20 A igualdade de gênero

está ao nosso alcance

56 A verdade sobre
os escritórios abertos
74 Como medir a
economia digital?

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Dezembro 2019
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 Índice
Dezembro 2019

19
Foco
mulheres,
poDer
e influência

UM PLANO
PARA ACELERAR
A IGUALDADE
DE GÊNERO
pág. 19 Ilustração
EwElina KarpowiaK

20 gênEro 36 gênEro 39 gênEro 43 gênEro

A igualdade de gênero Todos os funcionários Como acabar com a Como eliminar a

está ao nosso alcance
Nunca tivemos uma oportunidade
como essa antes.
Saiba como aproveitá-la.
Melinda Gates
devem ter acesso
à licença-parental
remunerada
Alexis Ohanian, cofundador da
Reddit, fala sobre a luta pela
licença-paternidade — e como
foi tirar a sua.
Alison Beard
cultura de assédio
O assédio sexual tira o poder das
mulheres no local de trabalho.
Veja como quebrar o ciclo.
Jennifer Klein
desigualdade de gênero
Thasunda Brown Duckett, CEO
do Chase Consumer Banking, fala
sobre o empoderamento feminino
por meio da saúde financeira.
Nicole Torres

4 Harvard Business Review

Dezembro 2019 ilustração Capa sEan MCCabE
47
artigos
48 MarKEting

Crie melhores
sistemas de
avaliação online
Como criar classificações
em que compradores
e vendedores possam
confiar.
Geoff Donaker,
Hyunjin Kim e
Michael Luca

56 opEraçÕEs

A verdade sobre
os escritórios
abertos
Há motivos para eles
não produzirem as
interações desejadas.
Ethan Bernstein e
Ben Waber
66

9 83
66 Cultura
9 ConsElHo
organiZaCional

Por que Quando os seÇÕes

estamos aqui? conselheiros 06 Carta ao lEitor
89 rEsuMo Da EDição
Se quer ter funcionários mantêm vínculos
mais engajados e
produtivos, dê-lhes
raDar secretos com experiência
Novas ideias, Conselho e inspiração
um propósito — que pesquisas em empresas rivais,
esteja concretamente
preso aos seus clientes
andamento. a organização lucra 83 EstuDo DE Caso
Reguladores devem ficar
e às suas estratégias.
Sally Blount e
atentos. MAIS Os prós e Quando uma
os contras de ter alguns
Paul Leinwand grandes clientes. divisão proporciona
74 EConoMia 16 DEFEnDa sEu todo o lucro, mas
Como medir a
EstuDo
outra fica com
economia digital? Experiência não todo o crédito
Foque no valor criado, e
prevê o sucesso do Será que os desafios
não apenas no preço. novo contratado de integração são
Erik Brynjolfsson e Melhor contratar com grandes demais?
Avinash Collis base em habilidades. Richard G. Hamermesh

Ilustrador MarK sMitH

Harvard Business Review
Dezembro 2019 5
Carta ao leitor
Fique
conectado www.hbrbr.com.br
conosco Email: contato@rfmeditores.com.br
TwiTTEr: @hbrbrasil
FacEbook: Harvard business review brasil
linkEdin: Harvard business review brasil

A igualdade de gênero
está ao nosso alcance
No foco desta edição, Melinda Gates define um plano para acelerar a igualdade de gênero.
Ela identifica e propõe três estratégias para alcançar este objetivo: 1) eliminar as barreiras
que impedem o acesso das mulheres ao poder e à influência; 2) encontrar maneiras
de acelerar o acesso profissional das mulheres a setores-chave e seu avanço neles e;
3) aumentar a pressão de acionistas, consumidores e funcionários sobre as instituições
publicas e privadas.
Melinda lembra que, “os leitores da Harvard Business Review têm muitas funções a
desempenhar liderando o progresso em direção a um futuro melhor e mais igualitário para
as mulheres. Vocês são executivos seniores, empreendedores, inovadores e investidores;
chefes, conselheiros e acionistas; espectadores da mídia e eleitores; funcionários,
consumidores e familiares. Cada uma dessas funções oferece a você — oferece a nós — uma
oportunidade de reconhecer as falhas do sistema, nomeá-las e contribuir para alterá-las.
Esta é a nossa chance”.
Os autores do artigo “Crie melhores sistemas de avaliação online” (pág. 48) descrevem
princípios para estabelecer os incentivos, escolhas do design e as regras que ajudam as
plataformas de avaliações a progredir, proporcionando melhores experiências tanto para os
consumidores como para os avaliadores. Hoje, a reputação de uma marca está, literalmente,
nas mãos do consumidor, expressa em clicks de avaliação online. E, “se bem administrado,
um sistema de avaliação cria valor tanto para compradores como para vendedores”
afirmam Geoff Donaker, ex-COO da Yelp; e Hyunjin KimMichael Lucca, ambos da Harvard
Business School.
Os bons sistemas oferecem aos compradores a confiança de que precisam para comprar e
gerar mais vendas (e mais visitas dos consumidores ao site) para os vendedores. A questão,
contudo, é que muitos sistemas não cumprem o que prometem — têm pouquíssimas
avaliações ou elas não são confiáveis ou são inúteis. Por trás do fracasso de muitos sistemas
de avaliação está uma hipótese comum: criar esses sistemas representa um desafio
tecnológico, e não um desafio empresarial.

os editores

6 Harvard Business Review

Dezembro 2019
RepRints Editor-ChEfE
Adi Ignatius
ConsElho Editorial
José Guimarães Monforte

de Artigos
Editora José Luiz Bichuetti
Amy Bernstein Murilo Portugal
publishEr Pedro Parente
Joshua Macht publishEr

dA HBRBR
dirEtora Editorial Roberto Müller Filho
Sarah Cliff rmuller@rfmeditores.com.br
Editora ExECutiva dirEtora-gEral
Ania G. Wieckowski Carolina Martinez
dirEtor dE Criação carolina@rfmeditores.com.br
John Korpics Editora-ChEfE
Editora hbr.org Ana de Magalhães
Maureen Hoch ana@rfmeditores.com.br
EditorEs sEniorEs Editora dE artE
Alison Beard, Daniel McGinn, Débora de Bem
debora@rfmeditores.com.br
Construindo David Champion, Eben Harrell,
uma Gardiner Morse, Jeff Kehoe,
Laura Amico, Scott Berinato,
proJEtos EspECiais E publiCidadE
máquina Scott LaPierre, Steven Prokesch,
Gerente: Daisy Fernandes
de insights Toby Lester, Vasundhara Sawhney
daisy@rfmeditores.com.br
HBR Brasil Channel: Christine Salomão
Como a Unilever
conseguiu conhecer
seus clientes EditorEs assoCiados christine@hbrbr.com.br
Frank van den driest,
stan sthanUnathan
Courtney Cashman, Dave Lievens,
gErEntE dE markEting
e keith Weed

Gretchen Gavett, Nicole Torres, Mariana Monné

Frank van den Driest é diretor de clientes e sócio
estratégia de marca e marketing. Stan Sthanunat
do consumidor e de mercado da Unilever. Keith W
Unilever e presidente do conselho Insights2020 da Susan Francis mariana.monne@rfmeditores.com.br
EditorEs ContribuintEs sitE E mídias soCiais
Amy Gallo, Anand P. Raman,
GESTÃO DE
PESSOAS

Bruno Ascenso
Andrew O’Connell, Jane Heifetz, bruno@rfmeditores.com.br
Durante anos os gestores foram John Landry, Karen Dillon
encorajados a elogiar e criticar
ConsElho Consultivo Editorial CirCulação E assinatura
construtivamente quase todas as Azeem Azhar, Bharat Anand, John Battelle, atendimento@rfmeditores.com.br
atividades de seus funcionários. Nicco Mele, Vivek Shah
Mas há melhores formas de
ajudá-los a progredir e se superar.
a falácia do feedback nota aos lEitorEs Rua Paulistânia, 551
São Paulo, SP, CEP 05440-001
As opiniões expressas nos artigos são as
Marcus Buckingham é chefe de pesquisa de pessoas e desempenho do Instituto de Pesquisa ADP

www.hbrbr.com.br
Ashley Goodall é vice pres dente sênior da Cisco Systems

de seus autores e não necessariamente as

da Harvard Business Review, da Harvard Harvard Business Review Brasil
Business Review Brasil, da Harvard é uma publicação da RFM Editores Ltda.
Business School ou da Harvard University.
P re s e n t e i e s e u s Certos autores podem prestar consultoria Distribuição Nacional pela Dinap S.A.
a empresas a que aludem ou com elas
clientes e alunos possuir vínculos profissionais.
com ideias rEprodução
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seja ele eletrônico ou mecânico, incluindo
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c u rs o s , p a le s t ra s e de armazenamento e recuperação de
dados, sem autorização escrita.
t re i n a m e n t o s .
Volume 97, Número 12, Dezembro 2019
editada por
Ve j a n o f i n a l d e c a d a
a r t i go o c ó d i go d e
R e p r i n t p a ra f a ze r Editores

o s e u p e d i d o. Jornalista rEsponsávEl
Roberto Müller Filho
peça um orçamento
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 Radar
novas ideias, pesquisas em progresso
conselho
Quando os conselheiros
mantêm vínculos secretos
com empresas rivais,
aorganizaçãolucra
Vínculos diretos entre membros do con-
selho de empresas rivais foram por muito
tempo proibidos, devido a seu potencial
de reduzir a competição e promover van-
tagens desleais. Porém um novo estudo
aponta que vínculos de naturezas menos
óbvias perduram e afetam as fortunas da
empresa de maneira significativa. Os pes-
quisadores observaram conselheiros de
509 empresas americanas de porte médio
e grande de 2007 a 2013 e posteriormente
entrevistaram mais de duas dezenas
deles. Também coletaram informações
demográficas e de conselhos e sobre os
conselheiros a partir de bancos de dados
disponíveis para o público e analisaram os
retornos financeiros das empresas. Eles
descobriram que os conselhos possuem,
em média, 2,2 membros que são amigos
do CEO de uma empresa concorrente e
que isso ocorre, em grande parte, porque
caçadores de talentos solicitam candida-
tos junto aos principais executivos das
organizações concorrentes.
Os resultados indicam que tais
vínculos ajudam as empresas a admi-
nistrar a incerteza competitiva, dando
a elas informações sigilosas sobre os
rivais e facilitando a cooperação entre
as organizações, seja de modo ativo
(cooperando de modo tácito nos preços
ou coordenando respostas a concorren-
tes mútuos, por exemplo) ou passivo
(evitando ações que prejudicariam a
outra empresa). E, de fato, os dados
financeiros mostram que um aumento
de um vínculo de amizade entre conse-
lheiros está associado com um aumento
anual médio em retorno sobre ativos de
1,6%, ou US$ 134 milhões. “Ao revelar
como as empresas driblam regulamen-
tações criando vínculos com os amigos
dos CEOs rivais, nosso estudo revela um
tipo de vínculo presente em diretorias
e amplamente usado que merece a
atenção de reguladores que combatem
os trustes”, afirmam os pesquisadores.
sobrE o EstuDo: Under the Radar:
How Firms Manage Competitive
Uncertainty by Appointing Friends of Other
CEOs to Their Boards, de James D.
Westphal e David H. Zhu (Strategic
Management Journal, 2019)
hbr reprint F1912A–P para pedidos, página 8
sATIsFAÇÃo PRoFIssIonAl
Aindaestamosnos
divertindo?
Uma pesquisa global revelou que a grande
maioria dos empregados espera vivenciar
experiências de prazer no ambiente de
trabalho — mas, com uma frequência muito
grande, não é isso o que ocorre.
Esperam sentir prazer
90%
Realmente sentem prazer
37%
FONTE: Analysis of a 2018 A.T. Kearney survey by Siegel+Gale
Harvard Business Review
Dezembro 2019 9

radar
VendAs
ospróseoscontras
deteralgunsgrandes
clientes
Nem todos os clientes são criados de
maneira igual. Em particular nos setores
B2B, muitas empresas possuem alguns
clientes essenciais que oferecem uma
parcela de receita desproporcional — e
as equipes de vendas se concentram
nessas contas. Pode haver vantagens de
se ter poucos clientes VIPS: a abordagem
é eficiente (exige uma equipe de vendas
menor e menos prospecção do que em
outros casos); a fonte constante de pedi-
dos recorrentes pode estabilizar o fluxo
de caixa; e a confiança demonstrada por
10 Harvard Business Review
Dezembro 2019
o BÔnUs do cAsAMenTo
Empresas comandadas por CEos casados recebem avaliações Csr significativamente mais
altas do que aquelas lideradas por CEos solteiros, com esse efeito sendo particularmente
pronunciado nas áreas de diversidade e de relações com os funcionários.
Married CEOs and Corporate Social Responsibility, de Shantaram P. Hegde e Dev R. Mishra
uma conta fundamental é um teste-
munho convincente. Mas depender de
apenas algumas contas também pode
ser arriscado (o que acontece se uma
delas abandona o barco?), e grandes
compradores podem usar seu status para
negociar melhores preços, prejudicando
a lucratividade.
Um novo estudo avalia como isso
tudo se desenrola com empresas
novas. Pesquisadores examinaram os
registros financeiros de 1.023 empresas
que passaram a ser de capital aberto de
2000 a 2011. Eles identificaram até que
ponto cada uma era dependente de sua
relação com seus principais clientes e
examinaram as capacidades tecnológicas
de cada empresa (medida em patentes
registradas), suas capacidades operacio-
nais (medida pelo número de funcio-
nários e o investimento nas fábricas
etc.) e lucratividade, juntamente com
a credibilidade dos principais clientes.
Depois, eles avaliaram a oferta pública
inicial (IPO, na sigla em inglês) de cada
empresa, bem como o desempenho
dessas organizações ao longo de vários
anos subsequentes.
As empresas cujas vendas estavam
altamente concentradas em alguns
clientes possuíam capitalizações de
mercado mais elevadas do que as demais
e seus desempenhos na bolsa foram
melhores do que os de suas concorrentes
no primeiro dia após a IPO da empresa.
“Investidores de IPO estão preocupados
primordialmente com a sobrevivência
da empresa e valorizam sinais que
diminuam os riscos associados aos
prospectos da organização”, dizem os
pesquisadores. “Nesse contexto, ter uma
fonte constante de receita associada à
alta concentração reduziu a incerteza dos
investidores.” Porém, tempos depois, as
empresas que apresentavam vendas con-
centradas viram seus lucros diminuírem.
Organizações com destreza de marketing,
tecnológica ou operacional, e aquelas
cujos grandes clientes eram altamente
solventes foram menos afetadas do que
as demais. Os pesquisadores afirmam
que os gerentes devem estar atentos ao
custo a longo prazo que advém do fato de
concentrar os esforços excessivamente
em alguns poucos clientes e devem
buscar expandir sua base de clientes à
medida que sua empresa cresce.
sobrE o EstuDo: Assessing the
Impact of Customer Concentration
on Initial Public Offering and Balance
Sheet–Based Outcomes, de Alok R. Saboo,
V. Kumar e Ankit Anand (Journal of
Marketing, 2017)

MenTAlIdAde
Vale a pena ser otimista
Os psicólogos há muito vendem a
ideia do poder do pensamento positivo —
e agora um estudo quantifica esse poder
relacionando-o com as finanças das pes-
soas. Pesquisadores entrevistaram 2.002
americanos em 2018 sobre suas perspec-
tivas e seu bem-estar financeiro, dando a
eles um placar de otimismo variando de
0 a 100 e fazendo perguntas sobre de que
maneira eles estimam e administram
seu dinheiro. Levando em conta fatores
Otimistas têm quase
sete vezes mais chances
do que os pessimistas
de exibir uma saúde
financeira sólida…
otimistas
62%
Pessimistas
9%
Fonte: Mind Over Money: How Optimism Connects to Financial Health, de Frost Bank
como riqueza e receita, eles descobri-
ram que cada aumento de 1 ponto no
otimismo estava associado com um
aumento de 0,1 no bem-estar financeiro
(medido em uma escala desenvolvida
pela Agência de Proteção Financeira do
Consumidor (Consumer Financial Protec-
tion Bureau) — o que significa que uma
atitude mais otimista pode ser associada
com um aumento de até 10 pontos no
bem-estar financeiro. Os gráficos a seguir
mostram em que medida os otimistas e
os pessimistas podem ser comparados
em algumas medidas específicas.
…quase duas vezes mais …e são significativamente
chances de afirmar que mais propensos a ter
possuem hábitos financeiros economizado para
melhores depois de sua mais realizar uma grande
recente dificuldade financeira… compra.
otimistas otimistas
69% 90%
Pessimistas Pessimistas
36% 70%
doAÇÃo PARA cARIdAde
transformar alguém em
um “ponto de inflexão”
aumenta as doações
A ideia de que uma pequena ação pode
ter um efeito amplo — que se torna um
ponto de inflexão — tem sido usada
para explicar fenômenos que variam
desde a administração bancária e a
greve dos trabalhadores até revoltas e
revoluções. Uma nova pesquisa explora
seu potencial em uma nova arena: a
captação de recursos. Em cinco estudos,
as pessoas a quem foi dito que suas
respostas iriam incentivar algum tipo
de comportamento agregado superior
ao limite social desejado (“Estamos com
74% de participação e sua atitude fará
com que atinjamos nossa meta de 75%”)
mostraram-se bem mais propensas do
que as demais a agir.
Em um dos estudos, 331 pessoas
foram informadas a respeito de um
projeto de crowdfunding para alimentar
crianças famintas. A alguns participantes
Harvard Business Review
Dezembro 2019 11
radar
foi dito que mais um doador era preci-
so para atingir a meta da organização;
a um subgrupo também foi informado
que atingir a meta provocaria doações
correspondentes de todos aqueles que
haviam contribuído até então. Membros
de ambos os grupos mostraram-se
muito mais propensos a fazer uma
doação do que aqueles que estavam
no grupo de controle. Perguntas sub-
sequentes demonstraram que ser um
ponto de inflexão em potencial desper-
ta sentimentos de responsabilidade e
culpa: as pessoas não queriam decep-
cionar seus colegas doadores. Isso fez
mais para impulsionar as doações do
que sentimentos de obrigação para
com as próprias crianças famintas.
Essas descobertas têm implicações
para todos que usam o modelo de
crowdfunding, afirmam os estudiosos,
e as empresas podem maximizar seu
impacto dividindo um grande objetivo
em uma série de pequenos para criar
múltiplos pontos de inflexão. “Os
incentivos do limite social desejado
podem ser usados para aumentar a
participação entre diferentes domí-
nios, tais como doações para caridade,
facilitar o aumento de atividades físicas
e promover uma boa nutrição”, afirmam
os pesquisadores. “[Eles] oferecem uma
nova maneira de gerar culpa — mas essa
culpa está direcionada a outros consu-
midores, levando as pessoas a adotar
comportamentos que beneficiam essas
outras pessoas.”
sobrE o EstuDo: On Being the Tipping
Point: Social Threshold Incentives
Motivate Behavior, de Lalin Anik e Michael I.
Norton (Journal of the Association for
Consumer Research, em breve).
12 Harvard Business Review
Dezembro 2019
locAl de TRABAlho
Aqueles que trabalham
remotamente são
realmente mais produtivos
Em 2013, a CEO do Yahoo, Marissa Mayer,
cancelou o programa de trabalho remoto
da empresa, citando preocupações com
a velocidade e a qualidade do trabalho.
Ainda assim, muitos empregadores
aumentaram esses programas nos
últimos anos, na expectativa de ampliar a
motivação e reduzir distrações. Os efeitos
do trabalho remoto podem ser difíceis
de se mensurar, por isso tem sido difícil
saber qual abordagem obtém os melho-
res resultados — mas uma nova pesquisa
elucida um pouco esse assunto.
Pesquisadores capitalizaram uma si-
tuação vivenciada pelo U.S. Patent
and Trademark Office (Departamento
de Patente e Marcas Registradas dos
Estados Unidos). Com início em 2012,
uma grande quantidade de trabalhado-
res foi gradualmente, e praticamente
de modo aleatório, transferida de um
programa em que eles trabalhavam de
casa (WFH, work from home, em inglês),
comparecendo ao escritório ao menos
uma vez por semana, para um programa
em que trabalhavam de qualquer lugar
(WFA, work from anywhere, em inglês),
indo até a sede da empresa não mais do
que cinco vezes por ano. Isso permitiu
aos pesquisadores analisar os mesmos
resultados e a mesma qualidade do tra-
balho observado pelos examinadores em
dois ambientes diferentes. De maneira
específica, eles olharam para “ativida-
des completadas” mensalmente (em
geral, patentes obtidas) por cada um
dos 831 examinadores e para a quanti-
dade de retrabalho exigido em virtude
da baixa qualidade.
Os examinadores no programa WFA
foram 4,4% mais produtivos, em média,
do que haviam sido no programa WFH,
sem aumento no trabalho que precisou
ser refeito. O aumento de produtividade
foi maior para as pessoas localizadas a
40 quilômetros dos colegas da mesma
unidade tecnológica, o que sugere que
funcionários agrupados geograficamente
estavam aprendendo uns com os outros.
O aumento em patentes obtidas poderia
adicionar US$ 132 milhões anuais em ta-
xas coletadas pelo departamento de paten-
te, calculam os pesquisadores, reduzin-
do a necessidade de novas contratações.
O estudo se voltou também para fun-
cionários que passaram de cargos que
exigiam presença diária no escritório pa-
ra programas WFH. Essa transição tam-
bém aumentou a produtividade, embora
em menor grau — e os ganhos foram
bem menores entre empregados que
viviam a mais de 80 quilômetros do
escritório. “Uma flexibilidade geográfica
mediana é pior do que uma flexibilidade
muito pequena… ou do que um caso
extremo de flexibilidade geográfica”,
afirmam os pesquisadores. “Se uma
empresa espera ver os benefícios moti-
vacionais do aumento de autonomia por
meio da provisão de um regime WFA,
ela precisa ‘cortar o cordão umbilical’,
dando aos funcionários uma flexibili-
dade de fato, em vez de uma concessão
gradativa de flexibilidade.”
sobrE o EstuDo: (Live and) Work
from Anywhere: Geographic Flexibility
and Productivity Effects at the United
States Patent Office, de Prithwiraj
Choudhury, Cirrus Foroughi e Barbara
Larson (em andamento).
seRVIÇo Ao consUMIdoR
Ao pedir desculpas,
aja com cuidado
A ideia é inculcada nos vendedores
durante o treinamento: se você enfrentar
uma falha no sistema, peça desculpas
ao cliente. Ainda assim, discussões a
respeito da melhor maneira de fazer
isso são frequentes, com a crescente
conscientização de que o tipo errado
de desculpas pode sair pela culatra. Um
novo estudo se volta para essa questão
analisando os gastos subsequentes de
1,5 milhão de passageiros do Uber que
vivenciaram atrasos em suas viagens e
receberam emails com vários tipos de
desculpa com ou sem um cupom de
US$ 5 para viagens futuras (um grupo
de controle nada recebeu).
Os resultados mostraram que a
maneira como a resposta era elaborada
não importava; o que contava era se as
pessoas haviam recebido um cupom.
Aquelas que receberam gastaram mais
na plataforma do que as pessoas que
estavam no grupo de controle, e os
benefícios ainda podiam ser vistos três
meses depois — ao passo que qualquer
aumento subsequente a uma desculpa
não pecuniária teve pouca duração. Os
pesquisadores afirmam que isso ocorreu
porque uma “desculpa dispendiosa”
sinaliza confiabilidade, ao passo que
um pedido de desculpas solitário é visto
como conversa fiada.
Os pesquisadores também observa-
ram que algumas vezes um pedido de
desculpas pode ser bastante prejudicial.
Quando os participantes vivenciaram
um atraso em sua segunda ou terceira
viagem, mais desculpas diminuíram
seus gastos em comparação com aqueles
que não receberam nenhum pedido de
desculpas. “A maneira mais segura de
remediar uma experiência ruim é uma
simples promoção que possa ser apli-
cada em compras futuras”, afirmam os
pesquisadores. “Um pedido de desculpa
atua como uma promessa de melhores
resultados no futuro. Quando essas
expectativas elevadas não são cumpri-
das, a reputação da empresa sofre mais
do que se nenhum pedido de desculpas
houvesse sido apresentado. Dessa forma,
pedidos de desculpas devem ser usados
com moderação e, de maneira ideal, ape-
nas após resultados inesperadamente
ruins que dificilmente se repetirão em
um futuro próximo.”
sobrE o EstuDo: Toward an
Understanding of the Economics of
Apologies: Evidence from a Large-Scale
Natural Field Experiment, de Basil Halperin
et al. (em andamento)
e o VencedoR É…
Concursos de crowdsourcing que
oferecem altas recompensas financeiras
atraem mais participantes do que
aqueles que oferecem recompensas
baixas ou inexistentes — mas concursos
em que não há recompensa reúnem as
ideias mais originais.
Harnessing the Creative Potential of Consumers:
Money, Participation, and Creativity in Idea
Crowdsourcing, de Oguz Ali Acar
GÊneRo
Umcaminhoalternativo
parachegaraocargo
maisalto
Historicamente, muitas empresas têm
exigido que os candidatos a CEO tenham
experiência anterior na função, criando uma
situação como a do ovo e da galinha para
as mulheres, dada a escassez de CEOs do
sexo feminino. Mas uma análise dos anos
2017-2018 mostra que algumas empresas
de capital aberto estão descobrindo uma
maneira de contornar o problema: usar a
atuação na diretoria corporativa como uma
qualificação substituta, principalmente
para as mulheres.
ceos mulheres ceos homens
Atuaram anteriormente na diretoria
de uma empresa de capital aberto:
59%
42%
Atuaram anteriormente na diretoria
de uma empresa privada:
23%
12%
Fonte: Analysis of CEOs in the 3,000 largest U.S. publicly
traded companies, de Kate Purmal e Catherine H. Tinsley
Harvard Business Review
Dezembro 2019 13
 TECNOLOGIA
Entender as necessidades das
pequenas e médias empresas

AMPLIA
é um dos desafios da Stone
– fintech de pagamentos e
soluções financeiras para o

OPORTUNIDADES varejo. Em entrevista ao canal

UM BRASIL, o sócio e
chefe de políticas públicas
da empresa, Bernardo Piquet,
conta como conseguiu
conquistar a confiança dos
clientes em um segmento com
players de peso. Ele comenta
ainda sobre a necessidade de
Entrevista democratização dos serviços
Otávio Miranda financeiros e afirma que
uma cultura institucional
Parceria agregadora de valores foi
Brazilian Student determinante para o crescimento
Association (BRASA) dos negócios da Stone.
 QUANDO COMEÇAMOS A OFERECER NOSSOS PRODUTOS A
POTENCIAIS CLIENTES, HAVIA MUITA DESCONFIANÇA E FALTA DE
ENTENDIMENTO. TIVEMOS DE QUEBRAR ESSE PARADIGMA, E ISSO
MOTIVOU UMA TROCA MUITO INTENSA COM O NOSSO PÚBLICO.
como é empreender no brasil, com tanta informalidade?
Há muitas oportunidades associadas não só à informalidade,
mas à diversidade brasileira. Hoje, estamos presentes em cen-
tenas de municípios e temos percebido que, no interior, essa de-
manda é mal atendida historicamente. Isso acontece tanto em
relação à informação como ao atendimento; até mesmo em re-
lação a um produto ou a um serviço que seja exatamente o que
o pequeno e o médio varejista precisam para tocar o negócio.
o primeiro cliente da stone surgiu em
um teste. como foi esse atendimento?
Ele se chama Geraldo, e carinhosamente o chamamos de mi-
neiro. Um dia ele bateu à nossa porta para vender os seus
queijos, produzidos na cidade de Formiga, em Minas Gerais.
Em uma dessas visitas, pedimos que ele testasse a máquina da
Stone na venda dos seus produtos. Foi nossa primeira transa-
ção. Até hoje ele é nosso cliente, há quase cinco anos. Quando
começamos a oferecer nossos produtos a potenciais clientes,
havia muita desconfiança, falta de entendimento e de conhe-
cimento. Tivemos de quebrar esse paradigma, e isso motivou
uma troca muito intensa com o nosso público.
de onde vem essa cultura institucional?
O que propomos, enquanto empresa, é melhorar a vida desses
pequenos e médios varejistas e mudar a antiga relação que
tinham com os serviços financeiros em geral. Lidamos com di-
nheiro de terceiros, então, quando oferecemos uma maquini-
nha, um serviço de pagamento, o cliente quer a segurança de
que todo o volume que ele transacionar do seu estabelecimen-
to – para pagamento de fornecedores, funcionários, etc. – vá,
de fato, ser direcionado para o local correto.
qual estratégia vocês adotaram para manter
esse laço criado de forma “artesanal”?
Usando a tecnologia a favor desse propósito, com consistên-
cia na entrega. Quando o cliente confia à Stone a captura das
suas transações financeiras, caso haja qualquer dúvida ou gar-
galo, ele tem que ser atendido imediatamente. Isso diminui a
insegurança. Hoje, temos uma das maiores notas da indústria
– que sinalizam o quanto o seu cliente indicaria você a outra
pessoa, nesse caso, outro empreendedor. O tempo médio de
espera para um atendimento via telefone é de quatro segun-
dos, e, em 86% dos casos, o problema é solucionado ali mesmo,
durante aquela ligação. O cliente tem mais tempo para investir
no desenvolvimento do negócio dele.
de que maneira o mercado financeiro pode
atender o consumidor atual, que está o tempo
todo interagindo nos meios digitais?
O País tem uma distribuição per capita de smartphones muito
significativa. Isso já mostra como as pessoas estão se relacio-
nando de outra forma com os meios eletrônicos de pagamen-
to. É necessário observar como o brasileiro se relaciona com a
tecnologia: onde gasta o seu tempo, qual seu nível de descon-
fiança em relação a determinados serviços, como é a sua infra-
estrutura para viabilizar o desenvolvimento de uma nova tec-
nologia, entre outros fatores. A discussão do produto financeiro
está se democratizando. Entramos em uma via de mão única:
do desenvolvimento, de inclusão, de educação financeira, de
democratização de serviço e de tecnologia chegando à ponta.
SOBRE UM BRASIL
UM BRASIL é uma plataforma multimídia composta por
entrevistas, debates, documentários e publicações que abordam
soluções para os problemas do País em seus mais diferentes
aspectos, de forma plural e apartidária. Um ambiente de ideias
feito por gente do mundo todo que reflete sobre o Brasil.
Assista à
entrevista
pelo
QR Code
radar

por experiência. A maior parte das

chad H. Van iddekinge, da Florida state University, e seus colegas analisaram
empresas acredita que isso é importante,
oito estudos para investigar a conexão entre a experiência prévia de mesmo para cargos iniciais. Infelizmen-
funcionários e seu desempenho em uma nova organização. descobriram não te, as evidências não sustentam a ideia
de que os candidatos com mais experiên-
haver correlação significativa entre ambos. Mesmo quando realizaram tarefas, cia vão ser funcionários melhores ou vão
ocuparam cargos ou atuaram em funções ou indústrias relevantes para a atual permanecer no cargo por mais tempo do
que os menos experientes.
posição, nada disso se traduzia em melhor desempenho. A conclusão:

experiência não prevê

Como os estudos mensuraram o desempe-
nho? De diferentes formas, mas, basica-
mente, de duas maneiras: avaliações de

o sucesso do novo
supervisores — como avaliações anuais
— ou por meio de métricas objetivas e
quantificáveis, como vendas ou, em um

contratado
estudo sobre operadores de máquinas de
costura, o número de peças produzidas.

De quais trabalhos e setores estamos

falando? Os mais representados foram

Professor Van iddekinge,

os serviços de proteção (policiais, bom-
beiros), depois empregos relacionados
com vendas ou com o atendimento ao

deFeNdA seU estUdo cliente. Os participantes dos estudos,

VAN IDDEKINGE: Ficamos surpresos. É
senso comum que candidatos com
boa experiência profissional ou que já
atuaram na função para a qual estão se
candidatando estejam em vantagem.
Mas quando observamos todos aqueles
estudos — e examinamos minuciosa-
mente milhares para encontrar oito —
que contassem com os dados apro-
priados —, descobrimos uma relação
muito fraca entre experiência prévia
e desempenho, tanto nos treinamen-
tos quanto na função em si. Também
não vimos nenhuma correlação entre
experiência profissional com emprega-
dores prévios e retenção no emprego,
ou com a probabilidade de que alguém
se manteria na nova empresa.
HBR: Mas experiência não é a primeira
coisa que as empresas buscam quando
selecionam candidatos? Sem dúvida.
Usamos como amostragem 115 anúncios
de emprego do site Monster.com e desco-
brimos que 82% ou exigiam experiência
ou declaravam uma grande preferência
em sua maioria, trabalhavam em posi-
ções na linha de frente, embora alguns
fossem gerentes. Nenhum ocupava
cargo de executivo sênior. Mas incluí-
mos 15 dos 23 empregos listados pelo
U.S. Labor Department’s Occupational
Information Network [Rede de Infor-
mações de Ocupações do Ministério
do Trabalho dos Estados Unidos], pois
acreditamos serem altamente repre-
sentativos da economia americana.
Por que as pessoas com experiência —
principalmente com experiência com rele-
vância direta — não teriam melhor desem-
penho do que as sem experiência? Meus
coautores — John Arnold, da Florida State
University, Rachel Frieder, da University
of North Florida, e Philip Roth, da Clemson

16 Harvard Business Review

Dezembro 2019
University, e eu temos especulado sobre
isso. Uma possibilidade é que diversas mé-
tricas baseadas na experiência são muito
básicas: número de empregos anteriores,
tempo passado nos empregos anteriores,
total de anos trabalhados, exercício ou
não de função semelhante. Essas medidas
informam se o candidato tem experiência,
mas nada dizem a respeito da qualidade
ou da importância da experiência, algo
que provavelmente tem mais relação com
o desempenho. Uma das premissas bási-
cas em nossa área de pesquisa é a que afir-
ma que o comportamento anterior prevê o
comportamento futuro. Mas experiência
prévia não é medida de comportamento.
A pessoa pode ter fracassado ou ter ficado
estagnada nos empregos anteriores. Por
isso devemos levar em conta a experiên-
cia, mas talvez realizar um trabalho me-
lhor de investigação sobre o desempenho
prévio. Desejamos saber também se os
candidatos aprenderam com a experiên-
cia anterior. Nem sempre eles são bons
nesse tipo de avaliação — eles podem
tentar justificar o que deu errado ou
simplesmente esquecer. E, por último,
precisamos ponderar que a experiência
em uma empresa pode não ajudar — e
pode até prejudicar — no desempenho
em outra se não atuam da mesma maneira
ou não adotam culturas similares.
Entrevistas e verificações de referências
não ajudam os empregadores a resolver
tudo isso? Sim, principalmente quando
se fazem perguntas relativas a com-
portamento, como: “De que modo
você lidou anteriormente com clientes
complicados? Mencione uma situação
específica: que você fez e qual foi o
resultado?”. Mas nem todos os empre-
gadores avaliam assim os candidatos.
E é possível que os candidatos que con-
seguiram dar boas respostas já tenham
sido descartados devido à sua falta de
experiência de trabalho tradicional.
Existe algum cenário em que a experiência é
importante? Nós realmente identificamos
algumas situações nas quais a experiência
parece ser mais benéfica. Primeiro, des-
cobrimos um conjunto menor de estudos
dentro de nosso conjunto de dados que
analisou a experiência prévia e o desem-
penho na função após três meses, dois
anos e cinco anos. Embora a relação fosse
fraca nas medidas de dois e cinco anos,
era mais forte em relação aos três meses;
assim, a experiência parece ter ajudado
algumas pessoas no começo. Talvez tenha
sido porque elas estavam acostumadas
à vida profissional e organizacional e por
isso foram bem-sucedidas desde o início.
Ou, talvez, os gerentes deram, a princí-
pio, melhores notas aos contratados com
experiência. No entanto, com o passar do
tempo, a experiência prévia dos funcioná-
rios tornou-se cada vez menos importante
para o desempenho da atual função.
Em segundo lugar, uma vez mais em
um conjunto menor de estudos, obser-
vamos métricas de experiência voltadas
para as tarefas. Por exemplo, em vez de
perguntarem a pilotos ou motoristas de
caminhão quantos anos eles trabalha-
ram nessas funções, os empregadores
perguntavam o número de horas de
voo ou de direção dos candidatos. Essas
medidas eram melhores indicadores de
desempenho futuro.
Seria realista imaginar que os departa-
mentos de RH e os gerentes de contrata-
ção vão deixar de pautar a seleção com
base na experiência? É possível entender
o motivo que leva tantas organizações a
utilizá-la: experiência é fácil de deter-
minar. Você trabalhou com vendas por
três anos? Já gerenciou pessoas antes?
A resposta é sim ou não. Desempenho
prévio, conhecimento e capacidade são
mais difíceis de avaliar, principalmente se
tudo o que se tem é uma ficha preenchida
ou um currículo. Porém, atualmente,
quando todos reclamam da falta de ca-
pacidade dos candidatos e da guerra por
talentos, as empresas não podem dar-se
o luxo de desprezar pretendentes que
se sairiam muito bem sem, no entanto,
ter a experiência que outros candidatos
mencionaram no anúncio de emprego.
A ideia é ampliar a rede de pessoas a ser
consideradas para o cargo.
Existe alguma outra maneira de seleção
que podemos usar? Provavelmente, mas
variaria de acordo com a empresa e com a
função. O importante é a correlação com o
desempenho profissional. Digamos que há
um cargo que precisa ser ocupado no de-
partamento de vendas e se observa, com
o tempo, que as pessoas formadas em
marketing tendem a permanecer mais
tempo no cargo e receber melhores avalia-
ções de clientes do que as que estudaram
outra área. Essa pode ser uma ferramenta
de seleção viável. Para outro emprego
pode ser a obtenção de determinado
certificado — o que pode mostrar que o
desempenho dos funcionários que o têm
é melhor que o de seus colegas, então você
busca isso no processo de contratação. As
empresas podem levar em conta outras
ferramentas de seleção, como testes
relevantes para a função. O problema é
que a maior parte das organizações não
toma essas atitudes. Elas usam dados para
tomar decisões sobre produtos, marketing
e questões financeiras, mas não sobre pes-
soas — ao menos não de maneira eficiente.
A experiência dentro da empresa é im-
portante? Não analisamos a experiência
pós-contratação, mas outros estudos
indicam conexão entre qualidade de
desempenho e quantidade de tempo
na empresa ou no exercício na função.
Para os gestores a experiência é mais
importante? Isso é algo que estamos
avaliando. Se, digamos, um represen-
tante de vendas quer ser gerente da
área, até que ponto sua experiência no
cargo inferior é indicativo de sucesso
em função mais alta?
Sou editora-sênior da HBR há nove anos e
jornalista profissional há duas décadas.
Você acha que vou fazer um bom trabalho
neste artigo? Não tenho ideia.
Entrevista de Alison Beard
hbr reprint F1912B–P para pedidos, página 8
Harvard Business Review
Dezembro 2019     17
 MULhERES, PODER
E INfLUÊNCIA
UM PLANO PARA ACELERAR A IGUALDADE DE GÊNERO
MELINDA GATES
ilusTração EwElina karPowiak

20 a igualdadE dE gÊnEro Está ao nosso alCanCE 39 Como aCabar Com a Cultura dE assÉdio
36 todos os funCionários dEvEm tEr aCEsso À 43 Como Eliminar a dEsigualdadE dE gÊnEro
liCEnça-parEntal rEmunErada

Harvard Business Review

Dezembro 2019 19
 ilusTração sHuTTErsTock

20 Harvard Business Review

Dezembro 2019
A IGUALDADE DE
GÊNERO ESTÁ AO
NOSSO ALCANCE
NUNCA TIVEMOS UMA OPORTUNIDADE COMO ESSA ANTES.
SAIbA COMO APROVEITÁ-LA. MELINDA GATES
Em janeiro de 2010, Rosie the Riveter (ícone que representa as
operárias da indústria de armamentos da Segunda Guerra Mundial)
apareceu na caixa de correio da minha casa perto de Seattle,
flexionando seu icônico bíceps na capa da revista Economist.
A reportagem de capa anunciava, em tom triunfante: “Numa época
em que o mundo tem poucos motivos a comemorar, eis uma
possibilidade: nos próximos meses, as mulheres ultrapassarão o
limiar de 50% e se tornarão a maior parte da força de trabalho
americana”. Para celebrar a ocasião, a revista mudou o famoso
apelo da Rosie de “Nós podemos!” para “Nós conseguimos!”.

Harvard Business Review

Dezembro 2019 21
Foco

Por mais que eu entendesse o entusiasmo de Uma diferença é eliminada

Rosie, sua declaração de vitória parecia prema- A virtual paridade na proporção da força de trabalho é motivo de comemoração,
tura. Embora as mulheres americanas tenham mas esses números equitativos não apagaram outras desigualdades
de remuneração e oportunidade.
atingido esse limiar de 50% em 2010 (e, atual-
100%
mente, representam 49,8% da força de trabalho
não agrícola), as mesmas velhas desigualdades

Proporção da força de trabalho

nos seguiram para novos lugares. Ainda não ga- 75

dos Estados Unidos

nhamos tanto, avançamos tanto ou temos a mes- Homens

ma voz na tomada de decisão. 50

Em todos os aspectos da vida americana, na
maioria das vezes, são os homens que definem as Mulheres
políticas públicas, alocam recursos, lideram em- 25

presas, moldam mercados e determinam quais his-

tórias serão contadas. Mas, de modo geral, os ga- 0
nhos obtidos não chegam a todas as mulheres. His- 1965 70 75 80 85 90 95 2000 05 10 15 19

toricamente, as mulheres mais marginalizadas dos Nota: Trabalhadores em tempo integral e assalariados (excluindo os rurais)
Estados Unidos — incluindo as mulheres negras, Fonte: Bureau of Labor Statistics

pobres, lésbicas e transexuais — ainda são as que

têm maior probabilidade de trabalhar por um sa- Outra persiste
lário mínimo, as que têm menor probabilidade de A renda das mulheres está em alta. Mas mantém-se uma diferença
desempenhar papéis de gestão e as mais propensas persistente de 20% entre os salários de homens e mulheres.
a enfrentar assédio sexual e violência de gênero.
US$ 1.000
O Índice Global de Desigualdade de Gênero
do Fórum Econômico Mundial (FEM) mede a
Homens
igualdade de gênero com base na representação 750
Renda média semanal

das mulheres na força de trabalho e em cargos

públicos, bem como em dados de saúde e educa- Mulheres
ção. De acordo com as projeções do FEM, manti- 500
da a taxa atual, os Estados Unidos ainda estão a
208 anos de alcançar a igualdade de gênero (an-
250
te 51 anos para o Canadá e 74 anos para o Reino
Unido). Apesar do ritmo frustrante do progresso
— ou talvez por causa disso —, algo fundamen- 0
tal começou a mudar nos Estados Unidos e em 1980 85 90 95 2000 05 10 15 17

todo o mundo. As mulheres começaram a com-
partilhar suas histórias, a fazer manifestações,
a retirar-se em protesto, a concorrer em elei-
ções e a vencer em números recordes. A mídia
amplifica essas vozes e faz perguntas difíceis às
instituições que ainda excluem as mulheres. Lí-
deres empresariais sofrem pressão inédita para
mostrar que suas empresas se preocupam com
a igualdade de gênero e estão comprometidas a
Nota: Trabalhadores em tempo integral e assalariados (excluindo os rurais); dólares de 2017.
Fonte: Bureau of Labor Statistics
fazer parte da solução. Espera-se agora que os lí-
deres globais apresentem propostas para encai-
xar mulheres e meninas em suas agendas.
Neste momento, a energia e a atenção sem
precedentes em torno da igualdade de gênero

22 Harvard Business Review

Dezembro 2019

possibilitam um progresso extraordinário, viabi-
lizando metas ambiciosas e ousadas. Adotar ob-
jetivos pouco ambiciosos será o mesmo que su-
bestimar as mulheres. Buscar a paridade na força
de trabalho não é suficiente. Tentar resolver pro-
blemas intrincados, como assédio e disparidade
salarial de forma fragmentada — sem reconhecer
que fazem parte de um todo mais amplo —, tam-
bém não é suficiente. Para aproveitar esta opor-
tunidade, precisamos definir nossos objetivos
com cuidado.
Acredito que nosso objetivo deve ser expandir
o poder e a influência das mulheres na sociedade.
Penso em poder e influência como a capacidade
de tomar decisões, controlar recursos e construir
visões. É algo que as mulheres fazem em suas ca-
sas, seus locais de trabalho e suas comunidades.
Reconheço que, historicamente, “poder e influ-
ência” não são palavras que associamos às mu-
lheres — nem são palavras que todas as mulheres
associam a si mesmas. Também reconheço que,
devido à riqueza de minha família, tenho acesso
a certos tipos de poder e influência que poucas
pessoas exercem. Ainda assim, uso essas pala-
vras, por mais imperfeitas e imprecisas que pos-
sam ser, porque é a melhor maneira que conheço
para descrever o que, há muito, os homens dos
Estados Unidos — em particular os homens bran-
cos — têm e as mulheres não têm.
Para expandir o poder e a influência das mu-
lheres, uma série de coisas será necessária — tal-
vez o mais importante seja capital estratégico e
colaboração de stakeholders. O esforço para pro-
mover a igualdade de gênero tem sido subfinan-
ciado de forma crônica nos Estados Unidos. Por
exemplo, dados do Directory Online da Candid
Foundation revela que doadores privados do-
illusTraTion by bEn kircHnEr
am US$ 9,27 para o ensino superior e US$ 4,85
para as artes para cada US$ 1 doado para a causa
das mulheres. Para que os resultados apareçam,
mais filantropos, venture capitalists, empresas e
formuladores de políticas públicas precisam in-
vestir em intervenções focadas em gênero. Eles
A AUTORA
MELINDA GATES
Melinda Gates teve três carreiras — profissional de tecnologia, mãe e dona de
casa e filantropa —, mas apenas as duas primeiras foram planejadas.
melinda cresceu em uma família de classe média em dallas, Texas, com
pais que economizavam ao máximo para poder enviar os quatro filhos para
a faculdade. durante o último ano do ensino médio, fez um tour pela duke
university e, impressionada com o departamento de ciência da computação,
decidiu que era o lugar certo para ela. cinco anos depois, formou-se em ciência
da computação e obteve um mba pela Fuqua school, na duke.
depois de se formar, melinda começou a trabalhar em uma empresa de
software relativamente pequena — a microsoft —, onde passou quase uma
década desenvolvendo produtos multimídia antes de sair para se dedicar à
família que crescia (como você talvez já saiba, ela conheceu alguém no trabalho.
Ela e bill Gates se casaram em 1994 no dia de ano-novo).
melinda sempre soube que queria trabalhar em tecnologia como seu pai, ray,
e que queria ser tão presente para seus filhos quanto sua própria mãe, Elaine.
mas melinda não imaginava que um dia seria copresidente da maior entidade
filantrópica do mundo — ou que se tornaria uma defensora mundial de mulheres
e meninas.
o terceiro ato começou em 1993, quando bill e melinda viajaram para a
África oriental para comemorar o noivado. Foi o primeiro encontro deles com a
pobreza extrema e isso mudou tudo. ambos vieram de famílias que davam muita
importância ao serviço e à justiça social; no fim da viagem, ela e bill decidiram
que doariam a maior parte de sua riqueza à microsoft. sete anos depois, criaram
a Fundação bill & melinda Gates, que, no plano internacional, foca a saúde global
e, nos Estados unidos, a educação pública.
Enquanto visitava os lugares mais pobres do mundo representando a fundação,
melinda começou a estudar a relação entre o empoderamento feminino e a
saúde e a riqueza das sociedades. como escreve em seu livro mais vendido
internacionalmente, O momento de voar, investir na igualdade de gênero foi
“nossa grande ideia perdida”. sob a direção de melinda, a fundação começou a
colocar mulheres e meninas no centro de sua estratégia de desenvolvimento.
Em 2015, melinda fundou a Pivotal Ventures, uma empresa de investimento
e incubação que trabalha para impulsionar o progresso social de mulheres e
famílias nos Estados unidos, usando capital filantrópico e de investimento para
financiar ideias, pessoas e organizações transformadoras. Este artigo apresenta
o próximo grande passo de sua missão, um ousado moon shot (voo à lua) para
acelerar o poder e a influência das mulheres na próxima década.
melinda tem três filhos: Jenn, rory e Phoebe. Ela mora em seattle, washington.
também precisam estar dispostos a trabalhar
juntos — não só entre si, mas também com ou-
tros atores já mobilizados, desde organizações
que se dedicam há anos a essas questões até os
mais de quatro milhões de mulheres que partici-
param das marchas das mulheres em 600 cida-
des desde 2017.
Minha equipe na Pivotal Ventures, uma em-
presa de investimento e incubação que fundei
em 2015, trabalha para impulsionar o progres-
so social de mulheres e famílias nos Estados
Harvard Business Review
Dezembro 2019 23
Foco Da televisão aos livros didáticos, as histórias que contamos
sobre poder e influência quase sempre focam os homens — e,
na maioria das vezes, os homens brancos.
Unidos. Nossas pesquisas sugerem que novos
investimentos e esforços devem ser canaliza-
dos em três intervenções de alta alavancagem:
derrubar as barreiras mais comuns ao avanço
profissional das mulheres, acelerar a carreira de
mulheres em setores de alto impacto social e am-
plificar a pressão externa nas instituições que po-
dem reinventar o status quo. Usando essa estraté-
gia tripla, podemos acelerar o ritmo do progresso
e alcançar resultados mensuráveis até 2030.
O que acontecerá em caso de sucesso? Será
um futuro em que as mulheres criam uma parce-
la maior do conteúdo de notícias, entretenimen-
to e diálogo público; entram em maior número
em setores lucrativos e de rápido crescimento e
neles são promovidas; ocupam mais cargos exe-
cutivos seniores em organizações nos setores
público, privado e social; e compartilham com os
homens, de forma mais equilibrada, as respon-
sabilidades da dupla jornada. Em um nível fun-
damental, será um futuro em que um número
crescente de americanos deseja que as mulheres
exerçam maior poder e influência na sociedade.
estrAtÉgiA 1:
derrUBe BArreirAs
Nossa análise sugere que, para muitos, a desigual-
dade de gênero no desenvolvimento profissional
é um reflexo de escolhas da própria mulher — e
não evidência de um sistema desigual. Mas a his-
tória demonstra que, muitas vezes, as escolhas
das mulheres são restringidas por suas opções.
Por exemplo, minha mãe, como a maioria das mu-
lheres de sua geração, não fazia faculdade nem
seguia uma carreira. Como muitas mulheres de
minha geração, fiz as duas coisas. Isso certamente
tinha menos a ver com minhas próprias habilida-
des ou ambições — ou mesmo escolhas — do que
com uma lei conhecida como Title IX.
A Title IX, aprovada em 1972, é o marco legal
sobre direitos civis que proíbe a discriminação
24 Harvard Business Review
Dezembro 2019
de homens e mulheres por instituições educa-
cionais financiadas pelo governo federal (que,
na prática, são quase todas). O impacto da lei no
papel das mulheres na sociedade americana foi
tremendo. Nas últimas cinco décadas, o percen-
tual de mulheres com diploma universitário mais
do que triplicou. E não apenas mais mulheres se
formam, mas o fazem em áreas de maior renda.
Antes da Title IX, os programas de pós-gradua-
ção em áreas especializadas como direito, medi-
cina e engenharia adotavam cotas para limitar o
número de mulheres que admitiam. Como resul-
tado, poucas mulheres se tornavam advogadas,
médicas e engenheiras. Claro, isso não acontecia
porque as mulheres não queriam entrar nesses
campos; mas porque políticas e práticas discri-
minatórias garantiam que não o fizessem.
Hoje, as instituições não podem mais discrimi-
nar abertamente com base no sexo. As barreiras
que as mulheres enfrentam hoje são, portanto,
mais difíceis de enxergar e, de certa forma, mais
difíceis de combater. Para entender as mais difun-
didas e perniciosas delas — as mais prejudiciais ao
avanço profissional das mulheres —, eu e minha
equipe vasculhamos dados demográficos, pesqui-
sas populacionais e a literatura acadêmica. Nossa
pesquisa sugere que três barreiras específicas im-
pedem o acesso das mulheres ao poder e à influ-
ência. Veja como podemos enfrentá-las de frente.
Questione representações estereotipadas.
Da televisão aos livros didáticos, as histórias que
contamos sobre poder e influência quase sempre
focam os homens — e, na maioria das vezes, os
homens brancos. No cinema e na TV, as mulheres
têm probabilidade significativamente menor de
serem retratadas como profissionais, e as persona-
gens femininas que têm emprego têm probabilida-
de seis vezes maior de serem secretárias do que os
homens. Para piorar, a explicação dada é de que o
mundo sempre foi assim. Nos livros didáticos de
história, menos de 3% das palavras se referem a
mulheres e apenas 5% de todas as imagens de per-
sonagens históricos são de mulheres negras.
 Todas essas informações influenciam a for-
ma como enxergamos o mundo, os outros e a
nós mesmos. Por exemplo, um estudo recente
descobriu que, com seis anos, a criança já tende
a adivinhar que uma história sobre “uma pessoa
muito, muito inteligente” é sobre um homem,
não uma mulher. Se você associa inteligência aos
homens e você não é homem, pode pensar que
certas carreiras são menos acessíveis. Mas estu-
dos também descobriram que é possível abalar
essas normas. Depois de assistir a clipes de TV
com mulheres nas áreas de STEM (traduzido do
inglês: ciência, tecnologia, engenharia e mate-
mática), meninas apresentaram probabilidade
150% maior de desenhar uma cientista mulher
do que meninas que não assistiram aos clipes.
Mulheres expostas a anúncios que retratam mu-
lheres em funções não estereotipadas têm maior
probabilidade de afirmar que almejam um cargo
de liderança.
Empresas podem ajudar se dando conta de
que contar histórias novas e melhores sobre mu-
lheres é um negócio inteligente. Considere a in-
dústria de entretenimento. Uma forma de avaliar
o tratamento das personagens femininas em um
filme é o “teste de Bechdel”, que verifica se, em
algum momento do filme, duas mulheres apa-
recem na tela conversando sobre algo que não
seja um homem. Aparentemente, o resultado
também está relacionado à lucratividade. Um es-
tudo divulgado no ano passado constatou que,
de 2014 a 2017, em todas as principais categorias
de orçamento, os filmes que passaram no teste
de Bechdel tiveram, em média, maior arrecada-
ção do que os filmes que não passaram no teste.
Além disso, todos os filmes que excederam
US$ 1 bilhão em receita desde 2012 passam no
teste de Bechdel. Os executivos de entreteni-
mento que desejam apoiar projetos com perso-
nagens femininos fortes não estão apenas au-
mentando a visibilidade das mulheres; também
se colocam em posição estratégica para obter
retornos financeiros consideráveis.
Outros setores podem resolver esse problema
à sua própria maneira. Por exemplo, empresas
de livros didáticos podem, nas próximas edições,
diversificar conteúdo e imagens, e filantropos e
venture capitalists podem ajudar a incubar e es-
calar empresas de jornalismo comprometidas
com a contratação de repórteres com origens e
experiências diversas para relatar questões que
afetam principalmente as mulheres. As histórias
que encontramos na tela e nas páginas não de-
vem refletir os preconceitos existentes na socie-
dade; devem colocá-los em xeque.
Acabe com o assédio sexual e a discrimi-
nação no local de trabalho. Embora o assédio
sexual, a discriminação e a violência não sejam
novidades, o movimento #MeToo, liderado por
sobreviventes, colocou em destaque o enorme al-
cance desses problemas e seu tremendo custo pa-
ra a sociedade. Cerca de 85% das mulheres sofrem
assédio sexual ao longo da vida, e seu impacto so-
bre seu poder e influência é altamente nocivo. Por
exemplo, é mais provável que as mulheres sejam
assediadas sexualmente quando trabalham em
uma área dominada por homens, o que pode ser
um dos fatores que levam as mulheres a entrar em
áreas de menor renda e dominadas por mulheres.
E 80% das mulheres que relatam ser assediadas
sexualmente deixam o emprego em dois anos,
o que interrompe a continuidade que muitas
vezes é fundamental para o avanço profissional
(A maioria dos CEOs passa 15 anos em suas em-
presas antes de conquistar o cargo).
As empresas estão sofrendo pressão conside-
rável para sinalizar que levam esse problema a sé-
rio. No entanto, muitos líderes dispõem de pouca
orientação ou de evidências sobre o que realmen-
te funciona para reduzir o assédio sexual e a dis-
criminação no local de trabalho. Uma forma sig-
nificativa de demonstrar o compromisso de fazer
parte da solução é ajudar a desenvolver esse co-
nhecimento — por exemplo, encomendar estudos
para testar intervenções no local de trabalho e dis-
seminar amplamente as melhores práticas.
Harvard Business Review
Dezembro 2019 25
Foco

Metade da população,
um quarto da representação
Número recorde de mulheres está concorrendo a
cargos públicos e ganhando, mas a paridade ainda está distante.

Congresso dos Estados Unidos Gabinete ministerial

100% 100%

75 75
% de mulheres

% de mulheres
50 50

25 25

0 0
1975 81 91 2001 11 19 1975 81 91 2001 11 19

Cargos legislativos estaduais Funcionários eleitos a cargos

fora do Legislativo
100% 100%

75 75
% de mulheres

% de mulheres

50 50

25 25

0 0
1975 81 91 2001 11 19 1971 81 91 2001 11 19

Fonte: Center for American Women and Politics (CAWP) da Rutgers University, 2019

26 Harvard Business Review

Dezembro 2019
 Um terço das mulheres da geração Baby Boomer cuida do pai ou da mãe idosos
e 11% delas pararam de trabalhar para prestar cuidado em período integral.
Obviamente, nem todas as mulheres traba-
lham em escritórios corporativos que adotam
medidas para melhorar a cultura do local de tra-
balho. Muitas trabalham todos os dias em am-
bientes bem mais arriscados: a garçonete do res-
taurante, que depende de gorjetas e não pode
ofender o cliente cujas insinuações a deixa des-
confortável, a massagista que se vê sozinha com
um cliente agressivo, a trabalhadora rural cujo
status de imigrante torna ainda mais perigosa a
denúncia pelos maus-tratos.
É por isso que é tão importante que empresas,
filantropos e ativistas sigam o exemplo de orga-
nizações como a TIME’S UP e a Collaborative
Fund for Women’s Safety and Dignity, ambas
comprometidas na luta por igualdade para todas
as trabalhadoras. A TIME’S UP faz parceria com
grandes organizações, como a National Women’s
Law Center e a National Women’s Soccer Team
dos Estados Unidos, para promover uma agenda
de políticas públicas que defenda a expansão dos
direitos e das proteções das mulheres, seja na
diretoria ou no chão de fábrica. A Collaborative
Fund for Women’s Safety and Dignity tem como
objetivo garantir que as sobreviventes de assédio
sexual — e as mulheres negras em particular —
tenham papel central na criação de soluções para
acabar com a violência de gênero no trabalho. As
ideias iniciais da Collaborative incluem a cons-
trução de um hub de comunicação com base em
evidências para ajudar a gerar mensagens mais
eficazes e a propagação e aumento de escala de
programas orientados por dados que desenvol-
vam a capacidade de liderança em movimentos
liderados por sobreviventes.
Ajude os funcionários a gerenciar a dupla
jornada. Geralmente, as crianças americanas
saem da escola por volta das 15h. No entanto,
normalmente, os pais só podem deixar o traba-
lho depois de pelo menos 5 da tarde. Esse é ape-
nas um exemplo das muitas maneiras, grandes
e pequenas, pelas quais nossa sociedade ainda é
construída com base na premissa desatualizada e
imprecisa de que a maioria das famílias vive em
lares de casais heterossexuais, nos quais o pai é o
ganha-pão e a mãe é a cuidadora em tempo inte-
gral. Se é que os americanos, em algum momen-
to, se enquadraram nessa norma (não é de hoje
que muitas mulheres, especialmente as mulhe-
res negras, trabalham duro querendo ou não),
eles certamente não o fazem mais.
Agora, a maioria das mulheres nos Estados
Unidos trabalha em período integral, mas ainda
gastamos cerca de duas vezes mais tempo cui-
dando das crianças do que os homens. Setenta e
cinco por cento das mães perderam oportunida-
des de trabalho, trocaram de emprego ou para-
ram de trabalhar para cuidar dos filhos. As mães
têm uma probabilidade três vezes maior que os
pais de largar o emprego para cuidar dos filhos
ou de outros membros da família. Mais de 60%
das mulheres não empregadas citam as respon-
sabilidades familiares como a razão de não esta-
rem trabalhando. Um terço das mulheres da ge-
ração Baby Boomer cuida do pai ou da mãe ido-
sos e 11% delas pararam de trabalhar para prestar
cuidado em período integral.
Para piorar, os Estados Unidos são o único pa-
ís desenvolvido sem uma política pública federal
de licença-parental e médica pagas. A licença re-
munerada não apenas resulta em melhorias pa-
ra a saúde de mulheres e crianças, mas também
fortalece a segurança econômica das famílias e
incentiva os homens a se tornarem cuidadores
mais ativos — e também ajuda a manter as mu-
lheres na força de trabalho. Um estudo descobriu
que entre as empresas americanas que expandi-
ram as férias remuneradas, a taxa de desligamen-
to de novas mães caiu em até 50%.
Vários estados aprovaram novas leis de licença
remunerada — os mais recentes foram Washington,
Massachusetts, Connecticut, Oregon e Washington,
D.C. —, o que indica um crescente ímpeto de mu-
dança. Mas, mesmo em estados sem essas leis,
muitas empresas estão adotando políticas pio-
neiras em apoio às famílias e demonstrando que
Harvard Business Review
Dezembro 2019 27
Foco Em um passado não tão distante, empresas e setores com
grande desigualdade de gênero e pouco interesse em diminuí-la
lavavam as mãos e culpavam o mercado profissional.
ajudar as mulheres a gerenciar a dupla jornada be-
neficia empregadores e empregados.
A introdução de novas políticas é um primeiro
passo — e um passo importante. Mas as empresas
também precisam mudar as normas do local de
trabalho para que os funcionários se sintam capa-
citados a tirar proveito dos novos benefícios. Se e
quando uma lei nacional de licença remunerada
for aprovada, ainda caberá às empresas incorporá-
la à sua cultura e sinalizar aos funcionários que
eles podem e devem usá-la sem ser penalizados.
estrAtÉgiA 2:
AVANÇo AceLerAdo de cArreirA
No ano passado, o New York Times publicou um
artigo que começava com esta observação de-
primente: “Nos corredores do poder nos EUA,
encontrar um homem chamado John é tão fácil
quanto encontrar uma mulher”. Uma das conclu-
sões mais memoráveis da investigação foi que,
em 2018, a lista de CEOs da Fortune 500 tinha
mais homens chamados James do que mulheres.
Embora a porcentagem de CEOs do sexo femini-
no tenha aumentado ligeiramente em 2019, ape-
nas uma das mulheres na lista da Fortune 500 é
negra. Não é 1%. É uma única mulher.
Claro, não é coincidência que os Estados Uni-
dos sejam liderados por homens chamados John
e James — sempre foi assim. Oito dos 56 signatá-
rios da Declaração de Independência e sete dos
39 signatários da Constituição se chamavam
John ou James. O sistema em que vivemos e tra-
balhamos foi criado por eles e para eles. Em vez
de esperar que os setores mais poderosos e in-
fluentes do país superem séculos de história por
conta própria, precisamos encontrar maneiras
de acelerar o acesso profissional das mulheres
a setores-chave e seu avanço neles.
Para determinar quais setores devem ser prio-
rizados, minha equipe e eu fizemos uma com-
paração com base em seis fatores. Utilizamos
28 Harvard Business Review
Dezembro 2019
quatro métricas quantitativas: tamanho do se-
tor, taxa de crescimento, remuneração média
e desigualdade de gênero nas funções de lide-
rança. Também usamos duas métricas qualita-
tivas: visibilidade (até que ponto o setor e seus
líderes influenciam o discurso e as narrativas
públicas na sociedade) e alcance (até que ponto
as empresas ou líderes do setor afetam material-
mente a maneira como outros setores da eco-
nomia operam e se comportam). Nossa análise
revelou seis setores prioritários: serviço públi-
co, tecnologia, academia, mídia, investimento e
empreendedorismo.
Por que começar focando apenas alguns se-
tores, em vez de tentar fazer com que as mulhe-
res avancem em todos os setores ao mesmo tem-
po? Acreditamos que a segmentação dos setores
mais poderosos e influentes do país terá um efei-
to cascata em toda a sociedade — acelerando,
em última análise, o progresso das mulheres que
trabalham em outros setores (ou que não traba-
lham). Se aplicássemos nosso esforço e financia-
mento de maneira uniforme em todos os setores,
provavelmente veríamos um padrão de melhoria
incremental semelhante ao que prevalece hoje.
Aqui estão duas maneiras fundamentais de ace-
lerar o avanço das mulheres nesses setores.
Abrir novos caminhos em setores prioritá-
rios. Em um passado não tão distante, empresas
e setores com grande desigualdade de gênero e
pouco interesse em diminuí-la lavavam as mãos
e culpavam o mercado profissional. Não contra-
tamos mais mulheres, argumentavam, porque
não há candidatas suficientes com qualificação.
Agora sabemos que, historicamente, o mercado
profissional para setores dominados por homens
produz candidatos masculinos porque, intencio-
nalmente ou não, foram projetadas dessa manei-
ra. Por exemplo, o canal de acesso tradicional às
vagas em tecnologia funciona melhor para pesso-
as que descobrem cedo o interesse pela ciência da
computação. Isso é bom para os garotos, que, por
adorar videogames, tendem a se interessar por
computação na mais tenra idade. Mas não funcio-
na tão bem para as meninas, que geralmente des-
cobrem sua paixão pelo assunto mais tarde. O re-
sultado: as mulheres representam apenas 19% dos
formandos em ciência da computação, e a maioria
delas são mulheres brancas e asiáticas.
Para transformar os setores mais importantes
será necessário substituir os tradicionais canais
de acesso, que beneficiam os homens de modo
desproporcional por um sistema de trajetórias
que cria novos pontos de entrada. Em vez de as-
sumir que, de forma natural, todos chegarão ao
ponto de acesso do mesmo canal, devemos criar
oportunidades para que mais pessoas de diferen-
tes origens entrem nessas áreas de formas dife-
rentes e em momentos diferentes de suas vidas.
Também precisamos entender que quando as
intervenções para criar novos pontos de acesso
são projetadas sem levar em consideração o gê-
nero ou a raça, correm o risco de reforçar antigas
desigualdades e privilegiar as pessoas historica-
mente mais privilegiadas. Por isso, esses novos
pontos de acesso devem ser projetados para prio-
rizar as pessoas mais marginalizadas pelo siste-
ma. Por exemplo, como mencionei, a maioria das
mulheres que se formam em ciência da computa-
ção é branca e asiática. Embora as negras, latinx
(homem ou mulher de origem latino-americana) e
indígenas representem aproximadamente 16% da
população, constituem apenas 4% dos bacharéis
em computação. Para ajudar a criar novas trajetó-
rias para as mulheres nessa área, fiz uma parceria
com mais de uma dúzia de empresas líderes em
tecnologia para formar a Reboot Representation
Tech Coalition, cujo compromisso é dobrar o nú-
mero de mulheres negras, latinx e indígenas que
se formam em computação até 2025. Os primei-
ros investimentos da coalizão incluem uma ini-
ciativa chamada Women in Technology and
Entrepreneurship in New York (conhecida como
WiTNY), que incentiva jovens mulheres a consi-
derar a possibilidade de seguir uma carreira na
área, convidando empresas de tecnologia locais
para oferecer estágio aos estudantes e, durante as
férias, “invernadas”. Ao exigir que esses estágios
e “invernadas” sejam pagos, a WiTNY garante que
sejam uma opção viável para estudantes de todas
as origens socioeconômicas.
A política americana é outro setor que precisa
de novos pontos de acesso para as mulheres. No
ritmo atual, ainda falta pelo menos 60 anos para
que as mulheres atinjam a paridade no congres-
so. As mulheres ocupam apenas 24% das vagas
no Senado e na Câmara dos Deputados. Vinte e
seis estados nunca elegeram uma mulher negra
para o Congresso e 20 nunca foram governados
por uma mulher.
No entanto, os dados mostram que o proble-
ma não é que as mulheres não ganhem — elas
têm menor propensão a concorrer. Mesmo nas
eleições de meio de mandato de 2018, que en-
viaram um número recorde de mulheres ao Con-
gresso, 77% dos candidatos eram homens. Indi-
víduos e empresas gastam milhões de dólares a
cada ciclo eleitoral para eleger mulheres, mas a
grande maioria desse dinheiro ajuda determina-
das mulheres a vencer campanhas individuais.
Apenas uma pequena fração é investida na cons-
trução de infraestrutura para, de início, incen-
tivar mais mulheres a concorrer. Para transfor-
mar o governo, precisamos construir e fortalecer
a capacidade de organizações como She Should
Run, Women’s Public Leadership Network e New
American Leaders. Essas organizações, e outras,
usam meios não tradicionais para recrutar can-
didatas de diferentes origens e estilos — liberais,
moderadas, conservadoras, negras, imigrantes —
para entrar na política. Por exemplo, a Women’s
Public Leadership Network está verificando se
parcerias com as câmaras de comércio, asso-
ciações de corretores imobiliários e a American
Farm Bureau podem ajudar a identificar mulhe-
res que já são ativas em suas comunidades para
incentivá-las a candidatar-se a cargos eletivos.
O método de cada uma é um pouco dife-
rente, mas o princípio geral é o mesmo: se
Harvard Business Review
Dezembro 2019 29
Foco
simplesmente esperarmos que as mulheres obte-
nham poder e influência equivalentes através dos
canais antigos — nos quais elas têm menor proba-
bilidade de entrar do que os homens —, esperare-
mos por muito tempo.
Apoie o avanço profissional das mulheres.
Obviamente, não basta colocar as mulheres em
uma trajetória profissional se elas não forem ca-
pacitadas para o sucesso. Os dados mostram que,
em todos os setores que mencionei, as mulheres
têm menos acesso a redes, mentoria, patrocina-
doras e capital. Isso significa que, em quase to-
das as áreas e em comparação com seus colegas
do sexo masculino, as mulheres recebem menos
apoio para avançar.
Voltemos à tecnologia. Essa é uma área pessoal
para mim: estudei ciência da computação na fa-
culdade e passei quase uma década trabalhando
na Microsoft. Mas você não precisa ter um diplo-
ma de ciência da computação para participar da
redução da desigualdade de gênero na área. O que
acontece nesse setor afeta a todos nós. A tecnolo-
gia está definindo as fronteiras da saúde e da me-
dicina. Está transformando a relação entre cida-
dãos e governo. Está permitindo que empregado-
res e funcionários repensem o futuro do trabalho.
É essencial na disseminação do conhecimento, na
aproximação das pessoas e no estímulo à inovação
da economia. Enquanto as mulheres forem excluí-
das do setor de tecnologia, elas não terão o mesmo
poder e influência para moldar o futuro.
No entanto, as mulheres não só são menos
propensas a entrar na área de tecnologia, mas
também a permanecer nela. De acordo com o
Centro Nacional de Mulheres e Tecnologia da In-
formação, em 2017, as mulheres detinham ape-
nas 26% dos empregos de computação. Parte
do problema, como mencionei, é que o canal de
acesso para a tecnologia não atende bem as mu-
lheres. Mas as mulheres que ingressam no setor
têm probabilidade duas vezes maior de sair do
que os homens. Em 2017, o Kapor Center, uma or-
ganização dedicada à diversidade na tecnologia,
30 Harvard Business Review
Dezembro 2019
encomendou o estudo Tech Leavers, o “primeiro
estudo nacional que examina por que pessoas na
área de tecnologia abandonaram seus empregos
voluntariamente”. O estudo descobriu que a cul-
tura do local de trabalho desempenha um papel
significativo no aumento da rotatividade — espe-
cialmente para mulheres e minorias sub-repre-
sentadas. Quase dois terços dos dois mil entre-
vistados indicaram que teriam permanecido no
emprego se seus empregadores tivessem muda-
do a cultura. O estudo também descobriu que os
problemas culturais custam caro ao setor — mais
de US$ 16 bilhões ao ano.
Iris Bohnet, economista comportamental da
Harvard Kennedy School, trabalha com pes-
quisadores, startups e empresas estabelecidas
— inclusive de tecnologia — para identificar as
melhores práticas para superar o preconceito na
contratação, na gestão de talentos, no empreen-
dedorismo e na cultura do local de trabalho. Ela
e sua equipe compilaram dez recomendações ba-
seadas em evidências para empresas que buscam
eliminar a discriminação de seu local de traba-
lho. Uma dessas recomendações exige o uso de
metas e transparência para diminuir as dispari-
dades salariais. Outra sugere alocar o trabalho de
forma mais deliberada, para que todos os fun-
cionários tenham as mesmas chances de mostrar
suas habilidades diante da liderança sênior e de
participar do trabalho de alto nível que propor-
ciona as promoções.
A pesquisa de Bohnet também sugere que os
gestores tomam decisões menos tendenciosas
sobre promoções e tarefas quando, em vez de
avaliar candidatos individualmente, tomam “de-
cisões de grupo” — ou seja, considerando vários
candidatos a um cargo ou promoção ao mesmo
tempo. Quando os candidatos são avaliados in-
dividualmente, é mais provável que o viés de gê-
nero entre em ação. Porém, quando os candida-
tos são comparados entre si, é mais provável que
sejam avaliados com base em fatores como o de-
sempenho passado.
 Quem deseja aumentar o poder e a influência das mulheres não pode
confiar no senso de ética ou no interesse próprio de outras pessoas.
Precisamos aumentar a pressão sobre elas.
Em fevereiro de 2018, quando Bohnet apre-
sentou essas descobertas sobre “decisão de gru-
po” aos comitês do Prêmio Nobel, a organização
mudou a maneira como solicitava indicações
ao prêmio, e pediu aos membros do comitê que
apresentassem até três candidatos para avalia-
ção, em vez de apenas um. Provavelmente não é
coincidência que, em 2018, quando os laureados
foram anunciados no outono, essa tenha sido a
primeira vez que duas mulheres ganharam o Prê-
mio Nobel de ciências no mesmo ano.
Além de projetar a eliminação do preconceito
de sistemas existentes, também podemos acele-
rar o progresso criando sistemas novos e melho-
res. Conforme o setor de tecnologia se expande
para além do Vale do Silício, para cidades como
Atlanta, Chicago e Pittsburgh, não há motivo pa-
ra esses hubs replicarem desigualdades de ori-
gem. Se agirem rapidamente para, à medida que
crescem, tornarem a representação e a inclusão
das mulheres uma prioridade, poderão, de fa-
to, desempenhar um papel enorme na diminui-
ção da desigualdade de gênero na tecnologia. O
WiTNY, mencionado anteriormente, já está pre-
parando o terreno para escalar seu modelo em
comunidades de todo o país, com planos de par-
ceria com empresas de tecnologia, universidades
e ecossistemas de inovação para criar normas e
práticas inclusivas que permitirão que mais mu-
lheres avancem na tecnologia.
Se a tecnologia é a base do futuro, uma tecno-
logia mais equitativa também pode ser a base pa-
ra um futuro mais equitativo.
estrAtÉgiA 3:
AMPLiFiQUe A PressÃo eXterNA
Em 2008, durante a campanha, o então senador
Barack Obama afirmou, de forma reiterada, que
se opunha à igualdade no casamento. “Acredi-
to”, disse ao Fórum Presidencial de Saddleback,
“que o casamento é a união entre um homem e
uma mulher”. As pesquisas de opinião pública da
época confirmaram que a maior parte do país con-
cordava com ele. Em 2012, no entanto, a situação
havia mudado. O presidente Obama disse a Robin
Roberts, da ABC: “Acho que os casais do mesmo
sexo deveriam ter o direito de se casar”. Três anos
depois, a Suprema Corte dos Estados Unidos de-
cidiu que o casamento é um direito civil que per-
tence a todos os casais. Nesse ponto, as pesquisas
já mostravam que a maioria dos americanos con-
cordava com o Tribunal. Em tempo relativamente
curto, a opinião pública e as políticas públicas mu-
daram — de forma rápida e profunda.
Um dos catalisadores que fizeram a questão avan-
çar foi uma organização chamada Civil Marriage
Collaborative. Fundada em 2004 por um grupo de
fundações filantrópicas, trabalhou com 26 líderes
nacionais LGBTQ para criar uma estratégia coor-
denada em torno da igualdade no casamento. A
Collaborative não criou nada de novo nem substi-
tuiu as organizações que trabalhavam no problema
há muito tempo. Apenas oferecia um mecanismo
para as organizações já existentes trabalharem jun-
tas e fornecia capital de forma flexível e paciente
para que pudessem implementar sua estratégia.
Ao longo de uma década, a Collaborative gastou
mais de US$ 150 milhões em 30 estados para exer-
cer pressão nos tribunais, na mídia, nos estados e
nas ruas. No final, exerceu tanta pressão e com tan-
ta eficácia que os líderes se surpreenderam. A meta
que estabeleceram em 2004 era, até 2020, a igual-
dade total de casamento em dez estados; atingiram
a meta em cinco anos e em 40 estados.
Há uma lição a ser aprendida aqui sobre o
efeito catalítico da coordenação. Quem dese-
ja aumentar o poder e a influência das mulheres
não pode confiar no senso de ética ou no inte-
resse próprio de outras pessoas. Precisamos au-
mentar a pressão sobre elas. Três tipos de cliente
— acionistas, consumidores e funcionários —
exercem uma influência desproporcional sobre
as instituições. Ao se mobilizar, podem traduzir
essa influência em pressão direcionada.
Harvard Business Review
Dezembro 2019 31
Foco Se os consumidores começarem ou pararem de comprar com
base no histórico da empresa de apoiar o poder e a influência
das mulheres, o comportamento corporativo mudará.
Acionistas. O ativismo dos acionistas é uma
área em que vejo muito potencial inexplorado. Re-
centemente, por exemplo, o Conselho de Investi-
mentos do Plano de Pensão do Canadá usou seu
poder de acionista, ameaçando votar para remo-
ver conselheiros de empresas do seu portfólio cujo
conselho de administração não contava com mu-
lheres. Em um ano, metade das 45 empresas em
questão havia respondido nomeando pelo menos
uma mulher. E o ativismo dos acionistas não pre-
cisa parar na composição dos conselhos de admi-
nistração. O voto dos investidores pode pressio-
nar as empresas a aprovar mudanças radicais para
melhorar a igualdade de gênero, como aumentar a
transparência sobre salários e promoções.
Consumidores. Os indivíduos podem usar
suas decisões diárias de compra para recompen-
sar as empresas que fazem parte da solução e
punir as que não fazem. Em 2017, a Uber perdeu
10% de sua participação de mercado em menos
de um ano, após acusações de que havia tentado
capitalizar uma greve de taxista, e a campanha
#DeleteUber ganhou força. Se os consumidores
começarem ou pararem de comprar com base no
histórico da empresa de apoiar o poder e a influ-
ência das mulheres, o comportamento corpora-
tivo mudará.
Para isso, várias organizações começaram a
publicar dados sobre igualdade de gênero nas
empresas. Por exemplo, um aplicativo, Gender
Fair, atribui notas em quatro categorias: repre-
sentação de mulheres em posições de liderança,
desigualdade de gênero em salários e benefícios,
participação de mulheres na publicidade e filan-
tropia corporativa focada em igualdade de gêne-
ro. Usando essas informações, os consumidores
podem responsabilizar as empresas cujos produ-
tos consomem.
Funcionários. Por fim, funcionários podem
atuar juntos para mudar o comportamento de
seus empregadores. Considere a recente paralisa-
ção de funcionários da Google, motivada por re-
velações de que os principais executivos acusados
32 Harvard Business Review
Dezembro 2019
de assédio sexual foram recompensados com ge-
nerosos pacotes de indenização. Cerca de 20 mil
funcionários em 50 cidades participaram das pa-
ralisações, forçando a empresa a reavaliar a forma
como lidava com alegações de assédio sexual.
Cada um desses tipos de pressão externa po-
de afetar o comportamento das instituições mais
importantes. O que ainda não vimos é uma pres-
são conjunta para promover as necessidades das
mulheres. Uma empresa que enfrenta a cobertu-
ra negativa da imprensa, a insurgência de acio-
nistas, o boicote de consumidores ou a paralisa-
ção de funcionários teria pouca escolha, a não
ser responder às demandas e encontrar maneiras
de aumentar o poder e a influência das mulheres.
Uma das ferramentas mais importantes pa-
ra criar essa sinergia são os dados. No momento,
porém, não há o suficiente disponível, principal-
mente quando se trata de gênero. No meu traba-
lho global na área de saúde sei exatamente onde
conseguir dados: os Centros de Controle de Doen-
ças, o Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde e
a Organização Mundial da Saúde. Porém, quando
se trata de dados de gênero nos Estados Unidos,
defensores da causa e ativistas precisam reunir
conjuntos de dados altamente limitados e muitas
vezes incompletos e confiar em extrapolações pa-
ra preencher as lacunas. Acredito que os finan-
ciadores filantrópicos têm um grande papel a de-
sempenhar aqui. Imagine se tivéssemos uma OMS
para dados de gênero: uma sede institucional e
centralizada dedicada à coleta e análise de dados
abrangentes e precisos de todos os tipos. Isso aju-
daria as pessoas a ver claramente onde estão as
desigualdades e a garantir que elas tenham as in-
formações necessárias para entrar em ação.
O capital filantrópico e privado pode ajudar
a criar as condições para as pessoas de todos os
setores se unirem e exigirem mudanças. Quando
essas demandas são ruidosas e claras o suficiente
e quando a pressão aumenta é que as antigas
paredes que há muito pareciam sólidas come-
çam a desmoronar.
 progresso em direção a um futuro melhor e mais
NÓs PodeMos. VAMos FAZÊ-Lo? igualitário para as mulheres deste país. Vocês são
Há muito tempo esperamos para derrubar essas executivos seniores, empreendedores, inovado-
paredes. Nos primeiros dias da democracia res e investidores; chefes, conselheiros e acionis-
americana, Abigail Adams exortou os criadores tas; espectadores da mídia e eleitores; funcioná-
da Constituição a “se lembrarem das damas”, rios, consumidores e familiares. Cada uma des-
alertando que as mulheres não “se manteriam sas funções oferece a você —oferece a nós — uma
vinculadas a nenhuma lei em que não tivésse- oportunidade de reconhecer as falhas do siste-
mos voz ou representação”. Na década anterior ma, nomeá-las e contribuir para alterá-las.
à Guerra Civil, Sojourner Truth pediu aos Esta é a nossa chance. E se aproveitarmos a
ativistas de igualdade de direitos que fossem oportunidade, talvez na próxima vez em que
mais inclusivos com as negras — lembrando Rosie apareça na caixa de correio anunciando
aqueles que a viam apenas como ex-escrava: “Conseguimos!”, ela esteja certa.
“Eu sou o direito de uma mulher” (sic). Na virada
do século XX, Emma Lazarus ajudou a moldar a NOTA: A autora fez investimento filantrópico nas seguin-
autoimagem dos Estados Unidos, compondo a tes organizações mencionadas no artigo: Programa
poesia que saúda as famílias de imigrantes que, de Políticas Públicas e Mulheres (Iris Bohnet) da
há gerações, chegam a Ellis Island “ansiando Harvard Kennedy School; Mitchell Kapor Foundation;
por respirar livremente”. National Center for Women and Information
Todas essas mulheres contribuíram para uma Technology (NCWIT); Reboot Representation Tech
visão melhor e mais igualitária do nosso país, na Coalition; Collaborative Fund for Women’s Safety and
qual ainda trabalhamos hoje. Mas nenhuma de- Dignity; Time’s Up Foundation; e Women in Technology
las — nem Abigail, nem Sojourner, nem Emma, and Entrepreneurship in New York (WiTNY).
nem os milhões de mulheres corajosas cujos no-
mes nunca saberemos, nem a própria Rosie the
hbr reprint R1912A–P para pedidos, página 8
Riveter — teve a oportunidade que temos agora
de acelerar o ritmo da mudança e mudar os ru-
mos da história. Se não aproveitarmos esta opor-
tunidade, talvez demore 208 anos para que al-
cancemos a igualdade. Estaremos perto do 500º
aniversário de Abigail Adams. A igualdade não
pode esperar tanto tempo.
Como muitas pessoas, tenho pensado sobre
qual é meu papel neste momento — por meio
do meu trabalho internacional na Bill & Melinda
Gates Foundation e da minha empresa, Pivotal
Ventures. Estou comprometida a usar o poder e a
influência que tenho para promover a igualdade
de gênero em todo o mundo e expandir o poder
e a influência das mulheres nos Estados Unidos.
E sei que não estou sozinha. Longe disso.
Os leitores da Harvard Business Review têm
muitas funções a desempenhar liderando o
continua na página 36

Harvard Business Review

Dezembro 2019 33
TODOS OS FUNCIONÁRIOS DEVEM TER ACESSO À
LICENÇA-PARENTAL REMUNERADA
alexis ohanian, cofundador da reddit, fala sobre a luta pela licença-paternidade — e como foi tirar a sua.
Alison Beard
alexis ohanian é cofundador da
reddit e agora lidera a empresa de
investimentos initialized capital como
cofundador e sócio-gestor. mas ele diz
que suas funções mais importantes na
vida são como marido da campeã de
tênis serena williams e pai de
olympia, com dois anos. depois de
tirar sua própria licença-paternidade
e aprender a ser um pai que trabalha,
tornou-se defensor da licença-
parental remunerada obrigatória nos
Estados unidos. Esta é uma versão
editada da nossa conversa em
meados de agosto.
36 Harvard Business Review
Dezembro 2019
Por que você decidiu fazer da
licença-parental a sua causa?
sinceramente, não pensava muito
nisso até minha filha nascer. na
reddit, oferecíamos 16 semanas
de licença e, ao usá-la, percebi em
primeira mão quão importante ela
é. minha esposa e eu temos muitas
vantagens — ajuda em casa, famílias
que nos apoiam e outros recursos.
mas com as complicações e risco de
vida que ela enfrentou após o parto,
não podia imaginar ficar longe de
minha família ou ter de escolher um
dos dois. isso ficou muito claro para
mim. Vi que isso não deveria ser
um privilégio concedido apenas a
pessoas com a sorte de trabalhar em
empresas com boas políticas. deveria
ser obrigatório.
Por que você já havia decidido
oferecer uma licença relativamente
generosa na Reddit?
Em 2014, quando voltei para a
empresa depois de me afastar por
vários anos de um cargo executivo
FoToGraFia Paul kanE / sTrinGEr
em tempo integral, não tínhamos
rH. katelin Holloway estava disposta
a assumir a liderança de pessoal e
cultura e trouxe consigo um plano
que incluía férias remuneradas, e isso
me pareceu razoável. dentro do setor
de tecnologia, 16 semanas de licença

é o mínimo. mas isso reflete uma
questão importante. as empresas
de tecnologia têm esses benefícios
porque estamos em uma guerra
por talentos. a razão pela qual as
empresas de tecnologia conseguem
aumentar a receita em centenas de
milhões de dólares e crescer bilhões
de dólares nas avaliações é porque
atraem e retêm pessoas de alto
desempenho. Tenho orgulho do
fato de que a tecnologia esteja na
linha de frente do apoio à licença
remunerada. Ela deve servir
como modelo para outros setores
que desejam grandes talentos,
especialmente com habilidade em
tecnologia. Para atraí-los, você
precisará oferecer algo semelhante
ou melhor.
Como você demonstra o retorno do
investimento?
bem, sabemos que quando a Google
expandiu suas férias remuneradas
[de 12 para 18 semanas], a taxa
de desligamento caiu 50%. claro,
isso é correlação, não causalidade,
mas é uma mudança concreta. E
se você considerar as despesas de
recrutamento e treinamento de
novos funcionários, isso equivaleria a
uma fantástica economia de custos.
Em uma pesquisa da Paid leave for
the united states, uma organização
de defesa da causa, 77% dos
entrevistados disseram que a duração
da licença remunerada oferecida
pelos empregadores afetaria sua
escolha por uma empresa em
detrimento de outra. repito, é algo
que o ajudará a conquistar talentos.
mas também devemos perceber que
isso cria valor que nem sempre será
refletido nos números de curto prazo.
O que você diria a líderes de startups,
pequenas empresas ou empresas
fora da área de tecnologia que argu-
mentam não poder se dar o luxo de
pagar as pessoas para ficar longe do
trabalho por vários meses?
Eu mencionaria uma empresa como
a rede de saladas sweetgreen.
certamente, o ramo de saladas não
é o de software, mas fizeram a conta
fechar com cinco meses de licença-
parental totalmente paga — ainda
mais do que a nossa na initialized
capital. E acho que é porque eles
e outros empregadores, como eu,
percebem que obterão mais lealdade
e produtividade dos funcionários
como resultado. os seres humanos,
sejam engenheiros de software ou
pessoas que preparam alimento,
só dão o melhor de si se estiverem
tranquilos de que sua casa e sua
família estão seguras. se estão
distraídos, estressados ou frustrados,
haverá custos nisso. Eu trabalho
com muitos empreendedores e não
conheço nenhum que considere a
política de licença remunerada uma
má ideia.
Além de oferecer vários meses de
folga após o nascimento ou a adoção
de um filho, o que contribui para
uma boa política corporativa de
licença remunerada?
calendário flexível. Eu não sabia
que a reddit tinha isso até katelin
Holloway me explicar que você pode
alocar essas 16 semanas de acordo
com a necessidade de sua família.
Foco
Então, como pai no primeiro mês, é
ótimo estar em casa para dar todo o
apoio. mas talvez você planeje estar
no escritório de segunda a quarta-
feira e em casa quinta e sexta-feira
para esticar esse período e dar a você
e sua família tempo para se adaptar.
outra coisa: tratamento igual para
pais e mães. Pode ser um período
mais longo para as mulheres se
houver complicações de saúde
relacionadas à gravidez ou ao parto.
mas decidimos chamá-la de “licença
familiar”, porque eu e muitos pais
acreditamos que temos a mesma
responsabilidade na criação dos
filhos. E isso define uma situação de
mais igualdade no local de trabalho,
porque há menos preocupação —
o que, infelizmente, acontece — de
que as contratadas fiquem grávidas.
se assumirmos que qualquer homem
ou mulher que contratamos possa,
um dia, ter um filho e tirar uma folga
por causa disso, estamos em um
lugar melhor.
Quero deixar claro, porém, que
nada disso significa prescrever
funções e responsabilidades
específicas para qualquer pai ou
mãe. Tem mais a ver com a liberdade
de decidir. a maior crítica que vejo
são os tweets de pessoas que dizem:
“não preciso de mais de uma semana
depois de ter um filho”. Tudo bem.
a escolha é sua. mas a oportunidade
deve ser estendida a todos os pais
que vão ter filho.
Em setores ou empresas de ritmo
acelerado, de alta pressão e alta-
mente competitivos, como conven-
cer as pessoas — homens e mulheres
Harvard Business Review
Dezembro 2019 37
Foco
— de que não há problema em usar
todo o tempo disponível a elas?
Para mim, um grande incentivo não
é apenas incentivar mais líderes do
setor privado a adotar essas políticas,
mas também encorajar colegas que
são pais, especialmente aqueles em
cargos executivos, a tirar proveito
delas. isso dá cobertura às pessoas
no resto da empresa, para que
possam tirar uma folga sem pensar
que isso prejudicará suas carreiras.
Pelo contrário, assim elas sabem
que essa será a melhor decisão.
acho que as mídias sociais ajudaram
a normalizar isso. Homens que se
orgulham de ser pais existem desde
sempre, mas, historicamente, é algo
sobre o qual nem sempre falamos.
isso está mudando. Esta geração é
mais capaz de ser franca e aberta.
um bom exemplo é o subreddit
“dad reflexes” (reflexo de pai), que
centenas de milhares de pessoas
visitam todos os dias, compartilhando
e assistindo a vídeos de coisas como
uma criança quase caindo de um
sofá e o pai a pegando sem que
seu parceiro sequer perceba o que
aconteceu. agora temos maneiras de
compartilhar essas pequenas vinhetas
de pais protegendo, brincando,
alimentando e passando tempo com
nossos filhos.
Então, espero que a surpresa
comece a desaparecer. Quero ver
homens assumindo seriamente
suas responsabilidades como pais
nas minhas empresas. Quero que
todos tenhamos a confiança de
dizer “vou sair cedo hoje para buscar
meu filho”. ninguém poder olhar a
minha história e me acusar de não
38 Harvard Business Review
Dezembro 2019
ser um empreendedor exigente e exemplo, o cradlE act (ato bErço)
orientado para a carreira. mas eu e o Family act (ato FamÍlia). Parece
realmente acredito que essas coisas que o maior problema agora será o
não são mutuamente exclusivas. financiamento — se será realocado
E acho que essa mudança é boa de outras políticas, como será sub-
para a sociedade. sidiado. outros países abordaram
isso de diferentes maneiras. Também
Por que você também defende estamos verificando se conseguimos
mudanças nas políticas públicas? um projeto de lei enxuto, sem nada
a américa é o último país extra embutido. Gostaria de uma
desenvolvido a obter isso. o fato de lei federal para licença-parental
que um quarto das mulheres neste remunerada de seis meses, pois é
país volta ao trabalho duas semanas o que cada vez mais pesquisas
após o parto, porque não existe uma dizem que é o ideal.
política pública que garanta que
elas possam passar tempo com seu Sobre a autora: Alison Beard é editora
sênior da Harvard Business Review..
recém-nascido é indesculpável. isso
inclui mulheres que fizeram cesariana hbr reprint R1912A–P
para pedidos, página 8
e que ainda têm feridas semiabertas.
como nós — enquanto nação que
acredita na importância dos valores
da família — aceitamos isso? mas
fui encorajado pelas organizações
que lutam por isso, pelos dados
relacionados com isso e pelo fato
de haver tantas vozes no setor
privado — empresários, cEos —,
assim como parlamentares de
esquerda e direita que também
querem que isso aconteça.
Com quais legisladores você
está fazendo parceria e que legis-
lação específica você gostaria que
fosse aprovada?
Em outubro, minha equipe e eu vamos
a dc, e ainda estamos fechando com
as pessoas que vamos encontrar, mas
são senadores e deputados,
republicanos e democratas, como os
senadores Joni Ernst e kirsten
Gillibrand, que já tentaram apresentar
várias versões dessa legislação — por
 COMO ACABAR COM A CULTURA DE ASSÉDIO
o assédio sexual tira o poder das mulheres no local de trabalho. Veja como quebrar o ciclo.
Jennifer Klein
T
udo começou com duas
palavras. Em outubro
de 2017, a atriz alyssa
milano tuitou: “se você
foi assediada ou agre-
dida sexualmente, escreva “eu tam-
bém” como resposta a esse tweet”.
mais de uma década depois de Tarana
burke lançar o movimento me Too para
apoiar as sobreviventes de agressão
sexual, milhões compartilharam a
hashtag #meToo e o assunto tomou
conta das manchetes. mulheres no
setor de entretenimento responderam
com mais duas palavras: chegou a hora.
Em janeiro de 2018, antes do lan-
çamento da organização TimE’s uP,
700 mil trabalhadoras da alianza
nacional de campesinas enviaram
uma carta para prestar solidariedade
ilusTração EwElina karPowiak
às atrizes que fizeram denúncias. os
dois grupos logo se uniram, junto com
outras mulheres de baixa renda que
sofreram em silêncio assédio sexual
e já lutavam por segurança, equidade
e dignidade no local de trabalho. co-
mo disse oprah winfrey, em poderosa
declaração no Globo de ouro, o assé-
dio sexual “transcende qualquer cul-
tura, geografia, raça, religião, política
ou local de trabalho”.
o assédio sexual é ao mesmo tempo
o produto e a causa da falta de poder
que prejudica as mulheres em todos
as áreas, da agricultura à tecnologia,
e em todas as fases da carreira, des-
de o emprego de nível básico até os
cargos de liderança. Ficou claro para
os fundadores da TimE’s uP — e para
mim, por ter uma carreira de trabalho
pela igualdade de gênero — que der-
rubar um agressor, ou mesmo muitos,
não interromperá o assédio sexu-
al. Em vez disso, resolver o proble-
ma exige um esforço deliberado para
enfrentar as barreiras que ameaçam
tanto a segurança quanto a equidade,
incluindo discriminação, disparidade
salarial, responsabilidades desiguais
no cuidado familiar e normas e este-
reótipos negativos.
acabar com o assédio não é um ob-
jetivo isolado; é essencial para acabar
com outras formas de desigualdade
de gênero. desde o início, a propos-
ta e a missão da TimE’s uP têm sido
unir-se a todas as mulheres, que fa-
zem todo tipo de trabalho, em um es-
forço conjunto para exigir um traba-
lho seguro, justo e digno.
COMO O ASSÉDIO ATRASA AS
MULHERES — E OS NEGÓCIOS
de acordo com a comissão de igual-
dade de oportunidades de Emprego,
até 85% das mulheres nos Estados
unidos relatam ter sofrido assédio se-
xual no trabalho. nenhum setor está
imune, mas uma análise recente de
mais de 85 mil acusações de assé-
dio entre 2005 e 2015 constatou que
as taxas mais altas estão nos setores
de hotelaria e alimentação, segui-
dos pelas áreas de varejo, manufatu-
ra, saúde e assistência social — se-
tores nos quais as mulheres, espe-
cialmente as mulheres negras, estão
super-representadas.
o assédio sexual é devastador no
plano pessoal e prejudicial economica-
Harvard Business Review
Dezembro 2019 39
Foco
mente. mulheres que sofrem assédio
sexual no trabalho têm seis vezes mais
chances de mudar de emprego, geral-
mente para áreas menos desejáveis e
com salários mais baixos. muitas mu-
lheres que não deixam seus empregos
enfrentam retaliação econômica, in-
cluindo cortes de salário ou demissão,
se denunciarem o assédio.
isso não é ruim apenas para as mu-
lheres, mas também para os negócios.
Para cada funcionária que é assediada,
os empregadores perdem cerca de
us$ 22.500 em produtividade, além
dos custos de rotatividade de funcioná-
rios, honorários legais e danos à repu-
tação. a economia como um todo tam-
bém sofre como resultado do enorme
potencial perdido de mulheres que são
perseguidas até saírem do emprego ou
cujas carreiras são paralisadas, às vezes
antes mesmo de começar.
o assédio sexual não ocorre no vá-
cuo. Está enraizado em discrimina-
ção, barreiras e preconceitos mais
amplos. nos Estados unidos, as mu-
lheres recebem, em média, apenas
80 centavos de dólar para cada dólar
pago aos homens. Quando o salário é
agrupado por raça, a diferença pode
ser ainda maior: enquanto as mulhe-
res brancas recebem 77 centavos de
dólar, as mulheres negras recebem
61 centavos, as índias 58 centavos
e as latinas apenas 53 centavos. as
mulheres são super-representadas
em empregos de baixo salário e sub-
representadas em papéis de lideran-
ça. Elas também assumem maiores
responsabilidades ao cuidar de crian-
ças e pais idosos, o que pode com-
prometer sua capacidade de ganhar
a vida ou avançar na carreira.
40 Harvard Business Review
Dezembro 2019
Por fim, o assédio sexual está pro-
fundamente imbricado com essas
outras formas de discriminação e
desigualdade. Também faz com que
seja difícil para as mulheres defen-
der melhores condições de trabalho.
devemos ir muito além de fortalecer
e aplicar leis e políticas de assédio
sexual para enfrentar a desigualdade
que cria as condições em que ele ger-
mina. Focar o assédio significa tam-
bém se concentrar em questões como
igualdade de salário, licença-paren-
tal e médica remunerada (veja “Todo
funcionário deve ter acesso à licença-
parental paga”, na página 36), assis-
tência infantil acessível e discrimina-
ção da gravidez. E devemos continuar
promovendo o aumento da represen-
tação feminina — e de mulheres ne-
gras, em particular — em papéis de li-
derança e gestão e garantir dignidade
em todos os tipos de emprego. atra-
vés dessas ações, podemos começar
a nivelar o campo.
o assédio sexual e a discriminação
mais ampla prejudicam as mulheres,
tornando mais difícil para elas obter
sucesso e, em um ciclo vicioso, con-
tribui para o desequilíbrio de poder
que permite que o assédio e o abuso
sexual continuem. Quebrar esse
ciclo não é simples e exige mudan-
ças nas leis, práticas comerciais e
normas culturais.
COMO QUEBRAR O CICLO
alterar leis. o século 20 foi
marcado por um progresso constante
e incremental em direção à igualdade
das mulheres. Tudo começou com o
sufrágio universal, seguido por uma
importante legislação que proíbe a
discriminação sexual na educação e
no emprego, bem como a disparidade
salarial baseada no sexo. Pela lei
federal, o assédio sexual é ilegal nos
Estados unidos desde 1980.
mas, para chegar à verdadeira igual-
dade, precisamos melhorar as leis fe-
derais e estaduais, fortalecendo, por
exemplo, o caráter ilegal do assédio e
aumentando as multas e o prazo pa-
ra denúncia. um avanço importante
já está em andamento. nos dois anos
desde que o #meToo se tornou viral,
15 estados aprovaram leis para re-
forçar a proteção contra o assédio
sexual, incluindo nova york, onde o
TimE’s uP teve um papel ativo.
Também precisamos aproveitar o
progresso recente para garantir re-
muneração igual e instituir outras
políticas de apoio às mulheres que
trabalham. Quarenta e nove esta-
dos possuem dispositivos legais de
igualdade salarial e, neste ano, pelo
menos oito estados aprovaram novas
leis para mitigar a diferença salarial.
no congresso dos Estados unidos, o
Paycheck Fairness act foi aprovado
na câmara dos deputados com apoio
bipartidário, embora a perspectiva
no senado seja incerta. oito estados
e o distrito de columbia promulga-
ram leis de licença médica e paren-
tal remunerada. devemos aproveitar
o ímpeto atual nos níveis estadual e
federal para continuar fortalecendo
leis de igualdade salarial e estenden-
do proteções a todos os funcionários,
incluindo trabalhadores rurais, tra-
balhadores domésticos e contrata-
dos freelances; aprovar a licença mé-
dica e parental remunerada; garantir
acesso a creche; e proteger contra a
discriminação na gravidez.
mude as práticas de negócios. o
setor privado, que emprega a maioria
das mulheres nos Estados unidos, não
precisa esperar para adotar novas
exigências legais. algumas empresas
tomaram a dianteira: um número
crescente de executivos de nível de
diretoria considera que sua missão
inclui a responsabilidade social, e isso
inclui, necessariamente, o fim do
assédio sexual e da desigualdade no
local de trabalho. as políticas de
empresas que promovem segurança e
equidade são boas para os trabalha-
dores, para as mulheres e para o
resultado da empresa.
algumas empresas já estão tentan-
do implementar mudanças, mas ou-
tras precisam de um empurrãozinho.
serão necessárias cooperação e pres-
são externa. Por exemplo, por meio
do Fundo de defesa legal da TimE’s
uP, apoiamos trabalhadores que de-
nunciaram o mcdonald’s por assédio,
abuso e retaliação. um ano depois,
como nenhuma providência foi toma-
da, a TimE’s uP divulgou uma carta
aberta à liderança do mcdonald’s, as-
sinada por milhares de indivíduos e
uma coalizão de advogados, exigin-
do que a empresa agisse para acabar
com o assédio e a retaliação em seus
restaurantes. recentemente, pres-
tamos solidariedade aos atletas que
acusaram a nike de discriminação de
gravidez no contrato de patrocínio.
após constante pressão do público, a
nike anunciou que não iria suspender
os atletas ou reduzir o pagamento por
causa de gravidez ou faltas devido a
cuidado parental, e outras empresas
esportivas fizeram promessas seme-
lhantes. recentemente, demos uma
palestra na assembleia anual de acio-
nistas da alphabet, empresa contro-
ladora do Google, para pressioná-los
a liberar dados de salário mediano,
uma prática que precisa se tornar pa-
drão para avaliar e abordar a diferen-
ça salarial de forma completa.
as empresas devem melhorar as
políticas e o treinamento para evitar o
assédio sexual e a retaliação, eli-
minar o preconceito e a discrimina-
ção, aumentar a diversidade de gê-
nero e raça na liderança, eliminar
diferenças salariais e tornar as políti-
cas familiares, como licença remune-
rada e assistência infantil, acessíveis
aos seus trabalhadores.
mude as normas culturais. a
explosão do #meToo representou um
momento cultural poderoso, trouxe
atenção sem precedentes ao assédio
e abuso sexual e serviu como
chamado à ação. mas o trabalho
seguro, justo e digno só se tornará
realidade quando mudarem atitudes e
comportamentos arraigados.
a mudança cultural de longo prazo
depende de uma ampla evolução das
normas sociais que, antes de mais
nada, permitiram que o assédio se-
xual e a desigualdade de gênero per-
durassem. a forma como meninos e
homens veem meninas e mulheres,
e como meninas e mulheres veem a
si mesmas, aparece muito cedo e fi-
ca enraizada profundamente. Este-
reótipos —por exemplo, de garotos
fortes e inteligentes e garotas sexy
e submissas — são constantemente
reforçados pelas mídias sociais, pe-
la cobertura da mídia, propaganda e
indústria do entretenimento. Esses
preconceitos afetam o emprego das
mulheres, a maneira como são trata-
das no trabalho, as reações de estra-
nhos nas ruas e até as expectativas
da família em casa.
uma das melhores maneiras de aba-
lar normas profundamente arraigadas
é mudar a pessoa que conta histó-
rias para o cinema e televisão, o que
por sua vez muda as histórias que são
contadas. shonda rhimes, uma proe-
minente escritora e produtora e uma
das primeiras líderes da TimE’s uP,
contrata roteiristas mulheres e ato-
ras para seus shows, apresentando
mulheres trabalhadoras fortes e bem-
sucedidas em papéis de liderança e
cria enredos que abordam questões
como assédio sexual e diferença
salarial, mostrando como essas ex-
periências sobrepostas de desigual-
dade no trabalho minam a oportu-
nidade e o poder.
na TimE’s uP, também trabalhamos
para mudar a cultura, dando opor-
tunidade a mais mulheres, incluindo
mulheres negras e pessoas lGbTQ+.
Quando a TimE’s uP descobriu que
apenas 4% dos filmes de Hollywood
eram dirigidos por mulheres, convi-
damos os principais nomes do en-
tretenimento para participar do 4%
challenge, no qual concordariam em
anunciar um projeto de longa-metra-
gem com uma diretora dentro de 18
meses. mais de 120 pessoas influen-
tes responderam à chamada, incluin-
do a amazon, a universal e a warner
brothers. uma análise do annenberg
center, da university of southern ca-
lifornia, mostrou que pelo menos 12
dos 100 melhores filmes terão uma
Harvard Business Review
Dezembro 2019 41
Foco
diretora no próximo ano e meio —
mais do que o dobro de 2018 e mais
do que em qualquer ano desde o iní-
cio da medida, em 1980. uma pes-
quisa anterior realizada pelo centro
mostrou que diretoras produzem uma
representação mais completa de mu-
lheres de diversas idades e origens
raciais e étnicas, membros da comu-
nidade lGbTQ+, pessoas com defici-
ência e outros grupos marginalizados.
Também analisamos outras áreas,
além do entretenimento, para mudar
atitudes sociais. Por exemplo, quando
jogadoras de futebol da seleção femi-
nina dos Estados unidos aproveitaram
o momento de estrelato para falar
sobre salário igual e direitos das mu-
lheres, depois de vencer seu quarto
campeonato mundial em julho, inicia-
ram uma animada conversa nacional.
apesar de seu inegável sucesso, re-
cebem menos do que a equipe mas-
culina. a luta delas por paridade de
salário para si e para as mulheres em
todos os setores lançou nova luz so-
bre as chocantes disparidades entre
homens e mulheres e inflamou a
luta por salários iguais. a TimE’s uP
e a uswnT Players association co-
meçaram uma parceria para man-
ter o foco na diferença salarial e
indicar soluções.
Está começando a funcionar. as ati-
tudes estão começando a mudar, e
grandes mudanças nas normas cul-
turais podem acontecer de forma re-
lativamente rápida. Podemos tomar
como exemplo a campanha estraté-
gica e coordenada que ajudou a criar
uma mudança radical no apoio ao
casamento entre pessoas do mes-
mo sexo nos últimos anos, que foi
42 Harvard Business Review
Dezembro 2019
de uma grande maioria contrária em
2001 a uma ampla maioria que apoia
em 2017.
Eliminar o assédio sexual e garan-
tir emprego seguro, justo e digno pa-
ra as mulheres em todos os locais de
trabalho não será fácil, mas é hora de
redobrar esforços. se aproveitarmos
esse momento, podemos reunir líde-
res empresariais e ativistas, produ-
tores de cultura e formuladores
de políticas públicas. Podemos pre-
venir o assédio sexual antes que ele
comece e proteger os trabalhadores
quando isso acontece. Podemos
remover barreiras para que todas
as mulheres sejam tratadas de ma-
neira justa e tenham a mesma chance
de ter sucesso. E podemos aumentar
o poder e a influência das mulheres
no local de trabalho — e em outros
lugares também.
Sobre a autora: Jennifer Klein é diretora
de estratégia e política da TimE’s uP. antes,
trabalhou em questões de igualdade de
gênero no departamento de Estado dos
Estados unidos durante o governo obama e
na casa branca durante o governo clinton.
(divulgação: a TimE’s uP recebeu financia-
mento da Pivotal Ventures, organização
gerida por melinda Gates, autora do
primeiro artigo deste especial.)
hbr reprint R1912A–P
para pedidos, página 8
 COMO ELIMINAR A DESIGUALDADE DE GÊNERO
Thasunda brown duckett, cEo do chase consumer banking, fala sobre o empoderamento feminino por
meio da saúde financeira.
Nicole Torres
N
os Estados unidos, as
mulheres que
trabalham o ano todo
ganham algo em torno
de 82 centavos de
dólar para cada dólar ganho pelos
homens — mas possuem apenas 32
centavos de riqueza para cada dólar
que pertence a seus colegas homens.
ambas as diferenças são muito
maiores para mulheres negras e
latinas.
Estas estatísticas não são novas,
mas a maneira como falamos sobre
elas e os projetos para resolver o
problema precisam de uma nova
abordagem, diz Thasunda Brown
Duckett, cEo do chase consumer
banking e uma das mulheres negras
de cargo mais alto na área de
ilusTração EwElina karPowiak
finanças. Ela trabalha para melhorar a
alfabetização financeira e a saúde de
milhões de pessoas, especialmente
aquelas em comunidades carentes.
um exemplo é uma iniciativa recente
focada na expansão de oportunidades
econômicas para mulheres negras.
“Quando começamos a discutir
diferenças de gênero ou riqueza
racial com ‘é difícil’, estamos,
implicitamente, dizendo que temos
permissão para falhar”, diz ela. “não
usamos esta frase com nenhuma
outra métrica de negócios. se algo é
difícil, então você vai trabalhar até
meia-noite ou investir para entender
o problema. se eliminarmos o ‘é
difícil’ quando pensamos em como
eliminar diferenças, começaremos a
adotar novas abordagens.”
duckett e eu conversamos sobre
algumas dessas abordagens, desde
mudar a maneira como falamos sobre
dinheiro até o papel das finanças para
acelerar o poder e a influência das
mulheres. Esta é uma versão editada
da nossa conversa.
Por que é importante abordar a
desigualdade de gênero?
não devemos falar apenas sobre o
quanto as mulheres estão ganhando,
mas sobre quanto elas estão
guardando. não se trata apenas de
alugar uma casa, mas de possuir
uma, de como transferir riqueza para
os filhos. É fundamental discutir se
o dinheiro está ou não funcionando
para as mulheres e para qual fim, de
modo que, ao iniciarem um negócio
e ao começarem a aumentar a renda,
criem riqueza a longo prazo. com
o aumento de mães solteiras, de
mulheres que são chefes de família
e que esperam mais tempo para se
casar, temos que garantir que elas
criem riqueza para elas mesmas, em
vez de se apoiar em outra pessoa
para ter conhecimento e gerenciar
essas decisões.
Quais são as maiores barreiras?
o dinheiro é estressante para a
maioria das pessoas, especialmente
para mulheres e pessoas negras.
a riqueza mediana de americanos
negros solteiros é de us$ 200 a
us$ 300, ante us$ 15 mil a us$ 28 mil
para americanos solteiros brancos.
E as mulheres negras enfrentam
mais obstáculos ao sucesso financeiro
Harvard Business Review
Dezembro 2019 43
Foco
do que qualquer outro grupo nos
Eua. Para mim, o principal problema
a ser resolvido é a mentalidade
que temos em relação ao dinheiro.
É a ideia de que nosso patrimônio
[no original, “não”] define nossa
autoestima. Temos que mudar
essa mentalidade.
Por exemplo, o chase lançou uma
nova iniciativa chamada currency
conversations, focada em ajudar
mulheres negras a economizar
dinheiro, reduzir dívidas e construir
riqueza. reunimos as mulheres
e começamos a tratar dessa
mentalidade. Procuramos assegurar
que todas entendam que são boas
o suficiente e que a insegurança
financeira não define quem elas
são. Eu acho que essa é a coisa
mais importante, porque se
as pessoas não mudarem essa
mentalidade, não darão o próximo
passo para melhorar sua saúde
financeira.
Esta é uma questão muito pessoal
para mim. meu pai trabalhou em
uma empresa da Fortune 500 por
muitos anos e, embora oferecessem
ótimos benefícios, inclusive um plano
de pensão, meu pai não achava que
isso era para ele. o benefício esta-
va disponível. a informação estava
disponível. mas ele não se via como
alguém digno ou capaz de tirar
proveito desses benefícios.
levo isso comigo quando converso
com as mulheres. a linguagem
sobre dinheiro e finanças pode ser
realmente sofisticada, mas devemos
partir de onde estamos, e aprender
a falar sobre pequenas medidas para
nos sentirmos mais no controle.
44 Harvard Business Review
Dezembro 2019
agora, no chase, temos mais de
13 mil mulheres que se comprome-
tem a economizar para alcançar
seus objetivos. E o mais importante
é que, por se sentirem seguras e
porque tiveram a chance de contar
sua história, são mais propensas
a sentir que podem dar o próximo
passo — não necessariamente
economizar us$ 1 mil no mês
seguinte, mas economizar us$ 10
ou us$ 30. É aí que acontece um
real avanço, quando temos a chance
de mudar a narrativa e os resultados
da riqueza.
Quais outras medidas práticas as
mulheres podem tomar para come-
çarem a se tornar mais capacitadas
e seguras financeiramente?
Tudo se resume às capacidades
e experiências certas. Em termos
de capacidade, toda mulher deve
conhecer sua pontuação de crédito.
Eu costumo dizer que todas nós
acertamos 100% ao lidar com a
realidade. mas, no crédito, todas
as mulheres devem ficar com 700
pontos ou mais. isso ajuda as pessoas
a entender o que é o sucesso.
outra ideia é usar ferramentas que
ajudam a economizar. uma delas
é o autosave, que permite que os
clientes configurem transferências
automáticas da conta-corrente
para a conta-poupança, sejam
us$ 10 por semana ou us$ 10 por
mês. Você determina o valor e depois
esquece. o melhor de tudo é que
você pode começar pequeno e,
depois, relacionar o valor ao que
está economizando. construir hábitos
é a melhor maneira de progredir de
maneira sustentável. Então, você
começa com us$ 5 e vê isso crescer,
e percebe que é capaz de colocar
mais dinheiro para a viagem de suas
filhas ou para os pneus que você
precisa trocar. sabemos pelos dados
do chase que, até agora, em 2019,
as mulheres economizaram us$ 588
por meio do autosave, mas os ho-
mens economizaram us$ 727. Eu
acho que há um poder real em ajudar
as mulheres a economizar, porque
quando surge um imprevisto temos
a capacidade de lidar com a situa-
ção, seja pagando o aumento da
escola dos meus filhos ou qualquer
outra situação.
Finalmente, quando penso em
termos de experiência, falar sobre
dinheiro não precisa ser o pior dos
assuntos. deveria fazer parte da
conversa entre amigas. se vamos nos
encontrar na casa de alguém para
tomar vinho e comer queijo, vamos
combinar isso com um papo sobre
como manter os 700 pontos ou
mais. Vamos falar sobre o quanto
estamos economizando, quais
objetivos estamos tentando alcançar.
Vamos cobrar essa responsabilidade
uma das outras.
Como isso ajuda a aumentar o
poder e a influência das mulheres?
isso ajuda as mulheres a se tornarem
mais informadas sobre saúde
financeira, mais confiantes em fazer
perguntas sobre o que promove
essa saúde financeira — como a
remuneração — sem remorsos pelo
que economizam. Tudo isso leva à
riqueza. Queremos que as mulheres
sejam capazes de ter riqueza neste
país para realizar o que é importante
para elas, seja fazendo serviço so-
cial, trabalhando como voluntárias,
defendendo uma causa ou tendo os
recursos e a confiança para eliminar
parte do estresse da falta de dinhei-
ro que nos impede de estarmos pre-
sentes e poderosas. Quanto mais
aprendemos e nos encorajamos,
mais poderemos gerar impacto e
acelerar o progresso.
Qual é o papel das finanças? Não é
um setor muito diversificado, espe-
cialmente nos níveis seniores.
Penso que ter mais mulheres
de poder nas finanças será um
catalisador para diminuir a
desigualdade de riqueza e de renda.
dado que é um grande setor, esses
empregos podem se desdobrar em
carreiras importantes, em muitas
áreas diferentes de finanças e em
outros setores, o que é um ponto
crítico. será difícil diminuir a
desigualdade de renda e de riqueza
sem que o setor financeiro assuma
um papel de liderança nessa área.
O que o setor precisa fazer para
assumir essa liderança?
Temos que mudar nossa mentalidade
sobre como buscar talentos em
certos setores nos quais sabemos que
os canais de acesso são escassos.
Por exemplo, Jamie dimon, cEo
do JPmorgan chase, lidera com
foco em gestores gerais, em vez de
gestores especializados. Eu sou a
prova de conceito. Estava na área de
financiamento imobiliário. Tornei-me
cEo da autosave. agora sou a cEo de
um banco comercial.
se focarmos a gestão geral,
poderemos transferir líderes que
talvez não tenham a expertise
tradicional, e acho que criaremos
novas oportunidades para as
mulheres nos setores com
desigualdade de gênero. Haverá
mais espaço para migrar de setores
em que as mulheres estão super-
representadas, como saúde e
educação, para setores nos quais
temos mais chances de ganhar mais e
eliminar a desigualdade.
Por outro lado, também precisamos
analisar os dados para identificar
setores em que a renda é alta e nos
quais não temos o mesmo nível de
representação. o que você pode fazer
a respeito? Temos que começar a
trazer as mulheres mais cedo para o
mercado profissional. isso significa
fazer com que escolas e estágios
aumentem a exposição das mulheres
ao nosso setor. sabemos que isso
realmente faz diferença.
Como uma das mulheres negras de
cargo mais alto na área de finanças,
o que a ajudou a alcançar sua pró-
pria posição de poder e influência?
Para mim, a ruptura veio por meio
do inroads, um programa de es-
tágio que proporciona às minorias
um caminho para os negócios. se
não fosse o inroads, eu não sa-
beria que poderia ter acesso à
américa corporativa.
Como podemos garantir que outras
pessoas tenham oportunidades e
rupturas semelhantes?
Temos que entender que o talento
é criado igualmente, mas as
oportunidades não. Precisamos
escalar essas oportunidades para
aumentar a exposição, seja por
meio de programas, estágios ou
seminários. Temos que tornar as
posições de poder e influência
mais próximas das mulheres, mais
próximas das pessoas negras, para
que elas possam ver que existem
possibilidades para elas. nosso foco
não deve ser o que temos de fazer
para dar às mulheres e minorias
uma vantagem, mas o que fazer para
que elas saiam na mesma linha de
partida. É isso aí.
Você se lembra do momento em que
percebeu o quão difíceis as coisas
são para a mulher, ainda mais para a
mulher negra? Quando seu senso de
poder mudou?
sim, na gravidez. Estava grávida de
seis meses quando me pediram para
fazer o P&l, que era meu objetivo.
não havia mulheres suficientes e,
definitivamente, não havia pessoas
negras fazendo o P&l. E a primeira
coisa que me veio à mente foi dar
uma desculpa, como se fosse dar a
eles permissão para pegar a tarefa
de volta. Eu pensei, você sabe que
estou grávida, certo? Você sabe que
vou ficar fora por três meses, por
causa disso? Eu analisava todas as
razões pelas quais eu não poderia
permanecer no trabalho, que
claramente eu poderia fazer bem e
claramente era meu objetivo. Tive
esse momento de dúvida e medo,
quando estava grávida e ia sair
de licença, sobre liderar algo que
é realmente importante para os
negócios. Eu quase dei permissão à
Harvard Business Review
Dezembro 2019 45
Foco

empresa para dizer, “oh, você está

certa, talvez este não seja um bom
momento para você”.
reconhecer esse momento mudou
as coisas para mim. Toda a dúvida e
medo, a sensação de que não somos
suficientes ou que não cumprimos os
requisitos — eu precisava estar ciente
disso. não é uma boa ideia permitir
que as pessoas respondam a essa
dúvida, o melhor é superar isso e
reconhecer que você é o suficiente.

Como você vê seu papel como líder?

Quando penso sobre ser uma mulher
negra e líder no setor bancário,
mesmo reconhecendo que ainda
há muito trabalho a ser feito para
diminuir a desigualdade de gênero e
raça, penso todos os dias nos ombros
das gigantes sobre os quais repouso,
as cozinheiras, zeladoras e secretárias
que entraram primeiro na américa
corporativa como mulheres e como
minorias, cujo trabalho ao longo do
tempo me permitiu estar aqui.
Foi só a partir dos anos 1970, após a
lei dos direitos civis, que tínhamos
leis que permitiam a existência do
meu talento. acho que é um privilégio
sentar nesta cadeira e causar
impacto, e não sentir culpa pelo que
isso pode significar para a sociedade,
o que pode significar para as
mulheres, o que pode significar para
pessoas negras. Eu acho que é isso
que este cargo significa.

Sobre a autora: Nicole Torres é editora

associada sênior da Harvard Business
Review.

hbr reprint R1912A–P

para pedidos, página 8

46 Harvard Business Review

Dezembro 2019
 Artigos

crie melhores sistemas

Shutterstock

de avaliação online página 48

Harvard Business Review
Dezembro 2019 47
 MARKETING

crie melhores
sistemas de
C
avaliação
online como criar classificações
em que compradores e
vendedores possam confiar
Au to R Es
re
Geoff Donaker Hyunjin Kim Michael Luca
Ex-COO, Yelp Aluno de Professor
doutorado, Harvard associado, Harvard
Business School Business School

I lu st R A d o R sEan MCCabE
ra
r
48 Harvard Business Review
Dezembro 2019
Harvard Business Review
Dezembro 2019 49

MARKETING
Avaliações online estão
transformando a maneira como
os consumidores escolhem
produtos e serviços.
Nós utilizamos a TripAdvisor para planejar férias, a Zocdoc
para encontrar médicos e a Yelp para descobrir novos restau-
rantes. Os sistemas de avaliações desempenham um papel
importante em mercados online como Amazon e Airbnb.
De modo geral, um número cada vez maior de organizações
— variando da Assistência de Saúde da Stanford até nove
entre as dez maiores varejistas dos Estados Unidos — agora
mantém ecossistemas de avaliações para ajudar os clientes a
conhecer seus produtos.
Se bem administrado, um sistema de avaliação cria valor
tanto para compradores como para vendedores. Sistemas
confiáveis podem oferecer ao consumidor a confiança de que
precisa para comprar um produto relativamente desconheci-
do, seja um novo livro, seja um jantar num restaurante local.
E M R ES U M O
A PRoMessA
Os sistemas de avaliação, como a classificação
de motoristas da Uber e Lyft, avaliações de produ-
tos da Amazon e recomendações de hotéis na
TripAdvisor, refletem cada vez mais as decisões
dos consumidores. Os bons sistemas oferecem
aos compradores a confiança de que precisam
para comprar e gerar mais vendas (e mais visitas
dos consumidores ao site) para os vendedores.
50 Harvard Business Review
Dezembro 2019
Uma pesquisa realizada por um de nós (Mike), por exemplo,
mostrou que quanto maior a classificação da Yelp, maiores
as vendas. Esse efeito é maior para negócios independentes,
cuja reputação é menos consolidada. As avaliações também
criam um loop de feedback, que oferece aos fornecedores
informação valiosa: por exemplo, as classificações permitem
que a Uber exclua de seus serviços motoristas com baixo
desempenho, e elas podem oferecer aos produtores de bens
de consumo um balizamento para aprimorar seus produtos.
Mas, para cada sistema de avaliação bem-sucedido, vários
outros são estéreis, não atraem nem avaliadores nem outros
usuários. E alguns acumulam muitas avaliações, mas não
conseguem conquistar a confiança do consumidor sobre sua
capacidade de informar. Se os comentários de uma plataforma
forem todos positivos, por exemplo, as pessoas podem assumir
que os itens que estão sendo avaliados são todos de alta qualida-
de — ou podem concluir que o sistema não ajuda a diferenciar o
que é bom do que não é. As avaliações podem ser enganadoras
se fornecerem uma imagem incompleta das experiências. As
avaliações em proveito próprio ou fraudulentas podem dificul-
tar os esforços das plataformas de gerar confiança. A pesquisa
de Mike e Gerogios Zervas mostrou que os negócios têm uma
probabilidade particularmente maior de se envolver em avalia-
ções fraudulentas quando sua reputação está em dificuldades
ou a concorrência é particularmente intensa.
Por trás de muitas falhas do sistema de avaliação está uma
ideia comum: criar esses sistemas representa um desafio tec-
nológico, e não um desafio gerencial. Muitas vezes, os líderes
de empresas investem pesadamente em tecnologia para
suportar um sistema, mas não conseguem gerir ativamente
o conteúdo, criando problemas comuns. As implicações da
escolha de design pobre podem ser graves: é difícil imagi-
nar que viajantes confiem na Airbnb sem uma forma de os
anfitriões criarem uma reputação (que se baseia fortemente
em comentários), ou que compradores possam navegar pela
Amazon com tanta facilidade se não houvesse avaliações.
Como professores universitários, Hyunjin e Mike estudaram
as escolhas do design que levam algumas plataformas online
o PRoBleMA A solUÇÃo
Muitos sistemas não cumprem o que As empresas que
prometem — têm pouquíssimas avaliações criam e mantêm esses
ou as avaliações não são confiáveis ou sistemas precisam tomar
são inúteis. Por trás do fracasso de muitos decisões de design
sistemas de avaliação está uma hipótese que levem a melhores
comum: criar esses sistemas representa experiências tanto para
um desafio tecnológico, e não um desafio os consumidores como
empresarial. para os avaliadores.
ao sucesso, enquanto outras ao fracasso, e trabalharam
com a Yelp e outras empresas para ajudá-las nesse sentido.
(Hyunjin também é pesquisador interno em economia da
Yelp.) E como COO da Yelp por mais de uma década, Geoff
ajudou a tornar o ecossistema de avaliações da empresa uma
das maiores fontes de informação sobre serviços locais.
Nos últimos anos, um número crescente de pesquisas
explorou as opções de design capazes de levar a sistemas de
avaliação e reputação mais robustos. Baseado em nossas
pesquisas, ensino e trabalho com empresas, este artigo
explora estruturas para gerenciar um ecossistema de avalia-
ções — esclarecendo algumas questões que podem surgir e
os estímulos e opções de design que podem ajudar a evitar
armadilhas comuns. Analisaremos cada uma dessas questões
em detalhes e explicaremos como atacá-las.
avaliações insuficientes
Quando a Yelp começou, era, por definição,
uma nova plataforma — uma cidade-fantas-
ma, com poucos avaliadores ou leitores. Muitos sistemas
de avaliação sofrem de uma escassez de comentários,
principalmente no início. Embora a maioria dos usuários
leia os comentários para se informar sobre uma compra,
somente uma pequena parcela posta avaliações em qualquer
plataforma que eles utilizam. Essa situação é intensificada
pelo fato de plataformas de avaliação terem fortes efeitos na
rede. É particularmente difícil convencer as pessoas a postar
comentários num universo com poucos leitores, e é difícil
atrair leitores num universo com poucas avaliações.
Sugerimos três abordagens que podem ajudar a gerar um
número adequado de avaliações: semear o sistema, oferecer
incentivos e agrupar produtos relacionados para exibir avalia-
ções em conjunto. A mistura certa de abordagens depende de
fatores como onde o sistema se encontra em sua trajetória de
crescimento, quantos produtos individuais serão incluídos e
quais são as metas para o próprio sistema.
Semear avaliações. Plataformas em estágio inicial
podem contratar avaliadores ou atrair comentários de outras
plataformas (por meio de parceria e atribuição adequada). Pa-
ra criar valor suficiente para os usuários de uma nova cidade
começarem a visitar a Yelp e contribuir com suas próprias
avaliações, a empresa recrutou equipes pagas de “segui-
dores” em tempo parcial para adicionar fotos e avaliações
pessoais durante alguns meses até a plataforma engrenar. Em
outros negócios, parcerias com plataformas especializadas
em avaliações também podem ser valiosas — tanto para
aqueles que querem criar seu próprio ecossistema de avalia-
ções como para aqueles que querem mostrar comentários,
mas não pretendem criar sua própria plataforma. Empresas
Se os comentários nas plataformas
forem todos positivos, as pessoas podem
concluir que o sistema não ajuda a
diferenciar o que é bom do que é ruim.
como Amazon e Microsoft atraem avaliações da Yelp e de
outras plataformas para povoar seus sites.
Para plataformas que pretendem desenvolver seu próprio
ecossistema de avaliações, semear avaliações pode ser
particularmente vantajoso nos estágios iniciais, porque não
requer uma marca sólida para estimular a atividade. No en-
tanto, uma grande quantidade de produtos ou serviços pode
torná-lo oneroso, e as avaliações obtidas podem diferir do
conteúdo gerado organicamente. Por isso algumas platafor-
mas — dependendo de seus objetivos — podem se beneficiar
de uma mudança rápida depois da semeadura.
Oferecer incentivos. Incentivar os usuários de sua platafor-
ma a contribuir com comentários e classificações pode ser uma
opção de expansão e também pode criar um senso de comunida-
de. O incentivo pode ser financeiro: em 2014, a Airbnb ofereceu
um cupom de US$ 25 em troca de comentários e teve um aumen-
to de 6,4% nas taxas de avaliações.No entanto, incentivos não
financeiros — como ofertas de produtos ou símbolos de status
— também podem motivar os avaliadores, principalmente se sua
marca for bem conhecida. No programa Guias Locais da Google,
os usuários ganham pontos a qualquer momento que contribuí-
rem de alguma forma para a plataforma — postar uma avaliação,
adicionar uma foto, corrigir um conteúdo, ou responder a uma
pergunta. Eles podem converter esses pontos em prêmios, que
variam desde acesso antecipado a novos produtos da Google até
um upgrade grátis de 1 TB de armazenamento do Google Drive. O
“esquadrão de elite” de avaliadores prolíficos de alta qualidade
da Yelp recebe uma menção especial na plataforma, além de
convites para festas e eventos privados, entre outras vantagens.
Os incentivos financeiros podem se tornar um desvio se
você tiver um grande conjunto de produtos. Mas a principal
preocupação é que, se eles não forem bem desenhados, tanto
incentivos financeiros como não financeiros podem ser um tiro
no pé por induzir os usuários a lotar o sistema com avaliações
rápidas, mas mal elaboradas, que não ajudam outros usuários.
Juntar produtos. Reconsiderando a unidade de avalia-
ção, você pode escrever um único comentário para vários
produtos. Na Yelp, por exemplo, os cabeleireiros que dividem
um espaço no salão de beleza são avaliados numa única
plataforma do salão. Essa agregação aumenta significativa-
mente o número de avaliações que a Yelp pode acumular
para um dado salão, porque no site da empresa aparece uma
avaliação para cada cabeleireiro. Além disso, como muitos
Harvard Business Review
Dezembro 2019 51

MARKETING
salões experimentam uma perda regular de clientes entre
seus cabeleireiros, a reputação do salão é, no mínimo, tão
importante para o potencial cliente quanto para o cabelei-
reiro. Da mesma forma, plataformas de avaliação podem ser
capazes de gerar avaliações mais proveitosas, pedindo aos
usuários que avaliem os vendedores (como na eBay), em vez
de avaliar isoladamente cada produto vendido.
Decidir logo no início se e como agregar produtos num
sistema de avaliação pode ser útil, porque isso define o que
obter da plataforma (É esse o local para encontrar cabeleireiros
ou salões de beleza?). A agregação torna-se particularmente
atraente, à medida que o espaço de seu produto expande,
porque você tem mais itens para juntar de formas proveitosas.
Esta abordagem, no entanto, tem um risco: juntar produtos
para obter mais avaliações pode não fornecer ao cliente a infor-
mação de que ele precisa sobre qualquer produto em particular.
Pense, por exemplo, se a experiência de visitar cada cabelei-
reiro no salão é muito diferente e se uma avaliação de um
cabeleireiro seria relevante para potenciais clientes de outro.
A agregação de avaliações da Amazon em sua livraria
leva em consideração o formato do livro que o leitor quer
comprar. As avaliações de edições do mesmo título (capa
dura, brochura e Kindle) aparecem juntas, mas audiolivros
são avaliados separadamente, sob a marca Audíveis. Para os
clientes que querem saber mais sobre o conteúdo dos livros,
comentários agregados para todos os audiolivros e livros
impressos seriam benéficos. Mas como a qualidade da pro-
dução de áudio e a informação sobre o narrador são fatores
importantes para os compradores de audiolivros, pode ser
vantajoso manter esses comentários separados.
Essas estratégias podem ajudar a superar a falta de avalia-
ções, permitindo que o desenvolvimento do conteúdo se torne
mais autossustentado, à medida que mais leitores se benefi-
ciam da plataforma e a utilizam. No entanto, as plataformas
precisam considerar não só o volume de comentários, mas
também a qualidade da informação neles contida — que pode
ser afetada pelo viés de seleção e manipulação do sistema.
Viés de seleção
Você já postou uma avaliação online? Em caso
afirmativo, o que o motivou a comentar aquela
52 Harvard Business Review
Dezembro 2019
experiência específica? A pesquisa mostra que as decisões dos
usuários de escrever uma avaliação dependem, muitas vezes,
da qualidade de sua experiência. Em alguns sites, os clientes
podem estar mais dispostos a postar avaliações se sua expe-
riência foi boa. Em outros, somente se foi ótima ou péssima.
Em qualquer caso as classificações resultantes podem sofrer
um viés de seleção: elas podem não representar exatamente a
faixa completa da experiência do produto do consumidor. Se,
por exemplo, somente pessoas satisfeitas escrevem comen-
tários, as classificações serão artificialmente infladas. O viés
de seleção pode tornar-se até mais pronunciado quando o site
incentiva somente clientes felizes a postar um comentário.
A eBay enfrentou o desafio do viés de seleção em 2011,
quando percebeu que os escores de seus vendedores estavam
suspeitosamente altos: a maior parte dos vendedores do site
tinha mais de 99% de classificações positivas. A empresa
trabalhou com os economistas Chris Nosko e Steven Tadelis
e descobriu que havia uma probabilidade muito maior de
os usuários postarem uma avaliação depois de uma boa expe-
riência: de cerca de 44 milhões de transações concluídas no
site, somente 0,39% tinha avaliações ou classificações nega-
tivas, mas mais que o dobro (1%) tinha “registro de contesta-
ção” e mais de sete vezes (3%) tinham levado os compradores
a trocar mensagens com os vendedores que causaram a má
experiência. Se os compradores decidem ou não avaliar um
vendedor, esse é, na verdade, um melhor previsor de futuras
reclamações — e assim uma melhor avaliação da qualidade —
que a classificação do vendedor.
A eBay se baseou na hipótese de que ela poderia melhorar
as experiências dos compradores e, portanto, as vendas,
corrigindo o viés de seleção dos classificadores, e diferenciar
mais claramente os melhores vendedores. Ela reformulou
os escores dos vendedores como uma porcentagem de todas
as transações dos vendedores que geraram classificações
positivas (em vez de uma porcentagem das classificações
positivas). Essa nova medida levou a uma mediana de 67%,
com espalhamento significativo na distribuição dos escores
— e os potenciais consumidores que tomaram conhecimento
dos novos escores estavam mais dispostos a voltar ao site e
fazer outra compra que os do grupo de controle.
Se você analisar os escores de sua plataforma de forma
similar, poderá checar se suas classificações estão distor-
cidas, até que ponto o problema pode ser grave e se dados
adicionais podem ajudar a resolvê-lo. Qualquer sistema de
avaliação pode ser moldado para mitigar o viés com maior
probabilidade de ser enfrentado. O processo completo de
avaliação — da pergunta inicial até as mensagens que os usu-
ários obtêm à medida que postam suas avaliações — fornece
oportunidades de incentivar os usuários a se comportar de
formas menos enviesadas. Experimentar escolhas de design
pode ajudar a mostrar como reduzir o viés na autosseleção de

avaliadores, bem como qualquer tendência que os usuários
tenham de classificar de uma determinada forma.
Solicite avaliações. Uma abordagem mais rígida requer
que os usuários avaliem uma compra antes de fazer outra.
Mas tenha cuidado: isso pode fazer com que alguns clientes
abandonem a plataforma e levar a uma inundação de comen-
tários desinformadores que os clientes utilizam por princípio
— criando ruído e um tipo diferente de erro em suas avalia-
ções. Por essa razão, as plataformas, muitas vezes, procuram
outras maneiras de minimizar o viés de seleção.
Permita comentários privados. Os economistas John
Horton e Joseph Golden mostraram que no site Upwork de
avaliações de freelances os funcionários relutavam em postar
avaliações públicas depois de uma experiência negativa com
um freelance, mas estavam abertos a deixar feedback que
somente a Upwork pudesse acessar (Os funcionários que
relatavam más experiências privadamente ainda deram o
feedback público mais alto possível, em aproximadamente
20% das vezes). Essa foi uma informação importante para a
Upwork — sobre quando os usuários estavam dispostos ou
não a deixar uma avaliação e sobre os freelances problemáti-
cos —, que ela poderia utilizar ou para mudar o algoritmo que
sugeria a correspondência dos freelances mais adequados, ou
fornecia feedback agregado sobre eles. O feedback agregado
alterava as decisões de contratação, indicando que ele era
uma informação adicional relevante.
Projete as solicitações com cuidado. De uma forma
geral, as avaliações postadas dependem de como e quando as
pessoas são solicitadas a escrevê-las. As plataformas podem
minimizar o viés nos comentários projetando inteligente-
mente diferentes aspectos do ambiente no qual os usuários
decidem se desejam avaliar ou não. Essa abordagem, muitas
vezes chamada de arquitetura de escolha — termo cunha-
do por Cass Sunstein e Richard Thaler (autores de Nudge:
Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness) —,
aplica-se a tudo, desde como as solicitações são formuladas
até quantas são as opções do usuário.
Num experimento que aplicamos na Yelp, variamos
as mensagens incentivando os usuários a deixar um co-
mentário. Alguns usuários viram uma mensagem genérica
“aguardando a próxima avaliação”, enquanto outros foram
solicitados a ajudar as empresas locais a serem descober-
tas ou outros consumidores a encontrar empresas locais.
Descobrimos que, em geral, o último grupo escreveu comen-
tários mais longos.
avaliações fraudulentas
e estratégicas
Às vezes, os vendedores tentam (de forma
antiética) impulsionar suas avaliações postando comentários
positivos sobre si mesmos ou negativos sobre seus concorren-
tes, fingindo que as avaliações foram postadas por consumi-
dores reais. Isso é conhecido como astroturfing (manipulação
da opinião púbica utilizando a mídia). Quanto mais influente a
plataforma, mais pessoas tentarão manipular as opiniões.
Devido ao prejuízo que o astroturf pode causar aos
consumidores, responsáveis pelas políticas e reguladores
acabaram se envolvendo. Em 2013, Eric Schneiderman, na
época procurador-geral do estado de Nova York, envolveu-se
numa operação para resolver a questão — citando nossa pes-
quisa como parte da motivação. O gabinete de Schneiderman
anunciou um acordo com 19 empresas que haviam ajudado
a postar notícias falsas em plataformas online, exigindo que
elas acabassem com essa prática e pagassem uma multa
pesada pelas acusações, incluindo propaganda enganosa e
práticas desonestas de comercialização. Mas, como acontece
com o roubo em lojas, as empresas não podem simplesmente
se basear no cumprimento da lei. Para evitar as armadilhas de
falsas avaliações, elas precisam criar suas próprias formas de
proteção. Como foi discutido num artigo que Mike escreveu
em coautoria com Georgios Zervas, algumas empresas, entre
as quais a Yelp, realizam operações secretas para identificar e
lidar com empresas que tentam postar avaliações falsas.
Um desafio similar é observado quando compradores e
vendedores se avaliam mutuamente e moldam suas avaliações
para provocar classificações mais altas da outra parte. Pense na
última vez que você utilizou a Airbnb. Depois você foi solicitado a
postar um comentário sobre o anfitrião, que também foi solici-
tado a escrever um comentário sobre você. Até 2014, se você
postasse sua avaliação antes da do anfitrião, ele poderia lê-la an-
tes de decidir o que escrever sobre você. O resultado? Você pode
pensar duas vezes antes de postar um comentário negativo.
As escolhas do design de plataformas e a moderação do
conteúdo desempenham um papel importante na redução do
número de avaliações fraudulentas e estratégicas.
Crie regras paras os avaliadores. As opções do design co-
meçam com a decisão de quem pode avaliar e quais avaliações
destacar. A Amazon, por exemplo, exibe um ícone quando
uma avaliação é de um comprador certificado do produto, o
que pode ajudar os consumidores a eliminar possíveis ava-
liações fraudulentas. A Expedia vai mais além e permite que
somente clientes que finalizaram a reserva em sua plataforma
postem avaliações. Uma pesquisa realizada por Dina Mayzlin,
Harvard Business Review
Dezembro 2019 53
Yaniv Dover e Judith Chevalier mostra que essa política pode
reduzir o número de avaliações fraudulentas. Ao mesmo
tempo, regras rígidas sobre quem pode escrever um comentá-
rio pode ser um instrumento poderoso que reduz significati-
vamente o número de avaliações e avaliadores de verdade. A
plataforma precisa decidir se o benefício de reduzir potenciais
fakes supera o custo de ter menos comentários legítimos.
As plataformas também decidem quando as avaliações
podem ser submetidas e postadas. Depois de perceber que pes-
soas que não costumavam avaliar tinham, sistematicamente,
piores experiências que as que avaliavam, a Airbnb instituiu a
regra “revelação simultânea” para evitar avaliações recíprocas
entre hóspedes e anfitriões e permitir um feedback mais com-
pleto. A plataforma não exibe mais classificações até que tanto
o hóspede como o anfitrião as tenham fornecido e estabelece
um prazo após o qual a possibilidade de avaliação expira. De-
pois que a empresa implementou essa mudança, uma pesquisa
realizada por Andrey Fradkin, Elena Grewal e David Holtz mos-
trou que a classificação média, tanto para hóspedes como para
anfitriões, diminuiu e, ao mesmo tempo, as taxas de avaliação
aumentaram — sugerindo que os avaliadores estavam menos
receosos de postar um feedback depois de uma má experiência,
quando eles estavam protegidos de retaliação.
Peça ajuda de moderadores. Independentemente do
nível de qualidade das escolhas do design de seus siste-
mas, você está fadado a enfrentar problemas. Poder haver
infiltração de spam. Maus atores podem tentar enganar o
sistema. As avaliações que eram extremamente relevantes há
dois meses podem se tornar obsoletas. E algumas avaliações
são simplesmente mais úteis que outras. Comentários de
quem não compra podem ser descartados, por exemplo, mas
mesmo alguns que permanecem podem ser deturpados ou
serem menos informadores. A moderação pode eliminar as
avaliações enganosas, dependendo de seu contexto, não ape-
nas por causa de quem as escreveu ou quando foram escritas.
A moderação do conteúdo pode ser de três formas: funcio-
nários, comunidade e algoritmo. Moderadores funcionários,
geralmente chamados “gestores da comunidade”, podem
passar os dias utilizando o serviço ativamente, interagindo
online com outros usuários, retirando conteúdo inadequado
e fornecendo feedback para a gestão. Essa opção é a mais
cara, mas pode ajudá-lo a entender rapidamente o que está
funcionando e o que não está, além de garantir que haja
alguém gerenciando o que é exibido no site o tempo todo.
A moderação da comunidade permite que todos os
usuários ajudem a identificar e sinalizar conteúdo fraco, desde
avaliações artificialmente infladas até spam e outros tipos de
abuso. A Yelp tem um ícone simples que os usuários podem
postar para submeter preocupações sobre uma avaliação que
assedia outro avaliador ou parece ser de alguma outra empre-
sa. A Amazon pergunta aos usuários se cada avaliação foi útil
54 Harvard Business Review
Dezembro 2019
ou não e utiliza essa informação para decidir que avaliações
serão exibidas em primeiro lugar e eliminar as pouco úteis.
Muitas vezes, no entanto, somente uma pequena fração de
usuários se manifesta sobre a qualidade do conteúdo. Por isso
é necessária uma massa crítica de usuários envolvidos para
fazer funcionar os sistemas de alerta da comunidade.
A terceira abordagem para moderar o conteúdo se baseia
em algoritmos. O software de recomendações da Yelp processa
dezenas de parâmetros sobre cada avaliação diariamente e
varia as avaliações de mais destaque que são exibidas como
“recomendadas”. Em 2014, a empresa observou que menos
de 75% dos comentários postados foram recomendados em
algum momento. A Amazon, Google e TripAdvisor imple-
mentaram algoritmos de qualidade de avaliação que remo-
vem conteúdo ofensivo de suas plataformas. Obviamente,
os algoritmos podem ir além de uma classificação binária e
avaliar que peso atribuir a cada classificação. Mike escreveu
um artigo, em coautoria com Daisy Dai, Ginger Jin e Jungmin
Lee, no qual explora o problema da agregação da classificação,
destacando como atribuir pesos a cada avaliação pode ajudar a
superar os desafios no processo de avaliação subjacente.
o alcance das avaliações
As experiências de outros têm sido uma fonte
importante de informação sobre a qualidade do
produto. A Academia Americana de Médicos da Família, por
exemplo, sugere que as pessoas se informem com amigos e
familiares sobre os médicos e obtenham recomendações. As
plataformas de avaliação aceleraram e sistematizaram esse
processo, facilitando sua absorção pela sabedoria popular. As
avaliações online têm sido úteis para os clientes, plataformas
e responsáveis pelas políticas. Utilizamos dados da Yelp, por
exemplo, para analisar questões que variavam desde enten-
der as mudanças na vizinhança durante períodos de gentri-
ficação até estimar o impacto do aumento do salário mínimo
nos resultados da empresa. Mas, para as avaliações serem
úteis — para os consumidores, vendedores e a sociedade em
geral —, as pessoas que gerenciam os sistemas de avaliação
precisam pensar cuidadosamente nas escolhas do design que
fazem e em como reproduzir com mais precisão as experiên-
cias do usuário.
HBR Reprint R1912B–P Para pedidos, página 8
gEoFF DonaKEr é ex-diretor de operações e membro do
Conselho da Yelp. HYunJin KiM é aluno de doutorado na
unidade de estratégias da Harvard Business School. MiCHaEl luCa
é professor associado na Harvard Business School e coautor (com
Max H. Bazerman) de The Power of Experiments: Decision Making in
a Data-Driven World (em breve pela MIT Press).
56 Harvard Business Review
Dezembro 2019
 3 Au to R Es

Ethan Bernstein Ben Waber

Professor na Harvard Presidente da Humanyze
Business School
O P E R AÇ Õ ES

A verdade so re
1

os escritórios
abertos 2

há motivos
pelos quais
eles não
produzem as
interações
4 desejadas.
I lu st R AÇ Õ Es  olalEKan JEYiFous

Harvard Business Review

Dezembro 2019 57
 O P E R AÇ Õ ES

E M R ES U M O

o PRoBleMA gestores. Em vários locais de trabalho que

As empresas estão observamos em projetos de pesquisa ou ta-
recorrendo a escritórios
refas de consultoria, essas estruturas resul-
abertos e a uma
taram em menos interação — ou interação
variedade de tecnologias
para incentivar a menos significativa —, e não em mais.
colaboração. Mas, Neste artigo, discutimos essas conse-
muitas vezes, isso não é quências indesejadas e fornecemos orien-
eficaz: as pessoas nem tações sobre a realização de experimentos
sempre interagem mais para descobrir como seus funcionários real-
ou o fazem de maneiras
mente interagem. Isso o ajudará a fornecer
improdutivas.
o espaço e a tecnologia que melhor atendam
às suas necessidades.
A cAUsA RAIZ
Os indivíduos decidem
c o l a b o r aç ão e N t r etrabalha-
quando e como
interagir com os outros. ca foi tão fácil — ou é o que pare- ARQUITETURA E ANATOMIA
Tornam-se hábeis em ce. Espaços abertos, flexíveis e baseados em DA COLABORAÇÃO
afastar as pessoas e atividades estão substituindo cubículos, tor- Os trabalhadores são rodeados por uma ar-
ler sinais de que seus nando as pessoas mais visíveis. As mensa- quitetura física: salas individuais, cubículos
colegas de trabalho gens estão substituindo as chamadas telefô- ou espaço aberto; único andar, vários an-
desejam ser deixados
nicas, tornando as pessoas mais acessíveis. dares ou vários prédios; espaço dedicado à
sozinhos. Muitas
As mídias sociais para empresas, como empresa, espaço compartilhado com outras
empresas não entendem
como alcançar os tipos Slack e Microsoft Teams, estão substituin- empresas ou home office. Essa arquitetura fí-
de colaboração que do o café, tornando as pessoas mais conec- sica é combinada com a arquitetura digital:
desejam. tadas. Softwares de reunião virtual, como email, mídia social corporativa, mensagens
Zoom, GoToMeeting e Webex, estão subs- móveis e assim por diante.
A solUÇÃo tituindo as reuniões pessoais, tornando as Mas, embora os trabalhadores do conhe-
As empresas podem pessoas sempre presentes. A arquitetura da cimento sejam influenciados pela arquitetu-
usar novas tecnologias, colaboração não mudava tão rápido desde ra, eles decidem, individual e coletivamen-
como sensores que os avanços tecnológicos em iluminação te, quando interagir. Mesmo em espaços
que rastreiam os
e ventilação viabilizaram os edifícios comer- abertos com colegas próximos, as pesso-
movimentos e softwares
que coletam migalhas ciais altos, e pode-se argumentar que nunca as que preferem evitar interações têm uma
digitais das pessoas, foi tão eficiente. Projetar locais de trabalho capacidade incrível de fazê-lo. Elas evitam
para entender como para interação entre dois ou mais indivíduos o contato visual, sentem uma necessidade
os membros de grupos — ou colaboração, do latim collaborare, que imediata de ir ao banheiro ou dar uma volta,
específicos interagem significa trabalhar em conjunto — nunca pa- ou ficam tão envolvidas em suas tarefas que
de fato. Elas podem receu tão fácil. escutam de forma seletiva (talvez com a aju-
realizar experimentos
No entanto, conforme as estruturas físicas da de fones de ouvido). Ironicamente, a pro-
rigorosos para aprender
como alcançar os tipos e tecnológicas da colaboração omnichannel liferação de formas de interação faz com que
de troca que desejam. se espalham, evidências indicam que elas seja mais fácil não responder: por exemplo,
produzem comportamentos contrários às os funcionários podem simplesmente igno-
expectativas de projetistas e aos desejos de rar uma mensagem digital.

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 Quando os funcionários desejam interagir, eles escolhem
o canal: presencial, videoconferência, telefone, mídia social,
email, mensagens e assim por diante. Alguém que inicia uma
troca decide quanto tempo ela deve durar e se deve ser sín-
crona (uma reunião ou encontro) ou assíncrona (uma men-
sagem ou postagem). O destinatário de, digamos, um email,
uma mensagem de Slack ou um texto decide se vai responder
imediatamente, no futuro ou nunca. Juntos, esses compor-
tamentos individuais formam uma anatomia da colaboração
que é semelhante a um formigueiro ou a uma colmeia. Ela é
gerada organicamente à medida que as pessoas trabalham e
é moldada pelas crenças, suposições, valores e modos de
pensar que definem a cultura da empresa.
É fácil observar a arquitetura — basta olhar para os pro-
jetos, os modelos, a tecnologia ou o espaço ao redor. Até re-
centemente, era difícil observar a anatomia da colaboração.
Mas a tecnologia tornou possível detectar e analisar os flu-
xos de comunicação.
Os sensores estão na moda. Nas cadeiras, medem quanto
tempo os funcionários ficam na mesa. No piso, medem quando
e como se movem. Nos crachás RFID e nos smartphones, ras-
treiam para onde vão. Sensores (na forma de câmeras de vídeo)
rastreiam com quem estão. A Panasonic adicionou aos sistemas
de iluminação sensores Wi-Fi, que monitoram interações cara a
cara em edifícios inteiros e em todo o local de trabalho.
Outra forma de detectar interações é coletar as “migalhas”
digitais que, graças aos sistemas projetados para economi-
zar metadados de comunicação, as pessoas deixam quando
agendam uma reunião, enviam um email, abrem uma janela
do navegador, publicam no Slack ou no Teams ou fazem uma
ligação. Cada vez mais, os empregadores podem usar ferra-
mentas avançadas de analytics para estudar esses dados e
entender o comportamento coletivo dos funcionários. Algo-
ritmos que avaliam os movimentos e interações dos funcio-
nários podem aprender a distinguir a colaboração da mera
convivência. Os que analisam o comportamento passado dos
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 Em duas empresas da Fortune 500 que fizeram a transição de cubículos
para escritórios abertos, as interações pessoais caíram 70%.

funcionários podem aprender a prever seus próximos passos,
individual ou coletivamente, e estimar a probabilidade de
uma colisão importante entre as pessoas.
Esses avanços nos permitiram confirmar algo de que mui-
tas pessoas suspeitavam: a arquitetura e a anatomia da cola-
boração não estão alinhadas. Usando wearables avançados
e capturando dados em todas as interações eletrônicas, nós
— junto com Stephen Turban, um dos ex-alunos de Ethan,
atualmente na Fulbright University, no Vietnã — acompanha-
mos interações presenciais e digitais na sede de duas empre-
sas da Fortune 500 antes e depois de as empresas migrarem
de cubículos para escritórios abertos. Escolhemos os locais
de trabalho mais representativos que encontramos; espera-
mos as pessoas se instalar em seus novos espaços para rastre-
ar suas interações no novo espaço; e, em nome da precisão,
variamos o período de tempo em que os rastreamos. Na pri-
meira empresa coletamos dados antes da mudança por três
semanas, começando um mês antes e, dois meses depois da
mudança, coletamos dados por cerca de três semanas. Na se-
gunda, coletamos dados por oito semanas antes da mudança,
começando três meses antes e, cerca de dois meses depois
da mudança, coletamos dados por oito semanas. Alinhamos

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os períodos de coleta de dados com os ciclos sazonais de ne-
gócio para que a comparação fosse feita entre coisas equiva-
lentes — por exemplo, coletamos dados durante as mesmas
semanas do trimestre. Descobrimos que as interações face a
face caíram aproximadamente 70% após a transição das em-
presas para o escritório aberto, mas, para compensar, as inte-
rações eletrônicas aumentaram.
Por que isso aconteceu? O trabalho de Denis Diderot, filóso-
fo francês do século 18, indica uma resposta. Ele escreveu que
os artistas deveriam “imaginar uma parede enorme na frente
do palco, separando você da plateia, e se comportar exatamen-
te como se a cortina nunca tivesse subido”. Ele chamou isso de
a quarta parede. Ela impede que os atores sejam distraídos pe-
lo público e permite que se separem do que não podem contro-
lar (o público) e se concentrem apenas no que podem (a cena),
da mesma forma que um jogador de basquete joga a bola sem
ver a torcida que incentiva (ou vaia) por trás do aro. Isso cria
uma intimidade que alguns chamam de solidão pública. Quan-
to maior o público, mais importante é a quarta parede.
As pessoas nos escritórios abertos criam uma quarta parede,
e seus colegas passam a respeitá-la. Se alguém está trabalhan-
do intensamente, as pessoas não a interrompem. Se alguém
inicia uma conversa e um colega lhe lança um olhar aborrecido,
ele não fará isso de novo. Especialmente em espaços abertos,
as normas da quarta parede se espalham rapidamente.
A PROXIMIDADE IMPORTA
Uma descoberta independente da nossa e de outras pesqui-
sas é que a localização dos membros da equipe tem um gran-
de impacto em suas interações físicas e digitais. Em geral,
quanto mais afastadas as pessoas, menos elas se comunicam.
Uma pesquisa na qual um de nós (Ben) estava envolvido no
MIT Media Lab mostra que a probabilidade de duas pessoas
em um campus corporativo interagirem física ou digitalmen-
te é diretamente proporcional à distância entre suas mesas.
De forma mais ampla, uma das descobertas mais robustas da
sociologia — propostas muito antes de termos a tecnologia
para prová-la por meio de dados — é que a propinquidade, ou
proximidade, prediz a interação social.
Considere um estudo realizado na sede de uma grande
empresa de produtos de consumo pela Humanyze, empre-
sa de software de análise organizacional liderada por um de
nós (Ben) que ajuda as empresas a entender como suas equi-
pes interagem. Ele descobriu que as pessoas da mesma equi-
pe tinham seis vezes mais chances de interagir se estivessem
no mesmo andar, e as pessoas de equipes diferentes tinham
nove vezes mais chances de interagir se estivessem no mes-
mo andar. Um estudo que realizamos no campus principal de
um varejista da Fortune 500, com mais de uma dúzia de edi-
fícios, mostrou que apenas 10% de todas as comunicações
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ocorreram entre funcionários cujas mesas estavam a mais de
500 metros de distância. Essas descobertas sugerem que lo-
calizar pessoas em prédios próximos não melhorará a colabo-
ração; para aumentar as interações, os funcionários devem
estar no mesmo prédio, idealmente no mesmo andar.
E o trabalho remoto, embora seja inegavelmente econômi-
co, tende a inibir significativamente a colaboração mesmo em
canais digitais. Ao estudar uma grande empresa de tecnologia
de 2008 a 2012, descobrimos que os funcionários remotos se
comunicavam quase 80% menos sobre suas tarefas do que os
membros da equipe que trabalhavam juntos; em 17% dos pro-
jetos eles não se comunicavam. A implicação óbvia: se os mem-
bros da equipe precisarem interagir para alcançar as metas do
projeto no prazo, trabalhar remotamente não é uma boa ideia.
FOMENTE UMA ANATOMIA DE COLABORAÇÃO
Depois da publicação dos artigos acadêmicos sobre os escri-
tórios que estudamos, foram-nos solicitados mais detalhes
sobre esses espaços. Algumas pessoas parecem acreditar que
um bom projeto resolve o dilema da colaboração. Arquitetos,
gestores de propriedades e fabricantes de sistemas de escri-
tório reforçam essa visão, usando dados de pesquisas com
funcionários e de utilização do local anterior para identifi-
car necessidades individuais e criar ambientes “flexíveis”,
“ágeis” e “baseados em atividades”, e permitindo que os tra-
balhadores criem um espaço próprio e adequado a eles. Mas
a colaboração é como um esporte coletivo. É improvável que
os escritórios com foco excessivo no atendimento das prefe-
rências individuais façam um trabalho ideal de atendimento
à equipe geral ou ao conjunto de equipes que precisam traba-
lhar juntas. Portanto, projetos híbridos de escritórios abertos
não são uma panaceia. Se você vai permitir que as pessoas es-
colham os espaços que melhor atendam às suas necessidades
individuais, talvez todos os seus funcionários sejam remotos.
Os líderes precisam tomar uma decisão sobre quais com-
portamentos coletivos devem ser incentivados ou desencora-
jados e como fazer isso. Seus meios não devem incluir apenas
o design de configurações e tecnologias de área de trabalho,
mas também o design de tarefas, funções e cultura.
Se a prioridade é manter os custos imobiliários sob contro-
le, os líderes devem ser honestos sobre isso com eles mesmos
e com seus funcionários. A maioria dos projetos para novos
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escritórios não é realizada para promover a colaboração. Eles
começam com objetivos como o descrito pelo diretor de ges-
tão imobiliária em uma empresa da Fortune 500: “A equipe
de liderança acaba de mandar que eu reorganize nossa sede
para acomodar outros mil funcionários”. Houve um tremen-
do progresso na criação de escritórios que podem acomodar
mais pessoas em um determinado espaço (consulte o quadro
“De volta aos escritórios apertados”). Isso não é necessaria-
mente algo ruim: as empresas geralmente fazem reinvesti-
mentos importantes com o dinheiro que sobra.
Se, de fato, o objetivo é incentivar a colaboração, você preci-
sa aumentar os tipos certos de interação e diminuir os inefica-
zes. Você terá de escolher cuidadosamente as vantagens e des-
vantagens. Isso significa que você precisa entender os padrões
atuais de interação e considerar como deseja alterá-los. Usando
sensores e dados digitais para rastrear interações em um gran-
de banco alemão, pesquisadores do MIT descobriram que, nos
casos em que a coesão dentro das equipes era um melhor indi-
cador de produtividade e satisfação do funcionário do que os
conflitos entre equipes, o aumento das interações entre as equi-
pes prejudicava o desempenho. Por isso mudaram as equipes
para salas separadas. E depois de usar a tecnologia Humanyze
para rastrear interações, uma grande empresa de energia deci-
diu aumentar a comunicação entre departamentos que depen-
diam intensamente de processos e reduzir a comunicação en-
tre outros departamentos, alocando alguns deles juntos em um
novo prédio e mudando os outros para outro local.
Quando as pessoas precisam de tempo para se concentrar
de forma ininterrupta, as distrações têm um custo alto. Nesse
caso, a criação de mais oportunidades de colaboração pode
ampliar o custo sem fornecer um benefício correspondente.
FAÇA EXPERIMENTOS REAIS
A melhor maneira de encontrar o design ideal do local de
trabalho para grupos específicos é realizar experimentos ri-
gorosos. Isso significa coletar e analisar dados sobre intera-
ções, desenvolver uma hipótese sobre como melhorá-las e
testar sua hipótese contra um grupo de controle. No início de
2016, a Mori Building, uma das maiores empresas de gestão
de propriedades do Japão, fez isso quando tentava promo-
ver uma colaboração mais produtiva entre as equipes em sua
sede corporativa. A arquitetura do escritório era aberta, mas,
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usando sensores “vestíveis” (alguns deles fornecidos pela
Humanyze) para rastrear interações cara a cara, a Mori des-
cobriu que, em sua maioria, os funcionários se comunicavam
apenas com os membros de sua própria equipe. As pessoas
geralmente ficavam na área de convivência reservada para
sua equipe e raramente se aventuravam nas áreas de convi-
vência abertas — que representavam cerca de 20% do espaço.
Assim, a divisão de edificações-ambiente-desenvolvimen-
to da Mori realizou um experimento para ver se isso poderia
influenciar a anatomia com a arquitetura. Escolheu um an-
dar corporativo no qual os assentos foram organizados por
equipe (design de interiores, consultoria imobiliária, vendas
e assim por diante). Parte do espaço permaneceu o mesmo
(o grupo de controle) e parte foi transformada em um espaço
de livre escolha de assento, sem atribuição de mesa. Quando
Mori mediu as interações cara a cara nessa configuração, os
resultados foram claros: embora as interações entre as equi-
pes aumentassem, aquelas que ocorriam dentro das equipes
caíam drasticamente, com um aumento de 1,26 vez no tempo
de trabalho isolado das pessoas.
De início, a Mori ficou satisfeita com os resultados. O au-
mento nas interações entre equipes significava que as pessoas
estavam entrando em contato com as pessoas diretamente pa-
ra resolver problemas e tocar as coisas adiante — ignorando os
gestores, que, segundo os dados, eram “gargalos de comunica-
ção”. E, embora essa fosse uma consequência não intencional,
a razão pela qual as pessoas passavam mais tempo em trabalho
individual era que as reuniões com duração de 30 minutos ou
mais diminuíram (as pessoas se encontravam quando precisa-
vam conversar). Mas havia um lado sombrio: descobriu-se que
os gestores não eram apenas gargalos de comunicação, mas
também guardiões de qualidade. Ao contorná-los, os funcio-
nários causavam problemas a jusante; em seis meses, a pro-
dutividade caiu e as reclamações dos clientes aumentaram.
E, embora a redução do tempo de reunião parecesse benéfi-
ca, em retrospecto parecia que aqueles que ganhavam tempo
de trabalho individual teriam feito um trabalho melhor e com
mais eficiência se tivessem participado de mais reuniões pa-
ra receber orientação. Já os funcionários que se apoiavam nas
reuniões para garantir que os problemas fossem abordados de
forma ordenada agora se sentiam sobrecarregados por pessoas
que os procuravam aleatoriamente (até começarem a se escon-
der na cafeteria no andar de baixo). No fim, Mori voltou ao as-
sento fixo por equipe e reduziu a quantidade de espaço livre.
Ao realizar experiências semelhantes, uma grande empresa
de software descobriu que 90% das interações cara a cara acon-
teceram na mesa das pessoas. Apenas 3% ocorreram em áreas
comuns (o restante aconteceu em salas de reuniões). A empre-
sa planejava mudar para um endereço gratuito para aumentar
a interação entre as equipes, mas percebeu que isso seria alta-
mente prejudicial à colaboração e abandonou o plano.
 Tais experimentos custam tempo e dinheiro, mas, em vis-
ta dos benefícios gerados pelo que aprendem, muitas empre-
sas acham os custos insignificantes. Obviamente, vale a pena
experimentar com o design se uma empresa pretende fazer
uma reforma em seu espaço, como a que a GlaxoSmithKline
(um cliente da Humanyze) planeja fazer em sua sede corpo-
rativa em Londres. Os executivos consideravam um novo for-
mato de escritório e decidiram construir uma pequena parte
dele como piloto, que eles chamam de hub de desempenho.
A empresa convidou pesquisadores especialistas em arqui-
tetura e ciência do comportamento para ajudar a projetar ex-
perimentos no espaço. Em breve, duas equipes terão passado
pelo espaço piloto — uma durante os primeiros nove meses
de 2019 e outra que está sendo planejada neste momento —
monitorando (relativas a um grupo de controle) medidas
que incluem passos, frequência cardíaca, pressão arterial,
frequência respiratória, função pulmonar, postura, bem-
estar, colaboração e desempenho (usando desde dispositivos
wearables e sensores Kinect até pesquisas e sistemas tradicio-
nais de gestão de desempenho). A GSK usa esses dados para
ajustar todos os aspectos do espaço — iluminação, tempera-
tura, aroma, qualidade do ar, mascaramento sonoro, ergono-
mia e design —, para ajudar seu pessoal a produzir (e intera-
gir) mais, fazendo o espaço responder às necessidades profis-
sionais ou fisiológicas dos funcionários.
Uma grande instituição financeira dos Estados Unidos tes-
tou dezenas de projetos em vários escritórios regionais. Esco-
lheu aquele que criou os padrões de colaboração e trabalho
focado que melhor correspondiam aos seus objetivos e o imple-
mentou em toda a empresa. O custo não foi pequeno — chegou
a milhões de dólares. Mas para a empresa foi muito melhor do
que se tivesse escolhido um projeto sem realizar experimentos
e posteriormente descobrisse que havia desperdiçado centenas
de milhões de dólares em uma configuração ineficaz.
Assim como o teste A/B é comum em marketing e vendas,
a experimentação rápida é essencial para o design do local de
trabalho. Antes de adotar essa abordagem, uma grande em-
presa de energia gastou sete anos e aproximadamente US$ 10
milhões em taxas de projeto e consultoria para planejar um
novo prédio de escritórios. Hoje, ela pode implementar um
novo plano em seis meses por cerca de US$ 500 mil — quan-
tificando os comportamentos que deseja incentivar, cons-
truindo um andar de escritório como teste e confirmando ou
De volta aos escritórios apertados
Durante grande parte dos anos 1990, as empresas contrataram
funcionários mais rápido do que expandiram seus escritórios. Com as
demissões no início da década de 2000 e em 2008, os trabalhadores
sobreviventes recuperaram algum espaço, principalmente porque
as empresas mantinham contratos de longo prazo e relutavam
em investir em reconfigurações de escritórios. Mas, à medida que
as contratações se recuperavam, as concessões venciam e os
orçamentos de redesenho se recuperavam, as empresas voltaram a
colocar seu pessoal em espaços cada vez menores.
Metros quadrados por funcionário
(empresas dos estados Unidos)
1990 1995 2000 2005 2010 2015 2019
Fonte: Adrian Ponsen, CoStar Group
reprovando sua hipótese de que o design irá estimular esses
comportamentos. Isso parece impressionante, mas lembre-se
de que você precisa experimentar o tempo suficiente para en-
tender toda a dinâmica em questão. Como a Mori descobriu,
os resultados iniciais podem ser enganosos.
Ao realizar essas experiências, é necessário considerar as
implicações da coleta dos dados necessários para a privacida-
de. Emails e, especialmente, metadados do sensor são confi-
denciais. Além de perguntas sobre a legalidade de reunir es-
sas informações, o que depende de leis e regulamentos locais,
existem preocupações éticas. As empresas devem ser transpa-
rentes sobre os dados que coletam e sensíveis aos sentimen-
tos dos funcionários sobre quem os detém — o funcionário,
que fornece as informações brutas por meio de suas intera-
ções, ou a empresa, que reúne, organiza, processa e armazena
esses inputs. Empresas que ignoram ou menosprezam essas
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SOBRE A ARTE
O artista visual Olalekan Jeyifous descreve esses desenhos, de uma série intitulada
“Impermanência política do lugar”, como “investigações brincalhonas sobre desenvolvimento
e planejamento urbano, conectividade e organização, economia e política”.
preocupações correm o risco de alienar trabalhadores e sofrer
danos significativos à reputação (veja “O funcionário rastreado
e feliz”, fevereiro de 2019, na HBRBR.com.br). Aquelas que de-
monstram de forma transparente que o uso dos dados é limi-
tado e se destina a beneficiar os funcionários podem encontrar
espaço para uma colaboração aberta com os funcionários, a
fim de criar designs de ambiente de trabalho ainda melhores.
MENOS PODE SER MAIS
A otimização da colaboração não implica necessariamente
uma revisão radical do espaço do escritório; ajustes podem
fazer toda a diferença e vale a pena testar seu impacto poten-
cial. A Mori está coletando dados sobre o tamanho das mesas
em sua sede corporativa. Sua conclusão inicial: mesas gran-
des, em vez de individuais, como indicado em muitos designs
novos de escritório, são tão efetivas para promover conversas
íntimas quanto as amplas mesas da sala de jantar — em outras
palavras, não funcionam. Uma empresa de manufatura desco-
briu que pequenas alterações nos móveis podem ter um gran-
de impacto. Sua sede tinha dois tipos de espaço de reunião nas
principais áreas de trabalho: totalmente aberto e com barrei-
ras móveis feitas de quadro branco em dois lados. Nas áreas de
quadro branco, a interação foi mais de 50% maior. Adicionar
mais quadros brancos foi uma despesa insignificante.
Às vezes, a melhor resposta não é mudar a estrutura físi-
ca. As experiências mostraram à Mori que eventos delibera-
damente projetados para obter interações específicas entre
indivíduos e equipes específicas tiveram um impacto mais
preciso e valioso nos padrões de interação do que as mudan-
ças no espaço do escritório. Esses eventos podem ser oficinas
internas, hackathons ou até churrascos, desde que as intera-
ções sejam medidas, usando sensores para indicar se os pa-
drões desejados ocorreram. Para ajudar a integrar novos con-
tratados durante a primeira semana de trabalho, uma empre-
sa de tecnologia de médio porte coloca potes de biscoitos em
suas mesas e publica um mapa no lobby, mostrando a locali-
zação dos frascos, para incentivar as pessoas a comparecer.
A Humanyze descobriu que a localização de suas máquinas
de café influencia significativamente as interações. Se uma
equipe precisa se concentrar internamente, a empresa coloca
uma máquina de café no centro de sua área. Se duas equipes
precisam colaborar, coloca a máquina entre elas.
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Esses ajustes de “software” à arquitetura podem trazer
ótimos resultados a um custo muito baixo. Basta um pouco
mais de colaboração entre profissionais de gestão imobiliária,
RH e usuários do espaço. As empresas conseguem fazer isso e
normalmente têm um único executivo — digamos, o diretor
de recursos humanos ou o diretor administrativo — supervi-
sionando tanto o RH quanto a gestão imobiliária.
N ão e X i s t e U M a Ú N i c a arquitetura ideal de trabalho físi-
co ou digital. Isso acontece porque mais ou menos interação
não é necessariamente melhor. O objetivo é fazer com que as
pessoas certas interajam na intensidade certa e nos momen-
tos certos.
Muitas suposições comuns sobre arquitetura do escritó-
rio e colaboração estão desatualizadas ou incorretas. Embora
o design do escritório aberto tenha por objetivo incentivar as
pessoas a interagir pessoalmente, ele permite que isso não
aconteça. As “colisões acidentais” facilitadas por escritórios
abertos e espaços livres podem ser contraproducentes. Em
muitos casos, a “copresença” via escritório aberto ou canal
digital não resulta em colaboração produtiva.
o s ava N ç o s t e c N o l ó g i c o s nos permitem testar suposi-
ções e entender como os grupos de trabalhadores realmente
interagem. Os dados necessários para provar ou refutar teo-
rias podem ser obtidos e analisados. Para que isso ocorra em
larga escala, as funções de RH, imóveis e finanças precisam
adotar a experimentação que infundiu o marketing e as ope-
rações. Quando isso acontece, o design físico e virtual do local
de trabalho pode se tornar um processo contínuo — que for-
nece à arquitetura e à anatomia da colaboração um lugar bom
para se conhecer.
hbr reprint R1912C–P para pedidos, página 8
EtHan bErnstEin é professor associado da cátedra Edward
W. Conard, na unidade de comportamento organizacional da
Harvard Business School, e coautor de The Impact of the ‘Open’
Workspace on Human Collaboration (Royal Society, July 2018).
bEn wabEr é cientista visitante no MIT Media Lab. Ele também é
cofundador e presidente da Humanyze, empresa de análise
organizacional que ajuda empresas a entender como e onde o
trabalho é realizado, e autor de People analytics: how social sensing
technology will transform business and what it tells us about the
future of work (FT Press, 2013).
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 Au to R Es

Sally Blount Paul Leinwand

Professora na Kellogg School of Management Líder de estratégia de crescimento
na Strategy& da PwC

CULTUR A
ORGANIZ ACIONAL
I lu st R A d o R MarK sMitH

Porque estamos aqui?

se você quer funcionários
mais engajados e
produtivos, forneça um
propósito que tenha vínculo
concreto com os clientes
e a estratégia.
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Harvard Business Review
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 De fato, é difícil imaginar como seus funcionários possam
ser produtivos sem entender o objetivo da empresa. Como
podem trabalhar todos os dias, prontos para promover o ne-
gócio, se não sabem o que a empresa busca realizar e como
CULTURA o trabalho deles apoia esses objetivos? Ainda assim, em uma
ORGANIZ ACIONAL
pesquisa recente com mais de 540 funcionários em todo o

N
se tornou
a d É c a da Pa s s a da , “ P r o P ó s i t o ”
uma palavra de ordem na gestão. Desde 2010,
apareceu no título de mais de 400 livros sobre
negócios e liderança e milhares de artigos. E não
é de admirar: muitas pessoas — e não apenas os
Millennials — querem trabalhar em empresas
cuja missão e filosofia de negócio ressoem com
elas nos planos intelectual e emocional.
No entanto, muitas empresas lutam para definir — que
dirá colocar em prática — seu propósito. Leia uma declara-
ção de propósito típica e você encontrará objetivos genéricos,
como “ser a empresa favorita” e “maximizar o valor para o
acionista”. Declarações como essas não vão ao cerne do que
impulsiona um negócio de sucesso. Elas não falam sobre o
que a empresa realmente faz ou quem são seus clientes. Ou-
tras declarações incluem ambições elevadas, mas vagas —
por exemplo, “inspirar as pessoas a dar o melhor de si todos
os dias” e “espalhar o poder do otimismo”. Estas também não
respondem às perguntas Qual é a sua razão de existir? Que va-
lor você fornece aos clientes? e Por que só sua empresa é capaz
de fornecê-lo?
Uma declaração de propósito verdadeiramente poderosa
é aquela que atinge dois objetivos: articular claramente as
metas estratégicas e motivar a força de trabalho. Esses objeti-
vos são importantes de forma individual e sinérgica. Quando
os funcionários compreendem e adotam o objetivo da em-
presa, são inspirados a realizar um trabalho que não é apenas
bom — e às vezes ótimo -, mas que também cumpre seus ob-
jetivos declarados.
mundo, realizada pela consultoria de estratégia da PwC, Stra-
tegy &, apenas 28% dos entrevistados disseram que se sen-
tem totalmente conectados ao objetivo da empresa. Apenas
39% disseram que percebiam claramente o valor que criam,
apenas 22% concordaram que seu emprego lhes permite ala-
vancar totalmente seus pontos fortes e apenas 34% disseram
que davam uma contribuição importante para o sucesso da
empresa. Mais da metade não estava sequer “um pouco” mo-
tivada, apaixonada ou empolgada pelo trabalho.
Tudo isso resulta em uma crise de propósito: os trabalha-
dores se sentem perdidos. E, com o tempo, a falta de direção
suga a motivação; as pessoas começam a se afastar dos desa-
fios que são necessários para alcançar os objetivos manifes-
tos da empresa.
A boa notícia é que esse objetivo tem um grande potencial
de inspiração. Na pesquisa citada, os funcionários afirmaram
que, em média, ele é mais do que duas vezes mais importante
do que motivadores tradicionais, como remuneração e pro-
gressão na carreira. Em empresas que definiram e comuni-
caram claramente como criam valor, 63% dos funcionários
dizem estar motivados, contra 31% em outras empresas; 65%
dizem que são apaixonados por seu trabalho, contra 32% em
outras empresas. E essas empresas orientadas por objetivos
obtêm benefícios substanciais: mais de 90% delas apresen-
tam crescimento e lucro iguais ou acima da média do setor,
de acordo com a Strategy & pesquisas e análises.
Para garantir que o propósito da sua empresa possa criar
clareza estratégica e motivar os funcionários, você deve
fazer esta pergunta fundamental: ela fala do seu valor único?
A partir daí, você deverá garantir que sua estrutura, sistemas
e recursos equipem seus funcionários para dar vida a ele.

E M R ES U M O

o PRoBleMA A solUÇÃo coMo IMPleMenTAR

Muitos funcionários se sentem
desconectados do propósito de sua
empresa. Em uma pesquisa recente,
apenas 39% disseram que conseguiam
ver claramente o valor que criam.
Mais da metade não estava sequer
“um pouco” motivada, apaixonada ou
empolgada com o trabalho.
As empresas precisam de uma
declaração de propósito clara que
responda a estas perguntas: Qual é a
sua razão de existir? Que valor você
fornece aos clientes? Por que sua
empresa é capaz de fornecê-lo
exclusivamente?
As empresas devem atrair as pessoas
certas, nas funções certas; desmembrar
silos para facilitar a colaboração
interfuncional; investir para apoiar o
propósito da empresa; e certificar-se
de que os líderes personifiquem esse
propósito por meio de suas palavras e
ações.

68 Harvard Business Review

Dezembro 2019
Harvard Business Review
Dezembro 2019 69
 Uma excelente declaração de propósito tem uso limitado — e pode
ser contraproducente — se sua organização não puder executá-la.
CULTURA
ORGANIZ ACIONAL
Em nosso trabalho como consultores, educadores e con-
selheiros, encontramos inúmeras empresas que lutam para
elaborar seu propósito de modo efetivo. Em muitos casos,
seus esforços estão desconectados dos dois objetivos prin-
cipais ou visam apenas um — buscam motivar funcionários
ou traduzir estratégias para o público externo. Muitas vezes
perguntamos aos líderes seniores: os funcionários que estão
a três, quatro e cinco camadas distantes da diretoria sabem
explicar o que sua empresa faz que agrega valor único? Con-
seguem explicar como isso se relaciona com o que fazem? Al-
guns dos investidores de private equity mais bem-sucedidos
que conhecemos buscam as respostas a essas perguntas nos
corredores e no chão de fábrica como parte de sua devida di-
ligência quando avaliam a compra de uma empresa. Como
eles descobriram e como nós mesmos observamos, por vezes
a falta de clareza impressiona.
A seguir, examinamos os elementos de um propósito bem
elaborado e as ações necessárias para cumpri-lo.
Seu propósito é sua promessa aos clientes
Em um mundo ideal, toda empresa criaria, comunicaria e co-
locaria em prática um propósito firmemente fundamentado
em seus clientes. As empresas nascem e sobrevivem à fase da
startup porque atendem, de modo exclusivo, a um conjunto
de necessidades dos clientes. Elas são bem-sucedidas e cres-
cem quando seu propósito mantém o frescor e quando o co-
nectam ao trabalho de seus funcionários.
Um dos desafios que muitas empresas enfrentam ao elabo-
rar o propósito para seus funcionários é a variedade de “decla-
rações” que elas emitem (consulte o quadro “O debate sobre
as declarações”). Em nossa opinião, quanto menos declara-
ções, melhor. Líderes precisam comunicar claramente o moti-
vo pelo qual a empresa existe (que valor ela cria e para quem)
de forma os funcionários possam, com facilidade, localizar,
entender e fazer referência a essa informação no trabalho.
Ao avaliar se sua empresa elaborou efetivamente sua ra-
zão de ser, convém considerar as seguintes perguntas:
• Nosso propósito declarado é relevante para um conjunto
de clientes ou usuários com potencial para comprar nos-
sos produtos ou serviços? Está claro quem são as pessoas
ou as empresas para as quais, de alguma forma, damos
uma contribuição, seja ela grande ou pequena?
70 Harvard Business Review
Dezembro 2019
• Nosso objetivo é único? Que buraco seria deixado no mer-
cado se desaparecêssemos?
• Somos os legítimos proprietários do nosso propósito? Te-
mos ou podemos desenvolver a capacidade de nos sobres-
sair? Podemos cumpri-lo com mais eficácia e eficiência do
que nossos concorrentes?
Vamos examinar como algumas empresas abordaram es-
sas perguntas nas declarações de propósito que alimentam
seu sucesso.
A IKEA, o maior fabricante e varejista de móveis do mun-
do, tem uma mensagem clara sobre o valor que oferece. Ela
promete “proporcionar uma vida cotidiana melhor para
muitas pessoas” — e não para os privilegiados — oferecendo
“uma ampla gama de produtos de mobília bem projetados e
funcionais a preços tão baixos que o maior número possível
de pessoas possa comprá-los. A empresa cumpre essa pro-
messa, desenvolvendo insights perspicazes sobre a maneira
como os clientes vivem, traduzindo esses insights em produ-
tos, projetando móveis atraentes vendidos e entregues em
caixas planas e usando uma cadeia de fabricação e forneci-
mento altamente eficiente e escalável.
Há muito o propósito da IKEA se tornou evidente: o fun-
dador Ingvar Kamprad entrou no ramo de móveis para aten-
der expressamente pessoas de meios limitados cuja única
maneira de adquirir móveis era fabricá-los ou herdá-los. Ele
permaneceu fiel a esse objetivo, mesmo quando os concor-
rentes iniciais, contrariados pelos preços baixos da IKEA, or-
ganizaram um boicote de fornecedores à empresa. Em vez
de cobrar mais de seus clientes, Kamprad acrescentou novos
recursos, trazendo o design para a empresa e recorrendo a no-
vas fontes — países da Europa Oriental — para a fabricação.
A Henry Schein, um fornecedor global de produtos e ser-
viços para médicos e dentistas, tem um propósito igualmente
bem definido: “fornecer produtos e serviços de saúde inovado-
res e integrados e ser consultores confiáveis para nossos clien-
tes — permitindo que ofereçam a melhor qualidade de atendi-
mento ao paciente e aprimorem a eficiência e a lucratividade
da gestão de suas clínicas”. Para isso, a empresa se concentra
em construir “relacionamentos profundamente enraizados
no apoio e na confiança”. Ela fez uma escolha explícita que foi
além da venda de produtos e oferta de soluções para os clien-
tes, criando assim uma posição valiosa e única. Isso implicava
equiparar as habilidades dos concorrentes de fornecer e reparar
grandes equipamentos, mas também adicionar software de
gestão de clínica e tecnologias digitais que ajudam os clientes a
aperfeiçoar suas operações. Além disso, a empresa treina seus
vendedores para instruir e aconselhar os profissionais sobre fi- O debate acerca da declaração
nanciamento de equipamentos, ferramentas de marketing e co- nas empresas, as pessoas receber doações, dinheiro
podem discordar sobre as de impostos ou ambos?
municações, conformidade regulatória e outros assuntos.

diferenças entre declara-
A Lego, a maior empresa de brinquedos do mundo, não ção de propósito, declara-
vende apenas brinquedos; ela se esforça para “desenvolver a ção de missão, declaração
criatividade das crianças por meio de brincadeiras e aprendiza- de visão e afins. se você
examinar sites corpora-
do”. Para cumprir essa promessa, ela projeta conjuntos de blo-
tivos, encontrará pouca
cos atraentes que podem ser montados de inúmeras maneiras. uniformidade em relação a
De forma igualmente crítica, promove comunidades on-line e quais dos vários termos são
presenciais de entusiastas de todas as idades, a fim de inspirar usados e como isso é feito.
a multiplicidade de cons-
engajamento, aprendizado, criatividade e inovação contínuos.
truções apenas contribui
Isso é feito através de iniciativas como a Ambassador Network, para o desafio de escrever
uma plataforma de comunicação e apoio para fãs adultos; Lego uma declaração de propó-
Ideas, um site que permite que os usuários enviem ideias para sito forte. Já vimos muitas
discussões sobre propósito
novos conjuntos de Lego; galerias com criações de usuários; e
se transformarem em de-
Lego Life, uma rede de mídia social para crianças. Nos últimos bates semânticos ou resul-
20 anos, o número de grupos conhecidos de usuários de Lego tarem em uma proliferação
cresceu de 11 para 328, com membros ativos totalizando cen- de mensagens díspares.
Em vez de discutir inces-
tenas de milhares. Esses usuários enviaram fotos, desenhos e santemente os rótulos ou a
instruções para mais de 450 mil criações próprias de Lego. Toda necessidade de fazer dife-
essa atividade dos fãs representa uma vasta biblioteca de ideias rentes tipos de declaração,
forneça a seus funcioná-
gratuitas disponíveis para qualquer pessoa e é um componente
rios, clientes e investidores
inestimável para que a Lego cumpra o seu propósito.
2 
Como sua empresa
faz negócio e quais
princípios orientam
suas decisões? É impor-
tante considerar todos os
seus principais stakehol-
ders, estejam eles identi-
ficados ou não na sua de-
claração de propósito. isso
pode incluir a comunida-
de local em que você ope-
ra, reguladores estaduais
e fornecedores, para citar
apenas alguns. Dados es-
ses stakeholders, quais va-
lores devem orientar seus
funcionários? Que tipo de
ambiente de trabalho, ex-
periência do cliente e ou-
tras interações você deseja
criar a cada dia, e como vo-
cê ajuda seus funcionários
a entender como essas coi-
sas se conectam com seu
propósito e o promove?

3 
clareza sobre três coisas: Onde sua empresa as-

1
Por que sua empresa pira estar em X anos?
existe? Este é o ponto Enquanto trabalha
Construa uma empresa que cumpra seu objetivo inicial, e tudo se resu-
me a uma questão simples:
duro hoje, o que você se
esforça para criar a longo
É evidente que expressar seu propósito de forma clara é ape- as necessidades de quem prazo? para continuar cres-
nas o começo. Uma excelente declaração de propósito é de você atende e e como você cendo em escala e impac-
uso limitado — e pode ser contraproducente — se sua empre- está equipado de modo ex- to, grandes líderes ajudam
clusivo para fazer isso? pa- a empresa a se articular e
sa não puder executá-la. Funcionários que veem uma decla-
ra as empresas, isso signifi- almejar ir além. Em nossa
ração de propósito poderosa, mas enfrentam obstáculos orga- ca perguntar: “Qual valor experiência, as melhores
nizacionais, não conseguirão alcançar as prioridades que você oferecemos ao cliente que empresas são muito es-
definiu. Quando isso acontece, sua declaração de propósito os motivam a nos pagar?”. pecíficas sobre as metas
para as organizações sem futuras de desempenho, o
gera apenas frustração e descrença e diminui a motivação de
fins lucrativos, a questão é: prazo para atingi-las e as
sua força de trabalho. E seus clientes acabarão percebendo. “Qual valor social oferece- métricas com as quais se-
Para garantir a execução do seu propósito, você deve: mos que nos dá o direito de rão julgadas.
Ser um ímã para o talento certo. Você precisará das pes-
soas certas, nas funções certas, para atingir seus objetivos or-
ganizacionais e relevância competitiva. Os modelos atuais
de desenvolvimento de talentos muitas vezes aspiram criar deve se sobressair para cumprir seu propósito? Elas envol-
grandeza em toda a parte. Francamente, isso não é realista. As verão habilidades altamente específicas e devem orientar as
empresas precisam fazer escolhas na guerra por talentos. Ne- decisões sobre quais empregos exigem os melhores talentos.
nhuma organização pode se dar ao luxo de contratar pessoas Não caia na armadilha de esperar que os generalistas funcio-
de primeira linha em todas as áreas — e mesmo que pudesse, nais tragam expertise para áreas críticas do seu propósito.
seria difícil atrair e reter indivíduos cujas habilidades não se Leve também em consideração as principais tecnologias que
alinham ao objetivo da empresa e que, portanto, não serão mo- você usa; seu pessoal deve combinar com suas informações
tivados pelo ambiente e pelas opções de carreira disponíveis. e sistemas operacionais. E lembre-se de que as funções me-
Quais são as poucas competências nas quais sua empresa nos vitais e aquelas para as quais sua empresa não precisa de

Harvard Business Review

Dezembro 2019 71

CULTURA
ORGANIZ ACIONAL
apoio o ano todo, podem ser melhor preenchidas por terceiri-
zados de alta qualidade do que por funcionários internos.
Considere a Apple, que se destacou graças a um design
inovador e fácil de usar. Para conseguir isso, o ex-CEO Steve
Jobs elevou toda a equipe de design, trazendo talento supe-
rior para ajudar a moldar uma ampla variedade de produtos
e serviços, incluindo seus dispositivos eletrônicos, interfa-
ces de usuário de software e a experiência da loja de varejo. A
Apple até criou uma vaga de gestão para o diretor de design —
algo bastante incomum para uma empresa de tecnologia. Ao
fazer isso, destacou para todos os funcionários o valor das ati-
vidades da equipe de design e sua interconectividade com as
demais áreas. A empresa conseguiu atrair e reter não só desig-
ners de produto de nível mundial, mas também designers de
moda e varejo, porque Jobs entendeu e sinalizou a importân-
cia do design na realização do propósito da Apple.
Estabelecer uma conexão efetiva que atravesse fron-
teiras. Uma vez que você tenha as pessoas certas e as habilida-
des certas, é preciso configurar sua empresa para permitir que
ela cumpra tudo o que seu propósito exige. Quase todas as ini-
ciativas importantes, seja o crescimento de receita, a redução
de custos ou a inovação de novos produtos, exigem insights e
iniciativas de toda a empresa. Portanto, você precisa quebrar os
silos, sejam eles funcionais, geográficos ou baseados no cliente.
A “tecnologia humana” mais popular para reunir as me-
lhores reflexões e experiências de uma empresa sobre um tó-
pico complexo é a equipe multifuncional. Mas, na melhor das
hipóteses, a experiência da maioria das empresas com essas
equipes é padronizada. Com frequência, as equipes contam
com pouca dedicação de tempo e envolvimento por parte dos
membros ou não recebem os recursos financeiros e a atenção
da gestão sênior de que precisam para se destacar.
Para evitar essas armadilhas, você tem duas opções. Me-
lhorar os mecanismos que ajudam as equipes multifuncio-
nais a trabalhar de maneira eficaz. Isso significa liberar os
membros de algumas funções em seu departamento “ori-
ginal” e atribuir o produto do trabalho de uma equipe a um
executivo sênior cujas métricas de desempenho são projeta-
das para garantir seu sucesso. Ou, você pode mudar a estru-
tura organizacional, reunindo pessoas com diversas habili-
dades funcionais em unidades multifuncionais permanen-
tes. Por exemplo, as equipes de inovação geralmente incluem
pessoal de pesquisa, engenharia, marketing e finanças.
72 Harvard Business Review
Dezembro 2019
Nisso, a IKEA também é um exemplo. Em muitas empre-
sas, os produtos são projetados por pessoas que não têm res-
ponsabilidade direta pela gestão de despesas. Uma vez cria-
dos, os projetos vão para a equipe da cadeia de suprimentos,
a equipe financeira ou ambas, para estimativas de custos, e
uma equipe de marketing ou vendas determina o preço. O
processo geralmente envolve muitas rodadas iterativas pa-
ra revisar as premissas do projeto. As coisas funcionam de
maneira diferente na IKEA: funcionários de design, finanças,
fabricação e cadeia ampla de suprimento trabalham juntos
para, desde o início, criar produtos que são otimizados para
o custo. Por exemplo, os designers trabalham continuamente
nas embalagens para reduzir materiais, maximizar as peças
que podem caber em um contêiner e manter as embalagens
com peso e tamanho viáveis para que os clientes possam
levá-las para casa. Essa integração multifuncional confere à
empresa recursos avançados de design a um custo altamen-
te competitivo — fatores-chave para diferenciar a empresa e
permitir que ela atinja seu propósito.
Investir para promover o propósito. Nada é mais desmoti-
vante para os funcionários do que trabalhar em algo que é tido
como crítico, mas ao qual não se dedica o tempo, a atenção ou
o financiamento adequados. Nas áreas mais importantes para o
seu propósito, seu objetivo não deveria ser alcançar a excelên-
cia funcional ou mesmo igualar as referências externas do mer-
cado para itens como pessoal e gastos de mercado, mas investir
mais do que seus concorrentes para que você possa entregar o
valor que você promete. Você pode economizar em outra área.
Assim como a aquisição do talento certo envolve escolhas
difíceis, o orçamento para fins de propósito significa tomar
decisões difíceis sobre alocação. Se você não investe de mo-
do desproporcional nos recursos que seu propósito exige, sua
declaração de propósito é o que os economistas chamam de
“conversa fiada”.
A CEMEX, empresa mexicana de cimento e concreto, es-
tabeleceu como meta se tornar o principal parceiro de seus
clientes na construção de projetos do início ao fim, fornecen-
do apoio e consultoria em tudo, como seleção do local ide-
al, obtenção de licenças e compra e gestão de grandes obras.
Para isso, investiu pesadamente em sua equipe de vendas,
cujos membros são responsáveis por estreitar o relaciona-
mento com altos oficiais de clientes municipais. A empresa
também começou a contratar um novo tipo de executivo, re-
crutando pessoas que se reúnem com líderes da comunidade
e, durante todo o processo de construção, compartilham suas
contribuições com outras pessoas da empresa, viabilizando
soluções altamente diferenciadas para os clientes. Para cus-
tear esses investimentos, a CEMEX dobrou a eficiência ope-
racional e instituiu um programa de redução de despesas em
toda a empresa — por exemplo, usando fontes alternativas de
energia, como o lixo municipal.
 Certificar-se de que seus líderes sejam modelos de
seu propósito. Bons líderes personificam o propósito da em-
presa todos os dias através de palavras e ações, seja comu-
nicando as prioridades para a força de trabalho ou passando
tempo com funcionários e clientes de modo conspícuo.
Veja a Danaher, uma inovadora global de ciência e tecno-
logia. Para cumprir seu compromisso de desenvolver tecno-
logias que resolvam os desafios mais complexos dos clientes,
conta com o Danaher Business System, que promove melho-
rias contínuas em todos os produtos e áreas da empresa. Os
20 principais executivos da Danaher costumam se reunir para
discutir ferramentas e técnicas úteis, aprendendo tudo o que
podem um com o outro. O ex-CEO Larry Culp instituiu uma
atividade semestral de kaizen na qual ele e cada um de seus
subordinados diretos passam uma semana trabalhando em
uma fábrica que enfrenta dificuldades. Todos os executivos
seniores oferecem instruções regulares sobre as ferramentas
em que são certificados, geralmente em partes da empresa
que não se reportam diretamente a eles; colocar líderes para
usar seu tempo treinando equipes fora de seu próprio grupo
envia uma mensagem poderosa.
A força de trabalho acompanhará de perto se os líderes
colocam em prática as decisões difíceis necessárias para dar
vida ao seu propósito. Será que eles abandonarão um negó-
cio que não está de acordo com a razão de existir da empresa,
como a Philips fez, em 2013, ao desinvestir sua divisão de ele-
trônicos de consumo, e como a Novartis fez recentemente, ao
desmembrar os produtos oftalmológicos da Alcon?
Em 2014, em uma entrevista na qual discutiu os proble-
mas da Lego alguns anos antes, o então CEO Jørgen Vig Knu-
dstorp reconheceu que a empresa de brinquedos “havia
perdido o rumo em termos da compreensão de sua própria
identidade”. Ele descreveu como fez para que ela retomasse
os fundamentos básicos, começando com “a pergunta funda-
mental: por que você existe?” e começando a “fazer apenas
as coisas nas quais tínhamos vantagem única”. Para retomar
sua posição no setor, a empresa embarcou em um programa
significativo de recuperação, que incluía desinvestir ou des-
continuar produtos que não estavam de acordo com seu pro-
pósito principal. Por exemplo, vendeu quatro parques temá-
ticos e sua divisão de desenvolvimento de videogames.
rePeNsar o ProP ósito P ode ser imensamente benéfi-
co para os objetivos sinérgicos de clareza estratégica e moti-
vação dos funcionários. O conselho administrativo de uma
empresa tem um papel cada vez mais importante a desem-
penhar, responsabilizando a gestão por esse esforço. De fato,
com um mandato médio de CEOs de apenas cinco anos, os
conselhos têm não apenas mais poder longitudinal, mas, po-
de-se dizer, uma responsabilidade fiduciária de ocupar-se do
propósito de uma empresa e de sua capacidade de coloca-lo
em prática. Os membros do conselho devem fazer perguntas
difíceis à equipe de gestão, que podem incluir:
• Se colocarmos nossa declaração de propósito e a do com-
petidor lado a lado, nossos funcionários conseguirão iden-
tificar qual é a nossa?
• Se entrevistássemos funcionários, quantos saberiam dizer
qual é o nosso propósito?
• Nossos funcionários têm os recursos necessários para
cumprir nossas promessas junto aos clientes?
Embora essas perguntas sejam bastante intuitivas, sabe-
mos por experiência que muitos executivos seniores não li-
dam com elas de forma adequada — ou porque não percebem
a importância do propósito no planejamento estratégico, por-
que estão muito focados no desempenho financeiro de curto
prazo, ou porque abordar essas questões ilumina vulnerabili-
dades fundamentais da empresa. Os conselhos de administra-
ção, portanto, devem desempenhar o papel central de manter
a gestão em sintonia com a razão de ser de sua empresa.
Em “O principal erro da liderança corporativa” (HBRBR,
maio de 2017), Joseph Bower e Lynn Paine escreveram: “A
saúde da empresa — e não a riqueza de seus acionistas — de-
ve ser a principal preocupação de seus gestores.” Sugerimos
que a saúde da empresa a longo prazo se baseia em um enten-
dimento claro de quem são seus clientes e como você fornece
valor único a eles. Definir, comunicar e cumprir esse propó-
sito é o trabalho dos líderes de uma empresa — e digno de su-
pervisão do conselho, como deixa clara a nova “Declaração
sobre o Propósito das Empresas” da Business Roundtable.
Por mais que você tente motivar os funcionários com slo-
gans ou recompensas, você não alcançará a excelência se o
seu pessoal não souber por que trabalha todos os dias na sua
empresa. Quanto mais claro for para você o valor que sua em-
presa cria e para quem ela o faz, maior será sua capacidade de
inspirar seus funcionários. E quanto mais você alinhar o ta-
lento, o modelo operacional e os recursos financeiros certos
para apoiar seu objetivo, mais capacitados os funcionários es-
tarão para cumprir isso.
O propósito é a chave para a motivação — e funcionários
motivados são a chave para realizar seu propósito. Acerte es-
se relacionamento simbiótico e sua empresa prosperará.
hbr reprint R1912D–P para pedidos, página 8
SaLLY BLoUNt é professora de estratégia da cátedra Michael L.
Nemmers e ex-reitora da Kellogg School of Management da
Northwestern University. Atua nos conselhos de administração dos
laboratórios Abbott e Ulta Beauty. paUL LeiNWaNd é diretor-gestor
global de estratégia orientada por capacitações e crescimento da
Strategy &, empresa de consultoria da PwC. Ele também é diretor da PwC
U.S., professor adjunto de estratégia da Kellogg School e co-autor de
vários livros, incluindo Strategy that works: how winning companies close
the strategy-to-execution gap (Harvard Business Review Press, 2016).
Harvard Business Review
Dezembro 2019 73
 EC O N O M I A

Como
medir
a economia
digital?
foque no valor criado,
e não somente no preço.
F
Au to R Es I lu st R A d o R

niCK sMitH
Erik Brynjolfsson Avinash Collis
N
ck
Diretor, Iniciativa sobre Candidato a doutorado da Sloan
economia digital do MIT School of Management do MIT

74 Harvard Business Review

Dezembro 2019
 EC O N O M I A

Imagine que lhe

va M o s l h e fa z e r U M a P r o P o s ta .
V
m
um
p
p
pedimos para deixar de acessar a plataforma de busca da
Google durante um mês, e lhe pagamos US$ 10. Não? E que tal
US$ 100? Ou US$ 1 mil? Quanto precisaríamos lhe pagar para
você desistir da Wikipédia? Sua resposta pode nos ajudar a
entender o valor da economia digital.
Em 2018, os americanos gastaram, em média, 6,3 horas
por dia em mídias digitais — não apenas no Google e na
Wikipédia, mas em redes sociais, em cursos online, mapas,
mensagens, videoconferências, música, aplicativos em
smartphones, entre outras. A mídia digital consome uma par-
cela significativa e crescente de nossa vida diária — descon-
tando, obviamente, as horas em que estamos dormindo —,
mas esses bens e serviços não são registrados nas medidas da
atividade econômica oficiais como o Produto Interno Bruto
(PIB) e a produtividade (que é simplesmente o PIB por hora
trabalhada). Ouvimos mais músicas (e melhores), navegamos
com facilidade, nos comunicamos com colegas de trabalho e
amigos de várias formas enriquecedoras e aproveitamos uma
infinidade de outros benefícios que nunca teríamos imagi-
nado há 40 anos. Mas, se você analisar somente os números
do PIB, pensará que a revolução digital nunca aconteceu.

76 Harvard Business Review

Dezembro 2019
 R ES U M O

esumo
o PRoBleMA

O
O
LE
Embora passemos
uma parte significativa
e cada vez maior de
nossa vida online,
os bens e serviços
digitais continuam
completamente não
contabilizados no PIB.
Isso porque a medida
se baseia no valor que
as pessoas pagam
pelos bens e serviços.
Se alguma coisa tem
preço zero, então sua
contribuição para o PIB
normalmente é zero.

o IMPAcTo

O
C
O
Os responsáveis pelas
políticas utilizam os
dados do PIB para
tomar decisões sobre
como investir em tudo,
desde infraestrutura
e P&D até educação e
defesa cibernética. Os
reguladores o utilizam
para estabelecer polí-
ticas que afetam a tec-
nologia e outras empre-
sas. Como os benefícios
da digitalização são
extremamente
subestimados, essas
decisões e políticas
estão sendo tomadas
com uma precária
compreensão da
realidade.

UMA noVA ABoRdAGeM

NO
O
D
E
O PIB-B é uma
métrica alternativa
que suplementa a
estrutura tradicional
do PIB, quantificando
as contribuições
para o bem-estar do
consumidor a partir de
bens gratuitos.

Harvard Business Review

Dezembro 2019 77

EC O N O M I A
A contribuição do setor de informação como uma parcela do
PIB total mal saiu do lugar desde a década de 1980, flutuando
entre 4% e 5% anualmente e atingindo um pico de somente
de 5,5% em 2018. Parafraseando o economista Robert Solow,
vemos a era digital em tudo, menos nas estatísticas do PIB.
Os produtos digitais são sub-representados porque o PIB
se baseia no que a população paga pelos bens e serviços. Com
algumas exceções, se algum produto tem preço zero, então ele
contribui com zero para o PIB. Mas a maioria de nós retira mais
valor de bens digitais gratuitos como a Wikipédia e mapas online
do que de seus equivalentes anteriores, mais caros, em papel.
Os responsáveis pelas políticas utilizam dados do PIB para
decidir sobre praticamente tudo, desde infraestrutura e P&D
até educação e defesa cibernética. Os agentes reguladores o
utilizam para estabelecer políticas que afetam as empresas de
tecnologia e outras organizações. Como os benefícios da digi-
talização são extremamente subestimados, essas decisões e
políticas são tomadas sem a devida compreensão da realidade.
excedente econômico
por categoria digital
Os consumidores valorizam algumas categorias digitais mais que
outras. Motores de busca, emails e mapas, por exemplo, que não
têm substitutos equivalentes offline, estão no topo da lista.
Motores de
busca
email
Mapas
Video
e-commerce
Mídias sociais
Música
Mensagens
78 Harvard Business Review
Dezembro 2019
O gerenciamento eficiente da economia digital depende
de nossa capacidade de avaliar com precisão o valor dos bens
e serviços digitais gratuitos. Por isso, desenvolvemos uma
nova técnica para medir não somente quanto os consumido-
res pagam por produtos digitais, mas também que benefício
eles lhes trazem. E esse benefício, que não é levado em conta,
é substancial. Nossa pesquisa realizada com Felix Eggers,
da Universidade de Groningen, mostrou, por exemplo, que
somente a Facebook criou mais de US$ 225 bilhões em valor
não contabilizado para os consumidores desde 2004.
Calcular o benefício de bens gratuitos que não são medi-
dos não é um problema novo: pense nas primeiras ondas de
inovação que produziram produtos gratuitos ou quase gratuitos
como antibióticos, rádio e televisão, que claramente entrega-
vam valor significativo ao consumidor. Considerando o cresci-
mento excepcionalmente rápido de bens e serviços digitais em
nossa economia, já passou a hora de resolver esse problema.
O QUE O PIB NÃO MEDE
Muitas vezes, o PIB é usado como uma aproximação sobre
o estado de saúde da economia. Ele é um número relativa-
mente preciso que indica, a cada trimestre, se a economia
está crescendo ou encolhendo. No entanto, o PIB mede
somente o valor monetário de todos os bens finais produzidos
na economia. Como ele mede somente quanto pagamos pelo
que compramos, e não como nos beneficiamos, o bem-estar
econômico do consumidor pode não estar correlacionado
com o PIB. Na verdade, às vezes, ele diminui quando o PIB
aumenta, e vice-versa.
A boa notícia é que a economia não fornece, pelo menos
teoricamente, uma forma de medir o bem-estar do consu-
midor. Essa medida, chamada excedente econômico, é a
diferença entre o máximo que o consumidor está disposto
a pagar por um produto ou serviço e o seu preço. Se você
gasta US$ 100 para comprar uma camisa, mas paga somente
US$ 40, então você teve US$ 60 de excedente econômico.
Para entender por que o PIB pode ser uma aproximação
falaciosa para o bem-estar econômico, considere a Enciclopédia
Britânica e a Wikipédia. A Britânica custava vários milhares de
dólares, o que significava que seus consumidores consideravam
que ela valia, no mínimo, esse valor. A Wikipédia, um serviço
gratuito, tem muito mais itens, de qualidade comparável, que
a Britânica jamais teve. Medida pelos gastos do consumidor,
a indústria está encolhendo (à medida que os consumidores
a abandonaram, a enciclopédia impressa foi encolhendo, até
fechar as portas em 2012). Mas, medida pelos benefícios que
oferece, os consumidores nunca estiveram tão bem servidos.
Nossa pesquisa mostrou que o valor médio que o consumidor
americano atribui à Wikipédia é de cerca de US$ 150 por ano —
mas seu custo é zero. Isso se traduz em aproximadamente
 medidas alternativas
do bem-estar
Como o PIB é uma aproxi- sobre questões relacionadas
mação inadequada para o à felicidade e satisfação
bem-estar dos consumidores, com a vida. O Índice de Vida
várias medidas alternativas Melhor, da Organização para
foram desenvolvidas para for- a Cooperação e Desenvolvi-
necer uma visão mais abran- mento Econômico (OCDE), é
gente. O Índice de Desenvol- uma ferramenta iterativa que
vimento Humano das Nações permite que os usuários com-
Unidas (IDH) é composto pela parem países em 11 dimensões
expectativa de vida, nível de de bem-estar, incluindo o
instrução e renda per capita. ambiente, saúde e satisfa-
Chad Jones e Pete Klenow, ção com a vida. O Índice de
da Stanford, desenvolveram Progresso, de Michael Porter
uma medida resumida do e Scott Stern, engloba 54
bem-estar do consumidor que indicadores que medem até
inclui consumo, lazer, morta- que ponto os países proveem
lidade e desigualdade. Vários as necessidades de seus cida-
US$ 42 bilhões em excedente econômico que não é contabili- países, incluindo o Reino dãos (incluindo necessidades
zado no PIB dos Estados Unidos. Unido e o Butão, quantificam humanas básicas e neces-
Os gastos do consumidor — a base para o PIB — podem o bem-estar subjetivo sidades relacionadas ao
perguntando aos cidadãos bem-estar e oportunidades).
ser contabilizados na caixa registradora e aparecem nos
resultados financeiros das empresas. Já o excedente eco-
nômico não pode ser observado diretamente — razão pela
qual ele não é muito utilizado para medir a economia. Fe- oferecemos a eles quantias variáveis em espécie para não uti-
lizmente, a revolução digital criou não só desafios difíceis, lizar a plataforma durante um mês. Para verificar as respostas,
mas também novas ferramentas poderosas de medida. Em alguns participantes foram selecionados aleatoriamente para re-
nossa pesquisa, utilizamos técnicas de pesquisa digitais almente receber os pagamentos e abrir mão do serviço durante
para rodar massivos experimentos de escolha online que um mês. Temporariamente, nós os adicionávamos como amigos
examinaram as preferências de centenas de milhares de no Facebook — com a permissão deles, naturalmente — para
consumidores. Os resultados nos permitem estimar o ex- confirmar se eles não haviam, efetivamente, feito login durante
cedente econômico de uma infinidade de bens, incluindo um mês.
os gratuitos que estão incluídos nas estatísticas do PIB. Cerca de 20% dos usuários concordaram em parar de utilizar o
Começamos pedindo aos participantes que fizessem a serviço por uma quantia muito menor, US$ 1. Uma porcentagem
escolha. Em alguns casos, pedimos que escolhessem entre igual se recusou a abandonar a plataforma por menos de US$ 1 mil.
vários bens (por exemplo, “você preferiria perder o acesso A compensação média que os usuários do Facebook estavam
à Wikipédia ou ao Facebook durante um mês?”). Em dispostos a aceitar para não acessar o serviço por um mês foi
outros casos, eles escolheram entre manter o acesso a um US$ 48. Com base na pesquisa e follow-up do experimento,
produto digital ou desistir dele em troca de recompensa estimamos que os consumidores americanos capturaram
financeira (“Você deixaria de usar a Wikipédia durante um US$ 231 bilhões em valor da empresa, desde seu início em 2004.
mês por US$ 10?”). Para garantir que as pessoas expressas- Realizamos um estudo similar na Europa e descobrimos que a
sem suas verdadeiras preferências, continuamos acom- recompensa financeira média que os participantes solicitaram para
panhando com experimentos nos quais os participantes não acessar o Facebook durante um mês foi ainda mais alta, cerca
realmente se comprometiam em desistir de um serviço de € 97. Também percebemos que os usuários com mais amigos va-
antes de receberem a recompensa monetária. lorizavam mais o site, refletindo o fato de que os efeitos da rede são
A seguir, apresentamos um exemplo de como isso um fator importante no valor que o consumidor atribui. Consumi-
funciona. Para medir o excedente econômico gerado pelo dores que também utilizavam o Instagram e o YouTube atribuem
Facebook, recrutamos uma amostra representativa de menos valor ao Facebook, sugerindo que essas plataformas
usuários da plataforma residentes nos Estados Unidos e substituem o Facebook. Em média, as mulheres valorizam mais

Harvard Business Review

Dezembro 2019 79
80 Harvard Business Review
Dezembro 2019
SOBRE A ARTE
Para entender e quantificar melhor o valor “sem preço” da arte e as somas absurdas
pelas quais as peças, às vezes, são vendidas, o artista Nick Smith reinterpreta obras de
arte famosas utilizando um padrão de cores: cada uma reproduz um número ao qual é
atribuído um valor proporcional do preço final de venda da obra. US$ 48.484,85 US$ 48.484,85 US$ 48.484,85 EC O N O M I A

o Facebook que os homens e pessoas de mais idade valorizam
mais que os jovens — talvez porque entre os idosos seja menor
a probabilidade de migrar para plataformas de mídias sociais
alternativas (como Snapchat e Instagram).
Precisamos pensar que o valor gerado pelo Facebook é con-
tabilizado no PIB por seus lucros decorrentes de publicidade.
No entanto, nossas estimativas indicam que a plataforma
gera um excedente econômico médio de cerca de US$ 500 por
pessoa anualmente nos Estados Unidos, e também pelo menos
esse valor para os usuários europeus. Por outro lado, a receita
média por usuário é de somente cerca de US$ 140 por ano
nos Estados Unidos e US$ 44 por ano na Europa. Em outras
palavras, a Facebook opera uma das mais avançadas plata-
formas de publicidade, embora sua receita em propaganda
represente somente uma fração do excedente econômico total
que ela gera. Isso reforça a pesquisa realizada por Michael
Spence, da Stern School, da New York University, e Bruce
Owen, da Stanford, mostrando que a receita de publicidade e
o excedente econômico nem sempre estão correlacionados.
Os consumidores podem obter muito mais valor de conteúdo
que não gera muita propaganda, como a Wikipédia ou o email.
Por isso, é um erro considerar o faturamento com publicidade
como um substituto para o excedente econômico.
A história é similar com os bens digitais que geram receita
com taxas e inscrições do usuário. Os consumidores pagam, por
exemplo, US$ 120 a US$ 240 por ano por serviços de streaming
de vídeos como Netflix, Hulu e HBO. No entanto, nossa pesquisa
sugere que o excedente econômico gerado por esses serviços é
cinco a dez vezes o que os usuários pagam para acessá-los.
O efeito do excedente econômico é ainda maior quando
analisamos as categorias de bens digitais. Realizamos estu-
dos para medi-lo nas categorias mais populares nos Estados
Unidos (veja o quadro “Excedente econômico por categoria

um breve histórico dopiB digital”) e descobrimos que o motor de busca é a categoria

O Produto Interno Bruto
(PIB), desenvolvido na
década de 1930, é correta-
mente aclamado como uma
das maiores invenções do
século 20. Ele mede o valor
monetário de todos os bens
produzidos numa economia.
Ele é amplamente utilizado
como uma aproximação para
o bem-estar. No entanto,
Simon Kuznets, líder da
equipe que o criou, adverte
que “bem-estar de uma
nação mal pode ser inferido”
do PIB, nem foi esse o seu
propósito quando o índice
foi criado.
Entre os pontos fracos
está a incapacidade de
capturar efeitos externos
negativos associados ao
crescimento, como poluição
ou trânsito engarrafado.
Além disso, atividades não
de mercado — como serviços
domésticos (quando as pes-
soas executam tarefas sem
remuneração em casa) — não
são contabilizadas pelo PIB.
Desde que foi concebido,
o PIB foi atualizado, revisado
e ampliado várias vezes. Por
exemplo, melhores medidas
de preço de computadores e
investimentos em softwares
foram introduzidos em
1999. Valores “satélite”
foram introduzidos em 1993
para monitorar aspectos
particulares da atividade
econômica, como produção
de serviços domésticos e
P&D. Nessa nova métrica, o
PIB-B constitui um avanço
para obter um painel mais
completo dos indicadores
econômicos.
mais valorizada (com uma atribuição média de valor de mais
de US$ 17 mil por ano), seguida por emails e mapas. Essas cate-
gorias não têm substituto equivalente offline e muitas pessoas
as consideram essenciais para o trabalho e a vida cotidiana.
Quando perguntamos aos participantes sobre quanto eles
precisariam ser recompensados por não acessar uma categoria
inteira de bens digitais, observamos que o valor mencionado
era mais alto que a soma do valor dos pedidos individuais de
não acessar. Isso faz sentido, uma vez que bens dentro de uma
categoria são, muitas vezes, substitutos uns dos outros.
PARA CHEGAR AOS NÚMEROS CERTOS
Ao analisar a perspectiva de atribuir valores econômicos aos
bens digitais, descobrimos que incluir o valor do excedente
econômico de apenas um bem digital — Facebook — no PIB
adicionaria uma média de 0,11% ao crescimento anual do
PIB dos Estados Unidos de 2004 a 2017. Durante esse período,
o PIB aumentou, em média, 1,83% ao ano. Fica claro que o
PIB foi significativamente subestimado ao longo do tempo.
Trabalhando como os economistas canadenses Erwin
Diewert, Felix Eggers e Kevin Fox, da Universidade da
Columbia Britânica, desenvolvemos um método para medir
os benefícios associados à economia digital. O PIB-B é uma

Harvard Business Review

Dezembro 2019 81
métrica alternativa que suplementa a estrutura tradicional do
PIB quantificando as contribuições de bens gratuitos ao bem-
estar do consumidor. Os responsáveis pelas políticas, gestores
e economistas podem estimar essas contribuições aplicando o
método relativamente barato que descrevemos anteriormente:
realize pesquisas de larga escala perguntando aos respondentes
quanto deveriam receber para deixarem de usar um dado bem
durante um determinado período e depois valide os resultados
realizando estudos em menor escala com incentivos monetá-
rios reais. Adicionando um pouco mais de dados, as variações
no PIB-B podem ser estimadas regularmente e divulgadas nas
atualizações trimestrais ou anuais do PIB.
No entanto, nossos métodos têm duas limitações impor-
tantes. Primeiro, nossas estimativas do PIB-B ainda estão longe
de ser abrangentes e não são tão precisas quanto as medidas
Relevância do bem-estar
tradicionais do PIB. Teremos de incluir muito mais bens e
realizar mais experimentos de escolha online para cada uma, a
fim de obter uma avaliação mais precisa da contribuição total
dos bens gratuitos à economia. Segundo, da mesma forma que
o PIB tradicional, nossas medidas não capturam alguns dos
potenciais efeitos externos negativos associados aos bens e
serviços, incluindo plataformas online. Vários estudos sugerem
que as plataformas de mídias sociais podem induzir um com-
portamento viciante e que o uso da internet e de smartphones
pode ter um impacto negativo na felicidade e saúde mental da
população. Outros estudos mostram que alguns bens digitais
estão prejudicando a coesão social ou o discurso político, ou im-
pondo um custo à sociedade na forma de perda de privacidade.
Por enquanto, nossa métrica do PIB-B leva em conta somente
os benefícios sociais e os custos associados aos bens, como foi
avaliado (talvez de forma imperfeita) pelos participantes de nos-
sos experimentos de escolha online, e não os custos e benefícios
sociais. Estamos trabalhando para resolver essas limitações,
assim como estão fazendo outros grupos. Por exemplo, os
pesquisadores desenvolveram uma série de métodos úteis para
quantificar aspectos subjetivos do bem-estar, incluindo felici-
dade e satisfação com a vida. Embora uma pesquisa realizada
por macroeconomistas de prestígio sugira que essas métricas
ainda não são tão precisas, comparáveis ou confiáveis quanto as
métricas “rígidas” como o PIB, é um passo na direção certa.
Num espectro variado de indicadores da macroeconomia
tradicional como PIB e produtividade, que tendem a ser muito
precisos, até indicadores de bem-estar, como felicidade, que
geralmente são menos precisos, nossa métrica do PIB-B se loca-
liza em algum ponto intermediário. O PIB tem definição e valor
muito específico, mas não captura o excedente econômico
gerado pela economia digital. Nas avaliações de felicidade, o
problema é oposto. Assim sendo, ele representa um aprimora-
mento útil para os responsáveis pelas políticas e reguladores,
que precisam entender perfeitamente como a tecnologia afeta
a economia para poderem tomar decisões acertadas.
82 Harvard Business Review
Dezembro 2019
crie um painel para o
bem-estar do consumidor
Indicadores macroeconômicos podem ser medidos com precisão,
mas eles contam somente parte da história. As métricas do bem-
estar revelam um panorama sobre como os consumidores estão se
comportando, mas são mais subjetivas. Considerando um conjunto de
medidas, incluindo a métrica de nosso PIB-B, os responsáveis pelas
políticas, reguladores e investidores podem criar uma base mais sólida
para suas tomadas de decisão.
Métricas do bem-estar
(exemplo: felicidade, satisfação com a vida)
Mais
pib-b
(captura o excedente
econômico gerado por
bens digitais gratuitos
e outros bens fora do
mercado)
Menos
indicadores
macroeconômicos
subjetiva objetiva (exemplo: PIB,
Precisão produtividade)
referentes a como regular a
a s r e s P o s ta s À s Q U e s t Õ e s
tecnologia, quanto é necessário para subsidiar a infra-
estrutura digital e até que novos tipos de produtos digitais
os empreendedores devem criar, dependem de entender os
verdadeiros benefícios capturados pela economia digital.
Nossa abordagem também pode ajudar a quantificar melhor
os benefícios que obtemos dos bens convencionais, desde o
cereal do café da manhã até uma viagem de avião. De forma
mais ambiciosa, poderia ajudar a gerar estimativas mais
precisas dos benefícios associados às mudanças de bens não
de mercado ou públicos como qualidade do ar, assistência
de saúde e infraestrutura. Em última instância, quando os
governos, gestores e pesquisadores do mundo todo adotarem
essa abordagem, nossas avaliações sobre como os bens digi-
tais e não digitais contribuem para o nosso bem-estar serão
aprimoradas, e melhores medidas melhoram a gestão.
HBR Reprint R1912E–P Para pedidos, página 8
EriK brYnJolFsson é diretor da Iniciativa sobre Economia
Digital do MIT, professor da Sloan School of Management, do
MIT, e pesquisador associado do Bureau Nacional de Pesquisas
Econômicas (NBER). aVinasH Collis é candidato a doutorado da
Sloan School of Management do MIT e pesquisador da Iniciativa
sobre Economia Digital do MIT.

Os estudos de caso ficcionalizados da HBR apresentam
o de c
ud
problemas enfrentados pelos líderes em empresas reais e
oferecem soluções de especialistas Este é baseado no
aso
est
estudo de caso da HBS “Hawk Electronics, Inc” (caso número
918521-PDF-ENG), por Richard G Hamermesh e John Lafkas,
que está disponível em HBR.org.
estUdo de cAso
Quando uma divisão
proporciona todo o lucro, mas
outra fica com todo o crédito
Richard G. hamermesh
EAGLE HQ, SEGUNDA-FEIRA, 20H30
Foi o tom do email o que mais
incomodou sarah chan.
Parecia uma ameaça. Sozinha em seu escritório, no
fim de um longo dia, Sarah, CEO da Eagle Electronics,
abriu seu laptop. Jorge Martinez, presidente da maior
e mais lucrativa divisão da Eagle, escrevera:
“O conselho lhe deu um mandato para revitali-
zar a empresa, e você incutiu o espírito empreende-
dor de que tanto precisávamos. A Disruptive Initiative
nos reposicionou no setor de tecnologia e o preço das
ações aumentou significativamente. No entanto, ao
usar o fluxo de caixa da minha unidade para financiar
os projetos de sua preferência, acredito que você te-
nha ameaçado o futuro da Eagle.
Minha unidade é conhecida há muito tempo por
vender bons produtos a preços justos e oferecer ser-
viços e suporte de alta qualidade. Não é mais assim.
Estamos agora em dificuldades. Meus melhores clien-
tes foram para os concorrentes, assim como alguns de
meus melhores funcionários. Temo que, em breve,
outros venham a seguir o mesmo caminho. Minha di-
visão precisa de US$ 300 milhões nos próximos três
Ilustrações de rYan garCia
anos e, depois disso, de investi-
mentos contínuos para permane-
cer competitiva”;
Dada a formalidade do email,
ela não acreditava que ele não ti-
vesse enviado cópia oculta para
ninguém. Jorge era bem conheci-
do em seu setor, e ela achava que
era apenas uma questão de tempo
até que ele compartilhasse suas
opiniões de forma mais ampla.
Ela não discordava por com-
pleto dos fatos, na forma como fo-
ram expostos por ele. Fundada no
início dos anos 1980, a receita da
Eagle Electronics provinha, origi-
nalmente, apenas da fabricação e
venda de computadores pessoais e
dispositivos periféricos. No início
dos anos 2000, ela saiu do negócio
de PCs porque os fundadores per-
ceberam que não poderiam com-
petir com a Dell e outras empresas.
Mas os periféricos continuaram
sendo a maior parcela das receitas
e ganhos da empresa, e Jorge havia
liderado essa divisão por quase dez
anos, com grande sucesso. Ele era
conhecido por sua disciplina fiscal
e pelas decisões estratégicas inte-
ligentes que tomava, como a ex-
pansão para mercados emergentes
com produtos de baixo custo.
E, de fato, Sarah usava o fluxo
de caixa da unidade de periféricos
para financiar novos empreendi-
mentos.1 Logo após ser nomeada
CEO, em 2012, ela deu início à uni-
dade Disruptive Initiative, modelo
de investimento para desenvolvi-
mento de novos produtos.
Ela a criou por necessidade,
quando uma de suas estilistas em
ascensão, Jennifer Yu, disse que
iria sair para começar sua própria
empresa de software de gestão de
dados e perguntou à Sarah se que-
ria ser investidora-anja. Como ela
queria manter Jennifer, e como
não havia sobreposição direta en-
tre a startup e o portfólio da Eagle,
Sarah propôs que a empresa finan-
ciasse a iniciativa com a opção de
comprá-la se Jennifer desenvol-
vesse um produto minimamente
viável e traçasse um caminho para
introduzí-lo no mercado.2
Jennifer fez exatamente isso,
e a Eagle comprou o empreendi-
mento 14 meses depois, com ga-
nho financeiro significativo para
Jennifer. O arranjo tornou-se um
modelo para outros investimen-
tos. Os funcionários foram auto-
rizados a apresentar propostas de
produtos e, se aprovados, a Eagle
financiaria 75% da startup. A em-
presa ofereceu outras formas de
ajudar as startups a atingir suas
metas e prazos. Inicialmente, os
funcionários saíam da empresa pa-
ra trabalhar em seus empreendi-
mentos, mas a Eagle tinha a opção
de comprá-los no prazo de 18 me-
ses, e frequentemente o fazia, re-
conduzindo os funcionários à divi-
são que Jennifer agora liderava.
Harvard Business Review
Dezembro 2019 83
notas de
sala de
aula do
estudo
de caso
1. De acordo
com a matriz
BCG, que mede
a participação
e o crescimento
da empresa
no mercado, a
unidade de Jorge
é uma máquina sarah, Ceo da eagle eCtroniCs, Criou
de fazer dinheiro: uma iniCiativa popular para finanCiar
requer pouco inovações...
investimento e
gera receitas.

2. Geralmente,
as grandes
...enquanto isso, a divisão liderada por Jorge, uma
empresas são
vistas como muito máquina de fazer dinheiro, sente-se abandonada.
burocráticas e
avessas ao risco
de inovação. Mas
pesquisas da Olin
Business School
revelam que o
P&D de empresas
com mais de 500
funcionários é Até aquele momento a Eagle de rotatividade e de moral. não podia revelar em detalhes o
quase seis vezes investira em 13 ideias, das quais Enquanto relia o email de Jor- email de Jorge, mas queria saber
maior que o P&D sete ainda estavam em fase de ge, Sarah sobressaltou-se diante qual era a visão de sua funcioná-
de empresas
menores. startup e cinco foram adquiridas. da palavra “ameaçada”. Sua inten- ria mais importante. Havia muito
Apenas uma havia fracassado.3 ção não era prejudicar nenhuma tempo ela admirava não só a auto-
3. Em média, A iniciativa recebeu grande parte da Eagle. Seu objetivo era confiança de Jennifer, além de sua
apenas 25% atenção da imprensa financeira e preparar a empresa para o futuro. capacidade de pensar estrategica-
das startups tecnológica. Mas, internamente, Mas o comentário atingiu um pon- mente, e as duas tornaram-se pró-
apoiadas por
não era tão popular. Embora gran- to sensível. Ela ainda não havia ximas. Sarah mencionou que Jor-
venture capital
retornam seu de parte do crescimento da Eagle provado que as novas linhas de ge estava desgostoso com o que
capital investido. pudesse ser atribuído a suas aqui- negócio poderiam gerar lucros sig- considerava tratamento desigual.
Deveria Sarah, sições, a integração dos novos em- nificativos ou dominar mercados. — Era de esperar — Jennifer
em vez disso, se preendimentos fora problemática A unidade de periféricos sustenta- disse, revirando os olhos.
concentrar em
e a lucratividade oscilava.4 Além va a Eagle. E ela não pôde deixar — Sei que Jorge já se queixou
esforços internos
de pesquisa? disso, Sarah havia focado tanto de se perguntar se, inadvertida- antes, mas desta vez é diferente —
tempo e atenção neles — para não mente, a havia prejudicado. disse Sarah.
4. O novo modelo mencionar os recursos da empre- — Será mesmo? Provavelmen-
de negócios sa — que os produtos básicos da EAGLE HQ, TERÇA-FEIRA, 10H01 te ainda está frustrado por não ser
pode se tornar
Eagle, todos da divisão de Jorge, o CEO.
um motor de
crescimento? Ou eram frequentemente ignora- CHECK-IN Jorge e Sarah eram os dois prin-
os desafios de dos. O filho predileto subitamen- Na manhã seguinte, Sarah se en- cipais candidatos em 2011, quando
integração são te passou a sentir-se um enteado, controu com Jennifer para repas- o CEO fundador da Eagle anunciou
grandes demais? o que levava a sérios problemas sar o P&L da divisão. Ela sabia que sua saída. Sarah havia entrado na

84 Harvard Business Review

Dezembro 2019
 eagle hq
segunda-feira, 20h30 o de c
ud

aso
est
eagle hq
terça-feira, 10:01

Eagle dois anos antes, como dire-
tora de planejamento estratégico
e desenvolvimento de negócios,
na mesma época em que Jorge foi
promovido a chefe da divisão de
periféricos. Segundo os rumores,
Jorge não fora escolhido como CEO
porque provara ser valioso demais
para a unidade.5
— Se isso é verdade ou não, ele
faz um ótimo trabalho, então de-
vo a ele uma audiência — respon-
deu Sarah.
Jennifer ficou quieta quando
Sarah abriu o painel da divisão na
tela para que pudessem rever os nú-
meros. O desempenho continuava
irregular. Os seis empreendimentos
traziam US$ 340 milhões por ano
em vendas e US$ 35 milhões em lu-
cro total antes de juros e impostos.
Embora a divisão já não fosse defi-
citária, representava menos de 30%
das vendas da Eagle. A porcenta-
gem evoluía na direção certa, mas
a unidade sofria com problemas de
qualidade e excesso de custos, que
começavam a afetar a rentabilida-
de. Sarah e Jennifer passaram uma
hora discutindo os problemas mais
urgentes e as possíveis soluções.
Quando terminaram, Jennifer
disse:
— Sei que não estamos onde
gostaríamos, mas com um pouco
mais de tempo vamos atingir nos-
sas metas. Fora disso, você vai aca-
bar descobrindo o que fazer com o
Jorge. Você sempre descobre.
CASA DE SARAH, TERÇA-FEIRA, 18H55
SPIN OFF
Quando Sarah voltou para casa
naquela noite, seu marido, Bo, es-
tava cozinhando. Ela entregou-lhe
o celular e disse:
— Leia isto.
Bo leu rapidamente o email de
Jorge.
— Deus do céu — disse ele.
— É só isso que você tem a di-
zer? — Sarah perguntou, rindo
pesarosamente.
Bo era um venture capitalist e
tirava folga antes de levantar capi-
tal para seu próximo fundo. 5. Será que o
— Que mais devo dizer? Ele é ressentimento
está afetando a
um idiota. Ignore-o.
visão de Jorge
— Ignore-o? — perguntou Sa- sobre a situação
rah. — Bo, estamos falando do Jor- de sua unidade?
ge. Não duvido nada que ele en-
caminhe este email à diretoria em 6. Existe risco
de Jorge sair da
48 horas se eu não responder. Ou
empresa? Que
pedir demissão.6 significaria para
— Talvez seja a hora de ele sair. Eagle e para
Você não ficaria aliviada? — per- Sarah se ele fosse
guntou Bo. — Ele sempre resistiu à embora?
mudança. E a Eagle sempre seguiu
esse caminho. Se você quiser lide-
7. Quais seriam
as consequências
rar o mercado, terá de correr alguns para o
riscos. Talvez deixar Jorge sair por desempenho
vontade própria seja exatamente o da empresa se
Sarah financiasse
tipo de risco que você deve correr.
menos novos
— Bo, Jorge é a divisão de peri- empreendimentos
féricos, que é responsável por 70% e aumentasse
das vendas e 80% dos lucros. Se ele o orçamento de
sair, metade da equipe e a maioria Jorge?
de nossos clientes vão segui-lo,
levando todo esse dinheiro com
eles. Eu sei que ele e eu não con-

Harvard Business Review

Dezembro 2019 85
 Casa de sarah
terça-feira, 18h55

Café do bairro
quarta-feira, 14h09

cordamos em tudo, mas talvez nes-
te ponto ele tenha razão.7
8. O aumento — Então, que impede você de
dos dispositivos fazer o investimento? — pergun-
móveis e a queda
tou Bo.
na demanda
por PCs de mesa — Despejar dinheiro em uma
impactaram divisão madura e de baixo cres-
negativamente cimento não parece a coisa certa
o mercado de a fazer.8 É a receita para ficarmos
equipamentos
exatamente onde estamos, o que
periféricos, de
acordo com a na prática significa estar cada vez
Nasdaq.com. mais para trás. Não conseguiría-
mos manter o nível atual de inves-
9. Teria Sarah timento em novos produtos.
favorecido
— Por que você não vende a di-
Jennifer de
forma injusta? visão de periféricos e usa o dinhei-
A amizade ro para financiar os produtos em
delas afeta que você acredita? Ou faz um spin
suas decisões off e dá ao Jorge o cargo de CEO que
comerciais? ele sempre quis? — perguntou Bo.
A primeira reação de Sarah foi
achar que Bo tinha perdido a cabe-
ça, mas antes que pudesse acusá-lo,
reconsiderou. Talvez não fosse uma
ideia tão ruim. Seria difícil, talvez
impossível, convencer o conselho,
mas isso resolveria muitos proble-
mas. E ela finalmente poderia
gerir o tipo de empresa que queria.
CAFé DO BAIRRO, QUARTA-FEIRA, 14H09
AGORA OU NUNCA
Sarah pediu a Jorge que a encon-
trasse em um café a poucos quartei-
rões do escritório. Não parecia pru-
dente ter uma conversa tão delicada
no prédio. Qualquer um deles, ou
ambos, poderiam perder a calma.
Jorge foi direto ao assunto.
— Não quero negociar. Deixei cla-
ro o que preciso para que minha di-
visão seja bem-sucedida — disse ele.
— Trezentos milhões não é
uma quantia pequena — ponde-
rou Sarah.
— Mas nós temos o dinheiro.
Basta você parar de desviá-lo da
minha divisão e deixar que eu o
reinvista em nossos negócios —
retrucou Jorge.
Nos últimos anos, Sarah e Jorge
vinham tendo discussões como
esta, mas ele parecia mais infla-
mado e decidido do que nunca.
— Não nego que os empreendi-
mentos tenham crescido de forma
impressionante nos últimos cinco
anos, mas, considerando como
as coisas estão caminhando, isso
não vai continuar assim — disse
Jorge. — Vou ser honesto com vo-
cê. Acho que sua afinidade com
Jennifer, o fato de você se identi-
ficar com ela, está turvando o seu
julgamento neste ponto.9
Sarah não queria acreditar nis-
so, mas também não estava pronta
para negar por completo.
— Mas esse não é o ponto —
Jorge continuou. — A questão é a
saúde do nosso negócio. Você pre-
cisa parar de nos estrangular. Você
alega que não estamos posiciona-
dos para competir em novas cate-
gorias de produtos, mas você não
nos dá o dinheiro de que precisa-
mos para fazer isso. Você precisa
entender como isso é injusto.
O conselho vinha insistindo
em que a Eagle não tinha planos

86 Harvard Business Review

Dezembro 2019
de entrar no mercado em rápido
crescimento de impressão 3-D, e
Jorge contestava que, se a divisão
de periféricos contasse com algum
orçamento para pesquisa, pode-
ria criar um produto atraente, da-
da sua profunda experiência com
impressoras.
— Você viu os resultados de en-
gajamento deste trimestre na pes-
quisa de pulso? — continuou ele. —
Tenho uma questão séria de talen-
to. Dois dos meus melhores funcio-
nários saíram na semana passada e
estamos lidando com clientes que
estão considerando outras opções.
É hora de estancar a sangria.
Ela entendeu o que Jorge queria
dizer. Ele e todos os outros na área sarah deve reinvestir no negócio
de periféricos sentiam-se pouco
valorizados — como estrelas caí-
das. Mas ela só cederia se tivesse
principal ou focar em novos
a certeza de que dar mais recursos
era a decisão certa não apenas para empreendimentos?
os esPeciAListAs resPoNdeM
a unidade dele, mas também para
a empresa como um todo.
— Você sabe tão bem quanto
eu que, sem periféricos, a Eagle não
tem a menor chance— Jorge disse nomeação de Sarah como CEO e da
a Sarah ao pagar a conta. — Talvez atenção que ela deu ao grupo Disruptive
você esteja certa quando diz que, ViJaY SaNKaraN é Initiative. Mas, na verdade, a Eagle não
um dia, esses empreendimentos diretor de informações pode sobreviver ou prosperar sem uma
chegarão a um produto que será o da TD Ameritrade. forte divisão de periféricos. E não há
motor da receita da empresa, como a motivo para a Sarah não continuar in-
minha unidade é hoje. Mas isso está vestindo no negócio principal enquanto
muito longe de acontecer, se é que explora ideias inovadoras. As apostas
vai acontecer. Você nunca chegará sarah deve fazer as pazes em novos modelos de negócio não de-
lá sem uma divisão forte de periféri- com Jorge. vem ser à custa das mais antigas, mas
cos. Você sabe do que precisamos. Ela pode dizer: vamos conversar e desco- ainda lucrativas.
brir a abordagem de investimento certa Sarah pode começar perguntando

 riCHard G. HaMerMeSH é para o negócio. a Jorge: quais desafios sua divisão es-
pesquisador sênior na Harvard O ultimato de Jorge pode ser politica- tá enfrentando? Onde estão as áreas de
Business School. mente motivado. Ele pode ressentir-se da crescimento? Os dois devem discutir o

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Dezembro 2019 87
contexto mais amplo — restrições de ca-
pital, pressões competitivas — e depois
aprofundar os detalhes para elaborar um
plano conjunto. Sarah não deve descan-
sar até que ela e Jorge estejam alinha-
dos quanto ao nível de investimento e as
metas e prioridades associadas. O valor
pode não chegar a US$ 300 milhões, mas
provavelmente não será zero.
Sarah deve considerar também uma
abordagem de liderança mais equilibra-
da. Jorge pode ter razão quando diz que
ela favorece seus preferidos. Ela precisa
aprender com esse erro. Além disso,
deveria lidar diretamente com o ressen-
timento de Jorge. Estive em situações
em que disputava uma promoção com
colegas, e me tornei chefe deles. Sarah
deveria dizer: entendo que deve ter sido
difícil perder a vaga, mas você traz uma
tonelada de valor para a empresa e que-
ro ter um relacionamento produtivo
com você.
Como CIO da TD Ameritrade, sou
responsável por equipes que incubam
novas ideias, bem como aquelas que ge-
renciam nosso ecossistema de dados e
analytics. Todo mundo sabe que estou
empolgado com o grupo de inovação.
Mas eles também sabem — porque digo
isso a eles — que dependemos do negó-
cio principal para obter receitas e lucros
e que pretendemos ser experimentais e
ágeis nessas áreas também. Sarah precisa
dar a Jorge e sua divisão o mesmo impul-
so e solicitar o apoio de Jennifer. Deve
incentivar Jorge e Jennifer a se tornarem
não só colegas, mas parceiros que com-
partilham ideias e melhores práticas.
E deve fazer com que seu plano de inves-
timento seja transparente. Quanto cada
unidade receberá e quais são os retornos
esperados? Jorge e Jennifer terão metas
diferentes, mas todos devem ter total
clareza sobre elas.
Por fim, Sarah deve explicar aos
membros do conselho a situação com
Jorge e o que ela está fazendo a respeito.
Ela deve mostrar que é capaz de receber
feedback, fazer sua própria diligência
prévia e ajustar sua estratégia e gestão.
88 Harvard Business Review
Dezembro 2019
CariNe CLarK é CEO
da Banyan, empresa de
gestão de reputação e
marketing na modalidade
de software as a service.
sarah precisa mostrar a
Jorge que está disposta a
ouvir, mas sem perder a
firmeza com relação a ele.
Em última análise, ele precisa deixar de
lado o ressentimento e aceitar que ela
está no comando. Se não quer trabalhar
para ela ou não concorda com o seu
plano para o futuro da Eagle, então
talvez devesse ir embora.
Empresas com visão de futuro e sorte
de ter uma máquina de dinheiro geral-
mente usam os fundos que geram para
investir a longo prazo. Se Jorge não en-
tende isso, pode estar preso ao passado
— algo como o presidente da divisão de
máquinas de escrever da IBM exigin-
do investimentos à custa da unidade de
computadores desktop ou aos executi-
vos da Kodak que favoreciam o negócio
lucrativo dos filmes em vez de investir
no digital.
Passei a maior parte de minha carreira
em um cabo de guerra com caras como
o Jorge. Numa empresa em que eu era
a chefe de marketing, o executivo que
administrava a máquina de dinheiro da
empresa queria que eu alocasse meu or-
çamento de acordo com a porcentagem
com que cada divisão contribuía para a
receita total. Essa é uma maneira fácil
de evitar conflitos, mas não ajuda você a
crescer. Determinei o investimento mí-
nimo que tinha para manter seu negócio
crescendo a uma taxa modesta e gastei
o resto em novas iniciativas para garan-
tir que chegássemos ao mercado à frente
dos concorrentes novos e antigos.
Sarah pode fazer o mesmo com Jorge.
Ela não deve lhe dar dinheiro só porque
ele exige isso. Isso pode calá-lo por um
tempo, mas ele voltará para pedir mais.
Em vez disso, ela deveria sentar-se com
ele para entender o problema que ele
está tentando resolver e, após chegar a
uma compreensão mútua sobre qual é
esse problema, trabalhar para chegar ao
investimento certo. Em outra empresa
onde eu era CMO, lidei com um executi-
vo que insistia em patrocinar o torneio
Masters de golfe. Quando me sentei com
ele para descobrir o porquê, ele explicou
que tinha um cliente — prestes a renovar
um contrato enorme — que queria muito
ir. Então compramos dois ingressos.
Foi uma solução muito mais barata.
Meu conselho é que Sarah comece
se encontrando com Jorge pessoalmente
para se desculpar — por não dar a devi-
da atenção a sua divisão e por não criar
um ambiente no qual ele sentisse que
poderia prosperar. Ela deve assegurar-
lhe que está comprometida com o suces-
so da sua divisão.
Em seguida, precisará trabalhar com ele
para resolver o problema. Por que ele quer
US$ 300 milhões? Quanto ele realmente
precisa? Enquanto elaboram um plano de
investimento, ambos podem se surpreen-
der com o que será necessário para garan-
tir o crescimento contínuo da unidade.
Sarah também deve enfatizar que os
executivos seniores da empresa preci-
sam estar alinhados com a definição de
sucesso e com a forma pela qual a empre-
sa chegará lá. Como CEO, ela guiará a es-
tratégia da empresa, mas todos na equi-
pe devem entender seu papel e trabalhar
juntos para atingir seus objetivos.
Ao mesmo tempo, Sarah deve con-
siderar cuidadosamente se não está su-
perestimando o valor da experiência de
Jorge para a Eagle. Ele administra a di-
visão de periféricos há dez anos — uma
vida inteira no setor de tecnologia — e,
embora possa ter sido o cara certo para
alcançar o sucesso atual, pode não ser a
pessoa que pode levá-la ao próximo ní-
vel. A inovação não tem sido seu forte e,
em segmentos que mudam rapidamente,
como a impressão 3-D, ele provavelmen-
te já está atrasado demais para a festa.
hbr reprint R1912F–P para pedidos, página 8
RESUMO DA EDIçÃO DEzEMbRO 2019

fOCO
MULhERES,
PODER
E INfLUÊNCIA
Um plano para
acelerar a igualdade
de gênero.
página 19

A IGUALDADE DE GÊNERO ESTÁ AO NOSSO ALCANCE

nunca tivemos uma oportunidade como essa antes. saiba como aproveitá-la.

TODOS OS fUNCIONÁRIOS DEVEM TER

ACESSO à LICENçA-PARENTAL REMUNERADA
alexis ohanian, cofundador da reddit, fala sobre a luta pela
licença-paternidade — e como foi tirar a sua.

COMO ACAbAR COM A CULTURA DE ASSéDIO

o assédio sexual tira o poder das mulheres no local de trabalho.
Veja como quebrar o ciclo.

COMO ELIMINAR A DESIGUALDADE DE GÊNERO

Thasunda brown duckett, cEo do chase consumer banking,
fala sobre o empoderamento feminino por meio da saúde financeira.

hbr reprint r1912a–P

Harvard Business Review

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ARTIGOS
MARKETING
crie melhores
sistemas de
avaliação online
Geoff Donaker, Hyunjin Kim e
Michael Luca | página 48
avaliações online estão
transformando a maneira como os
consumidores escolhem produtos
e serviços de todos os tipos.
recorremos à Tripadvisor para
planejar as férias, à Zocdoc para
procurar um médico e à yelp para
escolher um novo restaurante.
as avaliações podem criar valor
tanto para compradores como
para vendedores, mas somente
se eles atingirem um nível crítico
de quantidade e qualidade. os
autores descrevem princípios para
estabelecer os incentivos, escolhas
do design e as regras que ajudam as
plataformas de avaliações a progredir.
Para resolver a falta de
comentários, as empresas podem
semeá-los contratando avaliadores
ou aproveitando comentários de
outras plataformas, oferecendo
incentivos ou agrupando produtos.
Para enfrentar o viés de
seleção, elas podem solicitar
avaliações, permitir comentários
privados e projetar as instruções
cuidadosamente. Para combater
avaliações fraudulentas e
estratégicas, elas podem criar
regras para os avaliadores e pedir
a ajuda de moderadores — sejam
eles funcionários, a comunidade
ou algoritmos.
hbr reprint r1912b–P
90 Harvard Business Review
Dezembro 2019
opEraçÕEs
A verdade sobre
os escritórios
abertos
Ethan Bernstein e Ben Waber
página 56
nunca foi fácil para os empregados
colaborar — pelo menos, assim
parece. Escritórios abertos,
mensagens e softwares de reuniões
virtuais teoricamente tornam as
pessoas mais visíveis e disponíveis.
mas, à medida que as estruturas
físicas e tecnológicas para a
colaboração multicanal se espalham,
as evidências sugerem que elas estão
resultando em menos interação — ou
menos interações significativas —, e
não em mais. isso ocorre porque as
pessoas, e não as empresas, decidem
quando e como se envolver com os
outros. Elas tornam-se adeptas de
calar as pessoas e ler os sinais de que
seus colegas de trabalho não querem
ser incomodados. muitas empresas
não sabem como chegar aos tipos de
colaboração que desejam.
os autores orientam como chegar
a essa compreensão. as empresas
podem utilizar tecnologias, como sen-
sores que rastreiam os movimentos
das pessoas e softwares que coletam
suas “migalhas de pão” digitais para
saber como os membros de determi-
nados grupos estão interagindo. Elas
podem então experimentar a apren-
der como atingir esses tipos de inte-
ração que desejam: experimentando
várias configurações de escritório,
testando um plano de voo simulado
em terra, antes de reorganizar todo
o espaço, e explorando o impacto de
pequenas otimizações.
hbr reprint r1912c–P
Cultura organiZaCional
Por que estamos
aqui?
Sally Blount e Paul Leinwand
página 66
Para muitos funcionários, o
principal motivador é um sentido
de propósito — e, no entanto, mais
da metade dos pesquisados afirma
que eles não são nem “um pouco”
apaixonados pelo que fazem. se
as organizações querem inspirar
seus funcionários, elas precisam
deixar claro por que estão no
negócio e que valor proporcionam.
Quando os funcionários entendem e
abraçam esses valores, as empresas
progridem: pesquisas mostram que
mais de 80% das empresas com
um objetivo bem definido produzem
crescimento e lucros iguais ou
superiores ao da média do setor.
segundo os autores, uma
declaração eficiente de objetivos
responde a várias perguntas: por
que nossa organização existe? a
quem estamos atendendo? Que
valor oferecemos e por que somos
os únicos capazes de fornecê-lo?
mas uma declaração enfática não
é suficiente. as empresas precisam
cumprir também com o que
prometem aos clientes. isso requer
que as pessoas certas estejam nos
papéis certos, quebrar silos para
facilitar colaboração multifuncional,
investir nas áreas mais importantes e
garantir que os líderes demonstrem,
diariamente, por meio de palavras e
ações, seu comprometimento com as
metas articuladas pela empresa.
hbr reprint r1912d–P
EConomia
como medir a
economia digital?
Erik Brynjolfsson e Avinash Collis
página 74
a mídia digital consome uma grande
e crescente parcela de nossa vida,
enquanto estamos acordados,
mas esses bens e serviços não são
contabilizados pelo Pib. isso porque
essa medida se baseia no valor que as
pessoas pagam pelos bens e serviços.
se algum produto tiver preço zero,
então normalmente contribuirá com
zero para o Pib.
os responsáveis pelas políticas
utilizam os dados do Pib para tomar
decisões sobre como investir em
tudo, desde infraestrutura e P&d até
em educação e defesa cibernética,
e os reguladores utilizam os dados
econômicos para estabelecer
políticas. como os benefícios da
digitalização são extremamente
subestimados, essas decisões e
políticas estão sendo feitas sem uma
boa compreensão da realidade.
o Pib-b é uma métrica alternativa
que suplementa a estrutura do
Pib tradicional, quantificando as
contribuições ao bem-estar do
consumidor a partir de bens novos
e gratuitos.
hbr reprint r1912E–P
PwC
Cybersecurity
Services
Excelência da estratégia à execução,
agora reconhecida também pela
Forrester Research*.
* Forrester Reaserch é uma das mais importantes empresas globais de pesquisa
e consultoria em tecnologia.

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