As festas de natal de 1951 na França foram marcadas por uma polêmica, a
manifestação das autoridades eclesiáticas desaprovando a importância que era dada a figura do Papai Noel, eles argumentavam que o dia do Natal estava sendo “paganizado” onde por consequência desviava do sentido cristão da comemoração em favor de um mito sem valor religioso. No dia 24 de dezembro queimaram o Papai Noel no Átrio da catedral de Dijon na frente de crianças órfãs, condenando-o como usurpador e herege, onde ao final diziam está representando todos os lares cristãos na luta contra a mentira, pois para eles no Natal deveria comemorar apenas o nascimento do Salvador. O suplício do papai Noel ocupou todas as manchetes, todos comentaram o episódio, a atitude do clero foi criticada, eles diziam ser tão bonito acreditar em Papai Noel, não fazia mal a ninguém e as crianças se divertiam tanto e guardavam boas lembranças. A verdade é que as pessoas fogem da questão em vez de respondê-la, o fato se trata de saber o motivo pelo qual os adultos inventam o Papai Noel e não o fato das crianças gostarem. É portanto nesse contexto que o etnólogo encontra a ocasião propicia para observar e tentar compreender a quais transformações globais e ao mesmo tempo mentais e sociais, que se associam as manifestações visíveis sobre as quais a igreja não se enganou. Há uma complexidade em estudar as mudanças ocorridas em uma sociedade no período em que vivemos, pois estamos acompanhando as transformações sociais, como é o caso da introdução do natal na França com todas as tradições de festividades, onde antes eram apenas nos Estados Unidos, entre os vários motivos que tentam justificar este acontecimento está no fato do país ter conseguido manter uma estabilidade econômica após alguns anos da guerra e de ter muitos americanos morando na França, mas tudo isso não é suficiente para explicar esse fenômeno. O costume importado provoca com a sua presença o surgimento de um uso semelhante, isso foi chamado por Kroeber de “difusão por estímulo”. A variedade de nomes dados ao personagem incumbido de distribuir os brinquedos ás crianças como: Papai Noel, São Nicolas, Santa Claus é resultado de um fenômeno de convergência. Pode se observar que o desenvolvimento moderno não é uma invenção, ele apenas se limita a recompor peças e fragmentos de uma antiga comemoração, cuja sua comemoração nunca foi totalmente esquecida. O Natal foi durante vários séculos e até uma época recente a ocasião de festas em família, a forma americana é apenas sua encarnação mais moderna, outra questão interessante a ser analisada é as invenções recentes onde muitos imaginam ter nascido do nada e na verdade tem toda uma questão por trás, muitas dessas invenções nasceram de antigos costumes medievais. O Papai Noel não é um ser mítico, ele pertence mais a família das divindades de certa categoria etária da sociedade e a única diferença entre Papai Noel e uma verdadeira divindade é que os adultos não crêem nele, embora incentivem as crianças a acreditar e mantenham essa crença com inúmeras mistificações. É fato consumado que os ritos e mitos de iniciação têm uma função prática nas sociedades humanas, eles ajudam os mais velhos a manter a ordem e a obediência entre os mais novos, assim é possível perceber que a crença em Papai Noel não é apenas uma mistificação agradavelmente imposta pelos adultos às crianças é o resultado de uma negociação muito onerosa entre as duas gerações. Na medida em que as crenças e os ritos ligados a Papai Noel derivam de uma sociologia iniciática também trazem à tona, para além da oposição entre crianças e adultos, uma oposição mais profunda entre mortos e vivos. O Abade do Desregramento são personagens que, durante um certo período, são reis do Natal, como o bom velhinho Noel, benfeitor das crianças; o Julebok escandinavo, demônio chifrudo do mundo subterrâneo que traz presentes para elas; São Nicolau, que as ressuscita e lhes dá presentes, e, por fim, as katchina, crianças mortas precocemente que renunciam ao papel de assassinos. As Saturnais e a comemoração medieval do Natal fornecem um material comparativo útil para extrairmos o sentido profundo de instituições recorrentes, não surpreende que os aspectos não-cristãos da festa de Natal se assemelhem às Saturnais, dado existirem boas razões para supor que a Igreja tenha escolhido a data de 25 de dezembro ao em vez de outra data, eles queriam substituir as festas pagãs celebradas, pois nesses períodos a sociedade funciona em um ritmo duplo de solidariedade acentuada e de antagonismo exacerbado. No Natal um personagem real se torna um personagem mítico, seu antagonismo em relação aos adultos fez-se símbolo da idade madura, tradução da disposição benévola em relação à mocidade, o apóstolo das más condutas é incumbido de sancionar as boas condutas, assim o mediador imaginário substitui o mediador real. O Ano Novo e o Natal são festas de presentes: a festa dos mortos é, na essência, a festa dos outros, visto que o fato de ser outro é a primeira imagem aproximada que podemos construir a respeito da morte, é por esse motivo que o personagem do papai Noel ganha espaço e a igreja observa esse movimento com preocupação, pois com isso ha uma melhora das nossas relações com a morte, que poderia levar a ficamos “quites” com ela, não sendo necessário a subversão da ordem e das leis. O enfraquecimento da relação entre mortos e vivos se dá pelo medo de tudo que a morte representa, em si mesma e para a vida, por isso toda essa precação e sacrifício que fazemos para o Papai Noel, para manter seu prestigio intocado junto às crianças, os presentes de Natal continuam a ser um verdadeiro sacrifício á doçura de viver, que consiste em primeiro lugar em não morrer. A grande diferença entre religiões antigas e modernas consiste no fato de que “Os pagãos rogam aos mortos enquanto os cristãos rogam pelos mortos” Nesse contexto a igreja não está errada quando denuncia na crença em Papai Noel o bastião mais sólido e um dos campos mais ativos do paganismo no homem moderno, porém resta saber se o homem não pode também defender seus direitos de ser pagão. Graças ao auto de fé de Dijon, eis o herói reconstituído em todas as suas características, pretendendo acabar com o Papai Noel, os eclesiáticos de Dijon acabaram restaurando em sua plenitude, após um eclipse de alguns milênios uma figura ritual.