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Acerca de gênio e loucura:

especificidades da visada de Fernando Pessoa, em contato com as de


outros autores

BERNARDO NASCIMENTO DE AMORIM


Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP

Palavras-chave: Fernando Pessoa; gênio; loucura; poesia; sociedade.


Resumo: De Platão a Baudelaire e Rimbaud, passando pelos iluministas franceses, por Kant e
Hegel, associa-se a faculdade característica do poeta a uma força não passível de ser submetida
às regras próprias de uma certa convenção, sublinhando-se o caráter extraordinário do talento
criativo. Em alguns casos, esta equação se solidificaria na oposição entre as normas e a criação,
em vigor na postura combativa de muitos artistas modernos e modernistas, como em Antonin
Artaud, que concebe uma sociedade convencional contrária a «certas lucidezes superiores»,
os autênticos artistas. Como Artaud, Pessoa também pensou sobre os limites entre a lucidez
e a loucura, articulando sua reflexão com a interrogação sobre a natureza do gênio, em textos
como os que podem ser encontrados nos Escritos sobre génio e loucura. É tendo em vista,
particularmente, a leitura destes que proponho o meu trabalho, o qual ressaltará especificidades
da visada de Pessoa, iluminando-as com a projeção do que pensaram outros autores.

A loucura, longe de ser uma anormalidade, é a condição normal


humana. Não ter consciencia d’ella, e ella não ser grande, é ser homem
normal. Não ter consciência d’ella, e ella ser grande, é ser louco. Ter
consciência d’ella e ella ser pequena é ser desilludido. Ter consciência
d’ella e ella ser grande é ser genio. (PESSOA, F., 2006: 154).

1. A associação entre gênio e loucura, ainda que não exatamente nestes termos,
pode ser vista em diversos autores, não apenas modernos, mas também antigos.
Em que pese a diferenças, por exemplo, entre o conceito de gênio na Antiguidade
Clássica e o conceito de gênio após o Iluminismo, tomando-se estes dois momentos
como balizas importantes, certas conexões autorizam a pensar em uma tradição de
longa duração, aproximando as ideias em questão. Apenas para ficar com algumas
passagens de relevo, falarei um pouco sobre traços da relação entre gênio e loucura
em autores anteriores a Fernando Pessoa e Artaud, representantes de posições
modernistas a respeito do problema, os quais, sobretudo, o primeiro, merecerão uma
atenção especial. Entre os outros autores estarão, de um lado, Platão e o enciclopedista
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Saint-Lambert; de outro, os alemães Kant e Hegel, tomados como contrapontos, em


determinados aspectos, dos primeiros. Fechando este meu introito, serão mencionados
também Baudelaire e Rimbaud, como antecessores mais próximos dos dois autores
propriamente modernistas em pauta.

2. Começo com um breve comentário sobre o Íon, de Platão. Neste diálogo, cuja
redação pode ser situada no século IV a. C., Sócrates, interrogando o rapsodo que
dá nome ao texto, discute o caráter divino do poeta, afirmando ser ele, na tradução
portuguesa de Victor Jabouille, «uma coisa leve, alada, sagrada» (PLATÃO, 1988: 51),
que «não pode criar antes de sentir a inspiração, de estar fora de si e de perder o uso da
razão» (ibid.). A formulação é bastante atraente, sobretudo para os próprios poetas,
além de ser de remota tradição, associada a antigos mitos, a crenças sobre quem seriam
os portadores das palavras essenciais de uma comunidade, intermediários entre os
homens e os deuses. Segundo ela, o poeta, para alçar o voo que o faz ser mais do que
os homens comuns, aproximando-se das divindades, precisa perder a razão. Tomado
por um poder alheio a si mesmo, um sopro que o habita, sem que saiba como, tem ele
a função de dar a conhecer à sua comunidade mistérios de ordem sobrenatural.
Embora desprovido de arte, de ciência, o poeta se apresentaria, em mais de um texto
de Platão, efetivamente, como um ser especial, dotado de uma origem divina. Ainda que
esta não tenha sido suficiente para defender a presença do poeta na República, na obra
mais expressiva do filósofo grego, a ideia permaneceria. Acompanhando o raciocínio
de Ernst Robert Curtius sobre o Fedro, ter-se-ia, em Platão, com efeito, a exposição
pioneira da «teoria da loucura divina do poeta» (CURTIUS, E., 1979: 505), a qual, com
«outros atributos da mitologia antiga» (ibid.), chegaria à Idade Média e a atravessaria.
Saltando algumas porções de centenas de anos, mas não esquecendo a recuperação
humanista ou renascentista de muitas das obras mais conhecidas dos autores gregos
e latinos, bastante influentes nos séculos XVI e XVII, uma sorte de teoria do gênio
se encontra já relativamente sistematizada entre os iluministas franceses, com o
verbete da Enciclopédia dedicado ao assunto. Nele, hoje atribuído a Jean-François de
Saint-Lambert, relaciona-se o termo a uma forma de talento singular, mais ligado à
criação do que à compreensão e não reduzível às normas do bom gosto, que regem
ou deveriam reger a conduta dos demais indivíduos. Sublinha-se, então, uma clara
tendência de cisão entre a pessoa que se julga ter um talento superior e a ordem
estabelecida, destacando-se um necessário desconcerto, assim como a incompreensão
dos contemporâneos. Sugere-se a existência de singularidades irredutíveis, não
integráveis pacificamente ao conjunto da sociedade, marcadas pela recusa ou pela
dissonância em relação às instituições e práticas representativas da ordem, pilares
da normalidade. Fala-se, ainda, significativamente, no poder do excesso, associado à
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capacidade de fundação ou inauguração de novos caminhos. No verbete, carregado


das impressões de seu autor, lê-se: «Os homens de gênio, forçados a sentir, [...]
levando ao excesso seus desejos, suas esperanças, [...] parecem-me mais feitos para
derrubar ou fundar estados do que para mantê-los» (SAINT-LAMBERT, J.-F., 2013:
não paginado)1.
Próximos do enciclopedista francês, tanto temporal quanto filosoficamente, Kant e
Hegel penderiam, entretanto, para o lado de um maior equilíbrio, com noções como
a beleza e a perfeição tendendo a coibir maiores excessos, mantendo-se um certo
padrão do gosto, do qual o gênio não deveria abrir mão. Para ambos, é o gênio também
associado à originalidade, ao talento para criar sem seguir as regras já estabelecidas,
concebendo obras modelares para os pósteros. O sentido da dissonância, todavia, já
não parece permitir a aproximação com a ideia de loucura, ou de um desvio da ordem,
da normalidade, em sentido amplo. Em Kant, a importância do gosto, em ligação
com o estudo e o conhecimento da tradição, bem como com o esforço técnico, vem
ao encontro da crítica aos pré-românticos alemães, julgados «‘espíritos superficiais’»
(KANT, I. apud SÜSSEKIND, P., 2009: não paginado), pois crentes em que «‘se desfila
melhor em um cavalo desvairado do que sobre um cavalo domado’» (ibid.).
Em Hegel, igualmente repudiando desvarios, a dimensão racional do fazer poético
merece tanto realce quanto no seu compatriota. O artista, para ele, não deve deixar de
«buscar ajuda na ponderação [...] lúcida do entendimento» (HEGEL, G., 1999: 283),
requerendo todas as artes «um amplo estudo, uma aplicação constante, uma habilidade
variadamente formada» (id.: 286), sem os quais a inspiração, ou o entusiasmo, aqui
já desprovidos de sua dimensão esotérica, não podem resultar em «uma obra de arte
consistente» (id.: 288). Investindo agudamente na compreensão do que seja a fantasia,
diferenciada da imaginação e tornada elemento fundamental da produção artística,
faculdade própria do gênio, distingue-se a simples extravagância, aquilo que seria
próprio de um único sujeito, constituindo «uma má particularidade» (id.: 295), e a
verdadeira originalidade. Tendo sempre no horizonte o ideal de universalidade que
preside a sua estética, o autor concebe a originalidade como atributo que se distancia
da «mera maneira» (id.: 292) (grifo do autor), uma vez que esta, afastando-se do
ideal, limita-se às «particularidades [...] contingentes» (ibid.) (grifos do autor) de
uma «peculiaridade subjetiva» (ibid.), não sendo capaz de configurar «em fenômenos
concretos as autênticas profundidades da vida» (HEGEL, G., 1999: 284).

1 A tradução, desta e de outras passagens, seja em francês, seja em inglês, corre por minha conta. No rodapé,
apresento os originais: Eis o texto da Enciclopédia: «Les hommes de génie forcés de sentir, [...] portant à l’excès
leurs desirs, leurs esperances, [...] me paraissent plus fait pour renverser ou pour fonder les états que pour les
maintenir».
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Menos racionalista, evidentemente, seria o romantismo do início do século XIX,


quando se consolida, incluindo-se as contribuições dos antecessores, um certo ethos
moderno, isto é, um conjunto de valores, hábitos e traços próprios a um período
relativamente longo da história, em consonância com o que se firmaria a relação entre
a genialidade e o poder imaginativo, bem como a figura do artista como ser de exceção,
supostamente marcado por uma criatividade superior e pela independência da mente,
pela autenticidade e pela genuinidade, muitas vezes levando-o à condição de solitário
ou marginal, dada a sua falta de habilidade de adaptação ao concerto social.
Tal fórmula seria logo também encarnada, ainda que em meio a posições
nitidamente antirromânticas, pelos poetas franceses da segunda metade do século,
incluindo Baudelaire e Rimbaud. Segundo Hugo Friedrich, aqui se teria a assunção
de um mesmo princípio, segundo o qual a «própria anormalidade» (FRIEDRICH,
H., 1991: 24) é vista como garantia de uma vocação, sendo a «proscrição do mundo
circunstante» (ibid.) a consequência de um «ato de orgulho» (ibid.), manifestando-se
como «uma pretensão à superioridade» (ibid.). Esta seria alcançável, sobretudo, através
da exploração do sonho ou da fantasia, em que se manifestaria «uma capacidade criativa
superior»(FRIEDRICH, H., 1991: 53), voltada para a «produção de conteúdos irreais»
(id.: 54), capaz de transformar uma realidade circunstante sempre insatisfatória.
Em Baudelaire, é esta realidade amesquinhada o que se interpõe aos anseios
do artista, cujo impulso para a elevação se mostra tão evidente quanto o desejo de
oposição às convenções sociais, calcado em um «gosto apaixonado de oposição»
(BAUDELAIRE, C. apud FRIEDRICH, H. 1991: 45). Contrapondo-se à «interpretação
científica do universo» (id.: 56), Baudelaire salientaria a potência de um outro tipo
de interpretação, a poética, àquela altura já motivo de uma espécie de disputa pela
recuperação de seu antigo prestígio. Lembre-se, todavia, que o autor não chegaria a
repudiar os movimentos da razão, defendendo o contato entre a fantasia e a consciência,
entre «o gênio poético e a inteligência crítica» (id.: 36), sem o que não seria possível
o trabalho de «transformação e desrealização do real» (id.: 53). Para ele, «o poeta é
a inteligência mais elevada, e a fantasia [...] a mais científica de todas as faculdades»
(BAUDELAIRE, C. apud FRIEDRICH, H., 1991: 57).
No que diz respeito a Rimbaud, para além da prática poética, suposta realização de
algumas de suas intenções, como a de «ser absolutamente moderno» (RIMBAUD, A.,
1999: 204)2, são conhecidas as duas cartas ditas do vidente, em que o autor fala sobre
a necessidade de provocar o «desregramento de todos os sentidos» (id.: 84) (grifos do

2 É em um trecho do poema «Adieu», fechando Une saison en enfer, que se diz: «Il faut être absolument
moderne».
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autor)3, defendendo o desvio em relação ao «bom caminho» (id.: 83)4, assim como
a execração dos ancestrais5, julgados versificadores, mas não verdadeiros artistas.
Fazendo jus ao epíteto de poeta maldito, sem recuar diante da extravagância, com
postura provocativa, afim ao desejo de chocar, o autor se propõe a transformar a
própria alma em algo monstruoso6, a se tornar um crápula, avesso às leis de seu tempo
e de sua civilização. Somente forçando os limites de si mesmo, tornando-se «o grande
doente, o grande criminoso, o grande maldito» (id.: 89)7, o poeta acredita poder
chegar ao contato com «as coisas inauditas e inomináveis» (ibid.)8, meta última para
todos aqueles que se queiram, em sua perspectiva, «poetas do novo» (RIMBAUD, A.,
1999: 92)9 (grifos do autor), suficientemente fortes para «descobrir uma linguagem»
(id.: 91)10.

3. Tornando-se mais intensa a experiência da separação entre o artista e os homens


que este mesmo vê como vulgares, a genialidade, em Fernando Pessoa, já no início
do século vinte, configura-se também no âmbito de reflexões sobre a oposição às
convenções, às ideias a respeito do que seria certo, são ou normal. Com ela, pensada
sobre o pano de fundo contrastante de um momento em que, segundo o autor,
«qualquer privilégio é um castigo» (PESSOA, F., 1995: 12), quando «nada nasce de
grande que não nasça maldito» (ibid.), reforça-se o sentido da dissonância em relação
aos padrões estabelecidos.
Nos Escritos sobre génio e loucura, destacam-se as asserções sobre o estado mesquinho
do tempo em que vivia o poeta, cujo traço característico seria «a incapacidade de
grandeza» (PESSOA, F., 2006: 83), ou seja, a incapacidade de «pensamento profundo,
de emoção intensa, de acção coordenadamente superior» (ibid.). A «civilização
moderna» (ibid.) se qualifica como «um ambiente estiolantemente propício»
(ibid.), onde vigora «a baixa do nivel mental superior em todas as manifestações»

3 Tal desregramento se apresenta como condição para se chegar ao desconhecido: «Il s’agit d’arriver à l’inconnu
par le dérèglement de tous les sens».
4 No idioma de Rimbaud: «la bonne ornière».
5 Reivindica-se a liberdade, para os novos poetas, de execrar os ancestrais: «[...] libre aux nouveaux! d’execrer
les ancêtres [...]» (RIMBAUD, A., 1999: 87) (grifo do autor).
6 É o que afirma o poeta, na segunda das cartas ditas do vidente, em maio de 1871: «Il s’agit de faire l’âme
monstruese» (id.: 88).
7 Em francês, no original: «le grand malade, le grand criminel, le grand maudit».
8 Em francês: «les choses inouïes et innommables».
9 No texto original: «poètes du nouveau».
10 Na língua de Rimbaud: «Trouver une langue».
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(ibid.). O gênio, como contraponto a este estado de coisas, é imaginado como um


homem superior, que «pensa mais acuradamente, sente mais profundamente, deseja
mais instantaneamente» (PESSOA, F., 2006: 45)11, que é «imaginativo» (id.: 46)12,
«fortemente criativo» (ibid.)13 e «profundamente original» (ibid.)14. Necessariamente
desviante em relação às normas contemporâneas, em diversas épocas, tal figura se
mostraria especialmente contrária às limitações dos tempos modernos, fazendo do
sonho, transfiguração da realidade, uma de suas experiências principais, tanto como
o isolamento egotista, fruto inevitável de sua falta de capacidade de adaptação.
Com relação ao sonho, muito do que diz Pessoa revela o seu alinhamento a
antecessores como Baudelaire ou Edgar Allan Poe, mencionados como grandes
homens de gênio, «simplesmente incapazes de adaptação» (PESSOA, F., 2006: 52-53)15.
Pensando, como Baudelaire, na reunião entre consciência e fantasia, afirma o autor
que os homens de gênio «veem mais claro e sonham mais do que os homens comuns»
(id.: 52)16. Por vezes, aqueles dois termos, consciência e fantasia, dão lugar a outros,
como quando Pessoa diz que «o homem de genio é um intuitivo que se serve da
intelligencia para exprimir as suas intuições» (id.: 80). A fórmula, todavia, permanece
a mesma, reunindo, de um lado, um elemento independente ou menos dependente
do processo de raciocínio, seja a imaginação, o sonho, a fantasia ou a intuição, e, de
outro, o elemento racional, aquele que se liga a «um maior desejo de compreensão»
(id.: 53)17. Da conjugação das duas dimensões é que se configuraria o gênio, o qual
se apresenta, não apenas como um criador de mundos outros, mas como um sujeito
marcado por uma «lucidez superior» (id.: 84).
Completando o quadro, o passo seguinte seria a inevitável aproximação deste tipo
de lucidez com a loucura. Dando prosseguimento à tradição que remete a Platão,
mas com a renovação de teorias próximas da psiquiatria e da psicologia do final do
século XIX, Pessoa se interessará pela constituição psíquica dos homens de gênio, por
vezes, inclusive, aceitando a ideia de que haveria um «elemento morbido» (id.: 65)
necessário à existência desta figura, ou refletindo sobre relações entre hereditariedade,
nevrose, psicose, histeria e o «desvio mental» (id.: 131) característico do fenômeno.

11 O texto original é escrito em inglês: «thinks more accurately, feels more deeply, wills more instantly».
12 Em inglês: «imaginative».
13 No original: «strongly creative».
14 No inglês de Pessoa: «profoundly original».
15 No texto de Pessoa: «simply incapable of adaptation».
16 Veja-se o original: «Men of genius both see more clear and dream more than common men».
17 No inglês de Pessoa: «a greater desire to comprehend».
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Em alguns textos, exploram-se sintomas como uma certa «mania de dúvida» (id.: 48)18,
da qual se observariam vários traços presentes na constituição do gênio. Dá-se
realce, neste ponto, a características como a hesitação e a indecisão, consequências
de um constante interrogar a si mesmo, um «colocar a si mesmo muitas questões»
(id.: 51)19, as quais se acompanham da «ansiedade para achar [...] resposta» (ibid.)20.
Na perspectiva do autor, são comuns, entre os homens de gênio, assim como entre
indivíduos que apenas sofrem da mania de dúvida, mas sem a contrapartida criativa
que caracteriza os primeiros, elementos como a insanidade e o nervosismo, os quais
resultam, entretanto, não da falta de um intelecto privilegiado, mas de um «abuso
dos poderes de raciocínio» (ibid.)21, do «exaggero de uma faculdade» (PESSOA, F.,
2006: 137).
Com estas colocações, volta-se à natureza da ligação, no homem de gênio, entre
a consciência e a imaginação, a primeira sendo responsável pela clareza de visão,
conquistada, não raro, a duras penas, com a insistência do pensamento, a segunda
mais relacionada à parte criadora do fenômeno, à «invenção»22 (id.: 153) (grifo do
autor). O gênio, nesta perspectiva, que inclui a importância da ideia de originalidade,
não poderia existir sem a atividade que torna manifesta a criação23, a qual, por sua
vez, remete, novamente, à loucura24. Pessoa, mencionando Carlyle e Blake, afirma que
a «parte creadora do genio é a parte de loucura» (id.: 65) (grifo do autor). Em outro
fragmento, este já apontando para a ação dos homens de gênio sobre a sociedade
de seu tempo, implicando uma abertura ao futuro, afirma-se que «os creadores de
impulsos sociaes são os creadores da sem-razão» (id.: 64).
Aos homens de gênio, com efeito, é atribuída a ligação com o futuro, sendo eles vistos
mesmo como homens «do futuro» (id.: 61). Segundo Pessoa, estas figuras sentiriam
«antes dos outros homens a direcção de uma sociedade» (id.: 71) (grifo do autor),

18 Em inglês: «mania of doubt».


19 A dúvida seria, na língua de Shakespeare, «the putting to oneself of many questions».
20 Em inglês: «the anxiety over the finding of [...] answer».
21 Em inglês: «the abuse of the reasoning powers».
22 Cogitando uma possível distinção entre gênio e talento, diz Pessoa: «O talento é essencialmente coordenação.
O genio é invenção e coordenação» (PESSOA, F., 2006: 153) (grifos do autor).
23 Ao apontar como elementos fundamentais para a existência do gênio a «superioridade» (id.: 141), a
«originalidade» (ibid.) e a «actividade» (ibid.), explica Pessoa que esta última «não quér dizer trabalho
intenso, mas sim manifestação de qualidades» (PESSOA, F., 2006: 142), não se opondo à «inercia» (ibid.), à
«inactividade» (ibid.), mas, simplesmente, à «não-manifestação» (ibid.) (grifos do autor).
24 Se a atividade de criação se associa à imaginação, esta, por sua vez, quando predominante sobre o raciocínio,
seria indício de loucura, sendo «doido» «[...] um homem que mostra [...] pred[omini]o da imaginação sobre
o raciocinio [...]» (PESSOA, F., 2006: 111).
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sendo, portanto, o primeiro «indicio da sua evolução» (ibid.). Fala-se, nomeadamente,


em «evolução social» (ibid.) (grifos do autor), atribuindo-se aos homens de gênio
uma espécie de função na mesma sociedade na qual não se integram normalmente.
Diferentemente da simples loucura, que seria apenas uma «expressão individual»
(PESSOA, F., 2006: 139), o gênio seria «manifestação [...] social» (ibid.), inerentemente
ligada à criação, por um lado, e ao destino da comunidade, por outro. Nas palavras
do autor, «o facto mais importante da vida de uma sociedade é a producção de
homens de genio, de creadores» (PESSOA, F., 2006: 62), o que se relaciona ao próprio
«progresso» (id.: 75) da civilização. Sendo o gênio «um inadaptado que cria» (id.: 63)
(grifo do autor), o resultado de seu fazer seria levar «o meio [a] adaptar-se a si» (ibid.).
Sendo, contudo, este homem um indivíduo não muito propenso à ação, sobretudo, a
uma interferência concreta, de caráter pragmático, esta forma de adaptação estaria
fadada a apenas surtir efeito em «um meio futuro» (PESSOA, F., 2006: 64).
Sob outro aspecto, Pessoa ressalta, ainda, o perigo que representa o gênio para a
sociedade de que faz parte, quando se trata de exercer a função social que lhe seria
própria, associada à renovação do seu meio, e motivada, de acordo com alguns textos,
por seu «amor à humanidade» (id.: 46)25. A intervenção desta figura, em seu movimento
de «espalhar idéas, educar almas, transformar mentalidades» (id.: 77), não poderia
deixar de ser problematizada. Pessoa fala mesmo sobre os «maleficios do genio» (ibid.).
Tendo em vista, em suas palavras, que «espalhar ideias é frequentemente desorientar»
(ibid.), que «educar almas é frequentemente torcel-as do seu vero caminho» (ibid.),
que «transformar mentalidades é frequentemente tirar-lhes a calma e a felicidade,
alargando-as para a incerteza e para o abismo» (ibid.), tal intervenção, embora «útil
superiormente» (ibid.), não poderia deixar de ser perigosa, senão nociva, para alguns.
Entre estes últimos, certamente, encontrar-se-iam alguns psicólogos e psiquiatras
lidos à época de Pessoa, para os quais os desvios enaltecidos pelos modernistas,
em geral, não representavam oposição à estreiteza e à mediocridade, mas simples
degenerescência. Se Pessoa também usou este termo, em alguns momentos, em
sentido próximo do que lhe dava Max Nordau, é preciso perceber que, noutros,
mais numerosos, manifesta-se uma apropriação e uma reversão de sentido irônicas,
através das quais se chega à valorização de um movimento como o do grupo da
revista Orpheu, cujos «elementos morbidos» (PESSOA, F., 2006: 389), típicos da
degenerescência, não se dissociam de sua originalidade, de sua capacidade de criar
«um novo modo-de-expressão» (id.: 403), fundamental, senão para o campo da
moral, ao menos para o da estética. Incapazes de perceber esta separação, seriam os

25 Em inglês, no original: «love of humanity».


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psiquiatras, na visão de Pessoa, verdadeiros «charlatães» (id.: 396), responsáveis por


uma forma de «charlatanismo scientifico» (id.: 393), «superstição scientifica» (id.: 397)
(grifos do autor), ou, ainda, «delirio interpretativo» (id.: 401). Neste âmbito, não se
poderiam valorizar os princípios, a um só tempo, «novos e perturbadores» (id.: 403)
de uma gente «doentia e perigosa» (id.: 402) como a de Orpheu.

4. É a menção à psiquiatria que me deve levar ao breve comentário sobre Antonin


Artaud, antes de passar às minhas considerações finais. Elas incidem, em particular,
sobre o contundente texto do autor em defesa, a um só tempo, da genialidade e
da sanidade de Van Gogh, o qual, como se sabe, passou parte importante da vida
internado, sob os cuidados da psiquiatria. O que é digno de nota, sobretudo, neste
texto, é a força da acusação de Artaud ao pensamento convencional, indigitando-se,
em uma espécie de inversão da ordem comum, o «delírio» (ARTAUD, A., 2004: 9)
ou o «desregramento» (ibid.), a «anomalia psíquica» (ibid.) em que se encontraria o
mundo contemporâneo, um «mundo enjaulado» (ARTAUD, A., 2004: 47), do qual
certas «lucidezes superiores» (id.: 9), como a do pintor holandês, seriam vítimas
emblemáticas. Em seu raciocínio, a psiquiatria merece destaque como uma invenção
de uma sociedade «anormal» (ibid.), interessada em «se defender das investigações»
(ibid.) de figuras contrárias à «consciência geral» (ARTAUD, A., 2004: 15), imbuídas
de «certa ideia superior de honra humana» (id.: 12). A estas últimas figuras, entre
as quais se contariam também Gérard de Nerval, Baudelaire e Edgar Allan Poe,
associam-se «boas-vontades raras e lúcidas» (id.: 13), que, entretanto, a sociedade
«não quis ouvir» (id.: 12), barrando a formulação de «verdades insuportáveis» (ibid.)
para quem «sempre gostou mais de se contentar muito simplesmente em existir»
(ARTAUD, A., 2004: 44).
É ao psiquiatra, então, neste contexto, que se atribui a «mais indiscutível loucura»
(id.: 25), vendo-se, neste suposto homem de ciência, um «velho e atávico reflexo
da turba» (ibid.), o qual faria dele um «inimigo nato [...] de todo o génio» (ibid.).
Não se deixa, assim, de atacar também o vulgo, os homens medianos, falando-se de
uma «consciência bestial das massas» (ARTAUD, A., 2004: 51), contrárias às mais
legítimas aspirações dos homens de gênio, tidos como verdadeiros «heróis da terra»
(id.: 29), «naturezas elevadas, sempre um furo acima do real» (id.: 28), capazes de
«ver mais longe, infinita e perigosamente mais longe» (id.: 27). Temerosa da «rebelião
reivindicadora» (id.: 25) que estaria «na origem do génio» (ibid.), a turba faria dos
psiquiatras a sua «guarda suíça» (ibid.), disposta a protegê-la daquela sorte de «lucidez
superior» (ARTAUD, A., 2004: 27), a qual, desse modo, ficaria «vigiada» (ibid.), ou
seria, simplesmente, expelida, como teria acontecido com Van Gogh, nas palavras de
Artaud, um «despachado do mundo» (ARTAUD, A., 2004: 52).
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5. Resta-me, pois, agora, amarrar alguns fios de contato entre Fernando Pessoa e
os autores de quem falei alguma coisa, ao longo do texto. As afinidades com Artaud,
para começar, são bastante evidentes, confirmando a ideia de que fazem os dois
parte de um mesmo universo de valores e posições, próprios dos modernistas da
primeira metade do século XX, os quais prolongam ainda formas de pensar advindas
da centúria anterior. Não apenas ambos os autores, efetivamente, discorrem sobre os
perigos que o gênio representaria para a sociedade de seu tempo, como concebem
a positividade deste perigo, a importância de uma ação convulsionante, sem a qual
o mundo, necessitando de transformação, não deixaria de ser o que é. Em ambos,
de modo significativo, ressalta a ideia de uma lucidez própria do homem de gênio,
superior, em muitos sentidos, à inteligência do homem comum, menosprezado tanto
em um quanto no outro autor, os quais, não raro, identificam-no com o burguês,
senhor dos negócios do mundo moderno, marcado, segundo Artaud, pela «inércia
burguesa» (id.: 9), pelo «conformismo larvar da burguesia» (id.: 10).
Pessoa, entretanto, repare-se, mostra-se mais meticuloso do que Artaud, no
conjunto dos seus raciocínios, fazendo distinções que este último não explora, seja
a que respeita à diferença entre o gênio e a simples loucura, seja aquela atinente à
separação entre o gênio e o criminoso, próximos, em sua conduta antissocial,
mas distintos no que tange ao poder de criação e à sua manifestação, de caráter
positivamente social, presente em um, e ausente no outro. Neste caso, as afinidades de
Artaud parecem ser mais evidentes com Rimbaud, e não, propriamente, com Pessoa,
cuja análise da constituição do homem de gênio, informada mesmo por referências
médicas e filosóficas, vai mais além.
Sob outro aspecto, se Pessoa explora a ligação com o futuro que seria própria
do gênio, Artaud fala em suas «faculdades de adivinhação» (id.: 9), os dois, neste
sentido, aproximando-se também de figuras tão díspares quanto são Kant e Rimbaud.
Naturalmente, o filósofo alemão não aprovaria o desregramento ou a monstruosidade
de que fala o poeta francês, indícios de um necessário afastamento em relação ao
gosto, bem como de uma postura mais radical, excessiva, do que equilibrada.
Relembre-se, todavia, que já em Kant se destaca a importância assumida pela ideia
de originalidade, articulada à recusa das «regras ou [...] formas prontas da tradição»
(SÜSSEKIND, P., 2009: não paginado), conectada à oposição «ao espírito de imitação»
(KANT, I. apud SÜSSEKIND, P., 2009: não paginado), da mesma forma que se realça
o caráter de exemplaridade daquilo que cria o homem de gênio, fornecendo modelos
para os que vêm depois, no futuro. Se, para Rimbaud, novos poetas, desde que se
disponham a enfrentar o tortuoso caminho da busca pelo desconhecido, começam
Acerca de gênio e loucura: especificidades da visada de Fernando Pessoa, em contato com as de outros autores 77

«pelos horizontes onde outro foi abatido» (RIMBAUD, A., 1999: 89)26, para Kant, os
produtos do gênio, embora «inimitáveis», constituem «os únicos meios de orientação
para a posteridade» (SÜSSEKIND, P., 2009: não paginado).
Quanto a outros autores de que falei, é evidente a relação que existe entre Hegel e
Baudelaire, em particular, no que tange à posição que a fantasia assume, no processo
criativo, em ambos, como faculdade essencial. Para além disso, embora mais aberto à
articulação entre a produção poética e o mistério ou a magia, alijados de um mundo
controlado pela racionalidade, Baudelaire, como Hegel, não concebe a existência de
verdadeira poesia sem que o poeta tenha domínio do seu fazer, sem que se experimente
uma funda concentração do intelecto, voltado para o «trabalho» (FRIEDRICH, H.,
1991: 39), a «construção sistemática» (ibid.), a «construção formal» (ibid.) do poema.
Neste sentido, a afirmação de Hegel, de que seria «disparate acreditar que o autêntico
artista não sabe o que faz» (HEGEL, G., 1999: 283), refutando Platão, encontraria
ressonância na estética do poeta francês. Em particular, neste ponto, ambos também
se aproximariam de Pessoa, o qual não nega a importância do intelecto no processo de
composição poética, como quando, elogiando aquele que afirma ser o «maior homem
de génio» (PESSOA, F., 2006: 439) (grifos do autor) da Península Ibérica do século
XIX, Antero de Quental, claramente com ele se identificando, afirma se tratar de «um
dos mais conscientes, talvez o mais consciente poeta que jamais existiu» (id.: 438).
No que diz respeito ao iluminista Saint-Lambert, por sua vez, a oposição entre o
que se vê em seu verbete, na Enciclopédia, de um lado, e os alemães Kant e Hegel,
de outro, faz com que se possa dar relevo à posição intermediária de Pessoa.
Aproximando-se do francês, o poeta não pretende aderir às restrições da noção de
gosto, ainda associadas ao belo e à perfeição, adotando, ao mesmo tempo, a perspectiva
da cisão marcante entre o homem de gênio, em sua firme singularidade, e o vulgo,
incapaz de compreender aquele que estaria destinado a alterar o estado de coisas de
seu mundo, abrindo as portas para o futuro. As menções de Saint-Lambert a elementos
como a irregularidade ou o caráter «selvagem» (SAINT-LAMBERT, J.-F., 2013: não
paginado)27 dos produtos do gênio, a referência aos «edifícios atrevidos que a razão
não arriscaria habitar» (ibid.)28, de fato, parecem mais próximas de Pessoa, e mesmo
de Rimbaud, do que de Kant e Hegel, com os quais, entretanto, o enciclopedista, assim
como o poeta de Orpheu, não deixa de compartilhar algumas posições. Dentre estas,
vale destacar, por exemplo, a percepção da importância da imaginação, ou da fantasia,

26 No francês de Rimbaud: «par les horizons où l’autre s’est affaissé».


27 As coisas do gênio devem ter, no francês de Saint-Lambert, «l’air irrégulier, [...] sauvage [...]».
28 No original da Enciclopédia: «des édifices hardis que la raison n’oserait habiter».
78 100 Orpheu Bernardo Nascimento de Amorim

como especificidade diferenciadora do gênio, e, ainda, a preocupação em pensar as


relações entre o próprio gosto, «obra do estudo e do tempo» (ibid.)29, e uma forma de
criação mais livre, intempestiva ou tempestuosa, a qual, presente em Saint-Lambert,
não deixa de rondar as reflexões de Kant, Hegel e Pessoa.
Por fim, no que tange a Platão, com o qual darei por encerradas estas minhas
elucubrações, não resta dúvida de que se apresenta mesmo como figura basilar, senão
em sua faceta mais moralista, como em A república, ao menos, para o que interessa
aqui, naquilo que se apropriou de suas reflexões sobre a natureza da inspiração poética.
Revista, quando se substitui o caráter divino do poeta por uma mais chã superioridade
perante os demais homens, considerando-se a sua função social em uma comunidade
burguesa, a teoria de Platão permanece como uma fonte de referência importante. Se,
em um mundo desencantado, como o mundo moderno, cientificamente ordenado e
explicado, os deuses não são mais as figuras a que se ligam os poetas, em seus delírios,
ou se os homens de gênio, em que pese à sua suposta superioridade, não são divinos,
o fato é que, em perspectivas como a de Pessoa e Artaud, eles permanecem, malgrado
a sua posição conflitante com o mundo, ou mesmo por causa dela, como seres a quem
se insiste em atribuir alguma luz especial.

BIBLIOGRAFIA

Bibliografia Ativa
ARTAUD, Antonin (2004). Van Gogh o suicidado da sociedade. Tradução e notas
de Aníbal Fernandes. Lisboa: Assírio & Alvim.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1999). Cursos de Estética I. Tradução de Marco
Aurélio Werle. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.
PESSOA, Fernando (2006). Escritos sobre gênio e loucura. Edição de Jerónimo
Pizarro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 2 v.
PLATÃO (1988). Íon. Introdução, tradução e notas de Victor Jabouille. Lisboa:
Editorial Inquérito.
RIMBAUD, Arthur (1995). Poésies. Une saison en enfer. Illuminations. Edition de
Louis Forestier. Paris: Gallimard.
SAINT-LAMBERT, Jean-François de (2013). «Génie». In: DIDEROT, Denis;
D’ALEMBERT, Jean le Rond (Eds.). ENCYCLOPÉDIE, ou Dictionnaire
Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, par une Societé de Gens de Lettres.

29 Em Saint-Lambert: «ouvrage de l’étude et du temps».


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Chicago: University of Chicago: ARTFL Encyclopédie Project: Spring 2013.


MORRISSEY, Robert (Ed.). Disponível em: <http://encyclopedie.uchicago.
edu/>. [Acesso em: 06 mar. 2015].

Bibliografia Passiva
CURTIUS, Ernst Robert (1979). Literatura europeia e idade média latina. Tradução
de Teodoro Cabral, com a colaboração de Paulo Ronai. Brasília: INL.
FRIEDRICH, Hugo (1991). Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX
a meados do século XX. São Paulo: Duas Cidades.
SÜSSEKIND, Pedro (2009). «Considerações sobre a teoria filosófica do gênio».
In: VISO – Cadernos de estética aplicada, n. 7, jul.-dez. 2009. Não paginado.

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