Sie sind auf Seite 1von 10

Maria Cecília de Souza Minayo

A teoria e a prática da pesquisa social qualitativa: este é o tema


— inédito na produção intelectual da área da saúde — de que
trata este livro. É um texto fundamental para cientistas sociais,
epidemiologistas, planejadores do setor e para todas as
categorias sociais que compõem as equipes da saúde —
psicólogos, enfermeiros, nutricionistas e assistentes sociais.
Escrito em linguagem acessível, serve plenamente a professores
e alunos de qualquer área universitária preocupados com a
abordagem da pesquisa social qualitativa. |
PESQUISA QUALITATIVA EM SAÚDE
7.a EDIÇÃO

ISBN 85-271-0181-5

9 Nm JH

HUCITEC-ABRASCO
HUCITEC-ABRASCO
88 METODOLOGIA DE PESQUISA SOCIAL

“Ser radical é tomar as coisas pelas suas raízes. Ora, para o ho-
mem, a raiz é o próprio homem. Isso resulta na crítica (...) que
conduza ao imperativo categórico de transformar as condições
sociais nas quais o homem é um ser humilhado, escravizado,
abandonado e desprezível” (Marx: 1959, 263).

CAPÍTULO 2
FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA

A Fase Exploratória da Pesquisa é tão importante que ela


em si pode ser considerada uma Pesquisa Exploratória. Compreende
a etapa de escolha do tópico de investigação, de delimitação do
problema, de definição do objeto e dos objetivos, de construção do
marco teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da
exploração do campo.
A partir da perspectiva dialética que desejamos seguir, gostaría-
mos de apresentar as balizas dentro das quais, a nosso ver, se processa
o conhecimento. A primeira delas é seu caráter aproximado. Isto é, o
conhecimento é uma construção que se faz a partir de outros conhe-
cimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida.
É um processo de tentativas que Limoeiro Cardoso esclarece muito
bem, usando a imagem do feixe de luz:

“O conhecimento se faz a custode muitas tentativas


e da incidên-
cia de muitos feixes de luz, multiplicando os pontos de vista
diferentes. A incidência de um único feixe de luz não é suficiente
para iluminar um objeto. O resultado dessa experiência só pode ser
incompleto e imperfeito, dependendo da perspectiva em que a luz
é irradiada e da sua intensidade. A incidência a partir de outros
pontos de vista e de outras intensidades luminosas vai dando
formas mais definidas ao objeto, vai construindo um objeto que lhe
é próprio. A utilização de outras fontes luminosas poderá formar
um objeto inteiramente diverso, ou indicar dimensão inteiramente
novas ao objeto” (Limoeiro Cardoso: 1978, 275).
89
90 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 91

Esse caráter aproximado do saber intelectual é relevante em toda No entanto, diz ele, é necessário admitir que após uma classe ter
a teoria marxista e Lênin comenta que, ao refletir a realidade, o descoberto algum fato histórico ou sociológico, todos os grupos,
conhecimento oferece sempre uma imagem mais grosseira que o quaisquer sejam seus interesses, não só podem levar em considera-
real, tantono plano do pensamento como dos sentimentos (1955, 218). ção as descobertas como as incorporam ao seu sistema de interpre-
O segundo ponto diz respeito ao caráter de inacessibilidade do tação do mundo. As correntes intelectuais diversas não se desen-
objeto. A inatingibilidade do objeto se explica pelo fato de que as volvem isoladamente mas se afetam e se enriquecem mutuamente.
idéias que fazemos sobre os fatos são sempre mais imprecisas, mais Embora não se fundam numsistema comum, consideramatotalidade
parciais, mais imperfeitas que ele. Portanto, o processo de pesquisa dos fatos descobertos, partindo de diferentes axiomas gerais
consiste na definição e redefinição do objeto. De um lado, porque seu (Mannheim: 1974, 28-30).
conhecimento é fruto de um exercício de cooperação onde tra- É dentro da perspectiva assinalada que passamos a discutir ele-
balhamos sobre as descobertas uns dos outros; depois, porque cada mentos que compõem afase exploratória de uma investigação e to-
teoria formula o objeto segundo seus pressupostos. Neste sentido, das as etapas subsegiientes.
como afirma Limoeiro Cardoso, ele é sempre uma “representação” Tomamos em primeiro lugar ocuidado de definir alguns conceitos
feita sob determinado ponto de vista, tentando, a seu modo, re- fundamentais usados na prática das Ciências Sociais para construir o
produzir o real (1978, 30). quadro teórico da pesquisa. Em seguida discutimos a construção do
O terceiro ponto se refere à vinculação entre pensamento e ação. objeto como um labor teórico e como esforço prático de informação,
Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver crítica e experiência. E propomos depois e finalmente uma discussão
sido, em primeira instância,umproblema da vida prática. Isto quer sobre o instrumento de apreensão dos dados empíricos e de entrada
dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da exploratória no campo da investigação. Chamamos atenção para o
-sma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de tema da Amostragem Qualitativa que costuma ser um dos pontes de
weresses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de maior impasse parao investigador.
determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus Nesse movimento aparentemente linear de desenho das etapas da
objetivos. Esse é um ponto de vista que reúne tanto o racionalismo pesquisa queremos enfatizar, de um lado a necessidade, para fins de
aberto de Bachelard (1968) como a dialética marxista (Lukács: 1974; análise, de dar atenção a cada procedimento; e de outro, para a
Habermas: 1980, 1988) e o perspectivismo de Mannheim (1974). liberdade de reconhecer as diferentes técnicas e métodos como guias
O quarto ponto enfatiza o caráter originariamente interessado e prescindir deles quando se tornam obstáculos. É nessa interação
do conhecimento ao mesmo tempo que sua relativa autonomia. O que se torna possível realizar um trabalho científico criador.
olhar sobre o Objeto está condicionado historicamente pela posição
social do cientista e pelas correntes de pensamento em conflito na

em
Concertos FUNDAMENTAIS NA OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA
sociedade (Lowy: 1985, 15). Porém existe uma “autonomia relativa”
das ciências sociais, uma certa continuidade no interior dessa ciência Antes de partirmos para a reflexão sobre o movimento que preside
(Marx continua, critica e ultrapassa Ricardo na Teoria do Valor), uma o processo de definição do objeto, pretendemos definir alguns termos
lógica interna da pesquisa científica, uma especialidade da ciência usados na atividade de pesquisa, presentes em todo o desenvolvi-
enquanto prática, visando a descoberta da verdade (Lowy: 1985, 9- mento do trabalho e cruciais na primeira etapa. São eles: teoria,
16). Mannheim fala da questão reafirmandoaestreita relação entre conceito, noção, categoria, hipótese e pressupostos: e

interesses específicos de classe e teorias, métodos e preocupações (a) Chamamos Teoria a um conjunto inter-relacionado de princí- /
sociológicas. pios e definições que servem para dar organização lógica a aspectos
92 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 93

selecionados da realidade empírica. Uma teoria reúne um conjunto metidos da construção dos conceitos, chamando atenção para a
de pressupostos e axiomas (uma afirmação cuja verdade é evidente necessidade de apreendê-los, analisá-los e defini-los como historica-
e universalmente aceita em determinada disciplina), proposições mente específicos e socialmente condicionados. A própria hierar-
logicamente inter-relacionadas e empiricamente verificáveis. As pro- quização dos conceitos, numa determinada teoria, revela a que
posições de uma teoria são consideradas leis se já foram suficien- aspectos da realidade se dá maior atenção. Não se trata apenas de
temente comprovadas, e hipóteses, se constituem ainda problema de compreender alguns como sendo logicamente mais elaborados (e o
investigação. Na realidade, tanto leis como hipóteses estão sempre são), mas também de entender as determinações sociológicas presen-
sujeitas à problematização e à reformulação. A essência de uma teoria tes na sua construção.

consiste na sua potencialidade de explicar uma gama ampla de Daí ser importante introduzir o termo Noção. Etimologicamente
a palavra Conceito vem de concepção, isto é, está vinculada à subje-
[nn

fenômenos através de um esquema conceitual ao mesmo tempo


abrangenteesintético. tividade, ele é concebido. Por noção entendemos aqueles elementos de
O marxismo (uma teoria, ele mesmo) insiste no fato de que todas uma teoria que ainda não apresentam clareza suficiente e são usados
as teorias são historicamente construídas, expressam interesses de como “imagens” na explicação do real. Eles expressam também o
classe porque são “representação do real” a partir de determinadas caminho do pensamento. Ou seja, expressam a relação intrínseca
escolhas articuladas com a prática social. Elas são portanto formas entre a experiência e a construção do conhecimento. Ninguém coloca
de conhecimento e de desconhecimento, na medida em que projetam uma pergunta se nada sabe da resposta, pois então não haveria o que
luz sobre determinados aspectos da realidade e ocultam outros, num perguntar. Todo saber está baseado em pré-conhecimento, todo fato
evidenciamento de limitações lógicas e sociológicas (Lukács: 1967, e todo dado já são interpretações, são maneiras de construirmos e de
233; Lowy: 1985, 15-35). selecionarmos a relevância da realidade:
A relação dialética entre teoria e realidade empírica se expressa no
fato de quea realidade informaateoria que por sua vez a antecede, “Se não quisermos que as categorias analíticas que adotamos
permite percebê-la, formulá-la, dar conta dela, fazendo-a distinta, permaneçam estranhas ao objeto”, diz Demo, “devemos aceitar a
num processo sem fim de distanciamento e aproximação. A teoria existência de noções prévias” (Demo: 1981, 18).
domina a construção do conhecimento através de conceitos gerais
provenientes do momento anterior. Seu aprofundamento, de forma (c) Aos conceitos mais importantes dentro de uma teoria deno-
crítica, permite desvendar dimensões não pensadas a respeito da minamos CarEGoRIAS. O termo “categoria” possui uma conotação
realidade que não é evidente e que não se dá: ela se revela a partir de classificatória. Theodorson & Theodorson, por exemplo, definem as
interrogações elaboradas no processo de construção teórica; categorias como conceitos usados com finalidade de classificação
(b) Toda construção teórica é um sistema cujas vigas mestras estão (1970, 39). Dentro de um visão positivista:
representadas pelos Concertos. Os conceitos são as unidades de
significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria. “As categorias são rubricas ou classes as quais reúnem um gru-
Podemos considerá-los como operações mentais que refletem certo po de elementos sob um título genérico, agrupamento esse efe-
ponto de vista a respeito da realidade, pois focalizam determinados tuado em razão dos caracteres comuns desses elementos” (Bar-
aspectos dos fenômenos, hierarquizando-os. Desta forma eles se din: 1979, 117).
tornam um caminho de ordenação da realidade, de olhar os fatos e as
relações, e ao mesmo tempo um caminho de criação. o conceito é usado por Bardin de forma instrumental dentro da
A teoria marxista torna evidente os aspectos históricos e compro- técnica de análise de conteúdo.
94 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA
FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 95

Na “Introdução” à Crítica da Economia Política (1973, 211-241), (d) Definimos Hiróreses como afirmações provisórias a respeito de
Marx faz uso por diversas vezes do termo “categoria” para indicar determinado fenômeno em estudo. São afirmações para serem testa-
conceitos relativos à realidade historicamente relevantes, expressan- das empiricamente e depois confirmadas ou rejeitadas. Uma hipótese
do os aspectos fundamentais dentro de sua abordagem, das relações científica deriva de um sistema teórico e dos resultados de estudos
dos homens entre si e com a natureza. Para o marxismo as categorias anteriores e portanto fazem parte ou são deduzidas das teorias, mas
não são entidades, são construídas através do desenvolvimento do
também podem surgir da observação e da experiência nesse jogo
conhecimento e da prática social. Trabalho, Classe Social, Família, sempre impreciso e inacabado que relaciona teoria e prática.
Consciência de Classe, por exemplo, são categorias que expressam a Goode & Hatt propõem algumas condições para a formulação de
unidade das relações entre o histórico e o lógico.
hipóteses em ciências sociais que resumimos a seguir: (a) que sejam
Para a finalidade deste trabalho, distinguimos entre Categorias conceitualmente claras, parcimoniosas e com poder explicativo,
Analíticas e Categorias Empíricas. As primeiras são aquelas que retêm chegandoa definir sua operacionalidade; (b) que tenham referências
historicamente as relações sociais fundamentais e podem ser consi- empíricas, isto é, que estejam relacionadas com os fenômenos concre-
deradas balizas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos tos que se pretende estudar; (c) que sejam relacionadas com as
gerais. Elas mesmas comportam vários graus de abstração, genera- técnicas disponíveis, isto é, possibilitem a apreensão empírica dos
lização e de aproximação. As segundas são aquelas construídas com aspectos que se quer investigar (Goode & Hatt: 1969, 40-47).
finalidade operacional, visando ao trabalho de campo (a fase empí- Da mesma forma que os termos problematizados anteriormente,
rica) ou a partir do trabalho de campo. Elas têm a propriedade de as Hipóteses têm sua história, fazem parte do quadro de preocupações
conseguir apreender as determinações e as especificidades que se teórico-práticas do investigador, e das preocupações dominantes
expressam na realidade empírica. Por exemplo, Consciência Social e
numa época. Ou seja, perguntamo-nos por aspectos da realidade
Consciência de Classe, Representação Social, se situam como categorias que a ciência — historicamente condicionada —se interessa.
de análise, num nível elevado de abstração. Concepção Social de Saúde
O próprio termo “hipótese” possui uma conotação positivista que
Doença é um conceito operacionalizável a partir das categorias analíti-
crê na possibilidade do conhecimento objetivo da realidade e nas
cas citadas acima. Por outro lado, se surge através do trabalho de provas estatístico-matemáticas como comprovadoras da objetivi-
campo uma expressão como “Doença de Deus” em oposição a dade. Hoje tanto o marxismo como a fenomenologia, embora incor-
“Doença dos Homens”, a compreensão dessas duas categorias poremo conceito de “hipótese”, o reinterpretam e o problematizam.
empíricas a partir do ponto de vista dos atores sociais, possibilita Na abordagem qualitativa, as hipóteses perdem a sua dinâmica
desvendar relações específicas do grupo em questão. Isto é, permite formal comprobatória para servir de caminho e de baliza no con-
revelar condições empíricas mistificadas, concepções peculiares do fronto com a realidade empírica. Costuma-se até a usar o termo
objeto e relações dinâmicas desse segmento no que diz respeito à Pressurostos para falar de alguns parâmetros básicos que permitem
sociedade e à natureza. Essa categoria empírica, construída a partir dos encaminhar a investigação empírica qualitativa, substituindo-se as-
elementos dados pelo grupo social, tem todas as condições de ser sim o termo Hipótese com conotações muito formais da abordagem
colocada no quadro mais amplo de compreensão teórica da realidade, quantitativa.
e de, ao mesmo tempo, expressá-la em sua especificidade. Permite Com relação a essa temática se estabelece uma polêmica histórica
avançar o conhecimento a partir da categoria analítica “represen- que a nosso ver constrói uma falsa dicotomia entre dados quantita-
tações sociais” operacionalizada numa categoria empírica, por sua tivos e dados qualitativos. A tendência é de se atribuir a pecha de
vez adquirindo possibilidade analítica; imprecisão aos últimos, no sentido que não permitem testes “preci-
sos” como a “abordagem científica” exige. Daí que, quando surge a
FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 97
96 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA
po de práticas, onde as questões que incitam nossa curiosidade
questão da verificação, muitos analistas se voltam para os dados teórica se concentram, como por exemplo, Saúde do Trabalhador,
quantificáveis. : Espe a
Políticas Públicas, Saúde e Cultura, Educação e Saúde etc. No interior
É necessário ultrapassar esse viés positivista das ciências sociais e dessa Área de Interesse que antecede e ultrapassa um projeto específi-
quando for possível quantificar, quantifiquemos, mas não Ee co, se situa a questão da definição do Objeto ou a definição do
mos aí a cientificidade do trabalho. Os dados “qualitativos” são Problema. Trata-se de um recorte capaz de conter relações essenciais
importantes na construção do conhecimento e, tambémeles, podem e expressar especificidade.
permitir o início de uma teoria ou a sua reformulação, alba ou
Do ponto de vista prático o Objeto é geralmente colocado em for-
clarificar abordagens já consolidadas, sem que seja necessária a ma de pergunta — é uma questão — e se vincula a descobertas
comprovação formal quantitativa. O princípio geraléde que todos os anteriores e a indagações provenientes de múltiplos interesses (de
dados devem ser articulados coma teoria. A observaçãocientífica, ordem lógica e sociológica). A clareza e a precisão nesse primeiro
seja a partir de hipóteses bem delineadas, seja com pressupostosmais instante decorre de uma relação dialética entre o esforço de estabe-
gerais, é sempre polêmica, confirma ou infirma teses ane lecer marcos conceituais o mais possível amplos e abrangentesedeos
A natureza mais aberta e interativa de um trabalho qualitativo que articular à prática. Ou seja, de os vincular aos interesses e problemas
envolve observação participante, permite que o investigador com-
que estão mobilizando a escolha do tema. O real está sempre colocado
bineo afazer de confirmar ou infirmar hipóteses com as vantagens ie como premissa, embora operacionalmente partamos da elaboração
uma abordagem não-estruturada. Colocando interrogações que vão
do abstrato para o concreto.
sendo discutidas durante o processo de trabalho de campo, ela Para o delineamento do objeto, a primeira tarefa a que nos pro-
elimina questões irrelevantes, dá ênfase adeterminadosaspectos que pomos é um trabalho de pesquisa bibliográfica, capaz de projetar luz
surgem empiricamente e reformula hipóteses iniciais e provisórias: e permitir uma ordenação ainda imprecisa da realidade empírica.
Essas observações que têm como ênfase a questão das tpóteses na Esse labor inicial tem algumas condições necessárias:
abordagem qualitativa fazem-nos voltar para umClássico daantro- A primeira é de que a bibliografia seja suficientemente ampla para
pologia funcionalista, Malinowski, mas que nesse Radarpratica- traçar a moldura dentro da qual o objeto se situa: a busca de vários
vaum raciocínio dialético. De acordo com sua orientação, E investiga pontos de vista, dos diferentes ângulos do problema que permitam
dor tem que se esmerar na constituição, ampliação e articulação de estabelecer definições, conexões e mediações, e demonstrar o “esta-
seu quadro teórico. É esse referencial queslhe permite BRR IPSTEREr do da arte”. Vejamos um exemplo. Suponhamos as Concepções de
perguntas fundamentais para compreensão da Tealidade empírica. Saúde-Doença de determinado segmento social como objeto de in-
Porém, deve conservar uma abertura e flexibilidade Fapazesde, vestigação. A sua compreensão implica uma pesquisa bibliográfica
apesar da teoria, descobrir as particularidades da Feslidade empírica que inclua: (a) historicamente o perfil do determinado segmento: sua
(Malinowski: 1980, 17-24). Certamente essas observações c: locam o inserção nas relações sociais de produção, suas condições de vida e
trabalho científico bem acima de uma postura técnica de com- de trabalho, consumo, acesso a bens e serviços e em especial àqueles
provação ou infirmação de hipóteses. que se referem ao conceito de Saúde vigente; (b) o conceito historica-
mente construído de Saúde que vamos adotar, incluindo aí as políti-
A DeriniçÃo DO OBJETO cas do setor que o situam do ponto de vista dominante; (c) o conceito
de representação social que torna operacional a investigação e a
Geralmente quando nos propomos a iniciar uma atividade E análise.
pesquisa, nós a situamos dentro de um quadro de Pee paRDes
Ora, o desenho desse quadro inicial exige o domínio anterior de
teórico-práticas. Ou seja, temos uma Area de Interesse que é um cam-
98 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 99

algumas categorias analíticas fundamentais que constituem pontos todos os seus aspectos e sempre provisória dentro da abordagem
de referência gerais numa análise dialética, como Modo de Produ- dialética que adotamos); (b) Justificativa: que descreve os motivos
ção, Formação Social, Classes, Consciência Social (de Classe e Sani- vivenciais e teóricos que impulsionaram a escolha do objeto. Colo-
tária). Porém, essas categorias não necessitam estar presentes no cando-se aí as principais indagações do pesquisador; (c) Marco
discurso teórico que organiza o projeto de pesquisa. Dele devem conceitual teórico-metodológico onde se estabelecem os principais
constar as definições que se fazem necessárias para fazer surgir do conceitos, categorias e noções com as quais se vai trabalhar, definem-
“caos inicial” o objeto específico com seus contornos gerais. se as hipóteses ou pressupostos da investigação e o “caminho do
O segundo aspecto a ser observado em relação à bibliografia diz pensamento” que orientará o trabalho.
respeito à sua leitura. É necessário abordá-la como um exercício de Seria óbvio dizer que todos os cuidados aqui apresentados fazem
crítica teórica e prática. Ou seja, na pesquisa bibliográfica devemos parte do esforço metódico de objetivação, isto é, da honestidade
destacar as categorias centrais, os conceitos e as noções usadas pelos teórica do pesquisador frente a seu objetivo e à comunidade cientí-

tm,
diferentes autores. Além disso, porém, faz-se mister destacar os fica.
pressupostos teóricos e as razões práticas que subjazem aos traba-
2

lhos que consultamos. Esse exercício hermenêutico é fundamental


CONSTRUÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE PESQUISA
para o esclarecimento da posição que vamos adotar.
O terceiro ponto relativo ao material de consulta tem um caráter Ao nível da pesquisa qualitativa os instrumentos de trabalho de
disciplinar e operacional, também necessário no processo de objeti- campo são: o roteiro de entrevista, os critérios para observação
vação. Trata-se da tarefa de fichamento onde todoo estudo vai sendo participantee os itens para discussão de grupos focais.
cuidadosamente classificado e ordenado: (a) Fichamento bibliográfi- Nesta altura do trabalho falamos já explicitamente da pesquisa
co: cada livro, artigo, capítulo de livro, documento, recorte de jornal, qualitativa porque estamos num espaço muito próximo à realidade
todo o material trabalhado vai recebendo uma ficha própria (dentro empírica e totalmente ligada aos marcos conceituais do método.
das regras de fichamento bibliográfico oficiais), em ordem alfabética I — O rotero DE EnTrEvIsTA difere do sentido tradicional do
por autor ou por assunto, conforme a opção do investigador; (b) questionário. Enquanto este último pressupõe hipóteses e questões
Fichamento por assunto: onde as matérias lidas são resumidas e bastante fechadas, cujo ponto de partida são as referências do pesquisa-
criticadas e com anotações do leitor. É importante nesse tipo de dor, o roteiro tem outras características. Visando a apreender o ponto
fichamento que o investigador destaque os principais conceitos de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa, o
usados pelo autor no seu trabalho; (c) Fichamento por temas, que roteiro contém poucas questões. Instrumento para orientar uma
reúne anotações e resumos a respeito de questões especificamente “conversa com finalidade” que é a entrevista, eledeveserofacilitador
pertinentes ao contorno do objeto de estudo; (d) Fichamento de de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação.
citações, com o devido cuidado de indicar páginas, data de publi- Dele constam apenas alguns itens que se tornam indispensáveis para
cação e contexto da citação. Essa modalidade de fichamento pode ser o delineamento do objeto, em relação à realidade empírica e devem
incluída na classificação por temas ou por assuntos. responder às seguintes condições: (a) cada questão que se levanta,
No caminho entre as idéias iniciais que induziram à escolha faça parte do delineamento do objeto e que todas se encaminhem para
bibliográfica, a leitura dos textos e as indagações referentes à reali- lhe dar formae conteúdo; (b) permita ampliar e aprofundar a comu-
dade empírica (que aparece sempre como premissa), o investigador nicação e não cerceá-la; (c) contribua para emergir a visão, os juízos
organiza o discurso teórico da pesquisa que pode se apresentar da e as relevâncias a respeito dos fatos e das relações que compõem o
seguinte forma: (a) Definição do Objeto (definição como recorte em objeto, do ponto de vista dos interlocutores.


100 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 101

Roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo, portanto não pode da realização das entrevistas. Ou pelo contrário, o investigador
prever todas as situações e condições de trabalho de campo. É dentro decide estabelecer de antemão o conteúdo e a forma de debate para
dessa visão que deve ser elaborado usado. No processo de pesquisa queos grupos focais se processem pari passu com as outras técnicas de
pode surgir a necessidade da elaboração de um questionário fechado abordagem. É possível também que se tomem as discussões em grupo
para captar aspectos considerados relevantes para iluminar a com- comoo instrumento principal de abordagem da pesquisa. Daí que o
preensão do objeto, estabelecer relações e generalizações. Éiimpor- conteúdo dos grupos de estudo vai diversificar: (a) pode ter um papel
tante o uso de várias técnicas e não há oposição entre elas. O princípio complementar, dando ênfase a alguns aspectos considerados rele-
básico para elaboração do questionário é o mesmo que adotamos em vantes; (b) pode repetir as questões do roteiro para se perceber a
relação ao roteiro: cada questão tenha como pressuposto o marco realização da interação individual e grupal; (c) pode merecer um
teórico desenhado para a construção do objeto. aprofundamento sucessivo, em várias sessões, tomando um caráter
Il — Com relação aos instrumentos para a OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE, substantivo na pesquisa.
é importante que o investigador tome algumas decisões nesse mo- A investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a
mento preparatório. Ou seja, será uma observação livre ou realizada abertura, a flexibilidade, a capacidade de observaçãoe de interação
através de roteiro específico? Abrangerá o conjunto do espaço e do com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos.
tempo previsto para o trabalho de campo ou se limitará a instantes e/ Seus instrumentos costumam ser facilmente corrigidos e readapta-
oua aspectos da realidade, dando ênfase a determinados elementos dos durante o processo de trabalho de campo, visando às finalidades
na interação? da investigação. Mas não se pode ir paraa atividade de campo sem
De acordo com os objetivos da pesquisa, deve-se estabelecer a se prever as formas de realizá-lo. Improvisá-lo significaria correr o
forma e o conteúdo dessa atividade fundamental na abordagem risco de romper os vínculos como esforço teórico de fundamentação,
qualitativa, ainda que no processo da investigação se perceba a necessário e presente em cada etapa do processo de conhecimento.
necessidade de realizar mudanças. Lembramos que toda a obser-
vação deve ser registrada num instrumento que convencionamos
ExrLoRrAçÃO DO CAMPO
chamar DIÁRIO DE CAMPO. Desse caderno constam todas as informa-
ções que não sejam o registro das entrevistas formais. Ou seja, À EXPLORAÇÃO DO CAMPO contempla as seguintes atividades: (a)
observações sobre conversas informais, comportamentos, cerimo- escolha do espaço da pesquisa; (b) escolha do grupo de pesquisa; (c)
niais, festas, instituições, gestos, expressões que digam respeito ao estabelecimento dos critérios de amostragem; (d) estabelecimento
tema da pesquisa. Fala, comportamentos, hábitos, usos, costumes, de estratégia de entrada em campo.
celebrações e instituições compõem o quadro das REPRESENTAÇÕES Pouco temosa dizer sobre os dois primeiros itens, a não ser lem-
SOCIAIS. brar a sua adequação prática ao delineamento do objeto teórico.
HI —Da mesma forma que os anteriores, os instrumentos para Sabemos que esse momento envolve interação, conhecimento e con-
debate dos GRuPros rocais (caso a organização do trabalho os preveja) tatos anteriores, experiênciase lastros de trabalho e de envolvimento
necessitam ser aqui delineados. Pode-se, por exemplo, decidir que os que ultrapassam as preocupações lógicas do investigador.
temas de discussão e a dinâmica adequada serão escolhidos depois A questão da amostragem em pesquisa qualitativa merece co-
mentários especiais de esclarecimento. Ela envolve problemas de
escolha do grupo para observação e para comunicação direta. A
S Termos empregados aqui genericamente como entrevista, observação partici-
quem entrevistar, a quem observar e o que observar, o que discutir e
pante, representações sociais, trabalho de campo, estão conceituados eproblematizados
no terceiro capítulo deste estudo. com quem discutir?
102 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA 103

Numa abordagem quantitativa, definida a população, busca-se abranger todos os atores que compõem o programa, com ênfase no
um critério de representatividade numérica que possibilite a gene- grupo social mais relevante para a investigação, isto é, famílias com
ralização dos conceitos teóricos que se quer testar. Numa busca crianças cuja faixa etária se inclui nessa política de saúde. Mas den-
qualitativa, preocupamo-nos menos com à generalização e mais tro desse grupo seria interessante recobrir mães que recebem os
com o aprofundamento e abrangência da compreensão seja de um benefícios do programa e outras que não recebem, permitindo con-
grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política trastes e comparações. É necessário, por outro lado, incluir a insti-
ou de uma representação. tuição pública, os profissionais e agentes de saúde responsáveis pela
Seu critério portanto não é numérico. Podemos considerar que aplicação da política. E por fim abordar outros sujeitos sociais
uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas relacionados com a questão como farmacêuticos, curandeiros, reza-
múltiplas dimensões. Portanto propomos alguns critérios básicos deiras etc. Muitos atores sociais serão descobertos no decorrer da
para a amostragem: (a) definir claramente o grupo social mais pesquisa, no efeito de inclusão progressiva na amostragem. Certa-
relevante para as entrevistas e para a observação; (b) não se esgotar mente o número de pessoas é menos importante do que a teimosia de
enquanto não delinear o quadro empírico da pesquisa; (c) embora enxergar a questão sob várias perspectivas, pontos de vista e de
desenhada inicialmente como possibilidade, prever um processo de observação.
inclusão progressiva encaminhada pelas descobertas do campo e A questão da validade dessa amostragem está na sua capacidade
seu confronto coma teoria; (d) prever uma triangulação. Isto é, em de objetivar o objeto empiricamente, em todas as suas dimensões.
lugar de se restringir a apenas uma fonte da dados, multiplicar as À ESTRATÉGIA DE ENTRADA em campo tem que prever os detalhes do
tentativas de abordagem. primeiro impacto da pesquisa, ou seja, como apresentá-la, como
Como consegiiência, a amostragem qualitativa: (a) privilegia os apresentar-se, a quem se apresentar, através de quem, com quem

sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende estabelecer os primeiros contatos. O processo de investigação prevê
conhecer; (b) considera-os em número suficiente para permitir uma idas ao campo antes do trabalho mais intensivo, o que permite o
certa reincidência das informações, porém não despreza informa- fluir da rede de relações e possíveis correções já iniciais dos instru-
ções ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta; mentos de coleta de dados. Por fim, terminada essa fase bastante
(c) entende que na sua homogeneidade fundamental relativa aos prática mas crucial para o desenvolvimento da investigação, serão
atributos, o conjunto de informantes possa ser diversificado para estabelecidos os primeiros contatos e o calendário de viabilidade e
possibilitar a apreensão de semelhanças e diferenças; (d) esforça-se realização da etapa empírica.
para quea escolha do locus e do grupo de observação e informação A Fase Exploratória termina formalmente com a entrada em
contenham o conjunto das experiências e expressões que se pretende campo. Na realidade, como temos repetido por diversas vezes, as
objetivar com a pesquisa. etapas se interpenetram e o esforço de delinear esse começo de
Tomemos como exemplo uma pesquisa da Avaliação Qualitativa caminho tem sua raiz na teoria e na prática.
da Atenção Primária à Saúde numa favela. A amostragem tem que Talveza insistência na disciplina e método de construção teórica
e instrumental possa parecer ênfase demasiada na tecnologia. Po-
rém, da nossa parte, esse aviso de cuidados vem da experiência da
é Triangulação é um termo usado nas abordagens qualitativas para indicar o uso área. São muitos os estudos que encontramos que desdenham ora as
concomitante de várias técnicas de abordagens e de várias modalidades de análise, de referências teóricas como seo real fosse evidente, ora o trabalho de
vários informantes e pontos de vista de observação,visando à verificação e validação
da pesquisa. Falamos mais extensivamente sobre o tema na parte de Validação e campo como se a teoria fosse fruto de especulação e o que pensamos
Verificação. refletisse a imagem do pensado.
a]
104 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA

A abordagem dialética heurística parte de um quadro conceitual


(que tem como premissa a realidade empírica) para levantar o
conjunto de determinações e especificidades do real concreto. Va-
mos portanto para o Trabalho de Campo!

CAPÍTULO 3
FASE DE TRABALHO DE CAMPO

Ee por Campo, na pesquisa qualitativa, o recorte


espacial que corresponde à abrangência, em termos empíricos, do
recorte teórico correspondente ao objeto da investigação. Por exem-
plo, se se trata de entender as concepções de saúde/doença de
determinado grupo social; se se trata de entender a relação pedagó-
gica entre médico/ paciente; se se busca compreender o impacto de
determinada política pública para a população, cada um desses
temas corresponde a um campo empírico determinado. A pesquisa
socialtrabalha com gente, com atores sociais em relação, com grupos
específicos. Esses sujeitos de investigação, primeiramente, são cons-
truídos teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No
campo, fazem parte de uma relação de intersubjetividade, de inte-
ração social com o pesquisador, daí resultando um produto novo e
confrontante tanto coma realidade concreta como com as hipóteses
e pressupostos teóricos, num processo mais amplo de construção de
conhecimentos.
O trabalho de campo constitui-se numa etapa essencial da pes-
quisa qualitativa, que a rigor não poderia ser pensada sem ele. Opõe-
seaos“surveys” que trazemos sujeitos parao laboratório do pesquisa-
dor, mantém com eles uma relação estruturada, segundo Mali-
nowski, “um excelente esqueleto ao qual faltam carne e sangue”.
Na pesquisa qualitativa a interação entre o pesquisadore os sujeitos
pesquisados é essencial. Sua preocupação é de que “todo o corpo e
sangue da vida real componham o esqueleto das construções
abstratas”.
105

Das könnte Ihnen auch gefallen