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Como toda ciência tem seu objeto de estudo. A Teologia tem o seu, que é a divindade, a
Sociologia que é o fato social, a Psicologia que é o estudo do comportamento humano etc. A
Didática durante um certo tempo tinha o ensino como seu objeto de estudo, mas os teóricos ao longo
do tempo perceberam através da práxis, que não se poderia estudar só o processo de ensino sem
levar em consideração a aprendizagem, pois só se pode dizer que há ensino se houve aprendizagem,
uma coisa inexiste sem a outra e vice-versa.
A Escola do Futuro
A Escola do Futuro, núcleo de pesquisa da Universidade de São Paulo USP, tem como
principal atividade a investigação das novas tecnologias de comunicação aplicadas à educação.
A Ginástica
A história da Ginástica confunde-se com a história do homem. A Ginástica entendida por
Ramos (1982: 15) como a prática do exercício físico “vem da Pré-história, afirma-se na Antigüidade,
estaciona na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios da
Idade Contemporânea”. No homem pré-histórico a atividade física tinha papel relevante para sua
sobrevivência, expressa principalmente na necessidade vital de atacar e defender-se. O exercício
físico de caráter utilitário e sistematizado de forma rudimentar era transmitido através das gerações e
fazia parte dos jogos, rituais e festividades.
BASES PEDAGÓGICAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da
Universidade Federal de Santa Catarinapara obtenção do Grau de Mestre em Engenharia de
Produção. Levantar bases para integração do aspecto pedagógico com a conformidade ergonômica
de produtos educacionais informatizados constitui o objetivo deste trabalho para efeito de orientação
teórico-metodológica em sua concepção, seleção, avaliação e utilização.
Bússola Escolar
Site de pesquisa escolar, com inúmera biografias de personalidades brasileiras e estrangeiras.
Cabeças abertas, mudanças possíveis
O projeto de arte-educação relatado nesta edição demonstra como uma experiência de ensino
alicerçada no contato do aluno com materiais visuais e bibliográficos variados e de qualidade resulta
em enriquecimento cultural significativo. Mostra, também, que o ensino por projetos organiza e
ordena o saber, contribuindo para que os estudantes ampliem, cada vez mais, seu conhecimento e
interesse pela aprendizagem.
CAPES
A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é uma
entidade pública vinculada ao Ministério da Educação - MEC, criada inicialmente como Campanha,
em 1951 e instituída como Fundação em 1992.
OS SERTÕES
Destaca a Guerra de Canudos, o latifúndio, o coronelismo, o sertanejo e o messianismo, com
base na obra "Os sertões", de Euclides da Cunha. Sugere discussões e atividades em sala de aula,
relacionadas a estes temas.
1. Os desafios
Nós, os educadores deste país (vou utilizar somente a forma masculina referindo-me tanto
aos educadores e como às educadoras, tendo em vista não repetir inúmeras vezes esses dois termos
ao longo deste texto), nos confrontamos diariamente com inúmeros desafios, desde os pequenos até
os de imensa complexidade e magnitude. Mais próximos de nós estão os desafios do cotidiano, tais
como a sobrevivência, os baixos salários, a violência urbana e rural, condições de escolares
inadequadas para o ensino, currículos formais, pressão do vestibular... São inúmeros esses desafios
do dia a dia. Além desses, nos confrontamos também com os macro-desafios do presente, tais como
o fracasso escolar em larga escala, a sociedade dos meios de comunicação, a globalização, os
fenômenos da pós-modernidade, que nos sinalizam a necessidade de encontrar um meio termo
adequado entre o coletivo e a singularidade de cada um dos estudantes com os quais nós atuamos.
Os desafios são múltiplos e variados e só poderão ser enfrentados, de forma mais radical,
através dos recursos da sociedade civil organizada --- sindicatos, comunidades organizadas,
movimentos sociais --- pois que eles necessitam de soluções coletivas. Então, cabe a pergunta: o que
nós os educadores podemos fazer frente a todos esses desafios? De um lado, como cidadãos,
participar dos movimentos organizados da sociedade, dando força aos procedimentos
reivindicatórios por uma sociedade mais justa e equilibrada, mais saudável, usando um termo menos
definível, porém que expressa o que sentimos
De outro lado, há um papel nosso como educadores em nossas salas de aulas, assim como em
nossas escolas. Um papel insubstituível, que só nós podemos exercer, devido ocuparmos esse lugar
de educadores, adultos que estão 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação,
FACED/UFBA Para contato: luckesi@terra.com.br
O quadro foi organizado principalmente por disciplina, pois tinha a preocupação em não
causar rupturas entre a proposta que seria construída e o modelo com que a escola e a
comunidade se identificavam (ensino seriado e conteudista). Era necessário um movimento de
confiança e abertura, principalmente da direção e coordenação pedagógica, para novas
possibilidades de trabalho pedagógico que atendesse às demandas da turma.
Com a turma da sala 11, eu era a professora referência e trabalhava com Português,
Matemática, Educação Artística, gincanas, brincadeiras e vídeo, enquanto o professor Webster
trabalhava com Geografia, História e Ciências.
No início, nos horários de Educação Física e Música, os alunos eram divididos em dois
grupos, conforme seus interesses: futebol ou vôlei e hip hop ou axé. Cada grupo ficava com um
dos professores, sendo utilizadas as salas de aula, de multimeios ou o pátio, simultaneamente. As
músicas trabalhadas eram sugeridas pelos alunos.
Os horários de Educação Física, Música, Educação Artística e brincadeiras ficaram com
maior carga horária por serem as atividades com as quais os alunos mais se identificavam e das
quais, conseqüentemente, mais participavam. Nessas atividades, buscávamos incentivar a
participação e o interesse dos alunos por várias áreas do conhecimento, subsidiando, assim, as
atividades que seriam desenvolvidas em Português, Matemática, História, Geografia e Ciências.
A princípio, os alunos desconsideravam o quadro de horários e tentavam impor o que
queriam fazer. Com o passar das semanas, foram percebendo que os horários estavam sendo
cumpridos pelos professores, principalmente quando se tratava de algo de que os alunos
gostavam. Com o tempo, começaram a se concentrar mais nas atividades previstas e a esperar
até a sexta-feira para reclamar e propor alguma mudança. Quando havia qualquer imprevisto,
tínhamos o cuidado de trabalhar com os alunos o porquê da mudança de horário e, quando
possível, construir com eles uma forma de reorganizar o quadro. A partir desses momentos,
começou a instaurar-se uma relação de confiança entre os alunos e professores com relação à
proposta de trabalho. Cobrar coerência entre o que se fala e o que se faz, responsabilidades com
os combinados, como também saber quando se pode fazer algo passou a ser tarefa de todos, um
aprendizado, inclusive para nós, professores. Temos uma forte tendência a cobrar dos alunos o
cumprimento das regras, mas, na maioria das vezes, acreditamos que nossos motivos são
suficientes para burlarmos as regras, somente porque somos professores.
Principalmente nos três primeiros meses, diante das freqüentes brigas entre os alunos, nós,
professores, sempre procurávamos o diálogo como forma de mediar os conflitos, combinando com
os alunos que a direção e os familiares só seriam envolvidos se não conseguíssemos resolver o
problema entre nós. No início, houve várias situações em que foi necessário conter fisicamente
alguns alunos por estarem agredindo seus colegas e se colocando em risco. Nesses momentos,
procurava conversar com o aluno, buscando que se acalmasse para poder retornar à sala. Nisso,
os auxiliares de serviço da escola foram meus grandes aliados, pois, por várias vezes, enquanto
eu saía com um aluno, eles ficavam na sala para mim. A direção e a coordenação da escola
também me apoiavam e auxiliavam naquilo que conseguiam e podiam, e esse apoio foi
fundamental.
Aos poucos, a rotina foi sendo compreendida e incorporada ao cotidiano escolar. Os alunos
começaram a aceitar as minhas intervenções e as do professor Webster e a apresentar menos
resistência para realizar as atividades. Nesse movimento, começaram a demonstrar os
conhecimentos e conceitos que já tinham construído e a pedir ajuda frente a alguma dificuldade.
Toda segunda-feira, no início da aula, os alunos registravam, através de desenho ou
escrita, como tinha sido seu final de semana. Às vezes, esse registro era dirigido por questões;
outras, de livre escolha do aluno. Saber o que tinha acontecido no final de semana, o que tinha
agradado ou entristecido os alunos ajudava a compreender e lidar melhor com possíveis
manifestações que eles pudessem ter durante a semana. Às vezes os alunos resistiam na
realização dessa atividade, mas sempre acabavam falando de algo que os havia tocado.
Nas aulas de Educação Artística busquei resgatar, nos alunos, a possibilidade de
produzirem algo de belo. Percebia-se em seus discursos uma tendência a se acharem incapazes
de fazer qualquer coisa corretamente e julgarem que tudo que faziam estava feio. Como estratégia,
as primeiras atividades foram de recorte e colagem, sendo que a primeira foi a construção de
formas geométricas em papel laminado, no qual os alunos construiriam algum desenho. Minha
intenção foi fazer com que eles se vissem diante de algo bonito, e o próprio brilho do papel
contribuiria para isso. Todos ficaram surpresos com o trabalho e se mostraram mais abertos a
outras sugestões. Com o passar do tempo, a aula de Artes também se configurou em um espaço
para vivenciar experiências que auxiliassem na construção de conceitos da área de Ciências, em
articulação com Geografia.
No início, no horário da Música, os alunos se dividiam em dois grupos: hip hop e axé.
Traziam os CDs que gostavam de ouvir e dançavam. Nós, professores, nos propusemos a trazer a
letra da música para que todos cantassem ou, então, alguma curiosidade sobre o estilo de algum
cantor. Após os primeiros meses, com a necessidade de espaço para outros tipos de intervenção,
discutimos com os alunos que seria importante diminuir um dos dois horários de música, por
semana, para podermos atender a outras demandas, tais como as referentes ao avanço na leitura
e escrita. Ao final do semestre, o espaço para os alunos trabalharem com música passou a ser
somente às sextas-feiras, a pedido deles, junto ao espaço das gincanas e brincadeiras.
O momento de Educação Física me chamou a atenção desde o início, pois a maioria dos
professores evita trabalhar essa atividade com as "turmas difíceis" por acreditarem que os alunos
darão muito trabalho. A sala 11 nunca apresentou grandes problemas nesse momento. Pelo
contrário, era a hora em que mais dialogavam entre si. Apesar de brigarem algumas vezes,
conseguiam resolver os problemas com mais tranqüilidade, necessitando somente que eu
ajudasse a organizar suas propostas. A princípio, foi esse o papel que assumi. Com o passar do
tempo fui levando-os a perceber que necessitavam de alguns conhecimentos e preparo para
desenvolverem melhor o futebol e o vôlei, bem como de formular regras claras para evitar
possíveis brigas. Em uma das avaliações que fizemos com os alunos, apontamos que nós,
professores, precisaríamos trabalhar com eles algumas atividades além do futebol e do vôlei.
Nesse sentido, resolvemos que, numa semana, a aula de Educação Física seria de escolha dos
alunos e, na outra, as atividades seriam planejadas pelos professores.
No início, Português e Matemática não tinham horários distintos, pois trabalhávamos na
medida em que as demais atividades solicitavam qualificação e acesso a conhecimentos. A partir
do mês de maio é que foram surgindo espaço e possibilidades de trabalhar mais especificamente
os aspectos formais da língua e da construção matemática, sem, no entanto, deixar de
desenvolver o trabalho a partir de sua dimensão social. Na realidade, acreditava que de nada
adiantaria querer ensinar gramática, ortografia, produção de texto e operações matemáticas, se
percebia que os alunos tinham destituído a linguagem escrita e oral como mediadora da relação
entre as pessoas e destas com o conhecimento. Uma das primeiras manifestações dos alunos no
uso da escrita foram os bilhetes para os professores e as cartinhas de amor que começaram a
trocar entre si. Com o passar do tempo, fomos trabalhando com os diferentes gêneros textuais e
portadores de textos. Com relação à Matemática, os alunos ainda apresentavam dificuldades na
compreensão de sistema de numeração decimal, mas só começaram a aceitar minhas
intervenções depois que comecei a trabalhar a multiplicação. Fiz isso a pedido deles próprios, que
avaliaram que precisariam desse conhecimento porque iriam para a 5ª série no ano seguinte. Um
grande desafio na área da Matemática estava sendo fazer com que os alunos compreendessem
em que ponto estavam, pois a maioria apresentava dificuldade no raciocínio matemático e na
realização das técnicas operatórias.
Uma atividade realizada desde o início das aulas foi medir, mensalmente, a altura dos
alunos, a minha e a do professor Webster, para que eles percebessem o quanto estavam
crescendo. Minha intenção era trabalhar o crescimento físico e intelectual, a partir de algo
concreto, além de ter dados para trabalhar Matemática e Ciências. Ou seja, era fazer com que eles
percebessem que sempre estão crescendo, mudando, para, assim, saírem da paralisia a que os
rótulos os tinham confinado.
É comum um aluno reclamar das aulas, dos professores e colegas. Como os alunos dessa
turma tinham uma tendência a impor suas vontades, destinei um espaço às sextas-feiras para a
avaliação do trabalho realizado em sala de aula, durante a semana, envolvendo os alunos, o
professor e eu, com o objetivo de afinarmos nossas idéias, vontades e desejos. No início, esse
momento gerou uma certa tensão, pois ouvir e fazer críticas, bem como dar sugestões, foi um
aprendizado para todos. Um grande exercício para os alunos foi esperar o tempo de vivência das
propostas, para posteriormente avaliá-las e até mesmo mudá-las, não desistindo na primeira
dificuldade que surgisse em sua realização. Outro exercício foi acreditar que seriam ouvidos em
suas sugestões, pelos colegas e, principalmente, por nós, professores.
Do revólver ao robô
Como "fechamento" da semana, foi destinado um espaço lúdico para gincanas e
brincadeiras, com o objetivo de desenvolver o trabalho em grupo e a expressão de sentimentos de
cada um. O primeiro movimento dos alunos de trabalhar em grupo e sem brigas ocorreu nesse
horário, quando pediram para brincar com Lego. Primeiro, cada aluno quis construir um revólver,
simulando com ele uma matança coletiva. Como não censurei essa manifestação e perguntei o
que mais eles poderiam fazer, começaram a criar robôs e foguetes, até que passaram a construir,
em pequenos grupos, casas e torres com cercas à sua volta. Tendo percebido a identificação dos
alunos com esse brinquedo, na segunda aula propus que construíssemos um muro do
comprimento do pátio, local onde era realizada essa atividade. Pela primeira vez metade dos
alunos aceitou a proposta enquanto os demais resolveram construir carrinhos, sem que, em
momento algum, um grupo atrapalhasse o outro. Nesse momento da semana, a confusão era
grande na hora de guardar os brinquedos: os alunos jogavam os brinquedos para cima, chutando e
fazendo grande algazarra. Eu procurava orientá-los para terem mais calma e não destruírem os
brinquedos, mas tinha paciência com aquele momento que, para os alunos, ainda era necessário e
fazia sentido. Durante todo o trabalho, esse era o momento mais esperado pelos alunos e, a cada
sexta-feira, foram diminuindo os confrontos e surgindo novas possibilidades de utilizá-lo.
Com o passar do tempo, as diferenças de ritmo de aprendizagem que estavam
"camufladas" pela indisciplina começaram a ficar mais evidentes. Nesse sentido, uma das
primeiras modificações do quadro de horário foi diminuir os tempos de Educação Física e Música
para dar espaço e tempo à intervenção pedagógica com pequenos grupos de alunos. O objetivo da
intervenção era ajudar os alunos a terem consciência de suas dificuldades e supri-las, bem como
fazer a autocorreção. A maioria da turma já sabia ler e escrever com dificuldade, com exceção de
dois alunos que ainda não estavam alfabetizados. Esse espaço se tornou fundamental para auxiliá-
los a avançar em seu processo de aquisição da base alfabética e no trabalho com as formas, usos
e funções da escrita. Enquanto eu trabalhava com pequenos grupos, o professor Webster se
dedicava aos demais alunos, trabalhando com a produção de texto.
Desde o início, uma questão que me chamou muito a atenção era como os cadernos dos
alunos eram feios e desorganizados. Nesse sentido, busquei alternar as atividades xerocadas com
as copiadas do quadro negro, para que os alunos pudessem aprender a organizar melhor seus
cadernos. Nas aulas de Educação Artística, busquei trabalhar o resgate do belo para ajudar a abrir
novas possibilidades para esses alunos. Outra estratégia utilizada para melhorar a estética dos
cadernos e a aceitação das minhas intervenções foi corrigi-los diariamente colocando somente um
conceito e um adesivo autocolante, pois frente a qualquer escrita que fizesse nos cadernos, os
alunos rasgavam a folha alegando que estava tudo errado ou que se tratava de um bilhete para a
mãe. Como gostaram dos adesivos e ficavam curiosos para saberem quais seriam os próximos,
com o passar do tempo, passaram a aceitar que eu também escrevesse comentários, apontando
os avanços e/ou as dificuldades que ainda precisariam superar. Com o tempo, dois alunos ainda
apresentavam dificuldades na realização das atividades e só aceitavam minha correção e
comentários escritos, quando se tratava de elogios. Os demais comentários, na maioria das vezes,
eram arrancados do caderno.
Como complemento da intervenção sobre o processo escolar dos alunos, fazia ligações
telefônicas para a casa deles e conversava com seus familiares, relatando seus avanços na
aprendizagem e no relacionamento com os colegas e adultos da escola. Nas situações de conflitos
que necessitavam da presença dos pais ou responsáveis na escola, sempre tinha a preocupação
de primeiro relatar os avanços do aluno para, posteriormente, relatar o problema ocorrido. A
conversa era sempre no sentido de obter informações sobre o cotidiano familiar e orientar os pais
sobre como lidar com seus filhos nas dificuldades apresentadas. Outro aspecto fundamental dessa
conversa era que sempre solicitava aos pais que destinassem um mínimo de tempo para olharem
para seus filhos e perguntarem o que tinham feito na escola. Além disso, pedia que não batessem
nos filhos, pois, ao contrário de nós, professores, estariam ensinando que os conflitos e as
divergências deveriam ser resolvidos através da linguagem corporal, pela agressão física. Chegou
a haver uma aposta entre os alunos se uma determinada mãe bateria ou não em seu filho, ao
chegar em casa. Apesar de haver relatos de que alguns pais batiam constantemente em seus
filhos, todos os que foram chamados atenderam às orientações. Isso causou grande espanto nos
alunos, que não acreditavam que os pais deixariam de bater neles por causa de uma conversa
com a professora, quando normalmente, o que aconteceria seria o inverso. Esse fato foi
extremamente importante para que os alunos, e até mesmo os pais, acreditassem que valia a pena
conversar para resolver os problemas, além ter surtido efeito nas dificuldades que os alunos
apresentavam na escola.
No mês de junho de 2005, fizemos uma excursão à cidade de Belo Vale, Minas Gerais,
onde fica o Museu do Escravo e a fazenda do Barão de Paraopeba. Essa atividade surgiu como
culminância das aulas de História que o professor vinha desenvolvendo. Durante o passeio, uma
aluna de cor branca perguntou por que não havia mais escravos. A partir desse questionamento,
iniciamos várias discussões sobre as diferenças.
Primeiramente lemos a história Amigo do Rei, da coleção de literatura afro-brasileira que se
encontra na biblioteca da escola. Essa coleção foi enviada pela Coordenadoria de Bibliotecas para
todas as escolas da rede municipal de Belo Horizonte e é composta por obras que vão desde livros
de literatura infantil a obras que buscam resgatar a história e identidade da cultura afro-brasileira. A
história fala de duas crianças que nasceram na mesma época, uma negra e escrava e a outra
branca, filha do senhor do engenho. A partir dessa história, propus que os alunos verificassem em
casa se havia alguma pessoa negra e se ela tinha alguma história para contar.
Na aula seguinte, os alunos foram se manifestando e concluímos que o negro estava
presente na história familiar de todos nós, inclusive, na minha, na do professor. Um dos alunos
relatou a humilhação que a avó havia passado com sua filha, ao perguntarem se ela era babá da
criança. Conversamos sobre outras diferenças e da forma como elas eram percebidas pelas
pessoas. Posteriormente, trabalhamos com a música "Preconceito", de João Favela. Muitos alunos
não percebiam que alguns de seus atos eram preconceituosos e discriminativos e passaram a ficar
mais atentos.
Como eu conhecia a dificuldade de muitos deles de lidar com a própria história, realizamos
a seguinte atividade: cada aluno deveria falar uma característica que o diferenciava dos demais
colegas e, num segundo momento, algo que tinha em comum com os demais. Durante as falas, os
alunos foram apresentando algumas características e, às vezes, os colegas se ajudavam
mutuamente a se reconhecerem em suas diferenças. Houve momentos extremamente importantes
para o processo de alguns alunos: um contou que não tinha mãe, outro assumiu perante o grupo
que é portador da fenilceatonúria, alguns contaram que foram adotados; a aluna de 14 anos que foi
enturmada como "caso de uma possível deficiência mental" falou da morte de seu pai quando ela
tinha 3 anos de idade. Aliás, essa aluna vem mudando, a cada dia, o hábito de usar enfeites e
penteados de criança, aos poucos está incorporando a atitude de adolescente. É importante
registrar que, apesar de no início do trabalho os alunos terem se mostrado gozadores, em nenhum
momento houve qualquer tipo de intimidação aos colegas. Depois levantamos coletivamente o que
todos tinham em comum.
Com o objetivo de mostrar aos alunos que também os professores não são todos iguais,
solicitei que os alunos pensassem o que eu e o professor Webster tínhamos de igual e de
diferente. Nesse momento, eles descreveram diferenças quanto ao temperamento, a aspectos
físicos e metodológicos, com respeito e precisão de argumentos.
Como complemento das atividades sobre as diferenças, convidei a professora Maria da
Conceição Dias Magalhães, que é cega, para visitar os alunos e mostrar a sua diferença e como
lidava com ela. Os alunos puderam fazer-lhe perguntas e satisfazer algumas curiosidades como,
por exemplo, saber de que maneira ela comia, se não podia ver os alimentos. Conceição levou
para cada aluno um alfabeto em braile e mostrou como ele se constitui. Depois distribuiu várias
fichas com o nome dos alunos escrito em braile, para que eles tentassem descobrir de quem era o
nome. Pensamos nessas atividades, para que os alunos percebessem que a inteligência é que faz
com que os pontinhos em alto relevo no papel signifiquem algo, como também é o caso das letras
e dos números. Como finalização desse momento, alguns alunos colocaram vendas nos olhos e
foram caminhar pelos espaços da escola para sentirem, um pouquinho, o que os cegos sentem.
Como o horário da merenda estava próximo, vários alunos quiseram merendar com os olhos
vendados.
Ao final do 1° semestre, era raro termos algum tipo de briga mais séria e, quando ocorria
alguma, os próprios alunos tentavam separar e conversar com quem estava brigando. A cada dia
que passava, os alunos estavam mais sensíveis aos colegas e profissionais da escola, como
também mais capazes de aprender o que desejassem. Ainda há muito a caminhar, mas com
certeza, o desejo de aprender vem sendo despertado em cada um, a cada momento.
Diálogos
Além da conversa em particular com alguns pais e os telefonemas, foram realizadas duas
reuniões de pais. Nestas reuniões, explicamos o trabalho que estava sendo realizado com a turma,
dando espaço para que os pais pudessem fazer suas avaliações e sugestões. Quando era
necessário conversar sobre algum aluno, tanto nós, professores, quanto os pais, solicitávamos um
encontro para tratarmos de forma particular. Nunca discutíamos sobre um aluno durante a reunião,
pois acreditávamos que esta deveria ser um espaço de diálogo entre pais e educadores, e não de
exposição dos problemas particulares de cada criança.
Aos poucos fomos percebendo que os alunos aprenderam a fazer a correção de suas
atividades e a localizar suas dificuldades. Na avaliação sobre os professores, seu trabalho e sobre
a escola, os alunos foram se mostrando mais maduros e consistentes em seus argumentos.
Cada vez mais, a linguagem escrita foi assumindo seu papel de mediadora das relações,
sendo utilizada para registro, para comunicação através de cartas e bilhetes entre os alunos, para
a solicitação de algo que desejavam, dentre outras coisas. Os alunos foram ficando mais atentos
às convenções da língua, apesar de ainda apresentarem dificuldades, principalmente na produção
de texto. No final do semestre, somente uma aluna ainda apresentava dificuldades na construção
da escrita, porém sem apresentar resistência para escrever, e com grandes avanços na leitura. Os
alunos, em sua maioria, passaram a gostar de ler e a se envolver mais nas aulas.
Alguns pais mostraram-se surpresos com o desenvolvimento dos filhos. Na verdade, havia
um total descrédito, por parte da maioria dos pais e da escola, sobre a possibilidade de mudança
dos alunos da sala 11. Porém os funcionários diziam que agora os alunos estavam pedindo licença
e agradecendo, algo que não ocorria antes, pois chegavam empurrando e xingando. Vale lembrar
que, no início do ano, os alunos reclamavam comigo e me questionavam sobre o porquê de eu
pedir desculpas tantas vezes ou licença para fazer algo.
Apesar de todos os avanços que os alunos apresentavam, havia momentos em que o
estigma de "turma problema" ainda interferia em sua relação com o saber. Nesses momentos,
tendiam a querer retornar para uma postura de resistência, como se estivessem lutando contra a
força que o estigma exerce sobre a vontade de mudar.
O professor Webster e eu também tivemos que aprender muito um com o outro, pois
tínhamos histórias de vida e de profissão muito diferentes. Tivemos que aprender a conversar, ter
paciência um com o outro para construir com os alunos uma proposta de trabalho que não fosse
conflitante, o que não conseguimos evitar na primeira semana. Nosso compromisso com os alunos
é que nos ajudou a superar as diferenças e construir novas semelhanças para a realização do
trabalho. Se entre nós havia diferença com relação ao trabalho, tal diferença tornou-se maior ainda
com relação aos demais profissionais da escola, pois não dispúnhamos de espaço para socializar
nossas experiências e aprender uns com os outros. Nesse caso, a direção e a coordenação
pedagógica da escola eram nossas grandes parceiras e mediadoras na relação do trabalho entre
as professoras e os professores da escola.
Muitos foram os pensadores que contribuíram com a Educação Infantil. Segundo Nicolau
(1993, p. 25), os educadores que influenciaram a Educação Infantil foram Rousseau, Pestalozzi,
Fröebel, Decroly, Montessori, Freinet, Wallon, Piaget, Vygotsky entre outros. Destaca-se neste
artigo alguns destes pensadores e abordaremos um pouco sobre suas contribuições.
* Rousseau
Nasceu em Genebra (Suíça), iniciando uma nova forma de entender as crianças, que até sua
época eram vistas como adultos em miniatura. Para ele a criança precisava receber um tratamento
diferente, específico, possuindo ela, também, características próprias, interesses, idéias e até
vestimentas diferentes dos adultos. O verdadeiro objetivo da educação, para Rosseau, era o de
ensinar a criança a aprender e a viver em liberdade, a valorização do indivíduo.
Redimensionou a educação infantil, afirmando que não se deveria moldar o espírito das
crianças de acordo com um modelo estabelecido, vendo na educação a expressão livre da criança no
seu contato com a natureza, mostrando que ela é capaz de agir por si mesma. Condenou o uso
excessivo da memória e da severidade da instrução, criticando estas duas práticas na escola da sua
época.
Propôs à criança o brinquedo e os esportes. Através da agricultura a criança aprenderia a
utilizar os instrumentos como a pá, bem como a contar, a pensar, a comparar e a medir. Sugeriu
atividades relacionadas com a vida para aprender e desenvolver a geometria, a aritmética, o canto e a
linguagem.
Dessa forma, estes princípios educacionais ainda hoje permanecem sendo enfatizados na
educação.
* Pestalozzi
Pestalozzi nasceu em Zurique (Suíça). Acreditava que a educação poderia aperfeiçoar o
indivíduo e a sociedade.
Decidiu ser mestre-escola para colocar em prática suas idéias. Entendia que o lar era a
melhor instituição para a educação e a instituição escolar deveria se aproximar dela para a formação
humana, abrangendo a moral, a política e a religião. No seu método, mestres e alunos permaneciam
juntos o dia inteiro, das 8 às 17 horas, desenvolvendo as mais variadas atividades, de maneira
flexível, como aulas, refeições, banhos e brinquedos. Em duas tardes por semana os alunos faziam
excursões ou ficavam livres. Dividia as crianças em faixas etárias, sendo uma até oito anos, outra de
oito a doze anos, e uma terceira de onze a dezoito anos. Não admitia e até condenava as punições, as
recompensas e as correções.
Privilegiou os aspectos psicológicos da educação, revolucionando a disciplina, baseando-a na
cooperação entre os professores e alunos, e, também, impulsionou a formação de professores.
* Fröebel
Viveu na Rússia de 1782 a 1852, sendo destacado como o fundador de Jardins de Infância,
enfatizando o amor à natureza e à criança no processo educacional.
Trabalhou com Pestalozzi por alguns anos, depois, em 1837, abriu o primeiro Jardim de
Infância e continuou durante toda a sua vida a criar estes educandários, à elaboração de métodos e
equipamentos para eles e à formação de professores.
Formalizou os seus próprios princípios educacionais, sendo totalmente independente e
crítico, embora tenha recebido influência de Pestalozzi. Para ele a educação é um processo pelo qual
o homem, autoconsciente, desenvolve-se com todos os poderes, funcionando harmoniosa e
completamente, tanto em relação à sociedade como à natureza.
A doutrina de Fröebel foi a da “Parte-Todo” ou da unidade, a qual considera o homem como
uma unidade, que para atuar exige a integração dos órgãos sensoriais, dos músculos, dos nervos com
a vontade, raciocínio, percepção e memória, mas a mesma unidade, cada objeto do Universo, é parte
de algo mais geral.
O desenvolvimento, para Fröebel, ocorre em fases que são a infância, a meninice, a
puberdade, a mocidade e a maturidade. Para ele todas possuem a mesma importância.
A preparação para ter uma vontade firme e a instrução eram enfatizadas no período da
meninice, que se estende dos seis aos dez anos.
Valorizou, também, a família, como fez Pestalozzi, cuja função abordaria os planos
biológico, religioso, educacional e social. Captou, sendo neste aspecto o primeiro, o significado da
família nas relações humanas. Constatou, inclusive, o valor dos símbolos para as crianças e, por isto,
ressaltou o simbolismo. Para integrar o crescimento dos aspectos moral, mental e físico, o principal
meio é a atividade construtiva. Afirmou, ainda, que a base para os currículos das escolas deve ser os
interesses e as atividades em cada fase da vida da criança.
* Decroly
Decroly, educador belga, ressaltou que a criança deve solucionar os problemas e viver os
momentos de existência infantil plenamente: esse é o destaque que colocou na educação infantil,
compreendendo as condições do desenvolvimento infantil e não a preparação para a vida adulta,
como era o pensamento educacional em vigor, na sua época.
Decroly ajustou a escola à psicologia da criança, transformando o ensino, sendo que seu
método é chamado por centros de interesse, destinado principalmente aos alunos das classes
primárias, porque procura associar os interesses infantis com os conhecimentos.
Para ele os centros de interesse se modificam com a idade. Isto é, dos três aos seis anos de
idade, no Jardim, através do contato com o meio. A isto se associava a idéia de conhecimento, pela
criança, de defender-se de perigos e acidentes, de lutar contra as dificuldades, de suas necessidades
de se alimentar, de ter alegria e de trabalhar e agir em grupo. Conhecendo o meio, a criança estaria
satisfazendo suas necessidades. Sendo assim, a sala de aula está presente no dia-a-dia da criança: na
cozinha, no jardim, no museu, no campo, na oficina, nas viagens etc.
Para Decroly, a criança passava por três momentos nos seus centros de interesse: o da
observação, o da associação e o da expressão. A duração dos centros de interesse pode variar muito,
até meses, sendo, portanto, flexível, por motivo da riqueza dos conhecimentos a serem trabalhados.
Não se preocupou em escrever uma obra fundamental, porque pensava, ao expor suas
técnicas, que elas poderiam se cristalizar: preocupou-se mais em apresentar princípios educacionais
do que com fórmulas rígidas.
* Montessori
Montessori, educadora italiana, estudou medicina, tendo-se doutorado nesta ciência pela
Universidade de Roma, dedicou-se, a partir dos 25 anos, às crianças anormais na clínica daquela
Universidade.
Na Itália, nesta época, vivia-se um movimento da educação nova em oposição aos métodos
tradicionais, que não respeitavam as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil.
Nesse contexto, Montessori fundou a primeira Casa da Criança em 1907, sendo locais de
educação e de vida, não somente de instrução, visando à educação completa da criança. Utiliza um
método ativo quanto à criação e a aplicação, tendo como centro as atividades motoras e sensoriais,
especialmente na educação pré-escolar, embora o tenha estendido também à segunda infância.
Respeitava as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil, sendo um método de trabalho
individual, embora tenha um cunho social, porque as crianças, com o grupo social, devem colaborar
com o ambiente social.
Concentrou seus conhecimentos à formação de professores para a educação de anormais.
Experimentou em crianças normais os procedimentos usados na educação de anormais, após
observar os defeitos das escolas comuns.
Da educação terapêutica partiu para as fases de desenvolvimento infantil e as diferenças
individuais, preocupando-se com o corpo e o espírito do aluno e o seu processo de adaptação à vida
social. Assim, a “escola deveria girar em torno do aluno”.
No sistema Montessoriano de educação os ruídos são considerados prejudiciais e, portanto, o
silêncio é muito valorizado. Até o professor não precisa falar alto e a criança fala apenas quando seu
trabalho exigir.
Montessori defendeu uma concepção global de educação e, também, deu ênfase à relação da
criança com a natureza, daí, resultando, as ciências que mereceram um papel de destaque.
* Wallon (1879-1962)
Médico francês desenvolveu vários estudos na área da neurologia. Wallon propôs o estudo do
desenvolvimento infantil, contemplando os aspectos da afetividade, da motricidade e da inteligência.
Para ele, o desenvolvimento da inteligência depende das experiências oferecidas pelo meio e do grau
de apropriação que o sujeito faz delas. Assim sendo, os aspectos físicos do espaço, as pessoas
próximas, a linguagem, bem como os conhecimentos presentes na cultura contribuem efetivamente
para formar o contexto de desenvolvimento.
Para este educador há uma profunda diferença entre o desenvolvimento da criança e o
desenvolvimento do adulto, porque a transição da infância para a fase adulta envolve uma total
transformação do ser humano, bem como do ambiente no qual a criança está sendo introduzida; é o
mundo dos adultos, o que explica uma certa uniformidade nas estruturas de cada estágio que a
criança vive em seu processo de desenvolvimento, enfatizando nele dois elementos importantes, a
imitação e o brinquedo.
Ele destaca as emoções e a linguagem como domínios funcionais no desenvolvimento da
criança e como fatores associados a esses domínios enfatiza as questões da confusão entre o EU e os
OUTROS e da descontinuidade no processo de desenvolvimento.
Buscou enfatizar na sua teoria a indissociabilidade entre uma concepção de Sociedade,
Educação e Psicologia, afirmando que o desenvolvimento da criança pode ser visto, tanto por seus
atributos inatos quanto como um reflexo dos valores sociais.
Para Wallon o desenvolvimento acontece de forma descontínua, sendo marcado por rupturas
e retrocessos. A cada estágio de desenvolvimento há uma reformulação e não simplesmente uma
adição ou reorganização dos estágios anteriores, ocorrendo a interação entre o sujeito e o ambiente.
* Vygotsky (1986-1934)
Estudioso russo na área de história, literatura, filosofia e psicologia. Vygotsky dedicou-se à
docência de 1920 a 1934, auxiliando na constituição de novos laboratórios de investigação,
contribuindo para a criação e a organização de instituições de atenção às crianças portadoras de
necessidades especiais e também escrevendo cerca de 200 trabalhos científicos.
Vygotsky é o representante principal da tendência que privilegia os pressupostos sócio-
históricos ou sócio-interacionistas, a qual aponta para uma posição oposta à perspectiva
evolucionista do conhecimento apontada por Piaget, pensando, portanto, em uma Psicologia
historicamente fundamentada através dos processos de mudança na história do sujeito. As
preocupações de Vygotsky centram-se em buscar quais os aspectos da dinâmica da cultura e da
sociedade que teriam influência no curso de desenvolvimento do sujeito. Vygotsky procura
compreender de que maneira se dá a interferência do mundo externo no mundo interno, ou como a
natureza sociocultural se torna a natureza psicológica.
Vygotsky defende uma abordagem teórica e, conseqüentemente, uma metodologia que
privilegia a mudança. A cada estágio do seu desenvolvimento a criança adquire os meios para
interferir de forma competente no seu mundo e em si. Destaca a importância da criação e do uso de
estímulos auxiliares ou “artificiais”. Através desses estímulos uma situação inédita e as relações
ligadas a ela são alteradas pela intervenção humana ativa. Os homens introduzem esses estímulos
auxiliares como uma maneira de adaptar-se ativamente. O autor considera os estímulos como
altamente diversificados: eles incluem os instrumentos da Cultura na qual a criança nasce, a
linguagem das pessoas que se relacionam com a criança e os instrumentos produzidos pela própria
criança, incluindo o uso do próprio corpo. Vygotsky enfatiza a importância do brinquedo e da
brincadeira, do faz de conta para o desenvolvimento cultural da criança.
Na sua teoria educacional é necessário enfatizar o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal que significa a distância entre aquilo que a criança sabe fazer sozinha (o desenvolvimento
REAL) e o que é capaz de realizar com o auxílio de alguém mais experiente (o desenvolvimento
POTENCIAL). Dessa forma, o que é Zona de Desenvolvimento Proximal hoje vira nível de
desenvolvimento real amanhã. O bom ensino, portanto, é o que incide sobre a Zona Proximal.
PARADIGMAS EDUCACIONAIS
O presente artigo é decorrente de uma dissertação de mestrado, desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria, a qual buscou verificar
as representações sociais de deficiência que constam nas normas complementares estaduais,
específicas à Educação Especial, vigentes na Região Sul do Brasil para a elucidação dos
paradigmas educacionais desses documentos.
A teoria das Representações Sociais elaborada por Moscovici (1961) é o aporte teórico para este
estudo. Utilizou-se o método de análise de conteúdo exposto por Bardin (1977), complementado
pelas idéias propostas por Moraes (2003). Os resultados evidenciam visões antagônicas e
dicotômicas presentes na atual política educacional, demonstrando a existência de representações
sociais extremas de deficiência, referentes ao modelo médico e ao modelo social de deficiência.
Nesse, sentido, tais normas evidenciam a manutenção de paradigmas educacionais integradores, bem
como, ampliam a consolidação de paradigmas educacionais inclusivos.
O presente artigo apresenta e discuti indicadores construídos a partir da dissertação desenvolvida no
curso de Mestrado em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação - da Universidade
Federal de Santa Maria/UFSM. Contudo, não há pretensão de esgotar o tema nem de fazer neste
momento um levantamento que cubra exaustivamente todos os indicadores implicados no estudo
referido.
A teoria das representações sociais é aporte teórico do estudo, pois o conhecimento das
representações oferece a maneira como os sujeitos sociais apreendem os acontecimentos da vida
diária, as características do meio, as informações que circulam, as relações sociais. Nesse sentido,
concebe-se que os discursos das normas complementares emergem e são constitutivos da realidade
escolar; assim sendo, ao definirem as ações em relação à escola e aos alunos, implicitamente estão
revelando formas de conceber esses alunos, e, conseqüentemente, essa escola (entendida aqui como
modelo educacional), legitimando as idéias e práticas do setor educacional.
Portanto, buscou-se verificar as representações sociais de deficiência que constam nas normas
complementares estaduais, específicas à Educação Especial, vigentes na Região Sul do Brasil, para
elucidação dos paradigmas educacionais desses documentos.
Conforme Gilly (2001, p.321), a teoria das representações sociais contribui para a compreensão dos
fatos em educação, pois “orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações
sociais no processo educativo. Como ressaltam Deschamps et al. (1982), oferece um novo caminho
para a explicação de mecanismos pelos quais fatores propriamente sociais agem sobre o processo
educativo e influenciam seus resultados”.
Nesse sentido, os fenômenos de representação social, referentes à escola não ocorrem fechados no
contexto escolar, pois tais fenômenos estabelecem vínculos com outros sistemas de representações
sociais. Portanto, quando mecanismos econômicos, sociais, ... pressionam o sistema escolar,
impondo mudanças em seu contexto, as suas representações seguem essas mudanças.
Assim, as representações sociais não podem ser concebidas como um mero reflexo da realidade
escolar, conforme sugeriam os parâmetros individualizantes da compreensão da subjetividade. São
construções que legitimam as idéias e as práticas escolares, tornando-as reais, e, portanto, garantem
aos envolvidos nesse contexto a possibilidade de manutenção do seu próprio equilíbrio.
Conforme Oliveira &Werba (2002, p.107), “uma das principais vantagens dessa teoria1 é sua
capacidade de descrever, mostrar uma realidade, um fenômeno que existe, do qual muitas vezes não
nos damos conta, mas que possui grande poder mobilizador e explicativo”. Nesse sentido, o estudo
dos fenômenos envoltos no contexto escolar é fundamental para que se compreendam determinadas
ações, pensamentos e comportamentos que legitimam preconceitos ocorridos na escola. Pois, ao
formarmos uma representação, buscamos nos aproximar do não-familiar tornando-o familiar.
Portanto, o não-familiar precisa entrar na forma de uma categoria já conhecida, porém, muitas vezes
corre-se o risco de classificar determinado fenômeno de forma equivocada, de forma preconceituosa.
Conforme Moscovici (2003, p.66), “todos nossos preconceitos (...) somente podem ser superados
pela mudança de nossas representações sociais da cultura, da natureza humana e assim por diante”.
Nesse sentido, ao se propor uma educação para todos, comprometida com a ruptura de todos os
preconceitos, não se pode pensar apenas no espaço escolar. Pois o fenômeno que se encontra em
situação de discriminação na escola não é particular desse contexto, mas está incluso numa estrutura
maior: a sociedade. Portanto, para a compreensão desse fenômeno, é necessário que sejam
considerados os mecanismos que dificultam sua aceitação, dentre os quais podem-se destacar as
políticas públicas.
Azevedo (1997, p.65) ao citar ao citar Jobert2, reitera que “as políticas públicas são fruto da ação
humana. Portanto, como qualquer ação humana, todo seu processo desenvolve-se através de um
sistema de representações sociais”. Pois a formulação de uma política não ocorre num vazio social,
mas se apóia nas formas de conhecimento e de interpretação do real peculiar a alguns grupos que
atuam no setor referente, no caso específico, o setor educacional. E, portanto, a definição da política
educacional e das normas complementares à legislação que as norteiam articulam-se a esse universo
simbólico e cultural.
No decorrer da história, através das diferentes abordagens de atendimento e/ou educação adotadas
pela Educação Especial, pode-se constatar a existência de modelos extremos de deficiência que
permearam tais práticas. No entanto, esses modelos de deficiência, não se limitam ao campo
educacional, pois orientam todas as ações sociais em relação ao fenômeno a que se referem e,
portanto, são determinantes para a constituição das pessoas.
Sassaki (1997) refere-se a esses modelos de deficiência, caracterizando-os como médico e social.
O modelo médico de deficiência atribui os problemas encontrados pela pessoa com deficiência à sua
própria condição, ou seja, condição de possível incapacidade de preencher as condições necessárias
para a participação social. Fletcher (s/ data, p.2), fazendo a leitura desse modelo, compreende que a
deficiência é “vista como um problema do indivíduo e, por isso, o próprio indivíduo teria que se
adaptar à sociedade ou ele teria que ser mudado por profissionais através da reabilitação ou cura”.
os problemas da pessoa com necessidades especiais não estão nela tanto quanto estão na sociedade.
Assim, a sociedade é chamada a ver que ela cria problemas para as pessoas portadoras de
necessidades especiais causando-lhes incapacidade (ou desvantagem) no desempenho de papéis
sociais (...)
Nessa perspectiva, a problemática da deficiência não está na pessoa que apresenta tal condição, mas
na forma como a pessoa deficiente é concebida na sociedade. Assim, o modelo social reconhece a
singularidade da pessoa e não a sua deficiência, singularidade essa que a torna diferente de todas as
outras pessoas, pois se parte do entendimento de que cada pessoa é única. Nesse sentido, a sociedade
deve adaptar-se para responder as necessidades de todos os seus membros, pois o contexto social
assume papel decisivo como favorecedor ou impeditivo do processo de desenvolvimento das pessoas
que nele se encontram inseridas.
3- Paradigmas educacionais
Compartilho do pensamento de Kuhn apud Mrech (2001, p.3), o qual concebe que “um paradigma é
uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas compartilhadas por uma comunidade
científica que apresenta uma determinada concepção da realidade, estruturada a partir de um
determinado tipo de pensamento”.
Nesse sentido, o meu pensar sobre determinado fenômeno influencia minhas ações em relação a esse
fenômeno. Da mesma forma que minhas ações frente a determinado fenômeno interferem no meu
pensar sobre esse fenômeno. Portanto, um paradigma é um modelo imbricado no processo dialético
estabelecido entre representações e práticas.
O paradigma da integração estabelece uma forma de inserção escolar, na qual se recebe o aluno com
deficiência, desde que ele seja capaz de acompanhar os padrões escolares tradicionais, portanto,
quando o aluno com deficiência, o diferente, adentra o espaço escolar comum a todos, a estrutura
escolar busca o seu ajustamento ao padrão tido como uniforme, o qual constitui a teórica
homogeneidade dos alunos iguais.
O paradigma da inclusão surge como um novo olhar sobre as questões educacionais. Não mais o
aluno tem que apresentar uma prontidão para estar na escola, mas a própria escola é chamada a ver
que ela pode estar causando algum empecilho de aprendizagem para os alunos com NEE’s, portanto,
a escola tem que se adaptar para receber todos os alunos.
A Educação Especial deixa de ocupar o lugar especial do sistema geral de educação, para se
consolidar, juntamente com o ensino comum, na própria constituição da educação inclusiva. Nesse
sentido, o paradigma da inclusão veio transformar a dicotômia educacional existente na escola
tradicional, a qual consistia numa visão de estruturas paralelas de ensino, o comum e o especial,
assumindo o compromisso com um todo unificado, o sistema geral de educação. Conforme Bueno
(2001, p.12),
Essa união de objetivos, esse andar juntos ao se propor o salto de qualidade exposto na citação
anterior, chama para a escola a responsabilidade de satisfazer as NEE’s dos alunos.
A Resolução n°267/02 (RS) e o Parecer n°441/02 (RS) provenientes do estado do Rio Grande do Sul
(RS), a Resolução n° 01/96 (SC) do estado de Santa Catarina (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr) do
estado do Paraná (Pr) apresentaram, na análise de seus indicadores, características voltadas para a
compreensão do fenômeno da deficiência acerca tanto do modelo social, quanto do modelo médico
de deficiência. No entanto, na Resolução n°267/02 (RS), no Parecer n°441/02 (RS) e na Deliberação
n° 02/03 (Pr) houve uma sobreposição da categoria do modelo social de deficiência em relação à
categoria do modelo médico. Na Resolução n° 01/96 (SC), ocorreu o inverso, pois evidenciou-se
como categoria forte o modelo médico de deficiência e, como categoria fraca, o modelo social.
Um dado importante a ser considerado para essa diferença entre a Resolução n°267/02 (RS), o
Parecer n°441/02 (RS), a Deliberação n° 02/03 (Pr) e a Resolução n° 01/96 (SC), em relação ao
predomínio de uma ou outra categoria, refere-se ao fato de esses documentos se tratarem de normas
complementares, elaboradas em um momento específico de cada estado e, conseqüentemente,
trazerem à tona fenômenos psicossociais históricos e culturalmente condicionados. Nesse sentido,
sendo a Resolução n° 01/96 (SC) inscrita no ano de 1996, acabou retratando o discurso educacional
vigente em Santa Catarina neste período temporal. Porém, findando a década de 90, ampliaram-se às
discussões e ações acerca de uma reestruturação educacional, as quais foram normatizadas em
âmbito nacional, através da LBD, Lei n°9394/96, do PNE, Lei n°10.172/01 e da Resolução n°2/01.
Portanto, esse foi o cenário que serviu de fundo para o contexto educacional dos estados do Rio
Grande do Sul (2002) e do Paraná (2003) e, conseqüentemente, para o nascimento de suas normas
complementares, específicas à Educação Especial.
A fim de tornar essa constatação das categorias acerca do fenômeno de deficiência mais palpável,
proponho-me a discutir alguns aspectos referentes aos indicadores temáticos, que, no decorrer da
análise, foram se tornando significativos e que, neste momento, são de extrema relevância para
embasar a consignação das representações sociais de deficiência e, conseqüentemente, a leitura dos
paradigmas educacionais.
Os documentos, ao possibilitarem uma leitura ambígua referente ao acesso dos alunos com NEE’s
no ensino comum (indicador temático n°1) ao restringirem tal acesso contribuem para a conservação
de serviços especializados segregados na escola, tais como as classes e oficinas especiais (Resolução
n°267/02 (RS), Parecer n°441/02 (RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)), bem como, ao estabelecer o
acesso negado no ensino comum em função das condições específicas de determinados alunos,
favorece ainda manutenção dos atendimentos realizados nas escolas especiais (Parecer n°441/02
(RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)).
Essa visão sugere uma cisão metafórica entre o ensino comum e o especial, a qual é reforçada em
alguns indicadores referentes ao indicador temático da Educação Especial (n°2). A Resolução n°
01/96 (SC) estabelece uma autorização da Secretaria de Estado da Educação e Desporto através de
proposição da FCEE para o funcionamento das modalidades alternativas de Educação Especial,
sendo que, na Resolução n°267/02 (RS) e no Parecer n°441/02 (RS), apesar de não constar essa
figura do credenciamento específico para a oferta da Educação Especial, subentende-se que essa
poderá ou não ser ofertada e, portanto, o ensino comum tem sua existência independente dessa
modalidade. Cabe ressaltar ainda, que a conceituação da Educação Especial como modalidade
(Resolução n°267/02 (RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)), bem como a terminologia “especial”
(Resolução n°267/02 (RS), Resolução n° 01/96 (SC) e Deliberação n° 02/03 (Pr)) podem contribuir
para reforçar a visão de duplicidade de educações: regular e especial, as quais possuem objetivos
diferentes em função do alunado específico, ao qual cada uma responde.
No indicador temático das condições de permanência (n°4), a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao priorizar
o atendimento em classe especial através do agrupamento de alunos por necessidades educacionais
especiais de características assemelhadas, desconsidera que, apesar de serem enquadrados na mesma
categorização, por exemplo, deficiência mental, cada aluno apresenta sua individualidade, que os
torna diferentes entre si. Finalizando, é importante salientar que alguns indicadores do indicador
temático dos serviços especializados (n°7), na Resolução n°267/02 (RS), no Parecer n°441/02 (RS),
na Resolução n° 01/96 (SC) e na Deliberação n° 02/03 (Pr), estabelecem a criação e a manutenção
de atendimentos especializados segregados em substituição ao ensino comum, tais como: classes,
escolas e oficinas especiais, sala de atendimento alternativo e centro multidisciplinar de atendimento
especializado.
Ao se estabelecer um sistema educacional único, rompe-se com a visão de alunos específicos para
educações distintas e, portanto, no indicador temático do alunado (n°3), a Resolução n°267/02 (RS),
a Resolução n° 01/96 (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao adotarem uma terminologia para o
alunado da educação, transpõem o limite de uma categoria ou grupo específico, passando a incluir
todos aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem sem, necessariamente, apresentar uma
deficiência real. Nesse sentido, significa também o reconhecimento de que a presença de uma
deficiência não implica, necessariamente, que o aluno que a apresenta terá dificuldades de
aprendizagem em todas as áreas do conhecimento, no decorrer da sua trajetória escolar. Ao
descategorizar essa terminologia, as NEE’s podem ser apresentadas por qualquer aluno que esteja
experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola.
Ao referir acerca das NEE’s, torna-se relevante discutir sobre um item, contemplado neste indicador
temático, a avaliação, a qual, na Deliberação n° 02/03 (Pr), é entendida num aspecto
verdadeiramente pedagógico. Ela deve ser realizada pelo professor de sala de aula, com o apoio de
especialistas, no próprio contexto escolar, buscando a identificação das necessidades educacionais
do aluno, do professor e da escola, para que o “contexto escolar” seja adaptado para a remoção de
suas barreiras de aprendizagem e poder responder às necessidades de todos os seus alunos.
Outro indicador temático relevante refere-se à terminalidade específica (n°5), a qual, nos indicadores
do Parecer n°441/02 (RS) e da Deliberação n° 02/03 (Pr), constitui-se numa certificação de
conclusão de escolaridade, em que constam os conhecimentos adquiridos e as competências
alcançadas por determinado aluno depois que a escola esgotou todas as possibilidades de
“adaptações”, para favorecer sua construção da aprendizagem. Na Deliberação n° 02/03 (Pr), ela não
apresenta um fim em si mesma, ou seja, deve possibilitar novas alternativas educacionais mais
condizentes com a idade e os interesses do aluno, tais como, educação de jovens e adultos ou
educação profissional.
No indicador temático dos serviços especializados (n°7), alguns itens da Resolução n°267/02 (RS),
do Parecer n°441/02 (RS), da Resolução n° 01/96 (SC) e da Deliberação n° 02/03 (Pr) referem-se a
atendimentos especializados, os quais se constituem em recursos de apoio para que a escola comum
tenha condições de satisfazer as NEE’s. Assim, retoma-se a questão inicial de que a educação
comum e a especial passam a constituir um todo unificado, sendo que esse andar juntos pressupõe
que, para satisfazer as NEE’s dos alunos, a escola, muitas vezes, precisa passar por adaptações,
dentre as quais podem estar os serviços especializados, mas somente os que consistem em recursos
de apoio voltados para o desenvolvimento de uma educação inclusiva.
Essa leitura da Representação Social de deficiência referente ao modelo social expressa o significado
do paradigma da inclusão. Portanto, esse paradigma transpõe a concepção da simples ocupação
física no espaço do ensino comum por parte do aluno com NEE’s, constituindo-se então, no acesso e
na permanência desse aluno por meio da valorização e do atendimento da diversidade. Nesse
sentido, em consonância com o próprio significado da Representação Social de deficiência referente
ao modelo social, o paradigma da inclusão concebe as diferenças individuais, a singularidade contida
no processo de construção de aprendizagem realizado por cada aluno passa a constituir o centro do
processo educacional.
O paradigma da inclusão, ao assumir o alunado como um todo diferente entre si, delega à escola sua
própria responsabilidade outrora erroneamente projetada no aluno. Conseqüentemente, não mais o
aluno precisa mudar, mas a escola, entendida como a unificação dos sistemas regular e especial,
deve se adaptar para atender a todos alunos que apresentem ou estejam apresentando uma NEE, no
sentido de remover os empecilhos que possam estar dificultando a construção da aprendizagem pelo
aluno.
5- Considerações
As normas complementares estudadas apesar de serem proclamados como a favor da inclusão, ainda
respondem parcialmente a essa proposta educacional, consolidando-se muito mais como documentos
de transição do paradigma da integração para o da inclusão, do que propriamente voltados,
especificadamente, ao paradigma da inclusão.
Assim, concebe-se como verdadeira a frase transformada em jargão educacional a escola inclusiva
não é algo que se crie por meio de decreto, pois, nem mesmo o próprio decreto e as normas
complementares, enquanto atribuições oriundas de determinada sociedade, são capazes de retratar
fielmente um modelo de ações desconexo das práticas, valores, representações que vigoram nessa
realidade educacional da qual emergiram.
Ao se assumir que as normas complementares estudadas são produto das relações sociais, por serem
definidas, implementadas e avaliadas em relação aos discursos e as praticas educacionais
estabelecidas, não se desconsidera o seu viés de transformadoras dessas relações, pois, enquanto
balizadoras da educação, ultrapassam as práticas educacionais estabelecidas, pois determinam
formas de conceber e de se relacionar, no caso específico, com o aluno com deficiência e, portanto,
retornam à sociedade, projetando sutilmente suas representações acerca desse fenômeno, sobre a
prática pedagógica.
Assim, considerando a dicotomia das representações sociais de deficiência expressas nas normas
complementares estudadas, compreendo a necessidade de reestruturação dos nortes educacionais,
redefinindo concepções e vislumbrando novos significados para os propósitos educacionais. No
entanto, a mudança de atitude frente ao fenômeno da deficiência constitui-se como uma barreira
complexa, pois se trata de uma ação que não pode ser considerada de forma isolada, à pena de correr
o risco de apenas se maquiar o preconceito, a exclusão de determinados alunos do contexto escolar.
Portanto, este estudo se constitui apenas como uma parte do contexto onde o processo
representacional se evidencia, sendo necessário um imbricamento entre políticas educacionais,
escola e sociedade na busca da transformação da representação acerca do fenômeno da deficiência,
na luta para que, gradativamente, a integração venha sucumbir à inclusão, efetivando mudanças de
atitudes no contexto escolar, evoluindo para um efetivo entendimento da educação para todos.
O paradigma da inclusão não tem um início em si mesmo, mas é decorrente de um processo que é
político, social e histórico. Esse processo, conforme constatado, não se constitui de forma linear e,
portanto, por mais que se deseje uma proposta educacional inclusiva, o paradigma da integração
ainda hoje exerce influencia na estruturação de práticas e pensamentos, favorecendo até mesmo a
existência do objeto de estudo desta dissertação, ou seja, de normas complementares específicas à
Educação Especial.
A existência dessas normas corrobora para o entendimento de que a normatização existente para a
Educação Básica não corresponde aos alunos com NEE’s, pois, para eles, existe uma normatização
especial. Sob essa ótica, elucida-se a dicotomia entre educação comum e Educação Especial, imposta
pelo paradigma da integração e evidenciada em outros aspectos analisados no decorrer deste estudo.
Assim, corre-se um duplo risco: como são normas específicas à Educação Especial, muitos
educadores se eximem em conhecê-las e discuti-las por não serem da área, ou ainda, acabam sendo
deixadas de lado pelo próprio grupo de profissionais que respondem pela Educação Especial. Assim
sendo, a Educação Especial pode permanecer como um debate à parte, mantido apenas por
especialistas, bem como, ser/permanecer excluída das reflexões em torno da educação geral.
O paradigma da inclusão pressupõe rupturas, crises e incertezas, implica compreender a inclusão não
apenas como sendo oriunda de um processo, mas também, como sendo um processo em si e não um
destino. No entanto, essa transposição de paradigmas, conforme anteriormente referenciado, não é
fácil, pois existe uma complexa rede de desafios a serem enfrentados. A caminhada é longa e não
pode ser traçada isoladamente, pois a incorporação do paradigma da inclusão não depende
simplesmente da mudança da política educacional ou da mudança organizacional das escolas, visto
que a assimilação desse paradigma depende da transformação do processo representacional, através
do qual se desencadearão essas mudanças, pois a representação orienta comportamentos,
comunicações e, propriamente, as relações sociais de determinado grupo. Para tanto, é preciso
abandonar a visão simplista de que o atendimento da diversidade depende exclusivamente de um
puro ato de vontade. Faz-se necessário traçar estratégias que contribuam para novas relações
teóricas-práticas e não teóricas-práticas, as quais favoreçam a construção de concepções alicerçadas
na aceitação, no respeito e no atendimento da diversidade e das potencialidades humanas. Mas,
acima de tudo, é preciso estabelecer parcerias, confraternizar idéias, sentimentos, experiências,
enfim, dar voz e ouvido à experiência dos sujeitos envolvidos neste processo, pois, ao falarem sobre
as suas experiências, dificuldades e percepções em relação ao processo de inclusão, os sujeitos estão
revelando o seu ser subjetivo, no qual residem as origens da rejeição, dos seus preconceitos, dos
obstáculos de uma prática voltada para a inclusão.
À luz das leituras realizadas, as primeiras aproximações com a história de vida da professora
colaboradora mostram que sua trajetória de vida pessoal está intimamente relacionada à sua
trajetória de formação profissional. Visto a natureza do estudo, julga-se incondizente generalizarmos
os resultados, acreditando que o modo como cada sujeito se constitui seja o resultado de suas
vivências e interações com o meio e com os demais indivíduos. Percebe-se assim, que os professores
têm que se construir diariamente num processo em que os aspectos da vida pessoal não podem ser
separados da vida profissional, pois o professor é um ser único e indivisível devendo ser este fator
relevante no planejamento da formação docente.
1. Introdução
Com a proposta de uma “Educação para Todos”, alunos com necessidades educacionais especiais
passaram a freqüentar o ensino regular o que vem provocando dúvidas, incertezas e desestabilizando
o professor que, ao se deparar com o outro “diferente”, vê-se diante de suas limitações pessoais e
profissionais, levando-o, muitas vezes, a demonstrar atitudes de não aceitação deste educando. Tal
constatação aponta para um dos maiores desafios que se vem enfrentando na área educacional,
relacionada à formação do profissional que trabalha com alunos incluídos.
Nesta direção emergem algumas questões: Como os profissionais, que já estão em exercício e que
não tem formação especializada, vem enfrentando a realidade inclusiva? Quais são as dificuldades
encontradas pelos professores ao trabalharem com alunos com necessidades educacionais especiais?
A trajetória de vida, escolar e acadêmica dos professores têm influenciado no modo como vêm
lidando com a inclusão deste aluno no ensino regular?
Estas são algumas das indagações que nos levam a pensar a inclusão enquanto um desafio que passa
pelas interações estabelecidas entre professor e aluno, pois ambos levam para a sala de aula suas
histórias de vida, permeadas de significados, valores e crenças, socialmente apreendidos. Portanto,
nos parece urgente lançar um novo olhar sobre a formação de professores, no intuito de resgatar as
“marcas” que estes carregam, num processo de interação entre suas dimensões pessoal e
profissional.
Neste sentido, a presente pesquisa teve a intenção de contribuir para a ressignificação docente,
através do trabalho com a História de Vida de uma Educadora Infantil que atua na rede estadual de
ensino de Santa Maria, RS. A análise da História de Vida nos permitiu compreender como esta
Educadora vem se constituindo pessoal e profissionalmente, tendo como pano de fundo suas
experiências em relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino
regular. A coleta de informações abarcou o relato oral e escrito, em que a professora pôde falar sobre
si mesma, seus alunos, suas necessidades, bem como os fatos que marcaram sua escolha profissional,
sua formação, sua prática pedagógica e os sentimentos nela envolvidos.
Ao relembrarmos a nossa história, não raro trazemos à tona sentimentos e emoções por vezes
esquecidos, nos reportando às pessoas, eventos, lugares e fatos, que marcaram nossa trajetória de
vida. Por meio da rememoração a formação assume um caráter processual possibilitando à
educadora1, assumir-se como produtora de si e da profissão ao mesmo tempo em que se contribui
para a ressignificação de sua trajetória vital.
Ainda que numa História de Vida a narrativa reflita aspectos individuais e únicos do sujeito
entrevistado, seu relato é o resultado da interação dessa individualidade com as características do
contexto social em que se situa. Portanto, a trajetória de vida da professora colaboradora foi uma
categoria de análise importante, permitindo que apreendamos, entre outros aspectos, o que a motivou
a se dedicar à carreira docente e que aspectos considera significativos para o seu processo formativo.
A História de Vida possibilitou que lançássemos um olhar para a professora como um ser único e
indivisível onde, a pessoa da docente não está dissociada da profissional que vem se constituindo.
Olhar este, respaldado pelos estudos de Nóvoa ao afirmar que é impossível separar o eu profissional
do eu pessoal, pois ser professor nos “obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser
com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de
ser” (1992, p. 10).
O conceito de formação, neste sentido, é tomado não só como uma atividade de aprendizagem
situada em tempos e espaços limitados e precisos, mas também como ação vital de construção de si
próprio (NÓVOA, 1995). Portanto, compreender como cada pessoa se formou (vem se formando)
possibilita-nos encontrar as relações existentes entre as pluralidades que atravessam a vida pessoal e
profissional, uma vez que:
Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagem,
um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a
singularidade da sua história e, sobretudo, o modo singular como age, reage e interage com os seus
contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo
de formação (MOITA, 1992 - p 115).
No caso da professora colaboradora deste estudo, a mãe surge como figura marcante na busca por
uma profissão, balizando o que, historicamente, a carreira do magistério representou em termos de
profissionalização das mulheres. Este representou uma das primeiras possibilidades que as mulheres
encontraram de conquistar um espaço na sociedade e assumir outros papéis, além daqueles que até
então lhes eram destinados: dona de casa, mãe e esposa. Ainda hoje, a presença maciça da mulher dá
ao magistério a identidade de uma profissão predominantemente feminina, especialmente nos níveis
da educação infantil e fundamental, sendo em alguns casos considerada uma extensão da vida
familiar.
Para Nunes (apud GORI, 2001 – s/p), a opção por determinada profissão “apóia-se num conjunto de
representações que, enquanto jovens, temos sobre nós mesmos, sobre o nosso papel de adulto, sobre
a sociedade em que vivemos, sobre esta ou aquela carreira escolar e sobre um futuro exercício
profissional”. Isso acaba por conferir à educadora uma identidade, um modo de ser e estar na
profissão bastante particulares, visto que em relação à docência, as concepções e práticas não se
formam somente quando se ingressa nos cursos de licenciatura, mas antecedem a mesma,
encontrando-se enraizadas nos contextos e histórias individuais dos sujeitos, constituindo-se assim,
nas primeiras “marcas” que estes carregam em relação à profissão.
Desta forma, parece correto afirmar que repensar a formação do profissional da área educacional
implica em superar o reducionismo acerca da ação docente, indo além do método e da técnica, a fim
de se valorizar a história de vida dos professores. Estes trazem na bagagem crenças, valores e
desejos em relação à educação que não podem ser ignorados ou deixados de lado, pois “o professor é
uma pessoa e uma parte importante da pessoa é o professor” (NIAS apud NÓVOA, 1992 - p. 15). O
desenvolvimento profissional, portanto, não se constrói apenas por acúmulo de cursos,
conhecimentos ou de técnicas, mas também por um trabalho consolidado na identidade, na
experiência pessoal, enfim, por um investimento na pessoa embutida no profissional (NÓVOA,
1995).
Faço, deste modo, minhas as palavras de Mosquera (1976), de que a eficácia do trabalho de uma
professora está fundamentada, antes de tudo, num processo de autoconhecimento, onde estar em
formação implica um envolvimento pessoal, um trabalho reflexivo sobre os percursos trilhados e
projetos em andamento que estão diretamente relacionados à construção identitária no qual os
professores constroem a si mesmos e a profissão, com a sua presença, maneira de ser e de interagir
com os outros.
Partindo do pressuposto de que o percurso profissional de qualquer professor é marcado por vários
acontecimentos durante a carreira, foi possível, através do relato autobiográfico da professora
colaboradora, resgatar acontecimentos que considerou formadores, estabelecendo relação entre a
construção do seu “eu” pessoal e profissional.
Durante a realização das entrevistas, trouxe à tona situações que vivenciou no contexto familiar e
que antecederam sua atuação profissional com alunos com necessidades educacionais especiais.
Um segundo aspecto refere-se ao envolvimento com as concepções clínicas, que marcam sua busca
na compreensão acerca das características acerca das deficiências, segundo ela para melhor atender
às diferenças de seus alunos, indicando uma influência do tradicional modelo médico. Por fim,
sublinha-se a existência de sentimentos contraditórios, levando os familiares a demonstrar
comportamentos ora de pena, ora de super proteção: “... eu nunca deixei que o tratassem como
coitadinho, (...) tudo era motivo, qualquer coisa que ele fazia, saíam correndo para atender”.
Embora não tenha sido evidenciado de forma direta pela narradora as ligações entre esta fase da sua
vida pessoal com a sua atuação profissional, ela chega a verbalizar que, provavelmente, essa
vivência tenha facilitado na aceitação de alunos com necessidades educacionais especiais.
Percebe-se, no entanto, que o contato prévio com a deficiência e a formação acadêmica não
“impediram” a vivência de sentimentos de insegurança e despreparo ao atuar com estes alunos. Isso
evidencia a pouca inserção da Educação Especial nos cursos de formação acirrando o problema da
falta de profissionais capacitados para trabalhar com este alunado. A precariedade na formação de
professores pode ser agravada quando a professora entra em situação de serviço, pois as instituições
encontram-se regidas por políticas de desvalorização profissional, sem incentivo à capacitação
docente.
Nesta perspectiva, foi marcante na fala da professora a necessidade constante de buscar cursos de
aprimoramento, visando a melhoria da qualidade de sua atuação cotidiana com os alunos, por meio
de novos caminhos e novas formas de realização do trabalho pedagógico. Entretanto, não se sente
apoiada para isso: “minha formação precisa ser revista. Gosto de fazer cursos – atualmente está
bastante complicado, o tempo é curto (...) não se tem incentivo pra fazer curso nenhum, tu vai muito
por ti, pelo que tu estás buscando, pelo teu interesse...”.
Isso reforça a idéia de que a formação não pode ser concebida como “algo mais”, que se acrescenta
ao nosso trabalho diário, mas como parte deste. Sob este ponto de vista, o desafio ao se pensar a
formação de professores “consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde
trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo
permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que
intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais” (Mc BRIDE apud NÓVOA, 1995 -
p. 29).
Mesmo com pouco apoio da instituição em que atua, a professora colaboradora, investe em
dispositivos informais de formação, apostando no estabelecimento de redes de apoio com outros
sujeitos, a fim de partilhar de seus sentimentos, indagações, angústias e êxitos ao longo do processo
constitutivo da carreira.
Faz referência à uma colega de trabalho, podendo-se constatar que as experiências compartilhadas
foram significativas no momento de criar estratégias para trabalhar com o aluno com necessidades
educacionais especiais, deixando evidente em seu relato a importância que dá à troca com colegas e
com outras instituições.
Entende-se, neste sentido, que é preciso criar nas escolas um ambiente aberto ao diálogo e à
discussão das dificuldades cotidianas, facilitando a instauração de dispositivos de colaboração entre
os docentes na busca de soluções para os problemas pedagógicos que surgem. Sobre isso Mantoan
(2003) destaca que é preciso que se tenha uma formação continuada nas escolas para que os
professores resolvam suas angústias, diminuam seus conflitos, esclareçam seus pontos divergentes e
trabalhem cooperativamente, traduzindo-se em crescimento pessoal e profissional de cada um.
Destaca-se ainda, que no início da pesquisa a intenção de cursar uma pós-graduação parecia distante
de suas possibilidades, principalmente devido à falta de tempo e de recursos financeiros. Com o
ingresso em um curso de especialização, percebe-se uma reorientação em seu percurso profissional,
o que nos leva a reafirmar a necessidade de se romper com a idéia de formação como algo estanque,
possível de ser fragmentado, para pensá-la numa perspectiva de processo e como tal, inacabado, em
constante movimento, que não se inicia nem se esgota na formação inicial.
Assim, uma formação, inicial ou continuada, que vise a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais deve considerar a complexidade das situações com as quais os professores
tem de lidar cotidianamente, a fim de romper com a visão de um aluno e de um professor ideal,
desvinculados da realidade. É necessário pensar em estratégias de ensino alternativas para dar conta
das diferenças existentes no ambiente escolar em que as dificuldades dos alunos sejam vistas como
possibilidades de crescimento, como áreas que precisam ser desenvolvidas e não como
impedimentos ao seu aprendizado, ao mesmo tempo que não se pode negar as
diferenças/deficiências (GLAT, 1995).
Por ser o processo de ensino-aprendizagem uma via de mão dupla, onde não só a professora é
personagem central na vida dos alunos, como estes também são parte integrante de sua história,
acredita-se que o vínculo afetivo entre aluno e professor além de ser positivo para a construção da
auto-estima de ambos, também atua como facilitador deste processo. Entretanto, para que este
vínculo se estabeleça, é necessário por parte do docente, o despir-se dos seus próprios medos e
preconceitos, a fim de romper com práticas cristalizadas.
Assim a representação que o professor faz de seu aluno é importante, pois definirá a forma das
relações entre eles e dará sentido às experiências vivenciadas, uma vez que, o modo como o
professor percebe seu aluno e é percebido por este, num processo de interação mútua, irá influenciar
de forma decisiva no seu modo de atuar junto a este educando.
A protagonista deste estudo nos conta que foi uma das primeiras a aceitar alunos incluídos na
instituição onde trabalha e relata situações de relacionamento entre professor-professor, professor-
aluno, que elucidam como alguns procedimentos de distribuição de turmas e de organização dos
alunos, particularmente daqueles considerados um “problema” que ninguém quer, estão permeados
por atitudes que estigmatizam e excluem,: “Eu tive experiências de profissionais que rejeitavam
sabe, daí ele ia pra pré-escola”.
Analisa-se esta situação de modo a pensar que o desafio que foi lançado aos professores é muito
grande e inúmeros desses profissionais não se sentem preparados para enfrentá-lo e, por isso, talvez,
ainda predomine a visão e o discurso de que o aluno com necessidades educacionais especiais deva
ser atendido por profissionais especializados, em classes especiais e em salas de recursos, ficando o
mesmo num jogo de “empurra-empurra”.
Para nossa colaboradora os pais também exercem um papel fundamental no atendimento pedagógico
do aluno, pois são os familiares que ficam e se responsabilizam por estas pessoas a maior parte de
suas vidas sendo também aqueles que dão o “lastro”, o suporte para melhor trabalhar com este aluno.
A fala da professora, que encerra este momento do texto, evidencia sua preocupação com o futuro do
processo inclusivo na instituição em que atua, revelando uma postura de consciência do inacabado:
“Dizem por aí que a inclusão aqui na escola é a melhor que tem e não é bem assim, nós estamos
engatinhando, falta muita coisa, tem muita coisa pra fazer ainda”.
4. Considerações Finais
O envolvimento com a docência e seu exercício profissional mostram que ser professora é uma
construção social, intimamente relacionada aos contextos e a história da mulher no magistério.
Também seu desejo constante por novos conhecimentos se dá em grande parte por motivação
pessoal ou por julgar necessário o aperfeiçoamento profissional. Isso demonstra que, embora a
formação ainda esteja bastante institucionalizada, ao resgatar, através da memória, o que considera
significativo para seu processo formativo, revitaliza os próprios saberes, concepções e atitudes dando
um novo significado para sua trajetória existencial.
Considerando o princípio de uma “Educação para Todos”, o fato desta professora não ter optado por
trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais em sua formação inicial nos faz
resgatar o modo como se aproximou das questões relativas à deficiência por meio de vivências no
seu ambiente familiar. Isso demonstra que a formação de professores, inicial ou continuada, pouco
tem contribuído para a capacitação dos docentes que ao se depararem com esta clientela não sabem
como lidar com a situação.
De acordo com Muller & Glat (1999) para a efetivação de uma educação inclusiva faz-se necessário
que o sistema educacional se renove, a escola se modernize, se promovam transformações nas ações
pedagógicas, se reestruture o curso de formação de professores, e se invista na atualização dos que já
estão atuando nas escolas, pois a inclusão nos desafia tanto pessoal como profissionalmente, e coloca
os professores num papel central enquanto agentes de mudança.
Após ouvir e refletir, sobre o relato da professora, não podemos deixar de pensar que as condições
adversas que lhes são dadas para a efetivação do seu trabalho, tanto em termos de recursos materiais,
quanto de atualização e apoio pedagógico impõe a recolocação das identidades dos sujeitos
envolvidos no processo educativo, no centro das propostas de formação, valorizando cada vez mais a
trajetória de vida dos atores sociais/institucionais.
Portanto, para que ocorram transformações nas concepções e práticas que vigoram nas escolas em
relação às pessoas com necessidades educacionais especiais, parece-nos de fundamental importância
repensar a formação do professor. Intenção esta, que implica em ir além do suporte teórico,
voltando-se, cada vez mais, para o professor como um ser unitário, constituído de trajetória pessoal e
profissional e que precisa (re)contruir-se diariamente, a fim de que consiga estabelecer uma boa
relação consigo e com os outros significativos, bem como, melhor adaptar-se e atender às novas
demandas sociais e educacionais, dentre elas a inclusão.
A LDB nº 9.394/96 preconiza que o exercício profissional competente visa um efetivo preparo para
enfrentar situações esperadas e inesperadas, previsíveis e imprevisíveis, rotineiras e inusitadas, em
condições de responder aos novos desafios profissionais com autonomia e disposição
empreendedora. Instiga a reflexão sobre o quanto os professores atuantes no ensino
profissionalizante estão preparados para atuarem a favor da inclusão de Pessoas com Deficiência
(PD).
[...] a formação inadequada dos educadores é uma das causas para não haver inclusão social, digital e
principalmente escolar, pelo menos não de maneira satisfatória. [...] em algum momento na carreira
de um educador ele poderá ter entre seus alunos uma ou mais pessoas com necessidades especiais.
Como ele não teve uma formação que o preparasse para enfrentar essa realidade, o educador se sente
desnorteado e inseguro quanto às atitudes corretas e metodologias adequadas. (Terçariol et all, 2005,
p.233-234)
Ao estabelecer uma relação entre a formação do educador do ensino profissionalizante e seu papel
diante da inclusão das Pessoas com Deficiência Visual (PDV) no mundo do trabalho, devemos
considerar a necessidade de serem oferecidos a esses educadores uma formação continuada para que
possam desempenhar o seu papel atuando a favor da construção de novos ambientes de
aprendizagem como compromisso ético e social, procurando desfazer as desigualdades e todo tipo de
exclusão. Compartilhando das idéias de Gomes e Marins:
[...] os profissionais do mercado que se dedicam também a docência, o fazem geralmente como
complementação de realização pessoal, profissional ou como forma de extensão de sua função
autônoma. Os professores da educação profissional são geralmente selecionados por seu
desempenho técnico, pela especificidade e pela experiência no mercado de trabalho. A maioria
desses professores não apresenta formação pedagógica, nem mesmo experiência docente, o que tem
levado algumas instituições de ensino a adotarem programas de formação continuada, garantindo a
formação específica para o magistério (2004 p. 156)
[...] esta formação proporcione um processo que confira ao docente, conhecimentos, habilidades e
atitudes para que possam colaborar na formação de alunos-profissionais reflexivos ou
investigadores. O eixo fundamental dessa formação é o desenvolvimento de instrumentos
intelectuais que facilitem suas capacidades reflexivas sobre a própria prática docente, cuja meta
principal é aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a educação e a realidade social de
forma comunitária. (2004, p.56)
Para Almeida (2001, p. 22), “a medida que o sujeito atua em seu meio, vai criando uma rede de
interações formadas por um conjunto de nós e ligações entre teorias, conceitos, crenças e idéias”. O
educador do ensino profissionalizante necessita construir o seu saber na instituição em que atua.
Assim ele poderá fazer uso da sua prática como profissional do mundo de trabalho e criar
metodologias capazes de facilitar a compreensão daqueles aprendizes da nova profissão.
Os programas de formação continuada devem preconizar que não basta ao educador dominar os
mecanismos de transmissão, ou ainda conhecer as tecnologias que potencializam o acesso à
informação pelas PDV. É necessário transpor os paradigmas e métodos tradicionais de ensino. Dessa
maneira, a formação continuada do educador deve dar-lhe meios para auxiliá-lo a descobrir um outro
modo de agir e, assim, mudar para o benefício de seus educandos (SCHLÜNZEN et all, 2003).
Nesse sentido, (SCHÖN, 1983; 1992 apud Valente e Prado, 2002 pg. 38) propõe uma epistemologia
da prática, fundamentada na reflexão do profissional sobre a sua prática, considerando
essencialmente as diferentes dimensões da reflexão, tais como: a reflexão na ação, a reflexão sobre a
ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
Ao conceber uma proposta de formação continuada de professores, que visa atuar a favor da inclusão
é preciso compreender as PDV e sua maneira de relacionar-se com o mundo em que vivem, para
então ser um mediador no processo de aprendizagem dessas pessoas, conforme mostrou Mantoan
(1997) ao descrever como as PDV organizam dados:
Para compreender o indivíduo e sua maneira de relacionar-se no mundo que o cerca, há sempre que
se considerar sua estrutura própria que exprime ao mesmo tempo sua especificidade e generalidade
(o conteúdo e a forma) e a dialética entre ambas. No caso do deficiente visual, por exemplo, ele tem
a possibilidade de organizar dados, como qualquer outra pessoa, e estar aberto para o mundo, em seu
modo próprio de perceber e de relacionar-se; ou ao contrário, estar doente, isto é, fechado ao
imediato que o cerca e a ele restrito. O que não pode desconhecer é que o deficiente visual tem uma
dialética diferente, devido ao conteúdo – que não é visual, e à sua organização cuja especificidade é
a de referir-se ao tátil, auditivo, olfativo, sinestésico. É dessa dialética entre o específico e o geral
que se define a estrutura psíquica, integrada ou não. (Mantoan, 1997, pg. 36)
Vygotsky (1993 apud Schlünzen, 2000) afirma que as pessoas com deficiências têm seus próprios
caminhos para processar o mundo. Para o autor, a dificuldade do indivíduo faz com que ele se
desenvolva por meio de um processo criativo (físico e psicológico), definindo-os como caminhos
isotrópicos. Assim, as PDV encontram seus caminhos por rotas próprias e diferentes. “ As pessoas
com necessiades especiais, apesar de suas limitações, podem ter potenciais jamais explorados”.
(SCHLÜNZEN, 2000)
Assim, cabe ressaltar que eliminar as barreiras que impedem a inclusão da PDV à educação e ao
mundo do trabalho requer esforços tanto por parte das PDV quanto pelas Instituições de ensino
profissionalizante, bem como, da sociedade empresarial. É necessário modificar procedimentos e
estruturas para que seja possível adaptar às necessidades das PDV sem, contudo, modificar seus
objetivos, garantindo que todos não percam sua identidade.
Para Baranauskas e Mantoan (2000), a convergência entre as novas tecnologias e a educação, força a
busca por novas alternativas de ensino que transformem os ambientes educacionais, eliminando a
transmissão do conteúdo acadêmico por meio do livro didático e do quadro negro. Esta convergência
passa pela revisão do conceito de acessibilidade ao conhecimento escolar em todos os seus níveis. A
tecnologia criada com o avanço na área de Informática e das Telecomunicações amplia o conceito de
troca de informação auxiliada por computador e os modos de comunicação. Essas possibilidades de
comunicação, viabilizadas pelas novas tecnologias, podem ser apropriadas igualmente no domínio
do ensino e da aprendizagem. Este ambiente recomendado pelas autoras pode ser entendido como
potencializador para o desenvolvimento de pessoas com deficiência visual (Baranauskas e Mantoan,
2000).
A importância das tecnologias está na autonomia que elas proporcionam as PDV. Entretanto, a que
se considerar que a criatividade do educador e o seu envolvimento juntamente com o aluno
deficiente visual na busca da melhor solução para o seu problema de comunicação são
imprescindíveis.
Nesta última década, os avanços tecnológicos e a ascensão da Internet foram propulsores para o
desenvolvimento da EaD. Assim, tem sido considerada por autores como Valente(2000) e Beloni
(1999) como uma alternativa para a formação continuada de professores.
Para realização de cursos a distância por meio da Internet, são utilizados os ambientes de suporte,
também denominado ambientes virtuais. Estes possibilitam o registro/armazenamento de toda
informação veiculada durante o curso, bem como de toda a interação e diálogo realizado.
Cabe considerar que a escolha do ambiente virtual é um fator de relevância quando pretende-se
oferecer um curso que privilegia a autoria do aluno, a reflexão e a construção do conhecimento.
Entretanto em nada adianta ter uma ambiente virtual sofisticado, se sua tecnologia for mal aplicada,
o que acabaria por simular o modelo ortodoxo das aulas tradicionais e presenciais, desperdiçando o
potencial das tecnologias disponíveis.
Entretanto, é importante reconhecer que nem todas as propostas de cursos à distância contemplam
aspectos e metodologias que propiciem uma formação adequada. Neste artigo, a proposta de utilizar
a EaD via Internet para a formação continuada de educadores que atuam no ensino
profissionalizante, está fundamentada em uma abordagem pedagógica que favoreça o
desencadeamento do processo reflexivo do educador, buscando integrar o conhecimento prático e o
teórico associado ao seu contexto de atuação.
Valente (1999), define três diferentes abordagens para a EaD via Internet: a “broadcast”, a
virtualização da sala de aula, e o estar junto virtual. O que difere estas abordagens umas das outras é
o grau de interação entre o formador do curso e o aprendiz. Na abordagem “broadcast”, a informação
é enviada ao aprendiz e não existe nenhuma interação entre ele e o formador. A informação é
organizada de acordo com uma seqüência que formador entende ser a mais adequada ao aprendiz.
Essa informação é enviada utilizando-se dos meios tecnológicos.
No ambiente virtual, a descrição da prática pedagógica pode ser expressa pela escrita, por meio de
diferentes ferramentas, o que viabiliza a comunicação síncrona ou assíncrona. Com a utilização
dessas ferramentas, a explicitação das idéias do educador em formação pode ser feita de maneira
mais elaborada, possibilitando a releitura e a reformulação da escrita sobre sua prática pedagógica
quantas vezes achar necessário, uma vez que o ato de escrever para que outra pessoa interprete,
requer clareza e organização de idéias.
Na abordagem do estar junto virtual a mediação pedagógica precisa contemplar a inter-relação entre:
atividades, interações e materiais. A articulação destes elementos, apóia-se em promover a
integração de aspectos relacionados aos interesses e expectativas dos participantes, como também
em atingir as intenções pedagógicas do formador.
As atividades propostas para serem desenvolvidas pelos participantes devem contemplar situações
de aprendizagem que sejam significativas, ou seja, que tenham sentido de aplicação em seu contexto
pessoal ou profissional. Assim é necessário considerar que uma atividade só se torna interessante
para o participante se ele reconhecer na atividade que está desenvolvendo a possibilidade de trazer
seus conhecimentos prévios e agregar a estes novos conhecimentos que sejam possíveis de serem
utilizados em seu universo. Almeida (2002) recomenda que, “é necessário que o aluno reconheça a
sua autoria na atividade que está desenvolvendo e a funcionalidade dos conceitos numa situação
prática e contextualizada”.
Nos cursos à distância, as estratégias de mediação pedagógica podem assumir novas perspectivas,
por meio da interação entre todos os participantes. Assim, a Ead, além de facilitar as questões de
espaço e tempo para formação continuada de professores, possibilita um diferencial ao processo de
formação, que muitas vezes não é viabilizado em situações de formação presencial. Trata-se da
condição de que o participante precisa expressar-se por meio da escrita ou de produções de sua
autoria para ser percebido como participante. Este aspecto pode ser considerado como uma
vantagem da EaD, em relação às aulas presenciais, nas quais muitas vezes o professor acaba não
conseguindo mapear o percurso de cada um dos alunos, deixando que alguns deles, especialmente os
mais tímidos, tenham oportunidades de aprendizagem minimizadas. A ausência da linguagem
escrita, expressa nos ambientes virtuais de formação de educadores acaba por colocar em evidência,
ao professor-formador, os educadores em formação que tenham participação mais tímida. Assim, o
registro que a ferramenta telemática viabiliza, proporciona um melhor mapeamento do percurso de
cada educador em formação, pelo formador, de modo a otimizar suas possibilidades de intervir e
mediar o processo de construção do conhecimento. Compartilhando das idéias de Valente (2002, p.
46) “é no processo de explicitação da própria prática pedagógica e do confronto com outras
interpretações (dos colegas, formador, especialista) que o professor em formação poderá depurar,
compreender e modificar a sua ação pedagógica”. Acreditamos que neste processo, formador e
educadores em formação possam construir ricos espaços de diálogo que favoreçam e contribuam
para uma sociedade mais inclusiva, onde o mundo do trabalho se torne parte da vida de cada pessoa,
independente de suas limitações.