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BENEDETTO CROCE

POR QUE NÃO PODEMOS DEIXAR DE SERMOS

“CRISTÃOS”?
INTRODUÇÃO

Dedicamos a republicação de Por que não podemos deixar de


sermos “Cristãos”?, de Benedetto Croce, a Alda Croce pelos seus noventas
anos. É um ensaio de que dona Alda gosta muito e sobre o qual conversamos,
com frequência, quando nos reunimos.

Ao receber, no ano de 1998, no Palácio Filomarino de Nápoles,


um grupo do Centro “Pannunzio”, ela ofereceu aos amigos a reimpressão,
especialmente realizada por ocasião de um ensaio do pai dedicado a uma
Princesa da Casa de Savóia1 para reafirmar o seu legado com o Piemonte e o seu
culto ao Risorgimento nos anos em que este era objeto de forte e invulgar
contestação: quase uma implícita “Defesa do Risorgimento”, para dizê-la com o
título de um dos nossos mestres, Adolfo Omodeo.

Alda Croce, turinense de nascimento, foi presidente efetivo do


Centro “Pannunzio” e atualmente é sua presidente honorária, assim como
aconteceu, no passado, com Mario Soldati. A sua autorrelevância moral e
intelectual deu prestígio ao Centro “Pannunzio” que presidiu com tanta
dignidade e com um autêntico espírito livre. Alda faz parte daquela elite
intelectual dos liberais autênticos, liberais no sentido espanhol do termo que,
como lembrava Benedetto Croce, tem no seu contrário a palavra servil.

Um dos maiores prazeres da minha vida foi passar algumas


poucas horas e alguns poucos dias do ano conversando com dona Alda que une
em sua pessoa, além de uma vastíssima cultura e uma constante atualização
sobre tudo aquilo que acontece na vida cultural e política, uma ironia sutil e
desencantada – tipicamente napolitana – e uma severidade e uma modéstia
absoluta para consigo mesma. As horas passadas no Palácio Filomarino de
Nápoles ficaram entre as mais belas de minha vida.

Muitos de nós provamos hoje uma grande desilusão (a lição de


Maquiavel unida à experiência áspera dos anos nos endureceu e nos tornou
céticos em tudo ou quase tudo): uma das poucas pessoas que resta e sempre foi
uma espécie de estrela polar é Alda Croce que nos ensinou, com o exemplo, a
olhar os valores e não os interesses. Sempre e em toda ocasião. Por isso,
rendemos a ela os agradecimentos como amigos e como discípulos, porque
Alda, sem nunca querer nos ensinar nada, nos ensinou como é a vida de quem
quer manter a cabeça erguida.

PIER FRANCO QUAGLIENI


1
CROCE, Benedetto. Maria Cristina de Savóia, Nápoles, 1924.
Presidente do Centro “Pannunzio”

A RELIGIÃO LAICA NA HISTÓRIA DE VALÉRIO ZANONE

Nos Cadernos de Trabalho, do ano de 1942, Benedetto Croce


anota, dia após dia, os tormentos de sua estadia na Polônia. 16 de agosto:
“despertado depois da meia-noite, fui para a cama, mas não me pus a dormir
logo, e não encontrei nada melhor a fazer do que me pegar meditando neste
ponto: por que não podemos nunca deixar de nos chamar cristãos? A manhã
trouxe o esboço de um pequeno artigo sobre o tópico”. O artigo toma forma dez
dias depois: “por escutar a melancolia, meditei e escrevi o ensaio sobre Por que
não podemos nunca deixar de nos chamar cristãos, que terei de esclarecer
quando copiá-lo”. Entre 28 e 29 de agosto, o artigo é finalizado para a
transcrição pela filha Elena, e a cópia datilografada passa por uma revisão.

Publicado na Crítica e reimpresso nos Discursos de Filosofia


Diversa, o artigo, pensado a princípio em forma de pergunta, depois formulado
no afirmativo, mas sempre em forma de uma dupla negação (“não podemos
nunca...”) e, finalmente, reforçado no título inicial por “nos chamar” no mais
explícito “nos dizer”, reflete a tristeza do filósofo de setenta e seis anos de idade
diante da violência do novo deus Pã nazista; e para entender-lhe o estado de
ânimo, deve ser lido em paralelo a outro artigo de 1942 intitulado Solilóquio de
um velho filósofo.

Em uma carta escrita em 1943 a Guido Gonella para agradecê-lo


pela revisão no Observatório Romano, Croce queria dizer “este artigo não
contém, na verdade, nada de novo, porque os conceitos em que ele foi tramado
já estão em todos os meus livros de filosofia e de história”, tese que, pelo tanto
que há nela de verdade, foi aceita por diversas revistas católicas como prova
confessa suportada por Croce; e, por outro lado, não pode ser aceito totalmente
se vier colocada diante das obras crocianas precedentes, tal qual a História da
Europa no século XIX.

No capítulo sobre a Religião da Liberdade da História da


Europa, Croce faz seguir o capítulo sobre As fés religiosas opostas, onde
identifica no “catolicismo da Igreja de Roma a mais direta e lógica negação da
ideia liberal”. Esta negação proclamada “com alta estridência nos sílabos, nas
encíclicas, nos sermões, nas instruções dos seus pontífices e de seus outros
sacerdotes” do Vaticano, acabava, no juízo de Croce, por colocar à luz, “com o
seu ódio imperdoável, o caráter religioso, com rivalidade religiosa, do
liberalismo”. Rivalidade entre fés opostas: de um lado, o liberalismo, que põe “o
fim da vida na vida mesma, no dever de cultivá-la e de exaltá-la, no método da
livre iniciativa e da inventividade individual”; e, de outro lado, o catolicismo
que põe “o fim de uma vida em outro mundo, da qual a vida mundana é simples
preparação que se deve cumprir com a observância daquilo que um Deus que
está nos céus, por meio de seu vigário na terra e de sua igreja, ordena o crer e o
fazer”.

Muito, portanto, se discutiu e continua sendo discutido acerca das


diversas disposições de ânimo amadurecidas, dez anos depois, no velho filósofo
diante das tragédias da guerra. Contra as devastações e os horrores, o Croce do
Solilóquio procurava amparar-se nos valores humanos do cristianismo.
Repensava no “processo iniciado ou acelerado pelo cristianismo em direção a
uma humanidade unida no amor, na dor e na aspiração pelo sublime”.

Para compreender o estado de ânimo de Croce em seus anos


tardios, é necessária, ainda mais do que nos Cadernos de trabalho, a
correspondência daqueles tempos com a poetisa Maria Curtopassi, publicada
pela primeira vez em 2007, nas edições Dédalo, por Giovanni Russo. Desta
mensagem resulta que já, em junho de 1941, Croce via no cristianismo “a mais
profunda e completa transformação espiritual da humanidade”; e em maio do
ano seguinte, agradecendo a Curtopassi por ser presenteado com uma edição do
Novo Testamento, Croce se propunha a levá-lo nas férias “para relê-lo, depois de
sete ou oito anos que não o lia, aquele livro capital da história humana”. Em
uma carta posterior, em 30 de agosto, mais precisamente no dia da versão final
do ensaio Por que não podemos deixar de sermos “cristãos”? ficou pronta,
Croce não tardou em informar a Curtopassi sobre o quanto tinha pensado e
escrito: “estou profundamente convicto e persuadido de que o pensamento e a
civilidade modernos são cristãs, em continuação ao impulso dado por Jesus e
por Paulo. Sobre isso, escrevi uma breve nota de caráter histórico, que publicarei
assim que houver espaço disponível”.

A carta de 30 de agosto não deixa dúvidas acerca dos motivos


trágicos que induzira Croce a redescobrir as raízes cristãs da civilidade moderna
em contraste com a barbárie nazista: “em contraste, é uma concessão, ainda que
cristã, de uma vida para com uma outra, que gostaria de retornar à idade pré-
cristã e, dessa forma, à idade pré-helênica e à idade pré-oriental, e reiniciar com
aquela idade anterior à civilidade, com a violência bárbara das hordas”.
O tortuoso título do ensaio de Croce vem, habitualmente, se pôr
em confronto com o título icônico do artigo de Bertrand Russell Por que não
sou cristão. “Não parece – se lermos a biografia crocianas de Fausto Nicolini –
que o nosso Benedetto Croce tenha relação pessoal com Bertrand Russell. No
entanto, conhecia-o bem, não duvidava de seus méritos, e, enfim, apreciava os
artigos de Bertrand Russell.

O Por que não sou cristão de Bertrand Russell é um artigo de


1927; mas voltou à ribalta das crônicas internacionais em 1941, quando ele
ensinava na Califórnia, Russell foi convidado para a cátedra de filosofia no City
College de Nova York.

O contrato oferecido a Russell para o ano acadêmico 1941-1942


compreendia três cursos: lógica, matemática e ciência, matérias que tinham
pouco a ver com as suas ideias anticonformistas em relação à religião e à moral.
Porém, o bispo protestante Manning invocou a ira de Deus contra o convite de
Russell para lecionar em Nova York e mobilizou uma campanha contra o
filósofo, rotulando-o de imoral, libertino e, pior ainda, filo-comunista, não
obstante fosse notória a aversão de Russell ao regime soviético. No final das
contas, o tribunal de Nova York anulou a nomeação do College, considerando-a
ofensiva à moralidade da nação e, sobretudo, às almas eventualmente devotas
dos contribuintes. Russell foi acolhido em Havard, sendo laureado, anos depois,
com o Nobel de Literatura.

Em relação às religiões, Russell se definia como agnóstico, no


sentido em que o termo foi cunhado no século XIX por Huxley e adotado por
Darwin. A definição de agnosticismo em Russell encontra-se no conceito de
“integridade intelectual”. Em um artigo de 1954 para um jornal sueco, intitulado
Pode a religião acalmar nossas ansiedades?, Russell definiu como integridade
intelectual “o hábito de resolver as questões mais duvidosas à luz da evidência e
de deixá-las insolúveis caso esta não nos socorrer”.

O hábito de dar por certo apenas as questões evidentes era,


segundo Russell, distorcido pelas religiões, que obrigavam as pessoas a
acreditar, renunciando à liberdade de indagar; e assim obrigavam, às vezes, a
acreditar contra todas as evidências, “quia absurdum” 2. Russell explicava a
religião como medo do desconhecido e do oculto, e opunha que o medo do
desconhecido pode ser removido somente pela pesquisa científica livre, não por
acaso objeto de anátema por parte do obscurantismo religioso.

2
“Acredito porque é absurdo”.
O agnosticismo de Russell não excluía o reconhecimento de que
alguns precedentes religiosos fossem socialmente úteis, ao menos em um estágio
inicial do processo civilizatório.

Por exemplo, Russell reconhece a função social de comando que


prescreve o “não roubar” e a articulação de uma cadeia de argumentações todas
elas justificáveis em termos de uma autônoma evidência empírica: a) o respeito
à propriedade alheia é útil para uma convivência ordenada; b) porém, em uma
sociedade onde ninguém rouba, a maior conveniência individual haveria de ser o
único ladrão; c) é necessário então antepor à conveniência individual a utilidade
social, penalizando legalmente o furto; d) mas a polícia, os tribunais, as prisões
podem não bastar para a dissuasão; e) por isso, a proibição do furto deve ser
enraizado nas interdições morais, exprimindo-se na forma de um comando
religioso; f) com o progresso da civilização, a unidade social do comando
religioso poderá gradualmente decrescer.

A cadeia argumentativa de Russell faz apelo, conclusivamente,


ao relativismo histórico. Porém, na vertente histórica e social, o juízo de Russell
muda da religião para a Igreja.

No artigo de 1927, Russell imputava à Igreja o histórico de uma


incessante intolerância, mitigada apenas pelos livres pensadores que, do
Renascimento em diante, “provocaram nos cristãos um senso de vergonha sã de
seus muitos prejuízos tradicionais”. Em 1954, retomou a questão nos mesmos
termos: “do Concílio de Trento aos nossos dias, qualquer melhoria ocorrida na
Igreja deve ser atribuída ao mérito de seus inimigos”; e mais: “o cristianismo,
devo admitir, procura causar menos danos do que no passado; mas isso depende
do fato de que, agora, se crê com menos fervor em seus artigos de fé”.

Ao agnosticismo de Russell (“não sou cristãos porque não


acredito em Deus e na imortalidade”) se contrapõe Croce, na carta a De Gasperi
em 1949: “eu também creio à minha maneira em Deus, naquele Deus que, para
todo mundo, é Júpiter, como dizia Torquato Tasso”. Todavia, tanto em Croce
quanto em Russell, o juízo histórico muda da religião para a Igreja; e já em
Croce de 1932, a apreciação positiva em face da obra da Igreja de Roma
“conservou grande parte do legado de vida espiritual frente aos povos bárbaros e
frente à prepotência materialista dos imperadores e reis”.

*****

Na “Revista de estudos crocianos”, de março de 1970, Rafaello


Franchini percebia como o “Observatório Romano”, de 04 de fevereiro, havia
dedicado ao falecimento de Bertrand Russel, ateu impenitente, uma necrologia
elogiosa, enquanto na morte de Croce, não economizou ao autor de Por que não
podemos deixar de sermos “cristãos” sarcasmos malévolo e críticas
implacáveis.

Já em fevereiro de 1943, pouco depois da publicação do artigo de


Croce na Crítica, o padre jesuíta Mondrone se ocupou da “Civilidade Católica”
para acender o farol vermelho no caminho de Croce rumo ao cristianismo. O
jesuíta reconhecia que o filósofo introduzira uma “leve modificação” na sua
atitude hostil à Igreja e que acentuara a sua apreciação (já presente, como se diz,
na maioria das obras históricas de Croce) sobretudo à Igreja Primitiva que se
ergue a partir dos novos fundamentos espirituais do Império Romano. Mas, no
fundo, observava Mondrone, o artigo de Croce estava alinhado com a sua
vocação historicista e imanentista. No cristianismo, do qual Croce se dizia
participante, não havia nada de sobrenatural e de transcendente e, portanto, nada
de verdadeiramente cristão. A revolução cristã celebrada por Croce outra não era
para ele que uma fase do processo histórico; um trecho da estrada, ainda que
seja um caminho não propriamente humano, mas um caminho no assíduo devir
do espírito.

O que mais irritava o crítico jesuíta era o fato de que o


historicismo crociano, esquivando-se do dogmatismo eclesial, encontrou um elo
entre a revolução moral existente nos primeiros cristãos e as sucessivas e
diferentes fases do processo histórico, até o Renascimento, a Reforma, o
Iluminismo e o Idealismo, em uma palavra, até o pensamento cultural que a
Igreja historicamente repudiara como “arbitrária adulteração, mutilação e
falseamento das fontes do cristianismo”.

A revisão feita pela “Civilidade Católica” serviu de precursora


das revistas de cultura religiosa e de uma sequência de críticas e negações que se
reacenderam, até o final de 1952, na bibliografia da morte de Croce.

Na revista mensal “Studium”, a reboque do caminho aberto pelo


padre Mondrone, Armando Carlini imputou a que Croce reduzira a teologia à
mitologia e o cristianismo a mero fato histórico, e que se disse cristão sem se
evadir da trincheira da pura laicidade e da filosofia totalmente mundana.

Em sua revista “Vida e pensamento”, Francesco Olgiati,


contrário a Croce, principalmente por sua crítica ao Tratado de Latrão no
processo da Assembleia Nacional Constituinte, rejeitou, com palavras
indignadas, aquele cristianismo crociano que relegava os dogmas e os
sacramentos da Igreja à mitologia; e aproximava da religião cristã a religião da
liberdade, acomodando, junto aos cristãos, os humanistas e os iluministas em
uma Arca de Noé filosófica. Para o monsenhor Olgiati, da religião e do
cristianismo, Croce nunca se ocupara com seriedade; e no artigo de 1942, teria
Croce feito pior, deformando uma e outro; não era, portanto, de se surpreender
que as suas obras fossem acabar (as últimas ao tempo de uma série ilustre) no
Índice dos livros proibidos.

********

Quanto ao acolhimento que a Igreja de Roma teria reservado ao


seu artigo, Croce não alimentava ilusões. Assim, nas primeiras linhas, ele
desconsiderou, antecipadamente, as suspeitas a que ficaria exposto se se
atribuísse a condição de cristão. Concluindo, ele tornou a escrever que não
queria “gostar e nem deixar de gostar dos homens da Igreja”, e percebeu que a
Igreja “não pode, de jeito nenhum, apegar-se ao conceito de que há cristãos fora
de toda a Igreja, e que eles não seriam menos genuínos dos que estão lá dentro
dela e, ainda mais intensamente cristãos, porque seriam cristãos livres”.

Em 1947, inaugurando o instituto de estudos históricos em


Nápoles, o último Croce retornaria a O conceito moderno da história para
reconstruir a ciência nova de Vico: “o espírito humano não pode conhecer senão
aquilo que ele mesmo fez; e tendo o homem feito a história humana, nesta
esfera, o seu conhecer é verdadeiro, porque o verdadeiro e o falso se convertem
reciprocamente”.

Fazendo apelo à história espoliada pela transcendência e pela


escatologia, Croce considera o cristianismo como a máxima revolução realizada
pela consciência humana, superior ao impulso moral de todas as conquistas
precedentes do espírito, das ciências orientais à filosofia grega e ao direito
romano e, por força dessa centralidade moral, impulso originário de todas as
conquistas sucessivas. O cristianismo, entendido à maneira de Croce, não é um
milagre da transcendência, mas um processo da história; é a revolução que opera
no centro da consciência moral e, portanto, anima a ética da fraternidade mais
do que todas as outras.

Como, no passo secular da história, toda revolução vencedora se


consolida nas instituições, assim a revolução cristã, desde a origem, toma corpo
no evento humano. Remove o politeísmo pagão, herda o espólio do Império
Romano decadente e, ao final, decaído, civiliza povos e os costumes bárbaros,
levanta-se em proteção à Europa frente ao Islã, ilumina os séculos escuros com o
primado do poder espiritual sobre o poder armado.

Porém, no decorrer do processo histórico, de um lado, a relação


entre a religião e a Igreja se enrijece nos dogmas, sacramentos, hierarquias,
disciplinas, tribunais, patrimônios; e, de outro lado, porque “o pensamento
nunca parou de pensar”, os valores morais do cristianismo se exilam da fé e se
reúnem nos mitos; e porque, na história, tudo o que avança, transforma-se,
aqueles valores morais persistiram sob formas novas de existir: no humanismo
que remove o ascetismo medieval; na Reforma que reinterpreta o magistério de
Paulo; nos novos recursos civis produtos do progresso das ciências e do direito;
no Iluminismo que dissolve as superstições; até aos idealismos e aos
historicismo que fundam o conceito da realidade como história e aos filósofos
do Liberalismo, como Kant, predecessor de Croce na lista dos escritores
relegados ao Índice; todos, na ousada afirmação de Croce, herança, de qualquer
modo, da revolução cristã, foram perseguidos pela Igreja no curso dos séculos; e
como elementos antecipatórios da Modernidade, que ainda nos estertores do
século XIX, foram objeto das vãs anátemas do Sillabo3.

******
Era facilmente compreensível do porquê Croce ter sido incluído
com antecedência no Índice, e do porquê a Igreja pronunciar “non possumus”4
para aquele deus sem mistério, para aquela fé sem messianismo, para aquela
religião sem teologia.

Mas diante da barbárie que ameaçava a morte da civilidade, o


Croce de 1942 queria remontar o curso da civilidade até as fontes, porque os
filhos da história se reconheceram filhos do cristianismo.

Não obstante a comoção retórica com que o descreveu, o


cristianismo de Croce permanece totalmente laico no significado bíblico do
termo: laico é tudo aquilo que não recebeu consagração sacerdotal.

O “porque não podemos” se inscreve na meditação solitária que


conduziu o último Croce a medir-se, mais uma vez sem recorrer à
transcendência, com O Anticristo que está em nós, o Anticristo que habita no
indivíduo humano como reivindicação do absoluto.

3
O famoso catálogo das 80 "faltas" solenemente condenadas, em 1864, pelo Papa Pio IX. É um dos documentos
pontifícios mais notórios e citados.
4
“Não podemos”.
Na insônia da noite de verão nas colinas dos Alpes Biellese, a
pesquisa não difere do hábito mental do historiador, ao contrário, o conduz, ao
final, a laicizar a religião pela história. O cristianismo pessoal de Croce é tudo
na história do mundo; não existe nenhuma outra história, em um outro mundo.
Mas para não se deixar oprimir pelo mal que está no mundo, Croce busca um
ponto de apoio na história e o encontra na história cristã.

Entre o dizer-se “cristão” de Croce e os cristianismo da Igreja


Católica, as contas permanecem em aberto, a começar pela revista que, em 1943,
primeiro e com mais autoridade, revisou o ensaio crociano recém-publicado. Em
dois artigos na “Civilidade Católica”, surgidos em 2008, intitulados A
religiosidade de Croce (janeiro) e O último Croce (junho), o padre jesuíta
Giandomenico Mucci reconhece que o artigo de 1942 “deve muito ao temor de
que a barbárie nazista prevalecesse na Europa” e opõe àquela barbárie “uma
nobre apologia ao desenvolvimento histórico da religiosidade cristã”. Mucci
colhe “a aura de religiosidade” que circunda a filosofia do Espírito de Croce e,
sobretudo, o pathos interior de seus últimos anos: nisso consiste, a meu ver, a
diversidade entre as obras da maturidade e os artigos do último Croce, a quem,
além do mais, padre Mucci rende as honras das armas, reconhecendo que o
filósofo permaneceu “fiel à sua filosofia até a sua morte”. Fiel a uma
espiritualidade que exclui a transcendência; considera os mistérios da fé nada
mais do que a negação do pensamento; renuncia à mitologia dos dogmas e dos
ritos para ancorar o indivíduo da liberdade da própria consciência. Aquele “deus
que para todo mundo é Júpiter” da carta a De Gasperi permanece para Croce “o
deus que está em nós”, sem referências sobrenaturais.
BENEDETTO CROCE
POR QUE NÃO PODEMOS DEIXAR DE SERMOS

“CRISTÃOS”?

Reivindicar para nós mesmos o nome de cristãos, de um modo


geral, não nos afasta de uma certa suspeita de uma unção piedosa e da
hipocrisia, porque, muitas vezes, a adoração deste nome se serviu da
autocomplacência e encobriu coisas alheias ao espírito, como se poderia
comprovar com referências que aqui são omitidas para não dar espaço a juízos e
a contestações que retiram do foco o objeto deste estudo. Pelo que se quer
unicamente afirmar, apelando à História, de que nós não podemos não nos
reconhecer e não nos dizer cristãos, e de que esta denominação é a simples
constatação da verdade.
O cristianismo foi a maior revolução que a humanidade já
realizou: tão ampla, tão abrangente e profunda, tão fecunda de consequências,
tão inesperada e irresistível no seu agir, que não é de se admirar que seja
parecido ou que possa parecer um milagre, uma revelação dos céus, uma
intervenção direta de Deus nos assuntos humanos, que dele recebemos uma lei e
um direcionamento totalmente novos.
Todas as outras revoluções, todas as maiores descobertas que
marcaram época na história humana, comparadas ao cristianismo, mostrando-se
específicas e limitadas em relação, não se mantêm em pé diante dele. Tudo, sem
excluir o que a Grécia fez com a poesia, com a arte e com a filosofia, com a
liberdade política, e o que Roma fez com o Direito: para não falar dos escritos
mais remotos sobre matemática, ciência astronômica, medicina e de tantas
outras coisas que devemos ao Oriente e ao Egito.
E as revoluções e as descobertas que se seguiram nos tempos
modernos, embora não fossem específicas e limitadas à maneira de seus
precedentes antigos, mas que atingiram o homem por inteiro, atingiram mesmo a
alma do homem, não podem ser pensadas sem a revolução cristã, têm com ela
uma relação estreita de dependência, esperando dela o primado, eis que o
impulso primeiro foi dado por ela e perdura por conta dela.
A razão disso é que a revolução cristã operou no centro da alma e
da consciência moral, conferindo proeminência ao íntimo e à própria
consciência como tal, quase se parecendo com a aquisição de uma nova virtude,
de uma nova qualidade espiritual, que, até então, estavam em falta para a
humanidade.
Os homens, os gênios, os heróis que vieram antes do
cristianismo, executaram feitos estupendos, obras belíssimas e nos transmitiram
um riquíssimo tesouro de formas, de pensamentos e de experiências; mas, em
todos eles, se deseja aquela proeminência própria que une e irmana, e que o
cristianismo concedeu isso somente à vida humana.
E, no entanto, este não foi um milagre que irrompeu no curso da
História e entrou com uma força transcendente e inusitada; e não foi nem
mesmo aquele outro milagre metafísico que alguns filósofos (sobretudo Hegel)
construíram quando se dedicaram a pensar a História como um longo processo
no decorrer do qual o espírito adquire, uma após outra, as partes constitutivas de
si mesma ou as suas categorias – em uma certa medida, o conhecimento
científico, o Estado ou a liberdade, e, com o cristianismo, a intimidade moral –,
porque o espírito é sempre a plenitude de si mesmo, e a sua história são as suas
criações, contínuas e infinitas, com as quais celebra o eterno de si mesma.
E como nem os gregos, nem os romanos e nem os orientais
introduziram no mundo aquelas formas universais, das quais, pela ênfase, se
diziam criadores, mas em virtude das quais apenas produziram as obras e as
ações com as quais tocaram as alturas nunca antes tocadas, e marcaram as
solenes crises da história humana; assim também a revolução cristã foi um
processo histórico, inserido no processo geral da História, como a mais solene
de suas crises. Tentativas, prenúncios, preparações também são percebidos no
cristianismo, como se percebe em qualquer obra humana – em um poema ou em
uma ação política –; mas a luz que aqueles fatos pareceram assim transmitir a
recebem, de maneira reflexa, da obra que é então implementada e que não se
tem em si mesma, porque nenhuma obra nunca nasce, por agregação ou
concurso de outras, que não seja ela, mas sempre e apenas por um ato original e
criativo: nenhuma obra pré-existe em seus antecedentes.
A consciência moral, no surgimento do cristianismo, advertia,
exultava e perturbava, de uma forma nova, a todos de uma vez só, fervorosa e
confiante, com aquela sensação do pecado, com a qual sempre ameaçava, e na
posse da força que sempre se impõe e sempre vence, humilha e enaltece, e na
humildade reencontra a sua exaltação, e no servir ao Senhor, reencontra a sua
alegria. E se tem incontaminada e pura, intransigente a cada tentação que a atrai
para fora de si ou a coloca em contradição consigo mesma, cautelosa até a
mesmo em face da estima, do elogio e do brilhantismo social; e a sua lei se atém
unicamente à voz interior, não aos comandos e aos preceitos externos, todos eles
que se mostram insuficientes ao nó que, de vez em quando, se deve desatar, para
que os fins morais sejam alcançados, e todos eles, de uma forma ou de outra, a
empurram de volta para o nível baixo da sensualidade e da utilidade. E o seu
afeto foi de amor, amor a todos os homens, sem distinção entre as pessoas e
entre as classes sociais, entre livres e escravos, a todas as criaturas, ao mundo
que é a obra de Deus e Deus que é o Deus de amor, e não está apartado do
homem, e desce ao homem, e no qual todos somos, vivemos e nos movemos.
Em tal experiência, que era, em um só ato, sentimento, ação e
pensamento, uma nova visão e uma nova intepretação surgiram da realidade, não
mais cerca de objeto divorciado do sujeito, mas neste que é o eterno criador das
e o único princípio da explicação; e se instaurava um conceito do espírito, e
Deus mesmo não foi mais concebido como uma unidade abstrata indiferente e,
enquanto tal, imóvel e inerte, mas uno e distinto juntos, porque vivificador e
fonte de toda a vida, uno e trino.
Esta nova atitude moral e este novo conceito se apresentam, em
parte, envolvidos em mitos – reino de Deus, ressurreição dos mortos, batismo
em preparação para isso, expiação e redenção que elimina os pecados dos eleitos
ao novo reino e assim por diante –; passaram laboriosamente dos mitos mais
encorpados a outros mais refinados e transparentes à verdade; intrigaram-se em
pensamento nem sempre carregados de harmonia e furtaram-se em contradições
diante das quais permaneceram incertos e perplexos; mas nem por isso não
foram substancialmente os que, brevemente, enunciaram, e que cada um escuta
ressoar dentro de si, quando pronuncia a si mesmo o nome de “cristão”.
Uma nova ação, um novo conceito, uma nova criação de poesia
não são e não devem ser concebidos, conforme vão se configurando na
abstração e na imaginação conjuntas, como uma coisa qualquer de
objetivamente concluso e circunscrito, mas como uma força que abre o caminho
entre as outras forças, e, às vezes, ficam presas, algumas se perdem, outras ainda
avançam lenta e fatigadamente, ou até se deixarem subjugar por outras forças
que, no momento, elas não podem vencer totalmente, e se sujeitam e se
resolvem, e nas derrotas elas se restauram e das derrotas elas se levantam
belicosas. E quem queira compreendê-las em seu próprio e original caráter, deve
separá-las daqueles fatos estranhos, superar aqueles incidentes, vê-las ainda não
em seus obstáculos e prisões, em suas andanças e desvios, mas no seu ímpeto
primeiro e na sua tensão dominante, da mesma forma que uma obra de poesia
vale pelo que tem em si de poesia e não pelo hipotético que nela se mistura ou
que ela leva consigo de companhia, pelas maculae que também estão em
Homero e em Dante. É costume se opor, com sentimento de desconfiança e com
palavra de crítica repressiva, que, desse modo, se “idealizaram” as doutrinas e os
fatos que não são respeitados em toda sua integridade; mas este “idealizar-se”
(que ainda não fecha os olhos aos elementos estranhos e aos incidentes, e não os
nega) não é outro, como temos dito, senão a “inteligência”, que a compreende.
Tome-se como prova o caminho contrário, e se coloquem no mesmo plano os
lugares e os mitos, as coerências e as incoerências, as certezas e as incertezas de
um pensador; e a conclusão será necessariamente que aquela obra não foi
realmente uma obra, mas um nada, contraditória, viciada e corrupta – de cabo a
rabo – de erros: o que, de bom grado, se usa para tornar não poucos críticos e
historiadores felizes, por aquilo que parece, de encontrar nos fatos, nos
pensamentos e nas grandes obras do passado a mesma dispersão mental e a
mesma inércia moral que está neles5.
Foi natural e necessário também que o processo formador da
verdade, que o cristianismo tinha assim extraordinariamente intensificado e
acelerado, se prolongasse até um certo ponto, provisoriamente, e que a
revolução cristã tivesse um respiro para repouso (respiro que na história pode ser
cronologicamente por séculos), dando-lhe um equilíbrio estável. E também aqui
foi acusada e lamentada, e ainda hoje se lamenta a queda da altura com que o
entusiasmo cristão se modificou, e a fixação, o excesso de práticas e de rituais, a
politização do pensamento religioso, o aprisionamento do seu fluir, a
solidificação mortificadora.
Mas a polêmica contra a formação e a existência da Igreja ou das
igrejas é muito pouco razoável quanto seria aquela contra as universidades e
contra as outras escolas, nas quais a ciência, que é crítica e autocrítica contínuas,
cessa de ser tal e se fixa nos catecismos e nos manuais e se aprende bela e
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Se me permite notar que a hodierna literatura italiana possui, nos livros de Omodeo, em suas origens cristãs
uma obra em que o vigilante sentido histórico dos traslados e dos tons se prepara, como é bem raro, com o
robusto pensamento filosófico, e a percepção dos eventos na sua determinação com a mesma percepção das
conexões que os mantém no seu passado e no seu porvir.
perfeita, seja por se valer de finalidades práticas, seja, nos intelectos bem
dispostos, como matéria a ter presente para os novos progressos científicos a
serem cumpridos ou a serem tentados. Não é dado eliminar da vida do espírito
deste momento, no qual se fecha o processo de se cogitar a busca com a fé
adquirida e no qual se abre aquele processo da ação prática, na qual a fé se
transfunde. E se esse encerramento, de um lado, parece ser, e em certo sentido é,
a morte (e talvez seja a eutanásia, a boa morte) da verdade, porque a verdade
genuína está unicamente no seu processo do seu fazer, e, por outro lado, a
conservação da verdade para a sua nova vida e para a recuperação daquele
processo, quase uma semente protegida e escondida que germinará e frutificará
novos descendentes. Assim, a Igreja Cristã Católica formou os seus domínios,
não temendo formular, às vezes, o não imaginável, porque não plenamente
resolvido na unidade do pensamento, o seu culto, o seu sistema sacramental, a
hierarquia, a disciplina, o patrimônio terreno, a economia, as finanças, o seu júri,
os seus tribunais e a respectiva casuística jurídica, e estudou e pôs em prática os
compromissos e as transações com necessidades que nem poderia extinguir ou
reprimir, nem deixar livres e soltos, e a caridade foi a sua ação, vencendo o
politeísmo do paganismo e os novos adversários que vieram do Oriente (do qual
ela mesma provinha e pelo qual passara), e aqueles particularmente perigosos,
porque foram imprimidos com muitos recursos pela sua mesma fisionomia,
como os gnósticos e os maniqueístas, e preparando-se para reconstruir, em novas
fundações espirituais, o Império Romano em queda e decaído, e dele, como de
toda a cultura antiga, acolhendo e preservando a tradição. E teve uma longa era
de glória que foi chamada Medievo (parte histórica e denominação
aparentemente nascida como que por acaso, mas, com efeito, guiada pela
instituição segura da verdade), na qual não só levou a termo a cristianização, a
romanização e a ação civilizadora dos germanos e dos outros povos bárbaros,
não só impediu as renovadas armadilhas e os danos certos das novas e velhas
heresias, dualísticas, pessimistas e ascéticas, acósmicas e negacionistas da vida,
não só animou a defesa contra o Islã, ameaçador da civilização europeia, mas
mantivera as partes da exigência moral e religiosa que prevaleceu sobre aquela
unilateralmente política e a dobra sobre si mesma, e, enquanto tal, a justo título,
ela afirmou o seu direito de domínio sobre o mundo inteiro, que, de fato, era
frequentemente as perversões ou as inversões deste direito.
Nem são válidas as outras acusações comuns à Igreja Cristã
Católica pela corrupção que dentro de si deixou penetrar e, de modo muito
frequente, deixou se espalhar gravemente, porque cada instituição carrega em si
o perigo da corrupção, das partes que usurpam do todo, dos interesses privados e
utilitários que substituem os valores morais, e cada instituição sofre, de fato,
desses eventos e, continuamente, se esforça para superá-los e restituir-lhe as
condições boas de saúde. Isso também aconteceu, se talvez de um modo menos
escandaloso ou mais mesquinho, nas igrejas que, contra a sua primogênita
católica, denunciando-lhe a corrupção, se manifestaram em inúmeras confissões
evangélicas e protestantes. A Igreja Cristã Católica, como é conhecida, também
no decorrer do Medievo, beneficiando-se dos espíritos cristãos que, espontâneos,
se inflamaram dentro e fora dos seus âmbitos, e, adaptando-se aos seus fins,
cortou na própria carne e se submeteu a reformas, tacitamente, por muitas vezes;
e quando, mais tarde, em meio à corrupção dos seus papas, de seu clero e dos
seus frades, e em meio à mudança das condições políticas gerais que a removeu
dos domínios por ela exercidos no Medievo e que foram conquistados com suas
armas espirituais, e, finalmente, em meio ao novo pensamento crítico, filosófico
e científico, que tornou antiquada a sua escolástica, que estivera em risco de se
perder, reformou-se mais uma vez com prudência e com política, salvando-se de
si mesma o quanto a prudência e a política a puderam salvar, e continuando e
sua obra, que relatou os melhores triunfos nas terras recém-descobertas do Novo
Mundo. Uma instituição não morre por seus erros acidentais e superficiais, mas
só quando não satisfaz mais nenhuma necessidade, ou na medida em que
diminui a quantidade e se baixa a qualidade das necessidades que ela satisfaz. E
quais são a este respeito as condições atuais da Igreja Católica, é pergunta
estranha para a discussão que aqui conduzimos.
Retornando a esta discussão, do ponto do qual partimos para
fornecer os esclarecimentos acima mencionados, sobre a verdade que é própria
do cristianismo e sobre sua relação com a Igreja ou com as igrejas, e
reconhecida a necessidade de que o processo formativo e progressivo do
pensamento cristão deveria provisoriamente concluir-se (como, afinal, é lícito
traduzir, para uma melhor clareza, o grande no pequeno, quando, despois de
escrito um livro, envia-o à gráfica e ao público, resistindo à loucura do infinitum
perfectionis), fica, de outra parte, que o processo deveria ser reaberto, revisado e
realizado mais e mais alto. Nisso que nós pensamos, não por isto nunca
terminou de pensar: o fato nunca é um fato árido

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