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Tribunal Judicial da Comarca de ·····

Proc. n.º 5 /15


1ª Secção de Execução - Juiz 2

Meritíssimo Juiz de Direito

Berta, NIF ·····, residente em ·····, executada nos autos em referência,


vem deduzir embargos de executado contra o exequente Dinis, o que faz
nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. O exequente/embargado é portador de seis cheques, todos


assinados pela executada, nos montantes de 2.500,00€, deles
constando serem à ordem do exequente, datados
respectivamente de 31/12/2013, 31/03/2014, 30/06/2014,
30/10/2014, 31/11/2014 e 31/12/2014, tendo sido neles aposta
a menção de devolução por falta de provisão em 4/01/2014
quanto ao primeiro e 19/02/2014 quanto ao segundo, sendo
que quanto aos restantes foi aposta em 19/02/2014 a menção
de devolução com indicação de revogação por justa causa, falta
ou vício;

2. O exequente/embargado e a executada/embargante
celebraram, por escritura pública, um acordo que denominaram
de 'contrato de trespasse', datado de 26 de Julho de 2013, tendo
para o efeito prestado as seguintes declarações:

Contrato de Trespasse

Primeiro: Dinis (…), como promitente trespassante.

Segundo: Berta, solteira (…), como promitente trespassária.

O 1º outorgante declarara que é dono e legítimo possuidor de um


estabelecimento comercial de venda de artigos têxteis, interiores,
bijuterias e acessórios, instalado no rés do chão do prédio urbano sito na
Rua ·····, n. ·····, em Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o
art. 7807, por o ter tomado de trespasse por contrato de 31 de Janeiro
de 2005, a E·····, que tomou de arrendamento o referido prédio a F·····,
residente na Rua ·····, n. ·····, em Vila do Conde, e por cujo local vem
sendo paga, actualmente, a renda mensal de 329.55€.

Pelo presente contrato, o 1º outorgante trespassa à 2ª o referido


estabelecimento comercial, o qual será entregue no próximo dia 31 de
Agosto de 2013, com todos os elementos que o compõem, ficando, no
entanto, esclarecido que o mesmo não tem, actualmente, qualquer
passivo nem activo.

Do estabelecimento fazem parte os móveis e decoração que são do


conhecimento de ambas as partes, designadamente um sistema de
exposição em madeira, com alumínio na parede lateral esquerda, direita
e fundo, dois balcões em madeira e vidro, móvel para o quadro eléctrico
em madeira, montra em vidro temperado de 10 mm, dois móveis de
armazenamento e decoração, sistema informático, bijuteria e acessórios
existente, incluindo-se ainda o sistema de som e iluminação, sendo estes
propriedade dos inquilinos.

O preço do trespasse é de € 20.000,00 (vinte mil euros) e que será pago


pela forma seguinte:

a) A quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) no acto da assinatura do


presente contrato, como princípio de pagamento.

b) O restante do preço no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) será


pago em seis prestações, no valor de € 2.500,00 ( dois mil e quinhentos
euros), vencendo-se a 1ª em 31/12/2013, a 2ª em 31/03/14, a 3ª em
30/06/14, a 4ª em 30/10/14, a 5ª em 30/11/14, e a 6ª e última em
30/12/14, obrigando-se a 2ª outorgante a entregar, na data da
assinatura deste contrato, seis cheques pós datados, no referido valor
de € 2.500,00 cada, e com as referidas datas de vencimento.

Fica esclarecido que se a trespassária não pagar as prestações que vão


ficar em dívida, nas respectivas datas de vencimento, o estabelecimento
reverterá para o 1º outorgante com perda para a 2ª de parte do preço
entretanto pago, bem como das obras que eventualmente venha a
executar no estabelecimento que ficarão pertença deste sem direito a
indemnização ou retenção.

A falta de pagamento de uma das prestações nas respectivas datas de


vencimento importa o vencimento de todas.

A segunda outorgante confessa-se devedora das referidas quantias


devidas a título de prestações, pelo que, e em caso de falta de
pagamento das mesmas, o presente documento servirá de titulo
executivo para cobrança do valor em falta.

O estabelecimento será trespassado sem quaisquer dívidas, e sem a


vinculação de qualquer trabalhador, ficando o 1º outorgante
responsável por qualquer dívida que venha a surgir e contraída até à
data do presente contrato, designadamente, renda, água, luz, telefone,
Segurança Social, fornecedores etc.

A 2ª outorgante obriga-se ainda a entregar na residência da senhoria ou


através de transferência bancária para conta a indicar, a quantia de
329.55€, até ao 8° dia útil do mês a que disser respeito, vencendo-se a
primeira em Agosto de 2013, a qual corresponde ao valor devido a título
de renda,
10º

Declarou a 2ª outorgante adquirir, por trespasse, ao 1º, o referido


estabelecimento.

11º

Declarou, finalmente, o 1º outorgante que já recebeu da 2ª a indicada


quantia de € 5.000,00 e os seis cheques para garantia do pagamento das
referidas prestações.

Vila do Conde, 26 de Julho de 2013.

3. Ora sucede que, ao arrepio do que fora convencionado, em 31


de Agosto de 2013, o exequente exigiu da executada o
pagamento de todas as mercadorias existentes dentro do
estabelecimento.

4. Perante a oposição da executada, o exequente removeu a


totalidade da mercadoria existente no estabelecimento e não
deixou nenhum bem para que a executada pudesse vender.

O Direito

Proibindo a justiça privada ou autotutela (art. 1º do C.P.C.), a


ordem jurídica concede ao credor de prestação não satisfeita,
através do exercício da acção executiva, a faculdade de obter a
sua efectivação coerciva, ou seja, a faculdade de satisfazer o
interesse patrimonial correspondente ao seu direito (art. 10º, nº 4
do nC.P.C.) - na acção executiva pode o credor obter a realização
coactiva da prestação não cumprida, enquadrando-se esta, por
isso, na efectividade da tutela jurisdicional e na garantia do acesso
aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos (art.
20º, nº 1 da C.R.P.) [Cfr.ª Miguel Teixeira de Sousa, Estudos
Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 603].

A finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse


patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu
objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação - nesse
objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento
da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação,
poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona
como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais
decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de
exigir a prestação) [Autor e obra citados, p. 606.].

Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de


aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas
uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção
executiva - exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de
vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a
realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca,
traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou
seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a
faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art.
10º 1 do nC.P.C.) [Cfr.ª Autor e obra citados, pp. 606 a 608].

A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do


património do devedor, ou seja, 'um poder resultante da
incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta
que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a
prestação, mas também a de executar, em caso de
incumprimento, o património do devedor' [Autor e obra citados, p.
626.].

Do título executivo - que determina o fim e os limites da execução,


sendo a base desta (art. 10º do nC.P.C.) - resulta a exequibilidade
da pretensão executanda, pois incorpora o direito de execução,
isto é, o direito do credor a executar o património do devedor ou
de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito [Cfr.ª
Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da
natureza e função do título executivo, RFD, 19 (1965), p. 317].

Apenas podem servir de base à execução os títulos indicados na


lei - art. 703º do nC.P.C.. Títulos executivos são tão só e apenas
os indicados na lei - trata-se de enumeração taxativa, sujeita à
regra da tipicidade [Cfr.ª Miguel Teixeira de Sousa, Acção
Executiva Singular, Lex, 1998, pp. 65/66.], ficando assim subtraída
à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a
documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse
atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao
documento se ela for reconhecida pela lei.

A falta de título executivo é fundamento de oposição à execução


(arts. 729.º, 857º do nC.P.C.).

Por outra parte, a pretensão em que se traduz o objecto da acção


'mantém nessa acção todas as características do seu regime
substantivo', sendo-lhe por essa razão 'oponíveis todas as
excepções peremptórias' [Miguel Teixeira de Sousa, Estudos …,
p. 606.] que poderiam ser invocadas num processo declarativo
(art. 731º do nC.P.C.).

A exequibilidade intrínseca da pretensão é uma 'condição da qual


depende a concessão da tutela jurisdicional' (no caso, a execução
da prestação) - respeita 'à própria pretensão, ou melhor, a um dos
seus elementos, que é a faculdade de exigir a prestação' e, assim,
faltando a exequibilidade intrínseca, falta igualmente essa
faculdade e, em consequência, a pretensão, o que justifica que
uma acção executiva cujo objecto seja uma pretensão
intrinsecamente inexequível deva ser improcedente [Autor e obra
citados, p. 610.].

Uma tal faculdade de exigir a prestação (nisso consiste a acção


executiva) pressupõe, logicamente, a prévia solução da dúvida
sobre a existência e a configuração do direito exequendo,
constituindo a declaração ou acertamento dum direito ou de outra
situação jurídica, que é o ponto de chegada da acção declarativa,
o ponto de partida na acção executiva [Lebre de Freitas, A Acção
Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, p. 20.] - a
realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição
dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de
que ela é objecto, contendo o título executivo esse acertamento,
radicando aí a afirmação de que ele constitui a base da execução,
por ele se determinando, desde logo, o objecto da acção [Autor e
obra citados, p. 36].
Pressuposto da acção executiva é, pois, não só a exequibilidade
extrínseca do título executando (preenchimento dos pressupostos
e requisitos para que um documento possa valer como título
executivo, nos termos do art. 703º do nC.P.C.), como também a
exequibilidade da pretensão (a exequibilidade intrínseca, traduzida
na inexistência de qualquer razão ou fundamento que,
substantivamente, configure matéria extintiva, modificativa ou
impeditiva da faculdade de exigir judicialmente a prestação) -
faltando qualquer delas, soçobrará a pretensão do autor.

A oposição à execução, quando deduzida a execução fundada em


título negocial, como é o caso dos autos, e para além dos factos
que podem ser invocados como impeditivos ou extintivos de uma
execução fundada em sentença, pode ainda fundar-se nos factos
que servem de meio de defesa no processo de declaração - art.
729.º e 857.º do nC.P.C. -, pois que na oposição o executado vem
contestar o direito judicialmente exercido pelo exequente,
designadamente pela invocação de factos que, em processo
declarativo, constituiriam matéria de excepção, cuja finalidade é,
na acção executiva, a impugnação da obrigatoriedade de
satisfação do pedido executivo formulado.

Apesar de constituir, do ponto de vista estrutural, algo de


extrínseco à acção executiva, a oposição 'toma o carácter duma
contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título
executivo' - quando veicula uma oposição de mérito à execução,
visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação
exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo
consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao
prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por
via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando
tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma
pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas
uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum
pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo,
igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva,
mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade [Autor e obra
citados, pp. 189 e 190.].
Importa realçar que apesar da oposição à execução constituir uma
verdadeira contra-acção relativamente ao pedido executivo, tal
não significa que haja qualquer alteração das regras do ónus de
prova fixadas no domínio do direito substantivo [Anselmo de
Castro, A acção executiva ..., pp. 44 e 45.].

Embora não possa negar-se à presente acção executiva a sua


exequibilidade extrínseca, o mesmo já não se dirá no que toca à
exequibilidade intrínseca da pretensão.

Com efeito, a pretensão executiva deduzida pelo exequente não


está alicerçada e fundada em direito inatacável, pois, a executada
embargante pode, In casu, opor, válida e procedentemente, facto
impeditivo, modificativo ou extintivo, assim impugnando a
obrigatoriedade de satisfação do pedido executivo formulado.

A pretensão do exequente alicerça-se, em termos de causa


(enquanto génese da obrigação de que se intitula titular activo), no
contrato de trespasse celebrado com a executada. Na sua
qualidade de trespassante pretende haver da trespassária a parte
do preço acordada e não paga - obrigação esta de que é titular
activo e que é o correspectivo da prestação por si assumida de
transferir para a executada trespassária o direito de propriedade
sobre o estabelecimento comercial (e bem assim proceder à
entrega deste). Todavia, não lhe assiste esse direito, uma vez que
o exequente incumpriu a sua prestação, já que exigiu, contra o
acordado, o pagamento das mercadorias existentes no
estabelecimento e, perante a oposição da executada quanto a
essa solicitação, removeu a totalidade da mercadoria existente no
estabelecimento (mercadoria englobada no objecto do contrato
outorgado entre as partes), deixando-o despojado de qualquer
bem para venda.

Este comportamento do exequente configurou a violação ou


inexecução do programa contratual, do que advêm implicações
jurídicas.

As partes celebraram um verdadeiro contrato de trespasse.


«Efectivamente, no nosso ordenamento jurídico, o trespasse
constitui a negociação definitiva do estabelecimento comercial (o
trespasse é uma venda com um objecto peculiar e específico - o
estabelecimento), operando-se, como seu efeito principal, a
transferência do domínio sobre esse objecto mediato ou stricto
sensu (sobre esse quid que é o estabelecimento).

Característico (e definidor) desta figura negocial é o seu objecto


mediato, o estabelecimento comercial ou industrial: uma
'organização concreta de factores produtivos como valor de
posição no mercado, organização, portanto, que, concreta como
é, exige um complexo de elementos ou meios em que a mesma
radica e que a tornam reconhecível. Embora não possa reduzir-se
a coisa ou coisas materiais - a algo que «cerni vel tangi esse
potest» -, é, desta maneira, incindível de certos elementos
externos, não sendo, pois, resolúvel num puro plano organizatório
(apesar de consistir numa organização) ou em meros valores de
acreditamento ou de fama - tais como a clientela, a freguesia, etc.
(apesar de ser um valor como se disse). Trata-se, se quisermos,
de um bem imaterial encarnado, radicado num lastro material ou
corpóreo, que o concretiza, e, concretizando-o o sensibiliza'
[Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra 1977, p. 196.].

O estabelecimento comercial traduz-se, assim, no 'conjunto ou


complexo de coisas corpóreas ou incorpóreas organizado para o
exercício do comércio' [Barbosa de Magalhães, Do
Estabelecimento Comercial, 1951, p. 13..], no 'conjunto de bens e
serviços organizado pelo comerciante com vista ao exercício da
sua exploração comercial'[Fernando Olavo, Direito Comercial, 2ª
edição, pp. 259 e ss.]. O estabelecimento forma, além de uma
unidade económica, uma unidade jurídica, pois é uma
organização de determinados instrumentos - 'o estabelecimento
não está nas próprias coisas, está na organização delas para os
fins de produção: é uma unidade de fim' [Ferrer Correia, Lições de
Direito Comercial, Vol. I, 1965, pp. 217 e ss.].

Não se resume ele (estabelecimento) aos bens corpóreos em que


se materializa ou objectiva (ao lastro material em que radica ou
encarna), pois que dele é incíndivel o elemento organizatório,
essencial à sua existência. Este elemento organizatório é de tal
modo essencial à figura que para se concluir pela sua existência
(e, por isso, pela possibilidade de constituir objecto mediato de
negócios) se tem por desnecessário ou não essencial que ele
esteja em exploração ou funcionamento (ou que tal exploração ou
funcionamento já se tenham iniciado e não estejam interrompidos)
ou sequer que tenha aviamento, clientela ou sequer que existam
mercadorias [A este propósito, p. ex., o Ac. R. Porto de 2/07/1992,
in CJ, Ano XVII, Tomo 4, p. 231 e também Galvão Telles, Cessão
de Exploração de Estabelecimento, parecer na C.J., Ano XVII,
Tomo 1, p. 53, além do Acórdão do S.T.J. de 18/04/2002].» Ac.
TRP de 22-11-2011 Processo: 1437/07.0TBVCD-A.P1 Rel:
RAMOS LOPES

Mostra-se assim inquestionável que o negócio celebrado pelas


partes foi um trespasse - quer considerando o seu objecto
imediato (os efeitos a que o negócio se destinou - a transferência
da propriedade de determinado bem, uma venda), quer
considerando o seu objecto mediato ou stricto sensu (o quid sobre
o qual recaíram aqueles efeitos, ou seja, o estabelecimento).

Na verdade, basta atentar que as partes, com a outorga do


contrato, pretenderam que para a trespassária fosse transmitida,
da esfera jurídica do trespassante, e mediante o pagamento de
preço que acordaram, o direito de propriedade sobre um
determinado bem, bem esse que tem de ser havido como um
estabelecimento, face à noção que desta figura se traçou - sendo
certo que, para além do mais, nessa transmissão estavam
incluídas, além de outros elementos (mobiliário e decoração), as
mercadorias (as bijuterias e acessórios) nele existentes à data da
outorga do contrato (veja-se a cláusula 3ª do referido contrato).

O facto do exequente trespassante, já na fase executiva do


negócio, ter retirado do estabelecimento todas as mercadorias
existentes no estabelecimento (em virtude da exequente
trespassária não ter acedido à sua solicitação de as pagar) não
releva para efeitos de qualificação jurídica do negócio, sendo
antes matéria a valorizar enquanto violação ou inexecução do
contrato (perturbação surgida já na sua fase executiva) -
efectivamente trata-se de conduta havida já depois de
estabelecida a perfeição negocial, e por isso no âmbito da
adstrição contratual, em que as partes estão sujeitas ao dever de
prestar e, por isso, no campo da responsabilidade contratual.

Por força do trespasse o exequente tinha o dever de transmitir


para a executada as bijuterias e acessórios - materiais - a que o
contrato alude, o que não fez.

Apreciemos então, em vista de apurar das suas relevância e


consequências jurídicas, o apurado comportamento do exequente.

As obrigações a que as partes se encontram adstritas em função


da vinculação contratual devem ser cumpridas pontualmente,
como resulta do disposto no art. 406º, nº 1 do C.C., o que significa
não só que devem ser cumpridas em tempo, ou seja, dentro do
prazo acordado, como também que devem ser cumpridas sem
vício, de forma a satisfazer integralmente o interesse do credor
(veja-se o princípio geral estabelecido no art. 762º do C.C.) - deve
ser o contrato cumprido ponto por ponto.

É pela convenção das partes (no exercício da sua liberdade


contratual, na vertente da liberdade de modelação dos contratos -
art. 405º, nº 1 do C.C.) que se define e determina o exacto âmbito
e objecto da prestação a cargo de cada uma delas.

Da relação negocial que vinculava as partes decorria para a


executada, a título principal, a obrigação de pagar um
determinado (acordado) quantitativo monetário (o preço) e para o
exequente, também a título principal, a obrigação de para aquela
transferir a propriedade do estabelecimento e bem assim de o
entregar (veja-se o art. 879º, aplicável ao caso por força do
disposto no art. 939º do C.C., pois o negócio em causa é oneroso,
pressupondo atribuições patrimoniais de ambas as partes,
existindo entre tais atribuições um nexo ou relação de
correspectividade, em que cada uma das prestações é o
correspectivo da outra, obtendo cada uma das partes uma
vantagem que paga com um sacrifício que é visto pelos sujeitos
do negócio como correspondente [Cfr., v.g., Mota Pinto, Teoria
Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, 1983, p. 400.] - no
caso, o preço tem como correspectivo a transferência da
propriedade do estabelecimento.

Concretizando - porque tal se impõe para a análise e apreciação


da questão - a obrigação a cargo do exequente, importa
considerar que ela, traduzindo-se na transferência do direito de
propriedade do estabelecimento e na sua entrega, continha a de
transferir a propriedade e entregar todos os elementos que o
compunham (também aqueles que constituíam o seu lastro
material ou corpóreo) e, por isso, também as mercadorias que
dele faziam parte, designadamente as mercadorias e acessórios
nele existentes - vejam-se as cláusulas 2ª e 3ª do negócio.

No interior da economia contratual, a obrigação de pagamento do


preço acordado de 20.000,00€, a cargo da agora executada, tinha
como contrapartida, equivalente ou contrapeso a obrigação a
cargo do agora exequente de para aquela transferir o
estabelecimento, e por isso também os materiais que nele
existiam e que faziam parte do seu lastro material ou corpóreo
(eram elemento dele) - o equivalente da prestação a cargo da
executada (o pagamento do preço acordado) era a entrega, por
parte do exequente, do estabelecimento - e, portanto, também,
dos materiais nele existente. Tais prestações tinham, na
valorização das partes, igual valor - e nisso residia o equilíbrio
prestacional subjacente ao contrato outorgado.

Ao exigir à executada (em 31/08/2013 - data em que o exequente


deveria cumprir a sua prestação, entregando à executada o
estabelecimento e, por isso, todos os elementos que o
compunham, incluindo as mercadorias) o pagamento das
mercadorias existentes no estabelecimento, o exequente pôs em
crise aquele equilíbrio prestacional. Tratou-se de uma exigência
não suportada em qualquer direito (subjectivo) que a ré não
estava, minimamente, obrigada a aceitar.

Ademais, o exequente, perante a posição da executada de não


aceder àquela sua exigência (injustificada e, por isso, não
merecedora da tutela do direito), removeu do estabelecimento que
estava obrigado a entregar a totalidade da mercadoria nele
existente - mercadoria a cuja entrega estava também adstrito e
que, juntamente com os outros elementos que formavam o
estabelecimento, constituía a prestação a seu cargo e que
também entrava a valorizá-la (conformava o seu valor), tornando-a
equivalente (face à economia do contrato) à prestação que tinha
direito a exigir da executada.

Tal comportamento do exequente significa uma violação culposa


(art. 799º do C.C.) do contrato que o vinculava à executada.

Face a tal incumprimento contratual imputável ao exequente


assiste à executada a faculdade de recusar a prestação, face ao
disposto no art. 428º do C.C. - excepção de não cumprimento do
contrato.

«Preceitua o art. 428º, nº 1 do C.C. que se nos contratos bilaterais


não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações,
cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua
prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não
oferecer o seu cumprimento simultâneo.

A excepção do não cumprimento do contrato tem o seu campo de


aplicação nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos (que
conferem direitos e obrigações a ambos os contraentes e nos
quais as prestações são correspectivas, interdependentes, sendo
uma o motivo determinante da outra), permitindo a uma das partes
recusar a sua prestação enquanto a contraparte não cumprir a
contraprestação correspectiva.

Nestes contratos bilaterais é de assinalar, além do sinalagma


genético (que significa que na génese ou raiz do contrato a
obrigação assumida por cada um dos contraentes constitui a
razão de ser da obrigação contraída pelo outro), o sinalagma
funcional, que aponta essencialmente para a ideia de que as
obrigações devem ser exercidas em paralelo

(visto que a execução de cada uma delas constitui, na intenção


dos contraentes, o pressuposto lógico do cumprimento da outra) e
ainda para o pensamento de que todo o acidente ocorrido na vida
de uma delas repercute necessariamente no ciclo vital da outra
[Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p.
397.].

Sinalagma de medida ou de valor, também, porque, enquanto seu


correspectivo e equivalente, uma das prestações constitui a
tradução da exacta medida e valor da outra (na economia - ou
avaliação - acordada pelas partes).

Funda-se o instituto (enquanto corolário do sinalagma funcional)


em razões de equidade e de justiça, visando evitar que uma das
partes obtenha vantagem sem suportar os correspectivos
sacrifícios ou encargos - ou que uma parte (o excipiente) tenha de
suportar sacrifícios sem obtenção da correspectiva vantagem.

Porque também tem a sua justificação e fundamento na boa fé, a


excepção (que tem uma função de garantia, pois por ela o
excipiente previne-se relativamente às consequências do
incumprimento e uma função coerciva, já que constitui meio de
pressão sobre o contraente inadimplente, que só terá direito a
haver a prestação recusada se e quando cumprir) só pode operar
quando seja invocada pelo contraente que não caiu,
primeiramente, em incumprimento, quando exista um nexo de
interdependência causal ou correspectividade entre as prestações
(a não efectuada pelo outro contraente e a recusada pelo
excipiente) e, por fim, quando exista uma relação de equivalência
ou proporcionalidade (de justa medida) entre a prestação que se
recusa e a prestação incumprida [José João Abrantes, A
Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil
Português, Almedina, 1986, pp. 124 a 126. ].

Ainda que as prestações das partes estejam sujeitas

a prazos diferentes, a excepção do não cumprimento do contrato


pode ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser
efectuada depois da do outro, não podendo ser oposta pelo
contraente que deva cumprir em primeiro lugar [Cfr., P. de Lima e
A. Varela, C. C. Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e actualizada, p.
381 (nota 1 ao art. 428) e José João Abrantes, obra citada, pp. 52
e 68 e ss. maxime, 71 e 73.].

De notar que a excepção de que se vem falando também opera


nos casos de cumprimento defeituoso ou parcial (exceptio non rite
adimpleti contractus), ou sempre que a 'qualidade da prestação ou
qualquer outra circunstância relevante do ponto de vista do
interesse do credor não tenha sido respeitada, isto é, sempre que
o devedor execute materialmente sem que com isso cumpra a
obrigação a que estava adstrito, porque o interesse do credor fica
afectado em termos essenciais: a prestação é materialmente
realizada, mas não o é nas condições acordadas, devidas' [José
João Abrantes, obra citada, p. 95. Cfr., também a propósito da
questão, P. de Lima e A. Varela, obra citada, p. 381 (nota 3 ao art.
428).].

Em tais casos (cumprimento defeituoso ou parcial), a questão da


legitimidade do recurso à exceptio há-de nortear-se pelos
princípios que vigoram para a resolução do contrato (arts. 793º e
802º do C.C.), mas sem se subordinar rigorosamente aos
requisitos de que depende a possibilidade desta, havendo
sobretudo que ter em vista o princípio básico da boa fé (art. 762º,
nº 2 do C.C.) [ A. Varela, Das Obrigações ..., p. 400 e p. 402, nota
1. Cfr., também, sobre a questão, José João Abrantes, obra
citada, pp. 106 e seguintes.].

A excepção deve ser proporcionada à gravidade da inexecução,


desde logo porque ela não funciona como sanção mas como um
processo lógico de assegurar o equilíbrio em que assenta o
esquema do contrato bilateral [P. de Lima e A. Varela, obra e
local] - sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento
caracterizador essencial da relação contratual em causa, a recusa
da prestação deve ser considerada legítima na quantidade
necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por
cumprir e por isso a parte da prestação recusada deve ser
proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso
[José João Abrantes, obra citada, p. 110.].
Esta necessidade de observar o princípio da boa fé e a ideia de
proporcionalidade e de adequação são de fácil justificação, pois
que a excepção visa a reposição do equilíbrio sinalagmático - a
resposta desencadeada pelo contraente não faltoso através de tal
meio de defesa deve ser correspectiva à violação do direito por
ele sofrida com aquele incumprimento parcial ou defeituoso.» (…)

É inquestionável que as partes aqui se vincularam num contrato


bilateral ou sinalagmático, gerador de obrigações ligadas por nexo
de correspectivadade ou causalidade - verificando-se também tal
nexo entre a prestação recusada pelos executados e a prestação
não (pontualmente) cumprida pelo exequente.

Por outro lado, apesar das prestações estarem sujeitas a prazos


diferentes, certo é que a excepção pode ser invocada pela
executada, pois que a sua prestação de pagamento da parte do
preço em falta (a ser efectuada faseadamente) devia ser
efectuada depois de integralmente cumprida a prestação a cargo
do exequente - este devia entregar o estabelecimento (e por isso
também os materiais que nele se encontravam) em 31/08/2013 e
os executados só estavam obrigados a pagar a primeira das seis
prestações relativas à parte do preço ainda em falta em Dezembro
de 2013, vencendo-se as outras posteriormente.

Depois, assente está que o exequente não cumpriu, de forma


pontual e integral, a sua prestação - a prestação não foi realizada
nas condições acordadas e devidas, tendo o interesse do credor
(executada trespassária) ficado afectado em termos essenciais.

Por fim, tem de reconhecer-se, atentas as circunstâncias


particulares do caso, que a recusa da prestação se mostra
conforme ao princípio da boa fé e proporcional e adequada à
violação do princípio da pontualidade do cumprimento levada a
efeito pelo exequente.

Tal requisito da proporcionalidade ou equivalência pode afirmar-se


no caso, não porque possa estabelecer-se uma correspondência
puramente aritmética ou matemática entre a prestação em falta e
a prestação recusada (foi global o preço acordado para o
trespasse, não tendo as partes estabelecido o valor parcial que
atribuíam às mercadorias ou a qualquer dos outros elementos que
compunham o estabelecimento trespassado, o que impede apurar
a exacta medida pecuniária em que as próprias partes valorizaram
as mercadorias que integravam e compunham o estabelecimento),
mas antes porque essa justa medida ou adequação resulta se
analisada a prestação em falta no seu significado funcional -
naquilo que ela representa enquanto frustração do legítimo
interesse do credor.

Na verdade, por mero efeito do contrato de trespasse (art. 408º, nº


1 do C.C.), a executada adquiriu um estabelecimento comercial de
venda de artigos têxteis, interiores, bijuterias e acessórios.
Adquiriu tal estabelecimento com todos os elementos que o
compunham, incluindo, além do mais (e de acordo com o
clausulado), as mercadorias (bijuterias e acessórios) nele
existentes. Pode presumir-se judicialmente (arts. 349º e 351º do
C.C.) que era finalidade (legítima) da executada explorar o
estabelecimento e, assim, exercer o comércio, procedendo à
venda dos produtos aos clientes - incluindo, portanto, aquelas
mercadorias que existiam no estabelecimento.

A violação contratual do exequente implicou para a executada,


desde logo, a impossibilidade de iniciar, de imediato, a exploração
do estabelecimento.

Certo que sempre poderia ela repor os stocks de mercadorias,


adquirindo outras aos respectivos fornecedores. Todavia, isso
significava alocar recursos pecuniários a circunstância que, no
momento do contrato e face ao programa contratual estabelecido,
não era de todo em todo previsível ou expectável. Atente-se que
havia já efectuado o pagamento de parte do preço do trespasse
(cinco mil euros) e só teria de pagar outra prestação em
Dezembro seguinte (quatro meses depois), podendo a reposição
de stocks implicada pela normal exploração do estabelecimento
ser feita gradualmente, com recurso aos proventos gerados pelo
giro comercial - circunstância diversa de ter de adquirir, ab initio,
todos os materiais (mercadorias) necessários ao exercício do
comércio.
Isto demonstra o elevado grau que o não pontual cumprimento
assumiu enquanto frustração do interesse da credora, aqui
executada, pois afectou seriamente o legítimo planeamento e
programação financeiros relativos à normal exploração do
estabelecimento.

Verificam-se pois, todos os requisitos para que a executada


trespassária recuse ao exequente trespassante a sua prestação -
o que implica concluir pela inexequibilidade intrínseca da
prestação, e logo pela procedência desta oposição, com a
consequente extinção da execução.

Ainda que fosse de concluir não existir equivalência ou


proporcionalidade entre a prestação em falta (a cargo do
exequente) e a prestação recusada (a cargo da executada - a
prestação exigida na presente execução), não se poderia negar à
executada, no caso dos autos, o direito à invocação da excepção
de não cumprimento do contrato.

Impor-se-ia neste caso (considerando um tal conclusão -


inexistência de equivalência ou proporcionalidade entre a
prestação em falta e prestação recusa) proceder a uma redução -
ou seja, teria de reconhecer-se ao excipiente (no caso, aos
executados) o direito a valer-se da excepção, não já para recusar
a totalidade da prestação pecuniária a seu cargo, mas antes para
recusar a prestação na medida do montante pecuniário
equivalente ao incumprimento do exequente (assim se
conseguindo a repristinação do equilíbrio contratual perturbado
pela inexecução parcial imputável ao exequente).

Todavia, como é bom de ver, é impossível face aos elementos


constantes dos autos, como acima se disse, apurar do valor
aritmético ou matemático do incumprimento parcial imputável ao
exequente - e assim, apurar do exacto montante da prestação a
cuja recusa (em função dessa redução) os executados estariam
legitimados.

Não se diga, porém, que esta falta de prova dos elementos


necessários para se apurar do montante desta redução reverte,
em termos de decisão, contra a executada, por a ela incumbir o
ónus de prova dos factos integradores das excepções invocadas -
e assim, também, o ónus de prova do exacto montante da
prestação que podem validamente recusar.

É que a conclusão de que à executada assistiria o direito de


recusar parcialmente, em montante não liquidado, a prestação
que o exequente veio exigir pela execução, implicaria também
considerar que a própria prestação executanda não seria, ela
própria, líquida - e a iliquidez da obrigação exequenda é também
fundamento de oposição (arts. 731.º do nC.P.C.), pois que
nenhuma execução pode prosseguir se não for líquida a
obrigação.

Apurada a iliquidez da obrigação em face da oposição deduzida,


sempre seria ao exequente que deveria imputar-se a falta da sua
liquidação no âmbito do processo executivo (art. 716º do nC.P.C.)
e a consequência seria, ainda face a estes considerandos, a
extinção da execução - apurada a necessidade de se recorrer a
uma fase judicial declarativa em vista do acertamento
(quantitativo) do direito ou obrigação (em vista à determinação do
exacto montante pecuniário que o aqui exequente poderia exigir
dos executados, expurgado e reduzido já do valor tido por
equivalente à parte incumprida do contrato), não poderia deixar de
se determinar a extinção da obrigação (outra solução significaria
permitir que o exequente obtivesse dos executados prestação a
que, pelo menos em parte - a parte não liquidada -, não tem direito
a exigir).» Ac. TRP de 22-11-2011 Processo: 1437/07.0TBVC-D-
A.P1 Rel: RAMOS LOPES

Face a tudo o exposto, conclui-se dever proceder a presente


oposição deduzida pela executada.

Termos em que deverão os presentes embargos


ser recebidos e em derivação ser
completamente abolida a presente execução.

Valor da Acção: o da execução.


Rol de testemunhas: nome, profissão e morada.
Junta: procuração forense, 1 documento e DUC comprovativo do
pagamento da taxa de justiça.

O Advogado

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