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A MICROFORTALEZA
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Quando se encontrava no centro da Galáxia, a nave-
capitânia de Perry Rhodan entrou abruptamente no campo de
atuação da rota de transmissores que leva para Andrômeda.
Da estação de Gêmeos, a Crest II foi lançada adiante pelo
guardião moribundo — bem para o interior de Horror, um
mundo oco artificial. Lutando sempre, conseguiram subir
nível após nível, até atingir a superfície do planeta artificial,
em torno do qual circulam três sóis. Quando já se
encontravam em segurança no espaço cósmico, resolveram
abandonar essa segurança, aproximando-se novamente da
superfície de Horror.
Dessa forma entraram na área de ação de uma arma
secreta chamada Horror — e foram submetidos a um
processo de redução, que fez com que eles e o mundo que os
cercava ficassem mil vezes menores.
Ma nem por isso os terranos perderam a coragem.
Realizam uma operação de guerra contra A Microfortaleza...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Capitão Don Redhorse — Um índio cheiene que realiza um vôo de teste
cheio de conseqüências graves.
Lope Losar, Oleg Sanchon, Into Belchman e Zantos Aybron —
Companheiros do Capitão Redhorse no caminho para Llalag, a
fortaleza dos cabeças-de-cúpula.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Icho Tolot — Um halutense com espírito aventureiro.
1
O Capitão Redhorse conseguiu desviar-se de sete dos oito foguetes disparados, mas
o oitavo atingiu o F-913 G e abalou-o profundamente. As montanhas começaram a
dançar embaixo de Redhorse enquanto o aparelho tombava de lado. Redhorse segurou
obstinadamente o manche de direção. Ouviu um crepitar vindo de trás e sentiu o cheiro
dos cabos queimados.
— Fomos atingidos no corpo do avião — anunciou Lope Losar. — Junto ao
propulsor traseiro do lado esquerdo.
Redhorse conseguiu controlar o avião e o fez subir quase na vertical junto às
montanhas. Os pensamentos atropelavam-se em sua cabeça. Os foguetes tinham sido
disparados do topo das montanhas Torta de Areia.
— O avião pegou fogo! — gritou Belchman.
Redhorse olhou da carlinga para fora. Havia uma trilha de fumaça atrás do avião. O
avião perdia velocidade rapidamente. Naquele momento sobrevoavam os topos das
montanhas situadas ao norte. A paisagem que se estendia embaixo deles transformou-se
num quadro fantasmagórico cinzento.
— Não consigo contato com a Crest — disse Aybron.
Redhorse mordeu o lábio. Nem sequer tinham possibilidade de informar Rhodan de
que o Oldtimer realmente era capaz de atingir o dobro da velocidade do som.
— Preparar para saltar! — ordenou.
De repente o Oldtimer perdeu a altura. O leme de altitude falhou. Redhorse
catapultou a carlinga do aparelho. O vento bateu em cheio em seu corpo.
Redhorse bateu no ombro de Losar e apontou com o polegar para cima. Losar não
perdeu tempo. Catapultou-se para fora da máquina em chamas. O F-913 G precipitava-se
em direção à superfície. Belchman, Sanchon e Aybron catapultaram-se para fora do avião
com pequenos intervalos. O teste de vôo chegara ao fim antes de começar de verdade. A
máquina ameaçava cair. Redhorse estava muito tenso no assento do piloto.
Provavelmente o suprimento de combustível fora interrompido. Por um ligeiro instante
Redhorse viu um pára-quedas inflado passar embaixo dele. Devia ser Losar.
Redhorse compreendeu que o avião estava perdido. Comprimiu o botão de
catapultagem. Foi atirado para fora da carlinga. O F-913 G foi caindo embaixo dele,
envolto em fogo e fumaça. A máquina produzia um assobio estridente ao cortar o ar.
Redhorse fechou os olhos e abriu o pára-quedas.
Ouviu o estrondo de uma explosão quando o avião bateu nas rochas. Se tivesse
demorado mais dez segundos em sair, estaria perdido.
Abriu os olhos e viu dois pára-quedas nas imediações, que se aproximavam das
fraldas das montanhas situadas do outro lado do vale. O terceiro pára-quedas estava mais
longe. Devia ser Losar, que quase tinha atingido o solo. Os destroços do Oldtimer ardiam
embaixo de Redhorse.
O quarto pára-quedas entrou no campo de visão de Redhorse, pendulando entre as
nuvens de fumaça que subiam. O capitão respirou aliviado. Ao que parecia, todos tinham
sobrevivido ao salto. Ninguém parecia pensar em atirar neles.
Don Redhorse virou a cabeça para observar os topos das montanhas. Para o norte as
construções de uma fortaleza cobriam o platô que formava o cume de uma das montanhas
da Serra Torta de Areia. Esta fortaleza era bem diferente da cidade de pedras Tata, que o
capitão vira no primeiro nível do planeta oco.
Por ali arquitetos desconhecidos tinham erguido uma construção imponente, uma
figura compacta com muralhas altas e grossas torres. Redhorse lembrou-se de que na
verdade a fortaleza construída nas montanhas ficava numa colina de oito metros de altura.
Aos olhos de um homem normal quase deveria parecer um brinquedo. O oficial apressou-
se em reprimir estes pensamentos, pois sabia que os mesmos acabariam por levá-lo à
loucura.
Segundo os cálculos de Redhorse, chegaram à superfície a cerca de sete quilômetros
da fortaleza. O capitão não tinha a menor dúvida de que o avião fora derrubado pelos
habitantes da cidade construída nas montanhas.
A superfície foi-se aproximando. Redhorse viu que já estavam à sua espera. Uma
dezena de robôs estranhos com cabeças muito grandes estavam reunidos no provável
local de pouso.
Losar, que foi o primeiro a tocar o solo, foi cercado imediatamente pelas figuras
horríveis. Redhorse respirou aliviado ao ver que o encarregado de armamentos teve
bastante bom senso para não oferecer resistência.
Os robôs cercaram Lope Losar e o levaram. O pára-quedas e o assento ficaram nas
montanhas, sem que ninguém lhes desse atenção. Belchman, Sanchon e Aybron tiveram
o mesmo destino.
Redhorse nem tentou puxar as cordas para mudar de direção. Os robôs eram tantos
que seria impossível escapar dos mesmos.
Quando se encontrava a vinte metros do solo, os mesmos saíram correndo para o
lugar em que ele desceria. Redhorse já podia ver os robôs de perto. Possuíam duas pernas
curtas com uma junta esférica mais grossa, que terminava num tronco oval. Este corria
em cone para cima, até atingir o pescoço, onde voltava a alargar, para dar apoio à grande
cabeça. Ao contrário dos corpos, as cabeças dós robôs pareciam bastante complicadas. Os
crânios eram cobertos por uma infinidade de lentes, antenas e estranhas aberturas.
Os movimentos dos robôs eram pesados e bem mais lentos que os de um ser
humano. Da mesma forma que a fortaleza, certamente tinham sido atingidos pelo
processo de redução há tempos imemoriais.
Redhorse tocou o chão. Pôs-se de pé imediatamente e viu-se cercado por sete robôs.
Viu que os crânios dos robôs tinham sido cuidadosamente colocados numa depressão do
pescoço. Concluiu que as cabeças deviam ser muito sensíveis aos choques.
Provavelmente a medida tinha por fim absorver os abalos, quando os robôs se
movimentassem pelo terreno acidentado das montanhas.
Ficou espantado ao notar que ninguém lhe tirou a arma. Viu seus companheiros, que
caminhavam em direção à cidade, cercados por um grupo de robôs.
Redhorse perguntou-se se ao chegar lá se encontraria com os verdadeiros donos da
cidade, ou se apenas se defrontaria com os remanescentes inteiramente mecanizados de
uma civilização extinta há muito tempo. Parecia haver uma comunicação silenciosa entre
os robôs. Duas das estranhas criaturas colocaram-se uma de cada lado do capitão e de
forma delicada, mas enérgica obrigaram-no a subir o morro. O terceiro colocou-se logo
atrás de Redhorse, enquanto os outros se afastavam em silêncio.
O cheiene nem se esforçou para descobrir o que pretendiam fazer com ele. Era
pouco provável que quisessem matá-lo, pois poderiam ter feito isso no lugar em que ele
saltara. O fato de que a Crest II não se encontrava tão longe da fortaleza que ele e seus
companheiros não pudessem atingi-la deu-lhe esperanças de que conseguiria um meio de
libertar-se.
Redhorse esperava que dentro em breve voltaria a reunir-se com seus
companheiros. Felicitou-se por ter escolhido os mesmos com tanto cuidado. Nenhum dos
quatro astronautas que o acompanhavam perderia o controle dos nervos na situação em
que se encontravam. Até então todos haviam se comportado da forma que Redhorse
esperava. Ninguém se descontrolara ao ser preso nem começara a disparar.
O caminho que os robôs seguiram era íngreme e penoso. Constantemente eram
obrigados a contornar desfiladeiros profundos ou desviar-se de depressões no solo.
Redhorse não demorou a descobrir que para ele isso se tornava muito mais fácil que para
os robôs que o vigiavam. Sempre que uma das maquinas cambaleava, tentava proteger a
cabeça.
Do ponto de vista de uma pessoa com menos de dois milímetros de altura, a
fortaleza tinha cerca de cem metros de comprimento por cinqüenta de largura.
Redhorse compreendeu por que a cidade não podia ser vista da Crest. A nave estava
muito próxima das montanhas do norte, estando colocada num ângulo cego. Conforme as
circunstâncias isso poderia ser uma vantagem para a tripulação, pois era perfeitamente
possível que, se fosse avistada, a espaçonave teria sido atacada pelos seres que se
encontravam na fortaleza.
Além disso a cidade de pedras ficava numa grande depressão que se abria no platô
de rocha. Possuía seis torres ao todo, quatro das quais situadas nas extremidades
exteriores da cidade, enquanto as outras duas se erguiam dentro das muralhas. Estas eram
de um amarelo sujo. Deviam ser muito velhas, pois mostravam os sinais do vento, da
chuva, do sol e do frio. Quando se encontravam mais perto da fortaleza, Redhorse não
conseguiu reprimir um calafrio. Aquilo era o sinal de uma antiqüíssima cultura
desconhecida. Tudo era estranho, misterioso, amedrontador. Tratava-se de um mistério
entre milhões que o Universo parecia guardar para a Humanidade, para que a mesma
tivesse plena consciência do poder e da impotência de uma raça de astronautas.
Será que os robôs ainda guardavam uma recordação do tempo em que tinham mil
vezes o tamanho atual? Redhorse tinha suas dúvidas. De repente teve a impressão de que
a fortaleza era um gigantesco mausoléu, um sinal indestrutível da luta desesperada pela
vida, que se tornara pequena e insignificante, mas nem por isso deixava de ser uma
advertência muda contra todas as formas de opressão.
Dali a uma hora estavam entrando no pátio de uma das torres.
***
Estavam de pé, lado a lado; junto a uma parede coberta de musgo e líquens, cinco
homens no uniforme verde-oliva da Frota Solar. Quatro deles estavam com as mãos
cruzadas nas costas, enquanto o quinto, cujas costas eram feitas de aço prateado, deixou
os braços caídos.
Suas armas estavam atiradas no chão.
O pátio tinha dez por dez metros, e o chão era de terra batida. A passagem para a
torre estava fechada por uma porta metálica enferrujada. Dois robôs montavam guarda na
entrada do pátio.
— Chegamos — disse Belchman, rompendo o silêncio que tinha sido guardado
desde a chegada de Redhorse. — Derrubaram-nos, para em seguida prender-nos e
arrastar-nos até aqui. Cá estamos, à espera do que queiram fazer conosco.
Losar deu uma cuspidela. O encarregado de armamentos era o mais velho do grupo.
Orgulhava-se por ser capaz de usar qualquer arma portátil de fabricação terrana com os
olhos fechados. E suas mãos pareciam desajeitadas.
— Senti uma coceira tremenda nos dedos, quando toquei o solo antes dos outros —
disse. — Pensei que estivessem tramando alguma patifaria.
Sanchon exibiu um sorriso forçado e o traço arrogante em torno dos cantos da boca
acentuou-se. Não disse nada. Aybron também se manteve em silêncio. Seus olhos
grandes pareciam perceber qualquer movimento, por menor que fosse. Nada escapava a
esses olhos, que até pareciam ser capazes de vasculhar as profundezas da alma humana.
Belchman arranhou o chão com a ponta da bota.
— Podemos fugir — observou como que ao acaso. — Os dois caras que estão na
entrada não nos deterão.
— Pois eu seria a favor da fuga, mesmo que fossem vinte — disse Losar em tom
contrariado.
— Vamos esperar — decidiu Redhorse. — Precisamos descobrir o que está
acontecendo por aqui. Esta fortaleza domina todo o vale. Quem se encontra aqui pode
derrubar qualquer caça-bombardeio que tente decolar. Isto já é motivo suficiente para
darmos uma olhada.
— Sem duvida — confirmou Sanchon. — Estou interessado em saber o que há atrás
destas muralhas.
Redhorse acreditava que dentro em breve alguém viria buscá-los para levá-los para
o interior da torre. Ao que tudo indicava, ainda estavam discutindo seu destino.
— Que acha, capitão? Será que aqui existem outros seres além dos robôs? —
Belchman formulara a pergunta em tom indiferente, mas o índio cheiene sentiu a tensão
com que todos aguardavam sua resposta.
— Logo saberemos — respondeu em tom discreto.
Estava acompanhado por quatro homens estranhos, que só pareciam ter uma coisa
em comum: não sabiam o que era ter medo.
Redhorse estalou a língua bem baixinho. Era mesmo um idiota por continuar a
pensar nas peculiaridades desses homens. Ele mesmo não era uma exceção, um esquisitão
que ocupava uma posição especial?
— Vamos chamar esta fortaleza de Llalag — disse Redhorse de repente.
Llalag, repetiu para si. Tratava-se de um mito sangrento dos índios das montanhas
do norte da América, que acabara de transformar-se numa realidade medonha no espaço
situado entre as galáxias. Llalag — o reino dos mortos.
A porta da torre abriu-se, rangendo fortemente. Dez robôs saíram. Carregavam
armas nas mãos grosseiras.
Um dos robôs recolheu as carabinas automáticas dos terranos. Ao abaixar-se,
mantinha a cabeça erguida. Nem viu as pistolas pesadas que os homens traziam nas botas.
As armas dos outros nove habitantes da fortaleza estavam ameaçadoramente apontadas
para os prisioneiros.
— É o comando de execução — observou Lope Losar. — Acho que devemos fazer
alguma coisa antes que eles resolvam encostar-nos a este muro sombrio e fuzilar-nos.
As armas foram levadas. Redhorse observou atentamente os dez robôs. Pretendia
dar ordem de atirar assim que notasse que as previsões de Losar se confirmavam.
Um dos robôs adiantou-se e fez um gesto imperativo em direção à porta da torre,
que continuava aberta. Redhorse não perdeu tempo; obedeceu à ordem inequívoca. Sabia
perfeitamente que as chances de fuga seriam mais reduzidas se penetrassem nas
profundezas da fortaleza. Mas sem isso não teriam possibilidade de destruir as armas com
as quais os robôs ou seus donos dominavam o vale.
Ao entrar na torre, Redhorse ouviu um rugido surdo que parecia sair das
profundezas da montanha. Parecia ser produzido por um conjunto de máquinas
subterrâneas. O primeiro pavimento da torre era iluminado por lâmpadas incandescentes.
— Eletricidade — cochichou Redhorse para Belchman, que vinha logo atrás dele.
— Certamente é gerada em usinas convencionais.
As grossas muralhas estavam revestidas por placas. Em toda parte havia pedaços de
revestimento quebrados. Só em alguns lugares via-se o brilho da tinta primitiva. Não
havia qualquer peça de mobília. Cabos grossos passavam embaixo do teto. Um corredor
estreito e sinuoso subia à ponta da torre. Não havia degraus, apenas depressões semi-
esféricas alternadamente cavadas no chão.
Os robôs obrigaram os prisioneiros a prosseguir. Passaram por um corredor escuro e
saíram da torre. Ouviu-se o zumbido de instalações, vindo não se sabia de onde. O chão
em que pisavam os pés de Redhorse era molhado e escorregadio. Em toda parte viam-se
formações de mofo. Ao que parecia, os corredores eram usados raramente.
Os robôs levaram os terranos a um enorme salão, dividido em três partes. Estas
partes eram separadas por enormes barras de ferro, que serviam para apoiar os telhados
baixos. O salão estava entulhado de tachos metálicos e tubos. Guindastes automáticos
deslizavam silenciosamente embaixo do telhado, levando suas cargas. Em toda parte
viam-se os arcos luminosos das soldadoras elétricas. Uma bruma azulada parecia encher
o recinto. O ar era seco e quente.
Uma plataforma feita de grades metálicas cercava o salão. Havia pequenas
plataformas elevatórias, capazes de levar qualquer carga à plataforma circular.
Os robôs levaram os prisioneiros a uma das plataformas. A mesma mal e mal tinha
lugar para os cinco terranos.
— Não estou gostando, capitão — observou Losar enquanto estavam sendo levados
para cima. — Por que será que eles resolveram deixar-nos sozinhos de repente?
Redhorse limitou-se a apontar para a plataforma, onde outro grupo de robôs estava à
sua espera. À medida que subiam, Redhorse teve uma visão de conjunto mais ampla do
salão.
De repente viu o animal.
Estava deitado no centro do salão, num gigantesco recipiente cônico que parecia
uma enorme banheira, cheia de um líquido esverdeado. O grande corpo cor de rosa do
animal tinha o aspecto de uma enorme esponja. Tratava-se de uma massa pulsante com
pernas tortas e olhos quase invisíveis.
De todos os lados partiam tubos e cabos que iam terminar no corpo monstruoso.
Dezenas de robôs manipulavam os comandos em torno do recipiente.
Redhorse ouviu Belchman soltar um gemido, enquanto Sanchon dizia com a voz
sufocada:
— Que coisa horrível!
A plataforma parou de repente. Os cinco homens tiveram de saltar para cima da
galeria, onde foram recebidos por sete robôs.
— O que é aquilo lá embaixo? — perguntou Losar.
— Uma mutação — provavelmente — respondeu Redhorse. — Ainda se consegue
identificar as pernas e os olhos. O resto foi encoberto.
— Será que aquilo vive? — perguntou Belchman.
Redhorse contemplou o corpo convulsivo com uma expressão pensativa. Bem que
gostaria de poder responder com um não terminante.
— Será que possui inteligência? — perguntou Losar.
Redhorse sacudiu a cabeça.
— É impossível — respondeu. — Nenhum ser inteligente seria capaz de resistir a
isso sem enlouquecer. Trata-se de um animal levado a esse estado para algum fim
desconhecido.
Acompanhou os tubos que partiam do corpo do monstro. Todos eles levavam para o
interior da fortaleza. De vez em quando robôs aproximavam-se do recipiente e
derramavam um pó claro contido em grandes conchas.
Redhorse e seus companheiros caminharam pela galeria e chegaram ao lado oposto
do salão.
“Por que”, perguntou-se o capitão, “os habitantes da fortaleza mantinham vivo este
monstro?” Começou a ter suas dúvidas de que os robôs realmente eram os donos da
fortaleza.
Certamente Llalag era governada por outros seres. Redhorse acreditava que num
tempo não muito longo se encontrariam com os mesmos.
De repente um dos sete guardas parou subitamente à sua frente. Redhorse quase
chegou a esbarrar no mesmo. O robô foi cercado imediatamente pelas outras maquinas.
Os homens observaram atentamente quando a cabeça do robô foi retirada com todo o
cuidado da depressão existente no pescoço. Um dos guindastes aproximou-se. Os robôs
prenderam o corpo inutilizado do indivíduo de sua espécie ao suporte magnético do
guindaste e este foi saindo. Redhorse viu o corpo sem cabeça do robô ser descarregado
num recipiente. A cabeça foi carregada por outro robô.
Pela primeira vez o Capitão Don Redhorse teve a idéia de que a cabeça e o corpo
dessas máquinas poderiam ser duas coisas completamente diferentes. Os corpos
metálicos eram tratados sem a menor consideração, enquanto as cabeças quase chegavam
a ser veneradas.
Diante da relação entre o tamanho da cabeça e do corpo, deveria ser exatamente o
contrário.
Chegaram ao fim da galeria e foram obrigados a descer em outra plataforma. Mais
uma vez havia alguns robôs à sua espera. Tiveram de subir na plataforma de carga de um
carro elétrico, que aparentemente era dirigido por controle remoto. Mal estavam sentados,
quando o carro partiu com um forte solavanco. Um segundo veículo seguiu-os a dez
metros de distância, com oito robôs armados a bordo.
— Todo o conforto para os prisioneiros — disse Belchman numa espécie de humor
fúnebre.
Passaram por um portão e entraram num pátio amplo. Por ali não se via nenhum
sinal da decadência que reinava em torno. O chão era firme e as paredes dos diversos
edifícios pareciam limpas. Em toda parte viam-se tubos que ligavam os diversos
edifícios. A cortina sonora era parecida com a de uma grande fábrica. Chaminés baixas
expeliam fumaça.
Redhorse aspirou fortemente o ar.
— Óleo disse. — Parece que suas usinas de eletricidade são movidas a óleo que eles
devem ter encontrado em depósitos subterrâneos.
Passaram por um pavilhão aberto. Redhorse viu milhares de corpos de robôs
depositados no mesmo. Em sua maioria estavam enferrujados. Não viu uma única cabeça.
— É um cemitério de robôs — observou Sanchon em tom seco. — Quem sabe se
em breve não seremos também trazidos para cá?
Lope Losar lançou um olhar zangado para o carro que os seguia. Bateu na bota, em
cujo interior estava escondida a pistola.
— Há algo de errado por aqui — disse. — Parece que tudo está funcionando? Fico
me perguntando para quê, se por aqui só existem estes robôs?
— Não são robôs — disse Aybron com a voz calma.
Os outros fitaram-no com uma expressão de espanto.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Redhorse, dirigindo-se ao astrônomo
que até então se mantivera em silêncio.
— O senhor diria que eu sou um robô, só porque minhas costas são de aço? —
perguntou Aybron.
— Nem pensamos nisso — disse Redhorse em tom calmo.
O veículo parou. Aybron não teve tempo para responder, pois o carro que vinha
atrás deles também tinha parado. O solavanco atirara um dos desajeitados robôs para fora
da plataforma de carga.
Seu corpo tombou. A cabeça bateu fortemente no chão e abriu-se. Os outros robôs,
que pareciam paralisados de susto, permaneceram em cima do carro elétrico.
Uma massa cinzenta saiu da cabeça rachada do robô. Redhorse teve um calafrio.
Ouviu Belchman soltar um gemido.
— Já compreende por que digo que eles não são robôs? — perguntou Aybron.
3
“Daqui a pouco alguém vai enlouquecer por aqui”, pensou Oleg Sanchon, bastante
irritado.
Quem seria esse alguém? Losar? Este não, pensou o técnico. Lope Losar, o técnico
em armamentos, suportava seu ferimento com tamanha indiferença que dava a impressão
de não ser capaz de abalar-se por nada deste mundo. Com Belchman as coisas eram
diferentes. Na opinião de Sanchon, o assistente médico estava falando demais. Para ele,
toda pessoa que tem de manifestar a cada passo sua opinião sobre qualquer assunto tem
algo a esconder. Tornava-se muito difícil fazer uma avaliação correta de Zantos Aybron.
Dele se poderia esperar qualquer coisa.
Sanchon franziu a testa. Talvez Aybron fosse o elo mais fraco da corrente. Será que
os germes da loucura já tinham sido lançados em sua mente?
Sanchon lançou um olhar zangado para as nuvens de vapores. Quanto tempo fazia
que o capitão tinha desaparecido? Ninguém poderia afirmar que o capitão costumasse ser
arrojado demais ou fosse dado a assumir riscos desnecessários. Diante da descendência
de Redhorse, Sanchon esperara que ele fosse assim, mas logo verificara que suas
preocupações eram infundadas.
— Os robôs que nos perseguiram já sabem que entramos neste edifício — disse
Belchman. — Por que não estão à nossa procura? Há algo de errado nisso.
Aybron deu uma risada sarcástica.
— Até parece que o senhor faz votos de que os cabeças-de-cúpula nos ataquem.
— Ainda seria melhor que esta incerteza — retrucou Belchman em tom irritado.
— Bem que eu gostaria que Redhorse voltasse logo — observou Sanchon. —
Deveríamos ter combinado um prazo para isso. É possível que alguma coisa lhe tenha
acontecido sem que nós saibamos.
— Acho que ele é muito cuidadoso para deixar que lhe aconteça algo observou
Lope Losar. — Sabe perfeitamente o que deve fazer. Fico satisfeito porque é o chefe do
nosso grupo.
— Este maldito barulho do caldo quente abafa todos os outros ruídos — disse
Belchman em tom zangado. — Se quisesse comunicar-se conosco, Redhorse teria de
escrever.
Sanchon começou a sentir-se aborrecido. Por que Belchman não podia deixar de
reclamar a toda hora? Se continuasse assim, acabaria por contaminar os outros com seu
nervosismo.
— Veja se cala a boca! — gritou o médico. — Não demoraremos a saber o que está
havendo com o capitão.
Belchman virou-se abruptamente. Abriu os dedos. Pingos de suor apareceram em
sua cabeça calva.
— Falo o que quero — disse com a voz zangada. — E quando quero.
Sanchon surpreendeu-se com a reação violenta. Não queria briga.
— Está bem — disse em tom contemporizados — Estamos todos nervosos.
Belchman parecia interpretar a atitude conciliadora de Sanchon como um sinal de
medo, pois saiu caminhando lentamente na direção do técnico.
— Não façam bobagens — resmungou Losar.
— Este sujeito acredita que quando Redhorse não está pode bancar o chefe — chiou
Belchman. — Não admito uma coisa dessas.
— Fique quieto, Belchman — disse Aybron.
Não falou muito alto, mas havia um tom de advertência em sua voz, que não
escapou a Sanchon.
— Não vou brigar com o senhor — disse Belchman em tom de desprezo, dirigindo-
se ao astrônomo.
No mesmo instante a figura robusta do técnico de armamentos se colocou entre
Sanchon e Belchman. Mas de qualquer maneira Sanchon tinha certeza de que foi graças à
intervenção de Aybron que Belchman recuou para junto da parede, praguejando baixinho.
A tensão diminuiu um pouco, mas Sanchon não conseguiu livrar-se da impressão de que
Belchman o observava ininterruptamente. O médico devia estar preocupado com o perigo
iminente, ou então não podia conviver com a idéia de ter menos de dois milímetros de
altura. Desde o momento em que tinham penetrado na fortaleza, Sanchon teve suas
dúvidas de que seu tamanho realmente sofrerá tamanha redução. Tudo parecia normal. Só
tinham diante dos olhos, como ponto de referência, objetos que tinham sofrido a mesma
redução.
O tempo foi passando e Redhorse não voltou. Sanchon começou a preocupar-se de
verdade. O que fariam se alguma coisa tivesse acontecido ao capitão? Os quatro
tripulantes da Crest II estavam agachados junto à parede, lado a lado. Até mesmo
Belchman ficou em silêncio. O único ruído vindo de suas fileiras era a batida que se fazia
ouvir toda vez que Losar batia com o cabo da pistola no chão.
De repente ouviram uma pancada seca. Sanchon estremeceu. Viu Belchman tombar
lentamente para a frente, com os olhos muito arregalados e os braços abertos.
— Protejam-se! — gritou Losar, que foi o primeiro a recuperar-se da surpresa. Só
então Sanchon compreendeu que alguém disparara um tiro. Sanchon deixou-se cair no
chão. Olhando para todos os lados, rastejou na direção em que estava Belchman, que
permanecia completamente imóvel. Aybron desapareceu atrás da parede. O técnico de
armamentos deu alguns saltos para colocar-se em segurança atrás de uma máquina.
Sanchon estendeu a mão e tocou o braço de Belchman. A cabeça do médico caiu
para o lado. Sanchon aproximou-se mais um pouco. Os lábios de Belchman tremiam.
Numa raiva impotente, o técnico agachou-se ao lado de Belchman. Teve a
impressão de que teria que dizer alguma coisa, mas só conseguiu segurar o braço do
companheiro.
— Fui atingido — cochichou Belchman.
Virou-se, para que Sanchon pudesse ver o ponto de penetração do projétil no peito.
Sanchon fechou os olhos por um instante, de tão apavorado que ficou.
— Vamos tirá-lo daqui — disse em tom zangado. Naquele momento acreditava no
que estava dizendo, embora outra parte de sua mente já estivesse convencida de que o
médico iria morrer.
Mais um tiro foi disparado. Sanchon encolheu a cabeça. Olhou para além de
Belchman, mas não viu nenhum inimigo. O robô que estava atirando neles devia estar
muito bem escondido.
— Dê o fora — disse Belchman com a voz apagada.
— O senhor não pode ficar aqui — respondeu Sanchon em tom resoluto. — Vou
levá-lo a um lugar seguro.
Enfiou o corpo embaixo das pernas do médico. O chão era escorregadio, e por isso
conseguiu arrastar Belchman, que não era pesado, sem fazer muito esforço. Belchman
gemia. Sanchon atingiu a parede juntamente com a carga que estava arrastando e parou.
Belchman fez um grande esforço e conseguiu tirar a pistola. Estava tão debilitado
que deixou cair a arma sobre a coxa. Seu rosto magro estava muito pálido e havia um
brilho febril nos olhos.
O tiro seguinte atingiu a parede bem perto de Sanchon. Belchman ergueu
abruptamente a arma e puxou o gatilho. Depois caiu de encontro a Sanchon. O técnico
afastou-o. Percebeu que Belchman estava morto. Por um instante a dor apagou todos os
outros sentimentos. Sentou junto à parede, ao lado do morto. Não se via o menor sinal do
atirador traiçoeiro. Com um movimento que quase chegava a ser hesitante Sanchon
pegou a arma de Belchman. Levantou-se de um salto e saiu correndo na direção em que
estava Losar. Dois projéteis assobiaram em cima de sua cabeça. O sangue martelava em
suas têmporas. O vapor exercia uma pressão surda em sua cabeça.
Losar lançou um olhar triste para Belchman.
— Está morto — disse Sanchon antes que Losar perguntasse.
Preferia não falar sobre a morte de Belchman. O técnico de armamentos parecia
perceber.
— Onde está Aybron? — perguntou Losar depois de algum tempo.
Sanchon fez um gesto vago.
— Vi-o desaparecer atrás da parede.
— Precisamos continuar juntos — resmungou Losar. — Se nos separarmos, não
teremos a menor chance de deter os robôs.
— Por que será que Redhorse não voltou? — perguntou Sanchon. — Devia ter
ouvido os tiros; quanto a isso não havia a menor dúvida. Será que tinha tido o mesmo
destino que Belchman?
Losar encostou-se à parede e observou o espaço que ficava entre o fim da parede e o
grande recipiente. Não se via nenhum cabeça-de-cúpula. Sanchon se sentiria bem mais
seguro se os habitantes de Llalag marchassem em sua direção em fileira cerrada. Nesse
caso teria a possibilidade de defender-se. Mas na situação em que se encontrava tinha de
ficar inativo, à espera do momento em que fosse atingido por um tiro disparado de tocaia.
— Temos de procurar Redhorse — disse Losar. — Vamos ver se conseguimos
avançar até as cabinas.
— E se o capitão voltar para cá e não nos encontrar? — objetou Sanchon.
Lope Losar fez um gesto na direção de Belchman.
— Se aparecer, será capaz de imaginar o que aconteceu por aqui.
A firme resolução de Sanchon, que pretendia sair vivo da fortaleza das montanhas,
estava entremeada de dúvidas sobre a exeqüibilidade do plano de Losar. Os robôs podiam
estar espreitando em qualquer lugar, à espera do momento em que um dos humanos
aparecesse desprotegido.
Do outro lado da parede foram disparados vários tiros numa seqüência rápida.
Sanchon olhou para Losar.
— É Aybron — constatou o técnico de armamentos em tom lacônico.
Saltaram quase ao mesmo tempo para fora do abrigo. Sanchon teve a impressão de
ver um movimento nas imediações de uma cabina mais distante. Disparou um tiro, sem
saber no que estava atirando.
Quando contornaram a parede, viu Aybron ajoelhado junto ao recipiente. O
astrônomo estava sendo atacado por sete robôs, que vinham caminhando em sua direção
através do líquido que enchia o recipiente. O líquido estava em ebulição. Bolhas do
tamanho de um punho humano estouravam na superfície. Aybron agachava-se
constantemente atrás da banheira gigante, para não ser atingido.
Um cabeça-de-cúpula saiu da cabina que ficava logo atrás de Aybron. Não estava
armado, mas corria com os braços estendidos na direção em que estava o astrônomo. Este
não desconfiava de nada. Sanchon parecia paralisado diante do quadro. Losar disparou
um tiro contra o inimigo recém-aparecido, mas só o atingiu no pescoço.
O robô foi mais rápido do que Sanchon esperara. Segurou Aybron pelos quadris e
levantou-o abruptamente. Sanchon não se arriscou a atirar, pois agora que estava
recuperado da surpresa compreendeu que correria perigo de atingir Zantos Aybron.
O rosto de Aybron não mostrava nenhum susto ou medo; antes exprimia uma
obstinação indomável. Os braços metálicos do cabeça-de-cúpula levantaram Aybron por
cima da borda da banheira.
Numa questão de segundos o astrônomo cairia no líquido em ebulição. Losar voltou
a atirar. Nesse momento decisivo conseguiu controlar os nervos para fazer boa pontaria.
O robô que estava levantando Aybron cambaleou. Aybron debatia-se em suas mãos, mas
não conseguiu libertar-se. Os sete robôs que tinham parado por um instante
aproximaram-se mais rapidamente.
Nesse instante Aybron caiu. Por um terrível instante escorregou sobre a borda do
recipiente, mas acabou batendo violentamente no chão fora do mesmo. O cabeça-de-
cúpula tombou de vez.
Nesse instante Oleg Sanchon sentiu alguma coisa deslizar levemente por sua
cabeça. Olhou para cima. Um líquido malcheiroso estava pingando nele. Este líquido
produzia uma coceira na pele. Sanchon compreendeu que um dos tiros causara
vazamento em um dos inúmeros canos.
Losar chegou perto de Aybron e ajudou-o a levantar. Sanchon colocou-se fora do
alcance do chuvisco. Admirou-se porque os cabeças-de-cúpula não estavam atirando
nele. Será que eles hesitavam porque ele se encontrava nas imediações de uma cabina?
Nesse instante Sanchon ouviu uma forte batida. Quase no mesmo momento uma
rede envolveu-o e o derrubou com seu peso. Sanchon deu um grito e lutou para defender
sua liberdade, mas só conseguiu enlear-se cada vez mais fortemente no trançado. Mas
conseguiu abrigar-se atrás de uma cabina. Dali a pouco apareceram Losar e Aybron e
puxaram nas amarras.
— Isso vai me cortar em pedaços — disse Sanchon com a voz rouca.
Sentiu-se dominado pelo pânico. Seus músculos entesaram-se, mas nem assim
conseguiu evitar que a rede se estreitasse cada vez mais em torno de seu corpo. Ficou
jogado ao chão, completamente amarrado, enquanto Losar e Aybron tentavam libertá-lo
usando apenas as mãos.
Respirar tornava-se cada vez mais difícil. O sangue não circulava bem. O material
de que era feita a rede possuía uma resistência incrível, resistindo a todos os esforços de
Losar e Aybron.
— Levem-me para dentro de uma cabina — disse Sanchon, ofegante.
Não sabia como teve essa idéia, só sabia que morreria dentro de alguns minutos se
não acontecesse alguma coisa que detivesse a ação da rede.
Lope Losar não costumava discutir muito. Pegou Sanchon embaixo dos braços e
arrastou seu corpo pesado em direção à entrada de uma das cabinas. Aybron mexeu na
fechadura, mas a porta só se abriu quando ele a despedaçou com um tiro. Um robô sem
cabeça veio cambaleante ao seu encontro.
Losar arrastou o corpo enlaçado de Sanchon para dentro da cabina. O técnico viu
empurrar para fora da mesa a metade inferior de um crânio de robô.
— Fechem a porta — conseguiu dizer Sanchon.
Losar colocou-o cuidadosamente no chão. Sanchon respirava com dificuldade. De
repente sentiu que as amarras se soltavam. Dentro de pouco tempo a rede dividiu-se em
várias partes, que permaneceram imóveis. Sanchon esforçou-se para sorrir. Quando
começava a recuperar paulatinamente o controle do corpo, a porta da cabina abriu-se
repentinamente.
Uma horda de cabeças-de-cúpula armados, envoltos em nuvens de vapores, se
comprimia do lado de fora.
***
Redhorse recuperou os sentidos tão de repente que teve a impressão de estar
acordando de um pesadelo.
Com o fim do estado de inconsciência começaram as dores na parte posterior do
crânio. Abriu os olhos e viu um oceano de círculos coloridos, que pareciam girar
lentamente. Levou alguns segundos para compreender que esses círculos eram reais.
Pertenciam a um quadro móvel que, quando Redhorse virou a cabeça, apareceu como
uma tela oval, que cobria a parede a uns dez metros do lugar em que ele estava. Os
círculos mudaram, assumindo formas diferentes. Don Redhorse gemeu. Tateou com as
mãos e sentiu que estava deitado numa base macia, com a cabeça levantada, para que
pudesse ver a tela. As dores violentas fizeram com que o raciocínio de Redhorse fosse
lento. A memória foi voltando. Não se encontrava a bordo da Crest II, como chegara a
acreditar no momento em que estava despertando, mas no interior de uma fortaleza nas
montanhas, à qual ele mesmo tinha dado o nome de Llalag.
Redhorse ergueu-se abruptamente — somente para descobrir que estava amarrado à
cama. Um trançado em forma de rede estava pendurado em cima dele, restringindo sua
liberdade de movimentos.
Redhorse notou que se encontrava num recinto quadrado. Cápsulas cilíndricas
estavam suspensas sob o teto, bem em cima de sua cabeça. Em cima dos cilindros
estavam penduradas luminárias que iluminavam o recinto. Redhorse viu duas entradas,
uma das quais situada bem ao lado da estranha tela.
Voltou a recostar-se no leito e procurou relaxar. Não sentia medo, pois a criatura
que o tinha trazido para cá não parecia ter a intenção de matá-lo — ao menos por
enquanto. O quadro projetado na tela mudou. Uma série de contornos sombreados
transformou-se numa imagem que parecia familiar a Redhorse. Percebeu que se tratava
de uma paisagem na superfície de Horror. A câmara tinha sobrevoado amplos vales e
captara o panorama de grandes cidades. Redhorse viu edifícios brancos, parques extensos
e lagos que refletiam os raios do sol. Tudo isso não existia mais. Tinha desaparecido
antes que os terranos chegassem ao planeta.
A imagem mudou abruptamente, apresentando a guerra, a destruição e o caos.
Redhorse testemunhou a pulverização de cidades inteiras. Cogumelos atômicos
precipitaram-se para a atmosfera, nuvens luminosas deslizaram sobre a paisagem,
lançando raios fulgurantes para a superfície. As cidades transformaram-se em cinzas e
escombros. A guerra gigantesca entre os habitantes da superfície e os pensadores do
terceiro nível tinha começado. O capitão conhecia o resultado do conflito. Os dois povos
praticamente se haviam exterminado mutuamente.
Os desconhecidos que portavam as câmaras tinham filmado as estações polares,
surgidas durante a guerra. Redhorse compreendeu que as duas estações tinham sido
construídas pelos pensadores. No último estágio da guerra os mesmos tinham usado uma
arma terrível contra os habitantes da superfície. Tratava-se do condensador potencial.
Concluía-se que os responsáveis pelo processo de redução não eram os senhores da
galáxia, mas os pensadores que com as duas estações polares tinham alcançado um
resultado favorável da guerra.
As fotografias seguintes deixaram claro o que tinha acontecido depois da guerra.
Como Redhorse supusera, os raros sobreviventes que permaneceram na superfície tinham
degenerado. Sucessivas mutações produziram neles alterações tamanhas que só podiam
viver sob a proteção de envoltórios especiais, transportados por robôs muito simples.
Redhorse tentou compreender por que lhe mostravam estas imagens. Talvez
quisessem comunicar-se com ele. Ou então — um sorriso triste surgiu no rosto de
Redhorse — esperavam que eles os auxiliassem.
O quadro projetado na tela desmanchou-se, sendo substituído novamente pelos
círculos coloridos. Redhorse teve dificuldade em fazer uma idéia, mesmo vaga, da
mentalidade desses seres que viviam como produtos dependentes de uma degeneração no
interior de conchas metálicas. Seria impossível a um terrano compreender as reações
mentais desta forma de vida. Nem mesmo o filme que o capitão acabara de ver fornecia
qualquer esclarecimento sobre os cabeças-de-cúpula, pois os seres que tinham feito as
filmagens certamente eram bem diferentes.
Será que os cabeças-de-cúpula eram capazes de compreender de onde vinham
Redhorse e seus companheiros? Uma criatura de dois milímetros de altura seria capaz de
entender alguma coisa de astronáutica e astronomia? Não, pensou Redhorse. Eles
certamente tinham esquecido essas coisas. O oficial conscientizou-se de forma dolorosa
da tragédia que representava o desaparecimento desse povo.
De repente Redhorse foi arrancado de suas reflexões. A porta que ficava ao lado da
tela abriu-se e três cabeças-de-cúpula entraram. Pararam bem ao lado da cama em que
Redhorse estava deitado. Suas cabeças não possuíam olhos, mas Redhorse tinha certeza
de que estes seres eram capazes de observá-lo através de algumas das muitas lentes
existentes neles. Era desagradável não saber de que lado alguém estava olhando para a
gente.
Um dos cabeças-de-cúpula apontou para a tela.
Redhorse acenou fortemente com a cabeça. Compreendera o gesto. Levantou a mão,
com o dedo polegar voltado para dentro, e estendeu os quatro dedos restantes para os
seres que se encontravam ao lado de sua cama. Talvez os mesmos compreendessem que
estava pedindo informações sobre seus companheiros.
Um dos cabeças-de-cúpula pulverizou um pouco de líquido sobre a rede que
prendia Redhorse. Este logo ficou livre. Ergueu-se bem devagar, para não levar os três
desconhecidos a cometerem um ato precipitado. Sua pistola tinha desaparecido. Seria
inútil tentar defender-se.
Os três robôs levaram Redhorse para fora da sala. Entraram num recinto sombrio,
iluminado por umas poucas lâmpadas. Redhorse acreditava que se encontravam bem
embaixo da fortaleza. Em toda parte descia água do teto. O ar era viciado. Redhorse teve
a impressão de que estava ouvindo o ruído de uma máquina. Talvez fosse uma bomba. Os
cabeças-de-cúpula pararam à frente de uma grade metálica. Neste ponto o teto abaulado
alargou-se, terminando num poço em forma de funil. Redhorse sentiu um cheiro de
carniça. Por um instante horrível acreditou que seria atirado para dentro do poço, mas os
cabeças-de-cúpula abriram a grade e aproximaram-se do buraco, caminhando à frente de
Redhorse.
O capitão seguiu-os numa atitude hesitante. Os cabeças-de-cúpula esperaram
pacientemente que ele se aproximasse. De repente ouviu-se um rugido que fez tremer o
chão. Redhorse recuou meio atordoado. Os cabeças-de-cúpula deitaram no chão e
pareciam remar com os braços. Ainda confuso, Redhorse aproximou-se do poço. Seu
pulso batia furiosamente. Esticou bem o corpo, para arriscar um olhar para dentro do
poço.
Os cabeças-de-cúpula pareciam ter enlouquecido. Redhorse começou a desconfiar
que seu comportamento representava uma forma de veneração. O capitão teve a
impressão de estar sofrendo um pesadelo. De início não viu nada além da parede cinzenta
do outro lado do poço. Mas de repente viu o monstro. Era enorme; o capitão só enxergava
parte dele. Estava deitado no fundo do poço, com metade do corpo mergulhado num
líquido verde. Para Redhorse devia ter mais de dez metros de comprimento. Possuía
quatro pernas que terminavam em garras bem afiadas. Os pêlos tinham caído quase todos,
pondo à mostra a pele nua. Um mau pressentimento surgiu na mente de Redhorse. Aquilo
era o sucessor da pobre criatura que Redhorse e seus companheiros tinham visto no
grande pavilhão. Era o alimento dos cabeças-de-cúpula. A vida orgânica tornara-se uma
coisa tão rara que os habitantes de Llalag quase lhe chegavam a dedicar uma certa
devoção. Mas nem por isso se sentiam impedidos de comer aquilo que para eles era uma
divindade.
De repente o Capitão Don Redhorse compreendeu por que tinha sido levado para lá.
Os cabeças-de-cúpula queriam viver. E os alimentos que continham proteína tinham-se
tornado muito escassos.
***
Oleg Sanchon sentiu a mão de Losar, que pousou de forma tranqüilizadora em seu
braço.
— Deixe essa arma onde está — cochichou o técnico de armamentos. — Será que o
senhor deseja que façam explodir esta cabina conosco?
A voz de Losar não exprimia nenhuma resignação. Pelo contrário. Sanchon sentiu o
espírito resoluto desse homem, que estava decidido a aguardar a oportunidade adequada
para entrar em ação.
Um dos cabeças-de-cúpula aproximou-se e pegou a cabeça que Aybron acabara de
atirar ao chão. Sanchon esperava ser atingido a qualquer momento por um tiro.
— Estamos numa armadilha — disse. — Esses caras têm todos os motivos para não
ser delicados conosco.
O rosto de Losar com seus poros grandes continuou impassível, até mesmo quando
entrou outro inimigo e lhes tirou as pistolas.
Finalmente explicaram-lhes que deveriam retirar-se do recinto em que se
encontravam. Quando saíram da cabina, constataram que pelo menos trinta cabeças-de-
cúpula se haviam reunido nas proximidades. Estavam todos armados.
Sanchon notou que a ferida na perna de Losar estava sangrando de novo. O técnico
de armamentos puxava um pouco da perna ferida, mas não deu o menor sinal de estar
sentindo dores.
A massa dos cabeças-de-cúpula formou uma espécie de beco. Os três terranos não
tiveram outra alternativa senão prosseguir. Sanchon olhou para trás e viu que três
cabeças-de-cúpula os seguiam. As armas dos inimigos estavam ameaçadoramente
apontadas para as costas dos astronautas.
Passaram por uma série de máquinas enfileiradas. Os vapores não eram tão densos.
Sanchon percebeu que se aproximavam de uma parede. Os três cabeças-de-cúpula
deixaram a fixação da velocidade por conta dos terranos. Atingiram a parede e por algum
tempo caminharam junto à mesma. Atingiram uma porta e foram obrigados a parar. A
porta foi aberta por um dos cabeças-de-cúpula e os terranos foram empurrados para
dentro de uma sala escura. A porta voltou a fechar-se ruidosamente. Sanchon enxugou o
suor do rosto. O ar que respirava estava impregnado do cheiro de mofo e podridão. Bem
que gostaria de ver alguma coisa. Ouviu Losar e Aybron se movimentarem na escuridão.
Sanchon avançou às apalpadelas em direção ao lugar em que, segundo acreditava,
ficava a entrada. Suas mãos estendidas tocaram a parede úmida. Ouviu o ruído de pingos
de água vindo de vários lugares. O técnico estava decidido a encontrar uma saída da
prisão em que se encontravam. Restava saber se essa decisão seria suficiente.
— Atingi a outra parede — disse Zantos Aybron nesse instante. — A sala tem
exatamente sete metros de largura.
“São sete milímetros!” pensou Sanchon. Mas logo reprimiu este pensamento. Para
eles eram mesmo sete metros.
Dali a pouco Lope Losar constatou que a prisão tinha nove metros de comprimento.
Não tiveram meios de determinar a altura. Nem mesmo subindo nas costas de Losar,
Sanchon conseguiu tocar o teto. A sala estava completamente vazia. Nas proximidades da
entrada o chão era menos úmido que no resto do recinto. Os três homens sentaram ali.
Sanchon comeu um pouco dos alimentos concentrados que trazia consigo. Ofereceu a
Losar e Aybron, mas os dois recusaram.
Sanchon teve a impressão de que os olhos sem vida de Belchman o fitavam na
escuridão. O chão em que estavam sentados parecia vibrar ligeiramente. Isso podia
significar que embaixo deles havia uma sala com grandes unidades energéticas.
À medida que esperavam, a autoconfiança de Oleg Sanchon foi-se desvanecendo.
Sabia perfeitamente que se não dispusessem de recursos técnicos não teriam a menor
chance de fugir.
Sanchon não sabia quanto tempo já tinha passado quando Zantos Aybron disse:
— Losar, desparafuse a placa das minhas costas.
***
O cérebro de Redhorse transformou-se numa máquina de alta precisão, que reprimiu
qualquer influência emocional. O motivo por que tinha sido levado ao subterrâneo era tão
apavorante que o capitão resolveu entrar em ação imediatamente.
Sabia que qualquer demora o exporia irremediavelmente à desgraça. Recuou alguns
passos, sem tirar os olhos dos três cabeças-de-cúpula. Os três desconhecidos estavam
deitados a apenas um metro do poço. Mais uma vez o rugido do monstro fez tremer as
paredes. Naquele momento Redhorse não teve tempo para refletir por que o animal que
se encontrava lá embaixo tinha escapado ao processo de redução. Lembrou que na
verdade o monstro só tinha um centímetro de comprimento e, portanto, era inofensivo.
Don Redhorse deu um salto que o fez parar entre os três cabeças-de-cúpula, que
continuavam a agitar os braços numa atitude de enlevo. O capitão pôs fim à cerimônia,
agarrando um dos três pelas pernas e empurrando-o para dentro do poço. O corpo bateu
no fundo do poço, produzindo um grande baque. O monstro pôs-se a berrar. Esguichos de
água passaram por cima da borda do poço. Um mal cheiro insuportável encheu o ar.
Redhorse estava segurando as pernas do segundo cabeça-de-cúpula. Mas este já estava
prevenido e procurou desesperadamente firmar-se no chão com os braços. Redhorse sabia
que, se o terceiro inimigo interviesse na luta, estaria perdido. Empurrou com toda força,
para fazer com que o pesado corpo metálico caísse no poço. O cabeça-de-cúpula tentou
fazer girar o corpo. Redhorse perdeu o equilíbrio e caiu. Foi obrigado a soltar o
adversário. Quando se encontrava bem perto do poço, Redhorse conseguiu agarrar um
dos braços do robô. Nesse momento o terceiro inimigo aproximou-se e fez menção de
precipitar-se sobre Redhorse. Este só tinha uma vantagem — a rapidez dos movimentos
— e não perdeu tempo em utilizá-la. Desviou-se rapidamente para o lado. Os dois corpos
metálicos bateram ruidosamente um no outro. Redhorse deitou de costas e empurrou os
cabeças-de-cúpula enrascados com ambos os pés.
Desta forma conseguiu impeli-los para o fundo do poço.
Ouviu seu impacto no chão e ficou deitado por algum tempo, trêmulo e lutando com
o enjôo e a falta de ar. Se alguém o atacasse nesse instante, não teria possibilidade de
defender-se. Sabia perfeitamente que estava combatendo seres que lutavam
desesperadamente por qualquer coisa que pudesse garantir sua sobrevivência, ainda mais
que levavam uma vida antinatural, que mal podia ser considerada uma forma de vida. Os
cabeças-de-cúpula eram uma monstruosidade, uma forma de vida que em condições
normais já teria sido extinta. Mas os habitantes de Llalag agarravam-se com toda força ao
que lhes restava de vida, embora isso os condenasse a serem carregados de um lado para
outro por robôs rudimentares.
Redhorse só tinha um desejo: sair quanto antes de Llalag. Quando finalmente se
levantou sentiu frio, embora no interior do subterrâneo fizesse tanto calor como no resto
da fortaleza. Sabia que não poderia ficar ali, pois outros cabeças-de-cúpula acabariam por
aparecer. A pergunta sobre os motivos por que lhe haviam mostrado o filme certamente
ficaria sem resposta. Será que tinham a intenção de deixá-lo informado, antes que fosse
entregue ao terrível destino que lhe reservavam? Redhorse imaginava que também seria
venerado, caso os cabeças-de-cúpula tivessem encontrado um meio de conservá-lo.
Talvez a apresentação dos filmes já fizesse parte da cerimônia.
O capitão ficou muito preocupado ao lembrar-se dos quatro companheiros. Tinha de
voltar para junto deles, custasse o que custasse. Devia preveni-los, para que não tivessem
o mesmo destino ao qual Redhorse mal e mal conseguira escapar.
“Escapar por enquanto”, pensou, zangado, pois ainda não estava em segurança.
Aos poucos foi recuperando a capacidade de refletir calmamente. No interior do
poço estava tudo em silêncio. Redhorse não teve nenhuma vontade de olhar mais uma
vez para dentro do mesmo. Voltou para o recinto abobadado. Não sabia em que parte da
fortaleza se encontrava, e por isso tinha de ser cauteloso, para não cair nas mãos dos
cabeças-de-cúpula. Seria inútil refletir para tentar descobrir para onde tinha sido levado
depois que ficara inconsciente.
Redhorse voltou à sala em que despertara. Sentiu-se aliviado ao notar que estava
vazia. Entrou e fechou a porta. Mas ali também não podia ficar. Precisava tentar escapar
usando a outra entrada.
O terrano deu alguns passos amplos e atingiu a segunda porta. Não teve nenhuma
dificuldade em abri-la. Espiou cautelosamente para fora. Viu um pavilhão extenso cheio
de maquinas. Uma lufada de ar frio atingiu seu rosto. Não viu sinal de vapores ou
umidade. Redhorse concluiu que o pavilhão que se encontrava à sua frente devia ser
muito importante. Talvez fosse o centro de comando de Llalag.
Vários cabeças-de-cúpula caminhavam entre as máquinas. Redhorse achava que
seria capaz de chegar ao outro lado do pavilhão sem que sua presença fosse notada. Nada
escapava ao seu olhar atento. Havia telas luminosas penduradas sobre vários
maquinismos. Um dos aparelhos ficava tão perto que Redhorse viu perfeitamente uma
paisagem montanhosa projetada na tela. A imagem mudou. O capitão viu o vale em que
estava pousada a Crest II. Redhorse conseguiu reprimir a exclamação que estava para sair
de seus lábios. A suposição de que o recinto era o centro de comando parecia confirmar-
se. Dali os cabeças-de-cúpula podiam observar o vale. Redhorse acreditava que as armas
com as quais o Oldtimer tinha sido derrubado também eram controladas a partir dali.
Diante disso o terrano alterou seus planos.
Devia encontrar um meio de destruir as bases lança-foguetes dos cabeças-de-cúpula,
ou ao menos paralisá-las por algum tempo. Só depois disso outro avião poderia decolar
da Crest.
Redhorse não seria capaz de superestimar sua capacidade. Sabia que sozinho não
poderia fazer muita coisa. Só teria uma chance de atingir seu objetivo se agisse em
conjunto com os outros homens. Redhorse certificou-se de que a saída da sala de
projeção não estava sendo observada por nenhum cabeça-de-cúpula e saiu correndo em
direção a duas colunas. Quando atingiu as mesmas e olhou para trás, constatou que
acabara de cometer um grande erro. As solas de suas botas ainda estavam cheias de lama
úmida. Uma pista desenhava-se nitidamente no chão limpo.
Com uma expressão tensa, Redhorse contemplou os sinais da própria imprudência.
Não tinha tempo para auto-recriminações. Tinha que dar o fora antes que um dos
cabeças-de-cúpula descobrisse a pista e tirasse suas conclusões.
Tirou rapidamente as botas e limpou as solas na calça. Não podia permitir que o
inimigo simplesmente seguisse sua pista. Só voltou a calçar as botas quando teve certeza
de que as solas não poderiam traí-lo mais. Mesmo nessa altura dos acontecimentos
Redhorse não agiu precipitadamente. Mesmo que fosse descoberto, ainda haveria tempo
para sair correndo. O capitão passou entre as colunas. Havia duas máquinas pesadas bem
à sua frente. Atrás delas Redhorse viu um quadro de comando com inúmeros controles.
Teve de fazer um esforço para resistir ao desejo de rasgar os cabos dos controles. Isso
não adiantaria nada. A destruição teria de ser bastante ampla para que os cabeças-de-
cúpula fossem impedidos por algum tempo de atirar em qualquer coisa que se
encontrasse no vale. E para isso não bastaria impedir por algum tempo o funcionamento
de certo número de controles.
Redhorse era mestre na arte da locomoção silenciosa. E não era só isso. Possuía um
instinto seguro, que lhe permitia reconhecer instantaneamente o significado de qualquer
ruído, permitindo-lhe que esboçasse a reação adequada ao caso. O treinamento por que
passara na Academia Espacial voltara a despertar as velhas capacidades de seu povo. Don
Redhorse era conhecido como um tipo extremamente arrojado. Mas nunca teria chegado
ao posto de oficial se não soubesse controlar seu arrojo, para utilizá-lo somente nos casos
em que isso se tornava recomendável. Redhorse era uma das pessoas que antes de agir
costumava fazer uma avaliação dos riscos. Mesmo quando entrava em ação, a
inteligência continuava a funcionar sem ser afetada pelos acontecimentos. E o capitão
poderia ser tudo, menos um tipo pobre em emoções.
Quando viu dois cabeças-de-cúpula aparecerem junto à parede em que ficava o
quadro de comando, Redhorse compreendeu que teria de esperar até que se retirassem,
embora com isso corresse o risco de suas pistas serem descobertas.
Redhorse pôs-se a esperar, com o corpo encostado ao revestimento traseiro de uma
máquina, até que os donos orgânicos dos corpos carregadores lhes dessem um comando
para se deslocarem em outra direção. Os ruídos que atingiam o ouvido de Redhorse
revelaram-lhe o que os dois cabeças-de-cúpula estavam fazendo. Finalmente o silêncio
começou a reinar nas imediações. Redhorse saiu de seu esconderijo. O caminho estava
livre. O terrano conseguiu chegar ao centro do pavilhão. Lá teve de esconder-se de novo,
já que dois cabeças-de-cúpula apareceram à sua frente. Arrastou-se para baixo do
revestimento inferior de uma máquina, enquanto os robôs passavam junto dele. Os
pensamentos de Redhorse estavam na Crest e sua tripulação. Fazia votos de que Rhodan
não cometesse o erro de enviar logo um segundo avião. Isto só poderia acarretar a morte
inevitável de alguns homens.
Quando pôde abandonar novamente seu esconderijo, Redhorse sentiu-se
reconfortado por uma nova segurança. Teve certeza de que não demoraria a encontrar os
quatro companheiros.
***
A idéia de que os ruídos metálicos vinham das costas de Aybron fez com que Oleg
Sanchon estremecesse. Ao que parecia, o técnico de armamentos não conhecia este tipo
de inibição, pois Sanchon ouviu que estava trabalhando com movimentos seguros.
— Não quer contar o que significa isso? — resmungou Losar.
— Assim que tiver tirado a placa, o senhor poderá pôr a mão num espaço oco —
disse Aybron. — Seus dedos apalparão os contornos de um pequeno aparelho. Tire todos
os contatos que levam para dentro do meu corpo e retire o aparelho.
Sanchon ouviu Losar soltar um assobio.
— O senhor não pode viver sem esta maquinazinha — disse em tom áspero. — Para
nós ela não adiantará muito.
Aybron deu uma risada seca.
— Acham que pretendo levá-los a pôr fim à minha vida? — perguntou. — É claro
que o senhor tem razão ao dizer que preciso deste aparelho. Mas posso garantir que o
brightor nos ajudará.
— Isso talvez possa controlar e estimular a atividade de alguns dos seus órgãos —
admitiu Losar. — Mas é só.
Sanchon ficou curioso para ouvir a voz de Aybron. Nunca ouvira um homem falar
com tamanha indiferença na própria morte.
— Como técnico de armamentos o senhor deveria saber como funciona um brightor
— disse Aybron sem elevar a voz. — Não é possível construir um aparelho destes de tal
modo que também possa funcionar como bomba?
— Sem dúvida — respondeu Losar. — Acontece que não estamos em condições de
fazer isso.
— Pois meu brightor já é uma bomba — disse Aybron em tom calmo.
Depois destas palavras todos ficaram em silêncio. Sanchon só ouvia a respiração
pesada de Losar. Bem que gostaria de saber o que estava em jogo. Só sabia que nas
costas de prata de Aybron tinha sido colocada uma pequena máquina, que além de
conservar sua vida podia ser utilizada como bomba.
— Vá para o inferno com seu brightor! — gritou Losar em tom exaltado. Era a
primeira vez que este homem taciturno parecia ter perdido o autocontrole. — Não
acredito que o senhor o tenha mandado construir para preencher uma dupla finalidade.
Por que iria carregar uma bomba por aí?
— Sou um homem mortalmente enfermo — respondeu Aybron com a calma de
quem explica uma fórmula matemática. — Acabaria morrendo um dia com dores
horríveis. Me transformaria numa criatura chorosa e indefesa. Não quero que as coisas
cheguem a este ponto. Por isso mesmo o brightor explicará antes que chegue este dia.
Sanchon engoliu em seco. Que homem era este, que carregava uma bomba para um
dia fazer-se explodir?
— Quanto tempo pode viver sem o brightor? — perguntou Losar.
— Não sei — respondeu Aybron. — Talvez conseguisse chegar à Crest.
— Não! — Losar gritou. — Nunca farei uma coisa dessas, Zantos Aybron. Não
sacrificarei sua vida para que os outros alcancem a liberdade.
Uma risada irônica saiu da escuridão.
— Está com medo, meu caro técnico de armamentos?
Dirigir uma pergunta destas a Lope Losar era um absurdo tamanho que Sanchon
chegou a duvidar das faculdades mentais do astrônomo. Sanchon estreitou os lábios. Será
que a pergunta era tão absurda assim? Ou só serviu para provocar Losar?
Sanchon ouviu Losar mexer novamente na placa que Aybron trazia nas costas.
— Vou trancar a placa — disse Losar. — Ouça bem, Aybron. Vou trancá-la.
— Desta vez o senhor não vai conseguir nada com sua teimosia — asseverou
Aybron. — Se não tirar o brightor, irei até a porta e detonarei a bomba. Não acredito que
o poder explosivo da mesma seja suficiente, mas não custa tentar.
Ele seria capaz disso, pensou Sanchon, atordoado. Este maluco se mataria, somente
para abrir-lhes um caminho para fora da prisão.
— Nunca me deixei levar por ameaças — disse Losar com a voz insegura.
Zantos Aybron levantou. Sanchon teve a impressão de ver o brilho de seus olhos
grandes no meio da escuridão.
— Não mesmo? — perguntou em tom irônico.
Saiu caminhando em direção à porta. Sanchon ouviu perfeitamente os movimentos
irregulares com que Aybron se aproximava da mesma. Por causa do espartilho de prata, o
astrônomo se acostumara a um andar abrupto.
— Não faça tolices! — fungou Losar.
— Já estou perto da porta — anunciou Aybron. — Quando acionar o detonador, não
haverá mais como voltar atrás. Decida logo.
Sanchon começou a transpirar. Esperava que um dos dois cedesse. No mesmo
instante ouviu a própria voz.
— Volte, Aybron. Eu removerei o brightor.
— O senhor não pode fazer isso — constatou Aybron, — O serviço tem de ser feito
por Losar, pois do contrário o aparelho será danificado.
— Isso é um blefe! — gritou Losar.
Aybron não deu resposta. Sanchon esperava ser ofuscado a qualquer momento por
um lampejo. A respiração de Lope Losar era pesada.
— Está bem — disse. — Venha cá, Aybron.
— O senhor é um homem cheio de truques, meu caro técnico de armamentos —
disse Aybron em tom sarcástico. — Certamente pensou num meio de enganar-me.
— Quer mais alguma coisa? — perguntou Losar em tom zangado.
— O que quero é dizer-lhe que ficarei com o dedo no gatilho enquanto estiver perto
do senhor. Se quiser bancar o salva-vidas contra minha vontade, não terei a menor dúvida
em executar o movimento decisivo.
Sanchon nunca seria capaz de acreditar que um homem calado como Aybron fosse
capaz de falar tanto. Não se atreveu a fazer o menor movimento quando o astrônomo
voltou para junto de Losar. As juntas deste estalaram. Sanchon ouviu o ruído do tecido.
— Pode começar — disse Aybron em tom calmo.
Losar pôs-se a trabalhar em silêncio. Sanchon sentiu-se satisfeito porque estava
completamente escuro, pois dessa forma não via Aybron.
— Já retirei a placa — disse Losar depois de algum tempo. — Não fique nervoso
quando eu puser a mão no brightor, Aybron.
— Não se preocupe — respondeu Aybron. — Quando tirar o cabo, terá de ser muito
rápido.
Dali a pouco Sanchon ouviu o astrônomo dar um gemido. Losar pôs-se a praguejar
furiosamente.
— Já conseguiu? — perguntou Aybron com a voz desfigurada.
— Já — respondeu Losar. — Antes não tivesse feito isso.
— Pois leve o brightor para junto da porta — disse Aybron. — Ligue os dois cabos
de cima com os debaixo. Há uma pequena tecla de um dos lados do brightor. Aperte-a
para baixo. A explosão se verificará cinco segundos depois disso.
— Como é que o senhor pretendia alcançar essa tecla? — perguntou Losar.
Aybron ensaiou uma risada. Devia sentir dores terríveis.
— Um certo movimento com um dos músculos das costas e...
Lope Losar dirigiu-se à porta. Sanchon retirou-se para o canto mais afastado da sala.
O teto era muito alto, e por isso esperava que a pressão do ar não fosse muito alta.
— Não troque os cabos — advertiu Aybron. Caminhou pesadamente para junto de
Sanchon e encostou-se à parede.
Lope Losar só gastou alguns minutos na operação. No momento em que Sanchon o
ouviu sair correndo, ele começou a fazer a contagem mental.
“Um”, pensou. “Dois, três...”
***
Into Belchman, um dos assistentes médicos da clínica de bordo da Crest II, estava
deitado numa caixa metálica aberta. Redhorse percebeu imediatamente que estava morto.
O capitão se deparara subitamente com o morto, o que por pouco não o levara a soltar um
grito. A caixa em cujo interior estava Belchman encontrava-se à frente de uma máquina
gigantesca de trás da qual Redhorse acabara de sair.
O capitão ficou parado em silêncio a frente de Belchman. Por um instante esqueceu
os cabeças-de-cúpula. Não tinha a menor dúvida de que Belchman só fora levado a este
lugar depois de morto. O astronauta morrera num lugar diferente. Ninguém sabia onde.
Redhorse levantou a cabeça. Inconscientemente esperava ver por perto outro
companheiro, também morto. Seria impossível tirar Belchman da caixa para sepultá-lo.
“Fui eu que o escolhi”, pensou Redhorse, muito triste.
Mas no mesmo instante disse a si mesmo que outro homem estaria deitado ali, se
Belchman não tivesse sido escolhido para o teste de vôo. Em momentos como este a
responsabilidade de oficial sempre pesava muito em Redhorse.
Desprendeu os olhos do morto.
Don Redhorse encontrava-se a apenas alguns metros de uma grande porta, que era o
acesso principal do pavilhão. Se quisesse orientar-se, teria que sair. Em nenhum dos
edifícios que Redhorse tinha visto havia janelas. Redhorse teve a impressão de que por
algum motivo desconhecido os cabeças-de-cúpula não gostavam de entrar em contato
com a luz do sol. Talvez fossem tão sensíveis que as radiações dos três sóis eram capazes
de prejudicá-los.
Redhorse chegou são e salvo ao portão principal. Estava fechado. Redhorse não
tinha a intenção de abri-lo, pois nesse caso os inimigos certamente sairiam em sua
perseguição. Enquanto estivera parado no centro do pavilhão, a porta se abrira uma vez.
Redhorse tinha certeza quase absoluta de que isso se repetiria a intervalos regulares.
Quando isso acontecesse, teria de aproveitar a oportunidade para sair do pavilhão.
Por enquanto não tinha outra alternativa senão ficar escondido bem perto da
entrada.
***
O brightor detonou num lampejo fulgurante. A força da explosão foi tamanha que
Sanchon cambaleou. Teve a impressão de que o edifício estava desabando em cima deles.
A porta voou para o lado de fora. Uma poeira densa agitava-se na luz que penetrava pela
abertura.
Sanchon estava completamente atordoado. Tossindo fortemente, saiu caminhando
em direção à entrada. De repente a abertura criada à força escureceu. Sanchon levou
algum tempo para compreender que era a figura larga de Losar que se havia colocado à
sua frente. Os destroços da porta estavam espalhados à sua frente. Lope Losar não perdeu
tempo: passou por cima dos mesmos. Sanchon olhou para trás e viu que Zantos Aybron
se encontrava logo atrás dele. Sob a luz que entrava pela porta o rosto do astrônomo
parecia pálido como um fantasma, e a poeira parecia formar um véu à frente do mesmo.
A primeira coisa que ouviu foi o crepitar das chamas e a voz impaciente de Losar,
vinda do lado de fora.
— Saia logo, Sanchon!
Sanchon pôs a mão para trás e encontrou a de Aybron. Empurrou o astrônomo para
fora do recinto enfumaçado. Quase chegou a sentir-se grato ao notar que Aybron voltara
a cobrir com as vestes o buraco que se abrira nas suas costas. Quando saía rastejando pela
abertura, o reboco caiu lentamente sobre ele. Logo atrás algumas pedras caíram
ruidosamente ao chão. Parte dos destroços tinha caído para o lado de fora.
Lope Losar escolheu a direção em que seguiriam. A qualquer momento deveriam
chegar alguns cabeças-de-cúpula, para investigar a causa da explosão. Sanchon
acreditava que naquela altura não teriam mais compaixão por eles.
Losar conduziu-os através de fileiras de máquinas de aspecto grosseiro. As nuvens
de fumaça que saíam dos grandes recipientes chegavam até ali. Sanchon respirou aliviado
quando entraram num corredor lateral estreito que, segundo parecia, não era usado com
muita freqüência.
Aybron estava com falta de ar. Sanchon notou que a respiração do astrônomo era
ofegante. As conseqüências da perda do brightor já começavam a manifestar-se. Sanchon
perguntou-se se Aybron teria dito a verdade ao afirmar que não sabia quanto tempo
demoraria até que a falta do brightor causasse problemas mais sérios.
O corredor descreveu uma curva fechada. Dali a pouco Sanchon viu a luz do dia
que penetrava por uma porta aberta. Viu à sua frente um pátio da fortaleza. Losar
levantou o braço num gesto de advertência.
— Esperem aqui! — disse em voz baixa. — Vou dar uma olhada antes de sairmos
do corredor.
Lope Losar assumira o comando, para substituir Aybron, que se sentia debilitado
com a perda do brightor. O técnico de armamentos foi até a porta. Olhou para os lados e
saiu para o pátio. Aybron apoiou-se na parede. Sanchon olhou-o com uma expressão
triste.
— Será que ainda vai agüentar algum tempo? — perguntou.
— Naturalmente — respondeu Aybron. — Preciso adaptar-me.
A silhueta do corpo robusto de Losar voltou a desenhar-se no retângulo da porta.
Fez um sinal para os outros. Sanchon e Aybron saíram caminhando em sua direção. O
técnico sentia-se satisfeito por sair novamente para o ar livre.
Lope Losar esperou-os junto à porta.
— Encontramo-nos do outro lado do edifício — disse. — Ali fica a muralha externa
da fortaleza. É muito alta para passarmos por cima dela. Temos de voltar ao lugar em que
fomos trazidos para dentro da fortaleza.
Sanchon acenou com a cabeça e olhou em torno. Pôde acompanhar a muralha até
chegar a uma torre. O pátio era em forma de T. Os três homens encontravam-se na parte
inferior do mesmo.
— Vamos tentar rastejar por dentro das sebes que crescem entre a muralha externa
deste edifício — disse Losar, apontando em direção oposta à da torre. — Dessa forma
deveremos atingir o caminho pelo qual nos aproximamos do edifício.
Sanchon lançou um olhar desconfiado para as sebes. Eram tão densas que não se via
o outro lado. As raízes retorcidas estavam entrelaçadas. Parecia que Losar estava lendo os
pensamentos de Sanchon no rosto do mesmo.
— Temos de encontrar um lugar em que a sebe não é tão densa — disse em defesa
de seu plano. — Nas proximidades da torre não teríamos a menor chance de passar, e
ninguém vai querer voltar ao edifício enquanto estivermos desarmados.
— O senhor tem toda razão, meu caro técnico de armamentos — disse Aybron. —
Não existe outro caminho.
Quando atingiram as sebes, Sanchon constatou que os galhos estavam cheios de
espinhos. Seguiu Losar, que caminhou abaixado junto aos arbustos, à procura de um
lugar por onde pudessem passar. Finalmente o técnico de armamentos parou.
— É aqui — limitou-se a dizer.
Sanchon olhou para trás para ver se enxergava Aybron, mas o astrônomo tinha
desaparecido. Losar notou no mesmo instante.
— Aybron desapareceu! — gritou em tom nervoso. — O que será?
— Os cabeças-de-cúpula — conjeturou Sanchon.
Losar sacudiu a cabeça com uma expressão contrariada.
— Não; eles teriam atacado os três. Este sujeito tramou um plano maluco e voltou
para dentro do edifício.
Sanchon mordeu o lábio. Sentia-se satisfeito porque as decisões estavam a cargo de
Lope Losar.
— Vamos atrás dele? — perguntou.
Pela primeira vez parecia que Losar não sabia o que fazer. Seus olhos
desapareceram sob as espessas sobrancelhas.
— Não — disse depois de algum tempo. — Não vamos atrás dele.
Penetrou nas sebes com os braços estendidos para a frente. Sanchon seguiu-o com a
cabeça entre os ombros. Quando tinham percorrido alguns metros, Sanchon já estava todo
picado. Losar atravessava a vegetação densa como um tanque. Os galhos estalavam sob o
peso de seu corpo. Sanchon protegeu o rosto com os braços. Lope Losar deitou no chão,
para rastejar entre as raízes. O trançado dos galhos era cada vez mais denso. Sanchon
começou a praguejar contra a idéia de Losar. Tinham arriscado o avanço para a muralha
natural, sem conhecer a espessura da sebe. Os espinhos atravessavam com a maior
facilidade os uniformes dos dois.
Losar permaneceu em silêncio. Fez passar obstinadamente os ombros entre as
raízes. Seu uniforme estava esfarrapado. Sanchon sabia que seu aspecto não era muito
melhor, embora tivesse a vantagem de poder usar a trilha aberta por Losar.
Finalmente Losar atravessou toda a sebe. Ajudou Sanchon a levantar, assim que o
técnico saiu atrás dele.
Sanchon contemplou o técnico de armamentos e sorriu. Losar passou a mão pelo
rosto.
— Estamos lindos — disse. — A Frota Solar pode orgulhar-se de nós.
Losar parecia ter perdido todo senso de humor. Cobriu os olhos com uma das mãos,
a fim de protegê-los contra a claridade dos três sóis.
— Ali passam os tubos entre os quais entramos no edifício — disse. — Pelo menos
já sabemos onde estamos. Espero que nenhum cabeça-de-cúpula cruze nosso caminho
antes de chegarmos à saída.
Sanchon fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Quer sair de Llalag? — perguntou em tom de incredulidade.
— Naturalmente — disse Losar. Tirou alguns espinhos da coxa e atirou-os para
longe com os dedos.
— Mas... — principiou Sanchon. Engoliu em seco e acrescentou: — O que será de
Redhorse e Aybron?
O técnico de armamentos abriu os dedos. O olhar que lançou para Sanchon poderia
ser tudo, menos amável.
— Não temos armas — disse em tom paciente. — O que podemos fazer? Entrar ali
à força dos nossos punhos e sair gritando à procura do capitão?
Sanchon não se lembrava de que alguma vez já tivesse estado tão cansado como
naquele momento. Sabia que Losar tinha razão. Não poderiam fazer nada por Redhorse e
Aybron. Por enquanto nem sequer tinham certeza de que conseguiriam fugir da fortaleza.
O técnico fechou os olhos. Quando voltou a abri-los viu uma coisa que só poderia ser um
sonho.
Uma figura saiu rastejando entre os tubos junto aos quais tinham penetrado no
edifício. Sanchon abriu a boca, mas não conseguiu dizer uma palavra. Viu Zantos Aybron
fazer um grande esforço para pôr-se de pé junto às tubulações. Duas armas dos cabeças-
de-cúpula estavam penduradas sobre seus ombros aleijados.
Sanchon levantou o braço e apontou na direção de Aybron. Losar virou a cabeça.
— Zantos Aybron! — gritou.
Nesse momento Oleg Sanchon compreendeu que não estava sonhando.
***
A grande porta abriu-se. Dois carros elétricos, dirigidos por cabeças-de-cúpula,
entraram no pavilhão. Don Redhorse acompanhou atentamente os movimentos dos
corpos portadores. Entesou os músculos, para saltar no momento adequado.
Os carros desapareceram entre as máquinas. A porta voltou a fechar-se quase no
mesmo instante. Redhorse saltou para fora do esconderijo e saiu correndo em direção à
saída. Era uma competição com os rolos que movimentavam a porta. Quando se
encontrava a alguns metros do destino, teve medo de que poderia ser lento demais. A
abertura diminuiu com uma rapidez apavorante.
Finalmente Redhorse atingiu a porta. Deu mais um salto e atravessou a fresta que
ainda estava aberta. A porta que se ia fechando atingiu seu ombro com tamanha violência
que quase o atirou ao chão. Atrás dele os engates se fecharam ruidosamente. Redhorse
recuperou o equilíbrio e apressou-se em entrar na sombra da parede externa, para não ser
descoberto pelos cabeças-de-cúpula que pudessem estar por perto. Mas o pátio parecia
abandonado.
Redhorse saiu caminhando junto à parede. Não podia assumir mais nenhum risco.
Encontrara o cadáver de Belchman, e por isso não acreditava que os outros ainda
estivessem vivos. Redhorse estava decidido a sair da fortaleza e chegar à Crest. Dali
poderia voltar com um comando devidamente equipado para inutilizar os lança-foguetes
dos cabeças-de-cúpula. Sabia perfeitamente que alguns obstáculos insuperáveis se
opunham à realização de seu plano. Era bastante duvidoso que conseguisse chegar à
Crest.
Redhorse atingiu a extremidade do edifício. Viu a parte do pátio que já tinha visto
do outro lado. A sua direita havia uma escada que levava aos recintos subterrâneos. A
alguns metros de distância uma muralha baixa limitava o pátio dos fundos do edifício que
Redhorse acabara de sair.
Quando se encontrava entre a escada e a muralha, Redhorse voltou a ouvir o
zumbido fraco de um carro elétrico. Saiu correndo e suas mãos agarraram o topo da
muralha. Subiu num salto. Nesse momento os primeiros projéteis explosivos atingiram o
muro bem a seu lado. Fora descoberto. Redhorse não perdeu tempo. Sem escolher um
lugar do lado oposto, desceu do muro. Mal seus pés tocaram o chão, saiu correndo em
direção a um edifício baixo. Atrás dele os projéteis atingiam as pedras. No momento não
havia nenhum perigo. Redhorse teve o cuidado de conservar-se numa posição tal que a
muralha se interpunha entre ele e o atirador invisível. Contornou o edifício e viu à sua
frente o caminho que levava ao edifício que Belchman acreditara erradamente ser o
centro de comando.
Redhorse não tinha muita vontade de deixar-se levar novamente para esta área. Mas
de repente aconteceu uma coisa que modificou completamente seus planos.
Três figuras esfarrapadas apareceram entre os tubos que se viam no fim do
caminho. Para Redhorse eram o quadro mais lindo que poderia descortinar-se à sua
frente.
Lope Losar, o robusto técnico de armamentos, segurava duas armas estranhas.
Aybron dava a impressão de que iria cair a qualquer momento. Sanchon mantinha-se nas
proximidades do astrônomo, para poder apoiá-lo caso isso se tornasse necessário.
Redhorse foi saindo bem devagar de trás do edifício.
Enquanto os primeiros tiros de seus perseguidores atingiam o chão atrás dele, saiu
correndo em ziguezague na direção em que estavam os três homens.
6
Rhodan teve cada vez mais dificuldade em olhar para o relógio. A cada segundo as
chances de que o Capitão Don Redhorse e seus homens pudessem voltar tornavam-se
mais reduzidas. Isso o obrigava a tomar uma decisão difícil. Dependia exclusivamente
dele que outro teste de vôo fosse realizado ou não.
Já se sabia que nas elevações existentes ao norte havia posições de lança-foguetes
capazes de atingir qualquer ponto situado no vale. Dessa forma a saída de outros
astronautas representaria um grande risco.
Icho Tolot oferecera-se a fazer uma marcha forçada até o topo da montanha, mas
Rhodan tinha suas dúvidas se devia permitir que o halutense fosse. Não sabia quem era o
inimigo que estava à sua espreita por lá. E sem Tolot a situação dos micro-humanos se
tornaria ainda pior. Rhodan sabia perfeitamente que a simples presença de Tolot
contribuía para evitar o pânico entre a tripulação.
Já fazia quatorze horas que o avião que realizara o teste de vôo tinha partido. O
Oldtimer tinha se espatifado em algum lugar, do outro lado das montanhas. Restava saber
se os cinco ocupantes do mesmo tinham conseguido saltar de pára-quedas. Era possível
que os voluntários tivessem sido mortos ao se aproximarem da superfície, pendurados
nos pára-quedas. Mas era perfeitamente possível que naquele momento fossem
prisioneiros de seres desconhecidos. Rhodan quase não tinha nenhuma esperança de que
Redhorse conseguisse voltar à Crest II com seus próprios recursos.
Deu ordem para que as montanhas fossem vasculhadas ininterruptamente com
aparelhos de alta precisão, mas não havia o menor sinal de que os cinco astronautas
estivessem voltando.
O vale transformara-se numa armadilha para a nave-capitânia do Império Solar.
Qualquer passo que dessem para além do ângulo morto era observado por seres
desconhecidos. Além disso era de esperar que os senhores das montanhas acabariam por
descer ao vale a fim de atacar a Crest II.
A inatividade a que estavam condenados era uma carga pesada, não somente para
Rhodan. A calma reinava no interior da nave, mas Rhodan sentiu a tensão que estava
tomando conta da tripulação. Mais alguns homens sofreram distúrbios nervosos e tiveram
de ser levados à enfermaria. Rhodan sabia que estava forçando a paciência dos tripulantes
ao máximo. Conscientes de sua terrível pequenez, os homens achavam que já estava na
hora de agir, para modificar o destino a seu favor.
— São quatorze horas, bárbaro! — disse a voz de Atlan em meio aos pensamentos
de Rhodan. — Não podemos esperar para sempre. Em sua maioria os homens prefeririam
estar mortos a ter de viver neste estado.
— Vamos esperar mais uma hora — disse Rhodan em tom calmo. — Depois darei
ordem para dar início aos preparativos da saída de mais um Oldtimer.
— Isto significa que o novo grupo demoraria pelo menos cinco horas para partir —
constatou Mory Rhodan-Abro. — De qualquer maneira, os homens já terão alguma coisa
para preencher o tempo.
— Estamos com muito azar, senhor — observou o Coronel Cart Rudo. — Se as
capacidades paranormais dos dois ratos-castores não tivessem sido praticamente
eliminadas em virtude do processo de redução, dificilmente teríamos motivos para
preocupar-nos com os desconhecidos que derrubaram um Oldtimer.
— Uma desgraça quase nunca vem só — recitou Rhodan.
— Já pensou quem deverá pilotar o outro Oldtimer, senhor? — perguntou o Capitão
Sven Henderson, que era um dos melhores amigos de Redhorse.
— Naturalmente — respondeu Rhodan.
— Espero que não me tenha esquecido — disse o capitão.
— Perfeitamente — respondeu Rhodan. — O senhor irá comigo.
7
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