, Marcus Vinícius, 14 polícia.
edição da revista. anos, foi morto com um tiro de fuzil ??/06 – Cariacica, ES – PMs matam
durante operação policial na Favela aposentado que estava dentro de
da Maré. sua residência.
03/06 – Salvador, BA – policial 06/07 – Brasília, DF – PM agride
27/01 – Magé, RJ – Menina de 10 sem lá "sairão em caixões". 10/03 – Rio de Janeiro, RJ – polici- agride mulher grávida com tapas, homem imobiliziado com a clavícula
anos filma PM estuprando-a em casa. 16/02 – Curitiba, PR – delegado e ais entram na comunidade de Acari socos e puxões de cabelo após ela quebrada dento de hospital.
Os abusos aconteciam desde que ela dois investigadores da Polícia Civil atirando, invadindo casas e quebran- protestar contra prisão de jovem que 06/07 – Taguatinga, DF – dois poli-
tinha setes anos. foram condenados por torturar do móveis de moradores. Os PMs fumava um cigarro de maconha. ciais à paisana, armados e, segundo
31/01 – Colniza, MT – jovem de 17 suspeitos de envolvimento na morte afirmaram que só iriam embora 07/06 – São Paulo, SP – PM é ame- testemunhas, embrigados, abordam
anos é agredido por policiais civis da adolescente. “quando matassem três ou quatro açado de morte por seus colegas ônibus e aterrorizam passageiros.
com socos, tapas, chutes nas costelas 19/02 – Icó, CE – PMs atacam com por aí”. após uma foto sua de farda beijando 06/07 – Macapá, AM – policial civil
e asfixiado com saco plástico. balas de borracha e spray de pimen- 14/03 – Rio de Janeiro, RJ – a vere- outro homem viralizar na internet. mata uma pessoa e fere outras duas
01/02 – Otacílio Costa, SC – vídeo ta professoras que manifestavam adora Marielle Franco e seu motoris- 10/06 – Criciúma, SC – professor ao confundí-las com assaltantes.
mostra PMs invadindo casa por causa contra decreto da prefeitura que re- ta são executados por milícia negro é agredido por três PMs com 17/07 – São Paulo, SP – PM assassina
de som alto, agredindo e ameaçando duzia em 50% seu salário. Algumas comandada por ex-capiãto do BOPE, chutes e pontapés. homem dentro de boate, após este
moradores. foram parar no hospital. dias depois de ela denunciar violên- 11/06 – Cuiabá, MT – policiais milita- ter esbarrado na mulher do policial.
15/02 – Passo Fundo, RS – Brigada 22/02 – Rio de Janeiro, RJ – depois cia policial. res a mando de fazendeiros amea- 18/07 – Rio de Janeiro, RJ – sargen-
Militar ataca 12 famílias do povo Kain- de pegar táxi no aeroporto, a judoca 14/03 – Baixada Fluminense, RJ – çam, torturam e mantém em cárcere to do BOPE é preso por violência
gang com balas de borracha e gás la- Rafaela Silva, teve seu veículo parado cinco policiais são presos acusados privado famílias que participam de contra mulher.
crimogênio, ferindo crianças e idosos. e foi interrogada pois os PMs acha- de envolvimento com grupo de milí- assentamento. 20/07 – Brasília, DF – vídeo mostra
Um ancião foi espancado até desmai- ram que o motorista tinha “pego ela cia envolvido em homicídios. 18/06 – Juazeiro do Norte, CE – PMs PMs em rodoviária atacando homem
ar, outro senhor foi torturado com na favela.” 20/03 – São José, SC – policiais chutam e dão socos em homem pre- com puxões chute e joelhada no rosto.
pelo menos treze disparos de bala de 01/03 – Castro, PR – policial é sem identificação agridem e assedi- so. 31/07 – Salto do Lontra, PR – Dois
borracha no joelho e um rapaz acabou preso por aparecer em vídeo tortu- am participantes do Slam Continente, 20/06 – Rio de Janeiro, RJ – tiros irmãos desarmados são mortos “por
sendo ferido na perna por disparo de rando adolescente, o vídeo foi feito roubando o celular de um rapaz que dados de dentro de um blindado da engano” por policial, que depois for-
bala letal. Os policiais ainda ameaça- por outros policiais que apenas ob- filmava a ação. PM atingem um menino de 14 anos jou a cena do crime.
ram as famílias dizendo que se voltas- servavam. 26/03 – Rio de Janeiro, RJ – PMs que ia para a escola na comunidade 16/08 – Rio de Janeiro, RJ – PM

46. fagulha
surta ao ver vereadora de esquerda cipal agride motoboy durante blits. policiais apoiadores de Bolsonaro pas- 28/10 – Salvador, BA – PM embria- da polícia.
fazer selfie dentro de barca, tenta der- Dois PMs também participavam da sam rasteira e a chutam enquanto está gado baleia quatro pessoas durante 22/12 – Porto Velho, RO – Vídeo
rubar seu celular, saca sua arma e operação e não fizeram nada. caída no chão. Quando chegou à delega- comemoração da vitória de Bolsonaro. mostra mulher grávida sendo agredida
ameaça usá-la e confisca identidade 12/09 – Belo Horizonte, MG – vídeo cia, foi despida e jogada nua em uma ce- 31/10 – Salvador, BA – dois PMs são e empurrada contra a calçada por dois
profissional de jornalista e advogado. mostra PM de pé se roçando em mu- la. Só foi liberada depois que cedeu e afastados por abuso de autoridade, policiais militares.
Quando ela advertiu a ele que “arma lher sentada em vagão vazio do metrô. disse: “Ele sim”, como pediam os policiais. lesão corporal e intimidação de teste- 24/12 – Serra Sede, ES – Policial mili-
mata”, ele retrucou: “Ideologia mata 12/09 – Caçapava do Sul, RS – após 10/10 – Rio de Janeiro, RJ – morado- munhas, após terem agredido vítima tar saca pistola e atira em mão de ido-
mais.” receberem denúncia de perturbação res denunciam PMs invadindo casas em jogo de futebol a golpes de casse- so que reclamava de som alto.
18/08 – Vitória, ES – ao ser impedido do sossego público, policiais militares sem mandado e incediando carros e tete mesmo depois de caída no chão. 25/12 – Maceió, AL – Por barulho,
de entrar em boate, PM dá quatro tiros invadem festa de aniversário, dando imóveis. 01/11 – São Paulo, SP – PM mata mo- subcomandante da PM bate em mu-
em segurança, hospitalizando-o e mata tiros de balas de borracha e deixando 16/10 – Colniza, MT – um delegado e torista de aplicativo com tiro na cabeça. lher que celebrava noivado,
uma jovem de 19 anos com tiro no rosto. 11 pessoas feridas, algumas precisaram dois policiais civis são presos por agre- 06/11 – Rio de Janeiro, RJ – operação 27/12 – BA – Dois meses depois de
19/08 – Recife, PE – policial agride de atendimento médico. direm dois homens com tapas, socos e policial ilegal na Maré deixa 8 pessoas ser detido e ameaçado pela polícia,
duas mulheres que tentavam ajudar 14/09 – Brasília, DF – policial civil é chutes e por torturarem um adolescen- feridas e cinco mortas, inclusive um Pedro H. Souza, ativista contra a vio-
amiga que passava mal durante tumul- preso por agredir sua esposa e ameaçar te asfixiando-o com um saco plástico. professor de física. lência policial, tem sua casa invadida e
to em jogo de futebol. "Isso é pra ela e mais duas testemunhas com arma. 18/10 – Vila Velha, ES – Policial rodo- 07/11 – Goiânia, GO – MPF pede pri- é executado.
aprender a você respeitar um homem, 14/09 – Rio Grande, RS – sargento da viário federal embriagado saca arma são de nove policiais por tortura ho- 27/12 – João Pessoa, PB – homem re-
sua puta”, disse o policial. Brigada Militar é condenado por es- em boate e ameaça freqüentadores e micídio e ocultação de cadáver de um lata ter sofrido tortura por policiais mi-
20/08 – Rio de Janeiro, RJ – sete ho- pancar homem até a morte. A agres- flanelinhas e agride sua companheira. rapaz de 22 anos que sofreu uma litares para confessar crime.
mens e um adolescente, depois de são começou a golpes de rebenque, 18/10 – Rio de Janeiro, RJ – dois de- abordagem em agosto. 27/12 – Porto Velho, RO – mulher re-
presos, são levados para 1ª Divisão de depois a vítima foi perseguida, atrope- legados e cinco agentes da Polícia Civil 11/11 – São Luís Gonzaga, MA – PM cém operada teve que ser hospitalizada
Exército, onde são torturados, espan- lada e brutalmente agredida. são presos por sequestro e roubo. atira em duas pessoas que dançavam após ela e sua família serem alvo de ata-
cados com pedaços de madeira e chi- 17/09 – Rio de Janeiro, RJ – policiais 22/10 – Novo Acordo, TO – policial com sua ex-namorada. que da polícia por suposto “som alto”.
coteados com fios elétricos. da UPP matam garçom depois de con- civil e outro militar são denunciados 29/11 – Santa Quitéria, CE – inspetor
24/08 – Alta Floresta, MT – policiais fundirem guarda-chuva com fuzil. por torturar um garoto de 12 anos de polícia é suspeito de tortura, viola-
militares agridem homem com socos e 16/09 – Vitória, ES – vídeo mostra com sessões de afogamento, tapas e ção é fraude.
pontapés até ele desmaiar. policial dando tapa no rosto de ado- chutes. 01/12 – Cariacica, ES – PM é preso
28/08 – Fortaleza, CE – PMs apare- lescente em discussão de trânsito. 26/10 – Belford Roxo, RJ – 15 PMs por tentar extorquir deputado eleito,
cem em vídeo torturando homem 24/09 – Fortaleza, CE – duas Guar- agridem moradores de condôminio em exigindo R$500 mil para não liberar
imobilizado. das Municipais forçam idosa de 68 sessão de tortura que envolveu tapas vídeo comprometedor.
Rio de Janeiro, RJ – a partir de setem- anos a se despir por suspeita de furto. no rosto, chutes e choques elétricos, 02/12 – Recife, PE – sargento da PM
bro, moradores de Manguinhos rela- 25/09 – São Luís, MA – delegado da queimaduras de segundo grau no pê- dispara contra seus dois filhos, matan-
tam assassinatos cometidos pela PM Polícia Civil mata homem em festa de nis de um dos rapazes com uma pran- do um deles, quando eles tentavam
por tiros dados de cima de uma torre aniversário. cha para fazer chapinha no cabelo, separar uma briga entre seus pais.
na Cidade da Polícia. Pelo menos cinco 28/09 – Recife, PE – sargento da PM sufocamento com saco plástico e a in- 05/12 – Curitiba, PR – advogado ne-
homens foram mortos quando não ha- tenta matar sua ex-companheiro ati- trodução de um cabo de vassoura no gro é agredido e ameaçado de morte.
via qualquer tipo de confronto ou en- rando três vezes contra ela. ânus das vítimas. 06/12 – Guarapari, ES – dois policiais
frentamento. 29/09 – São Bento, MA – PM baleia 27/10 – Bento Gonçalves, RS – mora- civis são condenados por organizar
05/09 – São Paulo, SP – dados da jovem durante festejo. dores denunciam abusos da Brigada roubos, furtos e tráfico de drogas.
Ouvidoria da própria PM apontam 03/10 – Fortaleza, CE – PMs dão tiros Militar: roubo, agressões físicas e psi- 09/12 – Cariacica, ES – policiais mili-
74% dos assassinatos cometidos pela para o alto em uma praia para assustar cológicas, invasão de apartamentos tares espancam três adolescentes, um
polícia foram “uso excessivo de força”. as pessoas e em seguida xingam e sem ordem judicial, revista de crianças deles, de 15 anos, teve que ter seu ba-
08/09 – Cuiabá, MT – policial civil agridem com tapas e chutes um grupo sem justificativa, ameaças de morte, ço removido.
empurra idoso de 91 anos, derru- de jovens que permaneceu na areia. falsificação de provas e oferecimento 12/12 – Porto Alegre, RS – depois de
bando-o no chão dentro de banco. Um vendedor também foi atacado de drogas a moradores em troca de ameaçá-la e perseguí-la, PM mata ex-
09/09 – Curitiba, PR – Guarda Muni- com spray de pimenta e golpes de informações. companheira a tiros.
cipais atingem advogado que movia cassetete, sua mulher que foi à sua 28/10 – Salvador, BA – após resulta- 20/12 – Recife, PE – policial instiga
processo contra a GM com dois tiros defesa também foi agredida. do das eleições, PM dá cassetada na tortura contra flanelinhas.
de bala de borracha à queima-roupa. 09/10 – São Paulo, SP – depois de tor- cabeça de menina de 19 anos que ves- 21/12 – São Paulo, SP – homem é
11/09 – Salvador, BA – Guarda Muni- cer o braço e algemas uma mulher, dois tia camiseta vermelha. agredido por PM ao tentar filmar ação

fagulha .47
Livros Livros

& Filmes Calibã e a Bruxa, Silvia Federici (2004).


Neste livro, a autora investiga o papel das
Da democracia à liberdade, Crimethinc
(2016). Na primeira parte do livro, uma
mulheres durante o processo de transição análise das características da democracia
do feudalismo para o capitalismo na Euro- nos dá clareza sobre o mundo em que vi-
pa. Ela aponta que ao olhar a história pelo vemos: aos cidadãos cabe o voto, os poli-
viés da produção, as análises marxistas ticos ficam com as decisões, à polícia está
deixaram de lado uma imensa população que havia sido reservada a aplicação forçada do que foi decidido, aos
empurrada para a reprodução do capital devido à reor- estrangeiros só resta a prisão, a bala ou a escravidão.
ganização do trabalho e ao cercamento das terras. Fa- Mais democracia não vai nos ajudar a sermos livres. Na
tos cruciais nessa desvalorização foram as mudanças segunda parte, relatos de pessoas em situações recen-
nas leis, a moral religiosa, a prostituição promovida pe- tes, como Occupy Wall Street, movimentos das Praças
los governos para criar divisão de classe e, de maneira (Plaza del Sol, Taksim, Syntgma, etc.), onde buscou-se
aterradora e brutal, o extermínio de mulheres durante o uma forma mais avançada de democracia, aquela cha-
período de caça às bruxas. mada"direta", o quão imobilizantes podem ser as as-
sembleias e quão reféns as pessoas ficam quando o
O Mito da Fragilidade, Colette Dowling foco se fecha na estrutura e não na ação.
(2001). O que aconteceu com o corpo das
mulheres? Por toda parte e em diferentes Anarquia Funciona, Peter Gelderloos.:
períodos da história, temos exemplos de Através de mais de 60 exemplos de
mulheres que fizeram coisas incríveis com diferentes países e épocas, o autor busca
seus corpos, seja como mães, atletas, tra- demonstrar que as pessoas, anarquistas ou
balhadoras, etc. Colette Dowling investiga como se dá não, quando decidem viver sem o Estado
hoje a formação física e psicológica do corpo feminino e elas encontram os meios e alcançam aquilo
destaca que a domesticação e o retraimento, a delica- que desejam. Muito inspirador, o livro amplia nosso
deza e a imobilidade, não são uma natureza da mulher, imaginário e nos faz lembrar que nosso sonho é possível.
mas um mito.

Os Despossuídos, Ursula K. LeGuin. O Cercas e Janelas, Naomi Klein (2003). o


professor Shevek cresceu em Anarres, livro é uma coletânea de artigos para
um planeta onde não existe propriedade jornal e palestras escritos pela autora
nem coersão. Depois de gerações de iso- durante o momento mais fértil do
lamento, Shevek faz uma visita a Urrás, a movimento alter-globalização. Da batalha
terra do proprietariado. As conversas e de Seattle (EUA), passando pelo 11 de
descobertas do professor geram nele setembro de 2001, as fábricas tomadas na
uma curiosidade ambígua que oscilam-no, assim como a Argentina, até o movimento zapatista, Klein comenta e
estrutura do romance, entre o seu passado na terra na- critica os primeiros passos da resistência global contra
tal e o presente naquela sociedade desconhecida. o capitalismo.

48. fagulha
Filmes
Norte dos territórios ocupados pelo Estado brasileiro – 1835 a 1840

Sem Deus, sem Patrões (No Gods, No Mas-


ters). Trilogia que conta a história do
movimento anarquista desde meados do
Revolta dos cabanos

A
século XIX até o final da Guerra Civil Espanhola.
Disponível com legenda em português: revolta começou em 6 de janeiro de 1835 quan-
colectivolibertarioevora.wordpress.com/ do índios tapuias, escravos libertos e cabanos
2018/05/22/video-com-legendas-em-portugues-sem-deuses-nem- (moradores de casas de palha) tomaram de as-
salto o quartel e o palácio do governo de Belém,
mestres-uma-historia-do-anarquismo assassinando o governador e o Comandante das
Armas. O movimento era heterogêneo e composto pelos caba-
Como Mudar o Mundo (How to Change the nos, que desejavam terras para plantar e o m do regime escra-
World). Este é um documentário sobre os pri- vocrata, e por fazendeiros queriam ter o direito de escolher o
meiros anos do GreenPeace. Ele mostra como presidente da província. Um fazendeiro, Clemente Malcher,
assumiu a presidência, e logo traiu o movimento, demonstran-
seus primeiros integrantes se juntaram, bola- do delidade a Portugal e reprimindo a revolta que o pôs no
ram suas campanhas e atingiram vários resulta- poder. Foi sucedido por Francisco Vinagre que também traiu
dos impressionantes. Não sem contradições, o a revolução e teve que ser substituído.
filme é uma aula de estratégia. Mesmo com todo poderio militar do Estado brasileiro e com
a traição de seus líderes, os cabanos resistiram por cinco anos,
na sua luta contra a opressão e a desigualdade social. Só um
Ela Fica Linda Quando Está com Raiva (She's verdadeiro massacre, que matou de 30 a 40% da população lo-
Beautiful When She's Angry). Trazendo depi- cal conseguiu por um m à revolta.
mentos e reflexões amadurecidas, o documen-
tário conta a história do movimento feminista
estadunidense em meados dos anos 1970. Aca-
dêmicas, legalistas sapas, negras, um grande e
emocionante mosaico de pensamentos e ações
que chacoalharam a sociedade gringa e influ-
enciam até hoje as mulheres de todo o mundo.
Disponível em: hooktube.com/watch?v=DDynOT-3Wno

La Cecilia (1975). Ficção baseada na história real de


um conjunto de anarquisas italianos que recebem de
Dom Pedro II terras no Paraná e iniciam uma colônia.
Cheio de dificuldades e alegrias, o grupo aos poucos
vai se assentando no lugar: contróem casas, plantam,
estudam e amam.

fagulha .49
No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem de Brumadinho (MG) rompeu-se espalhando
12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração pela região. Em menos de uma se-
mana, em torno de 40 mil pessoas foram afetadas, com 110 mortes confirmadas e 238 de-
saparecidos. Além disso, a Agência Nacional de Águas estima que a lama poderá afetar
300km de rios, podendo alcançar o rio São Francisco. (wikipedia.org)

50. fagulha
C
atástrofes como as de Mariana e Brumadinho nos en- industrial e contaminação, a morte de zilhões de insetos e ou-
chem de indignação. Mas mascaram o fato de que mes- tros animais com os agrotóxicos usados para a agricultura, o
mo quando desastres desse tipo não acontecem, o campos de concentração aos quais condenamos milhões de
Desastre continua acontecendo. A destruição ambiental levada aves, porcos, vacas e outras espécies usadas para nosso consu-
a cabo pela civilização está matando o planeta (e todas suas ha- mo… Tudo isso faz parte do mesmo Desastre, ao qual já nos
bitantes) de formas menos perceptíveis. A devastação de flores- acostumamos, e já não é mais notícia. Enquanto essas engrena-
tas e montanhas para a mineração, a poluição do ar, da terra e gens continuarem girando, estaremos todas ameaçadas.
dos rios pelas indústrias, a lenta morte dos oceanos pela pesca

fagulha .51
DEMOCRACIA É SINÔNIMO
DE REPRESSÃO.
A democracia, qualquer democracia, sempre vai depender da polícia 
para impôr as decisões tomadas nas eleições, assembleias, plebiscitos 
ou qualquer outra forma de saber a vontade da maioria. A 
democracia nada mais é que outra forma de governo — e governar é 
controlar e para controlar os governos monitoram, manipulam, 
ameaçam, reprimem, prendem ou matam.

A forma de liberdade mais louvada na democracia é a liberdade de 
expressão, pois serve para legitimar a ideia de que podemos 
convencer o resto da população que as nossas ideias são as melhores 
e que são elas que deverão ser impostas sobre todo mundo.

Mas não queremos impôr nossas ideias sobre ninguém. Não 
queremos apenas liberdade de expressão. Queremos liberdade total. 
Para falar sim, mas principalmente para fazer o que queremos, para 
vivermos nossas vidas como acharmos melhor.

fagulha .52

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