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07/06/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
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07/06/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
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xxi. A justa causa para depor faz parte dos «tipos justificadores».
xxii. Ora, nos termos do nº 1 daquele art. 31 do Cod. Penal, “o facto
não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica
considerada na sua totalidade”.
xxiii. A expressão «sem justa causa» usada pelo legislador é
redundante, porque nenhum comportamento é criminalmente punido
quando o agente atua com «justa causa».
xiv. São exemplos de «justa causa» para a recusa de depoimento as
prerrogativas consignadas na lei processual para alguns familiares do
arguido (art. 134 do CPP), a existência de segredo (art. 135 do CPP) ou
a alegação pela testemunha de que das respostas resulta a sua
responsabilização penal (art. 132 nº 2 do CPP).
xxv. Não foi intenção do legislador – conclusão que se retira da analise
da jurisprudência Nacional dos Tribunais Superiores bem como o
entendimento da doutrina maioritária – tornar a justa causa um tipo
justificador taxativo, inerte e sem qualquer abertura à realidade jurídica
que constantemente se manifesta na mutabilidade dela mesma,
xxvi. A situação do recorrente não pode nem deve ser uma situação
alheia a esta mutabilidade e adaptação do próprio sistema jurídico,
xxvii. A situação do recorrente submetida a julgamento e sentenciada,
deve ser visto como uma manifestação de uma realidade muito própria
e complexa e que pelas suas características deve ser abordada com
cautela e precaução, pois, caso não se faça podemos causar ações sem
retorno.
xxviii. A justa causa não pode ser analisada como algo concreto e
previamente prevista bem como não pode assumir uma natureza rígida,
pois como doutamente ensina o Prof. Figueiredo Dias “os tipos
justificadores ou causas de justificação são estruturalmente, por sua
natureza, gerais e abstratos, no sentido de que não são em princípio
referidos a um bem jurídico determinado, antes valem para uma
generalidade de situações independentes da concreta conformação do
tipo incriminador em análise”. (…). A causa justificativa, ao contrário
do que constitucional e legalmente sucede com o tipo incriminador, não
está sujeita em princípio à máxima nullum crimen sine lege, nem às
suas consequências (…). Nem as concretas causas de justificação
precisam de ser certas e determinadas como se exige nos tipos
incriminadores; nem elas estão sujeitas à proibição de analogia; nem se
está impedido de fazer causas supra legais de exclusão da ilicitude;
nem relativamente a elas vale o princípio da irretroatividade da lei
penal” - Direito Penal, parte geral, Tomo I, pág. 363.
xxix. ORA; a situação do recorrente não deve ser encarada de modo
diferente, não sendo de estranhar a aplicação do n.º 2 do artigo 360.º do
Código Penal, pois por diversas vezes a Jurisprudência Nacional tem
abordado o conceito de Justa Causa como um conceito jurídico em
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xxxviii. Desta feita, mal andou o tribunal a quo ao condenar, sem culpa
o arguido, violando o princípio da nula peona sine culpa, e do in dúbio
pro reo!
xxxix. A douta decisão em crise viola por erro notório na apreciação da
prova, por erro de interpretação e aplicação o artigo 127 do CPP, e os
princípios de presunção de inocência, principio do in dúbio pro reo
consagrados no artigo 32 nº 2 da CRP e o princípio basilar do direito
penal português de que não pode haver crime sem culpa” nullum
crimen sine culpa”
xl. O Tribunal a quo não tinha fundamentos legais e fácticos para
condenar o arguido pelo crime de que vinha acusado!
Nestes termos e nos melhores de direito, devem Vªs Exs. dar
provimento ao presente recurso e por via dele ser revogada a douta
sentença proferida por outra que absolva o arguido
Por ser de inteira e merecida Justiça
4. Foi proferido despacho de admissão do recurso.
5. Em resposta ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público
concluiu:
1º – Inexiste qualquer erro de julgamento na apreciação da prova
produzida em julgamento;
2º – Inexiste justa causa na recusa do depoimento do arguido;
3º – A dosimetria da pena de multa foi adequada;
4º – Foi justa e adequadamente condenado o arguido pela prática do
crime constante da acusação pública.
Termos em que deve negar-se PROVIMENTO ao recurso interposto
pelo arguido, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida, fazendo-
se, desta forma, a desejada e costumada JUSTIÇA!
6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se
no sentido de o recurso não merecer provimento.
7. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º do CPP, o recorrente
não reagiu.
8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à
conferência, cabendo, pois, decidir.
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do
recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de
natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se (i) ocorre «erro
de julgamento», e/ou «erro notório na apreciação da prova» e/ou
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violação do «in dubio pro reo»; (ii) se verifica «justa causa» da recusa
em depor.
2. A decisão recorrida
Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]
II - Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes
factos:
1. No dia 14 de Maio de 2018, entre as 18h11m e as 18h25m, o arguido
foi inquirido como testemunha no processo n.º (…), na esquadra da
PSP de (…), sita na (…), pelo agente da PSP (…), tendo sido
previamente advertido das circunstâncias em que se podia recusar a
depor, nos termos definidos pelo artigo 134º, nº 1, als. a) e b), e 2, do
CPP.
2. Como não se verificava relativamente ao arguido nenhuma causa de
recusa legítima de depoimento nos termos do artigo 134.º, n.º 1, als. a)
e b), do CPP, foi o mesmo, depois de identificado, questionado acerca
da matéria dos autos que se investigavam no processo referido em 1,
designadamente a prática de ofensas à integridade física entre terceiros.
3. Porém, o arguido recusou-se a prestar declarações, referindo que era
“contra o sistema” e que “se tiver que passar por cima de alguém para
ir para a sua cela, que o faz”.
4. Foi então o arguido informado por aquele agente da PSP a que só se
poderia recusar a prestar declarações nos casos previstos na lei, e que
naquele caso não estava dispensado de o fazer.
5. No entanto, o arguido continuou a recusar prestar declarações.
6. O arguido foi ainda elucidado por aquele agente da PSP que a recusa
a prestar declarações o poderia fazer incorrer em responsabilidade
criminal.
7. O arguido manteve sempre a sua recusa em prestar declarações,
afirmando que “só ali estava porque é obrigado”, afirmando ainda o
arguido que “não se importa de vir a incorrer em responsabilidade
criminal”.
8. O arguido foi alertado por mais duas vezes que a sua recusa o faria
incorrer em responsabilidade criminal, mantendo o arguido sempre a
recusa em prestar declarações e inviabilizando, desse modo, a
inquirição.
9. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito
concretizado de injustificadamente não prestar depoimento, bem
sabendo que o seu depoimento, a que estava obrigado, constituía meio
de prova, bem como sabia que com a sua conduta obstruía a o exercício
da investigação criminal.
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10. O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por
lei penal.
11. O arguido já foi anteriormente condenado nos seguintes processos:
(…).
13. O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade normal, com
abandono aos 16 anos, após duas retenções no 9º ano de escolaridade.
Logo a seguir trabalhou com o pai na construção civil até aos 19 anos,
altura em que abandonou a casa dos pais para ir viver com uma
namorada, mãe do seu filho, em (…).
14. Foi também nesta altura que iniciou o consumo de estupefacientes,
na companhia da namorada.
15. Trabalhou pontualmente, em atividades indiferenciadas.
16. Logo após o nascimento do filho, este foi-lhes retirado pela
Segurança Social e entregue aos pais do arguido.
17. Durante este período A. manteve-se ativo profissionalmente na
empresa (…), bem como na construção civil com o seu pai.
18. Iniciou também nesta altura acompanhamento no CRI de (…),
integrado no programa de substituição por metadona, com indicadores
de estabilidade e conformidade às orientações clínicas.
19. O filho do arguido e a mãe foram viver para França, continuando a
manter contacto, tendo o arguido intenção de ir para junto deles quando
se encontrar em liberdade.
20. A. aparenta ter alguma consciência crítica face aos seus
comportamentos, verbalizando arrependimento, contudo manifesta
grandes fragilidades em termos pessoais no que diz respeito aos
consumos.
21. É conotado como toxicodependente no meio social de residência,
mas não se vislumbram sentimentos de rejeição à sua presença no local.
22. No EP de (…) terminou o curso de refrigeração e climatização, que
lhe deu equivalência ao 12º ano de escolaridade, encontrando-se
atualmente inativo, apesar de já ter pedido colocação laboral, em
virtude de várias sanções que sofreu. Retomou o ensino regular
frequentando o 11º ano de escolaridade, pois pretende frequentar a
Universidade.
23. (…) é um recluso educado e mantém um comportamento adequado,
contudo tem muitas fragilidades no que diz respeito aos seus
comportamentos aditivos, tendo em virtude de tal situação várias
sanções disciplinares, o que implica a ausência de medidas de
flexibilização da pena.
24. Beneficia de várias visitas de familiares e amigos.
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alguém atuou «sem justa causa» não é imputar um facto, mas formular
um juízo ou conclusão” o que “implicaria que na acusação se
discriminasse, concretizando, não terem ocorrido factos que
demonstrassem não ser o caso de cada uma das hipóteses que
poderiam configurar a existência de «justa causa» (…), tarefa
impossível, pois como ensina o Prof. Figueiredo Dias “os tipos
justificadores ou causas de justificação são estruturalmente, por sua
natureza, gerais e abstratos, no sentido de que não são e princípio
referidos a um bem jurídico determinado, antes valem para uma
generalidade de situações independentes da concreta conformação do
tipo incriminador em análise. (…) – Direito Penal, parte geral, Tomo I,
pág. 363.”
Posição esta, que se perfilha!
Com efeito, constituindo um imperativo a narração, pela acusação, de
factos – que não de juízos conclusivos, genéricos e/ou de direito -,
tendo presente o caráter geral e abstrato dos tipos justificadores, bem
como o leque de situações (factos) passíveis de consubstanciar causas
de justificação, com refere o acórdão que vimos acompanhando de
perto, “sempre seria votada ao insucesso a pretensão de na acusação
se relatar factos que abrangessem todas as hipóteses conjeturáveis”.
Isto dito, importa retomar o caso concreto.
Decorre do acervo factual, agora definitivamente assente, que pese
embora os motivos invocados (não sem que antes haja sido informado
das circunstâncias em que o podia declinar, e após das consequências
da respetiva recusa) por ocasião da recusa do arguido em prestar
depoimento, na qualidade de testemunha, perante o agente da PSP, no
âmbito do processo n.º (…), no qual se investigava a prática de ofensas
à integridade física, entre terceiros, o mesmo “recusou prestar
declarações contra outro recluso para se proteger no estabelecimento
prisional” – [cf. item 25 dos factos provados].
Neste quadro, defende o recorrente consubstanciar semelhante motivo
de recusa o conceito de «justa causa» e, assim, ver justificada, através
de uma causa de exclusão da ilicitude, a sua conduta, muito embora -
no que revela alguma confusão - se refira igualmente à inexistência de
culpa por “falta de preenchimento do elemento subjetivo do crime de
que vem acusado” (cf. os pontos xxxvi e xxxviii das conclusões),
alegação esta que não encontra suporte no acervo factual, já no que
concerne ao elemento intelectual, já no que respeita ao elemento
volitivo do dolo.
Poderá, nas circunstâncias descritas, o motivo determinante da recusa
em depor por parte do ora recorrente configurar a «justa causa» a que
se reporta o n.º 2, do artigo 360.º do Código Penal?
Não temos qualquer rebuço em responder negativamente à questão!
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