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O tempo numa perspectiva linguística: anterioridade, simultaneidade, posterioridade.

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Escrito por Vera Ferreira


16-Oct-2006
O tempo numa perspectiva linguística: anterioridade, simultaneidade, posterioridade.

Aspectos do português falado

O tempo é uma categoria abstracta, porém universal, cuja conceptualização está intimamente
relacionada com os padrões sócio-culturais e económicos das sociedades do mundo. Na sociedade
ocidental, o tempo, riqueza a que se aspira a um nível pessoal e colectivo, comparável ao ouro
negro que determina comportamentos e atitudes políticas e económicas a um nível mais geral, é
interpretado como um objecto que, ficticiamente, se pode e deve controlar, manipular e preservar.
Várias são as metáforas que utilizamos no quotidiano para descrever não só a nossa relação com o
tempo como também a forma como intuitivamente o conceptualizamos: “dar tempo ao tempo”,
“ganhar/perder tempo”, “passar o tempo”, “fazer tempo”, “tempo é dinheiro”. Estas metáforas e a
sua ubiquidade revelam e ao mesmo tempo comprovam a importância que a categoria tempo tem
na vida do ser humano. Essa importância manifesta-se, consequentemente, a nível linguístico.
Todas as línguas do mundo até agora analisadas apresentam mecanismos linguísticos de
organização dos acontecimentos no eixo temporal, de acordo com a forma como o tempo é
percepcionado na comunidade em causa.

Numa perspectiva inteiramente linguística, tempo é uma categoria gramatical ou, tendo em conta as
línguas românicas, uma categoria verbal, que caracteriza e localiza, numa linha temporal, a relação
entre o momento de fala e os acontecimentos nele relatados. De acordo com Celso Cunha e Lindley
Cintra tempo “é a variação que indica o momento em que se dá o facto expresso pelo verbo” (1999:
379). Essa organização temporal dos acontecimentos, tendo como ponto de referência o momento
da enunciação, ocorre em três domínios distintos:

1. Passado
2. Presente
3. Futuro
É neste sentido que se pode falar de uma relação de anterioridade, simultaneidade ou posterioridade
relativamente ao momento de fala ou ao momento dos acontecimentos enunciados. As línguas que
marcam distintamente estes três domínios conceptuais no seu sistema verbal, como é o caso do
português, diz-se possuírem um sistema verbal tripartido.

Antes de passar concretamente ao sistema verbal do português (falado), é necessário realçar dois
aspectos teóricos importantes: o conceito de temporalidade e a abordagem coseriana do sistema
verbal românico.

Enquanto que tempo é uma categoria verbal, com características morfológicas específicas,
temporalidade diz respeito a todos os mecanismos de que uma língua se serve, para além dos
verbais, para estabelecer a organização e localização temporal dos acontecimentos, como por
exemplo advérbios (hoje, amanhã, ontem), substantivos integrados em grupos preposicionais que
funcionam como advérbios (hora, dia, semana, mês, século), adjectivos (antigo, novo, actual,
moderno), etc..

Na obra Das romanische Verbalsystem (1976) Eugenio Coseriu aborda directamente a questão da
organização dos factos enunciados no eixo temporal, distinguindo dois níveis:

1. o nível actual (“die aktuelle Zeitebene”) que corresponde à linha temporal real, ou seja, o
falante relata os acontecimentos tendo em conta o ponto temporal actual em que se
encontra. Desta forma, um acontecimento pode ser presente (está a acontecer no momento
da enunciação), passado (ocorreu antes do momento da enunciação) ou futuro (irá ocorrer
depois do momento de enunciação). Os tempos verbais característicos do nível actual são o
presente do indicativo, o pretérito perfeito simples e o futuro sintético. Este é, de acordo
com Coseriu, o nível da perspectiva primária – a posição do falante em relação à acção
verbal.
2. o nível não-actual (“die inaktuelle Zeitebene”) diz respeito a todos os factos e acções que
estão fora da linha temporal actual dos acontecimentos, ou seja, as acções que funcionam
como background do acontecimento central e que, por isso, estão fora da actualidade do
falante. Os tempos verbais característicos do nível não-actual são o pretérito imperfeito
(apresenta um acontecimento como anterior em relação ao acontecimento do momento de
enunciação – anterioridade) e o condicional (apresenta um acontecimento como posterior
em relação ao acontecimento do momento de enunciação – posterioridade). Este é o nível
da perspectiva secundária que permite a criação de espaços temporais posteriores ou
anteriores dentro do nível actual; trata-se, no fundo, do desdobramento da perspectiva
primária.

O português apresenta um sistema verbal bastante complexo, constituído por três modos
(indicativo, conjuntivo e imperativo) subdivididos em vários tempos, simples e compostos, cada
um deles com significados centrais (prototípicos) e significados periféricos.:

1. modo indicativo: presente (lavo), pretérito imperfeito (lavava), pretérito perfeito simples
(lavei), pretérito perfeito composto (tenho lavado), pretérito mais-que-perfeito simples
(lavara), pretérito mais-que-perfeito composto (tinha lavado), futuro simples (lavarei),
futuro composto (terei lavado), condicional simples (lavaria), condicional composto (teria
lavado)
2. modo conjuntivo: presente (lave), pretérito imperfeito (lavasse), pretérito perfeito composto
(tenha lavado), pretérito mais-que-perfeito composto (tivesse lavado), futuro simples
(lavar), futuro composto (tiver lavado)
3. modo imperativo: presente (lava)
Para Coseriu, o português é a língua românica que, na sua concretização, melhor exemplifica o
modelo por ele apresentado para o sistema verbal românico. Contudo, segundo o estudo elaborado
por Tlaskal (1984: “Observações sobre tempos e modos em português”), corroborado pelo trabalho
de Sabine Eckhoff em 1983 (Die Ausdrücksmöglichkeiten des Futurs in der brasilianischen
Gegenwartssprache anhand von Film- und Bühnentexten), os significados centrais e periféricos dos
tempos verbais do português sofreram (e estão a sofrer) alterações no português falado. É neste
sentido que se assiste a uma simplificação do sistema temporal (no indicativo), sendo o mesmo
reduzido a apenas três tempos verbais, afastando-se na prática do modelo defendido por Coseriu:

• presente (falo), usado para expressar não só o presente mas também o futuro (como
substituição do futuro sintético) e até mesmo o passado;
• pretérito imperfeito (falava) que, além de ser usado como imperfeito, substitui também o
condicional;
• pretérito perfeito (falei), usado não só como perfeito mas também como substituição do
pretérito mais-que-perfeito.

[Tlaskal, Jaromír Jr. (1984). “Observações sobre tempos e modos em português”, p. 254]

Esta redução, impulsionada pela já elevada frequência dos tempos em causa no português, vai ao
encontro dos princípios de simplificação e economia de esforço linguístico e implica um
alargamento das funcionalidades dos três tempos verbais, que se tornam mais abrangentes nos
contextos de utilização e, consequentemente, menos específicos.

Concentremo-nos agora na questão da futuridade, mais concretamente no emprego dos dois futuros
(sintético e analítico), no português.

A futuridade em português (conceito que abrange todos os mecanismos linguísticos de que uma
língua se serve para exprimir uma situação futura, isto é, uma situação posterior ao momento de
enunciação) é expressa de diversas formas. Ao nível dos tempos verbais é usado o futuro simples,
nas formas sintética (farei) e analítica (ir + infinitivo: vou fazer), o futuro composto (terei feito) e o
presente (faço) como formas de expressão de futuridade. Existem, no entanto, outros mecanismos
também eles frequentes como marcas de futuridade, como por exemplo as construções perifrásticas
do tipo haver de + infinitivo ou ter de/que + infinitivo e os advérbios de tempo (amanhã, depois)
acompanhados por verbos no presente do indicativo.

No português falado, como comprova o estudo de Sabine Eckhoff, é usado com grande frequência
o presente como forma de expressão de futuro, auxiliado na maioria das vezes por elementos quer
contextuais quer lexicais (Amanhã leio o livro). O presente com a “função” de futuro é também
usado em situações nas quais a ocorrência dos factos futuros é certa e o falante não tem dúvidas da
sua realização. Diz-se Faço anos em Agosto e não Farei anos em Agosto ou Vou fazer anos em
Agosto.

No que se refere às formas sintética e analítica do futuro, Sabine Eckhoff, assim como Friedrich
Irmen (1993: "A temporalidade dos tempos verbais em português: o futuro”), comprovam que no
português falado as formas analíticas (... eu muitas vezes penso: isso vai custar...; ... vou dar uma
volta...vou almoçar e depois torno a vir...) são muito mais frequentes que as sintéticas (... e, e ele
viverá a sua vida, quer dizer isso custará muito até pela educação que as pessoas tiveram...)
[exemplos retirados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo].

É importante referir ainda que as formas sintética e analítica não são 100% substituíveis e
equiparáveis, isto porque a elas está associada uma diferença epistemológica e semântico-
pragmática. Enquanto que a forma analítica exprime uma maior certeza em relação à realização dos
factos enunciados, a forma sintética evidencia um grau de incerteza mais elevado, associado,
consequentemente, a uma maior suposição. Esta diferença aponta para um outro aspecto
relacionado directamente com as formas de expressão do futuro – a questão da modalidade, ou seja
a atitude e opinião do falante perante determinado acontecimento, mais concretamente a forma
como essa atitude e opinião é gramaticalizada. Em relação ao futuro, Mira Mateus et al. (2003:
Gramática da Língua Portuguesa) afirma:

“O Futuro Simples raramente expressa tempo posterior ao tempo da enunciação. De


facto, é tendencialmente, mais próximo de um modo do que de um tempo. Em
português europeu a posterioridade é fundamentalmente dada pelo Presente do
Indicativo com o contributo de adverbiais de tempo de projecção futura ou então
pela construção ir + infinitivo.” (p. 158)

As construções perifrásticas do tipo haver de + infinitivo (raramente usada no português do Brasil)


e ter de/que + infinitivo tão frequentes no português falado, além de localizarem temporalmente um
acontecimento no futuro, estão intimamente associadas a um carácter modal, por exemplo de
obrigação. Enquanto que ter de/que + infinitivo evidencia uma obrigação imposta pelo exterior (...
tenho que me enervar...; tens de contar), em haver de + infinitivo a obrigação é imposta
interiormente, pelo próprio indivíduo (... eles não sabem o que nos hão-de chamar...) [exemplos
retirados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo].

Neste momento, resta-nos apenas “dar tempo ao tempo” para que as evoluções contínuas no
sistema temporal português se tornem visíveis e perceptíveis aos olhos do linguista interessado e
atento.

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