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A ARTE DE ENSINAR

Como toda ciência tem seu objeto de estudo. A Teologia tem o seu, que é a divindade, a
Sociologia que é o fato social, a Psicologia que é o estudo do comportamento humano etc. A
Didática durante um certo tempo tinha o ensino como seu objeto de estudo, mas os teóricos ao longo
do tempo perceberam através da práxis, que não se poderia estudar só o processo de ensino sem
levar em consideração a aprendizagem, pois só se pode dizer que há ensino se houve aprendizagem,
uma coisa inexiste sem a outra e vice-versa.

A cartografia no ensino-aprendizagem da geografia


O tema de fundo deste artigo é o ensino de Geografia que se constitui em preocupação
recorrente para os que trabalham com a formação de professores e que vão, em diferentes lugares e
ritmos, construindo um saber necessário, pautado nos debates das idéias já consagradas e em novas
proposições.

A EDUCAÇÃO FAZ A DIFERENÇA: EDUCAÇÃO BÁSICA - NOVOS DESAFIOS PARA O


SÉCULO XXI
A situação no mundo de hoje, em particular os importantes acontecimentos das últimas
décadas, irão influenciar o mundo do século XXI. Ao debruçarmo-nos sobre a educação básica para
o século XXI é essencial examinarmos para que tipo de mundo essa educação terá que preparar o
educando.

A Escola do Futuro
A Escola do Futuro, núcleo de pesquisa da Universidade de São Paulo USP, tem como
principal atividade a investigação das novas tecnologias de comunicação aplicadas à educação.

A Evolução Transdisciplinar a Universidade


Condição para o Desenvolvimento Sustentável
Se as universidades pretendem ser agentes válidos do desenvolvimento sustentável, têm
primeiramente que reconhecer a emergência de um novo tipo de conhecimento - o conhecimento
transdisciplinar - complementar ao conhecimento disciplinar tradicional. Basarab Nicolescu

A função do professor no despertar da curiosidade epistemofílica


De onde vem nossa curiosidade de conhecer? E como o professor pode contribuir nesse
processo vital e apaixonante?
Este trabalho apresenta uma contribuição da psicanálise para a compreensão da dinâmica da
relação professor-aluno, discutindo as características psíquicas do aluno-adolescente e as
características psíquicas do professor que são favorecedoras para o despertar da curiosidade
epistemofílica.

A Ginástica
A história da Ginástica confunde-se com a história do homem. A Ginástica entendida por
Ramos (1982: 15) como a prática do exercício físico “vem da Pré-história, afirma-se na Antigüidade,
estaciona na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios da
Idade Contemporânea”. No homem pré-histórico a atividade física tinha papel relevante para sua
sobrevivência, expressa principalmente na necessidade vital de atacar e defender-se. O exercício
físico de caráter utilitário e sistematizado de forma rudimentar era transmitido através das gerações e
fazia parte dos jogos, rituais e festividades.

A Internet como nova mídia na educação


Este artigo procura contextualizar internet como uma nova mídia na educação.
Primeiramente, mostra o surgimento da Internet no cenário mundial e no Brasil. Depois, discute o
uso pedagógico da rede enfatizando as formas de utilização na prática pedagógica. O artigo aponta,
ainda, as ferramentas da internet e como as mesmas podem ser utilizadas no processo de ensino-
aprendizagem.

A Probabilidade estatística no Currículo de Mat. do E. Fundamental


Esse artigo tem a intenção de sintetizar uma análise curricular realizada em Portugal...
Normas para o currículo e a avaliação em matemática escolar.

A Propriedade Intelectual na Era da Internet


A relação desenvolvimento/aprendizagem na Teoria de Vygotsky
Da mesma forma que a Teoria Construtivista ocupou (e tem ocupado) o centro das discussões
entre os professores nas últimas décadas, atualmente, fala-se e ouve-se falar em Vigotsky. Lev
Semyonovitch Vigotsky nasceu na BIELO-RÚSSIA em 5 de novembro de 1896. Graduou-se em
Direito pela Universidade de Moscou, dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre 1917
e 1923 atuou como professor e pesquisador no campo de Artes, Literatura e Psicologia.

BASES PEDAGÓGICAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da
Universidade Federal de Santa Catarinapara obtenção do Grau de Mestre em Engenharia de
Produção. Levantar bases para integração do aspecto pedagógico com a conformidade ergonômica
de produtos educacionais informatizados constitui o objetivo deste trabalho para efeito de orientação
teórico-metodológica em sua concepção, seleção, avaliação e utilização.

Bases Preliminares para um Ambiente Colaborativo de Aprendizagem


"Ambiente colaborativo" no campo da comunicação com o uso do computador em rede
implica em determinadas formas de organizar as condições tecnológicas de maneira a permitir a
participação de múltiplas pessoas no processo comunicativo, ou seja, permitir que a comunicação se
faça numa via de "mãos múltiplas" e não na forma linear de "mão única".
BBC News
BBC News - EDUCATION .

Breve história da educação


De certa forma, pode-se falar de educação em relação a certos animais, que ensinam os
filhotes recém-nascidos a se adaptarem ao meio mais rapidamente do que o permitiriam seus
condicionamentos genéticos. Mas é na espécie humana que se efetua um longo e complexo processo
educativo, sem o qual o indivíduo não poderia sobreviver numa sociedade que transformou
radicalmente as condições naturais de vida e que exige dele comportamentos muito superiores
àqueles que são determinados pelos instintos.

Bússola Escolar
Site de pesquisa escolar, com inúmera biografias de personalidades brasileiras e estrangeiras.
Cabeças abertas, mudanças possíveis

O projeto de arte-educação relatado nesta edição demonstra como uma experiência de ensino
alicerçada no contato do aluno com materiais visuais e bibliográficos variados e de qualidade resulta
em enriquecimento cultural significativo. Mostra, também, que o ensino por projetos organiza e
ordena o saber, contribuindo para que os estudantes ampliem, cada vez mais, seu conhecimento e
interesse pela aprendizagem.

Caminhos para a realização plena


Todos os caminhos são importantes se nos ajudam a crescer como pessoas a compreender
melhor, a realizar-nos mais, a vivenciar formas mais ricas de comunicação e amor. O melhor que
podemos fazer pela sociedade, pelo mundo, pela família e por nós mesmos é sermos pessoas mais
evoluídas, mais maduras, mais humanas.

CAPES
A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é uma
entidade pública vinculada ao Ministério da Educação - MEC, criada inicialmente como Campanha,
em 1951 e instituída como Fundação em 1992.

CENTRAL DE ARTIGOS PARA DOWNLOAD


O Tempo de Aprender selecionou para você uma coletânea de arquivos temáticos, que
propiciam ao participante a complementação bibliográfica, para enriquecimento de seus estudos.

CENTRO DE INFORMAÇÕES MULTIEDUCAÇÃO


A relação desenvolvimento/aprendizagem na Teoria de Piaget . Os pressupostos da Teoria
Construtivista de Jean Piaget. O significado dos termos assimilação, acomodação, adaptação e
equilibração na Teoria Construtivista.

CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO MARIO COVAS


Ensino Médio - Estudos de textos brasileiros, que trazem contextos históricos como
formação de povos, diversidade sócio-cultural e conflitos regionais. Análise da obra "Casa Grande &
Senzala", de Gilberto Freire, que trata da formação cultural e racial do povo brasileiro, envolvendo
aspectos econômicos, religiosos, folclóricos e sociológicos.

OS SERTÕES
Destaca a Guerra de Canudos, o latifúndio, o coronelismo, o sertanejo e o messianismo, com
base na obra "Os sertões", de Euclides da Cunha. Sugere discussões e atividades em sala de aula,
relacionadas a estes temas.

OLHOS NOS OLHOS


Algumas ações educativas simples, desenvolvidas na sala de aula, podem ajudar muito a
melhorar a qualidade de vida de meninos e meninas com prosopagnosia. É importante, por exemplo,
que se acostumem a encarar o interlocutor ao ouvi-lo e ao lhe dirigir a palavra – como a fisionomia
não é relevante para elas, é freqüente que esqueçam esse procedimento. Na escola, é possível ensinar
crianças com o distúrbio a conhecer melhor os colegas se fotos de todos os alunos, acompanhadas
dos respectivos nomes, forem afixadas em painéis ou mesmo na parede.
Jogos e brincadeiras para conhecer os companheiros nas primeiras semanas de cada ano
letivo também ajudam na memorização de vozes. Professores podem ajudar alunos com
prosopagnosia a associar nomes a sinais externos, dizendo, por exemplo: “Por favor, leve o livro até
a Marcela, a de cabelos encaracolados”.
É muito importante que a criança conheça a escola e os futuros professores antes do primeiro
dia de aula. Com isso, no início oficial do período, ela pode se concentrar nos colegas. Além disso,
nos primeiros dias, os professores devem ter o cuidado de se apresentar com “indícios estáveis”,
evitando trocar corte e cor de cabelos e óculos.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: INTRODUÇÃO


A Educação Inclusiva é atualmente um dos maiores desafios do sistema educacional. Criados
na década de 70, os pressupostos da Educação Inclusiva fundamentam vários programas e projetos
da educação. Nesta seção, encontram-se links de artigos, nomes de entidades, experiências
educacionais, legislação, e outras referências sobre o assunto.
INCLUSÃO: GARANTIR UMA MAIOR EQÜIDADE
Um maior nível de eqüidade implica avançar para a criação de escolas que acolham a todas
as crianças e dêem respostas às suas necessidades específicas. O desenvolvimento de escolas
inclusivas é um meio fundamental para avançar para sociedades mais justas, integradas e
democráticas. O princípio fundamental do Marco de Ação da Conferência Mundial sobre
Necessidades Especiais (Salamanca, 1994) é que “ todas as escolas devem acolher a todas as
crianças, independentemente de suas condições pessoais, culturais ou sociais; crianças deficientes e
superdotados/altas habilidades, crianças de rua, minorias étnicas, lingüísticas ou culturais, de zonas
desfavorecidas ou marginalizadas, o qual traça um desafio importante para os sistemas escolares. As
escolas inclusivas representam um marco favorável para garantir a igualdade de oportunidades e a
completa participação, contribuem para uma educação mais personalizada, fomentam a solidariedade
entre todos os alunos e melhoram a relação custo-benefício de todo o sistema educacional”.

MUDANÇAS NA PRÁTICA EDUCACIONAL


Transformar a cultura das escolas para que se convertam em comunidades de aprendizagem e
de participação. A inclusão tem de ser um projeto de toda a comunidade educacional e requerer a
participação dos pais e da comunidade, já que somente e na medida que seja um projeto coletivo se
assegurará que toda a comunidade educacional se responsabilize pela aprendizagem e avance de
todos e cada um dos alunos. Para garantir a aprendizagem e a participação de todos os alunos, é
necessário um trabalho colaborativo entre os professores, entre professores e pais, professores e
especialistas e entre os próprios alunos. Prestar especial atenção aos aspectos afetivos e emocionais:
escolas amigáveis.
Tem que dar apoio a todos os alunos, valorizá-los e ter altas expectativas a respeito de sua
aprendizagem, já que muitas vezes, os professores têm preconceitos que condicionam os resultados
dos alunos. Os professores têm que ter claro, que todas as crianças podem aprender e utilizar todos
os meios ao alcance de todos que tenham êxito.
Enfoques metodológicos e materiais didáticos que facilitem a aprendizagem e a participação
de todos os alunos. A questão central é como organizar as situações de ensino para garantir o maior
grau possível de interação e participação de todos os alunos, sem perder de vista as necessidades
concretas de cada um. A resposta à diversidade implica a utilização de uma ampla variedade de
estratégias metodológicas e a adaptação das tarefas de aprendizagem às possibilidades dos alunos.
Critérios e procedimentos flexíveis de avaliação e promoção. Uma questão crucial é como
conciliar um ensino respeitoso das diferenças e dos processos individuais de aprendizagem, com
uma avaliação que acaba sendo igual para todos. Dada a perspectiva de uma educação inclusiva, o
fim da avaliação não é classificar ou rotular os alunos, mas como identificar o tipo de ajudas e
recursos que precisam para facilitar seu processo de ensino- aprendizagem e de desenvolvimento
pessoal e social.

EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO ESPECIAL


Nas reflexões relativas à educação, estudiosos como Paulo Freire e Humberto Maturana têm
contribuído com a defesa de um tipo de intervenção que mereça a dimensão ética como aspecto
qualificador. Esse destaque associa-se, necessariamente, à diferença de lugar simbólico e hierárquico
ocupado pelos interlocutores do “jogo” que constitui o encontro educativo. A identificação de
diferentes necessidades que caracterizam a vida dos sujeitos da educação exprime-se nas diferentes
atribuições conferidas aos mesmos: alunos, professores, gestores, familiares. No entanto, as
diferentes atribuições podem (ou devem) estar associadas a diferentes direitos?
A história da educação mostra, com facilidade, como os lugares de quem ensina e de quem
aprende são identificados por meio de diferenças hierárquicas que fizeram com que o educador não
devesse pressupor o outro (aluno) como um interlocutor, no sentido pleno da palavra. Se essa
reflexão é válida para a educação em geral, torna-se ainda mais enfática quando o aluno se constitui
como um sujeito marcado pela “incompletude”, pela “diferença”, pela “anormalidade”. Quando
consideramos o atual estágio de conhecimento em educação especial, percebemos que a mesma tem
sido uma área na qual a discussão relativa à ética e ao diálogo pode ressignificar o conhecimento
sobre os sujeitos com necessidades educativas especiais, assim como redimensionar as perspectivas
de intervenção educacional. Esse redimensionamento constitui-se como eixo do trabalho de
investigação que temos desenvolvido, na condição de um grupo de pesquisa da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (BAPTISTA, 2004a).
No âmbito desse grupo, temos investido em temáticas que se referem predominantemente à
prática educativa e às iniciativas de gestão educacional associadas ao atendimento às “diferenças”.
Discutimos a intervenção e o contexto como um caminho para repensar os sujeitos. Procuramos,
assim, evitar as imagens estáticas e simplificadoras que têm como pauta as categorias: o autista, o
surdo, o deficiente mental, o portador de altas habilidades, etc.
O investimento em um projeto acadêmico que apresenta diferentes frentes de ação, a partir
dos pressupostos que acabo de anunciar, tem contribuído para que nos ocupemos, necessariamente,
de um alargamento de fronteiras. Considero que o debate sobre “a intervenção pedagógica, as
instituições, as políticas e as diferenças” deva transcender os limites da educação especial. A
inclusão escolar tem sido um processo que, considerada a sua natureza de ação “mista” e “não-
fragmentária”, tem exigido que a discussão teórica em pedagogia também ultrapasse os muros
disciplinares específicos.

O EDUCADOR: QUEM É ELE?


Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi

1. Os desafios
Nós, os educadores deste país (vou utilizar somente a forma masculina referindo-me tanto
aos educadores e como às educadoras, tendo em vista não repetir inúmeras vezes esses dois termos
ao longo deste texto), nos confrontamos diariamente com inúmeros desafios, desde os pequenos até
os de imensa complexidade e magnitude. Mais próximos de nós estão os desafios do cotidiano, tais
como a sobrevivência, os baixos salários, a violência urbana e rural, condições de escolares
inadequadas para o ensino, currículos formais, pressão do vestibular... São inúmeros esses desafios
do dia a dia. Além desses, nos confrontamos também com os macro-desafios do presente, tais como
o fracasso escolar em larga escala, a sociedade dos meios de comunicação, a globalização, os
fenômenos da pós-modernidade, que nos sinalizam a necessidade de encontrar um meio termo
adequado entre o coletivo e a singularidade de cada um dos estudantes com os quais nós atuamos.
Os desafios são múltiplos e variados e só poderão ser enfrentados, de forma mais radical,
através dos recursos da sociedade civil organizada --- sindicatos, comunidades organizadas,
movimentos sociais --- pois que eles necessitam de soluções coletivas. Então, cabe a pergunta: o que
nós os educadores podemos fazer frente a todos esses desafios? De um lado, como cidadãos,
participar dos movimentos organizados da sociedade, dando força aos procedimentos
reivindicatórios por uma sociedade mais justa e equilibrada, mais saudável, usando um termo menos
definível, porém que expressa o que sentimos
De outro lado, há um papel nosso como educadores em nossas salas de aulas, assim como em
nossas escolas. Um papel insubstituível, que só nós podemos exercer, devido ocuparmos esse lugar
de educadores, adultos que estão 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação,
FACED/UFBA Para contato: luckesi@terra.com.br

2. Educador e educando – sujeitos da prática pedagógica


Não há como abordar o educador sem que tenhamos presente o educando. Educador e
educando são dois sujeitos de um mesmo processo. Ambos são seres humanos, configurados pelo
mesmo conjunto de múltiplas determinações, que vão desde as heranças genéticas, passando pelas
relações sócio-culturais e chegando às experiências sutis do sagrado e da espiritualidade. Somos,
ambos, seres vivos e, como tais, apresentamos todas as suas características.
Dessas, desejo, neste momento, levar em consideração somente duas: o movimento e da
regeneração. Que significa isso?
O movimento se realiza no ser humano sob duas formas: movimento constitutivo e
movimento de regeneração. De um lado, o movimento diz respeito ao processo construtivo do ser
humano ao longo da vida, seja sob o aspecto fisiológico (crescimento físico em tamanho e em
complexidade), seja sob o aspecto psicológico (formação de uma personalidade individudada, capaz
de sustentar-se e colocar-se na vida diante de si e dos outros, sem agredir e sem admitir a agressão,
vivendo no diálogo e na relação complementar entre as pessoas, constituindo a vida social), seja sob
o aspecto espiritual, definido como a capacidade de estar integrado com aquilo que é maior do que a
si mesmo --- a vida.
De outro lado, o movimento diz respeito a nossa capacidade de regeneração. Tudo o que é
vivo pode regenerar-se (restaurar-se) ou encontrar um sistema de compensação, que restabelece o de
equilíbrio do organismo. A vida tem a força interna de seguir o seu curso, sempre para frente.
Quando encontra um impedimento, que parece ser fatal, ela descobre ou constrói um desvio, que vai
gerar um novo equilíbrio. Uma porta fechada, usualmente obriga a busca de outras. Uma
possibilidade abortada não destrói as múltiplas possibilidades que a vida tem para seguir o seu curso.
A regeneração ou restauração é uma possibilidade sempre presente onde tem vida.
David Boadella, um educador e psicoterapeuta inglês, diz que, havendo vida, é possível
recomeçar. Não iniciamos a trabalhar com o outro ou conosco mesmos por onde não há vida, mas
sim por onde há vida.
Se quisermos reacender uma fogueira, que queimou durante uma noite inteira, não adianta
recomeçar pelas cinzas; é preciso procurar onde existe uma brasa, por menor que seja, e, então,
reiniciar a acender a fogueira com sua pujança. E, com certeza, se essa brasinha for cuidada, a força
do fogo renascerá a partir dela. Assim também a vida, seja ela biológica, psicológica ou espiritual.
Neste contexto, nem o educando nem o educador são “seres dados prontos”. Todos estamos a
caminho, em construção. Todos os dias, o educador está se constituindo, como educador, assim
como o educando está se constituindo como educando. São seres em processo. Ambos estão na
direção de constituírem-se como seres autônomos e independentes, vivendo na interdependência
com os todos os outros; daí a necessidade de uma individuação, que permita a cada um assumir-se
como ser individual, mas em relação com todos os outros, pois que nós nos expressamos no mundo
como “seres de relação”. Como tal, necessitamos de possuir nossa individuação que nos sustente na
relação como os outros, sem invadir o outro, mas também sem permitir a invasão do outro sobre nós
mesmos.
Na história biográfica de cada um de nós, atravessamos muitos percalços, tais como traumas,
abusos, atitudes agressivas repetidas..., que vão, ao longo do tempo, deixando marcas, que se
manifestam como padrões automáticos de conduta, o que quer dizer que, dadas certas condições,
reagimos sempre da mesma forma, com a interveniência de uma resposta que nem sempre é aquela
que desejávamos; por vezes, são respostas agressivas; por vezes, secas; por vezes, mal-educadas; por
vezes, regressivas e infantis... São lacunas ou fixações no nosso passado biográfico que nos
marcaram profundamente e nos acompanham, incrustradas em nosso inconsciente, e se expressam
em nossos atos diários.
Essas experiências manifestam os bloqueios que nos dificultam seguirmos em uma direção
que nos parece adequada. Porém, nada disso é definitivo. Estamos vivos e, por estarmos vivos,
temos a possibilidade da regeneração, temos a pequena brasa que ainda está acesa e que, com
cuidado, poderá reacender a fogueira. Certamente que não será a fogueira antiga, pois que essa não
existe mais; contudo, será uma nova fogueira, com novas características e com novas possibilidades.
Há um ditado popular que é diz que “não adianta chorar o leite derramado”. É verdade, o leite
derramado não existe mais, porém, ele pode ser substituído por outro.
Para isso, a atitude será “ir para frente”, ao invés de se prender na lamentação. O mais
comum de todos nós é nos prendermos na lamentação; com ela, nós não processamos a regeneração,
nos prendemos no problema e não na solução. O mais comum para nós todos, em relação a nós
mesmos assim como em relação aos outros, é olharmos para o ponto onde não há vida. Aí se
assentam as nossas autodesqualificações e as desqualificações dos outros e das situações, como se
não houvesse mais nada a ser feito. Então, nos fixamos nas dificuldades e permanecemos
prisioneiros delas. Na maior parte das vezes, ao invés de nos elogiarmos e elogiar os outros, nos
desqualificamos e desqualificamos os outros, apegando-nos àquilo que já não tem mais vida.
Educadores e educandos, ambos existimos no movimento, seja ele constitutivo ou
regenerativo. O que importa, aqui, é compreender que a vida, por si, não tem uma anatomia de
aprisionamento e de fixação, mas sim uma anatomia de movimento, constitutivo e/ou curativo.
Sem assumir esse entendimento como propósito e prática de vida, dificilmente nós educadores
seremos educadores, pois que, sem esse recurso, não teremos ânimo para investir no processo
educativo dos nossos educandos, que, como nós, possuem suas idiossincrasias.
Se acreditarmos que eles são maus, preguiçosos, desonestos, indisciplinados, não
estudiosos..., não faremos nada por eles, pois que estaremos acreditando que, façamos o que
fizermos, não vai haver mudança alguma. Ou seja, não estaremos acreditando no movimento de
constituição e/ou de regeneração do nosso educando. Em síntese, não estaremos acreditando na vida.
OS ALUNOS DA SALA 11
Eles apresentavam resistência a qualquer proposta. Diziam que não sabiam nada e não adiantava
aprender. Uma professora colocou para si o desafio de ensinar 22 alunos do 2° ciclo de uma escola em Belo
Horizonte. Aqui, ela conta o trabalho que realizou.
Comentário SACI: Artigo publicado na revista Presença Pedagógica, V. 12, N.72, Nov./Dez. 2006
Marlene Maria Machado da Silva

Com a universalização do ensino e a perspectiva de trabalho com os ciclos de idade de


formação, tornam-se cada vez mais presentes, no meio escolar, alunos que antes não tinham
acesso à escola ou eram excluídos pela evasão e repetência. Nesse contexto, surge o desafio de
aprendermos a trabalhar com alunos que apresentam defasagem entre o ciclo de idade a que
pertencem e seu processo de aprendizagem. Em algumas escolas, esses alunos estudam numa
mesma sala. A justificativa é a necessidade de um projeto específico para que eles superem suas
dificuldades pedagógicas e, principalmente, para que não atrapalhem os demais colegas capazes
de acompanhar os conteúdos previstos para aquele ciclo. Mas a verdade é que essas escolas
continuam trabalhando na perspectiva da seriação.
O que fica claro em relação a esses alunos, rotulados como "turma projeto" e/ou "alunos
especiais", é que eles estão sendo estigmatizados e, já que, na maioria das vezes, a sua
impossibilidade de aprendizagem é vista praticamente como um fato consumado. Os professores
atribuem essa impossibilidade à indisciplina e desinteresse dos alunos, decorrente da inexistência
da "reprovação", à falta de apoio familiar e, até mesmo, a uma possível deficiência mental ou
dificuldade de aprendizagem de alguns alunos; além disso, reconhecem o seu próprio despreparo
para trabalhar com esse novo alunado. Minha experiência com esses alunos me levou a uma outra
visão.
No início de 2005, voltei à sala de aula, após trabalhar, durante cinco anos, com formação
de professores, em serviço, no processo de inclusão escolar e com alunos com algum tipo de
deficiência. Retornei para uma escola da rede municipal, localizada na periferia de Belo Horizonte,
que atende alunos do 1° e 2° ciclos. O 1° ciclo atende alunos de 6 a 8 ou 9 anos, e o 2° ciclo de 9
a 12 anos. A escola faz parte de uma rede de ensino que adota como política educacional o
Programa Escola Plural, porém, apresenta características mais tradicionais em sua estrutura,
organização e processo de avaliação e ainda trabalha na perspectiva da seriação.
Ao ter conhecimento que uma turma do 2° ciclo era considerada "turma projeto", pedi para
trabalhar com ela. Essa turma, que passou a ser chamada de sala 11, era composta por 22 alunos
entre 9 e 10 anos, além de uma aluna de 14 anos, com comportamento de uma criança de 6/7
anos, considerada como "caso de inclusão".
A sala 11 era considerada "turma projeto" porque os alunos apresentavam extremas
dificuldades no processo de aprendizagem, além de problemas de indisciplina e comportamento.
Eu sabia que seria difícil, mas não imaginava o que me esperava.
No início das aulas, os alunos eram extremamente agressivos. Por qualquer motivo, davam
chutes, se agrediam física e moralmente, diziam muitos palavrões. Dificilmente ouviam o que eu
falava e propunha. Durante as aulas, eu ficava a maioria do tempo separando brigas e colocando
os alunos para dentro da sala, pois havia muitos que fugiam. Os alunos apresentavam um total
descrédito em relação a tudo o que ouviam e um desânimo muito grande em relação à escola, às
pessoas, à vida. Diante de qualquer proposta, reagiam dizendo que não adiantava acreditar, pois
eu acabaria fazendo o que queria, como todas as outras professoras e como seus pais. Ouvir
esses alunos também era uma tarefa extremamente difícil, pois eles andavam pela sala, subiam
nas carteiras, gritavam, respondiam com agressão ou total indiferença.
Os alunos apresentavam resistência a qualquer proposta, alegando que eram "burros", não
sabiam nada e não adiantava aprender. Tinham dificuldades de aceitar qualquer tipo de
intervenção. A reação deles era a mesma diante de um elogio ou da intervenção sobre um "erro".
Jogavam o caderno no chão, rasgavam as folhas, gritavam comigo, diziam palavrões, saíam
empurrando as carteiras e cadeiras ou agrediam o primeiro colega no qual encostassem.
Com relação à aprendizagem, os alunos demonstravam grandes dificuldades e muita
resistência para se expressarem através da linguagem oral e/ou escrita. A linguagem corporal era
a que prevalecia na relação com os colegas, com os adultos e com o conhecimento. Apesar de
muitos estarem juntos desde o início de 2004, eles não apresentavam qualquer identidade
enquanto grupo. Referiam-se a si mesmos dizendo, a todo o momento, "Eu quero" ou "Eu não
quero". Não havia envolvimento entre eles, a não ser em algumas aulas de Educação Física e
Educação Artística.
O projeto de trabalho com a sala 11 surgiu, primeiramente, com a intenção de construir a
identidade do grupo, a partir das histórias de vida de cada aluno, para que percebessem no que
eram iguais ou diferentes uns dos outros e como o conhecimento pode mediar as relações
humanas. A idéia de fazer um trabalho diferente com essa turma foi logo aceita pelos demais
professores da escola, pois avaliavam que a turma não conseguiria acompanhar o currículo
traçado para o 2º ciclo.
"Precisamos ir além da simples celebração da diversidade"
O planejamento das atividades e intervenções pedagógicas desenvolvidas no projeto foi
fundamentado na teoria sociointeracionista, principalmente no que se refere ao papel da linguagem
e socialização no processo ensino-aprendizagem, ao conceito de zona de desenvolvimento
proximal, à construção da identidade individual e social e à concepção de aluno como um ser
social que, ao interagir com o meio, o transforma e é transformado.
Acredito que as vivências e experiências sociais e culturais dos alunos fazem parte de sua
formação, devendo ser consideradas nas vivências e experiências escolares, construindo um
espaço escolar extremamente rico pela diversidade dos sujeitos que o compõem. Porém, segundo
Sleeter e Grant (1988), citado por Stainback (1999):
... precisamos ir além da simples "celebração da diversidade" e ensinar os alunos a entender as
desigualdades sociais e capacitá-los para trabalhar ativamente na mudança da sociedade.
Um grande desafio para o trabalho com alunos de turmas heterogêneas é ajudá-los a
reconhecer e aceitar suas diferenças e a dos colegas, ao mesmo tempo em que constroem algo
em comum que os unifique naquele espaço, tempo e produção de conhecimento. Segundo Ciampa
(1994):
O conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através
de um determinado grupo social que existe objetivamente, com sua história, suas tradições, suas
normas, seus interesses etc. (p. 64).
A iniciativa da escola de enturmar os alunos com problemas disciplinares e de
aprendizagem em uma mesma sala, com o objetivo de desenvolver um trabalho que atendesse a
suas necessidades, acabou por reforçar uma imagem negativa destes para com eles mesmos,
com a escola e seus familiares. Segundo Santiago (2005), nas diferentes abordagens que tentam
explicar o fracasso escolar, o que se instaura é o "paradoxo de uma avaliação que, isolando o
indivíduo fracassado do grupo dos escolarizáveis, sabota e inviabiliza seu próprio objetivo de
readaptação da criança" (p.42).
Ao iniciar o trabalho com os alunos, percebi que eles não conseguiam falar sobre si
mesmos e ouvir o outro. Ao serem convidados a falar, repetiam o que outras pessoas diziam deles.
O recurso de escutar o que a própria criança tem a dizer sobre a sua dificuldade, ou seja, de levar
em consideração o que o sujeito sabe a respeito do que lhe acontece, é o que possibilita não
apenas a elucidação de elementos de subjetividade ou de sentido inconsciente, acrescendo o
mínimo de significação que o conteúdo escolar deve ter, como também a extração de um método
de intervenção reeducativo particularizado (SANTIAGO, 2005, p. 29).
Nesse sentido, criar espaços e tempos para os alunos expressarem seus pensamentos e
sentimentos se tornou extremamente importante para eles romperem com uma auto-imagem
negativa e acreditarem na sua capacidade de aprender e, assim, se abrirem para a (re)construção
de novas perspectivas do trabalho escolar. Isso porque, segundo Ciampa (1994):
...só posso comparecer no mundo frente a outrem efetivamente como representante de meu ser
real quando ocorrer a negação da negação, entendida como deixar de presentificar uma
apresentação de mim que foi cristalizada em momentos anteriores - deixar de repor uma
identidade pressuposta - ser movimento, ser processo... (p. 70).
No exercício de pensar como organizaria o trabalho pedagógico com os alunos, algumas
leituras foram de fundamental importância, tal como o texto "Sobre a rotina: construção do tempo
na relação pedagógica" (FREIRE, 1992), que me orientou no planejamento e organização dos
tempos, espaços e atividades escolares. As publicações sobre ciclos de idade de formação
contribuíram para o entendimento do processo de formação humana no qual os alunos estão
inseridos, apesar da enturmação dada pelo sistema escolar. A leitura de textos psicanalíticos me
auxiliou na escuta e compreensão dos aspectos subjetivos que perpassam o processo ensino-
aprendizagem. Já as leituras sobre o processo de inclusão escolar fundamentaram-me na
compreensão de que as diferenças dos alunos devem ser levadas em conta e trabalhadas por nós
professores, pois, além da educação ser um direito de todos, há algo da formação do aluno que
somente se constrói pelo convívio com a diferença e diversidade do ser humano.
É muito comum ouvirmos dos professores que "a teoria é muito bonita, mas a prática é bem
diferente". Nunca acreditei nessa máxima, nem queria me paralisar na queixa, pois esta nos
impede de pensar e construir possibilidades para as dificuldades. Vivendo os conflitos, procurei
encontrar a confirmação daquilo em que acreditava e que aplicava no trabalho com as crianças e
nos cursos de pós-graduação em que leciono a disciplina Prática de Ensino. Na realidade, o
grande desafio é encontrar na teoria subsídios para nossa prática e questioná-la, buscando novos
conhecimentos, quando os anteriores se mostrarem insuficientes para a compreensão das
dificuldades, limites e possibilidades apresentadas pelo cotidiano escolar. Nesse processo, pude
confirmar o quanto o trabalho coletivo e a organização dos tempos e espaços escolares são
fundamentais para o processo de inclusão escolar. Outro aspecto é que devemos ter cautela
quanto às propostas que elaboramos, pois os sujeitos do processo ensino-aprendizagem não se
encontram no mesmo percurso escolar e de vida que nós. Conhecer e construir novas
possibilidades de trabalho não basta, é preciso saber escutar e dialogar com as histórias e
percursos já constituídos, para se construir a mudança, sem fortalecer a resistência por parte dos
demais profissionais, da comunidade e até mesmo dos próprios alunos. Nesse sentido, é
importante estar atenta ao discurso, e não meramente à mensagem que desejamos transmitir,
pois:
... não se trata de transmissão de informação apenas, pois no funcionamento da linguagem, que
põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo
processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de
informações (ORLANDI, 2002, p. 21).
Compreender as relações de força e sentidos e as formações imaginárias contidas no meu
discurso e no daqueles com quem convivo no espaço escolar auxiliou-me na análise e construção
de propostas que contribuíssem para um processo de abertura para o novo (ORLANDI, 2002).
Por acreditar que o trabalho com a sala 11 não seria somente responsabilidade minha e
também por acreditar na importância de se planejar um trabalho em conjunto, percebi que
precisava conseguir um espaço para conversar com os demais profissionais que, direta ou
indiretamente, relacionavam-se com a turma com a qual trabalhava.
Na época em que realizei o trabalho com a sala 11, a organização geral dos horários dos
professores da escola tinha como centralidade o tempo de cada um. Embora cada professora
tivesse sete horas e meia semanais fora de sala de aula para planejamento, estas não coincidiam
com os horários da professora que trabalhava comigo na mesma turma (quando uma professora
estava em projeto, a outra estava em sala de aula), o que dificultava uma melhor avaliação da
situação e uma coerência em nossas intervenções. A partir do momento em que passamos a nos
encontrar, fomos construindo melhor nosso trabalho, lidando melhor com as angústias e,
conseqüentemente, conseguindo a atenção dos alunos.
Para melhor viabilizar nosso trabalho, eu e a professora que trabalhava comigo na sala 11
diminuímos nosso tempo de planejamento para uma hora diária, garantindo, assim, uma hora de
intervenção em conjunto, pois percebíamos que precisaríamos de momentos em que as duas
trabalhassem juntas, com pequenos grupos de alunos, devido às demandas variadas que estes
apresentavam. Como a professora foi remanejada para outra turma, passei a trabalhar com o
professor Webster Wagner Fontana de Carvalho. Um novo desafio se instaurou. Além de, na
época, termos uma concepção de ensino e aprendizagem bem diferente, por algumas semanas,
vários alunos passaram a se dirigir a nós como se fôssemos mãe e pai, exigindo nossa atenção e
cautela na condução dos problemas.
Um dos grandes ganhos desse trabalho para mim, como professora de crianças e
formadora de professores, foi o trabalho em conjunto. Ele é fundamental para se lidar com as
diferenças e diversidade do nosso alunado.
Outro aspecto que se confirmou foi a importância de os alunos se sentirem sujeitos co-
responsáveis pelo processo ensino-aprendizagem. À medida que os alunos foram percebendo
coerência entre o que era proposto pelos professores, junto com eles, e a prática do dia-a-dia,
começaram a rever sua própria postura. Era preciso que os alunos se percebessem como grupo,
mas desenvolvendo sua autonomia diante desse grupo e de seu processo ensino-aprendizagem.
Aprender a fazer e ouvir críticas e sugestões passou a ser um exercício para todos os envolvidos:
professores, alunos, direção e pais. Respeitar a participação dos alunos em todos os processos
possíveis de decisão e justificar as mudanças necessárias também foi um grande exercício para
nós, professores. Em geral, temos a tendência de tomar as decisões sem ouvir os alunos, não
acreditando em sua capacidade de envolvimento e construção de alternativas para as situações do
cotidiano escolar.
Ao considerar os sujeitos que compõem a sala 11, considerávamos o currículo como um
espaço de articulação da diversidade e diferença dos sujeitos que constituem o espaço e cultura
escolar, e não somente uma listagem de conteúdos a serem transmitidos. Assim, o projeto foi
elaborado a partir do perfil dos alunos, através de questionário preenchido por eles e seus
familiares, pela escuta e observação dos processos de aprendizagem e do histórico escolar dos
alunos, como também pelo diálogo com outros profissionais da escola.
Avalio que esses alunos, pelas diferenças que apresentaram desde o início do seu
processo escolar, acabaram confinando suas angústias ao silêncio, uma vez que não encontraram
espaço para falarem e serem ouvidos e compreendidos nas diferenças e subjetividade de seu
processo de aprendizagem.
É possível observar, no próprio desenvolvimento da linguagem em crianças pequenas, que,
enquanto não desenvolvem a linguagem oral, utilizam seu corpo como instrumento de
comunicação com as outras pessoas e com o meio. O mesmo percebíamos com os alunos que
apresentavam problemas de relacionamento e comportamento: como não tinham espaços para se
expressarem e serem ouvidos, acabavam por dizer através do corpo. Esse comportamento é
considerado, por muitos professores, como rebeldia e falta de limites do aluno. Mas,
paradoxalmente, não seria a "falta de limites" dos alunos uma denúncia do excesso de imposições
ao seu processo de aprendizagem, pelo professor, através de sua intervenção pedagógica? Essas
imposições não se deveriam à dificuldade dos professores de compreender e considerar as
diferenças e a subjetividade presente no processo de aprendizagem dos alunos?
Nesse sentido, nos três primeiros meses de aula, o projeto teve como foco a criação de
espaços diversificados para os alunos se expressarem e resgatarem o "desejo de aprender". Para
tanto, resolvemos dar mais ênfase ao trabalho com as diferentes formas de linguagem: desenho,
música, pintura e linguagem corporal, por serem aquelas com que os alunos se identificavam mais
facilmente. Segundo Vygotsky, citado por Monteiro (1998), "o pensamento é gerado pela
motivação, isto é, por desejos e necessidades, interesses e emoções".
Vygotsky sugere atividades que tenham sentido para a vida do aluno, relacionadas a jogos, ao
trabalho, ao desejo, à vivência de uma linguagem viva, enfim, ato de aprender e de ensinar com
significado e sentido (MONTEIRO, 1998. p. 78).
Desde o início do trabalho, procurei assumir o papel de mediadora entre os alunos e os
conhecimentos que já possuíam para, no processo, ajudá-los a perceber a necessidade de outras
informações, conhecimentos e atividades.
Trabalhando com as diferentes formas de linguagem, os alunos utilizavam a escrita e a
leitura para organizar e registrar as atividades, como também para garantir e ampliar o acesso a
informações que se fizessem necessárias. A linguagem escrita também era utilizada como
instrumento para expressão das vivências familiares no final de semana e avaliação das atividades
realizadas diariamente na escola. Ou seja, nos primeiros meses, o trabalho foi mais centrado na
função social da escrita e leitura para, a partir daí, incidir sobre os aspectos formais da língua. O
mesmo procedimento ocorreu com as atividades matemáticas.

A organização dos tempos e espaços com a participação dos alunos


A princípio, o projeto causou certa estranheza, já que a característica grafocêntrica das
escolas tende a moldar e direcionar as propostas pedagógicas para a centralidade do ensino da
escrita. O que se percebia era que os alunos tinham várias horas para atividades de "lazer", sendo
que apresentavam grandes problemas de escrita e leitura. Muitos profissionais da educação ainda
compreendem outras formas de linguagem, que não a escrita, como sendo de menor valia,
prestando-se somente para lazer e descanso, seja para o aluno, seja para o próprio professor.
A organização dos tempos e espaços de trabalho teve a presença dos alunos, visando ao
exercício da participação coletiva, da co-responsabilidade dos sujeitos envolvidos e da construção
da identidade do grupo. As atividades esportivas também foram trabalhadas, explorando a
construção das regras e participação coletiva.
Outro aspecto que procuramos levar em conta no currículo foi a (re)significação do papel da
avaliação. Para que esta fosse processual, diagnóstica e formativa, seria necessária a participação
de todos. É interessante citar que, para os alunos, avaliação era sinônimo de qualquer escrita que
a professora fizesse em seu caderno. Um simples visto bastava para não participarem da correção
da atividade e ouvirem as intervenções da professora. Ou seja, a marca do fracasso já estava
colocada, não adiantava fazer mais nada. Com o tempo, os alunos foram se descobrindo capazes
de perceber e corrigir alguns de seus "erros", permitindo-se a chance de "acertarem".
A experiência de ter trabalhado durante seis anos em uma escola de Educação Especial
ajudou-me a perceber o quanto a avaliação não pode apoiar-se no que falta a uma criança, tendo
ela uma deficiência ou não.
(...) o importante é conhecer como o aluno se desenvolve, ou seja, o significativo não é a
deficiência em si mesma, não o que falta, mas, como se apresenta seu processo de
desenvolvimento; como ele interage com o mundo; como organiza seus sistemas de
compensações; as trocas; as mediações que auxiliam na sua aprendizagem; a participação ou
exclusão da vida social; a internalização dos papéis vividos; as concepções que se tem sobre si
mesmo; a sua história de vida (MONTEIRO, 1998, p. 7).
A escola onde realizei este trabalho fica em um bairro da região norte de Belo Horizonte. A
Prefeitura oferece transporte escolar para alguns alunos que moram em bairros vizinhos, mais
pobres. Os alunos costumam ser discriminados por essa condição, o que os leva, às vezes, a
mentir sobre o local onde moram. A sala 11 era composta por vários alunos nessa situação.
A partir da tabulação de 506 questionários enviados às famílias, num universo de
aproximadamente 686, foi possível constatar que a maioria das famílias atendidas pela escola
possui renda familiar entre um e três salários mínimos, com uma a duas pessoas trabalhando. A
média de moradores em cada domicílio é acima de quatro, sendo que o grau de escolaridade dos
moradores é, em média, o Ensino Fundamental.
Ainda, segundo o questionário, a maioria dos alunos fica com as mães durante o dia,
embora mãe e pai se coloquem como responsáveis pela criança e por acompanhar suas tarefas
escolares. A situação dos alunos da sala 11 era diferente, pois eles relatavam não terem quem os
ajudasse nas tarefas de casa.
Outro dado apontado pelo questionário: a maioria das famílias era católica, sendo as
demais pertencentes a outras religiões. No caso da sala 11, essa realidade se diferenciava, pois
metade das famílias era católica e a outra metade, evangélica. Esse aspecto se fazia notar durante
as aulas, pelos bilhetes e cantigas que as alunas evangélicas entoavam, principalmente quando
queriam provocar alguém ou atrapalhar a aula.
Em relação ao aspecto socioeconômico, observava que os alunos da sala 11 apresentavam
maiores dificuldades do que os da outras turmas. Em relação ao aspecto afetivo, alguns vivia com
pais que tinham problemas de relacionamento, e outros não moravam com os pais. Havia também
adotados e órfãos ainda com dificuldade de lidar com a morte do pai ou da mãe. No início do ano,
qualquer tipo de aproximação soava como uma ameaça para a maioria. Alguns faziam de tudo
para serem levados para a direção: esta era a maneira encontrada por alguns para serem vistos
por seus pais, que eram chamados à escola.
Desenvolvimento das ações
Para que os alunos se sentissem pertencentes ao processo ensino-aprendizagem era
fundamental que esses conseguissem se localizar nos tempos e espaços escolares,
compreendendo as relações pedagógicas que ali se estabeleceriam. A participação ativa do aluno
na organização dos tempos, dos espaços e das atividades a serem trabalhadas faz com que ele se
sinta mais seguro e confiante. Nesse sentido, a primeira intervenção com a turma foi a construção
do quadro de horário das atividades da semana, para os alunos terem consciência do que seria
trabalhado a cada dia, sentindo-se co-responsáveis pelo quadro.
O quadro abaixo retrata a primeira organização das atividades, a qual foi sendo modificada
a partir das sugestões de alunos e professores, durante o momento de avaliação realizado às
sextas-feiras.
Primeira Organização - fevereiro 2005
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
07h00 Português Português Português
Português e/ou
às e/ou e/ou e/ou Vídeo
Matemática
08h30 Matemática Matemática Matemática
08h30 História, Português História, Português
Português e/ou
às Geografia e e/ou Geografia e e/ou
Matemática
09h30 Ciências Matemática Ciências Matemática
09h30 História,
História, Geografia Educação Educação Avaliação da
às Geografia e
e Ciências Artística Artística semana
10h30 Ciências
10h30
Educação Gincanas e
às Educação Física Música Música
Física brincadeiras
11h30

O quadro foi organizado principalmente por disciplina, pois tinha a preocupação em não
causar rupturas entre a proposta que seria construída e o modelo com que a escola e a
comunidade se identificavam (ensino seriado e conteudista). Era necessário um movimento de
confiança e abertura, principalmente da direção e coordenação pedagógica, para novas
possibilidades de trabalho pedagógico que atendesse às demandas da turma.
Com a turma da sala 11, eu era a professora referência e trabalhava com Português,
Matemática, Educação Artística, gincanas, brincadeiras e vídeo, enquanto o professor Webster
trabalhava com Geografia, História e Ciências.
No início, nos horários de Educação Física e Música, os alunos eram divididos em dois
grupos, conforme seus interesses: futebol ou vôlei e hip hop ou axé. Cada grupo ficava com um
dos professores, sendo utilizadas as salas de aula, de multimeios ou o pátio, simultaneamente. As
músicas trabalhadas eram sugeridas pelos alunos.
Os horários de Educação Física, Música, Educação Artística e brincadeiras ficaram com
maior carga horária por serem as atividades com as quais os alunos mais se identificavam e das
quais, conseqüentemente, mais participavam. Nessas atividades, buscávamos incentivar a
participação e o interesse dos alunos por várias áreas do conhecimento, subsidiando, assim, as
atividades que seriam desenvolvidas em Português, Matemática, História, Geografia e Ciências.
A princípio, os alunos desconsideravam o quadro de horários e tentavam impor o que
queriam fazer. Com o passar das semanas, foram percebendo que os horários estavam sendo
cumpridos pelos professores, principalmente quando se tratava de algo de que os alunos
gostavam. Com o tempo, começaram a se concentrar mais nas atividades previstas e a esperar
até a sexta-feira para reclamar e propor alguma mudança. Quando havia qualquer imprevisto,
tínhamos o cuidado de trabalhar com os alunos o porquê da mudança de horário e, quando
possível, construir com eles uma forma de reorganizar o quadro. A partir desses momentos,
começou a instaurar-se uma relação de confiança entre os alunos e professores com relação à
proposta de trabalho. Cobrar coerência entre o que se fala e o que se faz, responsabilidades com
os combinados, como também saber quando se pode fazer algo passou a ser tarefa de todos, um
aprendizado, inclusive para nós, professores. Temos uma forte tendência a cobrar dos alunos o
cumprimento das regras, mas, na maioria das vezes, acreditamos que nossos motivos são
suficientes para burlarmos as regras, somente porque somos professores.
Principalmente nos três primeiros meses, diante das freqüentes brigas entre os alunos, nós,
professores, sempre procurávamos o diálogo como forma de mediar os conflitos, combinando com
os alunos que a direção e os familiares só seriam envolvidos se não conseguíssemos resolver o
problema entre nós. No início, houve várias situações em que foi necessário conter fisicamente
alguns alunos por estarem agredindo seus colegas e se colocando em risco. Nesses momentos,
procurava conversar com o aluno, buscando que se acalmasse para poder retornar à sala. Nisso,
os auxiliares de serviço da escola foram meus grandes aliados, pois, por várias vezes, enquanto
eu saía com um aluno, eles ficavam na sala para mim. A direção e a coordenação da escola
também me apoiavam e auxiliavam naquilo que conseguiam e podiam, e esse apoio foi
fundamental.
Aos poucos, a rotina foi sendo compreendida e incorporada ao cotidiano escolar. Os alunos
começaram a aceitar as minhas intervenções e as do professor Webster e a apresentar menos
resistência para realizar as atividades. Nesse movimento, começaram a demonstrar os
conhecimentos e conceitos que já tinham construído e a pedir ajuda frente a alguma dificuldade.
Toda segunda-feira, no início da aula, os alunos registravam, através de desenho ou
escrita, como tinha sido seu final de semana. Às vezes, esse registro era dirigido por questões;
outras, de livre escolha do aluno. Saber o que tinha acontecido no final de semana, o que tinha
agradado ou entristecido os alunos ajudava a compreender e lidar melhor com possíveis
manifestações que eles pudessem ter durante a semana. Às vezes os alunos resistiam na
realização dessa atividade, mas sempre acabavam falando de algo que os havia tocado.
Nas aulas de Educação Artística busquei resgatar, nos alunos, a possibilidade de
produzirem algo de belo. Percebia-se em seus discursos uma tendência a se acharem incapazes
de fazer qualquer coisa corretamente e julgarem que tudo que faziam estava feio. Como estratégia,
as primeiras atividades foram de recorte e colagem, sendo que a primeira foi a construção de
formas geométricas em papel laminado, no qual os alunos construiriam algum desenho. Minha
intenção foi fazer com que eles se vissem diante de algo bonito, e o próprio brilho do papel
contribuiria para isso. Todos ficaram surpresos com o trabalho e se mostraram mais abertos a
outras sugestões. Com o passar do tempo, a aula de Artes também se configurou em um espaço
para vivenciar experiências que auxiliassem na construção de conceitos da área de Ciências, em
articulação com Geografia.
No início, no horário da Música, os alunos se dividiam em dois grupos: hip hop e axé.
Traziam os CDs que gostavam de ouvir e dançavam. Nós, professores, nos propusemos a trazer a
letra da música para que todos cantassem ou, então, alguma curiosidade sobre o estilo de algum
cantor. Após os primeiros meses, com a necessidade de espaço para outros tipos de intervenção,
discutimos com os alunos que seria importante diminuir um dos dois horários de música, por
semana, para podermos atender a outras demandas, tais como as referentes ao avanço na leitura
e escrita. Ao final do semestre, o espaço para os alunos trabalharem com música passou a ser
somente às sextas-feiras, a pedido deles, junto ao espaço das gincanas e brincadeiras.
O momento de Educação Física me chamou a atenção desde o início, pois a maioria dos
professores evita trabalhar essa atividade com as "turmas difíceis" por acreditarem que os alunos
darão muito trabalho. A sala 11 nunca apresentou grandes problemas nesse momento. Pelo
contrário, era a hora em que mais dialogavam entre si. Apesar de brigarem algumas vezes,
conseguiam resolver os problemas com mais tranqüilidade, necessitando somente que eu
ajudasse a organizar suas propostas. A princípio, foi esse o papel que assumi. Com o passar do
tempo fui levando-os a perceber que necessitavam de alguns conhecimentos e preparo para
desenvolverem melhor o futebol e o vôlei, bem como de formular regras claras para evitar
possíveis brigas. Em uma das avaliações que fizemos com os alunos, apontamos que nós,
professores, precisaríamos trabalhar com eles algumas atividades além do futebol e do vôlei.
Nesse sentido, resolvemos que, numa semana, a aula de Educação Física seria de escolha dos
alunos e, na outra, as atividades seriam planejadas pelos professores.
No início, Português e Matemática não tinham horários distintos, pois trabalhávamos na
medida em que as demais atividades solicitavam qualificação e acesso a conhecimentos. A partir
do mês de maio é que foram surgindo espaço e possibilidades de trabalhar mais especificamente
os aspectos formais da língua e da construção matemática, sem, no entanto, deixar de
desenvolver o trabalho a partir de sua dimensão social. Na realidade, acreditava que de nada
adiantaria querer ensinar gramática, ortografia, produção de texto e operações matemáticas, se
percebia que os alunos tinham destituído a linguagem escrita e oral como mediadora da relação
entre as pessoas e destas com o conhecimento. Uma das primeiras manifestações dos alunos no
uso da escrita foram os bilhetes para os professores e as cartinhas de amor que começaram a
trocar entre si. Com o passar do tempo, fomos trabalhando com os diferentes gêneros textuais e
portadores de textos. Com relação à Matemática, os alunos ainda apresentavam dificuldades na
compreensão de sistema de numeração decimal, mas só começaram a aceitar minhas
intervenções depois que comecei a trabalhar a multiplicação. Fiz isso a pedido deles próprios, que
avaliaram que precisariam desse conhecimento porque iriam para a 5ª série no ano seguinte. Um
grande desafio na área da Matemática estava sendo fazer com que os alunos compreendessem
em que ponto estavam, pois a maioria apresentava dificuldade no raciocínio matemático e na
realização das técnicas operatórias.
Uma atividade realizada desde o início das aulas foi medir, mensalmente, a altura dos
alunos, a minha e a do professor Webster, para que eles percebessem o quanto estavam
crescendo. Minha intenção era trabalhar o crescimento físico e intelectual, a partir de algo
concreto, além de ter dados para trabalhar Matemática e Ciências. Ou seja, era fazer com que eles
percebessem que sempre estão crescendo, mudando, para, assim, saírem da paralisia a que os
rótulos os tinham confinado.
É comum um aluno reclamar das aulas, dos professores e colegas. Como os alunos dessa
turma tinham uma tendência a impor suas vontades, destinei um espaço às sextas-feiras para a
avaliação do trabalho realizado em sala de aula, durante a semana, envolvendo os alunos, o
professor e eu, com o objetivo de afinarmos nossas idéias, vontades e desejos. No início, esse
momento gerou uma certa tensão, pois ouvir e fazer críticas, bem como dar sugestões, foi um
aprendizado para todos. Um grande exercício para os alunos foi esperar o tempo de vivência das
propostas, para posteriormente avaliá-las e até mesmo mudá-las, não desistindo na primeira
dificuldade que surgisse em sua realização. Outro exercício foi acreditar que seriam ouvidos em
suas sugestões, pelos colegas e, principalmente, por nós, professores.

Do revólver ao robô
Como "fechamento" da semana, foi destinado um espaço lúdico para gincanas e
brincadeiras, com o objetivo de desenvolver o trabalho em grupo e a expressão de sentimentos de
cada um. O primeiro movimento dos alunos de trabalhar em grupo e sem brigas ocorreu nesse
horário, quando pediram para brincar com Lego. Primeiro, cada aluno quis construir um revólver,
simulando com ele uma matança coletiva. Como não censurei essa manifestação e perguntei o
que mais eles poderiam fazer, começaram a criar robôs e foguetes, até que passaram a construir,
em pequenos grupos, casas e torres com cercas à sua volta. Tendo percebido a identificação dos
alunos com esse brinquedo, na segunda aula propus que construíssemos um muro do
comprimento do pátio, local onde era realizada essa atividade. Pela primeira vez metade dos
alunos aceitou a proposta enquanto os demais resolveram construir carrinhos, sem que, em
momento algum, um grupo atrapalhasse o outro. Nesse momento da semana, a confusão era
grande na hora de guardar os brinquedos: os alunos jogavam os brinquedos para cima, chutando e
fazendo grande algazarra. Eu procurava orientá-los para terem mais calma e não destruírem os
brinquedos, mas tinha paciência com aquele momento que, para os alunos, ainda era necessário e
fazia sentido. Durante todo o trabalho, esse era o momento mais esperado pelos alunos e, a cada
sexta-feira, foram diminuindo os confrontos e surgindo novas possibilidades de utilizá-lo.
Com o passar do tempo, as diferenças de ritmo de aprendizagem que estavam
"camufladas" pela indisciplina começaram a ficar mais evidentes. Nesse sentido, uma das
primeiras modificações do quadro de horário foi diminuir os tempos de Educação Física e Música
para dar espaço e tempo à intervenção pedagógica com pequenos grupos de alunos. O objetivo da
intervenção era ajudar os alunos a terem consciência de suas dificuldades e supri-las, bem como
fazer a autocorreção. A maioria da turma já sabia ler e escrever com dificuldade, com exceção de
dois alunos que ainda não estavam alfabetizados. Esse espaço se tornou fundamental para auxiliá-
los a avançar em seu processo de aquisição da base alfabética e no trabalho com as formas, usos
e funções da escrita. Enquanto eu trabalhava com pequenos grupos, o professor Webster se
dedicava aos demais alunos, trabalhando com a produção de texto.
Desde o início, uma questão que me chamou muito a atenção era como os cadernos dos
alunos eram feios e desorganizados. Nesse sentido, busquei alternar as atividades xerocadas com
as copiadas do quadro negro, para que os alunos pudessem aprender a organizar melhor seus
cadernos. Nas aulas de Educação Artística, busquei trabalhar o resgate do belo para ajudar a abrir
novas possibilidades para esses alunos. Outra estratégia utilizada para melhorar a estética dos
cadernos e a aceitação das minhas intervenções foi corrigi-los diariamente colocando somente um
conceito e um adesivo autocolante, pois frente a qualquer escrita que fizesse nos cadernos, os
alunos rasgavam a folha alegando que estava tudo errado ou que se tratava de um bilhete para a
mãe. Como gostaram dos adesivos e ficavam curiosos para saberem quais seriam os próximos,
com o passar do tempo, passaram a aceitar que eu também escrevesse comentários, apontando
os avanços e/ou as dificuldades que ainda precisariam superar. Com o tempo, dois alunos ainda
apresentavam dificuldades na realização das atividades e só aceitavam minha correção e
comentários escritos, quando se tratava de elogios. Os demais comentários, na maioria das vezes,
eram arrancados do caderno.
Como complemento da intervenção sobre o processo escolar dos alunos, fazia ligações
telefônicas para a casa deles e conversava com seus familiares, relatando seus avanços na
aprendizagem e no relacionamento com os colegas e adultos da escola. Nas situações de conflitos
que necessitavam da presença dos pais ou responsáveis na escola, sempre tinha a preocupação
de primeiro relatar os avanços do aluno para, posteriormente, relatar o problema ocorrido. A
conversa era sempre no sentido de obter informações sobre o cotidiano familiar e orientar os pais
sobre como lidar com seus filhos nas dificuldades apresentadas. Outro aspecto fundamental dessa
conversa era que sempre solicitava aos pais que destinassem um mínimo de tempo para olharem
para seus filhos e perguntarem o que tinham feito na escola. Além disso, pedia que não batessem
nos filhos, pois, ao contrário de nós, professores, estariam ensinando que os conflitos e as
divergências deveriam ser resolvidos através da linguagem corporal, pela agressão física. Chegou
a haver uma aposta entre os alunos se uma determinada mãe bateria ou não em seu filho, ao
chegar em casa. Apesar de haver relatos de que alguns pais batiam constantemente em seus
filhos, todos os que foram chamados atenderam às orientações. Isso causou grande espanto nos
alunos, que não acreditavam que os pais deixariam de bater neles por causa de uma conversa
com a professora, quando normalmente, o que aconteceria seria o inverso. Esse fato foi
extremamente importante para que os alunos, e até mesmo os pais, acreditassem que valia a pena
conversar para resolver os problemas, além ter surtido efeito nas dificuldades que os alunos
apresentavam na escola.
No mês de junho de 2005, fizemos uma excursão à cidade de Belo Vale, Minas Gerais,
onde fica o Museu do Escravo e a fazenda do Barão de Paraopeba. Essa atividade surgiu como
culminância das aulas de História que o professor vinha desenvolvendo. Durante o passeio, uma
aluna de cor branca perguntou por que não havia mais escravos. A partir desse questionamento,
iniciamos várias discussões sobre as diferenças.
Primeiramente lemos a história Amigo do Rei, da coleção de literatura afro-brasileira que se
encontra na biblioteca da escola. Essa coleção foi enviada pela Coordenadoria de Bibliotecas para
todas as escolas da rede municipal de Belo Horizonte e é composta por obras que vão desde livros
de literatura infantil a obras que buscam resgatar a história e identidade da cultura afro-brasileira. A
história fala de duas crianças que nasceram na mesma época, uma negra e escrava e a outra
branca, filha do senhor do engenho. A partir dessa história, propus que os alunos verificassem em
casa se havia alguma pessoa negra e se ela tinha alguma história para contar.
Na aula seguinte, os alunos foram se manifestando e concluímos que o negro estava
presente na história familiar de todos nós, inclusive, na minha, na do professor. Um dos alunos
relatou a humilhação que a avó havia passado com sua filha, ao perguntarem se ela era babá da
criança. Conversamos sobre outras diferenças e da forma como elas eram percebidas pelas
pessoas. Posteriormente, trabalhamos com a música "Preconceito", de João Favela. Muitos alunos
não percebiam que alguns de seus atos eram preconceituosos e discriminativos e passaram a ficar
mais atentos.
Como eu conhecia a dificuldade de muitos deles de lidar com a própria história, realizamos
a seguinte atividade: cada aluno deveria falar uma característica que o diferenciava dos demais
colegas e, num segundo momento, algo que tinha em comum com os demais. Durante as falas, os
alunos foram apresentando algumas características e, às vezes, os colegas se ajudavam
mutuamente a se reconhecerem em suas diferenças. Houve momentos extremamente importantes
para o processo de alguns alunos: um contou que não tinha mãe, outro assumiu perante o grupo
que é portador da fenilceatonúria, alguns contaram que foram adotados; a aluna de 14 anos que foi
enturmada como "caso de uma possível deficiência mental" falou da morte de seu pai quando ela
tinha 3 anos de idade. Aliás, essa aluna vem mudando, a cada dia, o hábito de usar enfeites e
penteados de criança, aos poucos está incorporando a atitude de adolescente. É importante
registrar que, apesar de no início do trabalho os alunos terem se mostrado gozadores, em nenhum
momento houve qualquer tipo de intimidação aos colegas. Depois levantamos coletivamente o que
todos tinham em comum.
Com o objetivo de mostrar aos alunos que também os professores não são todos iguais,
solicitei que os alunos pensassem o que eu e o professor Webster tínhamos de igual e de
diferente. Nesse momento, eles descreveram diferenças quanto ao temperamento, a aspectos
físicos e metodológicos, com respeito e precisão de argumentos.
Como complemento das atividades sobre as diferenças, convidei a professora Maria da
Conceição Dias Magalhães, que é cega, para visitar os alunos e mostrar a sua diferença e como
lidava com ela. Os alunos puderam fazer-lhe perguntas e satisfazer algumas curiosidades como,
por exemplo, saber de que maneira ela comia, se não podia ver os alimentos. Conceição levou
para cada aluno um alfabeto em braile e mostrou como ele se constitui. Depois distribuiu várias
fichas com o nome dos alunos escrito em braile, para que eles tentassem descobrir de quem era o
nome. Pensamos nessas atividades, para que os alunos percebessem que a inteligência é que faz
com que os pontinhos em alto relevo no papel signifiquem algo, como também é o caso das letras
e dos números. Como finalização desse momento, alguns alunos colocaram vendas nos olhos e
foram caminhar pelos espaços da escola para sentirem, um pouquinho, o que os cegos sentem.
Como o horário da merenda estava próximo, vários alunos quiseram merendar com os olhos
vendados.
Ao final do 1° semestre, era raro termos algum tipo de briga mais séria e, quando ocorria
alguma, os próprios alunos tentavam separar e conversar com quem estava brigando. A cada dia
que passava, os alunos estavam mais sensíveis aos colegas e profissionais da escola, como
também mais capazes de aprender o que desejassem. Ainda há muito a caminhar, mas com
certeza, o desejo de aprender vem sendo despertado em cada um, a cada momento.

Diálogos
Além da conversa em particular com alguns pais e os telefonemas, foram realizadas duas
reuniões de pais. Nestas reuniões, explicamos o trabalho que estava sendo realizado com a turma,
dando espaço para que os pais pudessem fazer suas avaliações e sugestões. Quando era
necessário conversar sobre algum aluno, tanto nós, professores, quanto os pais, solicitávamos um
encontro para tratarmos de forma particular. Nunca discutíamos sobre um aluno durante a reunião,
pois acreditávamos que esta deveria ser um espaço de diálogo entre pais e educadores, e não de
exposição dos problemas particulares de cada criança.
Aos poucos fomos percebendo que os alunos aprenderam a fazer a correção de suas
atividades e a localizar suas dificuldades. Na avaliação sobre os professores, seu trabalho e sobre
a escola, os alunos foram se mostrando mais maduros e consistentes em seus argumentos.
Cada vez mais, a linguagem escrita foi assumindo seu papel de mediadora das relações,
sendo utilizada para registro, para comunicação através de cartas e bilhetes entre os alunos, para
a solicitação de algo que desejavam, dentre outras coisas. Os alunos foram ficando mais atentos
às convenções da língua, apesar de ainda apresentarem dificuldades, principalmente na produção
de texto. No final do semestre, somente uma aluna ainda apresentava dificuldades na construção
da escrita, porém sem apresentar resistência para escrever, e com grandes avanços na leitura. Os
alunos, em sua maioria, passaram a gostar de ler e a se envolver mais nas aulas.
Alguns pais mostraram-se surpresos com o desenvolvimento dos filhos. Na verdade, havia
um total descrédito, por parte da maioria dos pais e da escola, sobre a possibilidade de mudança
dos alunos da sala 11. Porém os funcionários diziam que agora os alunos estavam pedindo licença
e agradecendo, algo que não ocorria antes, pois chegavam empurrando e xingando. Vale lembrar
que, no início do ano, os alunos reclamavam comigo e me questionavam sobre o porquê de eu
pedir desculpas tantas vezes ou licença para fazer algo.
Apesar de todos os avanços que os alunos apresentavam, havia momentos em que o
estigma de "turma problema" ainda interferia em sua relação com o saber. Nesses momentos,
tendiam a querer retornar para uma postura de resistência, como se estivessem lutando contra a
força que o estigma exerce sobre a vontade de mudar.
O professor Webster e eu também tivemos que aprender muito um com o outro, pois
tínhamos histórias de vida e de profissão muito diferentes. Tivemos que aprender a conversar, ter
paciência um com o outro para construir com os alunos uma proposta de trabalho que não fosse
conflitante, o que não conseguimos evitar na primeira semana. Nosso compromisso com os alunos
é que nos ajudou a superar as diferenças e construir novas semelhanças para a realização do
trabalho. Se entre nós havia diferença com relação ao trabalho, tal diferença tornou-se maior ainda
com relação aos demais profissionais da escola, pois não dispúnhamos de espaço para socializar
nossas experiências e aprender uns com os outros. Nesse caso, a direção e a coordenação
pedagógica da escola eram nossas grandes parceiras e mediadoras na relação do trabalho entre
as professoras e os professores da escola.

Novos desafios da contemporaneidade


À medida que as aulas foram passando, percebemos que os alunos estavam construindo
sua autonomia quanto ao seu aprendizado.
Aos poucos, o quadro de horário foi se aproximando da divisão de tempos das demais
turmas, uma vez que os alunos já apresentavam mais condições de se concentrarem por mais
tempo em cada atividade. No início, não conseguia mais de uma hora de concentração dos alunos
por dia, o restante do tempo era para atividades menos direcionadas e, principalmente, para
administração dos conflitos. Um grande desafio para o professor e eu foi conseguirmos
desenvolver um trabalho interdisciplinar com os alunos, articulando as áreas do conhecimento,
uma vez que encontros para troca de idéias e planejamento das ações ocorriam em parte do
trajeto que realizávamos até a escola.
Uma questão que ainda precisamos discutir com a direção da escola e os demais colegas é
a criação de espaços para socializar nossas experiências como um processo de formação em
serviço. Acredito que é a partir desses momentos de trocas que poderemos avançar em nossa
formação profissional e na elaboração de um projeto político-pedagógico para a escola, que possa
atender as demandas do nosso alunado atual. Com isso poderemos também construir estratégias
e possibilidades para a superação dos novos desafios que a contemporaneidade traz para o
cotidiano escolar.
Até o final do ano, teríamos que avaliar se a turma da sala 11 deveria ou não permanecer
junta no próximo ano ou ser desmembrada. Até o final do 1° semestre, o professor Webster e eu
avaliávamos que talvez seria importante que os alunos continuassem juntos, uma vez que
construíram sua identidade como grupo de trabalho. Havia ainda a possibilidade de continuarmos
com a mesma turma no ano seguinte. Infelizmente, como eu e o professor Webster não pudemos
continuar na escola, a turma foi desmembrada e os alunos divididos nas demais turmas para o ano
de 2006.
Minha intenção, ao relatar a vivência com a sala 11, é dizer que, apesar de ser difícil e
trabalhoso, é possível encontrar possibilidades de intervenção com alunos que se encontram à
margem do processo ensino-aprendizagem. Acredito que a realização deste, como de qualquer
outro projeto, somente é possível a partir da reflexão que a teoria pode proporcionar à prática e
vice-versa, possibilitando a construção de uma prática mais reflexiva. Para tanto, é preciso que
haja um trabalho planejado e organizado entre os professores, tendo o aluno como o centro do
processo ensino-aprendizagem, fazendo com que os conhecimentos auxiliem na superação dos
desafios do cotidiano escolar, na construção de novas possibilidades de intervenção pedagógica e
na retomada do desejo dos alunos de aprender.
EDUCADORES QUE INFLUENCIARAM A EDUCAÇÃO
Artigo reúne pensadores que trabalharam nessa questão
Comentário SACI: Márcia de Almeida Moura é pedagoga e especialista em gestão escolar
Márcia de Almeida Moura

Muitos foram os pensadores que contribuíram com a Educação Infantil. Segundo Nicolau
(1993, p. 25), os educadores que influenciaram a Educação Infantil foram Rousseau, Pestalozzi,
Fröebel, Decroly, Montessori, Freinet, Wallon, Piaget, Vygotsky entre outros. Destaca-se neste
artigo alguns destes pensadores e abordaremos um pouco sobre suas contribuições.

* Rousseau
Nasceu em Genebra (Suíça), iniciando uma nova forma de entender as crianças, que até sua
época eram vistas como adultos em miniatura. Para ele a criança precisava receber um tratamento
diferente, específico, possuindo ela, também, características próprias, interesses, idéias e até
vestimentas diferentes dos adultos. O verdadeiro objetivo da educação, para Rosseau, era o de
ensinar a criança a aprender e a viver em liberdade, a valorização do indivíduo.
Redimensionou a educação infantil, afirmando que não se deveria moldar o espírito das
crianças de acordo com um modelo estabelecido, vendo na educação a expressão livre da criança no
seu contato com a natureza, mostrando que ela é capaz de agir por si mesma. Condenou o uso
excessivo da memória e da severidade da instrução, criticando estas duas práticas na escola da sua
época.
Propôs à criança o brinquedo e os esportes. Através da agricultura a criança aprenderia a
utilizar os instrumentos como a pá, bem como a contar, a pensar, a comparar e a medir. Sugeriu
atividades relacionadas com a vida para aprender e desenvolver a geometria, a aritmética, o canto e a
linguagem.
Dessa forma, estes princípios educacionais ainda hoje permanecem sendo enfatizados na
educação.

* Pestalozzi
Pestalozzi nasceu em Zurique (Suíça). Acreditava que a educação poderia aperfeiçoar o
indivíduo e a sociedade.
Decidiu ser mestre-escola para colocar em prática suas idéias. Entendia que o lar era a
melhor instituição para a educação e a instituição escolar deveria se aproximar dela para a formação
humana, abrangendo a moral, a política e a religião. No seu método, mestres e alunos permaneciam
juntos o dia inteiro, das 8 às 17 horas, desenvolvendo as mais variadas atividades, de maneira
flexível, como aulas, refeições, banhos e brinquedos. Em duas tardes por semana os alunos faziam
excursões ou ficavam livres. Dividia as crianças em faixas etárias, sendo uma até oito anos, outra de
oito a doze anos, e uma terceira de onze a dezoito anos. Não admitia e até condenava as punições, as
recompensas e as correções.
Privilegiou os aspectos psicológicos da educação, revolucionando a disciplina, baseando-a na
cooperação entre os professores e alunos, e, também, impulsionou a formação de professores.

* Fröebel
Viveu na Rússia de 1782 a 1852, sendo destacado como o fundador de Jardins de Infância,
enfatizando o amor à natureza e à criança no processo educacional.
Trabalhou com Pestalozzi por alguns anos, depois, em 1837, abriu o primeiro Jardim de
Infância e continuou durante toda a sua vida a criar estes educandários, à elaboração de métodos e
equipamentos para eles e à formação de professores.
Formalizou os seus próprios princípios educacionais, sendo totalmente independente e
crítico, embora tenha recebido influência de Pestalozzi. Para ele a educação é um processo pelo qual
o homem, autoconsciente, desenvolve-se com todos os poderes, funcionando harmoniosa e
completamente, tanto em relação à sociedade como à natureza.
A doutrina de Fröebel foi a da “Parte-Todo” ou da unidade, a qual considera o homem como
uma unidade, que para atuar exige a integração dos órgãos sensoriais, dos músculos, dos nervos com
a vontade, raciocínio, percepção e memória, mas a mesma unidade, cada objeto do Universo, é parte
de algo mais geral.
O desenvolvimento, para Fröebel, ocorre em fases que são a infância, a meninice, a
puberdade, a mocidade e a maturidade. Para ele todas possuem a mesma importância.

- No Jardim de Infância, por ele criado, o professor era considerado um jardineiro e as


crianças plantinhas de um jardim. As atividades de linguagem, de percepção sensorial e de
brinquedo seriam as formas da criança expressar-se, enquanto a linguagem oral estaria associada à
vida e à natureza. Para ele, os ritmos e o movimento eram muito importantes, por isto, deu
importância ao desenho e à atividade lúdica - o brinquedo.

A preparação para ter uma vontade firme e a instrução eram enfatizadas no período da
meninice, que se estende dos seis aos dez anos.
Valorizou, também, a família, como fez Pestalozzi, cuja função abordaria os planos
biológico, religioso, educacional e social. Captou, sendo neste aspecto o primeiro, o significado da
família nas relações humanas. Constatou, inclusive, o valor dos símbolos para as crianças e, por isto,
ressaltou o simbolismo. Para integrar o crescimento dos aspectos moral, mental e físico, o principal
meio é a atividade construtiva. Afirmou, ainda, que a base para os currículos das escolas deve ser os
interesses e as atividades em cada fase da vida da criança.

* Decroly
Decroly, educador belga, ressaltou que a criança deve solucionar os problemas e viver os
momentos de existência infantil plenamente: esse é o destaque que colocou na educação infantil,
compreendendo as condições do desenvolvimento infantil e não a preparação para a vida adulta,
como era o pensamento educacional em vigor, na sua época.
Decroly ajustou a escola à psicologia da criança, transformando o ensino, sendo que seu
método é chamado por centros de interesse, destinado principalmente aos alunos das classes
primárias, porque procura associar os interesses infantis com os conhecimentos.
Para ele os centros de interesse se modificam com a idade. Isto é, dos três aos seis anos de
idade, no Jardim, através do contato com o meio. A isto se associava a idéia de conhecimento, pela
criança, de defender-se de perigos e acidentes, de lutar contra as dificuldades, de suas necessidades
de se alimentar, de ter alegria e de trabalhar e agir em grupo. Conhecendo o meio, a criança estaria
satisfazendo suas necessidades. Sendo assim, a sala de aula está presente no dia-a-dia da criança: na
cozinha, no jardim, no museu, no campo, na oficina, nas viagens etc.
Para Decroly, a criança passava por três momentos nos seus centros de interesse: o da
observação, o da associação e o da expressão. A duração dos centros de interesse pode variar muito,
até meses, sendo, portanto, flexível, por motivo da riqueza dos conhecimentos a serem trabalhados.
Não se preocupou em escrever uma obra fundamental, porque pensava, ao expor suas
técnicas, que elas poderiam se cristalizar: preocupou-se mais em apresentar princípios educacionais
do que com fórmulas rígidas.

* Montessori
Montessori, educadora italiana, estudou medicina, tendo-se doutorado nesta ciência pela
Universidade de Roma, dedicou-se, a partir dos 25 anos, às crianças anormais na clínica daquela
Universidade.
Na Itália, nesta época, vivia-se um movimento da educação nova em oposição aos métodos
tradicionais, que não respeitavam as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil.
Nesse contexto, Montessori fundou a primeira Casa da Criança em 1907, sendo locais de
educação e de vida, não somente de instrução, visando à educação completa da criança. Utiliza um
método ativo quanto à criação e a aplicação, tendo como centro as atividades motoras e sensoriais,
especialmente na educação pré-escolar, embora o tenha estendido também à segunda infância.
Respeitava as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil, sendo um método de trabalho
individual, embora tenha um cunho social, porque as crianças, com o grupo social, devem colaborar
com o ambiente social.
Concentrou seus conhecimentos à formação de professores para a educação de anormais.
Experimentou em crianças normais os procedimentos usados na educação de anormais, após
observar os defeitos das escolas comuns.
Da educação terapêutica partiu para as fases de desenvolvimento infantil e as diferenças
individuais, preocupando-se com o corpo e o espírito do aluno e o seu processo de adaptação à vida
social. Assim, a “escola deveria girar em torno do aluno”.
No sistema Montessoriano de educação os ruídos são considerados prejudiciais e, portanto, o
silêncio é muito valorizado. Até o professor não precisa falar alto e a criança fala apenas quando seu
trabalho exigir.
Montessori defendeu uma concepção global de educação e, também, deu ênfase à relação da
criança com a natureza, daí, resultando, as ciências que mereceram um papel de destaque.

* Wallon (1879-1962)
Médico francês desenvolveu vários estudos na área da neurologia. Wallon propôs o estudo do
desenvolvimento infantil, contemplando os aspectos da afetividade, da motricidade e da inteligência.
Para ele, o desenvolvimento da inteligência depende das experiências oferecidas pelo meio e do grau
de apropriação que o sujeito faz delas. Assim sendo, os aspectos físicos do espaço, as pessoas
próximas, a linguagem, bem como os conhecimentos presentes na cultura contribuem efetivamente
para formar o contexto de desenvolvimento.
Para este educador há uma profunda diferença entre o desenvolvimento da criança e o
desenvolvimento do adulto, porque a transição da infância para a fase adulta envolve uma total
transformação do ser humano, bem como do ambiente no qual a criança está sendo introduzida; é o
mundo dos adultos, o que explica uma certa uniformidade nas estruturas de cada estágio que a
criança vive em seu processo de desenvolvimento, enfatizando nele dois elementos importantes, a
imitação e o brinquedo.
Ele destaca as emoções e a linguagem como domínios funcionais no desenvolvimento da
criança e como fatores associados a esses domínios enfatiza as questões da confusão entre o EU e os
OUTROS e da descontinuidade no processo de desenvolvimento.
Buscou enfatizar na sua teoria a indissociabilidade entre uma concepção de Sociedade,
Educação e Psicologia, afirmando que o desenvolvimento da criança pode ser visto, tanto por seus
atributos inatos quanto como um reflexo dos valores sociais.
Para Wallon o desenvolvimento acontece de forma descontínua, sendo marcado por rupturas
e retrocessos. A cada estágio de desenvolvimento há uma reformulação e não simplesmente uma
adição ou reorganização dos estágios anteriores, ocorrendo a interação entre o sujeito e o ambiente.

* Freinet (1896 – 1966)


Este importante educador, cujo nome completo era Celestin Freinet, nasceu na França, onde
viveu toda a sua vida. Preocupou-se com a modernização da educação e em como melhorar as
técnicas a ela aplicadas, para que se relacionasse com a vida, tendo suas idéias penetrado em todo o
mundo.
Introduziu modificações nas salas de aula, como os cantinhos pedagógicos e as “aulas-
passeio”. Sendo professor primário, levava os alunos a observar a natureza e todo o mundo exterior
e, depois da “aula-passeio”, a uma análise dela. Freinet introduziu o texto livre infantil, dando assim
a oportunidade para a criança construir, expressar-se e pensar mediante vivências. Para as crianças
pequenas era dado destaque ao desenho, o qual substituía o texto livre oral. Os melhores desenhos ou
textos eram escolhidos por todos e então colocados no “Livro de Vida”.
Iniciou, também, a correspondência interescolar entre os alunos de sua escola com outra, em
Saint Philibert. Depois houve a troca de produtos da produção agrícola, enriquecendo a experiência
anterior.
Esse tipo de atividade enriquecia as aulas constituindo-se em verdadeira cultura. E, em vez
de a voz do professor ser o mais importante, ele se associou a experimentação e à observação. Era
adepto da disciplina na escola e da autoridade do professor, mas para isto enfatizava a necessidade
de existir um ambiente humano, educativo e organizado.
As práticas de ensino propostas por Freinet são fruto de suas investigações a respeito da
maneira de pensar da criança e de como ela construía o conhecimento. Observava muito seus alunos
para perceber onde tinha de intervir e como despertar neles a vontade de aprender. Para Freinet a
criança não avança sozinha, sendo assim, a “cooperação” é um dos pontos fundamentais de sua
Pedagogia.

* Vygotsky (1986-1934)
Estudioso russo na área de história, literatura, filosofia e psicologia. Vygotsky dedicou-se à
docência de 1920 a 1934, auxiliando na constituição de novos laboratórios de investigação,
contribuindo para a criação e a organização de instituições de atenção às crianças portadoras de
necessidades especiais e também escrevendo cerca de 200 trabalhos científicos.
Vygotsky é o representante principal da tendência que privilegia os pressupostos sócio-
históricos ou sócio-interacionistas, a qual aponta para uma posição oposta à perspectiva
evolucionista do conhecimento apontada por Piaget, pensando, portanto, em uma Psicologia
historicamente fundamentada através dos processos de mudança na história do sujeito. As
preocupações de Vygotsky centram-se em buscar quais os aspectos da dinâmica da cultura e da
sociedade que teriam influência no curso de desenvolvimento do sujeito. Vygotsky procura
compreender de que maneira se dá a interferência do mundo externo no mundo interno, ou como a
natureza sociocultural se torna a natureza psicológica.
Vygotsky defende uma abordagem teórica e, conseqüentemente, uma metodologia que
privilegia a mudança. A cada estágio do seu desenvolvimento a criança adquire os meios para
interferir de forma competente no seu mundo e em si. Destaca a importância da criação e do uso de
estímulos auxiliares ou “artificiais”. Através desses estímulos uma situação inédita e as relações
ligadas a ela são alteradas pela intervenção humana ativa. Os homens introduzem esses estímulos
auxiliares como uma maneira de adaptar-se ativamente. O autor considera os estímulos como
altamente diversificados: eles incluem os instrumentos da Cultura na qual a criança nasce, a
linguagem das pessoas que se relacionam com a criança e os instrumentos produzidos pela própria
criança, incluindo o uso do próprio corpo. Vygotsky enfatiza a importância do brinquedo e da
brincadeira, do faz de conta para o desenvolvimento cultural da criança.
Na sua teoria educacional é necessário enfatizar o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal que significa a distância entre aquilo que a criança sabe fazer sozinha (o desenvolvimento
REAL) e o que é capaz de realizar com o auxílio de alguém mais experiente (o desenvolvimento
POTENCIAL). Dessa forma, o que é Zona de Desenvolvimento Proximal hoje vira nível de
desenvolvimento real amanhã. O bom ensino, portanto, é o que incide sobre a Zona Proximal.

* Piaget (1896 – 1980)


Esse educador nasceu na Suíça, realizou profundas pesquisas no desenvolvimento da criança,
tendo escrito mais de 50 livros e monografias, além de centenas de artigos. Estudou com afinco o
processo de adaptação do homem ao meio pelo uso do conhecimento e, por isso, deu muita
importância ao processo de interação do indivíduo ao meio ambiente, que resulta em estruturas
lógicas, produzidas pelo indivíduo, que permitem ao ser humano atuar sobre o mundo de formas
cada vez mais complexas e flexíveis. A interação da criança com a realidade, operando ativamente
com pessoas e objetos, impulsiona-a a criar estruturas mentais e adquirir formas de colocá-las em
funcionamento.
Para Piaget há vários estágios e períodos do desenvolvimento da inteligência, que
caracterizam as formas diferentes do indivíduo interagir com a realidade, pois é o indivíduo que,
desde criança, vai construindo o seu desenvolvimento mental. Estes estágios, segundo Piaget, são os
seguintes: I – de 0 a 2 anos: estágio sensório motor; II – de 2 a 6 anos: estágio pré-operacional; III –
de 7 a 11 anos: estágio de operações concretas; IV – de 12 anos em diante: estágio das operações
formais.
- Os conhecimentos sobre as estruturas mentais que se encontram em cada faixa etária e
sobre o modo de funcionamento específico dessas estruturas, em cada fase do seu desenvolvimento,
para serem utilizados pedagogicamente, necessitam de estudo aprofundado.
O modo de raciocinar da criança é diferente do adulto, pois ela não raciocina por dedução ou
por indução, mas por analogia, sendo, também, um ser com uma capacidade adaptativa muito
elevada, sob o aspecto tanto social, como mental, emocional e físico. Seus sentidos captam o
concreto com elevada capacidade o que resulta em descobrir o mundo, portanto, o exercício livre de
suas capacidades físicas e mentais é a condição básica e indispensável ao bom desempenho de sua
aprendizagem.
Além disto, a criança pré-escolar é egocêntrica, pensando que tudo existe em função dela,
também é incapaz de manejar idéias abstratas e não tem uma visão panorâmica das coisas.
Quanto à descoberta do real esse não é concebido como algo que se impõe, objetivo e
universal existem vários reais e não um real que se modifica segundo as etapas do desenvolvimento
do ser humano. Há um processo dialético, semelhante a uma espiral, na construção do real, no qual
há a participação ativa do sujeito de uma forma mais importante do que o objeto, presente ou não. É
após o nascimento, através de ações sensoriomotoras, que se inicia a construção do real, bem como
de sua apropriação, completando-se na idade adulta, quando o ser humano repensa sobre ela, sobre o
aqui e o agora, libertando-se dela através da atividade intelectual abstrata.
Antes de completar quatro anos, conforme a fase do seu desenvolvimento, a criança torna-se
capaz de usar palavras para designar eventos e objetos, de formar símbolos mentais representando
objetos reais, de agrupar objetos de forma rudimentar e, num nível muito simples, de raciocinar. Ela,
de acordo com Piaget, aos quatro anos, começa a possuir um pensamento intuitivo, entretanto, apesar
dos avanços conquistados, encontra dificuldades em apreender as seqüências, a ordem do
aparecimento dos acontecimentos, em compreender a linguagem das outras pessoas e as regras delas
e, também, em entender o conceito de número.
Através da sua experiência a criança constrói, a partir do agrupamento rudimentar, critérios
classificatórios, chegando a estabelecer as coleções que correspondem as suas necessidades,
cativando seu interesse.
Piaget enfatizou a moralidade autônoma da criança, isto é, que a pessoa torna-se capaz de se
governar e, desta forma, é preciso que a pré-escola compreenda o que as crianças são capazes de
realizar e o que não são de acordo com o estágio do seu desenvolvimento. Como conseqüência os
professores não punirão os educandos, porém dialogarão com eles a fim de que compreendam os
porquês dos seus erros.
A teoria de Piaget, ao enfatizar a atividade do sujeito e a iniciativa do mesmo, nos conduz a
adotar uma atitude diante da criança que reconhece a sua individualidade, a sua autonomia,
permitindo-lhe o uso da experiência direta e a sua participação na organização da administração
escolar o que resultará em torná-la mais adaptável às transformações da vida, mais apta a enfrentar e
a solucionar problemas, a colaborar com os outros e a tomar decisões.
Por sua teoria psicogenética reconhecer que o processo de desenvolvimento pressupõe uma
sucessão de etapas, Piaget foi um incentivador da educação pré-escolar, dando apoio às ações
espontâneas da criança, objetivando à organização do ato de conhecer voltada à preparação das
operações da inteligência, respeitando, ao mesmo tempo, sua criatividade e sua espontaneidade.
Em resumo as propostas teóricas de Piaget têm como pressupostos básicos o interacionismo,
a idéia do construtivismo seqüencial e os fatores que interferem no desenvolvimento.
Pretende pelo interacionismo superar as concepções inatistas, por um lado, e as teorias
comportamentalistas, de outro lado. Para ele o desenvolvimento resulta de combinações entre as
circunstâncias oferecidas pelo meio e aquilo que o organismo traz.
De acordo com Kramer (1991) uma pré-escola fundamentada na teoria de Piaget necessita
seguir os princípios básicos que, em geral, orientam a prática pedagógica baseada na teoria deste
educador que são:
1. Tudo necessita de ação;
2. Permitir que a criança expresse seu simbolismo e, portanto, toda atividade na pré-escola
deve ser semiotizada (representada);
3. A pré-escola necessita promover atividades em grupo, possibilitando o desenvolvimento
da criança na interação e no contato com outras crianças;
4. Por intermédio da atividade a criança se organiza e, desta forma, a noção de organização é
adquirida;
5. Ao criar “problemas” e “dificuldades” para a criança resolver, o professor exerce o papel
de desafiador do educando e a pré-escola passa a ser um espaço criativo, ao invés de ser vista como
passatempo, valorizando a iniciativa, a inventividade e a curiosidade da criança, promovendo a sua
autonomia e permitindo a ampliação e a diversificação de suas experiências. Na pré-escola é
essencial haver um clima de expectativas positivas em relação às crianças, elevando a autoconfiança
delas, vencendo os aspectos negativos, para que tenham iniciativa de experimentar, de descobrir, de
se comunicar, etc.;
6. As atividades são o eixo central do currículo da pré-escola e, por isto, são integradas às
diferentes áreas do conhecimento humano (ciências sociais e naturais, matemática, linguagem).
Podemos afirmar que a pré-escola, ao adotar a teoria educacional de Piaget, necessita criar as
condições necessárias para a criança construir o seu conhecimento do real, não através das palavras,
mas da ação, de acordo com a fase do seu desenvolvimento.
A teoria psicogenética de Piaget entende que o processo de desenvolvimento ocorre em
etapas, conduzindo-o a interessar-se pela educação pré-escolar, pois nela há um clima favorável de
liberdade de exploração, porque respeita a criatividade e a espontaneidade da criança, bem como um
ambiente rico em desafios. A pré-escola comporta ensino na medida em que exige uma organização
das atividades dos alunos, enfatizando a necessidade de existir um ambiente humano, educativo e
organizado.
Houve muitas modificações na sociedade humana que se refletiram nos vários enfoques, nas
formas de visualizar a infância e, também, a Educação Infantil. Cada educador contribuiu muito,
logo, podemos destacar, Piaget, Vygotsky e Wallon, os quais tentaram mostrar que a capacidade de
aprender se constrói a partir das trocas estabelecidas entre o sujeito e o meio. As teorias sócio-
interacionistas defendem o desenvolvimento infantil como um processo dinâmico, pois as crianças,
não são apenas receptoras das informações, sendo que o desenvolvimento motor, afetivo, cognitivo,
a capacidade afetiva, a sensibilidade, a auto-estima, o raciocínio e a linguagem acontecem de forma
integrada e simultânea.
Os estudos desses teóricos possibilitaram uma nova compreensão do desenvolvimento
infantil, embora nem sempre concordantes em todos os aspectos. Com o desenvolvimento histórico
da sociedade brasileira houve uma progressiva inserção dela no sistema capitalista e, com ela,
mudanças na área educacional, inclusive na Educação Infantil, gerando as modificações nas políticas
educacionais públicas: assim primeiramente predominou o assistencialismo e depois, ao lado dele, a
educação.

PARADIGMAS EDUCACIONAIS
O presente artigo é decorrente de uma dissertação de mestrado, desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria, a qual buscou verificar
as representações sociais de deficiência que constam nas normas complementares estaduais,
específicas à Educação Especial, vigentes na Região Sul do Brasil para a elucidação dos
paradigmas educacionais desses documentos.

A teoria das Representações Sociais elaborada por Moscovici (1961) é o aporte teórico para este
estudo. Utilizou-se o método de análise de conteúdo exposto por Bardin (1977), complementado
pelas idéias propostas por Moraes (2003). Os resultados evidenciam visões antagônicas e
dicotômicas presentes na atual política educacional, demonstrando a existência de representações
sociais extremas de deficiência, referentes ao modelo médico e ao modelo social de deficiência.
Nesse, sentido, tais normas evidenciam a manutenção de paradigmas educacionais integradores, bem
como, ampliam a consolidação de paradigmas educacionais inclusivos.
O presente artigo apresenta e discuti indicadores construídos a partir da dissertação desenvolvida no
curso de Mestrado em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação - da Universidade
Federal de Santa Maria/UFSM. Contudo, não há pretensão de esgotar o tema nem de fazer neste
momento um levantamento que cubra exaustivamente todos os indicadores implicados no estudo
referido.

Ao buscar responder o seguinte questionamento: as normas complementares estaduais, específicas à


Educação Especial, vigentes nos estados da Região Sul do Brasil, estão comprometidas com a
proposta de educação inclusiva? Delimitei o estudo na Região Sul do país, pois essa se encontra
constituída pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, os quais apresentam uma
trajetória de vanguarda no intenso debate sobre a Educação Especial. Dentre os marcos desse
percurso podem ser citados o Curso de Graduação em Educação Especial, pioneiro no país, da
UFSM (RS); a Fundação Catarinense de Educação Especial (SC); as pesquisas científicas e as
organizações de Eventos promovidos pelo Ensino Superior, destacando-se a Universidade Federal de
Santa Maria /UFSM (RS), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul /UFRGS (RS), a Pontifícia
Universidade Católica /PUC (RS), a Universidade Federal de Santa Catarina /UFSC (SC) e a
Universidade Estadual de Londrina /UEL (PR).

A teoria das representações sociais é aporte teórico do estudo, pois o conhecimento das
representações oferece a maneira como os sujeitos sociais apreendem os acontecimentos da vida
diária, as características do meio, as informações que circulam, as relações sociais. Nesse sentido,
concebe-se que os discursos das normas complementares emergem e são constitutivos da realidade
escolar; assim sendo, ao definirem as ações em relação à escola e aos alunos, implicitamente estão
revelando formas de conceber esses alunos, e, conseqüentemente, essa escola (entendida aqui como
modelo educacional), legitimando as idéias e práticas do setor educacional.

Portanto, buscou-se verificar as representações sociais de deficiência que constam nas normas
complementares estaduais, específicas à Educação Especial, vigentes na Região Sul do Brasil, para
elucidação dos paradigmas educacionais desses documentos.

1- Representações sociais, educação e políticas públicas: breve introdução dessa interlocução

Conforme Gilly (2001, p.321), a teoria das representações sociais contribui para a compreensão dos
fatos em educação, pois “orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações
sociais no processo educativo. Como ressaltam Deschamps et al. (1982), oferece um novo caminho
para a explicação de mecanismos pelos quais fatores propriamente sociais agem sobre o processo
educativo e influenciam seus resultados”.

Nesse sentido, os fenômenos de representação social, referentes à escola não ocorrem fechados no
contexto escolar, pois tais fenômenos estabelecem vínculos com outros sistemas de representações
sociais. Portanto, quando mecanismos econômicos, sociais, ... pressionam o sistema escolar,
impondo mudanças em seu contexto, as suas representações seguem essas mudanças.

Assim, as representações sociais não podem ser concebidas como um mero reflexo da realidade
escolar, conforme sugeriam os parâmetros individualizantes da compreensão da subjetividade. São
construções que legitimam as idéias e as práticas escolares, tornando-as reais, e, portanto, garantem
aos envolvidos nesse contexto a possibilidade de manutenção do seu próprio equilíbrio.

Conforme Oliveira &Werba (2002, p.107), “uma das principais vantagens dessa teoria1 é sua
capacidade de descrever, mostrar uma realidade, um fenômeno que existe, do qual muitas vezes não
nos damos conta, mas que possui grande poder mobilizador e explicativo”. Nesse sentido, o estudo
dos fenômenos envoltos no contexto escolar é fundamental para que se compreendam determinadas
ações, pensamentos e comportamentos que legitimam preconceitos ocorridos na escola. Pois, ao
formarmos uma representação, buscamos nos aproximar do não-familiar tornando-o familiar.
Portanto, o não-familiar precisa entrar na forma de uma categoria já conhecida, porém, muitas vezes
corre-se o risco de classificar determinado fenômeno de forma equivocada, de forma preconceituosa.

Conforme Moscovici (2003, p.66), “todos nossos preconceitos (...) somente podem ser superados
pela mudança de nossas representações sociais da cultura, da natureza humana e assim por diante”.
Nesse sentido, ao se propor uma educação para todos, comprometida com a ruptura de todos os
preconceitos, não se pode pensar apenas no espaço escolar. Pois o fenômeno que se encontra em
situação de discriminação na escola não é particular desse contexto, mas está incluso numa estrutura
maior: a sociedade. Portanto, para a compreensão desse fenômeno, é necessário que sejam
considerados os mecanismos que dificultam sua aceitação, dentre os quais podem-se destacar as
políticas públicas.

Azevedo (1997, p.65) ao citar ao citar Jobert2, reitera que “as políticas públicas são fruto da ação
humana. Portanto, como qualquer ação humana, todo seu processo desenvolve-se através de um
sistema de representações sociais”. Pois a formulação de uma política não ocorre num vazio social,
mas se apóia nas formas de conhecimento e de interpretação do real peculiar a alguns grupos que
atuam no setor referente, no caso específico, o setor educacional. E, portanto, a definição da política
educacional e das normas complementares à legislação que as norteiam articulam-se a esse universo
simbólico e cultural.

2- Deficiência: do modelo médico ao modelo social

No decorrer da história, através das diferentes abordagens de atendimento e/ou educação adotadas
pela Educação Especial, pode-se constatar a existência de modelos extremos de deficiência que
permearam tais práticas. No entanto, esses modelos de deficiência, não se limitam ao campo
educacional, pois orientam todas as ações sociais em relação ao fenômeno a que se referem e,
portanto, são determinantes para a constituição das pessoas.

Sassaki (1997) refere-se a esses modelos de deficiência, caracterizando-os como médico e social.

O modelo médico de deficiência atribui os problemas encontrados pela pessoa com deficiência à sua
própria condição, ou seja, condição de possível incapacidade de preencher as condições necessárias
para a participação social. Fletcher (s/ data, p.2), fazendo a leitura desse modelo, compreende que a
deficiência é “vista como um problema do indivíduo e, por isso, o próprio indivíduo teria que se
adaptar à sociedade ou ele teria que ser mudado por profissionais através da reabilitação ou cura”.

A deficiência assume o significado de doença, e toda e qualquer intervenção educacional busca


promover intervenções que curem o problema da pessoa com deficiência. Portanto, em educação se
assume uma constante preocução com o diagnóstico da deficiência, buscando classificar o anormal
para depois intervir, assim, o professor com seu olhar diagnóstico deve ser capaz de avaliar e realizar
o tratamento no sentido da cura. Conforme Anache (2002, p.4), “essa postura é semelhante à do
médico que olha o doente e, em alguns minutos, emite um diagnóstico e um remédio”.

No modelo social de deficiência, segundo Sassaki (1997, p.47),

os problemas da pessoa com necessidades especiais não estão nela tanto quanto estão na sociedade.
Assim, a sociedade é chamada a ver que ela cria problemas para as pessoas portadoras de
necessidades especiais causando-lhes incapacidade (ou desvantagem) no desempenho de papéis
sociais (...)
Nessa perspectiva, a problemática da deficiência não está na pessoa que apresenta tal condição, mas
na forma como a pessoa deficiente é concebida na sociedade. Assim, o modelo social reconhece a
singularidade da pessoa e não a sua deficiência, singularidade essa que a torna diferente de todas as
outras pessoas, pois se parte do entendimento de que cada pessoa é única. Nesse sentido, a sociedade
deve adaptar-se para responder as necessidades de todos os seus membros, pois o contexto social
assume papel decisivo como favorecedor ou impeditivo do processo de desenvolvimento das pessoas
que nele se encontram inseridas.

3- Paradigmas educacionais

Compartilho do pensamento de Kuhn apud Mrech (2001, p.3), o qual concebe que “um paradigma é
uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas compartilhadas por uma comunidade
científica que apresenta uma determinada concepção da realidade, estruturada a partir de um
determinado tipo de pensamento”.

Nesse sentido, o meu pensar sobre determinado fenômeno influencia minhas ações em relação a esse
fenômeno. Da mesma forma que minhas ações frente a determinado fenômeno interferem no meu
pensar sobre esse fenômeno. Portanto, um paradigma é um modelo imbricado no processo dialético
estabelecido entre representações e práticas.

3.1- Paradigma da integração

O paradigma da integração estabelece uma forma de inserção escolar, na qual se recebe o aluno com
deficiência, desde que ele seja capaz de acompanhar os padrões escolares tradicionais, portanto,
quando o aluno com deficiência, o diferente, adentra o espaço escolar comum a todos, a estrutura
escolar busca o seu ajustamento ao padrão tido como uniforme, o qual constitui a teórica
homogeneidade dos alunos iguais.

Ao se estabelecer a distinção entre alunos iguais e diferentes, pressupõe a dicotomia do sistema de


ensino, ou seja, não há um sistema geral, mas sistemas paralelos de ensino. Portanto, o sistema
comum de ensino é voltado para os alunos iguais e para aqueles que estiverem aptos a se moldarem
para se adequar a esse sistema tal como ele se apresenta. Concomitantemente ao sistema comum,
prevê-se a existência do sistema especial de ensino, voltado para a educação dos diferentes, dos não
capacitados a estar no sistema comum, dos considerados o lixo da escola.

3.2- Paradigma da inclusão

O paradigma da inclusão surge como um novo olhar sobre as questões educacionais. Não mais o
aluno tem que apresentar uma prontidão para estar na escola, mas a própria escola é chamada a ver
que ela pode estar causando algum empecilho de aprendizagem para os alunos com NEE’s, portanto,
a escola tem que se adaptar para receber todos os alunos.

A Educação Especial deixa de ocupar o lugar especial do sistema geral de educação, para se
consolidar, juntamente com o ensino comum, na própria constituição da educação inclusiva. Nesse
sentido, o paradigma da inclusão veio transformar a dicotômia educacional existente na escola
tradicional, a qual consistia numa visão de estruturas paralelas de ensino, o comum e o especial,
assumindo o compromisso com um todo unificado, o sistema geral de educação. Conforme Bueno
(2001, p.12),

este imbricamento entre educação regular-Educação Especial poderá significar um salto de


qualidade na perspectiva de tornar realidade o princípio tão propalado, mas tão pouco alcançado, de
ampliação de oportunidades educacionais para todos aqueles que têm sido sistematicamente
excluídos dos benefícios de uma escolarização de qualidade, incluídas aqui as crianças com
necessidades educativas especiais.

Essa união de objetivos, esse andar juntos ao se propor o salto de qualidade exposto na citação
anterior, chama para a escola a responsabilidade de satisfazer as NEE’s dos alunos.

4- Da constatação das Representações Sociais de deficiência à leitura dos paradigmas educacionais


A partir da análise das normas complementares estaduais, específicas à Educação Especial, vigentes
na Região Sul do Brasil, constatou-se visões antagônicas e dicotômicas presentes na atual política
educacional, evidenciando a existência de representações sociais extremas de deficiência.

A Resolução n°267/02 (RS) e o Parecer n°441/02 (RS) provenientes do estado do Rio Grande do Sul
(RS), a Resolução n° 01/96 (SC) do estado de Santa Catarina (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr) do
estado do Paraná (Pr) apresentaram, na análise de seus indicadores, características voltadas para a
compreensão do fenômeno da deficiência acerca tanto do modelo social, quanto do modelo médico
de deficiência. No entanto, na Resolução n°267/02 (RS), no Parecer n°441/02 (RS) e na Deliberação
n° 02/03 (Pr) houve uma sobreposição da categoria do modelo social de deficiência em relação à
categoria do modelo médico. Na Resolução n° 01/96 (SC), ocorreu o inverso, pois evidenciou-se
como categoria forte o modelo médico de deficiência e, como categoria fraca, o modelo social.

Um dado importante a ser considerado para essa diferença entre a Resolução n°267/02 (RS), o
Parecer n°441/02 (RS), a Deliberação n° 02/03 (Pr) e a Resolução n° 01/96 (SC), em relação ao
predomínio de uma ou outra categoria, refere-se ao fato de esses documentos se tratarem de normas
complementares, elaboradas em um momento específico de cada estado e, conseqüentemente,
trazerem à tona fenômenos psicossociais históricos e culturalmente condicionados. Nesse sentido,
sendo a Resolução n° 01/96 (SC) inscrita no ano de 1996, acabou retratando o discurso educacional
vigente em Santa Catarina neste período temporal. Porém, findando a década de 90, ampliaram-se às
discussões e ações acerca de uma reestruturação educacional, as quais foram normatizadas em
âmbito nacional, através da LBD, Lei n°9394/96, do PNE, Lei n°10.172/01 e da Resolução n°2/01.
Portanto, esse foi o cenário que serviu de fundo para o contexto educacional dos estados do Rio
Grande do Sul (2002) e do Paraná (2003) e, conseqüentemente, para o nascimento de suas normas
complementares, específicas à Educação Especial.

A fim de tornar essa constatação das categorias acerca do fenômeno de deficiência mais palpável,
proponho-me a discutir alguns aspectos referentes aos indicadores temáticos, que, no decorrer da
análise, foram se tornando significativos e que, neste momento, são de extrema relevância para
embasar a consignação das representações sociais de deficiência e, conseqüentemente, a leitura dos
paradigmas educacionais.

4.1- da Representação Social de deficiência referente ao modelo médico à leitura do paradigma


educacional da integração

Os documentos, ao possibilitarem uma leitura ambígua referente ao acesso dos alunos com NEE’s
no ensino comum (indicador temático n°1) ao restringirem tal acesso contribuem para a conservação
de serviços especializados segregados na escola, tais como as classes e oficinas especiais (Resolução
n°267/02 (RS), Parecer n°441/02 (RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)), bem como, ao estabelecer o
acesso negado no ensino comum em função das condições específicas de determinados alunos,
favorece ainda manutenção dos atendimentos realizados nas escolas especiais (Parecer n°441/02
(RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)).

Essa visão sugere uma cisão metafórica entre o ensino comum e o especial, a qual é reforçada em
alguns indicadores referentes ao indicador temático da Educação Especial (n°2). A Resolução n°
01/96 (SC) estabelece uma autorização da Secretaria de Estado da Educação e Desporto através de
proposição da FCEE para o funcionamento das modalidades alternativas de Educação Especial,
sendo que, na Resolução n°267/02 (RS) e no Parecer n°441/02 (RS), apesar de não constar essa
figura do credenciamento específico para a oferta da Educação Especial, subentende-se que essa
poderá ou não ser ofertada e, portanto, o ensino comum tem sua existência independente dessa
modalidade. Cabe ressaltar ainda, que a conceituação da Educação Especial como modalidade
(Resolução n°267/02 (RS) e Deliberação n° 02/03 (Pr)), bem como a terminologia “especial”
(Resolução n°267/02 (RS), Resolução n° 01/96 (SC) e Deliberação n° 02/03 (Pr)) podem contribuir
para reforçar a visão de duplicidade de educações: regular e especial, as quais possuem objetivos
diferentes em função do alunado específico, ao qual cada uma responde.

Ao adentrar a discussão de um possível alunado específico para a Educação Especial, reporto-me a


mais um indicador temático, o do alunado (n°3). A Resolução n° 01/96 (SC), ao limitar o conceito
de alunos com NEE’s apenas na categorização de deficiências, deixa de contemplar as dificuldades
de aprendizagem que não são decorrentes dessa condição, as quais acabam, muitas vezes, sendo
erroneamente associadas à categoria de deficiência mental. Enquanto o Parecer n°441/02 (RS), a
Resolução n° 01/96 (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao classificarem um alunado para a escola
especial e para a classe especial, no caso específico da Deliberação n° 02/03 (Pr), estão, mais uma
vez, corroborando para o entendimento de que esses alunos não apresentam capacidade para as
aprendizagens requeridas pelo ensino comum, sendo necessário receberem uma Educação Especial.
Outro item relevante neste indicador temático refere-se à avaliação, a qual, em alguns indicadores da
Resolução n°267/02 (RS), da Resolução n° 01/96 (SC) e da Deliberação n° 02/03 (Pr), ainda
apresenta resquícios de uma visão clínica, estando fortemente associada a laudo, diagnóstico e tendo
a sua realização condicionada à figura de especialistas.

No indicador temático das condições de permanência (n°4), a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao priorizar
o atendimento em classe especial através do agrupamento de alunos por necessidades educacionais
especiais de características assemelhadas, desconsidera que, apesar de serem enquadrados na mesma
categorização, por exemplo, deficiência mental, cada aluno apresenta sua individualidade, que os
torna diferentes entre si. Finalizando, é importante salientar que alguns indicadores do indicador
temático dos serviços especializados (n°7), na Resolução n°267/02 (RS), no Parecer n°441/02 (RS),
na Resolução n° 01/96 (SC) e na Deliberação n° 02/03 (Pr), estabelecem a criação e a manutenção
de atendimentos especializados segregados em substituição ao ensino comum, tais como: classes,
escolas e oficinas especiais, sala de atendimento alternativo e centro multidisciplinar de atendimento
especializado.

A exposição desses indicadores elucida um imaginário construído acerca do fenômeno da


deficiência, cujas características reportam à Representação Social de deficiência referente ao modelo
médico. Essa leitura conectiva refere-se a um círculo relacional, o qual envolve a constante busca
por categorizar a deficiência, a anormalidade apresentada pelo aluno, que o impede de corresponder
aos padrões normais de aprendizagem construídos e validados pela escola, pois concebe-se que a
problemática da não aprendizagem reside no próprio aluno com NEE’s.

A Representação Social de deficiência referente ao modelo médico permite a leitura do paradigma


educacional da integração. Esse paradigma estabelece um padrão estático de aprendizagem, o qual
promove a exclusão escolar dos alunos que, por ventura, não corresponderem a essa invenção da
escola tradicional. Quando o aluno com NEE’s não consegue se ajustar à teórica homogeneidade de
aprendizagem dos alunos normais/ iguais, acaba sendo diagnosticado como anormal,
conseqüentemente outros espaços educacionais lhe são delegados, os quais constituem o sistema
especial de ensino, voltado para a educação dos não capacitados à aprendizagem requerida pelo
ensino comum. A existência desses espaços segregados, enfatiza e reitera o pensamento social da
possível anormalidade contida no aluno e de intervenções que curem ou minimizem tal
problemática. Caso isso ocorra, ou seja, caso o aluno desenvolva pré-requisitos para a sua
participação no ensino comum, este poderá ser integrado nesse sistema comum, tal como ele se
apresenta.
Nesse sentido, o paradigma da integração pressupõe uma inserção seletiva dos alunos no ensino
regular, ou seja, em consonância com o próprio significado da Representação Social de deficiência
referente ao modelo médico o aluno portador do problema, que apresenta NEE’s deve por si próprio
se adaptar ao contexto escolar organizado para os alunos normais. Nesse caso, o único
comprometimento da escola com esse alunado é o de disponibilizar vagas, tratando-se, assim, a
integração de uma simples inserção física.

4.2- Representação Social de deficiência referente ao modelo social à leitura do paradigma


educacional da inclusão

A Resolução n°267/02 (RS) e a Deliberação n° 02/03 (Pr), conforme anteriormente abordado, ao


possibilitarem uma leitura ambígua referente ao acesso dos alunos com NEE’s no ensino comum
(indicador temático n°1) assumem conotação de que a prioridade do atendimento educacional aos
alunos com NEE’s deve ocorrer nas classes do ensino regular. Assim sendo, o ensino regular e a
Educação Especial unificam-se, formando um único sistema de ensino voltado para a valorização e o
atendimento de todos os alunos. Essa explanação é ratificada em alguns itens do indicador temático
denominado de Educação Especial (n°2), por exemplo, quando, na Deliberação n° 02/03 (Pr),
conceitua-se a Educação Especial como modalidade que assegura educação de qualidade a todos os
alunos com NEE’s. A própria definição de modalidade contida na Resolução n°267/02 (RS) e na
Deliberação n° 02/03 (Pr) pode assumir o sentido de a Educação Especial perpassar todos os níveis
de educação básica, respondendo aos interesses da educação desconectada dos possíveis interesses
que possam estar contidos nos adjetivos especial e regular.

Ao se estabelecer um sistema educacional único, rompe-se com a visão de alunos específicos para
educações distintas e, portanto, no indicador temático do alunado (n°3), a Resolução n°267/02 (RS),
a Resolução n° 01/96 (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao adotarem uma terminologia para o
alunado da educação, transpõem o limite de uma categoria ou grupo específico, passando a incluir
todos aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem sem, necessariamente, apresentar uma
deficiência real. Nesse sentido, significa também o reconhecimento de que a presença de uma
deficiência não implica, necessariamente, que o aluno que a apresenta terá dificuldades de
aprendizagem em todas as áreas do conhecimento, no decorrer da sua trajetória escolar. Ao
descategorizar essa terminologia, as NEE’s podem ser apresentadas por qualquer aluno que esteja
experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola.

Ao referir acerca das NEE’s, torna-se relevante discutir sobre um item, contemplado neste indicador
temático, a avaliação, a qual, na Deliberação n° 02/03 (Pr), é entendida num aspecto
verdadeiramente pedagógico. Ela deve ser realizada pelo professor de sala de aula, com o apoio de
especialistas, no próprio contexto escolar, buscando a identificação das necessidades educacionais
do aluno, do professor e da escola, para que o “contexto escolar” seja adaptado para a remoção de
suas barreiras de aprendizagem e poder responder às necessidades de todos os seus alunos.

O indicador temático das condições de permanência (n°4), a Resolução n°267/02 (RS) e a


Deliberação n° 02/03 (Pr) referem-se à acessibilidade física, a qual, sozinha, não garante a inclusão
do aluno com NEE’s, mas se constitui na superação de uma das primeiras barreiras impostas pela
escola aos alunos. Esses documentos prevêem, ainda, recursos didáticos pedagógicos que promovam
um ambiente de aprendizagem rico para a turma como um todo, bem como outros recursos que se
referem à necessidade específica de um aluno, mas que se fazem necessários para que lhes sejam
garantidas condições de aprendizagem. Já o Parecer n°441/02 (RS), a Resolução n° 01/96 (SC) e a
Deliberação n° 02/03 (Pr) contemplam adaptações curriculares para garantir a igualdade de
oportunidades a todos alunos, ou seja, oferecer, por meio de condições desiguais, que o aluno com
NEE’s possa ter um currículo adequado às suas necessidades e aos seus interesses individuais. No
que tange ao corpo docente, a Resolução n°267/02 (RS), o Parecer n°441/02 (RS), a Resolução n°
01/96 (SC) e a Deliberação n° 02/03 (Pr), ao preverem que os professores (da Educação Especial ou
da classe comum) devem estar capacitados para o atendimento de alunos com NEE’s, favorecem o
entendimento de que os professores devem contribuir para a construção da aprendizagem de alunos
com diferentes potencialidades, em busca de novos caminhos para que o processo educacional seja,
de fato, significativo para todos.

Outro indicador temático relevante refere-se à terminalidade específica (n°5), a qual, nos indicadores
do Parecer n°441/02 (RS) e da Deliberação n° 02/03 (Pr), constitui-se numa certificação de
conclusão de escolaridade, em que constam os conhecimentos adquiridos e as competências
alcançadas por determinado aluno depois que a escola esgotou todas as possibilidades de
“adaptações”, para favorecer sua construção da aprendizagem. Na Deliberação n° 02/03 (Pr), ela não
apresenta um fim em si mesma, ou seja, deve possibilitar novas alternativas educacionais mais
condizentes com a idade e os interesses do aluno, tais como, educação de jovens e adultos ou
educação profissional.

A educação profissional encontra-se melhor referenciada no indicador temático Preparação para o


trabalho/ profissionalização (n°6). A Resolução n°267/02 (RS), o Parecer n°441/02 (RS) e a
Deliberação n° 02/03 (Pr) evidenciam a constituição de uma “educação profissional” flexível, a qual
se adapta para garantir o acesso e a participação de todos os alunos no seu contexto. Essa questão
representa um avanço em relação à visão inatista e determinista do desenvolvimento humano, a qual
parte do entendimento de que a pessoa que apresenta uma deficiência não possuiria capacidade para
a aprendizagem; conseqüentemente, para a profissionalização e o ingresso no mercado de trabalho.

No indicador temático dos serviços especializados (n°7), alguns itens da Resolução n°267/02 (RS),
do Parecer n°441/02 (RS), da Resolução n° 01/96 (SC) e da Deliberação n° 02/03 (Pr) referem-se a
atendimentos especializados, os quais se constituem em recursos de apoio para que a escola comum
tenha condições de satisfazer as NEE’s. Assim, retoma-se a questão inicial de que a educação
comum e a especial passam a constituir um todo unificado, sendo que esse andar juntos pressupõe
que, para satisfazer as NEE’s dos alunos, a escola, muitas vezes, precisa passar por adaptações,
dentre as quais podem estar os serviços especializados, mas somente os que consistem em recursos
de apoio voltados para o desenvolvimento de uma educação inclusiva.

Tais indicadores apresentam características que constituem um universo em relação ao fenômeno da


deficiência, o qual reporta à Representação Social de deficiência referente ao modelo social. Esse
universo envolve o respeito e a valorização da diversidade, nesse sentido, essa representação supera
o modelo centrado na pessoa, pois concebe que os problemas não estão no aluno com NEE’s, tanto
quanto estão na escola.

Essa leitura da Representação Social de deficiência referente ao modelo social expressa o significado
do paradigma da inclusão. Portanto, esse paradigma transpõe a concepção da simples ocupação
física no espaço do ensino comum por parte do aluno com NEE’s, constituindo-se então, no acesso e
na permanência desse aluno por meio da valorização e do atendimento da diversidade. Nesse
sentido, em consonância com o próprio significado da Representação Social de deficiência referente
ao modelo social, o paradigma da inclusão concebe as diferenças individuais, a singularidade contida
no processo de construção de aprendizagem realizado por cada aluno passa a constituir o centro do
processo educacional.

O paradigma da inclusão, ao assumir o alunado como um todo diferente entre si, delega à escola sua
própria responsabilidade outrora erroneamente projetada no aluno. Conseqüentemente, não mais o
aluno precisa mudar, mas a escola, entendida como a unificação dos sistemas regular e especial,
deve se adaptar para atender a todos alunos que apresentem ou estejam apresentando uma NEE, no
sentido de remover os empecilhos que possam estar dificultando a construção da aprendizagem pelo
aluno.
5- Considerações

As normas complementares estudadas apesar de serem proclamados como a favor da inclusão, ainda
respondem parcialmente a essa proposta educacional, consolidando-se muito mais como documentos
de transição do paradigma da integração para o da inclusão, do que propriamente voltados,
especificadamente, ao paradigma da inclusão.

As políticas educacionais são constituídas acerca de aspectos socialmente problematizados e,


portanto, é justamente o universo cultural e simbólico de determinada sociedade que determina
porque é escolhida uma solução e não outra para a questão problematizada. Portanto, a rede de
significações é complexa e não se desmantela pelo simples desejo de corresponder a tratados
internacionais, de incorporar uma nova postura. Nesse sentido, ainda que movidos tanto pela vontade
de acertar, quanto pelo embasamento científico, as normas complementares estudadas não
respondem a um modelo único voltado para aspectos inclusivos, pois tais documentos são produto e
processo das condições em que se revelam as expectativas de determinados grupos sociais em torno
das práticas educacionais estabelecidas.

Assim, concebe-se como verdadeira a frase transformada em jargão educacional a escola inclusiva
não é algo que se crie por meio de decreto, pois, nem mesmo o próprio decreto e as normas
complementares, enquanto atribuições oriundas de determinada sociedade, são capazes de retratar
fielmente um modelo de ações desconexo das práticas, valores, representações que vigoram nessa
realidade educacional da qual emergiram.

Ao se assumir que as normas complementares estudadas são produto das relações sociais, por serem
definidas, implementadas e avaliadas em relação aos discursos e as praticas educacionais
estabelecidas, não se desconsidera o seu viés de transformadoras dessas relações, pois, enquanto
balizadoras da educação, ultrapassam as práticas educacionais estabelecidas, pois determinam
formas de conceber e de se relacionar, no caso específico, com o aluno com deficiência e, portanto,
retornam à sociedade, projetando sutilmente suas representações acerca desse fenômeno, sobre a
prática pedagógica.

Assim, considerando a dicotomia das representações sociais de deficiência expressas nas normas
complementares estudadas, compreendo a necessidade de reestruturação dos nortes educacionais,
redefinindo concepções e vislumbrando novos significados para os propósitos educacionais. No
entanto, a mudança de atitude frente ao fenômeno da deficiência constitui-se como uma barreira
complexa, pois se trata de uma ação que não pode ser considerada de forma isolada, à pena de correr
o risco de apenas se maquiar o preconceito, a exclusão de determinados alunos do contexto escolar.
Portanto, este estudo se constitui apenas como uma parte do contexto onde o processo
representacional se evidencia, sendo necessário um imbricamento entre políticas educacionais,
escola e sociedade na busca da transformação da representação acerca do fenômeno da deficiência,
na luta para que, gradativamente, a integração venha sucumbir à inclusão, efetivando mudanças de
atitudes no contexto escolar, evoluindo para um efetivo entendimento da educação para todos.

O paradigma da inclusão não tem um início em si mesmo, mas é decorrente de um processo que é
político, social e histórico. Esse processo, conforme constatado, não se constitui de forma linear e,
portanto, por mais que se deseje uma proposta educacional inclusiva, o paradigma da integração
ainda hoje exerce influencia na estruturação de práticas e pensamentos, favorecendo até mesmo a
existência do objeto de estudo desta dissertação, ou seja, de normas complementares específicas à
Educação Especial.

A existência dessas normas corrobora para o entendimento de que a normatização existente para a
Educação Básica não corresponde aos alunos com NEE’s, pois, para eles, existe uma normatização
especial. Sob essa ótica, elucida-se a dicotomia entre educação comum e Educação Especial, imposta
pelo paradigma da integração e evidenciada em outros aspectos analisados no decorrer deste estudo.
Assim, corre-se um duplo risco: como são normas específicas à Educação Especial, muitos
educadores se eximem em conhecê-las e discuti-las por não serem da área, ou ainda, acabam sendo
deixadas de lado pelo próprio grupo de profissionais que respondem pela Educação Especial. Assim
sendo, a Educação Especial pode permanecer como um debate à parte, mantido apenas por
especialistas, bem como, ser/permanecer excluída das reflexões em torno da educação geral.

Portanto, a re-significação do paradigma educacional da integração para o da inclusão envolve um


novo olhar, uma mudança de representação que contemple a valorização e o respeito à diversidade,
sem segregar alunos, professores, espaços e políticas. Com isso, não proponho um desmantelamento
da Educação Especial, pois eliminar o apoio especializado na escola pode assumir a conotação de
eliminar as condições necessárias para que alguns alunos possam ser efetivamente incluídos; no
entanto, essas práticas precisam ter o seu papel redefinido em relação ao paradigma da inclusão.

O paradigma da inclusão pressupõe rupturas, crises e incertezas, implica compreender a inclusão não
apenas como sendo oriunda de um processo, mas também, como sendo um processo em si e não um
destino. No entanto, essa transposição de paradigmas, conforme anteriormente referenciado, não é
fácil, pois existe uma complexa rede de desafios a serem enfrentados. A caminhada é longa e não
pode ser traçada isoladamente, pois a incorporação do paradigma da inclusão não depende
simplesmente da mudança da política educacional ou da mudança organizacional das escolas, visto
que a assimilação desse paradigma depende da transformação do processo representacional, através
do qual se desencadearão essas mudanças, pois a representação orienta comportamentos,
comunicações e, propriamente, as relações sociais de determinado grupo. Para tanto, é preciso
abandonar a visão simplista de que o atendimento da diversidade depende exclusivamente de um
puro ato de vontade. Faz-se necessário traçar estratégias que contribuam para novas relações
teóricas-práticas e não teóricas-práticas, as quais favoreçam a construção de concepções alicerçadas
na aceitação, no respeito e no atendimento da diversidade e das potencialidades humanas. Mas,
acima de tudo, é preciso estabelecer parcerias, confraternizar idéias, sentimentos, experiências,
enfim, dar voz e ouvido à experiência dos sujeitos envolvidos neste processo, pois, ao falarem sobre
as suas experiências, dificuldades e percepções em relação ao processo de inclusão, os sujeitos estão
revelando o seu ser subjetivo, no qual residem as origens da rejeição, dos seus preconceitos, dos
obstáculos de uma prática voltada para a inclusão.

Formação profissional do educador


O presente artigo é oriundo de um estudo monográfico que aborda a trajetória pessoal e
profissional de uma professora de Educação Infantil da rede estadual de ensino de Santa
Maria, RS. Para a coleta das informações optou-se pela abordagem qualitativa História de
Vida, utilizando-se tanto do relato escrito como oral, por meio de entrevistas semi-
estruturadas. Tendo-se como recurso a memória, visamos contribuir para a ressignificação
docente e compreender como vem se constituindo o processo de formação pessoal e
profissional de uma educadora infantil, tendo como pano de fundo o paradigma da inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular.

À luz das leituras realizadas, as primeiras aproximações com a história de vida da professora
colaboradora mostram que sua trajetória de vida pessoal está intimamente relacionada à sua
trajetória de formação profissional. Visto a natureza do estudo, julga-se incondizente generalizarmos
os resultados, acreditando que o modo como cada sujeito se constitui seja o resultado de suas
vivências e interações com o meio e com os demais indivíduos. Percebe-se assim, que os professores
têm que se construir diariamente num processo em que os aspectos da vida pessoal não podem ser
separados da vida profissional, pois o professor é um ser único e indivisível devendo ser este fator
relevante no planejamento da formação docente.
1. Introdução

Com a proposta de uma “Educação para Todos”, alunos com necessidades educacionais especiais
passaram a freqüentar o ensino regular o que vem provocando dúvidas, incertezas e desestabilizando
o professor que, ao se deparar com o outro “diferente”, vê-se diante de suas limitações pessoais e
profissionais, levando-o, muitas vezes, a demonstrar atitudes de não aceitação deste educando. Tal
constatação aponta para um dos maiores desafios que se vem enfrentando na área educacional,
relacionada à formação do profissional que trabalha com alunos incluídos.

Nesta direção emergem algumas questões: Como os profissionais, que já estão em exercício e que
não tem formação especializada, vem enfrentando a realidade inclusiva? Quais são as dificuldades
encontradas pelos professores ao trabalharem com alunos com necessidades educacionais especiais?
A trajetória de vida, escolar e acadêmica dos professores têm influenciado no modo como vêm
lidando com a inclusão deste aluno no ensino regular?

Estas são algumas das indagações que nos levam a pensar a inclusão enquanto um desafio que passa
pelas interações estabelecidas entre professor e aluno, pois ambos levam para a sala de aula suas
histórias de vida, permeadas de significados, valores e crenças, socialmente apreendidos. Portanto,
nos parece urgente lançar um novo olhar sobre a formação de professores, no intuito de resgatar as
“marcas” que estes carregam, num processo de interação entre suas dimensões pessoal e
profissional.

Neste sentido, a presente pesquisa teve a intenção de contribuir para a ressignificação docente,
através do trabalho com a História de Vida de uma Educadora Infantil que atua na rede estadual de
ensino de Santa Maria, RS. A análise da História de Vida nos permitiu compreender como esta
Educadora vem se constituindo pessoal e profissionalmente, tendo como pano de fundo suas
experiências em relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino
regular. A coleta de informações abarcou o relato oral e escrito, em que a professora pôde falar sobre
si mesma, seus alunos, suas necessidades, bem como os fatos que marcaram sua escolha profissional,
sua formação, sua prática pedagógica e os sentimentos nela envolvidos.

2. Trajetória de vida: as primeiras ‘marcas’ da docência

Ao relembrarmos a nossa história, não raro trazemos à tona sentimentos e emoções por vezes
esquecidos, nos reportando às pessoas, eventos, lugares e fatos, que marcaram nossa trajetória de
vida. Por meio da rememoração a formação assume um caráter processual possibilitando à
educadora1, assumir-se como produtora de si e da profissão ao mesmo tempo em que se contribui
para a ressignificação de sua trajetória vital.

Ainda que numa História de Vida a narrativa reflita aspectos individuais e únicos do sujeito
entrevistado, seu relato é o resultado da interação dessa individualidade com as características do
contexto social em que se situa. Portanto, a trajetória de vida da professora colaboradora foi uma
categoria de análise importante, permitindo que apreendamos, entre outros aspectos, o que a motivou
a se dedicar à carreira docente e que aspectos considera significativos para o seu processo formativo.

A História de Vida possibilitou que lançássemos um olhar para a professora como um ser único e
indivisível onde, a pessoa da docente não está dissociada da profissional que vem se constituindo.
Olhar este, respaldado pelos estudos de Nóvoa ao afirmar que é impossível separar o eu profissional
do eu pessoal, pois ser professor nos “obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser
com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de
ser” (1992, p. 10).
O conceito de formação, neste sentido, é tomado não só como uma atividade de aprendizagem
situada em tempos e espaços limitados e precisos, mas também como ação vital de construção de si
próprio (NÓVOA, 1995). Portanto, compreender como cada pessoa se formou (vem se formando)
possibilita-nos encontrar as relações existentes entre as pluralidades que atravessam a vida pessoal e
profissional, uma vez que:

Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagem,
um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a
singularidade da sua história e, sobretudo, o modo singular como age, reage e interage com os seus
contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo
de formação (MOITA, 1992 - p 115).

Sob esta perspectiva, vem-se delineando um novo paradigma na formação de professores,


parecendo-nos importante ressaltar que não se nasce professora, esta é uma produção que vai
ocorrendo paulatinamente, sendo que as razões e o modo como cada um ingressa na docência está
intimamente relacionado às vivências e interações estabelecidas com o meio e os outros
significativos.

No caso da professora colaboradora deste estudo, a mãe surge como figura marcante na busca por
uma profissão, balizando o que, historicamente, a carreira do magistério representou em termos de
profissionalização das mulheres. Este representou uma das primeiras possibilidades que as mulheres
encontraram de conquistar um espaço na sociedade e assumir outros papéis, além daqueles que até
então lhes eram destinados: dona de casa, mãe e esposa. Ainda hoje, a presença maciça da mulher dá
ao magistério a identidade de uma profissão predominantemente feminina, especialmente nos níveis
da educação infantil e fundamental, sendo em alguns casos considerada uma extensão da vida
familiar.

Para Nunes (apud GORI, 2001 – s/p), a opção por determinada profissão “apóia-se num conjunto de
representações que, enquanto jovens, temos sobre nós mesmos, sobre o nosso papel de adulto, sobre
a sociedade em que vivemos, sobre esta ou aquela carreira escolar e sobre um futuro exercício
profissional”. Isso acaba por conferir à educadora uma identidade, um modo de ser e estar na
profissão bastante particulares, visto que em relação à docência, as concepções e práticas não se
formam somente quando se ingressa nos cursos de licenciatura, mas antecedem a mesma,
encontrando-se enraizadas nos contextos e histórias individuais dos sujeitos, constituindo-se assim,
nas primeiras “marcas” que estes carregam em relação à profissão.

Em seu percurso profissional, a professora colaboradora, trilhou caminhos diversos. Ingressou no


curso de magistério no final da década de 70, passando pela licenciatura em Estudos Sociais, para só
mais tarde, já atuando como professora chegar à Educação Infantil, onde encontra-se até hoje. Isso
evidencia que a formação não se dá de maneira estanque e linear, nem mesmo pode ser concebida
como algo unilateral, mas sim como o “resultado” do entrecruzamento dos diversos momentos
vivenciados pelo indivíduo. Sobre isso Moita (1992, p. 116) nos diz que “numa história de vida
podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as
transferências de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços
do quotidiano”.

Desta forma, parece correto afirmar que repensar a formação do profissional da área educacional
implica em superar o reducionismo acerca da ação docente, indo além do método e da técnica, a fim
de se valorizar a história de vida dos professores. Estes trazem na bagagem crenças, valores e
desejos em relação à educação que não podem ser ignorados ou deixados de lado, pois “o professor é
uma pessoa e uma parte importante da pessoa é o professor” (NIAS apud NÓVOA, 1992 - p. 15). O
desenvolvimento profissional, portanto, não se constrói apenas por acúmulo de cursos,
conhecimentos ou de técnicas, mas também por um trabalho consolidado na identidade, na
experiência pessoal, enfim, por um investimento na pessoa embutida no profissional (NÓVOA,
1995).

Faço, deste modo, minhas as palavras de Mosquera (1976), de que a eficácia do trabalho de uma
professora está fundamentada, antes de tudo, num processo de autoconhecimento, onde estar em
formação implica um envolvimento pessoal, um trabalho reflexivo sobre os percursos trilhados e
projetos em andamento que estão diretamente relacionados à construção identitária no qual os
professores constroem a si mesmos e a profissão, com a sua presença, maneira de ser e de interagir
com os outros.

3. Formação e prática docente: entre o pessoal e o profissional

Ao se tratar de formação de professores para o ensino inclusivo, encontramos na literatura muitos


estudos que relatam a lacuna ou insuficiência na formação dos docentes, destacando um certo
“despreparo” para exercer suas atividades com o aluno com necessidades educacionais especiais.

Partindo do pressuposto de que o percurso profissional de qualquer professor é marcado por vários
acontecimentos durante a carreira, foi possível, através do relato autobiográfico da professora
colaboradora, resgatar acontecimentos que considerou formadores, estabelecendo relação entre a
construção do seu “eu” pessoal e profissional.

Durante a realização das entrevistas, trouxe à tona situações que vivenciou no contexto familiar e
que antecederam sua atuação profissional com alunos com necessidades educacionais especiais.

Inicialmente, chamou-nos a atenção os períodos de internação hospitalar em que Silvia2 faz


referência à adaptação dos espaços da casa e do quarto de hospital, com brinquedos e bonecos de
fantoche e às vezes que leu e contou histórias para o filho, traço este que acompanha sua trajetória
profissional e que resultou num livro infantil, como ela conta: “o que me levou a fazer o livro, o
grande eixo assim foi a história do Juliano. Outro dia ouvi um comentário de que eu peguei um
problema e transformei em história. Esse livro, ele é meio autobiográfico, dizem que o primeiro livro
é assim...”.

Um segundo aspecto refere-se ao envolvimento com as concepções clínicas, que marcam sua busca
na compreensão acerca das características acerca das deficiências, segundo ela para melhor atender
às diferenças de seus alunos, indicando uma influência do tradicional modelo médico. Por fim,
sublinha-se a existência de sentimentos contraditórios, levando os familiares a demonstrar
comportamentos ora de pena, ora de super proteção: “... eu nunca deixei que o tratassem como
coitadinho, (...) tudo era motivo, qualquer coisa que ele fazia, saíam correndo para atender”.

Embora não tenha sido evidenciado de forma direta pela narradora as ligações entre esta fase da sua
vida pessoal com a sua atuação profissional, ela chega a verbalizar que, provavelmente, essa
vivência tenha facilitado na aceitação de alunos com necessidades educacionais especiais.

Percebe-se, no entanto, que o contato prévio com a deficiência e a formação acadêmica não
“impediram” a vivência de sentimentos de insegurança e despreparo ao atuar com estes alunos. Isso
evidencia a pouca inserção da Educação Especial nos cursos de formação acirrando o problema da
falta de profissionais capacitados para trabalhar com este alunado. A precariedade na formação de
professores pode ser agravada quando a professora entra em situação de serviço, pois as instituições
encontram-se regidas por políticas de desvalorização profissional, sem incentivo à capacitação
docente.

Nesta perspectiva, foi marcante na fala da professora a necessidade constante de buscar cursos de
aprimoramento, visando a melhoria da qualidade de sua atuação cotidiana com os alunos, por meio
de novos caminhos e novas formas de realização do trabalho pedagógico. Entretanto, não se sente
apoiada para isso: “minha formação precisa ser revista. Gosto de fazer cursos – atualmente está
bastante complicado, o tempo é curto (...) não se tem incentivo pra fazer curso nenhum, tu vai muito
por ti, pelo que tu estás buscando, pelo teu interesse...”.

Isso reforça a idéia de que a formação não pode ser concebida como “algo mais”, que se acrescenta
ao nosso trabalho diário, mas como parte deste. Sob este ponto de vista, o desafio ao se pensar a
formação de professores “consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde
trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo
permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que
intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais” (Mc BRIDE apud NÓVOA, 1995 -
p. 29).

Mesmo com pouco apoio da instituição em que atua, a professora colaboradora, investe em
dispositivos informais de formação, apostando no estabelecimento de redes de apoio com outros
sujeitos, a fim de partilhar de seus sentimentos, indagações, angústias e êxitos ao longo do processo
constitutivo da carreira.

Faz referência à uma colega de trabalho, podendo-se constatar que as experiências compartilhadas
foram significativas no momento de criar estratégias para trabalhar com o aluno com necessidades
educacionais especiais, deixando evidente em seu relato a importância que dá à troca com colegas e
com outras instituições.

Entende-se, neste sentido, que é preciso criar nas escolas um ambiente aberto ao diálogo e à
discussão das dificuldades cotidianas, facilitando a instauração de dispositivos de colaboração entre
os docentes na busca de soluções para os problemas pedagógicos que surgem. Sobre isso Mantoan
(2003) destaca que é preciso que se tenha uma formação continuada nas escolas para que os
professores resolvam suas angústias, diminuam seus conflitos, esclareçam seus pontos divergentes e
trabalhem cooperativamente, traduzindo-se em crescimento pessoal e profissional de cada um.

Destaca-se ainda, que no início da pesquisa a intenção de cursar uma pós-graduação parecia distante
de suas possibilidades, principalmente devido à falta de tempo e de recursos financeiros. Com o
ingresso em um curso de especialização, percebe-se uma reorientação em seu percurso profissional,
o que nos leva a reafirmar a necessidade de se romper com a idéia de formação como algo estanque,
possível de ser fragmentado, para pensá-la numa perspectiva de processo e como tal, inacabado, em
constante movimento, que não se inicia nem se esgota na formação inicial.

Assim, uma formação, inicial ou continuada, que vise a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais deve considerar a complexidade das situações com as quais os professores
tem de lidar cotidianamente, a fim de romper com a visão de um aluno e de um professor ideal,
desvinculados da realidade. É necessário pensar em estratégias de ensino alternativas para dar conta
das diferenças existentes no ambiente escolar em que as dificuldades dos alunos sejam vistas como
possibilidades de crescimento, como áreas que precisam ser desenvolvidas e não como
impedimentos ao seu aprendizado, ao mesmo tempo que não se pode negar as
diferenças/deficiências (GLAT, 1995).

Por ser o processo de ensino-aprendizagem uma via de mão dupla, onde não só a professora é
personagem central na vida dos alunos, como estes também são parte integrante de sua história,
acredita-se que o vínculo afetivo entre aluno e professor além de ser positivo para a construção da
auto-estima de ambos, também atua como facilitador deste processo. Entretanto, para que este
vínculo se estabeleça, é necessário por parte do docente, o despir-se dos seus próprios medos e
preconceitos, a fim de romper com práticas cristalizadas.
Assim a representação que o professor faz de seu aluno é importante, pois definirá a forma das
relações entre eles e dará sentido às experiências vivenciadas, uma vez que, o modo como o
professor percebe seu aluno e é percebido por este, num processo de interação mútua, irá influenciar
de forma decisiva no seu modo de atuar junto a este educando.

A protagonista deste estudo nos conta que foi uma das primeiras a aceitar alunos incluídos na
instituição onde trabalha e relata situações de relacionamento entre professor-professor, professor-
aluno, que elucidam como alguns procedimentos de distribuição de turmas e de organização dos
alunos, particularmente daqueles considerados um “problema” que ninguém quer, estão permeados
por atitudes que estigmatizam e excluem,: “Eu tive experiências de profissionais que rejeitavam
sabe, daí ele ia pra pré-escola”.

Analisa-se esta situação de modo a pensar que o desafio que foi lançado aos professores é muito
grande e inúmeros desses profissionais não se sentem preparados para enfrentá-lo e, por isso, talvez,
ainda predomine a visão e o discurso de que o aluno com necessidades educacionais especiais deva
ser atendido por profissionais especializados, em classes especiais e em salas de recursos, ficando o
mesmo num jogo de “empurra-empurra”.

Para nossa colaboradora os pais também exercem um papel fundamental no atendimento pedagógico
do aluno, pois são os familiares que ficam e se responsabilizam por estas pessoas a maior parte de
suas vidas sendo também aqueles que dão o “lastro”, o suporte para melhor trabalhar com este aluno.

Destacou, no entanto, que em algumas situações, os familiares tem dificuldade em aceitar a


deficiência do filho, lançando sobre o professor expectativas que podem gerar uma confusão de
papéis, e até uma certa transferência de responsabilidades que acaba por frustrar ambas as partes e
por dificultar o processo inclusivo.

A fala da professora, que encerra este momento do texto, evidencia sua preocupação com o futuro do
processo inclusivo na instituição em que atua, revelando uma postura de consciência do inacabado:

“Dizem por aí que a inclusão aqui na escola é a melhor que tem e não é bem assim, nós estamos
engatinhando, falta muita coisa, tem muita coisa pra fazer ainda”.

4. Considerações Finais

Pode-se pensar que a falta de embasamento e a dificuldade de atualização pedagógica dos


professores das escolas públicas é um tema bastante debatido (ou até “batido”), mas a realidade nos
mostra que ainda carecemos de uma formação que valorize as histórias de vida dos sujeitos que
interagem no espaço escolar. Motivo este que nos levou a enveredar por esta estrada, acreditando
que através do conhecimento das vivências e trajetória de vida dos educadores, é possível
compreender como se dá o entrelaçamento do seu “eu” pessoal e profissional, contribuindo para a
ressignificação docente.

Através da contribuição autobiográfica da Educadora Infantil pudemos compreender o modo


singular como vem se constituindo visto o atual cenário da educação inclusiva. Sua narrativa vai ao
encontro das leituras realizadas reforçando que aspectos da vida pessoal são indissociáveis da vida
profissional e que a construção de sua trajetória existencial se dá no compartilhamento com outros
sujeitos nos diversos contextos em que interage.

O envolvimento com a docência e seu exercício profissional mostram que ser professora é uma
construção social, intimamente relacionada aos contextos e a história da mulher no magistério.
Também seu desejo constante por novos conhecimentos se dá em grande parte por motivação
pessoal ou por julgar necessário o aperfeiçoamento profissional. Isso demonstra que, embora a
formação ainda esteja bastante institucionalizada, ao resgatar, através da memória, o que considera
significativo para seu processo formativo, revitaliza os próprios saberes, concepções e atitudes dando
um novo significado para sua trajetória existencial.

Considerando o princípio de uma “Educação para Todos”, o fato desta professora não ter optado por
trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais em sua formação inicial nos faz
resgatar o modo como se aproximou das questões relativas à deficiência por meio de vivências no
seu ambiente familiar. Isso demonstra que a formação de professores, inicial ou continuada, pouco
tem contribuído para a capacitação dos docentes que ao se depararem com esta clientela não sabem
como lidar com a situação.

De acordo com Muller & Glat (1999) para a efetivação de uma educação inclusiva faz-se necessário
que o sistema educacional se renove, a escola se modernize, se promovam transformações nas ações
pedagógicas, se reestruture o curso de formação de professores, e se invista na atualização dos que já
estão atuando nas escolas, pois a inclusão nos desafia tanto pessoal como profissionalmente, e coloca
os professores num papel central enquanto agentes de mudança.

Após ouvir e refletir, sobre o relato da professora, não podemos deixar de pensar que as condições
adversas que lhes são dadas para a efetivação do seu trabalho, tanto em termos de recursos materiais,
quanto de atualização e apoio pedagógico impõe a recolocação das identidades dos sujeitos
envolvidos no processo educativo, no centro das propostas de formação, valorizando cada vez mais a
trajetória de vida dos atores sociais/institucionais.

Portanto, para que ocorram transformações nas concepções e práticas que vigoram nas escolas em
relação às pessoas com necessidades educacionais especiais, parece-nos de fundamental importância
repensar a formação do professor. Intenção esta, que implica em ir além do suporte teórico,
voltando-se, cada vez mais, para o professor como um ser unitário, constituído de trajetória pessoal e
profissional e que precisa (re)contruir-se diariamente, a fim de que consiga estabelecer uma boa
relação consigo e com os outros significativos, bem como, melhor adaptar-se e atender às novas
demandas sociais e educacionais, dentre elas a inclusão.

A Formação Continuada de Educadores


Diante do desafio de educar na diversidade, é possível observar um cenário onde as escolas
ainda estão distantes de se torSnarem instituições educacionais inclusivas. Agravando mais
ainda a situação, é conhecido que há uma escassez de educadores com competência profissional
para formar Pessoas com Deficiência Visual (PDV) de modo que possam exercer uma
profissão e participarem do mundo do trabalho. Este artigo aborda algumas alternativas para
a formação continuada de educadores que atuam na profissionalização de PDV, utilizando as
tecnologias de informação e comunicação como ferramentas para a construção de uma nova
prática docente.

A Educação à Distância pode oferecer esta oportunidade de formação contextualizada, favorecendo


um diálogo entre formador e educador/aprendiz de maneira que a inclusão das PDV possa ser
compreendida e efetivada.

1. A Formação Continuada do Educador

Refletir sobre a formação continuada do professor atuante no ensino profissionalizante requer


compreender a nova realidade do mundo do trabalho, o conceito de competência profissional, que é
definido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.
Além disso, deve ser observado que o principal papel do educador é ser um facilitador do processo
de ensino e aprendizagem, possibilitando situações de aprendizagem que potencializem a interação e
a construção do conhecimento de forma autônoma.

A LDB nº 9.394/96 preconiza que o exercício profissional competente visa um efetivo preparo para
enfrentar situações esperadas e inesperadas, previsíveis e imprevisíveis, rotineiras e inusitadas, em
condições de responder aos novos desafios profissionais com autonomia e disposição
empreendedora. Instiga a reflexão sobre o quanto os professores atuantes no ensino
profissionalizante estão preparados para atuarem a favor da inclusão de Pessoas com Deficiência
(PD).

[...] a formação inadequada dos educadores é uma das causas para não haver inclusão social, digital e
principalmente escolar, pelo menos não de maneira satisfatória. [...] em algum momento na carreira
de um educador ele poderá ter entre seus alunos uma ou mais pessoas com necessidades especiais.
Como ele não teve uma formação que o preparasse para enfrentar essa realidade, o educador se sente
desnorteado e inseguro quanto às atitudes corretas e metodologias adequadas. (Terçariol et all, 2005,
p.233-234)

Ao estabelecer uma relação entre a formação do educador do ensino profissionalizante e seu papel
diante da inclusão das Pessoas com Deficiência Visual (PDV) no mundo do trabalho, devemos
considerar a necessidade de serem oferecidos a esses educadores uma formação continuada para que
possam desempenhar o seu papel atuando a favor da construção de novos ambientes de
aprendizagem como compromisso ético e social, procurando desfazer as desigualdades e todo tipo de
exclusão. Compartilhando das idéias de Gomes e Marins:

[...] os profissionais do mercado que se dedicam também a docência, o fazem geralmente como
complementação de realização pessoal, profissional ou como forma de extensão de sua função
autônoma. Os professores da educação profissional são geralmente selecionados por seu
desempenho técnico, pela especificidade e pela experiência no mercado de trabalho. A maioria
desses professores não apresenta formação pedagógica, nem mesmo experiência docente, o que tem
levado algumas instituições de ensino a adotarem programas de formação continuada, garantindo a
formação específica para o magistério (2004 p. 156)

Dessa forma, é fundamental que os educadores do ensino profissionalizante participem de programas


de formação continuada. Entretanto, considerando os pensamentos de Imbernón é necessário que:

[...] esta formação proporcione um processo que confira ao docente, conhecimentos, habilidades e
atitudes para que possam colaborar na formação de alunos-profissionais reflexivos ou
investigadores. O eixo fundamental dessa formação é o desenvolvimento de instrumentos
intelectuais que facilitem suas capacidades reflexivas sobre a própria prática docente, cuja meta
principal é aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a educação e a realidade social de
forma comunitária. (2004, p.56)

Para Almeida (2001, p. 22), “a medida que o sujeito atua em seu meio, vai criando uma rede de
interações formadas por um conjunto de nós e ligações entre teorias, conceitos, crenças e idéias”. O
educador do ensino profissionalizante necessita construir o seu saber na instituição em que atua.
Assim ele poderá fazer uso da sua prática como profissional do mundo de trabalho e criar
metodologias capazes de facilitar a compreensão daqueles aprendizes da nova profissão.

Muitas vezes, projetos de capacitação ou formação continuada, voltados a desenvolver competências


para que os educadores atuem em suas turmas com PDV, restringe-se primordialmente à
conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências, os termos adequados ao se referirem a essas
pessoas ou ainda a respeito das tecnologias disponíveis no mercado que facilitam o acesso às
informações para esse público. Com isso, é dificultada a possibilidade do educador refletir sobre sua
prática e reconhecer o quanto seu papel é importante no processo de construção de uma sociedade
inclusiva.

Os programas de formação continuada devem preconizar que não basta ao educador dominar os
mecanismos de transmissão, ou ainda conhecer as tecnologias que potencializam o acesso à
informação pelas PDV. É necessário transpor os paradigmas e métodos tradicionais de ensino. Dessa
maneira, a formação continuada do educador deve dar-lhe meios para auxiliá-lo a descobrir um outro
modo de agir e, assim, mudar para o benefício de seus educandos (SCHLÜNZEN et all, 2003).
Nesse sentido, (SCHÖN, 1983; 1992 apud Valente e Prado, 2002 pg. 38) propõe uma epistemologia
da prática, fundamentada na reflexão do profissional sobre a sua prática, considerando
essencialmente as diferentes dimensões da reflexão, tais como: a reflexão na ação, a reflexão sobre a
ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.

Nesta abordagem de formação, os níveis de reflexão se constituem por processos de pensamentos


distintos, que se complementam na qualidade reflexiva do professor. Assim, a reflexão na ação, está
relacionada a reflexão que acontece no momento em que o professor está em sala de aula
desenvolvendo sua prática pedagógica. Segundo Valente e Prado (2002) “essa reflexão é
desencadeada no momento em que o professor não encontra respostas às situações inesperadas que
surgem da ação presente”. Esse nível é complementado por meio da reflexão sobre a ação, que
ocorre quando o professor distancia-se da ação presente e passa a reconstruí-la mentalmente a partir
da observação, da descrição e da análise dos fatos ocorridos. Isto possibilita ao professor reconhecer
e entender como resolveu imprevistos ocorridos e quais atitudes devem ou não ser alterados em sua
ação. Ainda, o ultimo nível de reflexão, está relacionado ao ato do professor refletir sobre a reflexão
na ação, o que desperta outras maneiras de interpretar e compreender os questionamentos sobre a
prática. Os conhecimentos teóricos e práticos se complementam, oportunizando ao professor a
compreensão do conhecimento construído durante sua prática pedagógica.

Ao conceber uma proposta de formação continuada de professores, que visa atuar a favor da inclusão
é preciso compreender as PDV e sua maneira de relacionar-se com o mundo em que vivem, para
então ser um mediador no processo de aprendizagem dessas pessoas, conforme mostrou Mantoan
(1997) ao descrever como as PDV organizam dados:

Para compreender o indivíduo e sua maneira de relacionar-se no mundo que o cerca, há sempre que
se considerar sua estrutura própria que exprime ao mesmo tempo sua especificidade e generalidade
(o conteúdo e a forma) e a dialética entre ambas. No caso do deficiente visual, por exemplo, ele tem
a possibilidade de organizar dados, como qualquer outra pessoa, e estar aberto para o mundo, em seu
modo próprio de perceber e de relacionar-se; ou ao contrário, estar doente, isto é, fechado ao
imediato que o cerca e a ele restrito. O que não pode desconhecer é que o deficiente visual tem uma
dialética diferente, devido ao conteúdo – que não é visual, e à sua organização cuja especificidade é
a de referir-se ao tátil, auditivo, olfativo, sinestésico. É dessa dialética entre o específico e o geral
que se define a estrutura psíquica, integrada ou não. (Mantoan, 1997, pg. 36)

Daí a importância do educador estar constantemente em busca do referencial da PDV e proporcionar


objetos e dados que partam de seu contexto de vida, associando os dados a função simbólica,
promovendo oportunidades de aprendizagem que permitem as PDV associarem a percepção e o
pensamento.

Muitas vezes, os problemas enfrentados pelas PDV na educação profissionalizante se relacionam as


dificuldades encontradas para: acesso à leitura de material de apoio às disciplinas, utilização de
laboratórios de informática, acesso ao acervo de materiais da biblioteca, acompanhamento das aulas,
principalmente daquelas que exigem a interpretação de gráficos, esquemas, figuras, filmes não
dublados, recurso áudio visuais, entre outras.

Vygotsky (1993 apud Schlünzen, 2000) afirma que as pessoas com deficiências têm seus próprios
caminhos para processar o mundo. Para o autor, a dificuldade do indivíduo faz com que ele se
desenvolva por meio de um processo criativo (físico e psicológico), definindo-os como caminhos
isotrópicos. Assim, as PDV encontram seus caminhos por rotas próprias e diferentes. “ As pessoas
com necessiades especiais, apesar de suas limitações, podem ter potenciais jamais explorados”.
(SCHLÜNZEN, 2000)

Consciente que as PDV possuem necessidades especiais de aprendizagem, cabe ao professor


compreender essas necessidades e pensar em estratégias que promovam a esse aluno, situações de
aprendizagem adaptadas, possibilitando a esses alunos descobrirem e expressarem seus potenciais.
Essa mudança exige do professor envolvimento com a missão de colaborar para que esse aluno
alcance uma qualificação profissional que irá lhe possibilitar competir por uma oportunidade no
mundo do trabalho, o que pode ser potencializado com o uso das tecnologias de informação e
comunicação.

2. Uso das Tecnologias Potencializando as Oportunidades de Profissionalização e de Inclusão das


PDV no Mundo do Trabalho

O processo de inclusão da PDV implica na eliminação de algumas barreiras: a da aceitação, a da


comunicação, a do espaço e a da aprendizagem. Porém, as tecnologias podem ser consideradas forte
aliadas na superação de algumas dessas barreiras.

O desenvolvimento de estudos e de aplicações envolvendo o uso de tecnologias em educação e


reabilitação de pessoas com deficiência são, no geral, centrados em situações locais e tratam de
incapacidade especificas. Servem para compensar dificuldades de adaptação, cobrindo déficits de
visão, audição, mobilidade, compreensão e outros. Projetos, protótipos e instrumental dessa natureza
conseguem reduzir as incapacidades, atenuar as dificuldades, fazer falar, andar, ouvir, ver aumentar
as possibilidades de aprender. Mas isto só não basta [...] Para garantir a todas as pessoas,
indistintamente, uma vida de qualidade e para que todos possamos compartilhar dos avanços
científicos e tecnológicos de uma dada época, a sociedade precisa estar fundada em princípios de
igualdade, de interdependência e reconhecer e aceitar a diversidade humana, em todas as sua
manifestações. Em uma palavra, precisamos somar competências, produzir tecnologia, aplicá-la à
educação, à reabilitação, mas com propósitos muito bem definidos e a partir de princípios que
recusam toda e qualquer forma de exclusão social[...] (Mantoan, 2000)

De fato, a evolução tecnológica na área computacional gerou contribuições inestimáveis para a


acessibilidade das PDV à educação, entretanto, isoladamente, a tecnologia não é suficiente, é
necessário que esteja associada a um contexto multidisciplinar, para ser considerada uma
colaboradora em potencial.

Assim, cabe ressaltar que eliminar as barreiras que impedem a inclusão da PDV à educação e ao
mundo do trabalho requer esforços tanto por parte das PDV quanto pelas Instituições de ensino
profissionalizante, bem como, da sociedade empresarial. É necessário modificar procedimentos e
estruturas para que seja possível adaptar às necessidades das PDV sem, contudo, modificar seus
objetivos, garantindo que todos não percam sua identidade.

Para Baranauskas e Mantoan (2000), a convergência entre as novas tecnologias e a educação, força a
busca por novas alternativas de ensino que transformem os ambientes educacionais, eliminando a
transmissão do conteúdo acadêmico por meio do livro didático e do quadro negro. Esta convergência
passa pela revisão do conceito de acessibilidade ao conhecimento escolar em todos os seus níveis. A
tecnologia criada com o avanço na área de Informática e das Telecomunicações amplia o conceito de
troca de informação auxiliada por computador e os modos de comunicação. Essas possibilidades de
comunicação, viabilizadas pelas novas tecnologias, podem ser apropriadas igualmente no domínio
do ensino e da aprendizagem. Este ambiente recomendado pelas autoras pode ser entendido como
potencializador para o desenvolvimento de pessoas com deficiência visual (Baranauskas e Mantoan,
2000).

A importância das tecnologias está na autonomia que elas proporcionam as PDV. Entretanto, a que
se considerar que a criatividade do educador e o seu envolvimento juntamente com o aluno
deficiente visual na busca da melhor solução para o seu problema de comunicação são
imprescindíveis.

A barreira da comunicação é caracterizada pelas dificuldades das PDV em acessar o conteúdo


educacional oferecido pelas instituições de ensino ou as informações disponibilizadas pelas
empresas. A utilização das tecnologias pode minimizar as dificuldades da PDV em ter acesso a
informação, pode-se considerá-las como soluções para a disponibilização de informações e/ou de
conteúdos pedagógicos adaptados a um formato acessível, como: material ampliado, em relevo,
transcritos para o Braille, sonoros e em meio digital. Complementando estas indicações, faz-se
necessário, ainda, considerar a necessidade de adaptações no ambiente físico.

É plausível considerar ainda que as instituições de ensino profissionalizante e as empresas ofereçam


as PDV um processo inicial de adaptação. Por outro lado, é necessário considerar que as tecnologias
não serão utilizadas de forma eficiente se não for acompanhada de educadores capacitados para
associá-las a uma prática pedagógica que colabore realmente para que a PDV desenvolva sua
autonomia. Neste sentido, a Educação à Distância (EaD) poderá contribuir para a formação deste
educador, permitindo ao educador vivenciar o uso da tecnologia e usufruir de seus recursos para sua
capacitação na direção de construir um ensino profissionalizante mais inclusivo.

3. A Educação a Distância como Alternativa para a Formação Continuada de Educadores do Ensino


Profissionalizante

Nesta última década, os avanços tecnológicos e a ascensão da Internet foram propulsores para o
desenvolvimento da EaD. Assim, tem sido considerada por autores como Valente(2000) e Beloni
(1999) como uma alternativa para a formação continuada de professores.

Muitos professores atuantes no ensino profissionalizante podem melhorar sua qualificação


profissional, por meio de cursos a distância via Internet, o que muitas vezes seria inviável em cursos
presenciais, considerando que estes profissionais geralmente se dedicam a docência e também atuam
no mercado de trabalho. Portanto, não seria simples conseguirem a dispensa do dia de trabalho na
empresa em que atuam para poderem cursar, por exemplo, um curso de capacitação. Em alguns
casos, o problema de deslocamento é um outro agravante, devido ao fato de residirem em diferentes
cidades.

Para realização de cursos a distância por meio da Internet, são utilizados os ambientes de suporte,
também denominado ambientes virtuais. Estes possibilitam o registro/armazenamento de toda
informação veiculada durante o curso, bem como de toda a interação e diálogo realizado.

Cabe considerar que a escolha do ambiente virtual é um fator de relevância quando pretende-se
oferecer um curso que privilegia a autoria do aluno, a reflexão e a construção do conhecimento.
Entretanto em nada adianta ter uma ambiente virtual sofisticado, se sua tecnologia for mal aplicada,
o que acabaria por simular o modelo ortodoxo das aulas tradicionais e presenciais, desperdiçando o
potencial das tecnologias disponíveis.

Entretanto, é importante reconhecer que nem todas as propostas de cursos à distância contemplam
aspectos e metodologias que propiciem uma formação adequada. Neste artigo, a proposta de utilizar
a EaD via Internet para a formação continuada de educadores que atuam no ensino
profissionalizante, está fundamentada em uma abordagem pedagógica que favoreça o
desencadeamento do processo reflexivo do educador, buscando integrar o conhecimento prático e o
teórico associado ao seu contexto de atuação.

Valente (1999), define três diferentes abordagens para a EaD via Internet: a “broadcast”, a
virtualização da sala de aula, e o estar junto virtual. O que difere estas abordagens umas das outras é
o grau de interação entre o formador do curso e o aprendiz. Na abordagem “broadcast”, a informação
é enviada ao aprendiz e não existe nenhuma interação entre ele e o formador. A informação é
organizada de acordo com uma seqüência que formador entende ser a mais adequada ao aprendiz.
Essa informação é enviada utilizando-se dos meios tecnológicos.

As características da abordagem classificada como virtualização da sala de aula, muitas vezes


reproduz a educação presencial, isto é, apesar de fazer uso das novas tecnologias, enfatizam sua
utilização apenas para disponibilizar uma grande quantidade de informações e exercícios
padronizados, o que subestima o potencial da Internet como meio para potencializar o processo de
aprendizagem. Além disso, essa abordagem prevê um mínimo de interação entre formador e
aprendiz, o que é semelhante ao que acontece em uma sala de aula presencial, em situações onde o
professor solicita um exercício ou uma tarefa ou faz um pergunta ao aluno e recebe uma resposta.

Certamente, a falta de interação existente na abordagem “broadcast” e a interação minimizada


adotada pela virtualização da sala de aula não são suficientes para o formador entender se o aprendiz
foi capaz de atribuir significado à informação que recebeu. O estar junto virtual envolve múltiplas
interações no sentido de acompanhar e assessorar constantemente o aprendiz permitindo entender o
que ele faz e, assim, propor desafios que o auxiliem a atribuir significados ao que está
desenvolvendo. Estas interações criam meios para o aprendiz aplicar, transformar e pesquisar outras
informações e, deste modo, construir novos conhecimentos. Nesse sentido, esta abordagem,
diferentemente da “broadcast” ou da virtualização de da sala de aula, não tem a intenção apenas de
tornar disponível informações e depois verificar se esta informação foi armazenada pelo aprendiz. O
estar junto virtual pressupõe o seu acompanhamento constante e a mediação do curso é desenvolvida
pelo formador via Internet. Nessa perspectiva são instigadas múltiplas interações entre os
participantes, o que favorece a reflexão, a depuração e a reconstrução do conhecimento,
estabelecendo-se o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição (VALENTE, 1999).
Realizada sob essa abordagem, a EaD pode oportunizar uma formação contextualizada,
possibilitando que o formador conheça e participe do dia-a-dia do aprendiz.

Diante da proposta de um curso de formação continuada para educadores do ensino


profissionalizante, usando a abordagem do estar junto virtual, espera-se que seja possível alcançar
dois aspectos importantes para o desenvolvimento do educador reflexivo: o primeiro é obter as
descrições da prática pedagógica que o educador em formação pretende realizar em sala de aula e, a
partir desse processo de elaboração sistematizada e releitura de sua prática pedagógica, possibilitar
ao educador em formação a percepção sobre quais atitudes são ou não inclusivas. Um segundo
aspecto, está na possibilidade do formador acompanhar e intervir no ciclo descrição-execução-
reflexão-depuração-descrição do educador em formação, colaborando para que este reveja suas
atitudes durante sua ação pedagógica.

No ambiente virtual, a descrição da prática pedagógica pode ser expressa pela escrita, por meio de
diferentes ferramentas, o que viabiliza a comunicação síncrona ou assíncrona. Com a utilização
dessas ferramentas, a explicitação das idéias do educador em formação pode ser feita de maneira
mais elaborada, possibilitando a releitura e a reformulação da escrita sobre sua prática pedagógica
quantas vezes achar necessário, uma vez que o ato de escrever para que outra pessoa interprete,
requer clareza e organização de idéias.

Na EaD, o tempo e o espaço se organizam de forma diferente da presencial, essa característica


permite intensificar as interações e as aproximações entre os participantes (aprendizes e formadores).
Nesse processo, as questões similares que emergem do contexto de atuação de cada educador em
formação passam a ser compartilhadas e refletidas coletivamente, desencadeando novas relações e
interpretações sobre a prática pedagógica de cada um, permitindo que a mediação pedagógica
desenvolvida pelo formador identifique a necessidade de redefinir estratégias durante a realização do
curso.

Na abordagem do estar junto virtual a mediação pedagógica precisa contemplar a inter-relação entre:
atividades, interações e materiais. A articulação destes elementos, apóia-se em promover a
integração de aspectos relacionados aos interesses e expectativas dos participantes, como também
em atingir as intenções pedagógicas do formador.

As atividades propostas para serem desenvolvidas pelos participantes devem contemplar situações
de aprendizagem que sejam significativas, ou seja, que tenham sentido de aplicação em seu contexto
pessoal ou profissional. Assim é necessário considerar que uma atividade só se torna interessante
para o participante se ele reconhecer na atividade que está desenvolvendo a possibilidade de trazer
seus conhecimentos prévios e agregar a estes novos conhecimentos que sejam possíveis de serem
utilizados em seu universo. Almeida (2002) recomenda que, “é necessário que o aluno reconheça a
sua autoria na atividade que está desenvolvendo e a funcionalidade dos conceitos numa situação
prática e contextualizada”.

Nesta perspectiva, o papel do formador é de observar, articular, intervir e orientar os participantes.


No entanto, é importante que a intervenção do professor seja ponderada, evitando invadir o processo
de descoberta que deve ser construído pelos participantes.

As interações precisam ser estabelecidas visando um ambiente de aprendizagem colaborativo. Isso


demanda que o formador busque sensibilizar os participantes a assumirem atitudes humildes em
relação uns aos outros, nessa situação, os participantes devem expor suas limitações temporárias e
suas experiências. Os participantes devem estar abertos ao confronto de idéias, a aceitação e a
convivência com as diferenças, o diálogo com o outro e as reflexões consigo mesmo, o ouvir sem
pré-conceitos. Moran observa que “na interação real, os parceiros (professores e alunos) estão
abertos e querem trocar idéias, vivências, experiências, das quais ambos saiam enriquecidos”
(MORAN, 1998, p.36).

Nos cursos à distância, as estratégias de mediação pedagógica podem assumir novas perspectivas,
por meio da interação entre todos os participantes. Assim, a Ead, além de facilitar as questões de
espaço e tempo para formação continuada de professores, possibilita um diferencial ao processo de
formação, que muitas vezes não é viabilizado em situações de formação presencial. Trata-se da
condição de que o participante precisa expressar-se por meio da escrita ou de produções de sua
autoria para ser percebido como participante. Este aspecto pode ser considerado como uma
vantagem da EaD, em relação às aulas presenciais, nas quais muitas vezes o professor acaba não
conseguindo mapear o percurso de cada um dos alunos, deixando que alguns deles, especialmente os
mais tímidos, tenham oportunidades de aprendizagem minimizadas. A ausência da linguagem
escrita, expressa nos ambientes virtuais de formação de educadores acaba por colocar em evidência,
ao professor-formador, os educadores em formação que tenham participação mais tímida. Assim, o
registro que a ferramenta telemática viabiliza, proporciona um melhor mapeamento do percurso de
cada educador em formação, pelo formador, de modo a otimizar suas possibilidades de intervir e
mediar o processo de construção do conhecimento. Compartilhando das idéias de Valente (2002, p.
46) “é no processo de explicitação da própria prática pedagógica e do confronto com outras
interpretações (dos colegas, formador, especialista) que o professor em formação poderá depurar,
compreender e modificar a sua ação pedagógica”. Acreditamos que neste processo, formador e
educadores em formação possam construir ricos espaços de diálogo que favoreçam e contribuam
para uma sociedade mais inclusiva, onde o mundo do trabalho se torne parte da vida de cada pessoa,
independente de suas limitações.

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