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Câmeras de vigilância e um novo regime de visualidades

Paulo Souza

Resumo

O presente estudo se propõe a investigar a câmera de vigilância como dispositivo


fotográfico. Buscamos lançar olhar sobre uma nova forma de experimentar a relação com
a imagem, mediada pelas particularidades que a cinematografia de vigilância oferece.
Estilo visual e rupturas narrativas serão discutidos a partir da presença desse dispositivo
fotográfico. Analisaremos a presença dos dispositivos em duas obras onde a vigilância
surge de forma bastante distinta, Caché e Atividade Paranormal 2.

Pós-cinema e vigilância

Diante de um mundo disperso e com multiplicidade de informações e estímulos


sensoriais abundantes, o cinema vem, enquanto produto midiático, enfrentando um de
seus maiores desafios. Como convocar os espectadores à experiência da sala escura, a
antítese da multiplicidade de telas e da dispersão sensorial? A discussão gramatical do
cinema contemporâneo tem como um de seus conceitos centrais a ideia de pós-cinema,
um multifacetado debate teórico que busca compreender a presença do cinema nessa
sociedade pós-moderna, marcada para globalização econômica, política e social, pelo
consumo como expressão individual, onipresença das mídias digitais, pluralidade
cultural, polarizações sociais, entre outras destacadas características. De que forma a
transformação social impactou os filmes dessa nova geração? Que estratégias formais
estão impressas nos filmes? Acreditamos que a da indústria não se restringe ao aparato
tecnológico da sala de cinema, mas que a sua preocupação em atrair adesão do público
está impressa na forma como os filmes são realizados, mudam também diversos
procedimentos de estilo, dentre os quais, o que centraliza a análise do presente texto, uma
predileção pela exploração do sensorial.
O cinema é um espaço antinatural na pós-modernidade, pois propõe uma
experiência de que demanda exclusividade da atenção do espectador (pelo menos o
dispositivo é dessa forma construído) e se baseou historicamente, sobretudo, na
construção de sentido das narrativas. Entretanto, em uma sociedade cujas narrativas são
fragmentadas e dispersas o cinema precisa se adaptar ao aparato sensorial desse novo
espectador, o que motiva o uso de estratégias de manipulação (ou intensificação) das
relações de tempo/espaço tornando as narrativas, pelo menos, mais atrativas que a própria
fruição corriqueira de suas vidas. Esses espaços de culto, como a igreja, shows, e o próprio
cinema, passam a fazer uso de estratégias de espetacularização, seja no dispositivo, com
recursos imersivos de tecnologia, seja na linguagem, com alterações nos elementos
formais das obras. A esse último aspecto dedicaremos o aprofundamento de nossa análise.
A ascensão dos meios digitais promoveu uma notável incorporação de aparatos
tecnológicos a estrutura diegética: webcams, capturas de tela, celulares, câmeras de
vigilância, entre outros dispositivos, passaram a ser reconhecidos e utilizados como
dispositivos fotográficos. Os estatutos da invisibilidade e ubiquidade da câmera de
cinema foram reformados a partir dessa nova experiência de fotografar, mediada por
dispositivos internos à diegese, através de uma presença em cena que impõe restrições e
soma novas possibilidades ao fazer fotográfico.
O presente estudo se propõe a investigar a incorporação da câmera de vigilância
como dispositivo fotográfico. Embora seja natural falar de seus usos e implicações,
buscamos aqui, sobretudo, lançar olhar sobre uma nova forma de experimentar a relação
com a imagem, mediada pelas particularidades que a cinematografia oriunda de tais
aparelhos oferece. Analisaremos a presença dos dispositivos em duas obras onde a
vigilância surge de forma bastante distinta, Caché (Michael Haneke, 2005) e Atividade
Paranormal 2 (Tod Williams, 2010).
A cinematografia de vigilância nos oferece uma imagem predominantemente
estática e de temporalidade contínua, ou seja, o dispositivo, por si só, subverte a lógica
de dois pilares cinematográficos clássicos: tempo e movimento. Analisando a
temporalidade da imagem de vigilância, muitas vezes somos postos frente a uma imagem
estática por vários segundos ou minutos, o contato visual com cada elemento do frame se
torna claramente mais extenso que o usual, estamos praticamente diante de uma fotografia
viva. Já em relação ao espaço, a encenação precisa ser minuciosamente planejada, pois é
naquele espaço fixo, que será reiteradamente exibido e conhecido pelo espectador, que as
ações da narrativa devem se desenvolvem. O enquadramento precisa ser suficientemente
verossímil, tem de haver um sentido de posicionar uma câmera em tal local e, ao mesmo
tempo, precisa viabilizar a construção da encenação da obra.
Diante de uma imagem de vigilância, resta ao espectador percorrer a tela em busca
de um acontecimento, uma relação mediada pela natureza do dispositivo, que antecipa a
impressão que, se há uma câmera de vigilância e se ela está ali exposta, algo pode ocorrer.
Incerto saber se algo acontecerá em 5 segundos ou após 5 minutos, ou mesmo se algo
acontecerá. A ansiedade pelo evento extraordinário, a surpresa e mesmo o tédio e
frustração do não acontecimento, são sentimentos amplamente exploráveis em tal tipo de
situação. Como aponta Leyda (2016, p. 844) as imagens capturadas por uma câmera de
segurança fixa nos obrigam a escanear o quadro continuamente pois, diante da
impossibilidade de intervenção, a câmera não selecionará as ações ou detalhes em que o
espectador deve focar sua atenção, não é possível cortar para um plano detalhe ou um
close-up. Essa breve proposição ativa uma contemporânea discussão sobre abalos aos
estatutos da montagem narrativa, não é mais o montador que guia o encadeamento das
ações através de seus cortes, cabe ao próprio espectador traçar o trajeto de seu olhar,
guiado a partir de pequenas pistas sonoras ou visuais, ou mesmo movido pela própria
impressão de algum acontecimento, muitas vezes decorrente da mera expectativa
promovida pelo dispositivo.
Grégoire Chamayou (2015), discute perspectivas de vigilância introduzidas a
partir da utilização dos drones como instrumentos de controle social, focando, sobretudo,
no seu uso militar, em verdadeiras guerras por controle remoto. Em sua pesquisa o autor
propõe alguns princípios que caracterizam tal dispositivo, dentre os quais gostaríamos de
destacar o “princípio de detecção das anomalias e de antecipação preventiva”, como um
paralelo ao regime que verificamos nas câmeras de vigilância.

As imagens são escaneadas para identificar, no meio de todas as atividades, os


acontecimentos pertinentes para o olhar seguro. Estes chamam a atenção por
sua anomia, por sua irregularidade. Qualquer comportamento que altere a
trama das atividades habituais assinala uma ameaça. (CHAMAYOU, 2015, p.
43).

O escaneamento feito pelos militares, com propósito de identificar alvos e


ameaças, é muito próximo ao escaneamento realizado pelo espectador em busca de algum
evento em tela. Até mesmo as condições se repetem, a ficção cinematográfica, como de
costume, funciona como um simulacro de emoções reais, tais como a incerteza da ameaça,
o medo da ocorrência de alguma excepcionalidade e mesmo a confusão diante da baixa
legibilidade dos sons e imagens. Condições de estresse que afetam o ser humano
sensorialmente, ativando uma experiência muito particular na fruição do filme.
A natureza pouco usual da câmera de vigilância também repercute nas soluções
de montagem, pois as regras da continuidade clássica dificilmente serão aproveitadas
nessa situação, não é possível, por exemplo, utilizar algum raccord para suavizar a
transição entre dois planos, tampouco é possível cortar para planos detalhe para intercalar
a sequência das ações. Normalmente observamos filmes muito crus, que mais se
aproximam de uma edição de televisão ao vivo, onde o diretor apenas vai trocando a
câmera a ser exibida em tela. O conceito de pós-continuidade, cunhado por Shaviro
(2016, p. 57), descreve que, nos filmes contemporâneos, ao contrário do cinema clássico,
as regras de continuidade passam a ser utilizadas de forma ocasional e oportuna, mais que
estrutural e universalmente.
Entendemos que o dispositivo vigilante se alia a outros procedimentos do cinema
contemporâneo na busca por um efeito estético eminentemente sensorial, uma relação
que passa a promover um novo regime de visualidades, calcado não apenas no sentido
narrativo, mas na ativação da materialidade de uma “presença” (GUMBRECHT, 2010),
da ativação do aparato de sentidos do espectador, por meio da criação de “atmosferas e
ambiências” (GUMBRECHT, 2014) associadas ao estado de submissão aos atos de vigiar
e ser vigiado. O desconforto da imagem estática, a omissão de informações e a submissão
a um tempo de duração incerta são apenas alguns dos principais gatilhos que transformam
a câmera de vigilância em um instrumento estilístico com muitos vieses a serem
explorados.
Desse modo, reconhecendo a necessidade de abarcar a dimensão sensorial que se
estabelece no cinema contemporâneo, surge como interesse da presente discussão o nome
do teórico literário alemão Hans Ulrich Gumbrecht. O autor defende que a experiência
estética ocorre em uma oscilação entre efeitos de sentido e de presença. A produção de
sentido é nossa relação interpretativa com o mundo, enquanto que a presença remete à
ligação sensível, corporal, perceptiva com os objetos. Ainda que carregada de
subjetividades, a pista teórica lançada por Gumbrecht nos parece potencialmente
promissora para análise do cinema.
O cinema viveu um longo período governado sob o império do sentido, carregado
de ênfases narrativas. Por muito tempo o “final da história” era o momento mais
aguardado pelo público, o desfecho do roteiro coroava ou diminuía experiência de fruição
da obra. O movimento de exploração do aparato sensorial, presente em muitos das obras
contemporâneas, parece apontar para uma reconciliação com o corpo, uma experiência
que remete a um ser que é maior que a consciência inteligente, que não apenas pensa o
filme, mas que existe e sente. O apontamento teórico de Gumbrecht (2010), que contrapõe
a modernidade, como o período de exaltação do pensamento científico e da racionalidade,
com a contemporaneidade, como um período onde é preciso reconhecer a materialidade
dos objetos comunicacionais, reaproximando o homem da natureza, nos remete a um
possível paralelo com a trajetória do próprio cinema que, apesar de ter trilhado sua história
em um período de pouco mais de um século, parece iniciar esse movimento de não mais
se limitar a uma experiência calcada quase que exclusivamente no sentido.
Gumbrecht (2010) defende que a experiência estética ocorre numa oscilação entre
efeitos de presença e de sentido. O efeito de presença trata daquilo que é “tangível por
mãos humanas – o que implica, inversamente, que pode ter impacto imediato em corpos
humanos” (GUMBRECHT, 2010, p. 13). O filósofo literário alemão (idem) propõe,
então, o conceito de produção de presença, apontando que os estudos comunicacionais
tradicionalmente se vinculam ao estudo hermenêutico, colocando em segundo plano a
experiência material e a relação dos homens com as coisas do mundo. Sua tese é que esses
objetos artísticos têm impactos sobre nossos corpos e que esses efeitos de “presença”
devem ser considerados. Desse modo, o conceito de produção de presença se aplica “para
todos os tipos de eventos e processos nos quais se inicia ou se intensifica o impacto dos
objetos ‘presentes’ sobre corpos humanos” (GUMBRECHT, 2010, p. 13).
Para nós, o sentido é incapaz de totalizar a dimensão dos efeitos propostos pelo
cinema, sobretudo após as intensificações que observamos na linguagem contemporânea,
naturalmente carregados de marcas de presença. Interessante perceber que os efeitos de
presença e da experiência em sentido amplo, observados a partir da ótica do cinema, além
de explorarem a materialidade do dispositivo para construir um espetáculo, partem
também de uma linguagem imaterial, a gramática do próprio cinema, para atingir uma
materialidade de efeitos. Dessa forma surgem rupturas na montagem clássica, supressões
de elementos visuais ou sonoros, câmeras que replicam experiências de confusão ou ação,
intensificação de estratégias de realismo e verossimilhança, entre outras modulações no
estilo dos filmes, que apontam para uma reconfiguração de estratégias formais, um
cinema que elogia e busca continuamente alcançar o aparato sensorial, um cinema dos
sentidos.
Para pontuar algumas de nossas reflexões buscamos analisar a vigilância como
uma condição social imposta aos personagens e que afeta cognitivamente o público. Em
seguida propomos uma segunda discussão, onde priorizados a vigilância na ficção como
uma marca de estilo, que busca aproximar a experiência ficcional daquela que
eventualmente poderíamos vivenciar em nossas vidas, em uma dupla camada de ativação
das percepções, onde não basta apenas a ideia de estar sendo vigiado, é preciso
demonstrar como essa imagem vigilante se parece para afetar sensorialmente o
espectador.

Caché, a vigilância como condição

Caché é o resultado de uma coprodução Alemanha/Áustria/Itália e França sob a


direção de Michael Haneke. O filme apresenta uma trama protagonizada pelo casal
Georges Laurent (Daniel Auteuil) e Anne Laurent (Juliette Binoche) que, sem qualquer
explicação aparente, começa a receber misteriosos pacotes com fitas de vídeo. As
imagens apresentam longos planos estáticos da fachada de sua casa, sem qualquer evento
aparentemente significativo acontecer. Vemos uma residência vigiada, mas há aqui duas
subversões claras ao que se consolidou como estilo de câmeras de vigilância, não há
qualquer textura ou indicação em tela que diferencie a imagem vigilante diegética das
imagens do próprio filme que assistimos, tampouco a espera do espectador é cessada pelo
acontecimento de algo narrativamente significativo, as imagens apenas estão lá. O efeito
é explorado pela condição do dispositivo, não pela estilização da imagem, pois não há na
obra uma preocupação em replicar as imagens de câmeras de vigilância, mas o estatuto
da vigilância.

Imagem 1 – Plano de abertura de Caché mostra a residência sob vigília.

A estratégia de Caché é interessante por deixar clara a tensão sobre a condição de


estar sendo vigiado, algo que narrativamente convoca o espectador a cognitivamente
experimentar as implicações desse estado. O filme, no entanto, recusa o uso de artifícios
de estilo para diferenciar as imagens da câmera vigilante, internas a diegese, das imagens
do filme em si, colocando em xeque a própria imagem em tela. Dessa forma, o filme
propõe reflexões sobre a credibilidade da imagem e desnorteia o espectador, que sequer
é capaz de afirmar se o que vê em tela são as filmagens assistidas pelos personagens do
filme ou o próprio filme.
Os fundamentos do panoptismo, propostos por Bentham (2008, p. 20), apontam
para um fundamental efeito da vigilância, a incerteza imposta ao vigiado de se estar sob
observação. Diante da impossibilidade real de viabilizar uma situação de vigilância em
tempo integral, é a incerteza que mantém os vigiados sob os efeitos de sua condição,
mesmo quando não há qualquer olhar lançado sobre eles, ao ponto ideal de, em dado
momento, eles sequer serem capazes de imaginar o contrário.

"(...) quanto maior for a probabilidade de que uma determinada pessoa, em


determinado momento, esteja realmente sob inspeção, mais forte será a
persuasão - mais intenso, se assim posso dizer, o sentimento que ele tem de
estar sendo inspecionado" (BENTHAM, 2008, p. 20).

O vigiado teme a “aparente onipresença do inspetor (se os teólogos me permitirem


a expressão), combinadas com a extrema facilidade de sua real presença” (BENTHAM,
2008, p. 29). A vigilância estrutura um jogo mental que transforma o comportamento dos
que são monitorados, tornando-se assim um ótimo gatilho a ser explorado na construção
de narrativas ficcionais. É nessa perspectiva de um observador invisível, mas que
reiteradamente demonstra sua presença, que a trama de Caché situa seus protagonistas. O
horror surge com o medo do desconhecido, que se mostra ao entregar as misteriosas
filmagens, mas que, ao mesmo tempo não pode ter sua presença verificada, o que é
exatamente um dos princípios propostos por Bentham (2008), para quem o poder deve
ser visível e inverificável.
A mesma ideia de uma condição de vigilância é abordada por Foucault, que
discorre sobre essa condição do vigiado, algo que é perfeitamente apreendido pelo
espectador de Caché que, ao verificar a situação dos protagonistas do filme, naturalmente
pode sofrer algum dos efeitos emocionais propostos, como medo, empatia pelos
personagens ou mesmo imaginar-se em situação parecida. É incerto apontar efeitos de
recepção, mas a situação de vigilância pode ser cognitivamente compreendida e provoca
seus efeitos a partir dessa condição.
Um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o
funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja
permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a
perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade do seu exercício; que esse
aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de
poder independente daquele que o exerce (FOUCAULT, 2004, p. 166).

O espectador observa a angústia de Anne, que teme por seu filho adolescente.
Caché – “escondido”, em francês – fala do obscuro, do passado escondido de seu
protagonista, de uma ameaça invisível. Cria-se imediatamente uma ameaça desconhecida,
um medo de algo que sequer se pode dimensionar, o que certamente torna verossímil toda
a angústia da personagem interpretada por Juliette Binoche.

Atividade Paranormal 2, a vigilância como estilo

Atividade Paranormal 2, lançado em 2010, com direção de Tod Williams,


acompanha o casal Kristi (Sprague Grayden) e Daniel (Brian Boland) e seu filho recém-
nascido retornando para sua casa. Certo dia, ao chegarem ao local, encontram o imóvel
completamente revirado. Diante da situação, Daniel resolve instalar um circuito fechado
de vigilância monitorando diversos cômodos de sua casa. Aos poucos, fenômenos
sobrenaturais se intensificam e a estrutura da família é completamente desestabilizada
pela presença de alguma entidade demoníaca.
A série Atividade Paranormal recorrentemente aborda o uso de tecnologias
cotidianas em sua cinematografia, o primeiro exemplar da série explora as câmeras
portáteis, já a segunda versão faz uso de um circuito fechado de câmeras de segurança.
Mesmo em outras edições da série vemos esse desejo por alcançar o sobrenatural através
da tecnologia, com imagens de telefones, computadores, interações com o sistema de
videogames Xbox Kinect, entre outros usos.
A câmera passa a ser a ferramenta de segurança, é um instrumento de vigília contra
um ente sobrenatural que ronda o ambiente. Dessa forma, o dispositivo é usado como
uma ferramenta de contra vigilância, que busca desvendar aquele que atua nas sombras,
longe da possibilidade humana de visão. Os personagens decidem então estabelecer um
regime de monitoramento do tempo integral, mesmo durante o sono as máquinas
continuam funcionando, o que Chamayou (2016, p 40) apresenta como o “princípio do
olhar persistente ou de vigília permanente”, onde o dispositivo supera as limitações
orgânicas do ser humano, pois “seu olhar pode permanecer constante, 24 horas por dia –
o olho mecânico não tem pálpebras”.

Imagem 2 – Visão noturna da câmera de vigilância em Atividade Paranormal 2.

A estratégia da família, de violar a sua própria privacidade, a intimidade do lar, é


uma tensão que constantemente está presente quando pensamos em vigilância,
oferecemos nossa privacidade, nossos dados, em troca de benefícios, sejam eles de
entretenimento, sejam eles de segurança. Há um flerte com o que Chamayou (2015, p.
41) nomeia como um “princípio de arquivamento total ou do filme de todas as vidas”,
pois através da captura e armazenamento dos vídeos por dispositivos técnicos é possível
revê-los a posteriori, em uma experiência de consulta a acervo em busca de evidências
sobre algum fato supostamente capturado.

Depois de realizado, esse filme de todas as vidas e de todas as coisas poderia


ser repassado milhares de vezes, focalizando cada vez um personagem
diferente, aproximando dele para rever a história a partir de sua escala. Seria
possível escolher trechos, voltar, rever ou adiantar as cenas. Navegar a bel-
prazer, não só no espaço, mas também no tempo. Com a ocorrência de um
acontecimento, seria possível voltar para retraçar sua genealogia
CHAMAYOU (2015, p. 41).

A estratégia construtiva do filma se ancora no dispositivo, algo que não só


viabiliza a realização técnica, mas conduz os personagens e seus gestos na narrativa.
Conforme defende Chamayou (idem), o arquivamento total garante uma rastreabilidade
retrospectiva de todas as ações capturadas pela câmera, gesto que alimenta toda a
investigação paranormal proposta no filme, onde os personagens revisitam, a cada dia, os
vídeos de segurança gravados, em busca de identificar anormalidades na residência;
Além que apontar os aspectos psicológicos propiciados por uma cinematografia
baseada em vigilância, cabe aqui discutir a direção de fotografia enquanto solução
estilística para recriação da atmosfera e textura das imagens capturadas por tais
dispositivos. Lucas (2014, p. 141) utiliza a expressão “realismo de baixa resolução” ao
descrever a técnica de intensificação do efeito realista a partir do uso de formatos não
profissionais de captura de imagem. Nesse quesito, aderimos ao proposto por Carreiro
(2017, p. 19), que qualifica a ideia de câmera diegética não como mero instrumento de
captação audiovisual, mas como “princípio estilístico”, condicionado e atendente às
restrições da criação cinematográfica. Para tanto, discutimos a vigilância doméstica
utilizada em Atividade Paranormal 2, reconhecendo que a obra incorpora não só a
cinematografia em uma perspectiva vigilante, mas os recursos visuais e a temporalidade
dos sistemas de monitoramento e câmeras de segurança.
O empobrecimento voluntário da legibilidade das imagens é um recorrente
artifício de verossimilhança, a manifestação do desejo de tornar espontâneo o fruto de
uma série de procedimentos que envolvem a construção da obra. A restrição fotográfica
do dispositivo impõe a necessidade de um rigoroso planejamento de toda mise-en-scène,
visto que a câmera de vigilância, em geral, não se move e tampouco oferece boa qualidade
de imagens e sons, esses últimos muitas vezes sequer são capturados. Quando os
personagens visualizam e manipulam as imagens de vigilância capturadas é recorrente o
ato de acelerar, retroceder, ampliar e pausar. Há uma constante busca pelo acontecimento,
um desejo de apreender o que se pôs em frente ao dispositivo.
Um primeiro apontamento, já preliminarmente citado, diz respeito ao intuito de
revestir a imagem do filme com uma aparência de câmera da vigilância. Para tanto,
Atividade Paranormal 2 faz uso de diversos artifícios. Nas imagens vemos a presença
constante de um timestamp indicando a horário e turno do dia, o que surge não apenas
para sugerir que a finalidade do dispositivo é de gerar imagens de monitoramento, mas
também dando um uso narrativo ao recurso, pois frequentemente a aceleração, as pausas
e rebobinamentos da imagem são construídos a partir da indicação de horário. Esse
recurso é especialmente útil para denotar a passagem de tempo em uma imagem onde não
há movimento dos atores, como em uma noite de sono, por exemplo.
As imagens noturnas são colorizadas com uma tonalidade azul, também no intuito
de replicar a capacidade de visão noturna do dispositivo. Os planos são constantemente
muito abertos, com claro uso de uma lente grande angular, tal qual nas verdadeiras
câmeras de vigilância, o que nos dá uma ampla visão do ambiente, mas limita a
capacidade de observar detalhes. O ruído, gerado pelas limitações do sensor digital em
capturar as informações baixa luminosidade, também é replicado, reforçando a coerência
da simulação do dispositivo. A inserção voluntária de tais limitações termina por
contribuir para o efeito do horror, pois durante os longos planos estáticos somos por vezes
pegos enxergando algum movimento ou acontecimento estranho em meio aquelas
imagens escuras e granuladas quando, na verdade, nada acontece lá. Plantar essa incerteza
sobre os acontecimentos é um potente efeito emocional, que está associado a baixa
legibilidade de algumas das imagens.
Diante de uma construção fílmica ancorada predominantemente em simulações de
imagens de vigilância, não observamos o uso de recursos comuns de movimentação de
câmera, o que restringe o uso de reenquadramentos, zooms, close-ups, entre outros. Fica
a cargo da montagem construir a narrativa, direcionando o espectador por meio das trocas
de câmeras em tela. Tal qual em Caché, os planos são longos, por vezes se estendendo
por vários segundos, o que impõe um ato contemplativo de busca pelo acontecimento. O
ato de observar a imagem de segurança dialoga com nossa experiência cotidiana de
consumo de imagens pois, diariamente são publicados, na imprensa ou na internet, vídeos
reais de eventos capturados por câmeras de vigilância. Ocorre que, em geral, as imagens
veiculadas pela mídia se concentram em mostrar poucos instantes que antecedem alguma
ocorrência, finalizando logo após seu término. Diante disso, a veiculação dos vídeos de
vigilância está normalmente vinculada ao acontecimento de algo que foge do ordinário.
Já em Atividade Paranormal 2, somos conduzidos a contemplar as imagens muitas vezes
banais, pelo próprio ato de acompanhar a vigilância, uma situação que termina por
outorgar ao espectador a tarefa de procurar algo na filmagem que assiste, deslocando-o
de uma postura passiva para uma vigília ativa. Os espectadores, assim como os
personagens, passam a assistir as gravações.
Entendemos que intensificação das estratégias de verossimilhança são também
uma marca de estilo que se consolida no cinema contemporâneo, no filme analisado o
dispositivo não só é reconhecido pelos personagens, é por eles operado e se incorpora
como parte de sua rotina. O próprio espectador é alvo desse dispositivo diegético, pois
quando a câmera é atacada por algum fenômeno sobrenatural, ou sofre algum choque
mecânico, somos privados de informações, pois surgem interferências e falhas na tela,
demonstrando um dano ao equipamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que os filmes contemporâneos buscam se viabilizar como produtos


comerciais, e mesmo aqueles que buscam outros circuitos de autorização, como os
festivais, por exemplo, buscam afetar seu público e cativar uma geração cujas
possibilidades de consumo são múltiplas e carregadas de diversidade. Observamos que
esse cinema pós-moderno vem carregado de marcas para negociar sua pertinência perante
um público incomum, mais disperso, individualista, cercado por uma sociedade de telas
e informação. Tal condição termina por modificar o processo de construção de narrativas
e dispositivos.
O termo pós-cinema está em disputa e sua base conceitual é ampla e diversa, mas
sua natural menção a uma ruptura com o cinema clássico soa desconfortável, pois
entendemos que as estruturas hoje existentes são decorrentes de avanços, reorganizações
e mesmo contraposições ao cinema até então vigente, que de forma alguma resta
superado, mas apenas revisitado, torcido, tensionado, problematizado. Em meio tantos
conceitos, observamos uma recorrência, a busca por intensificar a experiência, busca já
percebida por Bordwell (2002) quando apresenta sua descrição de continuidade
intensificada, mas que hoje entendemos utilizar de novos artifícios direcionados ao
aparato sensorial, um corpo de estratégias de estilo que compõem um cinema material,
que busca afetar nossos corpos, transcendendo a passividade da espectatorialidade
calcada na construção de sentidos.
Os apontamentos realizados na análise de nosso objeto apontam o uso do
dispositivo de vigilância como gatilho para discorrermos sobre múltiplas incorporações
de alterações nos procedimentos de estilo, como a montagem priorizando o efeito de cada
plano individualmente, imagens estetizadas em busca de verossimilhança, manipulação
do tempo e restrição dos espaços. Essas são apenas algumas das marcas estilísticas
presentes em um cinema direcionado para sensorial, que aponta para tantas outras
soluções para deslocar o espectador de uma postura passiva, engajando-o e afetando-o,
como a gamificação, a interatividade, os recursos imersivos de som e imagem, a supressão
de sentidos de personagens, o estímulo de movimentos de assentos, entre outros, que
compõem um vasto campo a ser investigado de forma a mapear e compreender o cinema
contemporâneo com maior completude.

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