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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Neoliberalismo, política criminal e punição no Brasil:


uma análise dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da
Silva (1995-2010)

Projeto de pesquisa a ser apresentado na Faculdade de Filosofia Letras e


Ciências Humanas (USP), para o Programa de Pós-Graduação em
Sociologia.

Orientador pretendido: Prof. Dr. Laurindo Dias Minhoto

São Paulo

2018
1. TEMA E JUSTIFICATIVA
Este projeto propõe um estudo que pretende definir, analisar e comparar as políticas criminais
colocadas em curso pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010), com o objetivo de contribuir para a análise do fenômeno da punição no Brasil
contemporâneo. A partir das recentes proposições de David GARLAND (2013) e Máximo SOZZO
(2016, 2018) – que serão explicadas em detalhes adiante – propõe-se uma análise com foco nos
processos políticos, os quais “traduzem pressões sociais e econômicas em resultados penais
específicos” (GARLAND, 2013: 509), para investigar se há, no contexto brasileiro e no período em
estudo, uma relação entre ascensão do neoliberalismo e giro punitivo (conforme propõe, por exemplo,
Loïc WACQUANT, 2007a, 2010).
O problema a ser estudado insere-se no campo da sociologia da punição e, para a compreensão
das bases propostas por GARLAND (2013) e SOZZO (2018) que serão mobilizadas para o enfoque
nos processos políticos, para os fins da pesquisa proposta, é necessária uma breve digressão com a
revisão da bibliografia existente no campo. Georg RUSCHE e Otto KIRCHHEIMER (2004)
apresentaram a tese que aponta as relações entre a estrutura socioeconômica de uma sociedade e as
formas de punição por ela desenvolvidas. A proposição dos autores (2004: 17-22), dessa forma, é que
a punição deve ser analisada não como uma consequência do delito, mas sim como um fenômeno
independente, para, assim, ser estudada em suas verdadeiras relações e implicações. A partir disso,
RUSCHE e KIRCHHEIMER (2004: 17) trabalham com a noção de que cada modo de produção da
vida social descobre formas de punição adequadas a seu desenvolvimento e sua reprodução. Em
apertada síntese, de acordo com a tese dos autores, o modo de produção capitalista, marcado pela
desigualdade da relação capital/trabalho, e, com isso, pela exploração da classe trabalhadora, tem a
prisão como meio de punição por excelência, exatamente por ela ser adequada à reprodução e
manutenção da lógica do capital.
Conforme aponta Alessandro DE GIORGI (2006: 39-43), as análises de RUSCHE e
KIRCHHEIMER (2004) relacionam-se com as transformações verificadas por Karl MARX no Livro I
d’O Capital (2013). Ao tratar do processo de formação do capitalismo e da massa de trabalhadores na
Inglaterra, no processo da “assim chamada acumulação primitiva”, MARX (2013: 785-833) apresenta
como a punição foi utilizada contra os expropriados, para forçá-los a se submeterem às novas regras do
trabalho assalariado nas cidades. Em síntese, a análise marxiana mostra que após os cercamentos das
terras comuns, a massa de trabalhadores, sem nenhuma propriedade, se viu obrigada a se deslocar para
as cidades. Nas cidades, contudo, foram obrigados, não apenas pelos mecanismos econômicos, mas
por leis que criminalizavam a “vagabundagem” a se inserirem na lógica capitalista do trabalho
assalariado (MARX, 2013: 805-813).

1
A partir dessas mesmas bases, Dário MELOSSI e Mássimo PAVARINI (2010) apontam que “a
penitenciária nasce e se consolida como instituição subalterna à fábrica, e como mecanismo pronto a
atender as exigências do nascente sistema de produção industrial” (na explicação de DE GIORGI,
2006: 44). Em breve apresentação da tese elaborada, o elo da ligação entre cárcere e fábrica, para os
autores italianos (2004: 231-233), seria a disciplina do trabalho, de modo que a prisão seria um
dispositivo de controle voltado à produção e à reprodução do proletariado de fábrica. A construção da
subjetividade operária, portanto, ocorreria a partir de processos contínuos de “desconstrução” e
“reconstrução” dos indivíduos, dentro das instituições carcerárias.
Em uma análise com algumas aproximações daquelas até aqui apresentadas, porém com outro
enfoque, Michel FOUCAULT (2012) estuda as formas de punição como “tecnologias de poder
complexamente articuladas às demais práticas sociais” (ALVAREZ et. al., 2006: 336). Nesse sentido,
em linhas gerais, o autor analisa o surgimento da prisão e seu estabelecimento como forma de punição
por excelência, evidenciando que as práticas disciplinares características da prisão teriam “um alcance
que vai muito além dos muros da instituição” (ALVAREZ et. al., 2006: 336), constituindo tecnologias
de poder que se espalhariam às fábricas, escolas, aos hospitais, exércitos e monastérios. Em resumo, o
autor enfoca na disciplina, que imporia “técnicas de controle minucioso das operações do corpo” e
“um controle da atividade dos indivíduos” e, seria, assim, “um poder voltado para o ‘adestramento’”
(ALVAREZ et. al., 2006: 336).
As análises até aqui apresentadas (MARX, 2013; RUSCHE e KIRCHHEIMER, 2004;
MELOSSI e PAVARINI, 2006; e FOUCAULT, 2012), conforme aponta DE GIORGI (2006: 47),
tratam da punição em uma fase específica do capitalismo: de sua formação e afirmação. Dessa forma, a
partir dessas bases, diversos autores voltaram sua atenção para a compreensão das relações entre a
estrutura social, econômica e política e a punição em fases posteriores de desenvolvimento do
capitalismo. Seguindo o percurso de DE GIORGI (2006: 47-55), dentre essas novas elaborações,
encontram-se as teorias que analisam a relação entre “o encarceramento e o desemprego na época
fordista” (DE GIORGI, 2006: 47). O estudo materialista de Ivan JANKOVIC (1998) é representativo
dessas formulações; analisando o contexto dos Estados Unidos entre 1926 e 1974 a partir de dados
empíricos, o autor verificou o que denominou de hipótese da severidade na relação entre desemprego e
encarceramento: no período estudado, constatou-se que nos momentos em que houve maiores índices
de desemprego, o encarceramento também tendeu a aumentar (JANKOVIC, 1998: 329).
Contudo, conforme a apresentação DE GIORGI (2006: 55-61), a relação entre punição e
estrutura social, econômica e política – em especial nos contextos mais recentes, no “pós-fordismo”,
para o autor italiano (2006: 55-66) – é uma relação dinâmica, complexa, tendencial e, por vezes,
indireta, que dificilmente conseguiria ser explicada a partir de relações econômicas estatísticas, como
tentou JANKOVIC (1998). Nesse contexto, são diversas as análises que enfocam essas relações
2
“indiretas” para a compreensão do fenômeno da punição no mundo contemporâneo. Dois autores
centrais na literatura da sociologia da punição que partem desse enfoque são Loïc WACQUANT
(2007a, 2007b, 2010) e David GARLAND (2008).
David GARLAND propõe uma análise complexa do tema, que procura articular “as diferentes
causas, os múltiplos efeitos e significados da punição” (ALVAREZ et. al., 2006: 339), com enfoque
na dimensão cultural. Dessa forma, em sua obra que analisa o período a partir da década de 1970 nos
Estados Unidos e na Grã-Bretanha, o autor (GARLAND, 2008) observa que “mudanças estruturais na
ordem capitalista provocaram reflexos importantes em todos os domínios da vida social e política”
(ALVAREZ et. al., 2006: 347). Essas transformações, em síntese, seriam “o aumento dos
desempregados, a fragilização dos sindicatos, a depressão dos salários, etc.” (ALVAREZ et. al.,
2006: 347). e teriam provocado uma série de mudanças, como o fomento de novos conflitos, que
levaria a um aumento da criminalidade, bem como à emergência de uma “cultura do controle
reacionária” (GARLAND, 2013: 480), que seria concomitante, em resumo, à adoção de políticas
criminais mais severas, à expansão da segurança privada e ao encarceramento em massa.
Loic WACQUANT (2007a, 2007b, 2010), também realiza uma análise das alterações verificadas
no campo da punição a partir da década de 1970, e dá centralidade, em seu estudo, à noção de
neoliberalismo. No contexto norte-americano, o autor analisa a retração do estado de bem-estar social
(welfare state) e aponta para um deslocamento do campo burocrático dos EUA, em relação à
administração de populações e territórios pobres, do polo protetor para o polo punitivo. No
neoliberalismo, portanto, a punição apareceria como uma forma de administrar as populações
marginalizadas pelas próprias políticas neoliberais e como uma resposta à insegurança (ou ansiedade)
social generalizada (objetiva e subjetiva) gerada pela deterioração das condições materiais da classe
trabalhadora. Nesse sentido, a autor trata o aparato penal como um órgão central do estado neoliberal,
que funcionaria como um instrumento para a imposição de categorias, contribuindo para a criação e
manutenção de diferenças materiais e simbólicas (WACQUANT, 2010: 211).
Para compreender a análise de WACQUANT (2010) ainda, é necessário aprofundar em como o
conceito de neoliberalismo aparece em sua obra. Para o autor, o neoliberalismo seria um projeto
político de caráter transnacional e que teria como foco “recriar o nexo do mercado, do estado e da
cidadania” (2010: 213), e, ainda, que reafirmaria as premissas do capital e articularia quatro lógicas
institucionais: (i) a desregulação econômica, focada em promover os mecanismos de mercado como
aparato não apenas para empresas e transações econômicas, mas também para uma ampla gama de
relações humanas; (ii) a devolução, a retração e a recomposição do estado de bem-estar social, para
submeter os indivíduos às relações precarizadas de emprego; (iii) um aparato penal “expansivo,
intrusivo e proativo”, para conter as desordens geradas pela insegurança social e pela desigualdade; e
(iv) a metáfora cultural da responsabilidade individual, que invade todas as esferas da vida, para a
3
construção do “eu” empreendedor. Esse neoliberalismo, ainda, tem como ideologia fundamental a
ideia de um “pequeno governo” (WACQUANT, 2010: 213-214). Contudo, essa ideia de “menos
estado” aparece como uma falsificação da realidade, uma vez que, como apresentado, o sistema
neoliberal enfocaria o incremento de “mais estado” nas áreas policiais e carcerárias, para lidar com a
insegurança causada pelas políticas de “menos estado” nos âmbitos sociais e econômicos (2007a: 203).
A importância da análise de WACQUANT (2007a, 2010) para o tema em questão se dá,
também, pois o autor trata da aplicação de sua teoria para análises para além dos países do centro do
capitalismo – e, inclusive, faz referências diretas ao caso brasileiro (2007a, 2010). Para o autor, o
neoliberalismo, por seu caráter transacional, estaria relacionado à difusão das práticas punitivas em
outros países. WACQUANT especificamente cita o Brasil e a Argentina (assim como a África do Sul)
que, para o autor, teriam adotado políticas “super-punitivas inspiradas pelos EUA nos anos 1990”
(2010: 212), de forma que viram um exorbitante aumento em suas populações carcerárias. Esses países
teriam sofrido esse efeito por terem “pego a rota da desregulação do mercado e da retração estatal”
(WACQUANT, 2010: 212). Ainda, em artigo escrito especificamente sobre o caso brasileiro
(WACQUANT, 2007a) – e incluindo países vizinhos como Argentina, Colômbia e Venezuela –, o
autor enfoca em como teria sido feita, nesses países, uma alternativa pelo tratamento penal da
pobreza, ao invés do tratamento social, e que esse discurso penal teve suas bases importadas das
políticas penais norte-americanas (2007a: 204).
A análise de Loïc WACQUANT (2007a, 2007b e 2010) sobre a punição no contexto neoliberal,
e o estudo de David GARLAND em A cultura do controle (2008), conforme aponta o próprio autor
britânico (2013) em estudo mais recente, apresentam-se “considerando o ponto de vista do campo
como um todo (...), mais como complementares do que mutuamente excludentes” (GARLAND, 2013:
481), de modo que as diferenças entre elas seriam, essencialmente, “uma questão de ênfase”
(GARLAND, 2013: 482)1. A aproximação que o autor faz dessas teses sobre o aumento no
encarceramento nos Estados Unidos tem como objetivo apresentar “lacunas significantes”
(GARLAND, 2013: 482) dessas abordagens, que aparecem ao comparar a realidade deste país com
outros contextos2. Por essa razão, GARLAND (2013) sugere uma alteração no foco, olhando não
apenas para as causas de fundo – como a “cultura” (GARLAND, 2008) ou o “neoliberalismo”
(WACQUANT, 2007a, 2007b, 2010) – mas também para as causas imediatas, ou seja, os “processos
estatais e legais que traduzem as pressões econômicas e sociais em resultados penais específicos”
(GARLAND, 2013: 509). Por essa razão, o autor sugere que “uma abordagem integrada ‘estado-e-
sociedade’ é o ideal teorético na direção do qual o campo deveria mirar” (GARLAND, 2013: 509).
1
Além dessas duas análises citadas, GARLAND (2013: 480-482) coloca no mesmo conjunto – apenas com diferenças quanto à
ênfase – os estudos de ALEXANDER (2010) e SIMON (2007 apud GARLAND, 2013).
2
Importante pontuar, aqui, que GARLAND (2013: 482-483), no artigo citado, foca na comparação dos Estados Unidos com outros
países do Norte Global (em especial, da Europa Ocidental). A utilização da tese do autor (GARLAND, 2013) pela comparação com
países do Sul é feita por SOZZO (2018).
4
O autor argentino Máximo SOZZO (2018) parte dessas proposições de GARLAND (2013) para
desenvolver uma análise específica à realidade do Sul Global, na qual também verifica importantes
lacunas nas explicações costumeiramente apresentadas para explicar o giro punitivo verificado no
América do Sul a partir da década de 1990. Conforme aponta SOZZO (2018), esses trabalhos
(WACQUANT, 2007a, 2010) que haviam tentado descrever e analisar as mudanças nas formas de
punição no mundo contemporâneo teriam focado apenas nos países centrais do capitalismo, e teriam
“falhado em endereçar os processos específicos que ‘traduzem’ as causas sociais em efeitos penais”
(2018: 674).
Aprofundando as proposições de GARLAND (2013), SOZZO (2018) aponta que, em sua visão,
os “processos de transmissão” tratados pelo autor britânico (2013: 483), que conectariam as causas de
fundo às causas imediatas estariam ligados à Política, definida como “um conjunto de estratégias,
manobras, racionalidades e programas, disputas e resistências que existem entre o estado e os atores
não estatais acerca do governo de seres humanos” (2018: 674). Nesse sentido, SOZZO (2018: 678)
propõe que a análise sobre os processos políticos mostra-se como uma maneira densa de abordar os
cenários punitivos no Sul Global, bem como pode representar uma nova perspectiva de análise das
influências do neoliberalismo sobre a punição nesses contextos.
A análise dos processos políticos no campo da punição e da segurança pública, com o objetivo
de captar as especificidades do contexto brasileiro, para além dos referenciais teóricos já apresentados,
é o ponto central de diversos estudos de autores nacionais no campo da sociologia da punição. Nesse
sentido, Marcos César ALVAREZ et. al. (2004) aponta para a necessidade de uma análise histórica das
políticas de segurança pública, e desenvolve estudo com foco no Estado de São Paulo. Em sentido
semelhante, mas adentrando em contextos mais recentes, Alessandra TEIXEIRA (2009) analisa a
política penal também no Estado de São Paulo, com foco na administração penitenciária. Também
incluído nesse campo de investigação está o estudo de Marcelo da Silveira CAMPOS (2010), que
enfoca os processos políticos no âmbito do poder legislativo. Tais abordagens serão, também, tomadas
como referência para a pesquisa que se propõe.
É a partir dessas bases, portanto, que a pesquisa proposta pretende analisar a punição no contexto
brasileiro contemporâneo. Para prosseguir no estudo, são necessárias breves considerações sobre a
realidade do sistema penal e carcerário do Brasil, com objetivo de complementar a justificativa da
importância do estudo. De fato, conforme indicam WACQUANT (2007a, 2010) e SOZZO (2016,
2018), os dados oficiais disponíveis sobre o encarceramento no Brasil3 sugerem a ocorrência de um

3
Utilizam-se, no presente projeto, os dados oficiais disponibilizados pelo DEPEN, vinculado ao Ministério da Justiça, em seus
Relatórios de Informações Penitenciárias (INFOPEN), com dados disponíveis a partir de 2005 e com os mais recentes sendo
referentes ao ano de 2016. Para os dados entre 2000 e 2004, utilizam-se, também, os dados oficiais divulgados pelo DEPEN, porém
em relatório muito menos detalhado, e sem informações sobre a metodologia. Todos os dados encontram-se disponíveis na internet,
em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/relatorios-sinteticos (acesso em 12/09/2018). Ainda, as
análises oficiais mais recentes foram sistematizadas em Relatórios divulgados ao público, organizados por Thandara SANTOS (2016,
5
giro punitivo, que seria verificado a partir da década de 19904. De acordo com tais dados, existiam, no
ano de 1992, 114.377 pessoas presas. Em 2002, o número havia subido para 239.345 pessoas. Em
2010, para 496.251 pessoas. Por fim, em 2016 (último ano com dados divulgados), o total de pessoas
presas atingiu o número de 726.712. A análise taxa de encarceramento por 100.000 habitantes,
ademais, mostra que esse aumento da população carcerária ocorreu de forma muito maior do que o
aumento populacional em geral verificado no mesmo período: o índice foi de 74, em 1992, para 136,
em 2002, e para 260,2 em 2010. Já em 2016, a taxa era de 352,6 pessoas presas a cada 100.000
habitantes (SANTOS et. al., 2017; SANTOS et. al., 2016).
Não apenas o número de pessoas encarceradas e submetidas à violência do sistema penal é
enorme, como os dados apontam para a existência de grupos preferencialmente atingidos por esse
sistema, em especial os setores marginalizados da população. Os dados disponíveis sobre o
encarceramento no Brasil retratam a questão: 90% das pessoas presas em 2016 tinham grau de
escolaridade apenas até o Ensino Médio incompleto5 (SANTOS et. al., 2017: 33). Da mesma forma, a
população negra, sistematicamente oprimida e explorada nas relações do capitalismo brasileiro
(FERNANDES, 2008: 141-188; HASENBALG, 1979), até os dias de hoje, continua sendo o alvo
preferencial do sistema penal: as pessoas pretas e pardas, apesar de representarem 53% da população,
compõem 64% da população carcerária6 (SANTOS et. al., 2017: 33).
2. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DA INVESTIGAÇÃO
A pesquisa que se propõe, dentro das bases apresentadas, filia-se, especificamente, às noções
desenvolvidas por GARLAND (2013) e aprofundadas por SOZZO (2016, 2018), as quais enfocam o
campo político como “processo de transmissão” entre as causas profundas e as causas imediatas que
condicionam o fenômeno da punição. Em outras palavras, os processos políticos aparecem como a
“relação indireta” (DE GIORGI, 2006: 51) para compreender a relação entre punição e estrutura social.
Esse referencial teórico aparece como adequado para uma análise densa do problema da punição atenta
às especificidades do Sul Global, ou da periferia do sistema capitalista7 (SOZZO, 2016, 2018).
A análise da punição a partir das especificidades dos contextos periféricos mostra-se
fundamental, diante das lacunas verificadas por SOZZO (2016, 2018) em relação às teses focadas nos

2017). Por fim, para dados anteriores ao ano 2000, utiliza-se a sistematização realizada por Elías CARRANZA (2001: 11-43), que
parte dos dados dos Censos Penitenciários realizados no Brasil, em alguns anos da década de 1990.
4
É importante ressaltar, contudo, que as taxas de encarceramento representam um indicador incompleto sobre os índices de punição
(SOZZO, 2018: 676; MATTHEWS, 2005: 175-201) e que os dados oficiais brasileiros apresentam uma série de inconsistências
metodológicas quanto a sua coleta. Contudo, por tratarem-se dos únicos dados disponíveis no Brasil, eles são utilizados no presente
projeto, mas, devido à ciência dos referidos problemas, utiliza-se o verbo “sugerem”.
5
Incluem-se, aqui, portanto, os seguintes graus: analfabetos (4%), alfabetizados sem cursos regulares (6%), Ensino Fundamental
incompleto (51%) e Ensino Fundamental completo (14%) e Ensino Médio completo (15%) (SANTOS et. al., 2018: 33).
6
Todos os dados utilizados no parágrafo são os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Justiça, disponíveis, além dos relatórios
citados (SANTOS et. al, 2018), em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/relatorios-sinteticos
(acesso em 12/09/2018).
7
A expressão periferia do capitalismo é utilizada a partir das proposições de Francisco de OLIVEIRA (2003), Ruy Mauro MARINI
(2000), que serão mais aprofundadas adiante.
6
países centrais. O autor (2016; 2018: 659-66) mostra como o mesmo fenômeno descrito sobre o Brasil
nos parágrafos anteriores pode ser identificado em diversos outros países do continente: o aumento
exponencial, nos últimos anos, das taxas de encarceramento8. Ao verificar esse giro punitivo em
diversos países da América do Sul, SOZZO (2016, 2018) expõe tais lacunas: a maior parte dos estudos
– representados pela análise de WACQUANT (2007a, 2007b, 2010) – em relação ao fenômeno do
grande encarceramento no contexto contemporâneo tem como base a realidade de países centrais, e
costuma associar o aumento nas taxas de encarceramento com a ascensão de governos neoliberais
ortodoxos, marcados por um aumento da pobreza, da desigualdade social, pela desregulação do
emprego e/ou pelo aumento das taxas de desemprego. Na realidade latino-americana, todavia, em que
pese alguns países (como o Brasil) tenham passado por governos com características neoliberais
ortodoxas na década de 1990 (SOZZO, 2016), e que possa se argumentar que os governos posteriores
inserem-se, de algum modo, na lógica neoliberal (BOITO Jr., 2012), o fato é que o encarceramento
continuou aumentando, mesmo com a ascensão de governos ligados às tradições de esquerda que, de
alguma forma, ao menos em seus discursos e históricos políticos, não representariam esse mesmo
neoliberalismo ortodoxo, nem a retração estatal no campo social e econômico9.
Em síntese, apesar das diversas diferenças que podem ser apontadas entre os processos políticos
ocorridos na América do Sul a partir dos anos 2000 e entre os governos ligados à tradição de esquerda
que assumiram o poder nesses países, formula-se o seguinte problema: houve, nesses contextos (dentre
os quais se insere o caso brasileiro), a partir da década de 1990, e de forma acentuada nos anos 2000 e
2010, um exorbitante crescimento nas taxas de encarceramento. Esse giro punitivo, contudo, não
ocorreu apenas em momentos de “retração estatal” e de retiradas de políticas sociais (e, como
decorrência, da deterioração material da situação da classe trabalhadora) como sugere a literatura para
as explicações do encarceramento em massa nos países centrais. Pelo contrário, em grande parte,
ocorreu em um momento marcado essencialmente pela ampliação do “braço social” de tais Estados
(SOZZO, 2016: 13-17).
Diante da verificação desse problema na realidade brasileira, propõe-se uma pesquisa atenta às
especificidades do contexto do país, na posição de periferia do capitalismo global, e que parte das
análises dos processos políticos para compreender relação entre neoliberalismo e encarceramento em
massa no Brasil. Nesse sentido, tendo como referência todas as elaborações teóricas já apresentadas,
Eugênio Raúl ZAFFARONI (2001: 63-67) aponta que compreender as relações de punição no Brasil

8
Conforme aponta SOZZO (2016: 12), no ano de 1992, alguns países contavam com taxas de encarceramento similares às dos países
escandinavos: Argentina, Peru, Equador e Brasil tinham, respectivamente, 62, 69, 75 e 74 pessoas presas a cada 100.000 habitantes.
Em apenas pouco mais de vinte anos, todavia, essa realidade mudou de forma drástica: em dados recentes captados pelo autor
(referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015), os mesmos países, na ordem apresentada, passaram a ter 152, 236, 165 e 306 presos por
100.000 habitantes. Os dados para esses quatro países servem para ilustrar a tendência, denominada por SOZZO (2016:12-13, 2018:
659-660) como um giro punitivo, perceptível em toda a América do Sul.
9
O autor mostra como o aumento do encarceramento foi verificado durante os governos Kirchner, na Argentina, de Rafael Correa, no
Equador, da Frente Amplio, no Uruguai e de Hugo Chavez e Nicolás Maduro, na Venezuela (SOZZO, 2016: 13-17).
7
passa pela análise das especificidades do capitalismo latino-americano, marcado pela dependência e
pelo subdesenvolvimento. Apesar da existência de um amplo debate sobre o significado e os efeitos da
dependência e do subdesenvolvimento10, para os objetivos do presente projeto, o ponto central é que as
condições de inserção do Brasil no capitalismo global levam a uma reconfiguração interna das tensões
entre capital e trabalho que refletem em condições estruturais de precariedade das condições de vida da
classe trabalhadora, marcada por uma maior exploração de sua força de trabalho. Dessa forma,
Francisco de OLIVEIRA (2003), apresentando a teoria, caracteriza o subdesenvolvimento como “a
forma do desenvolvimento capitalista nas ex-colônias transformadas em periferia, cuja função
histórica era fornecer elementos para a acumulação de capital no centro” (OLIVEIRA, 2003: 126),
que se materializaria como uma forma de “exceção sobre os oprimidos” (2003: 131). Mesmo com os
ciclos de modernização, o advento das novas tecnologias e o crescimento econômico do país,
mantiveram-se as desigualdades sociais, como resultado, para o autor da “combinação do estatuto
rebaixado da força de trabalho com dependência externa” (OLIVEIRA, 2003: 143). Ruy Mauro
MARINI (2000), por sua vez, conceitua a dependência como a “relação de subordinação entre nações
independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou
recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (MARINI, 2000: 109); essa
relação, para o autor, perpetuaria o atraso e o subdesenvolvimento, e seria marcada pela
superexploração da classe trabalhadora.
Se, dentro de todo o exposto, a estrutura socioeconômica de uma sociedade está ligada às formas
de punição, e o advento do capitalismo em suas variadas formas relaciona-se com o fenômeno do
encarceramento, é central compreender que a existência de uma estrutura capitalista específica na
América Latina, distinta daquelas do centro devido à inserção desigual na divisão internacional do
trabalho, condicionará processos específicos de punição e encarceramento, que precisarão de
explicações atentas a essas particularidades. Para a exploração desse tema, serão mobilizados autores
nacionais que tratam das especificidades da construção histórica da punição no Brasil, que apontam
para a persistência das violações de direitos humanos nas práticas punitivas no país, ligada a uma
tradição autoritária de uso de violência contra as classes sistematicamente excluídas (ALVAREZ et.
al., 2004: 13-14). Serão mobilizadas, assim, as análises de ALVAREZ et. al. (2004), KOERNER
(2006), ADORNO (2002) e TEIXEIRA (2012), além de outras que se mostrarem adequadas ao longo
do trabalho.
Nesse sentido, a compreensão das especificidades dessas relações mostra-se fundamental para
entender, também, o impacto do neoliberalismo, caracterizado como um “projeto político de caráter
transnacional” (WACQUANT, 2010: 213), no país. Nesse contexto, importante pontuar que a
10
São diversos os autores que pensam a relação entre dependência e subdesenvolvimento no Brasil. Pode-se citar, nesse contexto, o
debate entre Ruy Mauro MARINI e Fernando Henrique CARDOSO (MARINI, 2000), bem como as relações entre a teoria cepalina
do desenvolvimentismo (de Celso FURTADO e Raúl PREBISCH) e o “ornitorrinco” de Francisco DE OLIVEIRA (2003).
8
definição de Armando BOITO Jr. (2012: 6) de neoliberalismo dá densidade ao conceito para ser
analisado nos contextos periféricos, ao apresentar que o modelo que exerce uma dupla pressão: “dos
Estados imperialistas sobre as economias dependentes e da classe capitalista sobre os trabalhadores”
(BOITO Jr., 2012: 6).
No contexto apresentado, a literatura costuma apontar que, a partir da década de 1990, com a
eleição de Fernando Collor de Mello, iniciou-se o processo de implantação do neoliberalismo no
Brasil (BOITO Jr., 2006a; MARTUSCELLI, 2012). Esse processo, portanto, teve início da década de
1990 e foi marcado por uma política econômica e social que atendia de forma prioritária aos interesses
do mercado e do capital financeiro. Essa política neoliberal seria caracterizada por três fatores centrais:
(i) a desregulamentação do mercado de trabalho, a redução de salários e a redução ou supressão de
gastos sociais; (ii) as políticas de privatizações; e (iii) as políticas de abertura comercial e de
desregulamentação financeira. As análises apontam, portanto, para o fato de que houve, nesse período,
incluindo-se, aqui, os governos de FHC, políticas tipicamente neoliberais (como sugerido por
WACQUANT, 2007a), e que, diante do contexto da dependência, essas políticas exerciam uma
pressão ainda maior na classe trabalhadora (BOITO Jr, 2012: 6). No entanto, a partir do início do novo
século, há a ascensão ao poder de um governo que, ao menos em seu discurso e em suas formações
históricas, procurava romper com esse neoliberalismo ortodoxo: em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva,
importante líder sindicalista, do Partido dos Trabalhadores, foi eleito Presidente da República.
O governo de Lula e do Partido dos Trabalhadores, dessa forma, é caracterizado por SOZZO
(2016: 21) como um dos governos “pós-neoliberais” da América Latina. Contudo, a partir das bases
apresentadas especificamente sobre a realidade brasileira (OLIVEIRA, 2003; BOITO Jr., 2006a, 2012;
MARINI, 2000), o rótulo de “pós-neoliberal” não parece ser o mais adequado para se caracterizar os
governos petistas. A crítica a essa definição será apresentada, de forma breve, a partir das análises de
BOITO Jr. (2006a, 2007 2012). Ao estudar os primeiros anos do governo Lula, BOITO Jr. (2006a)
apresenta como a “hegemonia neoliberal” (2006a: 272-274), caracterizada, para o autor, pelos três
fatores acima apresentados (desregulamentação do trabalho, privatizações e abertura comercial e
financeira) se manteve, no Brasil, nesse período. Em análises posteriores, BOITO Jr. (2007, 2012)
verifica, contudo, uma reorganização no bloco de poder, a partir da qual, aos poucos, é dado maior
espaço a outra fração da burguesia: a grande burguesia interna industrial e agrária. Nesse sentido, o
que o autor pretende mostrar é que houve, ao longo dos governos petistas, não um elemento exato de
continuidade com as políticas de FHC (BOITO Jr., 2007, 2012), mas uma nova forma de inserção na
ordem capitalista neoliberal, caracterizada pelo conceito de neodesenvolvimentismo – uma forma nova,
fraca e extremamente limitada do projeto desenvolvimentista cepalino. Nas palavras do autor, o
neodesenvolvimentismo seria “um programa de política econômica e social que busca o crescimento

9
econômico do capitalismo brasileiro com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper
com os limites dados pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país” (BOITO Jr., 2012: 6).
Nesse sentido, o autor explica o uso do conceito desenvolvimentismo, a partir das poucas
convergências com o projeto da tradição cepalina. Em apertada síntese, tanto no “novo”, quanto no
“velho” desenvolvimentismo teriam sido implementadas políticas que, de algum modo, buscaram o
crescimento econômico real; e, em ambos os modelos, essas políticas partiram da premissa de que o
crescimento passaria pela aliança com setores da burguesia11. Contudo, apesar dessas aproximações,
BOITO Jr. (2012: 4-6) destaca as diferenças centrais entre os modelos, todas interligadas entre si, e
que se mostram com forma de expressão da inserção do neodesenvolvimentismo nos limites do
capitalismo neoliberal: em resumo, o “novo” modelo pretenderia um crescimento econômico muito
mais limitado que o anterior; ele não teria foco no fortalecimento do mercado interno e da indústria
local; e ele aceitaria os constrangimentos da divisão internacional do trabalho. Em outras palavras, o
modelo contribuiria para aprofundar e acirrar a condição de dependência do Brasil 12.
O conceito de neodesenvolvimentismo, portanto, mostra-se adequado para a análise, pois, por um
lado, mostra como os programas dos governos do Partido dos Trabalhadores estavam plenamente
inseridos no contexto neoliberal global, inclusive aceitando e acirrando os constrangimentos da
dependência pela divisão internacional do trabalho, e como também era voltado aos interesses da
classe burguesa. Por outro lado, o conceito mostra como essa inserção deu-se de forma distinta daquela
ocorrida na década de 1990; nessa nova inserção, BOITO Jr. (2012) verifica políticas voltadas a outra
fração da classe burguesa, e algumas melhorias – modestas e extremamente limitadas– nas condições
de vida da classe trabalhadora, em especial pela adoção de algumas políticas sociais (BOITO Jr.,
2012). Rejeita-se, portanto, o conceito de “pós-neoliberal” proposto por SOZZO (2016, 2018) para a
análise brasileira, mas também se evita analisar os governos petistas como simples continuidade do
“neoliberalismo ortodoxo” da década de 1990 (BOITO Jr., 2012). Nesse ponto, é importante notar que
diversas análises, entre elas as de OLIVEIRA (2003), PAULANI (2007 apud BOITO Jr., 2007) e
SAMPAIO Jr. (2012) caracterizam os governos petistas como uma continuidade neoliberal. Não se
ignora, aqui, que houve, de fato, uma série de continuidades, como inclusive aponta BOITO Jr. (2006a,

11
BOITO Jr. (2012) apresenta uma explanação de algumas políticas dos governos petistas que se aproximariam do “velho
desenvolvimentismo” da tradição cepalina e se distanciaram do projeto neoliberal ortodoxo: “a) políticas de recuperação do salário
mínimo e de transferência de renda que aumentaram o poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é, daqueles que apresentam
maior propensão ao consumo; b) forte elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDES) para financiamento das grandes empresas nacionais a uma taxa de juro favorecida ou subsidiada; c) política externa de
apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e de capitais (DALLA COSTA,
2012); d) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda agregada nos momentos de crise econômica e e)
incremento do investimento estatal em infraestrutura. Mais recentemente, o Governo Dilma iniciou mudanças na política de juro e
cambial, reduzindo a taxa básica de juro e o spread bancário e intervindo no mercado de câmbio para desvalorizar o real, visando a
baratear o investimento produtivo a oferecer uma proteção – muito tímida, é verdade - ao mercado interno.” (BOITO Jr., 2012: 5)
12
Por essa razão, Plínio de Arruda SAMPAIO Jr. (2012) trabalha com o conceito de “reversão pós-colonial”.
10
2006b, 2007); contudo, filia-se à chave de análise pelo neodesenvolvimentismo para frisar que se trata
de uma forma distinta de aderência à ordem neoliberal.
Feitas essas breves considerações sobre a formação socioeconômica do Brasil e sobre a
caracterização de cada um dos governos em análise pelas formas de inserção na ordem neoliberal,
passa-se à delimitação do conceito de política criminal que será utilizado no trabalho. Após essa
digressão, retornar-se-á a essas análises sobre o Brasil, para a formulação da questão sociológica com a
qual a pesquisa proposta pretende lidar.
Como apresentado, a análise que se propõe enfoca os processos políticos, não apenas pela
centralidade desses processos no campo do controle do delito (SPARKS, LOADER, 2004 apud
SOZZO, 2016), mas por serem considerados os “processos de transmissão” (SOZZO, 2018: 674) que
“traduzem pressões sociais e econômicas em resultados penais específicos” (GARLAND, 2013: 509).
A essas definições, soma-se a importância destacada por ALVAREZ et. al. (2004) para o estudo do
campo político na análise da punição, dentro das especificidades do contexto brasileiro: “a análise
histórica das formas através das quais as políticas de segurança pública permanentemente
reproduzem formas de controle social das populações marginalizadas torna-se de vital importância
para a compreensão dos obstáculos para a ampliação do horizonte democrático do país” (2004: 16).
Nesse sentido, o trabalho parte da definição de Política proposta por SOZZO (2018), ou seja, o
“conjunto de estratégias, manobras, racionalidades e programas, disputas e resistências que existem
entre o estado e os atores não estatais acerca do governo de seres humanos” (2018: 674), que ganha
contornos específicos no campo da segurança pública com a articulação dos conceitos de política
criminal e de projetos governamentais (DIETER, 2013)13. O conceito tradicional de política criminal
apresentado por Maurício DIETER (2013) é o “programa que estabelece as condutas que devem ser
consideradas crimes e as políticas públicas para a repressão e prevenção da criminalidade e controle
de suas consequências”; conforme o próprio autor apresenta (2013:18), esse conceito ganha densidade
se combinado com o conceito de projeto governamental, elaborado por David GARLAND (1997 apud
DIETER, 2013). Em linhas gerais, os “projetos governamentais” compõem os discursos ideológicos
que “racionalizam as práticas punitivas oficiais e extraoficiais legitimando a repressão apesar de
suas contradições criminogências, ao mesmo tempo em que continuamente as redefinem nos limites
dessas determinações” (GARLAND, 1997 apud DIETER, 2013: 17-18). Nesse sentido, os projetos
governamentais são aqueles discursos comprometidos com a “legitimação científica – especialmente
jurídica – de práticas punitivas oficiais definidas como necessárias pelo Estado” (GARLAND, 1997

13
O conceito de SOZZO (2018) de Política, articulado pelas proposições de DIETER (2013) e GARLAND (1997 apud DIETER,
2013) sobre política criminal e projetos governamentais relaciona-se com as proposições de ALVAREZ et. al. (2004) sobre políticas
públicas, consideradas como “programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus mecanismos de
operação e seus possíveis impactos sobre a ordem social e econômica” (ARRETCHE, 2003 apud ALVAREZ et. al., 2004),
relacionadas com os conceitos de polity, politcs e policy, que “permitem uma acurada observação de como organizam-se as políticas
públicas” (ALVAREZ et. al., 2004: 8).
11
apud DIETER, 2013: 17-18), e que, assim, racionalizam a repressão, com o objetivo de atender, em
geral, interesses políticos imediatos.
Ainda, é importante notar que a análise da política criminal, no sentido acima proposto, esbarra
em duas limitações relevantes para o estudo. Em primeiro lugar – e com relações com o próprio
conceito de projeto governamental –, David GARLAND (1996) apresenta que as respostas
governamentais não seguem, necessariamente, padrões coesos e consistentes, exatamente pelas
influências de interesses políticos e eleitorais imediatos. Não se pode esquecer, portanto, que ao tratar
de política criminal, é possível perceber respostas duais, muitas vezes até contraditórias entre si,
mesmo que emanadas do mesmo centro de decisão (GARLAND, 1996; CIFALI, 2016). Nesse sentido,
é necessária a análise das lutas materiais e simbólicas travadas dentro dos contextos de conflito
político, dos processos eleitorais e da negociação entre agentes políticos (SOZZO, 2016: 21). Em
segundo lugar, conforme aponta Roger MATTHEWS (2009: 134-141), o impacto de qualquer tipo de
câmbio político em relação à punição nem sempre é previsível, de forma que os resultados podem ser
muito diversos daqueles esperados. Ciente dessas limitações, a presente pesquisa pretende investigar se
existem tendências verificáveis nas políticas criminais dos governos em análise, mesmo diante de
contradições, assim como buscará identificar possíveis resultados e impactos de tais políticas.
Diante de todo o exposto, formula-se a seguinte questão sociológica: como se dá a relação entre
neoliberalismo e giro punitivo no Brasil? Essa questão se articula a partir de dois eixos, interligados,
para serem estudados em suas relações com o campo da punição no contexto brasileiro: (i) em
primeiro lugar, o Brasil possui uma formação econômica, social e política distinta dos países centrais
(marcada pela dependência e por uma maior pressão na classe trabalhadora); (ii) em segundo, a
inserção do Brasil na ordem neoliberal global se dá, ao longo dos governos de FHC e Lula, de formas
também diferentes entre si. Diante de todo o referencial teórico adotado, portanto, a análise das
políticas criminais aparece como forma adequada e densa para uma contribuição na investigação da
questão formulada, ou seja, da relação entre neoliberalismo e giro punitivo em nosso contexto.
3. OBJETO E HIPÓTESES
A questão sociológica formulada é bastante ampla, e permitiria uma série de análises e
abordagens. Desse modo, dentro de todas as bases apresentadas, propõe-se uma pesquisa que tem
como objeto as políticas criminais colocadas em curso, no âmbito federal, pelos governos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Como será explicado
adiante, pretende-se abordar o objeto por três etapas: (i) em primeiro lugar, a pesquisa buscará definir,
delimitar e analisar quais foram as políticas criminais (segundo o conceito acima apresentado)
implementadas por cada um dos governos em análise; (ii) em segundo lugar, serão comparadas as
políticas de cada um dos governos, procurando-se observar possíveis continuidades e rupturas; (iii) por
fim, serão esboçados possíveis resultados e impactos dessas políticas.
12
Dois breves esclarecimentos são necessários em relação ao objeto estudado: em primeiro lugar, é
importante ressaltar que o foco será nas políticas de segurança pública concretamente desenvolvidas no
âmbito federal, no período delimitado, abordando os aspectos materiais e simbólicos envolvidos no
processo de elaboração, divulgação e implementação dessas políticas. Como apresentado, seguindo as
proposições de SOZZO (2018) e GARLAND (2013), trata-se de uma análise com foco no campo
político, e a pertinência de tal escolha foi explorada no item anterior. No entanto, é necessário ter em
mente que, dentro do campo que SOZZO (2018: 674-676) apresenta como Política, o objeto da
presente pesquisa é restrito à análise de um aspecto desse campo: as políticas governamentais em
âmbito federal, ou seja, uma parcela do “braço político do Estado” (SOZZO, 2018: 675). Não se
ignora a importância de uma série de outras esferas que causam impactos significativos na punição,
como as políticas nos âmbitos estaduais e municipais; a atuação do Poder Judiciário, do Ministério
Público e das forças policiais14; bem como as atuações da mídia e de movimentos sociais. Contudo,
dentro do escopo da pesquisa e diante da necessidade de delimitação, as políticas estatais do Governo
no âmbito federal aparecem como as relevantes para compreender como é o mecanismo que relaciona
a estrutura socioeconômica com as “definições concretas de quem, porque e o que punir, assim como
de quais formas e quanto punir” (SOZZO, 2018: 675). Ainda, a restrição do objeto às políticas
criminais do Governo Federal mostra-se como adequada, pois aparece em caráter complementar às
análises existentes no campo de estudo nacional que enfocaram outros âmbitos do poder político
(ALVAREZ et. al., 2004; TEIXEIRA, 2007; CAMPOS, 2010).
Em segundo lugar, a escolha em analisar e comparar as políticas criminais dos governos de
Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva se dá por dois motivos centrais. A primeira
razão é, como apresentado, que o aumento do encarceramento no Brasil se verifica, segundo os dados
oficiais, a partir da década de 90 (SANTOS et. al., 2017; CARRANZA, 2001: 15), e continua até os
dias de hoje, de forma que a análise com o recorte das políticas adotadas entre 1995 e 2010 se mostra
adequada à tentativa de compreensão como elas poderiam se relacionar com esse aumento. A segunda
razão relaciona-se, especificamente, com a investigação sobre possíveis relações do neoliberalismo
com a punição no Brasil, a partir da mediação (ou, dos “processos de transição”; SOZZO, 2018: 674)
realizada pela Política. Como apresentado, os governos de FHC e Lula representam formas distintas de
inserção no contexto neoliberal: os de FHC costumam ser descritos pelo caráter de um
“neoliberalismo ortodoxo” (BOITO Jr., 2012), marcado pela adoção de políticas que teriam “pego a
rota da desregulação do mercado e da retração estatal” (WACQUANT, 2010), enquanto os de Lula
são caracterizados pelo modelo neodesenvolvimentista, que acirrou e a aprofundou os
constrangimentos da divisão internacional do trabalho, mas permitiu melhorias – ainda que pontuais e
modestas – nas condições de vida da classe trabalhadora (BOITO Jr., 2012).

14
Esses atores representariam “o braço administrativo do Estado”, nas palavras de SOZZO (2018: 674).
13
A partir do objeto apresentado e dos esclarecimentos realizados, podem ser formuladas duas
hipóteses preliminares, relacionadas entre si, a serem examinadas ao longo da pesquisa. A primeira
hipótese é que, apesar de existirem diferenças entre políticas sociais e econômicas adotadas pelos
governos de Fernando Henrique Cardoso e os governos do Partido dos Trabalhadores, bem como
consequências – frise-se, ainda que de forma limitada – também distintas dessas políticas na situação
da classe trabalhadora15, as políticas criminais adotadas por cada um dos governos apresentariam mais
continuidades do que descontinuidades. Sugere-se, assim, que nas políticas criminais adotadas por
ambos os governos, verifica-se uma “persistência das graves violações de direitos humanos no país,
pensada como elemento constitutivo de nossa formação política e da reprodução de uma sociedade
profundamente hierarquizada” (ALVAREZ et. al., 2004: 13).
A segunda hipótese é que a chave da ascensão do neoliberalismo e da retração estatal,
como “causa profunda” (GARLAND, 2013: 483) para o aumento do encarceramento, conforme proposto
por WACQUANT (2007a, 2007b), não é suficiente para explicar as relações de punição no Brasil (e nos
demais países da periferia do capitalismo). Essa hipótese é formulada, dentro de todo o exposto, por dois
pontos centrais: em primeiro lugar, pela formação econômica, social e política do Brasil, distinta das
formações dos países centrais, que, historicamente, condicionou práticas punitivas também distintas
(conforme apontam os trabalhos de KOERNER, 2006 e TEIXEIRA, 2012); em segundo lugar, pela
verificação do aumento do encarceramento em uma forma de inserção na ordem neoliberal (característica
dos governos petistas) na qual não haveria “menos estado” nos campos sociais e econômicos, que teria
gerado a insegurança objetiva e subjetiva, e que explicaria o advento de “mais estado” nos campos
policiais e penais para lidar com essa questão (WACQUANT, 2007a: 203). Relacionada com essa
hipótese sugere-se, também, que o aumento do encarceramento no Brasil, nesses períodos não se deu,
apenas, pela “importação de políticas ‘made in USA’” (WACQUANT, 2007a: 204), mas por lógicas
próprias, a serem investigadas por meio dos processos políticos e das especificidades da realidade do país.
4. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
A partir de todo o exposto, para abordar o objeto apresentado em suas três etapas, propõe-se uma
metodologia coerente com o conceito de política criminal apresentado, que leve em consideração as
dificuldades de se definir as diretrizes das políticas criminais implantadas por um governo e que trate
dos âmbitos materiais e simbólicos das disputas políticas. Para a realização de tal tarefa, a pesquisa
baseia-se na metodologia proposta por SOZZO (2016) para a análise da política criminal argentina, e
utiliza elementos das proposições de ALVAREZ et. al (2004), CIFALI (2016) e CAMPOS (2010).

15
Como apresentado, nos governos petistas, mesmo que ainda inseridos numa lógica neoliberal, trouxeram resultados positivos para a
classe trabalhadora, o que pode ser representado (ainda que de forma deficiente), pela redução das taxas de desemprego verificadas
no período (BOITO Jr., 2012: 5).
14
Seguindo as proposições dos autores citados, a definição das políticas criminais adotadas pelos
governos em análise será feita a partir de três pontos centrais. Em primeiro lugar, cada um dos pontos
será apresentado, bem como a justificação para sua utilização para os fins da pesquisa. Em seguida,
serão descritas as formas pelas quais será realizada a coleta de material e a análise específica para cada
um deles.
Nesse contexto, serão analisados (i) os Programas de Governo apresentados ao TSE nos
contextos eleitorais, bem como Planos Nacionais de Segurança Pública apresentados à população nas
campanhas ou durante os governos. Essa análise se mostra pertinente pela importância da dimensão
simbólica no contexto do controle do delito (WACQUANT, 2007b) e porque os programas e discursos
permitem analisar, ao menos, quais as preferências políticas do Partido, e qual imagem a coalizão
deseja passar ao público (CIFALI, 2016: 182-189). No mesmo sentido, ajudam, no âmbito em análise
(plano do Governo Federal), a compreender “quais são as percepções de ordem pública (e conceitos
correlatos)” (ALVAREZ et. al., 2004: 11) que estruturam a agenda política. Ademais, serão analisadas
as implantações concretas das políticas criminais, a partir (ii) das alterações legislativas relevantes em
matéria penal, de iniciativa do executivo ou que contaram com apoio da base aliada dos governos no
Congresso Nacional; e (iii) das políticas de estado, ou seja, as políticas públicas efetivamente
implantadas pelos governos, em âmbito federal, na área penal e de segurança pública. A análise da
legislação penal apoiada pelos governos mostra-se pertinente, em especial diante da influência, no
Brasil, do Executivo Federal na agenda legislativa (LIMONGI, 2006). As políticas públicas, por sua
vez, representam a atuação direta do Executivo, sendo, dessa forma, expressão notável da política
criminal adotada.
Definidos esses pontos, passa-se à explicação das formas de coleta de material a serem
utilizadas. A análise dos Programas de Governo apresentados nos contextos eleitorais partirá dos
documentos oficiais apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral no momento de registro da
candidatura, bem como dos documentos divulgados oficialmente como Programa de Governo pelas
coalizões vencedoras das eleições no período analisado (eleições de 1994, 1998, 2002 e 2006). Todo o
material encontra-se disponível no site do referido Tribunal16, bem como no site dos próprios partidos
(PSDB e PT)17. Será realizada a leitura dos referidos programas, com a sistematização de como as
questões referentes à segurança pública e à criminalidade são abordadas. Em relação aos Planos
Nacionais de Segurança Pública, serão realizadas pesquisas no acervo digital da biblioteca de
publicações da Presidência da República, bem como pesquisas em buscadores na internet e na
bibliografia específica da área para identificar quais governos apresentaram um documento público
unificado contendo referido Plano; e será realizada a leitura e a sistematização das propostas contidas

16
http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/ (acesso em 10/09/2018)
17
http://www.psdb.org.br/ (acesso em 10/09/2018) e http://www.pt.org.br/ (acesso em 10/09/2018)
15
em tais documentos. Em pesquisa preliminar, verifica-se que, por tratarem-se de documentos públicos,
todos são facilmente encontrados pelos meios acima descritos.
A análise das alterações legislativas relevantes em matéria penal, no período analisado, será
realizada da seguinte forma, seguindo as proposições de SOZZO (2016), CIFALI (2016) e CAMPOS
(2010). A pesquisa partirá do levantamento já realizado por CAMPOS (2010: 225-242) das leis penais
consideradas “relevantes” (2010: 35-41), para o período de 1995 a 2006; e sua metodologia de seleção
e coleta das leis será replicada para o período de 2007 a 201018. Essa metodologia será utilizada,
portanto, apenas para um levantamento preliminar das leis penais aprovadas no período em questão19.
Em sequência – e aqui se distanciando da análise de CAMPOS (2010), e seguindo o proposto por
SOZZO (2016) e CIFALI (2016) – para os fins da pesquisa proposta, serão separadas para o estudo
apenas as leis que foram de iniciativa do Executivo e de congressistas da base aliada dos governos,
bem como aquelas que tiveram apoio expresso dessas bases20. Dessa forma, busca-se estabelecer quais
alterações legislativas, efetivamente, fizeram parte da política criminal dos governos em estudo.
Separando apenas as leis consideradas como parte integrante da política criminal dos governos, serão
traçadas as linhas gerais de quais mudanças elas introduziram, e serão selecionadas (SOZZO, 2016)
para uma análise mais aprofundada as leis do período que se mostrem mais marcantes, por dois
critérios: a partir do esboço de possíveis impactos reais, em especial na taxa de encarceramento21; e a
relação com os Programas Eleitorais e Planos Nacionais apresentados.
Como último ponto, a análise das políticas públicas relacionadas à segurança Ppblica colocadas
em curso de forma concreta pelos governos será realizada da seguinte maneira: em primeiro lugar,
serão analisados os Planos Plurianuais (PPAs) enviados pelo Executivo ao Congresso, que contêm as
diretrizes das políticas a serem implantadas ao longo de cada mandato; serão analisados, portanto, os
PPAs enviados em 1995, 1999, 2003 e 200722, em conjunto com os Relatórios Anuais de Avaliação
elaborados sobre tais planos; a partir dos planos e relatórios, serão identificadas quais políticas foram
adotadas na área de segurança pública e relacionadas com controle do delito, bem como será possível
investigar eventuais resultados. Conforme os termos do art. 165 da Constituição da República
Federativa do Brasil, os Planos Plurianuais estabelecem as “diretrizes, objetivos e metas da

18
Todo o material e todas as informações as leis aprovadas encontram-se do “Portal da Legislação”, ferramenta online do website
do Planalto <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ > (acesso em 12/09/2018), que sistematiza as Leis aprovadas por ano, com a
ementa da matéria regulada por cada diploma legal. No entanto, ressalta-se que são documentos públicos, disponíveis em diversos
meios oficiais, que também podem ser utilizados para a coleta.
19
A presente pesquisa não pretende refazer e atualizar toda a extensa e complete análise do autor sobre a legislação aprovada no
período (CAMPOS, 2010: 125-204), mas apenas enfocará nas leis que se relacionam com a política criminal do Executivo.
20
As informações sobre a tramitação das leis, da mesma forma, encontram-se nos websites das respectivas casas legislativas.
21
Apesar das inconsistências dos dados oficiais sobre o encarceramento no Brasil, há uma sistematização do número de prisões por
tipo penal. Dessa forma, é possível esboçar e apontar possíveis relações (ainda que se indiquem apenas tendências) entre uma
mudança legal referente a um tipo penal e o aumento ou a diminuição da relevância desse tipo penal nas taxas de encarceramento.
Nesse sentido, Luciana BOITEUX (2014) aponta possíveis relações entre a promulgação da Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) e o
aumento do encarceramento verificado a partir de 2007.
22
Todos os PPAs são enviados no primeiro ano de Governo e têm vigência a partir do ano seguinte e duração de quatro anos, de
forma que os Planos em análise englobam, respectivamente, os seguintes períodos: 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007, 2008-2011.
16
administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as
relativas aos programas de duração continuada”; a análise dos planos, em conjunto com os Relatórios
de Análise, dessa forma, se mostra meio adequado para a compreensão das políticas públicas adotadas
pelo Executivo Federal. Todos os documentos referidos são públicos (os Planos Plurianuais, ainda, têm
forma de Lei), e estão disponíveis, de forma clara e organizada, na Biblioteca Digital 23 do Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão24.
A partir de todos esses eixos apresentados, será realizada a descrição das características e traços
gerais das políticas criminais postas em curso por cada um dos governos em questão, sempre tendo em
vista a possibilidade de respostas dúbias e contraditórias, ou seja, de não necessariamente haver um
todo coeso e coerente. Com a sistematização e caracterização das políticas criminais, ainda, será
possível comparações entre o que foi feito, no tema, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e o que
foi feito pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para se verificar quais são as semelhanças, as
diferenças, as continuidades e as rupturas. No mesmo sentido, a sistematização e caracterização darão
as bases para uma análise de em que medida houve ou não uma internalização de políticas de controle
severas e punitivas “made in USA” (WACQUANT, 2007a: 204).
Por fim, a partir da caracterização das políticas criminais adotadas por cada um dos governos,
será realizada uma tentativa de avaliação dos resultados dessas políticas, indicando tendências e
possíveis relações. Conforme aponta ALVAREZ et. al. (2004), a análise dos impactos e resultados
produzidos por políticas públicas na área de segurança pública pode ser feito apenas em caráter
preliminar. É possível, no entanto, “esboçar, em razão das concepções apresentadas e que pautaram a
agenda da política de segurança, do quadro normativo legal então estabelecido e do desenho das
instituições criadas e postas em funcionamento, qual foi o resultado alcançado” (ALVAREZ et. al.,
2004). Esse esboço será realizado a partir dos objetivos declarados pelas políticas analisadas, bem
como a partir dos dados oficiais sobre o encarceramento existentes para o período analisado. Contudo,
essa análise será feita com ciências das limitações existentes no uso desses dados: a taxa de
encarceramento é um fenômeno afetado por uma série de fatores, de forma que a análise de apenas um

23
Link para acesso: http://bibliotecadigital.seplan.planejamento.gov.br/ (acesso em 10/09/2018). Segundo o referido site, a
“ferramenta online é uma biblioteca digital onde o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão publica documentos de
sua autoria e documentos importantes e históricos de planejamento governamental”. Também é relevante o seguinte portal:
http://www.planejamento.gov.br/assuntos/planeja/plano-plurianual (acesso em 10/09/2018)
24
A análise dos Planos Plurianuais, ainda, poderá ser complementada pela análise de demais documentos oficiais considerados
relevantes ao longo da pesquisa, como Leis Programáticas que estabeleçam algumas políticas específicas na área, balanços gerais de
governos e relatórios de análise de Políticas específicas. Todos esses documentos, da mesma forma, são públicos e encontram-se
disponíveis pelos mecanismos de buscas da biblioteca online da Presidência da República, do Ministério da Justiça, do Ministério da
Segurança Pública e do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, nos seguintes links:
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais (acesso em 10/09/2018); http://www.justica.gov.br/ (acesso em
10/09/2018); http://www.seguranca.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/acervo/publicacoes (acesso em
10/09/2018). Ressalta-se que todos os documentos são públicos, e os portais referidos contam com mecanismos de busca que
permitem a localização do material necessário para a pesquisa. Contudo, caso se mostre necessário ao longo do desenvolvimento da
pesquisa, outras formas de busca podem ser realizadas (consultas pessoais e telefônicas), bem como outras fontes poderão ser
consultadas.
17
fator não pode se pretender a dar uma resposta concreta (MATTHEWS, 2009: 134-141); ademais, nem
sempre é possível medir os efeitos de uma política ou alteração legislativas nas taxas de
encarceramento (MATTHEWS, 2009: 134-141); por último, os dados oficiais disponibilizados pelo
Ministério da Justiça apresentam vários problemas metodológicos (em especial, na coleta, mas também
na apresentação), de forma que devem ser estudados a par dessas restrições. Para o apontamento dessas
possíveis tendências, em que pese a existência das restrições mencionadas, serão utilizados os dados
oficiais disponibilizados pelo Ministério da Justiça nos Relatórios do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias, considerando os números de presos totais, os números de presos por
delitos, assim como outros fatores presentes nesses relatórios que possam ser considerados relevantes
diante do que for caracterizado como as políticas criminais de cada governo.
5. CRONOGRAMA

2019 2020
Mês: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Disciplinas do mestrado:

Levantamento bibliográfico:

Aprofundamento teórico e metodológico:


Levantamento, leitura e sistematização dos
programas eleitorais, planos nacionais, planos
plurianuais e relatórios:
Levantamento e análise das leis ordinárias aprovadas
no período em matéria penal consideradas como
expressão das políticas criminais:
Sistematização das políticas criminais e
interpretação dos possíveis impactos e resultados:
Qualificação:
Redação da dissertação:

6. ORÇAMENTO
A pesquisa proposta não necessitará de recursos financeiros.
7. BIBLIOGRAFIA
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