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2015
ISBN 978-85-02-63541-8
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César – São Paulo – SP
CEP 05413-909
PABX: (11) 3613 3000
SAC: 0800 011 7875
De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 Direito penal : parte geral / obra coletiva de autoria
www.editorasaraiva.com.br/contato da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia
e Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva,
2015.
Direção editorial Luiz Roberto Curia
Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues 1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Curia, Luiz
Roberto. II. Rodrigues, Thaís de Camargo. III. Título.
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria
Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e CDU-343 (81)
Ana Cristina Garcia (coords.)
Willians Calazans de Vasconcelos de Melo Índice para catálogo sistemático:
Projeto gráfico Isabela Agrela Teles Veras 1. Brasil: Direito penal 343 (81)
Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras
Claudirene de Moura Santos Silva
Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Data de fechamento da edição: 7-7-2015
Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.)
Dúvidas?
Rita de Cássia Sorrocha Pereira
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva
Kelli Priscila Pinto Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer
Marília Cordeiro meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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1. A CIÊNCIA PENAL

1.1. História do Direito Penal, 12


1.1.1. História do Direito Penal no Brasil, 13
1.2. Controle Social, Ciências Penais e Estado Democrático de Direito,
16
1.3. O Direito Penal, 16
1.3.1. Conceito, características e funções, 16
1.3.2. Fontes, 16
1.3.2.1. Analogia em Direito Penal, 17
1.3.3. O Direito Penal e as demais Ciências Jurídicas, 18

2. PRINCÍPIOS NORTEADORES, GARANTIDORES


E LIMITADORES DO DIREITO PENAL

2.1. Princípios constitucionais e infraconstitucionais, 22

3. TEORIA DA NORMA JURÍDICO-PENAL

3.1. Teoria da Norma. A Norma Jurídico-Penal, 28


3.2. Classificação, 28
3.3. Norma penal do mandato em branco – confronto com o Princípio
da Legalidade, 29
3.4. Conflito aparente de normas, 29
3.4.1. Princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis), 30
3.4.2. Princípio da subsidiariedade (lex primaria derogat legi subsi-
diariae), 31
3.4.3. Princípio da consunção ou da absorção (lex consumens dero-
gat legi consumptae), 31
3.4.4. Princípio da alternatividade, 32

4 . VALIDADE E EFICÁCIA DA LEI PENAL


NO TEMPO E NO ESPAÇO

4.1.Conflito de leis penais no tempo, 34


4.2. Leis excepcionais e leis temporárias, 34
4.3. Tempo do crime, 35
4.3.1. A questão do crime continuado, 36

!
4.4. A lei penal no espaço, 36
4.4.1. Foro competente, 36
4.4.2. Territorialidade da lei penal (CP, art. 5º), 37
4.4.3. Extraterritorialidade da lei penal (CP, art. 7º), 37
4.4.3.1. Condições aplicáveis aos casos de extraterritorialidade
condicionada, 39
4.4.3.2. Extraterritorialidade na Lei de Tortura, 39
4.4.3.3. Princípio do non bis in idem (CP, art. 8º), 39

5. TEORIA DO DELITO

5.1. O caráter fragmentário do Direito Penal, 42


5.2. Conceito de crime, 42
5.2.1. Conceito material e formal, 42
5.2.2. Conceito analítico, 42
5.3. Sistemas penais e os elementos constitutivos do crime, 44
5.4. O sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”), 44
5.4.1. Críticas ao sistema clássico, 45
5.4.2. Resumo dos elementos do crime para os “clássicos”, 47
5.5. Sistema neoclássico (Frank/Mezger), 48
5.5.1. Resumo dos elementos do crime para os “neoclássicos”, 49
5.6. Sistema finalista (Hans Welzel), 49
5.6.1. Teoria finalista da ação, 51
5.6.2. Estrutura do crime no sistema finalista, 51
5.6.2.1. Fato típico, 51
5.6.2.2. Ilicitude, 52
5.6.2.3. Culpabilidade, 52
5.6.3. Teoria social da ação (Wessels e Jescheck), 52
5.7. Sistema funcionalista, 53
5.7.1. Introdução, 53
5.7.2. Imputação objetiva, 54
5.7.2.1. Conceito, 54
5.7.2.2. Origem, 54
5.7.2.3. Substituição da relação de causalidade material, 55
5.7.2.4. Insuficiência das teorias tradicionais, 56
5.7.2.5. Natureza jurídica, 57
5.7.3. Linhas mestras da imputação objetiva segundo Roxin, 58

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5.7.3.1. Criação de um risco relevante e proibido, 58


5.7.3.2. Realização do risco proibido e relevante no resultado, 59
5.7.3.3. Risco compreendido no alcance do tipo, 60
5.7.4. A imputação objetiva segundo Jakobs, 60
5.7.4.1. A imputação objetiva é vinculada a uma sociedade
concretamente considerada, 60
5.7.4.2. O contato social gera riscos, 61
5.7.4.3. A imputação objetiva enfoca apenas comportamentos
que violam determinado papel social, 61
5.7.4.4. Fundamentos da imputação objetiva, 61
5.7.5. Diferenças entre Roxin e Jakobs no contexto da teoria da im-
putação objetiva, 63
5.7.6. Regras extraídas da imputação objetiva (Damásio de Jesus), 63
5.7.6.1. Princípios auxiliares, 64

6. DO FATO TÍPICO E SEUS ELEMENTOS

6.1. Fato típico, 66


6.2. Conduta, 66
6.3. Resultado, 66
6.3.1. Classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico, 67
6.3.2. Classificação dos crimes quanto ao resultado jurídico, 67
6.4. Relação de causalidade, 68
6.4.1. Causas dependentes e independentes, 69
6.5. Tipo penal, tipicidade e adequação típica, 71
6.5.1. Conceito, 71
6.5.2. Adequação típica, 72
6.5.3. Tipicidade conglobante, 73
6.6. Dolo, 73
6.7. Culpa, 74

7. ILICITUDE

7.1. Conceito, teorias, 76


7.2. Causas de justificação. Descriminantes legais, supralegais e putativas, 76
7.3. Estado de necessidade, 77
7.3.1. Teorias, 77
7.3.2. Faculdade ou direito, 77
7.3.3. Requisitos, 77

!
7.3.4. Classificação, 79
7.4. Legítima defesa, 80
7.4.1. Requisitos, 80
7.4.2. Commodus discessus, 83
7.4.3. Excesso, 83
7.4.4. Classificação, 83
7.4.5. Ofendículos, 84
7.4.6. Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade, 84
7.5. Estrito cumprimento de dever legal, 85
7.6. Exercício regular de direito, 85

8. CULPABILIDADE

8.1. Conceito, natureza e fundamento jurídico, 88


8.2. Elementos da culpabilidade na concepção finalista, 88
8.2.1. Imputabilidade, 88
8.3. Causas de exclusão da culpabilidade, 89
8.4. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de ex-
clusão da culpabilidade, 92

9. TEORIA DO ERRO

9.1. Conceito de erro. Distinção entre erro de tipo e erro de proibição:


natureza jurídica e efeitos, 96
9.2. Erro de tipo essencial e acidental, 96
9.2.1. Erro de tipo essencial, 97
9.2.2. Erro de tipo incriminador (art. 20, caput) e permissivo (art.
20, § 1º). Diferença, 97
9.3. Descriminantes putativas e as teorias extremada e limitada da cul-
pabilidade, 97
9.4. Erro provocado por terceiro, erro sobre o objeto, erro sobre pessoa,
erro na execução (aberratio criminis), 98
9.5. Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis), 100
9.6. Erro de proibição, 101
9.6.1. Coação moral irresistível putativa e obediência hierárquica
putativa, 101
9.6.2. Erro sobre a inimputabilidade, 101

10. CONCURSO DE PESSOAS

10.1.Conceito e nomenclatura, 104

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10.2.Teorias e requisitos do concurso de pessoas, 104


10.3. Autoria, 105
10.4. Participação, 106
10.5. Concursos em crimes culposos, 106
10.6. Homogeneidade de elementos subjetivos, 107
10.7. Participação de menor importância e dolosamente distinta, 107
10.8. Autoria colateral e autoria incerta, 108

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345467! 8! .9:47 0L
Desde a Antiguidade até hoje verificamos grandes mudanças nos
FKHO )RXFDXOW 3X
EOLFDGR RULJLQDO
institutos criminais. Se analisarmos a pena, por exemplo, podemos tra-
PHQWH HP  çar a seguinte evolução: perda da paz ou vingança indeterminada, vin-
QD )UDQoD p GH gança limitada pela lei do talião, composição voluntária, composição
GLFDGR j DQiOLVH legal e pena pública (BRUNO, 1956, p. 70 e 71).
GDYLJLOkQFLDHGD Conforme ensina Aníbal Bruno, nas sociedades antigas, onde
SXQLomR TXH VH HQFRQWUDP HP
ainda não havia um órgão que exercesse a autoridade coletiva, o res-
YiULDVHQWLGDGHVHVWDWDLV KRVSLWDLV
peito às normas era baseado no temor religioso ou até mesmo má-
SULV}HV H HVFRODV  /HYD j GLVFXV
VmR VREUH RV VXSOtFLRV D WRUWXUD H
gico. E a punição, que era a vingança, visava aplacar a ira dos deuses
DVIRUPDVPRGHUQDVGHSULVmR (BRUNO, p. 66).
A religião sempre esteve muito presente no Direito Penal. Algumas
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normas podem servir de exemplo: Leis de Manu, Índia, sécs. 12 ou 13
8! =6<! @8A
:6<B &HVDUH
a.C., e Pentateuco ou Torá, dos hebreus, 1250 a.C. Até hoje normas com
%HFFDULD $ cunho religioso são utilizadas pelo Direito Penal de inúmeros países, em
REUD p XP especial os orientais.
PDUFR GR Remontando às sociedades mais primitivas, a vingança privada era
'LUHLWR 3HQDO URPSHQGR FRP D um ato de guerra entre tribos e não uma pena (BRUNO, p. 68). Entre os
DUELWUDULHGDGH H D FUXHOGDGH H
membros do grupo a pena era a expulsão, e essa pena equivalia à pena
DEULQGRDVSRUWDVSDUDRSHUtRGR
de morte, pois dificilmente o indivíduo conseguiria sobreviver fora dos
KXPDQLWiULR
domínios de proteção e cooperação de seu clã.
Procedendo dessa maneira poderia haver a completa dizimação de
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grupos inteiros. Surge, assim, a lei do talião, visando aplicar certa pro-
,!<8578=;!=;<!<89<! porcionalidade ao Direito Penal. Como exemplo, podemos citar o Códi-
;>D;<B! =478EF;! =8! go de Hamurabi, Babilônia, 2.083 a.C.
G96:!G;<H!16I@6A
Da vingança o Direito Penal evoluiu para a composição. Por esse
:8>>6B!JKKL#!2ÀOPH
método o autor do delito “comprava” a sua liberdade. Em vez da vin-
WUDWD GH XP FULPH
EiUEDUR OHYDQGR
gança de sangue era oferecido um valor suficiente para “cobrir” os danos
j UHÁH[mR VREUH sofridos pela vítima.
SXQLomRHVWDWDOSURSRUFLRQDOLGD
GHHYLQJDQoDSULYDGD

12)%,&%+*+-

3RGHPRVDÀUPDUTXHR'LUHLWR3HQDOVXUJHFRPRKRPHPHRDFRPSDQKD
DWUDYpV GRV WHPSRV 1R LQtFLR HUD DSHQDV XPD UHDOLGDGH VRFLROyJLFD LQVWLQWLYD
1mRKDYLDTXDOTXHUUHJXODPHQWDomRHDSXQLomRSRUXPFULPHHUDEDVHDGDQD
YLQJDQoDSULYDGD$UHDomRGDYtWLPDGHVXDIDPtOLDRXDWpGHVXDWULERRXFOm
DWLQJLDQmRDSHQDVRRIHQVRUPDVWRGRRVHXJUXSRVHPTXDOTXHUSURSRUomR
&RPRSDVVDUGRWHPSRVXUJHDOHLGRWDOLmREDVHDGDQR´ROKRSRUROKRGHQWH
SRUGHQWHµEXVFDQGRHTXLOtEULRHQWUHFULPHHFDVWLJR$RORQJRGRVVpFXORVDHYR
OXomRIRLOHQWD$SHQDVDSyVRVpFXOR;9,,,3HUtRGR+XPDQLWiULRpTXHR'LUHLWR Detalhe do Monólito com
o Código de Hamurabi
3HQDOSDVVDDWRPDURVFRQWRUQRVGRTXHFRQKHFHPRVKRMH (Museu do Louvre, França)

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Porém, todos esses métodos são de ordem privada. Com a evolução


QMIA2ORSPJM
social e uma maior organização estatal, aproximadamente a partir do
séc. XII, o Estado afastou a vingança privada e assumiu o poder-dever de &BT1UE%,&VSXQLomRFRUSRUDOTXH
aplicar a vingança pública. Torna-se dever do Estado manter a ordem e SRGH OHYDU j PRUWH SRU PHLR
fazer justiça. GHJUDQGHWRUWXUDFDVWLJRHOH
YDGR
As partes envolvidas perdem o direito de buscar por si próprias
uma solução. A nova postura é submeter-se a um poder externo, que é o &,5# *# WX%+.V VRE D SURWHomR
DPSDURRXSDWURFtQLR
Estado. Este substitui a vítima durante o processo.
Até o advento do período humanitário, essa justiça estatal era mar-
IJDK<ALKIA
cada pela influência religiosa, pela arbitrariedade dos processos e pela
crueldade das penas. 3,45)*&# +.#
Durante a Idade Média e a Moderna, o direito visava a proteção 6,7*8# +%).9
do príncipe e da religião. Suas práticas eram baseadas no arbítrio e na :;,# +.# <%9
1,&# =,)4*08#
crueldade, criando uma “atmosfera de incerteza, insegurança e justi-
>??@"#2ÀOPH
ficado terror” (BRUNO, p. 86). O direito era instrumento para que a
UHWUDWD R GL
nobreza e o clero permanecessem no poder político e econômico. UHLWR SHQDO
A ausência de proporcionalidade ou respeito à dignidade humana GR SHUtRGR
era vista na desigualdade de punição entre nobres e plebeus, na inde- GDV LQTXLVL
terminação das penas e na definição dos crimes, na falta de publicidade o}HV FRP
no processo, na ausência de defesa e nos meios inquisitoriais (BRUNO, FRPSOHWR GHVUHVSHLWR DRV SULQFt
SLRVSHQDLVHVSHFLDOPHQWHGDGLJ
p. 86).
QLGDGHKXPDQDHGDOHJDOLGDGH
Esses excessos criaram na consciência comum a exigência da ime-
diata reforma das leis penais, e assim inicia-se o período humanitário. A&# 2)BC*&# +.#
Personagem mais importante desse período é sem dúvida Cesare 3*1.48#+%).:;,#
+.# D%EF,1*&#
Beccaria, que publicou em 1764 a obra Dos delitos e das penas. Essa obra
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é um marco no Direito Penal, pois visava romper com o direito vigente, ÀOPH PRVWUD D
baseado em suplícios e no arbítrio dos reis. LQÁXrQFLD GD
Vivendo sob a égide do Iluminismo – de cunho racionalista e jus- UHOLJLmR QR 'L
naturalista – podemos afirmar que Beccaria sofreu a influência de filó- UHLWR TXDQGR
DOJXPDV MR
sofos como Locke, D’Alembert, Diderot, Hume, Montesquieu, Rousseau
YHQVVmRDFXVDGDVGHEUX[DULD2
e Voltaire. ÀOPH VH SDVVD HP 6DOHP 0DVVD
Beccaria propunha um direito baseado no respeito à personalidade FKXVHWWV
humana. Ele defendia a elaboração de leis claras e precisas, penas pro-
porcionais e o fim da pena de morte e da tortura.
As ideias de Beccaria foram aceitas e incluídas, mesmo que de modo IOPJM3J-A-K
ainda embrionário, na legislação de diversos países, como Rússia (1767),
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Toscana (1786), Áustria (1787), França (1791 e 1810) e na Declaração
UDQWHD,GDGH0pGLDpXPWLSRGH
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (FRAGOSO, 1959, p. 43 SURYDDUELWUiULDHFUXHOXVDGDSDUD
e 44). GHWHUPLQDU D FXOSD RX D LQRFrQ
FLD GR DFXVDGR FXMR UHVXOWDGR p
LQWHUSUHWDGRFRPRXPMXt]RGLYLQR
!"!"!#$%&'()%*#+,#-%).%',#/.0*1#0,#2)*&%1 ([HPSORRDFXVDGRSUHFLVDYDDQ
GDUVREUHDEUDVDRXSHJDUXPIHU
O Direito Penal brasileiro sempre recebeu influência do direito pe- URLQFDQGHVFHQWH6HQmRVHTXHL
nal europeu, em especial dos italianos e alemães. PDVVHVHULDFRQVLGHUDGRLQRFHQWH

!"
O Livro V das Ordenações Filipinas, de 1603, foi a legislação
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penal utilizada no Brasil durante o período colonial. Essa legislação
9HMDP DOJXQV H[HPSORV GH refletia o espírito dominante à época, que não distinguia o direito da
FULPHV SUHYLVWRV QDV 2UGHQDo}HV moral e da religião.
)LOLSLQDVGDIRUWHLQÁXrQFLDGDUH
Outra característica das Ordenações é a extrema crueldade das pe-
OLJLmR H GD LQWURPLVVmR GR (VWDGR
QDYLGDSULYDGD nas, que também eram um reflexo da época, duramente combatida por
ō7tWXOR,²'RVKHUHJHVHDSyV Beccaria e outros iluministas.
WDWDV DV SHQDV ² FRUSRUDLV H GH Como se viu acima, a pena para sodomia, por exemplo, era extre-
FRQÀVFR²HUDPGHWHUPLQDGDVSH mamente desumana. O texto original dizia: “Toda a pessoa, de qualquer
ORV MXt]HV HFOHVLiVWLFRV H H[HFXWD
GDVSHORJRYHUQRFLYLO 
qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira comet-
ō 7tWXOR ,,, ² 'RV IHLWLFHLURV
ter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e
SHQDGHPRUWH  sepultura possa haver memória”.
ō 7tWXOR ;,,, ² 'RV TXH FRPH No Brasil temos o exemplo de Tiradentes, que foi condenado à
WHP SHFDGR GH VRGRPLD H FRP morte pelo crime de lesa-majestade, e, após ser enforcado, teve seu cor-
DOLPiULDV SHQD GH PRUWH QD IR
po esquartejado e seus membros fincados em postes e colocados à beira
JXHLUDFRQÀVFRGHEHQVHÀOKRVH
QHWRVFRQVLGHUDGRVLQIDPHV  das estradas como “exemplo” para os demais súditos da coroa. Era a in-
ō 7tWXOR ;;9 ² 'R TXH GRUPH timidação pelo terror.
FRP PXOKHU FDVDGD SHQD GH O Direito Penal desse período era visto como primeira ou única
PRUWH  opção. As condutas hoje abarcadas por outras áreas do direito, como o
ō7tWXOR;&,9²'RVPRXURVHMX administrativo ou civil, recebiam tratamento penal. Ex. Título LXXXI –
GHXVTXHDQGDPVHPVLQDO SHQD
Dos que dão música de noite (pena de prisão por 30 dias, multa e perda
SHFXQLiULD 
dos instrumentos musicais e armas).
!$A)*(B)!( Outra característica que merece ser comentada é a interferência da
qualidade do autor na definição da pena. Ex. Título XXXIII – Dos ru-
*+,-./ 0+12345/
02/ 678/ 9:;/ fiões e mulheres solteiras. A pena era de açoite, multa e degredo para
&:;<./ =>>?@# $# a África. Porém, se o homem fosse escudeiro, a pena seria de multa e
EDVHDGR QD degredo para fora da vila. Resta assim evidente o total desrespeito ao
YLGD GR SROt princípio da igualdade.
WLFR H DWLYLVWD
JD\ +DUYH\ Com a proclamação da independência em 1822 se fez necessária a
0LON TXH IRL R revisão de toda a legislação vigente no país, que era de origem portugue-
SULPHLUR KR sa. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, e em 1830
PRVVH[XDO GH foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro.
FODUDGRDVHUHOHLWRSDUDXPFDUJR
S~EOLFRQD&DOLIyUQLD2ÀOPHPRV A Constituição de 1824, elaborada sob o ideário liberal e humanis-
WUD D OXWD H R SUHFRQFHLWR VRIULGR ta, trazia em seu art. 179 direitos e garantias individuais que influencia-
SHORVKRPRVVH[XDLVTXDWURVpFXORV ram sobremaneira a elaboração do Código Criminal.
DSyVDV2UGHQDo}HV)LOLSLQDV
O Código de 1830 foi o primeiro código autônomo da América
9%!(C"DE#$% Latina, e de tão elogiado, serviu de modelo para outros códigos, tanto na
América quanto na Europa.
8505F+:GUHODFLRQDPHQWRVH[XDO O projeto aprovado foi de Bernardo Pereira de Vasconcelos, for-
HQWUHSHVVRDVGRPHVPRVH[RRX
mado em Coimbra e atualizado com os ideais do Iluminismo e da Re-
VH[RVRSRVWRVFRPFySXODDQDO
volução Francesa.
02H1205GSHQDTXHFRQVLVWHQR
Uma questão que deu margem a dissídio no Parlamento durante
DIDVWDPHQWR FRPSXOVyULR GD
WHUUD QDWDO SRU WHPSR GHWHUPL a aprovação do projeto foi a pena de morte (na forca). Os conservado-
QDGRRXLQGHWHUPLQDGR res queriam mantê-la no Código, e os liberais, extirpá-la. Venceram os

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primeiros, sob o argumento de que os escravos não temeriam nenhum


OPQC:0RCO0
outro castigo.
Não obstante os elogios recebidos, esse Código mantinha resíduos !"#$%&%' ()*%' +,-)#.
de uma sociedade escravocrata. A crítica da sociedade da época era que &%&)'/01%2,$3'4#%.
5)67' &,#)89"' &)' :,.
o caráter liberal do Código contribuía com o aumento da criminalidade,
5;%)*' 0(<)&7' =>>?@'
o que levou à posterior elaboração de leis de cunho retrógrado, princi- )LOPH VREUH D FDP
palmente contra escravos (TOLEDO, 2002, p. 59). SDQKD FRQWUD D HV
Com o fim da escravidão e o advento da República, novamente FUDYLGmR OLGHUDGD SRU :LOOLDP :LO
se fazia necessária a ruptura com o velho, e, assim, a elaboração de EHUIRUFH XP IDPRVR DEROLFLRQLVWD
LQJOrV UHVSRQViYHO SRU OHYDU DR
novos diplomas legais. Em 1890 foi promulgado o Código Penal, antes
3DUODPHQWR %ULWkQLFR D OHJLVODomR
mesmo da primeira Constituição da República, promulgada apenas DQWLHVFUDYDJLVWD
em 1891. A=' 0$"B' &)' CB5#%D,.
Ao contrário do Código Criminal do Império, o Código Penal de &9"7'&,#)89"'&)'E<).
1890, foi elaborado às pressas, e apresentava, além de defeitos técnicos, D)' :5FG))$7' =>AH@'
$GDSWD D DXWRELR
um posicionamento atrasado em face da ciência de seu tempo.
JUDÀDGHGH6R
Não obstante as críticas, cabe ressaltar que esse código aboliu a ORPRQ 1RUWKXS XP
pena de morte e instalou o regime penitenciário de caráter correcional. QHJUR OLYUH QDVFLGR QR (VWDGR GH
Tendo em vista as sucessivas alterações processadas no texto do có- 1RYD ,RUTXH TXH IRL VHTXHVWUDGR
HP :DVKLQJWRQ '& HP  H
digo, em 1932 foi adotada a Consolidação das Leis Penais de Vicente
YHQGLGRFRPRHVFUDYR
Piragibe, publicadas sob a denominação de Código Penal Brasileiro, pelo
01,B<%&7' &,#)89"' &)'
Decreto n. 22.213/1932. E<)D)$' E(,)*-)#37'
Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX houve um grande desen- AIIJ@' $SyV XPD UH
volvimento da ciência penal. Muitos conceitos haviam sido discutidos e EHOLmR XP QDYLR QH
JUHLUR p WRPDGR SRU
estabelecidos e novamente se mostrava necessário um novo Código. O
VHXV HVFUDYRV &DS
Código Penal de 1940 foi originado no projeto de Alcântara Machado, WXUDGRV SDUDP HP WHUUDV QRU
revisado por uma Comissão de que participavam Nelson Hungria, Ro- WHDPHULFDQDV RQGH JHUDP XPD
berto Lyra, Costa e Silva, entre outros. O Código foi inspirado no Código HQRUPH GLVFXVVmR MXUtGLFD VREUH
Rocco de 1930, porém sem adotar a pena de morte e de prisão perpétua, SRVVHDEROLomRHOLEHUGDGH

e no Código Suíço de 1937. 0' K,&%' &)' L%D,&'


4%*) &,#)89"' &)'
Nasce no período entre guerras, em pleno Estado Novo, de índole 0*%$' M%#N)#7' =>>H@'
ditatorial, onde Getúlio Vargas detém os Poderes Executivo e Legis- $GYRJDGR H DWLYLVWD
lativo. Mas, conforme leciona Francisco de Assis Toledo (TOLEDO, FRQWUD D SHQD GH
p. 63), “o curioso é que, fruto de um Estado Ditatorial e influenciado PRUWH p SUHVR DFX
VDGR GH HVWXSUDU H
pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada com o Código
DVVDVVLQDU XPD FROHJD 1R FRUUH
do Império”. GRU GD PRUWH HOH SHGH TXH XPD
Em 1984, a Lei n. 7.209 substituiu toda a Parte Geral do Código Pe- MRYHP MRUQDOLVWD IDoD H SXEOLTXH
nal, alterando profundamente certos institutos como o erro, as penas e o VXD~OWLPDHQWUHYLVWD
concurso de agentes. Com o advento da Constituição Federal em 1988,
OSTPUEPL0LC
houve outras alterações e adequações, como a Reforma no Título dos
Crimes contra a Dignidade Sexual, visando obedecer aos novos preceitos 1R%UDVLOKiSUHYLVmRGH()$%'
&)' 1"#<) DSHQDV HP FDVR GH
constitucionais.
JXHUUD GHFODUDGD FRQIRUPH SUH
YLVWR QR DUW ž ;/9,, GD &RQVWL
WXLomR )HGHUDO 6REUH D TXHVWmR
FRQVXOWHWDPEpPR&yGLJR3HQDO
0LOLWDUGH

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8PD ~QLFD FRQGXWD SRGH
JHUDUXPLOtFLWRFLYLOHXPLOtFLWRSH
QDO $ OHVmR FRUSRUDO SRU H[HP
SORpSXQLGDFULPLQDOPHQWHFRP
O controle social pode ser formal e informal. O informal é aquele
D DSOLFDomR GD SHQD GH GHWHQ aplicado pela família, escola, igreja, partido político, opinião pública, vi-
omRRXUHFOXVmRGHSHQGHQGRGD zinhos, clube. Nem sempre será suficiente para solucionar conflitos mais
JUDYLGDGH1DHVIHUDFLYLODYtWLPD complexos ou graves.
SRGH VROLFLWDU XPD LQGHQL]DomR Das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade sur-
GRV YDORUHV SDJRV FRP R WUDWD
ge o Direito, que visa garantir condições indispensáveis à coexistência
PHQWRPpGLFRDRDXWRUGDOHVmR
pacífica.
O fato que contraria a norma legal, ofendendo ou pondo em perigo
um bem jurídico tutelado, é um ilícito jurídico e poderá ter consequên-
cias em vários ramos do Direito.
O Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de controle
social formal. Possui regras e princípios especiais, devendo ser utilizado
apenas como ultima ratio, ou seja, para os casos de ofensas graves aos
D&%.EF*4)-&
bens jurídicos fundamentais, os mais sensíveis à sociedade.
!"#$%&' (&#$)G H[SUHVVmR ODWLQD Os princípios penais decorrem da Constituição Federal de 1988
TXHVLJQLÀFD´~OWLPRUHFXUVRµ que deu forma, na República Federativa do Brasil, a um tipo de estado
H97<! 8=:I:7<JG p D VDQomR LP designado como Estado Democrático de Direito.
SRVWDDTXHPFRPHWHRVFULPHV
A Constituição Federal estabelece como fundamento do Estado
SUHYLVWRVHPQRVVRRUGHQDPHQWR
Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). No
MXUtGLFR6mRHODVSULYDWLYDVGHOL
EHUGDGH UHFOXVmRHGHWHQomR  art. 5º determina que são invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à
UHVWULWLYDV GH GLUHLWR H[ SUHVWD igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, a limitação a esses
omRSHFXQLiULDOLPLWDomRGHÀP direitos ou garantias constitucionais somente se justifica quando a ofen-
GHVHPDQDSUHVWDomRGHVHUYL sa ou a ameaça sejam proporcionais à intervenção do Direito Penal e a
oRVjFRPXQLGDGH HPXOWD aplicação da pena ou medida de segurança.
I9K:K<!K9!?9LA=<7B<GpDVDQ
omR LPSRVWD DRV LQLPSXWiYHLV
DUWGR&3 
$V PHGLGDV GH VHJXUDQoD VmR
!"#5! !&!2-)+-(&!1+'.*
#$% !"#$%"&'() HP KRVSLWDO GH
FXVWyGLD H WUDWDPHQWR SVLTXL
iWULFR RX GH *+,$!'()- &- #%&#&. "#5#"!%6789:;6/!%<=<8;9=>?;:8<?!9!@A7BC9?
/$"#)-&/0+1&#)%!&1
O Direito penal é o ramo do direito público que se encarrega de
K:=9:;6! HMNJ:86G 'LUHLWR FRQFHU
QHQWH jV UHODo}HV MXUtGLFDV GH
selecionar condutas atentatórias aos mais importantes bens jurídicos —
QDWXUH]DS~EOLFD justamente aqueles considerados essenciais para a vida em sociedade —,
sancionando-as com uma pena criminal ou medida de segurança. Tem
por função primordial servir como modelo orientador de condutas ade-
quadas, promovendo o normal funcionamento da vida em sociedade.

"#5#$!@67;9?
As fontes do direito subdividem-se em fontes materiais, substan-
ciais ou de produção e em fontes formais, de conhecimento ou de cog-

!"
!"#$"%&'($)*+

nição. As fontes materiais indicam o órgão "não há crime sem


encarregado da produção do direito penal.
!"#$%&'
lei anterior que o
Em nosso ordenamento jurídico, somente a
defina, nem pena $SHQDVD8QLmRSRUPHLRGR
União possui competência legislativa para
sem prévia comi- &RQJUHVVR1DFLRQDOpDXWRUL]DGD
criar normas penais (CF, art. 22, I). No- DOHJLVODUVREUHR'LUHLWR3HQDO,VVR
te-se que o parágrafo único do dispositivo nação legal"
VLJQLÀFD TXH RV JRYHUQDGRUHV H
constitucional citado prevê que lei comple- SUHIHLWRV QmR SRGHP FULDU QRYRV
mentar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas FULPHVRXUHYRJDURVH[LVWHQWHV
acerca de matérias penais.
As fontes formais, por sua vez, subdividem-se em imediatas e me-
diatas. Somente a lei pode servir como fonte primária e imediata do
direito penal, porquanto não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Ad-
mitem-se, no entanto, fontes secundárias ou mediatas: são os costumes
(“conjunto de normas de comportamento a que pessoas obedecem de
maneira uniforme e constante pela convicção de sua obrigatoriedade”
— Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 27) e os princípios
gerais de direito (“premissas éticas que são extraídas, mediante indução,
do material legislativo” — idem, p. 29).
Tais fontes formais sofrem importante limitação como decorrência
do princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Não se ad- ()*+',+-!-#
mite que de seu emprego resulte o surgimento de crimes não previstos
em lei ou, ainda, a agravação da punibilidade de delitos já existentes. Os 0XLWDV YH]HV Ki H[FHVVRV
princípios gerais do direito e os costumes, portanto, somente incidem na QRV WURWHV SRGHQGR FRQÀJXUDU
FULPH 9DL DOpP GR TXH VHULD DG
seara da licitude penal, ampliando-a. Os trotes acadêmicos, por exem-
PLWLGRSHORFRVWXPH9HMD´7URWH
plo, traduzem uma prática reconhecida e costumeira, de modo que pos-
+XPLOKDQWH  $XVrQFLD GH FRQ
síveis infrações, como injúria (ex.: referir-se ao calouro como “bicho”)
FRUGkQFLD GD YtWLPD  &RQVWUDQ
ou constrangimento ilegal (ex.: obrigar o novato a fazer “pedágio”), são JLPHQWRLOHJDOFRQÀJXUDGRµ$&5
consideradas permitidas à luz do art. 23, III, do CP (exercício regular de ')
um direito).
Os costumes, além disso, representam importante recurso inter-
pretativo, sobretudo no tocante aos elementos normativos presentes em
alguns tipos penais (p. ex., a expressão “ato obsceno” no art. 233 do CP).
Anote-se também que os costumes não revogam lei penal (art. 2º,
§ 1º, da LINDB).

!"#"$"!%&'()*+,(%-.%/,0-,1*%2-'() *#./#0&'
A analogia é uma forma de suprimento (preenchimento) de
$DQDORJLDYLVDGHL[DUR'LUHL
lacunas (brechas) legislativas. Consiste em “aplicar, a um caso não
WRPDLVMXVWR",PDJLQHDVHJXLQWH
contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídi-
VLWXDomRRDUW,,GR&3DGPL
ca, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante WHRDERUWRSUDWLFDGRSRUPpGLFR
ao caso não contemplado” (DINIZ, Lei de Introdução às Normas do HP FDVR GH HVWXSUR 1R FDVR GR
Direito Brasileiro, p. 108). Para utilizá-la, portanto, é preciso que se DERUWR UHDOL]DGR SRU HQIHUPHLUR
verifiquem dois pressupostos: 1º) existência de uma lacuna na lei; 2º) KDYHQGR D LPSRVVLELOLGDGH GH
encontro no ordenamento jurídico de uma solução legal semelhante, DWHQGLPHQWRPpGLFRKiRFULPH"

!"
vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular
caso análogo. Funda-se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio,
ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo
dispositivo).
Em direito penal, contudo, somente se admite a analogia in bonam
partem, ou seja, aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da in-
fração penal. Exemplo: o Código Penal somente autoriza a reação em
estado de necessidade, afastando o caráter criminoso da conduta, se o
sujeito busca afastar um perigo “atual”, nada dispondo sobre a excluden-
te de ilicitude se o agente visava escapar de um perigo “iminente”; este,
contudo, também se considera abrangido pela norma permissiva, por
analogia in bonam partem.
Proíbe-se, de outra parte, a analogia in malam partem, isto é, em
prejuízo do sujeito ativo da infração penal, justamente por importar
a criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da puni-
ção de fatos já disciplinados legalmente, atentando contra o princípio
da legalidade. Acompanhe os exemplos: o art. 63 do CP define como
reincidente aquele que comete crime depois de ter sido condenado
com trânsito em julgado por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro.
O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser
reincidente o agente que pratica uma contravenção penal depois de
ter sido condenado definitivamente por outro crime, no Brasil ou no
estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combina-
ção dos dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de
um crime praticado após ter sido ele irremediavelmente condenado
por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de
modo definitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra
contravenção, será reincidente, mas, se praticar um crime, será pri-
mário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não
pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência
em ambas as situações, sob pena de agravar a punição de um fato sem
3EFGHIJG3I expressa previsão legal.
Há duas espécies de analogia:
9/*'2.$ :.(.; 1ª) analogia “legis”: dá-se com a aplicação de uma norma existente
1.$ !<=>$ 1'(); a um caso semelhante;
?@+$ 1)$ A(7-+$
2ª) analogia “juris”: ocorre quando se baseia num conjunto de nor-
A.(()*+>$ BCCD"$
mas, visando retirar elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao
&RQWD D KLVWy
ULD GH 6DQGUR
caso concreto não previsto (p. ex. trata-se do encontro e aplicação de
PRUWRSHODSR princípios gerais do direito).
OtFLD TXDQGR
VHTXHVWURX R !"#"#$%$&'()'*+$,)-./$)$.0$1)2.'0$3'4-5'.0$67(81'5.0
IDPRVR {QLEXV  QR 5LR GH -D
O Direito Penal é apenas um dos objetos de estudo das Ciências
QHLUR 0RVWUD D KLVWyULD SRU RXWUR
kQJXORFRQWDQGRDYLGDGH6DQ
Penais. Há a dogmática penal, a criminologia, a política criminal, psi-
GURGHVGHRQDVFLPHQWRDWpRGLD quiatria e psicologia forense, dentre outras.
GRFULPH(VVHROKDUpFRPXPQD Dogmática penal é a “disciplina que se ocupa da interpretação,
FULPLQRORJLD sistematização e desenvolvimento (...) dos dispositivos legais e das

!"
!"#$"%&'($)*+

opiniões científicas no âmbito do direito penal” (Claus Roxin, Funcio-


nalismo e imputação objetiva no direito penal, p. 186-187). Este livro, $&A")
portanto, representa um trabalho eminentemente relacionado à dog- #45607)28/.QDVFL
mática penal. GR HP 
“A criminologia tradicional é uma ciência que procura uma expli- HP +DPE  XUJR p
cação causal do delito como obra de um autor determinado” (Enrique XP GRV PDLV LQÁX
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, Capítulo I, § 7º). Com os resul- HQWHVGRJPiWLFRV
tados das investigações criminológicas, visa tal ciência auxiliar o direito GR GLUHLWR SHQDO
penal a encontrar uma solução para as causas que levaram o delinquente DOHPmR WHQGR
ao delito. FRQTXLVWDGR UHSXWDomR QDFLR
QDO H LQWHUQDFLRQDO QHVVH UDPR
A política criminal, por sua vez, corresponde à que deve ser imple-
eGHWHQWRUGHLQ~PHURVGRXWRUD
mentada no combate à criminalidade. Discute-se se ela deve servir ex-
GRV KRQRUiULRV H Mi SURIHULX SD
clusivamente ao legislador, como critério de orientação na construção OHVWUDVQR%UDVLO
de normas penais e suas consequências jurídicas (posição tradicional),
9:.+;,<7 =5>2?0@7
ou se, além disso, deveria também orientar o aplicador do direito dian- QDVFLGRHP0|Q
te da norma posta (posição moderna). Em outras palavras, poderiam FKHQJODGEDFK
os juristas valer-se de critérios de política criminal para interpretar o HP 
alcance e a aplicabilidade de normas penais? A moderna teoria fun- p7 FDWHGUiWLFR
cionalista (Claus Roxin e Günther Jakobs) entende que sim, susten- HPpULWRGH'LUHL
tando deva o tecnicismo “ceder espaço à política criminal e à função WR3HQDOH)LORVRÀDGR'LUHLWRSHOD
pacificadora e reguladora do tipo” (Fernando Capez, Consentimento 8QLYHUVLGDGHGH%RQQ$OHPDQKD
do ofendido e violência desportiva: reflexos à luz da teoria da imputação e DXWRU GR SROrPLFR OLYUR !"#$"%&'
objetiva, p. 49). ($)*+',&'-)"."/& )HLQGVWUDIUHFKW 
O direito penal pertence ao direito público, pois seu objeto refere-se
primordialmente às relações do Estado com particulares em razão de seu
poder soberano, atuando na tutela do bem-estar coletivo.
É possível dividir o direito penal em objetivo e subjetivo. O primeiro
consiste no próprio ordenamento jurídico-penal, isto é, no conjunto de !"#$%&'()*"
normas jurídicas que perfazem o sistema penal. O segundo, também cha-
mado de jus puniendi estatal, corresponde ao direito de punir do Estado. +,-./-/0123FRUUHQWHGRXWULQiULD
Em sentido abstrato, traduz-se no direito de exigir de todos que se abste- TXHUHGX]RGLUHLWRjWpFQLFD
nham de praticar condutas delitivas, e, em sentido concreto, no interesse
de aplicar a sanção cominada ao delito àquele que violou a norma penal.
Dependendo de quem se trate o sujeito passivo, é possível que o
Direito Penal assuma uma outra velocidade, ou uma outra forma de atu-
ação. Trata-se de concepção criada por Günther Jakobs em que o direito
penal do cidadão teria como escopo garantir a vigência da norma (o #*IPG$AP#$
indivíduo que comete o crime desrespeita a norma, a qual, por meio
$7 B/45@7 C/<,D
da pena aplicada, mostra que permanece incólume), e o direito penal
EF27 C,7 GH7 I/D
do inimigo (como o de indivíduos que reincidem constantemente na
J;+7 K;L51545.@7
prática de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ações
MNNOH7 #$ %&'($
terroristas) tem como finalidade combater perigos. Neste, o infrator não FRPR IRUPD GH
é tratado como pessoa, mas como inimigo a ser eliminado e privado do FRQWUROH VRFLDO
convívio social. XWLOL]DGR QR ÀOPH
Cuida-se de concepção polêmica, rejeitada pela maioria dos auto- SRGHVHUXWLOL]DGRFRPRDQDORJLD
res, os quais sustentam que jamais se pode deixar de considerar um in- SDUDLQWHUSUHWDURPXQGRSyV
divíduo como pessoa. GHVHWHPEUR

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%234567389! :;93589! <=!
>32=3?8!%=4@A)UDQFLVFR
GH$VVLV7ROHGR(GLWRUD Os princípios constitucionais possuem a função de orientar, orga-
6DUDLYD 2EUD FOiVVLFD nizar e estruturar o ordenamento jurídico, especialmente quanto a apli-
GLVFXWHSULQFtSLRVHGH
cação do direito e interpretação da norma jurídica.
PDLV WHPDV UHOHYDQWHV
GDGRJPiWLFDSHQDO Neste sentido, aliás, já se disse que “os princípios constitucionais
(tragende Konstitutionsprizipien) e as garantias individuais devem atuar
+9! B39=2;C=39D! 9LFWRU
+XJR 2 SHUVRQDJHP como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas
SULQFLSDO -HDQ 9DOMHDQ penais, não se podendo cogitar de uma aplicação meramente robotiza-
SUHWHQGHQGR VDFLDU D da dos tipos incriminadores...” (Edilson M. Bonfim e Fernando Capez,
IRPH GH XPD FULDQoD Direito penal: parte geral, p. 114).
IXUWDXPSHGDoRGHSmR
H SRU HVVD UD]mR SDVVD PXLWRV DQRV
Diversos são os princípios de Direito Penal que estão assegurados
SUHVR $SyV YiULDV WHQWDWLYDV GH IXJD na Constituição. Vejamos:
FRQVHJXHDOLEHUGDGHSRUpPSDVVDD a) Princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se do mais
YLGD WRGD VHQGR SHUVHJXLGR SHOR LQV importante dos princípios penais e constitui um dos fundamentos da
SHWRUGHSROtFLD-DYHUW6HXFULPHpXP
República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III). Proíbe a incriminação
H[HPSORGHDSOLFDomRGRSULQFtSLRGD
LQVLJQLÀFkQFLDHDOHLWXUDGDREUDGHL[D de comportamentos socialmente inofensivos, isto é, que não provoquem
FODUDVXDLPSRUWkQFLDSUiWLFD dano efetivo ou lesão ao corpo social (ex.: incriminar o ato de manifes-
tar publicamente admiração por pessoas queridas). Impede, ademais,
que a aplicação das normas penais ocorra de maneira totalmente divor-
).&'+,'>/>0 ciada da realidade.
(PDJRVWRGHR67)HQIUHQ b) Princípio da legalidade. Não há crime sem lei anterior que o
WRXXPFDVRHPEOHPiWLFRGHDIURQWD defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP,
DR SULQFtSLR GD GLJQLGDGH KXPDQD
art. 1º).
8P SHGUHLUR IRL FRQGHQDGR SRU KR
PLFtGLR TXDOLÀFDGR H FRQWHVWRX VXD c) Princípio da anterioridade da lei penal. A lei penal não retroagi-
VHQWHQoD QR 6XSUHPR DOHJDQGR TXH rá, salvo para beneficiar o réu (CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º).
SHUPDQHFHXDOJHPDGRGXUDQWHWRGR d) Princípio do ne bis in idem. Ninguém pode ser condenado pelo
R MXOJDPHQWR H TXH LVVR OKH FDXVRX
mesmo fato mais de uma vez; além disso, uma única e determinada cir-
FRQVWUDQJLPHQWRDOpPGHWHULQÁXHQ
FLDGR QHJDWLYDPHQWH RV MXUDGRV 2 cunstância fática não pode ser utilizada mais de uma vez, seja para agra-
67)DFROKHXRVDUJXPHQWRVHHGLWRXD var, seja para beneficiar o agente.
6~PXODYLQFXODQWHQ e) Princípio da insignificância ou da bagatela. Foi desenvolvido
por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na
proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que pro-
)'(0Q/-0)/
duzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma
+! GHAI@B=4?8! <=! (HJ penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do
2=B:=2ID! <32=KL8! <=!
princípio produz fatos penalmente atípicos.
,?@4A=M!N2@B=2D!$OP$#!"#
7ULEXQDO GH 1XUHPEHUJ Na atualidade, a aceitação deste princípio é praticamente unânime.
IRL R 7ULEXQDO 0LOLWDU ,Q A divergência consiste, no mais das vezes, em definir, no caso concreto,
WHUQDFLRQDOFULDGRFRP se a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente rele-
D ÀQDOLGDGH GH MXOJDU vante) ou insignificante (logo, atípica).
SULVLRQHLURV GH JXHUUD QD]LVWDV 2 ÀO
PH OHYD j UHÁH[mR VREUH D YLRODomR Ninguém dirá que a subtração de uma folha de papel ou de um
GHSULQFtSLRVSHQDLVHVSHFLDOPHQWHR dente de alho deve ser considerada como crime de furto. Outros pode-
SULQFtSLRGDOHJDOLGDGH rão afirmar, ainda, que a subtração de um objeto avaliado em um quarto

!!
!"#$"%&'($)*+

do salário mínimo é insignificante, mas, certamente, num caso deste,


haverá intenso debate no processo sobre a caracterização do princípio.
9:;<=4><94
O Supremo Tribunal Federal vem adotando critérios que nos pa- ! " # $ % & ' ( )*
recem ajustados para a verificação, em cada caso, sobre a possibilidade )* +&$",* (-%#.
de aplicar o princípio. São eles: (i) a mínima ofensividade da conduta /0)* (#* 1#%.
do agente, (ii) a nenhuma periculosidade social da ação, (iii) o reduzido '&'()* 2%)3.
grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) a inexpressividade da +#-'* 4'(%&(#,*
56778# $%&#
lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP).
YiULDV SHUVR
O STF, ainda, tem travado interessante discussão sobre a aplicação Q D O L G D G H V 
do princípio ao crime de porte de droga para consumo pessoal. As duas FRPR )HUQDQ
Turmas do STF têm divergido a respeito do assunto. Assim, enquanto GR +HQULTXH &DUGRVR R ÀOPH VDL
a 1ª Turma tem negado a incidência do princípio ao crime de porte de DR HQFRQWUR GH VROXo}HV SULQFt
droga para consumo próprio (v. HC 91.759, rel. Min. Menezes Direito, SLRV H FRQFOXV}HV PDQWHQGR R
IRFR GDV GLVFXVV}HV HP WRUQR GD
DJU, 30-11-2007, p. 547), a 2ª Turma o tem admitido (v. STF, HC 92.961,
GHVFULPLQDOL]DomR GDV GURJDV %LOO
rel. Min. Eros Grau, DJU, 22-2-2008, p. 925 e HC 94.809, DJU, 30-5-
&OLQWRQ-LPP\&DUWHUHH[FKHIHV
2008, rel. Min. Celso de Mello). GH (VWDGR FRPR GD &RO{PELD
f) Princípio da alteridade ou da transcendentalidade. Proíbe a GR0p[LFRHGD6XtoDPRVWUDPR
incriminação de atitude meramente subjetiva, que não ofenda bem ju- PRWLYRGHVXDVRSLQL}HVeFDSWX
rídico alheio. Também foi desenvolvido por Claus Roxin. A ação ou UDGRRUHODWRGHSHVVRDVFRPXQV
omissão puramente pecaminosa ou imoral não apresenta a necessária TXH WLYHUDP VXDV YLGDV DWLQJLGDV
SHOD*XHUUDjV'URJDVDWpH[SH
lesividade que legitima a intervenção do direito penal. Por conta desse
ULrQFLDV GH 'UDX]LR 9DUHOOD 3DXOR
princípio, não se pune a autolesão, salvo quando se projeta a prejudi-
&RHOKRH*DHO*DUFLD%HUQDO
car terceiros, como no art. 171, § 2º, V, do CP (autolesão para fraudar
seguro); a tentativa de suicídio (nosso CP somente pune a participa- K<1L<MNO
ção no suicídio alheio — art. 122); o uso pretérito de droga (o porte
é punido porque, enquanto o agente detém a droga, coloca em risco a $ 3ROtWLFD 0XQGLDO GH 'URJDV WUD
incolumidade pública). GX]LGD QR PRGHOR SURLELFLRQLV
WDEHOLFLVWD TXH VH FRQYHQFLRQRX
g) Princípio da ofensividade. Não há crime sem lesão efetiva ou
GHVLJQDU FRPR ´ZDU RQ GUXJVµ
ameaça concreta ao bem jurídico tutelado — nullum crimen sine inju-
YHPUHFHEHQGRGXUDVFUtWLFDVGRV
ria. Daí resulta serem inconstitucionais os crimes de perigo abstrato PDLVYDULDGRVVHWRUHVHDWRUHVQD
(ou presumido), nos quais o tipo penal descreve determinada conduta FLRQDLV H LQWHUQDFLRQDLV TXH VH
sem exigir ameaça concreta ao bem jurídico tutelado. Note-se, entre- RFXSDPGD´TXHVWmRGDVGURJDVµ
tanto, que a jurisprudência dominante tende a admitir como válidos KDYHQGRXPUHODWLYRFRQVHQVRQR
os delitos de perigo abstrato, por constituírem uma forma legítima de VHQWLGR GH TXH R SURLELFLRQLVPR
punição de infrações penais em sua fase embrionária (opinião com a IUDFDVVRX9RFrFRQFRUGD"
qual concordamos). 6REUHRWHPD
h) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos (ou princípio
?%)@&3*#*%#("/0)*(#*
do fato). Deriva, como muitos, do princípio da dignidade da pessoa hu-
(&')3A* (-%#-+)3* (&3*
mana e do fato de o Brasil ser um Estado Democrático de Direito (i. e., B#33)&3* C"#* "3&D*
todos se submetem ao império da lei, que deve possuir conteúdo e ade- (%)@&3 0DXULGHV GH
quação social). Dele decorre que o direito penal não pode tutelar valores 0HOR5LEHLUR
meramente morais, religiosos, ideológicos ou éticos, mas somente atos
4*B)EF+-G&*G%-D-'&E*(#*
atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos na Consti-
(%)@&3* ')* H%&3-EA* #3.
tuição Federal. “Caso isso não ocorra, o tipo deverá ser excluído do or- +"()* G%-D-')EI@-G)* #*
denamento jurídico por incompatibilidade vertical com o Texto Cons- ()@DJ+-G) 6DOR GH
titucional. Assim, toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um &DUYDOKR

!"
bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância
FGHI$J/IFJ social será considerada nula e materialmente inconstitucional. (...). Sem
!"# $%"&'()&%"*#
bem jurídico não existe infração penal” (Edilson M. Bonfim e Fernando
+%'&,-.#+&#/.0# Capez, Direito penal: parte geral, p. 133).
1..2&'*# 34536# i) Princípio da intervenção mínima. Somente se deve recorrer à
2ÀOPHID]XPD intervenção do direito penal em situações extremas, como a última saída
DGDSWDomR GD (ultima ratio). A princípio, portanto, deve-se deixar aos demais ramos
REUD HVFULWD do direito a disciplina das relações jurídicas. A subtração de um pacote
SHOR IUDQFrV de balas em um supermercado, já punida com a expulsão do cliente do
9LFWRU +XJR estabelecimento e com a cobrança do valor do produto ou sua devo-
SXEOLFDGD HP
lução, já foi resolvida por outros ramos do direito, de modo que não
 7UDWDVH
necessitaria da interferência do direito penal.
GDKLVWyULDGHXPKRPHPGRVpFXOR
;,;TXHIRLFRQGHQDGRLQMXVWDPHQ j) Princípio da fragmentariedade. Trata-se, na verdade, de uma
WHSRUWHUURXEDGRXPSHGDoRGH característica do direito penal, mencionada por alguns autores também
SmR ÀFDQGR HP FODXVXUD SRU  sob a forma de princípio, estabelecendo que as normas penais somente
DQRV 3DVVDGR R WHPSR GH UHFOX se devem ocupar de punir uma pequena parcela, um pequeno fragmen-
VmR R SHUVRQDJHP -HDQ 9DOMHDQ to dos atos ilícitos, justamente aquelas condutas que violem de forma
+XJK -DFNPDQ  VDL HP OLEHUGDGH mais grave os bens jurídicos mais importantes.
FRQGLFLRQDO WRUQDQGRVH XP KR k) Princípio da adequação social. O fato deixará de ser típico
PHP KRQUDGR H KRQHVWR SRUpP
quando aceito socialmente. Acompanhe esse exemplo extraído da juris-
FRQWLQXD VRIUHQGR RV UHÁH[RV GDV
prudência: “Contravenção Penal — ‘jogo do bicho’ — Perda do mono-
LQMXVWLoDV VRIULGDV QR SDVVDGR VHQ
pólio do Estado às empresas de comunicações na exploração de jogos e
GRSHUVHJXLGRSHORLQVSHWRU-DYHUW
5XVVHOO &URZH  TXH QmR DFUHGLWD loterias aliada a ausência de reprovabilidade na consciência da absoluta
HP VXD UHDELOLWDomR 1R GHFRUUHU maioria dos cidadãos — Punição afastada pela aplicação do princípio
GD WUDPD YHPRV ODFXQDV GR VLVWH da adequação social — Inaplicabilidade do art. 58 do Dec.-Lei 6.259/44.
PDSHQDOHDYLRODomRGHSULQFtSLRV Convence que a adequação social supera contravenção denunciada. Em
FRPR R GD LQWHUYHQomR PtQLPD vez de punir um fato por ser típico, devemos adequá-lo à realidade vi-
KXPDQLGDGH IUDJPHQWDULHGDGH gente, aos costumes sociais, enfim, à consciência coletiva. A lei deveria
SURSRUFLRQDOLGDGHHGDEDJDWHOD ser interpretada pro societate, e, ao que tudo indica, a coletividade não se
interessa pela punição dos ‘bicheiros’. Ao contrário, já inseriu o jogo do
782%99.:*# +%'&; bicho em seu dia a dia” (TARS, RT, 753/699).
,-.#+&#<'8:=9%:#
Tal princípio não tem merecido acolhida da maioria da jurispru-
>6# ?@A8BB:&'*#
dência, uma vez que sua aceitação implicaria a conclusão de que os cos-
5CDE6# 7UDWDVH
tumes teriam força para revogar lei penal, o que é inadmissível em face
GD KLVWyULD GH
do art. 22, I, da CF, e art. 2º, § 1º, da LINDB.
+HQUL &KDUULqUH
3DSLOORQ  TXH l) Princípio da humanidade. As normas penais devem sempre dis-
YLYHX QRV DQRV pensar tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais,
GH  FRQ vedando-se a tortura, o tratamento desumano ou degradante (CF, art.
GHQDGRDSULVmRSHUSpWXDÀFDQ 5º, III), penas de morte, de caráter perpétuo, cruéis, de banimento ou de
GR UHFOXVR QD *XLDQD )UDQFHVD trabalhos forçados (CF, art. 5º, XLVII).
,OKD GR 'LDER VRE XP VLVWHPD m) Princípio da proporcionalidade. “Quando a criação do tipo
H[WUHPDPHQWHULJRURVRHFUXHO2 penal não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o prin-
ÀOPHUHWUDWDRVDEXVRVGRVLVWHPD
cípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada de
FDUFHUiULRSRUPHLRGHSHQDVGH
nosso ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além
VXPDQDVHKXPLOKDQWHV
disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar
proporção com o mal infligido ao corpo social” (Edilson M. Bonfim e
Fernando Capez, Direito penal: parte geral, p. 130).

!"
!"#$"%&'($)*+

n) Princípio da autorresponsabilidade ou das ações a próprio ris-


co. Aquele que, de modo livre e consciente, e sendo inteiramente res-
);<!=>?!)>
ponsável por seus atos, realiza comportamentos perigosos e produz re-
!"#$%&'( )$*
sultados lesivos a si mesmo arcará totalmente com seu comportamento, +$,-.+/0( -.+1*
não se admitindo nenhum tipo de imputação a pessoas que o tenham %&'( -1( 234*
eventualmente motivado a praticar tais condutas perigosas (ex.: o agente #'+( 5$61,4'0(
que incentiva desafeto a praticar “esportes radicais” não responde pelos 7889:(#$%&$'()
acidentes sofridos pela vítima, que optou por fazê-lo livremente). QD REUD HVFUL
WD SHOR Pp
o) Princípio da confiança. Uma pessoa não pode ser punida quan-
GLFR 'UDX]LR
do, agindo corretamente e na confiança de que o outro também assim
9DUHOODRÀOPHID]XPDUDGLRJUD
se comportará, dá causa a um resultado não desejado (ex.: o médico
ÀD GR VLVWHPD FDUFHUiULR QR %UD
que confia em sua equipe não pode ser responsabilizado pela utiliza-
VLOWHQGRFRPRSDQRGHIXQGRR
ção de uma substância em dose equivocada, se para isso não concorreu; PDVVDFUHRFRUULGRQDGpFDGDGH
o motorista que conduz seu automóvel cuidadosamente confia que os TXHFXOPLQRXQDPRUWHGH
pedestres se manterão na calçada e somente atravessarão a rua quando SUHVRV
não houver movimento de veículos, motivo pelo qual não comete crime
se atropela um transeunte que se precipita repentinamente para a via
trafegável).
p) Princípio do estado de inocência ou presunção de não culpabi-
lidade. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória” (CF, art. 5º, LVII).
q) Princípio da culpabilidade. Como decorrência do princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e da presunção de não
culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), exsurge esse princípio, segundo o qual:
a) não se admite responsabilidade penal objetiva, ou seja, desprovida de
dolo ou culpa (v. art. 19 do CP) ou carente de culpabilidade (v. arts. 21 a
28 do CP); b) a pena há de ser dosada segundo o grau de reprovabilidade
da conduta do agente.

)EF;G@;H>H!

*)@/A+1B'(?+.6/,$C(D1-1+$CpRyUJmRGHF~SXODGR3RGHU-XGL
FLiULRHDHOHFRPSHWHDJXDUGDGD&RQVWLWXLomR)HGHUDO2WULEXQDO
p FRPSRVWR SRU RQ]H 0LQLVWURV EUDVLOHLURV QDWRV HVFROKLGRV GHQWUH
FLGDGmRVFRPPDLVGHHPHQRVGHDQRVGHLGDGHGHQRWiYHO
VDEHUMXUtGLFRHUHSXWDomRLOLEDGDHQRPHDGRVSHOR3UHVLGHQWHGD
5HS~EOLFD DSyV DSURYDomR GD HVFROKD SHOD PDLRULD DEVROXWD GR
6HQDGR)HGHUDO

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,-%.)&/$01#2'3
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!"#$ ./(0+)1'23&,*4

A norma jurídica se apresenta com diversas características, confor-


me a área do Direito que se está analisando. No direito penal, reveste-se
das seguintes características:
a) imperatividade: impõe-se a todos independentemente de sua
vontade ou concordância;
b) exclusividade: somente a ela cabe a tarefa de definir infrações
penais;
c) generalidade: incide sobre todos, generalizadamente;
d) impessoalidade: projeta-se a fatos futuros, sem indicar a puni-
ção a pessoas determinadas.
É possível diferenciar lei penal de norma penal. A primeira designa
o enunciado legislativo, ou seja, o fato descrito e a pena a ele cominada
(ex.: no crime de homicídio na forma simples — art. 121, caput, do CP
— a lei penal é: “Matar alguém. Pena — reclusão, de seis a vinte anos”).
A segunda refere-se ao comando normativo implícito na lei, isto é, a
norma de conduta imposta a todos (ex.: no caso do homicídio simples:
“não matarás”).

!"#5! 14*66)7)1*89'

Quanto à classificação das normas penais, é possível classificá-las


como incriminadora e não incriminadora.
A primeira compreende todos os dispositivos penais que descrevem
condutas e lhes cominam uma pena. Compõe-se do preceito ou preceito
primário — descrição da conduta proibida — e da sanção ou preceito
secundário — quantidade e qualidade da(s) pena(s) aplicável(eis). Seu
comando normativo pode ser proibitivo ou mandamental. Nos crimes
comissivos, a lei penal descreve e pune uma ação esperando que todos
se abstenham de praticá-la; trata-se de uma norma proibitiva (ou seja, a
ação prevista em lei é proibida, sob ameaça de pena). Nos crimes omis-
sivos, a lei penal descreve uma omissão (um não fazer), porque espera
de todos, naquela determinada situação, um comportamento ativo;
trata-se de uma norma mandamental (ex.: a lei penal manda agir, sob
pena de, omitindo-se, receber uma pena).
A norma penal não incriminadora, por sua vez, subdivide-se em
explicativa ou complementar, quando fornece parâmetros para a apli-
cação de outras normas (ex.: o conceito de funcionário público para
fins penais do art. 327 do CP), e permissiva, quando aumenta o âmbito

!"
!"#$"%&'($)*+

de licitude da conduta (e, a contrario sensu, restringe o direito de punir


/K&2%62,(,*
do Estado).
(P  D $QYLVD SXEOL
FRX D 5HVROXomR Q  H UHWLURX
! !$%&'(!)*$(+!,%!'($,(-%!*'! R FORUHWR GH HWLOD ODQoDSHUIX
!"#" .&($/%!0!/%$1&%$-%!/%'!%! PH  GD /LVWD ) VXEVWkQFLDV HQ
WRUSHFHQWHV RX SVLFRWUySLFDV 
)&2$/3)2%!,(!+*4(+2,(,* FRORFDQGRRQD/LVWD' LQVXPRV
TXtPLFRV SUHFXUVRUHV TXH QmR
VmR SURLELGRV PDV DSHQDV FRQ
Trata-se da lei cujo preceito primário é incompleto, embora o pre- WURODGRV SHOR 0LQLVWpULR GD -XV
ceito secundário seja determinado. Tal lei tem de ser completada por WLoD  $SyV XPD VHPDQD KRXYH
outra, já existente ou futura, da mesma hierarquia ou de hierarquia in- D UHWLÀFDomR PDV GXUDQWH HVVH
ferior. SHUtRGR IRL HOLPLQDGR R FDUiWHU
Exemplo: os tipos penais da Lei n. 11.343/2006 são leis penais em FULPLQRVRGRFORUHWRGHHWLOD(VVD
branco, uma vez que punem condutas relacionadas com drogas ilícitas IDOKDGD$19,6$JHURXDH[WLQomR
sem descrever quais seriam essas substâncias (tal informação se encon- #$! 789:;:<:=>=?! =?! >@8A>=B! =?!
tra em ato administrativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária @BC?D@:><:E>D!<>9F>G7?DH8C?!9?AG
A?! 7?DIB=B! 7?<>! J%! -8DC>! =B! 6-1!!
— ANVISA); o art. 237 do CP pune a conduta daquele que contrai ca-
+& 
samento tendo ciência da existência de impedimento que lhe cause nu-
lidade absoluta, sendo que tais nulidades não são definidas pelo CP, mas
constam do Código Civil.
É possível classificar a norma penal em branco em sentido lato ou
homogênea e em sentido estrito ou heterogênea.
Entende-se por lei penal em branco homogênea aquela cujo com-
plemento se encontra descrito numa fonte formal da mesma hierarquia
da norma incriminadora, ou seja, quando o complemento também está
previsto numa lei ordinária (ou outra espécie normativa equivalente).
Exemplo: art. 237 do CP (“Contrair casamento, conhecendo a existência
de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta”), cujo complemento
se encontra no Código Civil, o qual enumera as causas de nulidade do
matrimônio nos arts. 1.521, 1.517, 1.523 e 1.550.
Em sentido estrito ou heterogênea é aquela cujo complemento está
descrito em fonte formal distinta daquela do tipo penal incriminador.
Exemplo: Lei n. 11.343/2006, art. 33 (tráfico ilícito de drogas), que não
indica quais são as “drogas ilícitas”, delegando tal função a normas admi-
nistrativas (portarias da ANVISA); com efeito, o art. 1º, parágrafo único,
desta Lei dispõe que: “... consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou
relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo
da União”.

!"#5! /%$1+2-%!()(&*$-*!,*!$%&'(6

Um mesmo fato concreto não pode ser enquadrado em vários tipos


penais, sob pena de afronta ao princípio do non bis in idem (ou ne bis in

!"
idem). Portanto, se aparentemente ocorrer a incidência de mais de um
56789:;<=>6 tipo penal a um mesmo fato, caberá ao intérprete, socorrendo-se dos
,?0',0'/2@UHODFLRQDGRDRSDU princípios da especialidade, consunção, subsidiariedade ou alternativi-
WRSHUtRGRTXHRFRUUHVHJXLGR dade, resolver o conflito, apontando o correto enquadramento.
DRSDUWR Muito embora não exista dispositivo legal tratando do tema ou
consenso doutrinário acerca do assunto (salvo no tocante ao princípio
da especialidade), admitem-se comumente os princípios acima mencio-
nados.
Importante acentuar que só haverá conflito aparente de normas se
houver um só fato ao qual aparentemente se apliquem várias normas
penais incriminadoras (todas vigentes). Na hipótese de serem vários os
fatos, ter-se-á concurso de crimes (arts. 69 a 71 do CP). Além disso, to-
dos os dispositivos penais aparentemente aplicáveis devem estar simul-
taneamente em vigor, caso contrário surgirá um conflito de leis penais
no tempo.

!"#"$"%%&'()*+,(-%./%01,0*(/2(./.0%3!"#$%&"'()!(%$
*"+,-).$-"/"+)!(%4
Dá-se quando existir, entre as duas normas aparentemente inci-
dentes sobre o mesmo fato, uma relação de gênero e espécie. Será espe-
cial e, portanto, prevalecerá a norma que contiver todos os elementos
de outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou ob-
jetiva, considerados especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do
delito especial realiza também necessariamente, e ao mesmo tempo,
o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro” (Jescheck,
Tratado de derecho penal, trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona:
Bosch, 1981, p. 1035, apud Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direi-
to penal: parte geral, v. 1, p. 130). Assim, se a mãe mata o filho durante
o parto, sob a influência do estado puerperal, incorre, aparentemente,
nos arts. 121 (homicídio) e 123 (infanticídio). No primeiro, porque
matou uma pessoa; no segundo, porque essa pessoa era seu filho e a
morte se deu no momento do parto, influenciada pelo estado puerpe-
ral. O infanticídio contém todas as elementares do homicídio (“matar”
+ “alguém”), além de outras especializantes (“o próprio filho” + “du-
rante o parto ou logo após” + “sob a influência do estado puerperal”),
o que o torna especial em relação a esse. Percebe-se, então, que toda
ação que realiza o tipo do infanticídio realiza o do homicídio, mas nem
toda ação que se subsume ao homicídio tem enquadramento no tipo
do infanticídio.
Note que esse conflito se resolve abstratamente, isto é, basta a com-
paração entre as duas normas, em tese, para saber qual delas é a especial
e, por via de consequência, a aplicável. Também é interessante notar que
na relação de especialidade é indiferente se a norma especial é mais ou
menos grave. Acrescente-se que a relação de especialidade se dá entre
tipos fundamentais e secundários (ex.: roubo simples — art. 157, caput,
e roubo agravado — art. 157, § 2º).

!"
!"#$"%&'($)*+

!"#"$"%%&'()*+,(-%./%0120(.(/'(3./.3%4!"#$%&'()&')$
89:;<=>?@A9
*"&+,)-$!",'$./0.'*')&')"5
A relação de subsidiariedade pressupõe que haja entre as normas *-)01)B(C/D DWR  RX HIHLWR GH
aparentemente aplicáveis uma relação de conteúdo a continente. Há FRQVXPLUDEVRUYHU
uma norma mais ampla (norma primária), porque descreve um grau
maior de violação ao bem jurídico, e uma norma menos ampla (norma
subsidiária), pois descreve um grau inferior de violação a esse mesmo
bem. Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade
e subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os
fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie
e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre mais grave que a do tipo
subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário
pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum”
(Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, arts. 1º a 10, p. 147).
A norma aplicável será sempre a que previr o maior grau de viola-
ção (lei primária). Assim, por exemplo, o crime de estupro (art. 213 do
CP) contém o de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Se alguém
constrange mulher à conjunção carnal, haverá estupro.
Há duas espécies de subsidiariedade:
1ª) expressa: se a norma expressamente declarar que só terá aplica-
ção “se o fato não constituir crime mais grave” (a norma se autoprocla-
ma “soldado de reserva”) — ex.: art. 132 do CP;
2ª) tácita: verifica-se quando o crime definido por uma norma é
elemento ou circunstância legal de outro crime — ex.: art. 304 do CTB
(omissão de socorro em acidente de trânsito) em relação ao homicídio
culposo na direção de veículo automotor, qualificado pela omissão de
socorro (art. 302 c/c o art. 303, parágrafo único, do CTB).

!"#"!"%%&'()*+,(-%./%*-)01)67-%-1%./%/20-'67-%
4!"#$1+2./("2.$*"&+,)-$!",'$1+2./(%-)"5
“Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato de-
finido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase
de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui
conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finali-
dade prática atinente àquele crime (...). Os fatos não se apresentam em
relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a conti-
nente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a meio” (Damásio de
Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 114). Na síntese de Jiménez de
Asúa, citado por Damásio (idem, ibidem), a consunção se dá:
“a) quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição
(atos preparatórios puníveis, tentativa — consumação);
b) de auxílio a conduta direta (partícipe — autor);
c) de minus a plus (crimes progressivos);
d) de meio a fim (crimes complexos); e
e) de parte a todo (consunção de fatos anteriores e posteriores) —
antefato e post factum impuníveis”.

!"
Convém deter-se na letra e, em que ocorre a relação de parte a todo,
3456789:;<4 ou a chamada “progressão criminosa”. Em sentido lato, a progressão cri-
!"#$% &$!'!(!)= H[SUHVVmR ODWLQD minosa inclui:
TXHVLJQLILFD´FDPLQKRGRFUL a) Progressão criminosa em sentido estrito: o agente inicia o iter
PHµ criminis com o objetivo de provocar determinada lesão a um bem jurí-
dico; após conseguir seu intento, muda de ideia e busca provocar um
grau maior de violação ao mesmo bem jurídico. Exemplo: o sujeito pre-
tendia lesionar seu desafeto, mas, em meio aos socos e pontapés, decide
tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, ficando as
lesões corporais por ele consumidas.
b) Antefactum impunível: quando um fato anterior menos grave é
praticado como meio necessário para a realização de outro (ex.: o porte
de arma em relação ao homicídio cometido com tal instrumento; o cri-
me de falsidade exclusivamente utilizado com o fim de cometer estelio-
nato, nos termos da Súmula 17 do STJ).
c) Post factum impunível: quando o agente, após praticar o fato,
provoca nova violação ao mesmo bem jurídico, pertencente ao mesmo
sujeito passivo (ex.: furto e posterior danificação ou venda do objeto).

!"#"#"$%&'()*+',$-.$./01&(.0'2'-.-1
Este princípio tem lugar nas infrações penais de ação múltipla ou
conteúdo variado, que são aqueles tipos penais que possuem diversos
núcleos (verbos), separados pela conjunção alternativa “ou”.
Quando alguém pratica mais de um verbo do mesmo tipo penal,
num mesmo contexto fático, só responde por um crime (e não pelo
mesmo crime mais de uma vez). Exemplos: a) aquele que expõe à venda
e, em seguida, vende substância entorpecente pratica um só crime de
tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33); b) quem
induz e instiga outrem a se suicidar, vindo a vítima a falecer, incorre
uma só vez no delito de auxílio ao suicídio (art. 122 do CP). Anote-se,
entretanto, que em tais casos o juiz deve considerar a incursão em mais
de uma ação nuclear na dosagem da pena, de modo a exacerbar a sanção
imposta ao agente.

!"
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$ V~PXOD  GR 67) GL] ´D
OHLSHQDOPDLVJUDYHDSOLFDVHDR
Quando várias leis penais que tratam do mesmo assunto de modo
FULPH FRQWLQXDGR RX DR FULPH distinto se sucedem no tempo, deve o intérprete definir qual delas será
SHUPDQHQWH VH D VXD YLJrQFLD p aplicada ao fato. A regra é que a lei que deve ser aplicada é a vigente
DQWHULRU j FHVVDomR GD FRQWLQXL ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio do
GDGH RX GD SHUPDQrQFLDµ 2X tempus regit actum. Contudo, existem exceções e elas se dividem em re-
VHMDVHFULPHFRPHWLGRQDYLJrQ troatividade (aplicação da lei a fatos cometidos antes da sua vigência
FLDGDOHLPHQRVJUDYHPDVFXMD quando for mais benéfica) e ultra-atividade (a lei penal revogada pode
H[HFXomRVHSURORQJXHDWpDHQ ser aplicada após sua revogação, quando o ilícito praticado durante a sua
WUDGDHPYLJRUGDOHLPDLVJUDYH vigência for sucedido por lei mais severa).
SRGHUi VHU DSOLFDGD HVWD ~OWLPD Confira abaixo as hipóteses de conflito da lei penal no tempo:
1mR Ki QLVVR QHQKXPD YLRODomR
DR SULQFtSLR EDVLODU GD DEVROXWD
Hipótese prática Significado Solução
LUUHWURDWLYLGDGH JUDYRVD 'H IDWR
D OHL PDLV JUDYH HVWi VHQGR DSOL Novatio legis Lei posterior incrimina conduta Irretroatividade
FDGD VLPSOHVPHQWH SRUTXH R FUL incriminadora que era lícita (cria um novo crime)
PHRFRUUHXGXUDQWHVXDYLJrQFLD
Abolitio criminis Lei posterior descriminaliza con- Retroatividade
(PERUDSDUWHGDGRXWULQDGLVFRU dutas, tornando-as atípicas
GH GD V~PXOD HOD DWXDOPHQWH p
SRVLomRPDMRULWiULD Novatio legis in Lei posterior, mantendo a incri- Irretroatividade
pejus minação do fato, torna mais grave
a situação do réu (ex.: aumenta a
pena cominada ao crime)
%84*&.*,0,- Novatio legis in Lei posterior, sem suprimir a in- Retroatividade
mellius criminação do fato, beneficia de
5HFHQWHPHQWH IRL VDQFLR algum modo o agente (ex.: diminui
QDGD D /HL Q  GH  GH MX a pena cominada ao crime)
QKR GH  FRQKHFLGD FRPR
/HL *HUDO GD &RSD )RL GHÀQLGD Em suma, a lei penal mais benéfica retroage para atingir os fatos
FRPRWHPSRUiULDSRUTXHRVWLSRV passados (retroatividade) e a lei revogada será aplicada aos fatos cometi-
SHQDLVSRUHODFULDGRVWLQKDPXP dos durante a sua vigência mesmo quando não estiver mais em vigor e a
SUD]R FHUWR GH YLJrQFLD DWp  conduta for regulamentada por lei mais severa (ultra-atividade).
 

!"#2! )-*.!-3%-/%*&'0*.!-!)-*.!+-1/&454*0.

De acordo com o art. 3º do CP, “A lei excepcional ou temporária,


embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstân-
cias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigên-
cia”. É considerada excepcional a lei elaborada para incidir sobre fatos
havidos somente durante determinadas circunstâncias excepcionais,
como situações de crise social, econômica, guerra, calamidades etc. E
temporária aquela elaborada com o escopo de incidir sobre fatos ocorri-
dos apenas durante certo período de tempo.
A doutrina costuma afirmar que as leis excepcionais e temporárias
são leis ultrativas, ou seja, que produzem efeitos mesmo após o término
de sua vigência. Na verdade, não se trata do fenômeno da ultratividade,

!"
!"#$"%&'($)*+

uma vez que, com o passar da situação excepcional ou do período de


tempo estipulados na lei, ela continua em vigor, embora não mais seja
aplicável. O art. 2º, VI, da Lei n. 1.521/51 (Lei dos Crimes contra a Eco-
nomia Popular e contra a Saúde Pública), que vigorou de fevereiro de
1952 a dezembro de 1991, definia como crime a conduta do comerciante
que vendia ou expunha à venda produto acima do preço definido em
tabela oficial (“tabela de congelamento de preços”). Tal dispositivo, que
vigorou por quase 40 anos, permaneceu, durante muito tempo, inaplicá-
vel, salvo em algumas épocas, como na década de 1980, durante o perí-
odo de “congelamento” de preços decorrente do “Plano Cruzado”. Nesse
período, o tipo penal em questão tornou-se aplicável; assim, vários co-
merciantes flagrados vendendo produtos acima do preço oficial foram
investigados e processados criminalmente; superado o período do tabe-
lamento oficial, os processos já instaurados continuaram em andamen-
to, uma vez que a norma não fora, então, revogada: a ação de vender ou
expor à venda produtos acima do preço oficial continuou sendo crime
até sua revogação pelo art. 6º, I, da Lei n. 8.137/90, o qual pune conduta
semelhante, mas com pena maior. O fim do “congelamento” ocorrido
na década de 1980 assinalou, portanto, apenas o término do período de
aplicabilidade da lei, impedindo que fato posterior pudesse ser apenado
com base no dispositivo.
0%&234)
Não se há de falar, portanto, em ultratividade, de modo que fica
superada qualquer alegação de violação ao princípio da retroatividade 2 DUW ž GR &3 QmR VH DSOL
benéfica da lei penal (CF, art. 5º, XL). Aliás, nesse sentido já se mani- FD DR SUD]R SUHVFULFLRQDO TXH
festaram consagrados penalistas (v., por todos, José Frederico Marques, SRU IRUoD GH UHJUD SUySULD &3
Tratado de direito penal, v. 1, p. 268). DUW  ,  FRPHoD D VHU FRQWD
A regra constante do art. 3º do CP tem ainda uma razão prática GR HP JHUDO GR PRPHQWR GD
evidente, declarada na Exposição de Motivos da Parte Geral do CP: “Esta FRQVXPDomR GR FULPH H QmR
ressalva visa impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no DR WHPSR GD DomR RX RPLVVmR 
7DPEpPQmRVHDSOLFDDRVFDVRV
tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos
HPTXHpSRVVtYHOGLPLQXLUDSUHV
no sentido do retardamento dos processos penais”.
FULomR SHOD PHWDGH DUW  GR
&3  H SDUD D DSOLFDomR GD DWH
QXDQWH JHQpULFD DUW  GR &3 
!"#$! %&'()!*)!+,-'& QRFDVRGHRDJHQWHVHUPDLRUGH
DQRV FRQVLGHUDVHDLGDGHQR
PRPHQWRGDVHQWHQoD 
Dentre as três teorias possíveis na matéria: teoria da atividade, teo-
ria do resultado e teoria da ubiquidade (ou mista), o CP adotou a pri-
meira, conforme podemos observar no artigo 4º do Código Penal. Assim
sendo, considera-se praticado o crime ao tempo da ação ou omissão, +/,-)1-*0*&
ainda que outro seja o do resultado.
([LVWH XP PpWRGR PQHP{QL
É fundamental compreender a importância do dispositivo, cuja uti-
FRTXHDMXGDDGHFRUDUDVWHRULDV
lidade se dá para: GH WHPSR GR FULPH H R OXJDU GR
a) Delimitação da responsabilidade penal: com base na regra do FULPH e Vy PHPRUL]DU D SDODYUD
art. 4º do CP torna-se possível delimitar o exato momento em que o ./%0 /XJDU GR FULPH WHRULD GD
agente passará a responder criminalmente por seus atos — isso se dará 8ELTXLGDGH H 7HPSR GR FULPH
somente se a ação ou omissão houver sido praticada quando ele já tiver WHRULDGD$WLYLGDGH 

!"
completado 18 anos de idade (o que ocorre no primeiro minuto de seu
L:E69MPH7:
18º aniversário).
(PVHWUDWDQGRGHFULPHSHU b) Delimitação da lei penal aplicável: nos crimes materiais ou de
PDQHQWH DTXHOH FXMD FRQVXPD resultado, a conduta pode ocorrer num momento, e o resultado, depois.
omRVHSURORQJDQRWHPSRFRPR Exemplo: o agente, pretendendo matar seu desafeto, arquiteta uma em-
RFRUUH FRP R GHOLWR GH H[WRUVmR boscada e, colhendo-o de surpresa, descarrega os projéteis do tambor do
PHGLDQWH VHTXHVWUR ³ DUW  revólver, atingindo gravemente a vítima, a qual passa dois meses inter-
GR &3  GHYHVH ID]HU XPD RE nada em hospital, vindo a falecer (consumando o crime de homicídio
VHUYDomR PHVPR WHQGR D DomR qualificado). Imagine que o ofendido tenha sido hospitalizado durante
RX RPLVVmR VH LQLFLDGR DQWHV GD a entrada em vigor da Lei n. 8.930/94 (que transformou o crime de ho-
PDLRULGDGHSHQDOVHRDJHQWHD
micídio qualificado em hediondo). Seria, então, de perguntar: o agente
SURORQJRX FRQVFLHQWHPHQWH DR
responderá pelo homicídio qualificado como crime hediondo ou não?
SHUtRGR GH VXD LPSXWDELOLGDGH
SHQDOWHUiDSOLFDomRR&3
Observe que no momento da ação (disparos) o delito não era hediondo,
mas ao tempo do resultado (morte), sim. Qual a solução? Por força do
art. 4º do CP, deve-se considerar o momento da conduta; logo, o agente
não terá de sofrer os efeitos penais gravosos da Lei n. 8.072/90 com a
L796E&M6L&
alteração da Lei n. 8.930/94 (crimes hediondos).
?(@A-B% C10)D,-%
.)% E4014% &(F !"#"$"%&%'()*+,-%.-%/012)%/-3+13(4.-
G(*+4% H42-*B%
IJJK" 'D PHV O agente pratica dois fatos quando menor de 18 anos e um terceiro
PDGLUHWRUDGR quando maior, todos em continuidade delitiva. Aos dois primeiros fatos
GRFXPHQWiULR aplicar-se-á o ECA, e ao último, o CP.
-XVWLoD -Xt]R
UHWUDWD R MXOJD
PHQWRGHDGR
OHVFHQWHVHPFRQÁLWRFRPDOHL
%!"!% &%567%869&5%9:%6;8&<:

O CP definiu no art. 6º o lugar do crime, adotando a teoria da ubi-


quidade ou mista, segundo a qual o crime se considera praticado tanto
&M69<O: no lugar da conduta quanto naquele em que se produziu ou deveria pro-
duzir-se o resultado. A preocupação do legislador foi estabelecer quais
1R %UDVLO D LPSXWDELOLGDGH crimes podem ser considerados como ocorridos no Brasil e, por via de
SHQDOVHGiDRVDQRV4XDQGR
consequência, a quais delitos se aplica a lei penal brasileira.
RLQGLYtGXRHQWUHHDQRVFR
PHWHU XPD GDV FRQGXWDV GHVFUL
A regra em estudo só terá relevância nos chamados crimes a dis-
WDV QR &yGLJR 3HQDO DSOLFDPVH tância ou de espaço, que são aqueles cuja execução se inicia no território
DV PHGLGDV SUHYLVWDV QR 6*+4+(+-% de um país e a consumação se dá ou deveria dar-se em outro. Imagine
.4%L0143D4%)%.-%&.-N)*/)3+) VmR a hipótese de um agente iniciar a execução de um crime na Argentina,
DV PHGLGDV VRFLRHGXFDWLYDV DG visando produzir o resultado no Brasil, ou o inverso. Em ambos os casos,
YHUWrQFLD REULJDomR GH UHSDUDU os delitos serão considerados como ocorridos em território nacional, de
R GDQR SUHVWDomR GH VHUYLoRV j modo que a lei penal brasileira a eles se aplicaria. Como dizia Hungria,
FRPXQLGDGH OLEHUGDGH DVVLVWLGD basta que o crime tenha “tocado” o território nacional para que nossa lei
LQVHUomRHPUHJLPHGHVHPLOLEHU seja aplicável.
GDGH LQWHUQDomR HP HVWDEHOHFL
PHQWRHGXFDFLRQDO 
!"!"$"%=-0-%/-2>)+)3+)
Em se tratando de determinação de competência territorial (“foro
competente”), deve-se observar a regra do art. 70 do CPP, que considera

!"
!"#$"%&'($)*+

competente o foro do local em que o crime se consumou (ou, no caso de


tentativa, o do local em que se deu o último ato executório).
;%8<=>?

8PD GDV TXHVW}HV PDLV FR


!"!"#"$%&''()*'(+,(-+-&$-+$,&($.&/+,$0123$+')"$456 PXQV HP SURYDV H FRQFXUVRV p
D TXH YHUVD VREUH D TXHVWmR GR
Dá-se o fenômeno da territorialidade quando a lei penal se aplica
WHPSR H OXJDU GR FULPH H D WH
ao fato cometido dentro do território nacional. Conforme dispõe o
RULD DGRWDGD D UHVSHLWR (QWmR
art. 5º do CP, a lei penal brasileira aplica-se em todo o território nacio-
QmR VH HVTXHoD D  7(032 '2
nal, ressalvado o disposto em tratados, convenções ou regras de direito
&5,0($7,9,'$'(E /8*$5'2
internacional. Trata-se do princípio da territorialidade temperada ou &5,0( 8%,48,'$'( F  )252
mitigada. &203(7(17(5(68/7$'2
Por território, no sentido jurídico, deve-se compreender todo o es-
paço em que o Brasil exerce sua soberania, que abrange:
a) os limites compreendidos pelas fronteiras nacionais; @?1;ABCDEF?
b) o mar territorial brasileiro (faixa que compreende o espaço de 12
G()(H+-+I GLPLQXtGD DPHQL]D
milhas contadas da faixa litorânea média — art. 1º da Lei n. 8.617/93); GDDWHQXDGD
c) todo o espaço aéreo subjacente ao nosso território físico e ao mar
territorial nacional (princípio da absoluta soberania do país subjacente
— Código Brasileiro de Aeronáutica, art. 11, e Lei n. 8.617/93, art. 2º); 1BEF?RFS;S8
d) as aeronaves e embarcações:
— brasileiras privadas, em qualquer lugar que se encontrem, salvo 2%UDVLOpVLJQDWiULRGR(VWDWX
WR GH 5RPD GR 7ULEXQDO 3HQDO ,Q
em mar territorial estrangeiro ou sobrevoando território estrangeiro;
WHUQDFLRQDO 'HFUHWR Q  GH
— brasileiras públicas, onde quer que se encontrem;  2DUWžGR(VWDWXWRGLVS}H
— estrangeiras privadas, no mar territorial brasileiro. ´   2 7ULEXQDO VHUi XPD LQVWLWXL
Como se viu inicialmente, há crimes que, embora praticados den- omR SHUPDQHQWH FRP MXULVGLomR
tro do território nacional, não se sujeitam à lei brasileira (em função de VREUH DV SHVVRDV UHVSRQViYHLV
ressalvas previstas em tratados ou convenções internacionais): isso se dá SHORV FULPHV GH PDLRU JUDYLGDGH
FRP DOFDQFH LQWHUQDFLRQDO GH
nos casos de imunidade diplomática. Note-se que a embaixada de um
DFRUGR FRP R SUHVHQWH (VWDWXWR
país no Brasil não é considerada território estrangeiro, de modo que, se
H VHUi J*G.,&G&/)+'$ KL$ MN'(L-(O
um crime ali for praticado, a ele será aplicável a nossa lei, a não ser que
PQ&L$.&/+(L$/+J(*/+(Lµ2VFULPHV
ocorra um caso de imunidade diplomática. WXWHODGRV SHOR 73, VmR JHQRFt
GLR FULPHV FRQWUD D KXPDQLGD
!"!"7"$89)'+)&''()*'(+,(-+-&$-+$,&($.&/+,$0123$+')"$:56 GH FULPHV GH JXHUUD H FULPH GH
DJUHVVmR DUWž 
Extraterritorialidade é o fenômeno pelo qual a lei penal brasileira
se aplica a fatos ocorridos fora do território nacional. Subdivide-se em
extraterritorialidade condicionada ou incondicionada. Nesta, a lei bra-
sileira aplicar-se-á ao crime praticado no exterior, independentemente
do preenchimento de qualquer requisito ou condição (art. 7º, I e § 1º).
Naquela, o fenômeno depende da conjugação de uma série de fatores
(art. 7º, II e §§ 2º e 3º).
Fala-se em extraterritorialidade incondicionada nas seguintes hi-
póteses:
Sede do Tribunal Penal Internacional - TPI, Haia, Holanda
a) crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) crime contra o patrimônio ou contra a fé pública da União, do
Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios ou dos Territórios, ou suas

!"
autarquias, das empresas públicas, das sociedades de economia mista ou
das fundações instituídas pelo Poder Público;
c) crime contra a administração pública brasileira por quem está a
seu serviço;
d) crime de genocídio, se o agente for brasileiro ou domiciliado
no Brasil.
A extraterritorialidade condicionada ocorre em relação às seguin-
tes infrações:
a) crimes previstos em tratado ou convenção internacional que o
Brasil se obrigou a reprimir;
b) crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro, fora do nos-
so território (se não foi pedida ou se foi negada a extradição e se houve
requisição do Ministro da Justiça);
c) crimes praticados por brasileiro;
d) crimes praticados a bordo de navio ou aeronave brasileiros pri-
vados, quando praticados no exterior e ali não forem julgados.
A doutrina costuma apontar uma série de princípios que inspira-
ram o legislador a eleger os casos em que a lei de um país deve ser apli-
cada a fatos que se deram no estrangeiro:
a) Princípio da justiça penal universal ou cosmopolita: refere-se a
hipóteses em que a gravidade do crime ou a importância do bem jurídi-
co violado justificam a punição do fato, independentemente do local em
que praticado e da nacionalidade do agente. Foi adotado nas letras d da
extraterritorialidade incondicionada e a, da condicionada.
b) Princípio real, da proteção ou da defesa: justifica a aplicação
da lei penal brasileira sempre que no exterior se der a ofensa a um bem
jurídico nacional de origem pública. Foi adotado nas letras a até c da
extraterritorialidade incondicionada.
c) Princípio da personalidade ou nacionalidade ativa: como cada
país tem interesse em punir seus nacionais, a lei pátria se aplica aos bra-
sileiros, em qualquer lugar que o crime tenha sido praticado. Foi adota-
do na letra b da extraterritorialidade condicionada.
d) Princípio da personalidade ou nacionalidade passiva: se a víti-
ma for brasileira, nosso país terá interesse em punir o autor do crime. Foi
adotado na letra b da extraterritorialidade condicionada (v. CP, art. 7º).
Obs.: ao contrário do que sustentam alguns autores, esse princípio
não se confunde com o princípio da proteção, que se refere a bens pú-
blicos, o que não ocorre aqui.
e) Princípio da representação ou da bandeira: a lei brasileira se
aplica às embarcações ou aeronaves que carreguem nossa bandeira. Foi
adotado na letra d da extraterritorialidade condicionada.

!"
!"#$"%&'($)*+

!"!"#"$%%&'()*+,-.%/01*234-*.%/'.%2/.'.%)-%
*+,-./-0102
-567/6-77*6'7*/1*)/)-%2'()*2*'(/)/
São as seguintes: 5HFHQWHPHQWH Ki FDVRV Fp
a) entrada do agente no território nacional (condição de procedi- OHEUHVGHGLVFXVVmRGHH[WUDGLomR
bilidade); QR %UDVLO (P  IRL DSOLFDGD D
SHQD GH PRUWH D GRLV EUDVLOHLURV
b) ser o fato punível também no país em que cometido;
FRQGHQDGRV SRU WUiÀFR GH GUR
c) estar o crime entre aqueles a que a lei brasileira admite a extra- JDVQD,QGRQpVLD5RGULJR*XODUWH
dição; GH  DQRV H 0DUFR 0RUHLUD 
d) não ter sido o agente absolvido ou não ter cumprido pena no DQRV2SDtVQHJRXDH[WUDGLomR
estrangeiro; 2 %UDVLO WDPEpP QHJRX D H[WUD
e) não ter sido perdoado e não se tiver extinguido sua punibilidade, GLomR GH &HVDUH  %DWWLVWL TXH IRL
FRQGHQDGRQD,WiOLDjSULVmRSHU
segundo a lei mais favorável (condições objetivas de punibilidade).
SpWXD SRU KRPLFtGLR TXDQGR LQ
WHJUDYDRJUXSR3UROHWDULDGRV$U
!"!"#"8%9567/6-77*6'7*/1*)/)-%(/%:-*%)-%;'76<7/ PDGRVSHOR&RPXQLVPR(P
A Lei n. 9.455, de 1997, que tipifica o delito de tortura (“constranger IXJLX SDUD R %UDVLO )RL SUHVR HP
alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofri-  $ ,WiOLD SHGLX D H[WUDGLomR
HR67)FRQFRUGRXPDVGHVWDFRX
mento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração
TXH H[WUDGLomR p FRPSHWrQFLD
ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou
GR SUHVLGHQWH GD 5HS~EOLFD (P
omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou
RHQWmRSUHVLGHQWH/XL],Qi
religiosa”), estabelece que seus dispositivos se aplicam “ainda quando o FLR /XOD GD 6LOYD FRQVLGHURX %DW
crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima WLVWLDOYRGHSHUVHJXLomRHQHJRX
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira” D H[WUDGLomR 2 6XSUHPR YROWRX
(art. 2º). Cuida-se, portanto, de situação de extraterritorialidade prevista DGLVFXWLURFDVRPDVFRQVLGHURX
em lei especial. TXHDGHFLVmRGRSUHVLGHQWHWLQKD
TXHVHUUHVSHLWDGD )RQWH*
!"!"#"#%=7*(2>0*'%)'%!"!#$%&#%!#%'()%?&=@%/76"%ABC
Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada é possível,
em tese, que o agente responda por dois processos pelo mesmo fato, um
no exterior, outro no Brasil, sobrevindo duas condenações. Se isso ocor-
rer, aplicar-se-á o art. 8º, que se funda no princípio do non bis in idem
(o qual proíbe seja alguém condenado duas vezes pelo mesmo fato).
Sendo assim, a pena cumprida no estrangeiro: a) atenua a pena imposta
no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas; ou b) nela é computada,
quando idênticas (detração).

!"
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E0E30%*+&' ! ! !&'()*+(!,('-.+/*)(0%!1%!
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!"#$ 10(+0*%!2+/'3
3DUD HQWHQGHU D WHRULD GR GHOL
WR p LPSRUWDQWH HVWXGDU D VXD
HYROXomR DR ORQJR GRV DQRV 6H Uma das principais características do direito penal reside em sua
IRURVHXSULPHLURFRQWDWRFRPR fragmentariedade. Apesar da multiplicidade de atos ilícitos existentes,
DVVXQWR UHFRPHQGDPRV D OHLWX apenas uma pequena parcela interessa a esse ramo do direito; tal parcela
UD GR FDStWXOR  compreende os atos que ofendem de modo mais grave os bens jurídi-
GD REUD .<6A<>!
cos considerados essenciais para o convívio em sociedade. As infrações
B8! 19=89:5! 286<>C#
penais, portanto, correspondem a um pequeno fragmento extraído da
2<=:8!-8=<>*XV
vasta gama de atos ilícitos.
WDYR-XQTXHLUDH
3DWULFLD9DQ]ROLQL
RX SDUD XP HV
WXGR PDLV DSUR !"#4! &%/&+0*%!1+!&(0.+
IXQGDGRDSDU
WLU GR FDStWXOR
Nossa legislação não apresenta, atualmente, um conceito de crime,
 GD REUD *=<D
:<B5! B8! 19=89:5! como ocorria nos Códigos anteriores (1830 e 1890). Há tempos o legis-
286<>YROXPH lador se deu conta de que a tarefa de definir esse importante instituto
GH&H]DU5REHU jurídico cabe à doutrina. Os penalistas, então, na tentativa de cumprir
WR%LWHQFRXUW essa árdua missão, apresentam uma série de conceitos, ora enfatizando
o aspecto puramente legislativo (conceitos formais), ora procurando in-
vestigar a essência do instituto (conceitos materiais), ora verificando os
elementos constitutivos do crime (conceitos analíticos).
'*+/FG% Tradicionalmente, os conceitos analíticos têm sido o foco central da
preocupação dos juristas brasileiros.
&(0.+!H)$727Ì3,&2$17,-85Ì',&2

I*85=9<!J9K<=:9B<L "#4#$#!&56789:5!;<:8=9<>!8!?5=;<>
&(0.+!H!)$727Ì3,&2$17,-85Ì',&2&8/3É9(/
Do ponto de vista material, crime pode ser definido como toda
I*85=9<!:=9K<=:9B<L ação ou omissão consciente, voluntária e dirigida a uma finalidade, que
cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens considerados
essenciais para a paz e o convívio em sociedade.
Formalmente, crime é a conduta proibida por lei, com ameaça de
pena criminal (prisão, pena alternativa ou multa).

"#4#4#!&56789:5!<6<>@:975
Como se antecipou acima, boa parte de nossa doutrina tem subli-
nhado a importância do conceito analítico. Sob o pretexto de investigar
quais os elementos constitutivos do crime, duas grandes teorias despon-
tam no Brasil, a primeira defendendo que crime é o fato típico, antijurí-
dico (ou ilícito) e culpável (teoria tripartida); a outra sustentando ser tal
ilícito o fato típico e antijurídico (ou ilícito) (teoria bipartida).
Não se pode ignorar a existência de autores asseverando que crime
é o fato típico, antijurídico, culpável e punível. Essa visão, contudo, tem
pouco prestígio na doutrina, porquanto se assenta em uma premissa

!"
!"#$"%&'($)*+

frágil: a punibilidade não pode ser considerada elemento do crime, já


que lhe é algo exterior. Note que por punibilidade entende-se a possibi-
*+,-.
lidade jurídica de aplicação da sanção penal. É possível, diante disso, que
2 DOHPmR#
um crime tenha ocorrido, mas, por fatores alheios à conduta delitiva, ! " # $ % & ' ( ) ' (##
não se possa aplicar a correspondente sanção. Assim, se um crime foi          p
cometido há muito tempo, provavelmente o seu responsável não mais F R Q V L G H U D G R
possa ser punido porque o fato terá sido atingido pela prescrição (causa R SDL GD !"#$
extintiva da punibilidade — art. 107, IV, do CP). O crime, entretanto, %&'( )&*'+&,-'( .'(
subsiste, apesar da extinção da punibilidade. Para melhor compreender, /01# DGRWDGD#
acompanhe este exemplo: A mata B em 1980, mas a autoria desse delito SHOD UHIRUPD GD#
só vem a ser descoberta em 2005. O homicídio prescreve em 20 anos (CP, 3DUWH *HUDO GR &yGLJR 3HQDO %UD
VLOHLUR GH  (P YLUWXGH GH D
art. 109, I); logo, essa descoberta tardia impedirá a punição do culpado
7HRULD )LQDOLVWD GD $omR WHU VLGR
(A). A prescrição obsta a aplicação da pena, na medida em que extingue
UHFHSFLRQDGD DPSODPHQWH SRU
a punibilidade, mas não apaga o crime, que inegavelmente ocorreu (ou
RUGHQDPHQWRVMXUtGLFRVIRUDGD$OH
será possível afirmar que, com a prescrição, o homicídio deixou de exis- PDQKD HVVH SHQVDGRU p XP GRV
tir, ressuscitando a vítima!). PDLV IDPRVRV HVWXGLRVRV GR 'LUHLWR
Resta, agora, considerar as duas teorias mais aceitas no Brasil. An- 3HQDO$OHPmR
tes, porém, cabe uma advertência. Costuma-se designar como “clássico”
o autor que diz ser o crime fato típico, ilícito e culpável, e “finalista”
aquele que afirma ser fato típico e ilícito. Embora tais designações sejam
correntes, não são precisas. A aceitação da teoria finalista da ação (que
revolucionou o direito penal da metade do século passado) não implica
necessariamente a conclusão de que o crime é fato típico e antijurídico.
Há, nesse sentido, diversos “finalistas” que defendem ser o crime fato
típico, antijurídico e culpável; dentre eles, Hans Welzel, o precursor da
teoria citada.
Por esse motivo, devem-se reservar as qualificações “clássicos” e
“finalistas” para se referir aos adeptos, respectivamente, da teoria cau-
sal ou naturalista da ação (e psicológica da culpabilidade) e da teoria
finalista da ação (e normativa pura da culpabilidade), que serão estu-
dadas abaixo.
No Brasil, seguindo o caminho inicialmente trilhado por René Ariel
Dotti e Damásio de Jesus, há vários juristas, como Julio Fabbrini Mira-
bete, Luiz Flávio Gomes e Fernando Capez, que se filiam ao entendi-
mento segundo o qual crime é o fato típico e antijurídico.
Outros, porém, como Heleno Cláudio Fragoso, Cezar Roberto Bi-
tencourt e Francisco de Assis Toledo, estão entre os adeptos da tese se-
gundo a qual crime é fato típico, antijurídico e culpável.
O conceito tripartido, elaborado da seguinte forma: fato típico, an-
tijurídico e culpável, é o predominante na doutrina, apesar de haver vá-
rios adeptos da corrente bipartida no Brasil. Quase a totalidade absoluta
dos manuais de Direito penal adota esse sistema.
./01/23-
Importante notar que os efeitos da opção pelo conceito tripar-
tido ou bipartido são muito mais teóricos do que práticos; pois para 9RFr DGRWD D FRUUHQWH TXH
ambas as correntes se não houver a culpabilidade não haverá a impo- GHIHQGH D WHRULD ELSDUWLGD RX D
sição de pena. WHRULDWULSDUWLGD"

!"
*0'-3 ! ! &%'()*%!+(,*&%!(!-%!(.()(,'-%!
%
!"#$ /-,%'&'0'&1-%!2-!/3&)(
?@ABC!3DEEF@!GHB!
.DICE   MX
ULVWD DOHPmR FULPL A expressão “sistemas penais” é pouco utilizada pela doutrina bra-
QRORJLVWDHUHIRUPD sileira. Muitos preferem referir-se a “teorias penais”. Assim, por exemplo,
GRU GR GLUHLWR LQWHU diz-se com mais frequência “teoria clássica” do que “sistema clássico”. A
QDFLRQDO IRL R SUR
terminologia “sistema”, entretanto, afigura-se mais adequada. Na defi-
SRQHQWH GD HVFROD
nição de Kant, sistema é a “unidade dos múltiplos conhecimentos sobre
MXUtGLFDVRFLROyJLFDHKLVWyULFD'H
DWpIRLSURIHVVRUGH'L
uma ideia” ou “uma totalidade de conhecimentos ordenada sob princí-
UHLWR3HQDOH,QWHUQDFLRQDOGD8QL pios”. Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinse-
YHUVLGDGHGH%HUOLP camente relacionadas, desenvolvidas durante determinado período da
evolução da dogmática penal.
Atualmente, apontam-se os seguintes sistemas penais:
a) sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”), que re-
monta ao início do século XX;
b) sistema neoclássico (conhecido também como normativista.
Corresponde ao anterior, acrescido da teoria de Reinhard Frank), sur-
gido em 1907;
c) sistema finalista (ôntico-fenomenológico), difundido a partir
da década de 1930;
d) sistema funcionalista (teleológico-racional), que se divide em:
funcionalismo sistêmico (Jakobs) e teleológico (Roxin), dentro dos
quais se desenvolveu a (moderna) teoria da imputação objetiva.

! ! !%&%'()*!/.5%%&/-!6-0!%&%'()*!
-
!"#4 7.&%8'9:(.&,;93*2:30/<=>

No final do século XIX, inicialmente com Franz von Liszt, depois


1-/*:0.53&- com Beling e Radbruch, surgiu o sistema clássico. Graças às suas teorias,
grandes avanços foram conquistados. Um dos mais marcantes foi afastar
F@DJD@KFRQVWUXLULQVWLWXLU
de vez a responsabilidade penal objetiva, já que esses penalistas erigiram o
dolo e a culpa a elementos essenciais do crime, sem os quais ele não existe.
Essa doutrina teve grande influência do positivismo científico, na
medida em que buscava examinar o crime sob um enfoque puramente
jurídico, desprovido de qualquer interferência de outras ciências, como
a sociologia, a filosofia ou a psicologia.
No dizer de Roxin, “o conceito clássico de delito (...) estava influen-
ciado de modo decisivo pelo naturalismo do final do séc. XIX, que de-
sejava submeter as ciências humanas ao ideal de exatidão das ciências
naturais, alicerçando, em razão disso, o sistema jurídico-penal em dados
da realidade mensuráveis e empiricamente comprováveis” (Funcionalis-
mo e imputação objetiva no direito penal, p. 201).

!!
!"#$"%&'($)*+

O sistema em questão resultou da conjugação de duas importantes


64789:;
teorias: 1ª) teoria causal ou naturalista da ação; 2ª) teoria psicológica
da culpabilidade. A primeira vê a ação como a inervação muscular, pro- &RPSRVLomR GR 3,).% 4(5*+.%
duzida por energias de um impulso cerebral, que provoca modificações SDUDRVFOiVVLFRV
no mundo exterior (von Liszt). A segunda entende que a culpabilidade DomR

é o vínculo psicológico que une o autor ao fato praticado, por meio do WLSLFLGDGH

dolo ou da culpa. UHVXOWDGR


Os penalistas clássicos subdividiam o crime em dois aspectos: QH[RFDXVDO


1º) aspecto objetivo: fato típico e antijuridicidade;


2º) aspecto subjetivo: culpabilidade.
O fato típico, para os clássicos, era composto de: ação; tipicidade
(ou seja, adequação perfeita entre o fato humano e o modelo legal abs-
trato — Beling); resultado (visto como modificação causal no mundo
exterior provocada pela conduta); e nexo de causalidade (vínculo que
une a conduta ao resultado).
A ilicitude ou antijuridicidade era consequência inerente à tipicidade
(todo fato típico presume-se ilícito); aquela, contudo, não ocorria quan-
do o fato típico fosse cometido sob o amparo de alguma causa excludente
de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento
do dever legal ou exercício regular de um direito). Além disso, entendia-
-se que tais excludentes, por serem exclusivamente objetivas, dispensa-
vam, para sua constatação, a presença de elementos subjetivos, vale dizer,
agia em legítima defesa mesmo aquele que desconhecesse totalmente a
existência de uma agressão injusta contra si ou terceiro. Por exemplo: A
mata B por vingança, justamente no momento em que este se encontrava
prestes a matar C, fato desconhecido pelo homicida A; embora objetiva-
mente A tenha salvado a vida de C, não matou por ciência, mas por pura
vingança; para os clássicos, A teria agido em legítima defesa de terceiro,
porquanto é irrelevante para tais fins verificar sua intenção.
A culpabilidade era vista como o vínculo psicológico que une o
64789:;
autor ao fato, por meio do dolo ou da culpa. Tinha como pressuposto
a imputabilidade, entendida à época como capacidade de ser culpável
&<15,=*1*>,>/
(ou seja, de reunir maturidade intelectual suficiente para agir dolosa ou
5,',%.-%+12--*+.-?
culposamente). Era o liame subjetivo que justificava a punição do autor.
A limitação da culpabilidade à constatação de dolo ou culpa dei- &XOSDELOLGDGH
YtQFXOR#
xava sem resposta inúmeras situações em que a pena não se justificava, SVLFROyJLFR
apesar de o agente ter cometido o fato dolosa ou culposamente. DXWRU IDWR

GRORRX#
!"#"$"%&'()*+,-%,.%-*-)/0,%+12--*+. FXOSD
Muitas das ideias elaboradas pelos clássicos ainda são defendidas
nos dias de hoje, dentre elas a negação da responsabilidade penal obje-
tiva. Outras, no entanto, foram alvo de críticas e acabaram sendo aper-
feiçoadas. Vejamos:

!"
a) Os autores clássicos entendiam que a ação, em sentido amplo,
subdividia-se em ação em sentido estrito (ex., um fazer) e omissão (não
fazer). Ambas eram consideradas causais (teoria causal ou naturalista da
ação), ou seja, tanto a ação propriamente dita (fazer) quanto a omissão
(não fazer) geravam relações de causa e efeito. A omissão, contudo, não
dá ensejo a relações de causalidade. Trata-se de um nada, e do nada,
nada vem (ex nihilo, nihil). Não se pode dizer que o não agir é causa real
e efetiva de algum evento. Quem não age, quando muito, deixa de inter-
ferir numa relação de causalidade preexistente, mas não cria uma por si
só. A pessoa que assiste a um homicídio praticado por desconhecido e
nada faz, seja por medo, seja por indiferença, não pode ser considerada
responsável pela morte da vítima, a não ser que possua algum dever ju-
rídico de impedir esse resultado (como o policial). Essa pessoa não cria
a relação de causalidade que leva ao óbito, embora possa nela intervir
de algum modo (ex.: gritando por socorro, empurrando o atirador para
que erre o alvo etc.). Ao policial, entretanto, será imputada a responsabi-
lidade criminal pela morte no momento de sua omissão. O que diferen-
cia a pessoa comum do policial nessa situação não é o comportamento,
pois ambos podiam agir e se omitiram, mas o fato de o agente da lei,
diferentemente das demais pessoas, ter o dever jurídico de agir e de evi-
tar o resultado. A omissão penalmente relevante, portanto, não é causal,
mas normativa, é dizer, funda-se na existência de um dever jurídico (ou
normativo) de agir visando afastar o resultado.
b) Os clássicos somente examinam a intenção (dolo) do agente no
âmbito da culpabilidade, ignorando-a quando da verificação da ação.
Ocorre que, ao separarem a intenção da conduta, estão separando, na
teoria, algo indissociável na prática. Todas as pessoas, em função de seus
conhecimentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem ante-
ver, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, diri-
gindo-os a uma finalidade que pretendam atingir. Sabemos que ninguém
age sem ter, por detrás, alguma intenção, por mais singela que seja. O
fato de alguém estar lendo esse texto demonstra que toda ação humana
é dirigida a uma finalidade. Quem pretende a aprovação num exame ou
concurso público (finalidade) sabe que somente com estudo (conduta)
se atinge a meta escolhida. Diante disso, dirige sua ação (estudando) para
alcançar o objetivo a que se propôs (passar no exame). Sendo assim, não
se concebe como a conduta humana penalmente relevante possa ser ana-
lisada sem a intenção que a moveu. Os clássicos incorriam nesse equívo-
co quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade.
c) Como consequência da crítica anterior, essa teoria encontra di-
ficuldades para explicar o crime tentado. Se uma pessoa é flagrada pu-
lando o muro de uma residência, nela adentrando e pondo suas mãos
sobre um objeto, como é possível enquadrar sua ação num tipo penal
sem saber qual sua intenção? Se o fato é típico, independentemente do
exame do dolo (da maneira como sustentam os clássicos), como saber
qual o fato típico praticado? Violação de domicílio ou tentativa de furto?
Será impossível determinar sem perquirir o propósito do agente. Será

!"
!"#$"%&'($)*+

que ele pretendia subtrair aquele objeto que tocou ou somente o admi-
rava para, em seguida, devolvê-lo? Essas considerações são fundamentais
para sabermos qual o fato típico. Sem o exame da intenção, portanto,
não há como descobrir que fato típico houve, e, por vezes, nem sequer
é possível determinar se ocorreu ou não fato típico (como se verá na
próxima crítica).
d) Os elementos subjetivos do injusto. A doutrina havia-se aper-
cebido do fato de que, em determinadas situações, era absolutamente
indispensável examinar a intenção do sujeito (o elemento subjetivo do
injusto) para descobrir se houve crime. Assim, quando um médico passa
suas mãos nas partes pudendas de uma mulher, não temos como saber
se ocorreu algum delito se não analisarmos sua intenção. Se o profissio-
nal estiver realizando um exame ginecológico de rotina, não há ilícito
penal algum, mas se estiver aproveitando-se para dar vazão à sua lascí-
via, ocorre violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, com a redação
dada pela Lei n. 12.015, de 2009). O que separa as duas condutas, uma
lícita e outra criminosa, é, tão só, a intenção do sujeito.
e) Para os clássicos, a culpa tem natureza psicológica, quando, na
verdade, tem caráter normativo, já que seu exame demanda um juízo
de valor, por meio da comparação a ser feita pelo juiz entre a conduta
do agente e a de uma pessoa de mediana prudência e discernimento, na
situação em que ele se encontrava.
f) Essa teoria não explica os casos de coação moral irresistível e
obediência hierárquica (em nosso CP, v. art. 22). Se uma pessoa é obri-
gada a produzir um documento falso, sob a mira de uma arma de fogo
municiada, não deve ser condenada pelo crime de falsificação de do-
cumento (não teria cabimento a lei preferir que alguém cedesse a sua
vida a que fabricasse um documento falso). Dessa conclusão ninguém
diverge. Ocorre que, aplicando as teorias sustentadas pelos clássicos, não
há como fundamentar uma decisão absolutória.

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50-6((20+(7
SISTEMA CLÁSSICO
Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do
crime
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (pressu-
que o compõem) antijuridicidade posto: imputabilidade)
1) Conduta (ação) Estará sempre presen- Subdivide-se em duas
2) Resultado te, salvo quando o fato espécies:
3) Nexo de causalidade típico for praticado a) dolo, ou b) culpa
sob o abrigo de alguma
4) Tipicidade
excludente de ilicitude
(legítima defesa, estado
de necessidade etc.)

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IHVVRU DOHPmR Muitos dos equívocos acima destacados foram desde logo percebi-
GH GLUHLWR SHQDO dos pela doutrina alemã, que procurou reelaborar alguns conceitos com
H GLUHLWR LQWHUQD vistas a aperfeiçoar a teoria do crime. Nesse sentido, Reinhard Frank re-
FLRQDOIRLXPGRV
formulou a noção de culpabilidade, visando melhor adequá-la aos pro-
SULQFLSDLVUHVSRQ
blemas concretos, notadamente às situações de coação moral irresistível
ViYHLV SHOD UHIRU
e obediência hierárquica. Esse autor vinculou a culpabilidade à ideia de
PDGR&yGLJR3HQDODOHPmR
reprovabilidade, defendendo que só se pode considerar culpável a con-
duta reprovável socialmente, ou seja, digna de censura. A pessoa que
K%K-%+&',) falsifica um documento sob ameaça de morte exercida com emprego de
arma de fogo, embora cometa um crime e aja dolosamente (de modo
'=@A9=! (7BC7<! consciente e voluntário), não tem escolha na situação concreta, pois, se
7! D! E8<78FD! G79;H! não agir dessa forma, morrerá. Em função disso, não se pode exigir do
=7!I7A!F7@JDGH agente comportamento distinto. Como poderíamos condenar alguém
)UDQFLVFR 0XxR] que agiu exatamente como qualquer um agiria em determinada situa-
&RQGH $ REUD ção? Não podemos exigir do réu um comportamento diferente (ou seja,
WUDWD GD UHODomR
que não cometa o crime), quando, na situação em que ele se encontrava,
GH 0H]JHU FRP
teríamos agido do mesmo modo. Nessas situações excepcionais, o réu
D TXHVWmR SROtWL
deve ser absolvido, entendendo-se que sua conduta não foi censurável.
FRFULPLQDOQDFLRQDOVRFLDOLVWD
Estruturalmente, a teoria desenvolvida por Frank resultou na com-
preensão de que a culpabilidade deveria ser composta por um novo ele-
)&'*MN+ mento: a exigibilidade de conduta diversa (só age culpavelmente quem,
na situação concreta, poderia ter-se comportado de outro modo).
(OHPHQWRV GD ,AHJ;L8H8=;=7# Ao lado do novo elemento, havia outros dois conhecidos: dolo ou
QRVLVWHPDQHRFOiVVLFR culpa e imputabilidade (antes vista como pressuposto da culpabilidade,
‡LPSXWDELOLGDGH passa agora a ser considerada seu elemento).
‡GRORRXFXOSD Em resumo, de acordo com a teoria de Frank, denominada “psi-
‡H[LJLELOLGDGH GH FRQGXWD cológico-normativa da culpabilidade” ou “normativa da culpabilidade”,
GLYHUVD uma das bases do sistema neoclássico, a culpabilidade tem os seguintes
elementos: a) imputabilidade; b) dolo ou culpa; c) exigibilidade de con-
duta diversa.
Note-se que o sistema neoclássico tem como pilares, além da nova
teoria da culpabilidade citada, a teoria causal ou naturalista da ação
(oriunda do sistema clássico, até então inalterada).
Com isso percebe-se que Frank solucionou apenas um dos proble-
mas encontrados no sistema clássico, justamente a necessidade de ex-
plicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de coação moral
irresistível e obediência hierárquica; as demais críticas, no entanto, sub-
sistiam.
Procurou-se, ainda, resolver a questão do erro de proibição (o qual
ocorre quando uma pessoa pratica um ato desconhecendo totalmente
que a lei o proíbe; p. ex., alguém se apodera de um relógio perdido na
rua acreditando ter o direito de se apropriar do bem, com base no dito

!"
!"#$"%&'($)*+

popular “achado não é roubado”, desconhecendo que a lei pune esse ato,
que configura o crime de apropriação de coisa achada — art. 169, pará-
grafo único, II, do CP). No sistema anterior não havia solução satisfató-
ria para tal situação. Com o escopo de dar uma resposta a esse proble-
ma, alguns autores integrantes do sistema neoclássico “ressuscitaram”
a teoria do dolus malus e, com uma roupagem atualizada para a época,
criaram o chamado “dolo híbrido ou normativo”. Trata-se do dolo que
exige a presença de três elementos: consciência, vontade e consciência da
ilicitude do comportamento. Assim, aquele que age sem ter consciência
da ilicitude de sua conduta não age dolosamente. No exemplo acima
proposto, o agente seria absolvido por falta de dolo. Tal solução, todavia,
não ficou isenta de questionamentos.
Ao afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se
o sério risco de tornar impunes criminosos habituais e demais delin-
quentes profissionais. Imagine uma pessoa criada numa grande favela,
que não teve acesso à educação e viveu no meio da violência e da mar-
ginalidade como se isso fosse o normal. É possível que ela não veja mal
algum na venda de certa quantidade de droga para se sustentar. Pode
até considerar esse comportamento correto, segundo seus padrões in-
dividuais. Esse sujeito, então, nunca seria punido criminalmente pelo
tráfico de drogas que cometesse, pois a falta de consciência individual
da ilicitude conduziria, consoante a teoria acima exposta, à ausência de
dolo em suas condutas.

!"!"#"$$%&'()*$+*'$&,&)&-.*'$+*$/01)&$2303$*'$
4-&*/,5''1/*'6

SISTEMA NEOCLÁSSICO
Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do
crime
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta Estará sempre presente, 1) Imputabilidade
2) Resultado salvo quando o fato 2) Dolo ou culpa
3) Nexo causal típico for praticado 3) Exigibilidade de
sob o abrigo de alguma conduta diversa
4) Tipicidade
excludente de ilicitude
(legítima defesa, estado
de necessidade etc.)

$!"7$ 898:;<=$>9?=@98:=$AB=?8$C;@D;@E

Em 1931, em sua obra Causalidade e Omissão, Welzel rompe defi-


nitivamente com os sistemas anteriores. Partindo de uma premissa ex-

!"
traída de lições da psicologia, Welzel percebe que a finalidade constitui a
()*+,-. espinha dorsal da conduta humana.
$ WHRULD ÀQDOLVWD GH :HO]HU Como já se destacou acima, as pessoas, em função de seus conheci-
´UHWLUDµ !"#"# $# $%#&' GD FXOSDEL mentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem antever, dentro
OLGDGHHDWRUQDFRPSRQHQWHGR de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, dirigindo-os a
IDWRWtSLFR uma finalidade que pretendam atingir. Ninguém age sem ter, por detrás,
alguma intenção, por mais singela que seja. Sendo assim, não se concebe
como a conduta humana penalmente relevante possa ser analisada sem
a intenção que a moveu (esse o fundamento da teoria finalista da ação).
Os clássicos incorriam nesse equívoco quando reservavam o exame do
dolo para a culpabilidade, e foi justamente isso que Welzel corrigiu.
O dolo, elemento indicativo da intenção perseguida pelo agente,
não pode ser analisado somente no âmbito da culpabilidade, de modo
destacado da ação ou omissão a que se vinculou. Se a finalidade é a
alma da conduta humana, ele deve ser analisado em conjunto na teoria
do crime.
Como consequência, o penalista mencionado passou a sustentar
que o dolo e a culpa deveriam fazer parte do fato típico, e não da culpa-
bilidade. Assim, graficamente:

SISTEMA FINALISTA
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta DOLOSA (...) 1) Imputabilidade
OU CULPOSA 2) (...)
2) Resultado 3) Exigibilidade de con-
3) Nexo causal duta diversa
4) Tipicidade

Hans Welzel notou, também, que o dolo deve possuir apenas dois
elementos: consciência e vontade (“dolo natural” ou “dolo neutro”). A
consciência da ilicitude deve ser retirada do dolo e mantida na culpabi-
lidade, mas não como consciência atual (individual), e sim como cons-
ciência potencial da ilicitude, como se explicará mais adiante.
Dolo e culpa, como se observa, deslocaram-se para o fato típico, o
que motivou o surgimento de um fato típico de crime doloso e outro de
crime culposo.
Interessante notar que o próprio Welzel afirmava não ter trazido
nenhum elemento novo à estrutura do crime, apenas os teria distribuí-
do corretamente.
As ideias desse autor resultaram em duas novas teorias: teoria fi-
nalista da ação e teoria normativa pura da culpabilidade, os pilares do
sistema finalista.
Antes de prosseguir, convém uma última e breve advertência: rotu-
lar alguém de “clássico” ou “finalista”, portanto, equivale a identificá-lo
como seguidor da teoria causal da ação e psicológica da culpabilidade
ou da teoria finalista da ação e normativa pura da culpabilidade.

!"
!"#$"%&'($)*+

7HRULDÀQDOLVWDGDDomR
!"#$%&$'(')
Sustenta que a ação não é mero acontecer causal, mas sim um acon-
tecer final. A finalidade está sempre presente porque o homem, graças ao 1R %UDVLO RV ~QLFRV FULPHV MXO
seu saber causal (conhecedor das leis da causa e efeito), pode direcionar JDGRVSHOR7ULEXQDOGR-~ULVmRRV
sua ação para a produção de um resultado querido. Ação e finalidade GRORVRV FRQWUD D YLGD KRPLFtGLR
são inseparáveis. A teoria causal, ao separar o dolo da ação, separa juri- LQIDQWLFtGLRDERUWRHLQGX]LPHQWR
dicamente o que é inseparável no mundo real. Acompanhe o exemplo a LQVWLJDomRRXDX[tOLRDVXLFtGLR

seguir, confirmando que o dolo está na ação e não na culpabilidade. O


art. 124 do CP tipifica o crime de autoaborto. Trata-se de delito punido
apenas na forma dolosa. Logo, se uma gestante ingere, acidentalmente,
um comprimido, desconhecendo seu efeito abortivo, não responderá
pelo crime. Pergunta-se, então, por quê? E a resposta evidente é: porque
o fato é atípico (a lei não pune o aborto culposo). Adotando-se o sistema
clássico, entretanto, teríamos um fato típico e antijurídico, pois a falta de
dolo, nesse sistema, não conduz à atipicidade do comportamento, mas
leva à exclusão da culpabilidade. Na prática, significa que o Ministério
Público, por esse sistema, mesmo após constatar com absoluta seguran-
ça que a mãe não agiu dolosamente, deveria denunciá-la pelo crime do
art. 124 do CP, cabendo ao juiz (com base no art. 415 do CPP) ou ao
Júri absolvê-la. Com o sistema finalista, entretanto, tal absurdo pode ser
evitado. Quando o membro do MP conclui categoricamente que não
houve dolo, tem diante de si um fato atípico, com base em que pode
validamente postular o arquivamento do inquérito policial.

(VWUXWXUDGRFULPHQRVLVWHPDÀQDOLVWD

!"#"$"%"&'()*&)+,-.*
Graças à teoria finalista, foi possível diferenciar um fato típico de
crime doloso e outro de crime culposo (afinal, o dolo e a culpa saíram
da culpabilidade e se agregaram ao fato típico, ao lado da conduta, que
pode ser dolosa ou culposa).

FATO TÍPICO
Crime doloso Crime culposo
Conduta dolosa Conduta voluntária
Resultado voluntário (nos crimes Resultado involuntário
materiais)
Nexo de causalidade (entre conduta Nexo de causalidade (entre conduta
e resultado, nos crimes materiais) e resultado)
Tipicidade Tipicidade
Quebra do dever de cuidado obje-
tivo (imprudência, negligência ou
imperícia)
Previsibilidade objetiva do resultado

!"
!"#"$"$"%&'()(*+,-
<&=>?@A
No âmbito da ilicitude, destaca-se a seguinte inovação: com a im-
&RQWH~GR GD 89.:+;*.*/+/'% portância conferida à finalidade da conduta, passou-se a sustentar que
QR)LQDOLVPR todas as causas excludentes de ilicitude possuem um elemento subjeti-
‡LPSXWDELOLGDGH vo, ao lado dos requisitos objetivos exigidos por lei. Assim, na legítima
‡H[LJLELOLGDGH GH FRQGXWD defesa, além da existência de uma agressão injusta, atual ou iminente, a
GLYHUVD direito próprio ou alheio, que se refute moderadamente com os meios
‡SRWHQFLDO FRQVFLrQFLD GD necessários (CP, art. 25), é preciso que a pessoa aja com a intenção de
LOLFLWXGH defender-se ou de defender terceiro.

CDCEDA&=8< !"#"$"."%/+'012('(,1,-
Como se viu, a retirada do dolo e da culpa da culpabilidade pro-
3DUD DSURIXQGDU moveu sua reestruturação, passando ela a conter os seguintes elementos:
RV FRQKHFLPHQ a) imputabilidade; b) exigibilidade de conduta diversa; e c) potencial
WRVVREUHRFRP consciência da ilicitude.
SOH[R XQLYHUVR
Segundo a teoria de Welzel, todos os elementos da culpabilidade
#$% !"#$%&'#'(%)
têm natureza normativa, porquanto implicam um juízo de valor (daí o
(* VXJHULPRV
89.:+;*.*/+/'B% nome teoria normativa pura da culpabilidade).
GH'DYLGH3DLYD O elemento potencial consciência da ilicitude não constitui, pro-
&RVWD7DQJHULQR(GLWRUD6DUDLYD priamente, uma novidade. De fato, foi ele destacado do dolo, onde se
encontrava até então. No sistema anterior, o dolo compunha-se de cons-
ciência e vontade (elementos psicológicos), e consciência da ilicitude
(elemento normativo) (“dolo híbrido ou normativo”). A partir do fi-
nalismo, passou a conter somente os dois primeiros elementos (“dolo
natural” ou “neutro”). A consciência da ilicitude, por sua vez, permane-
ceu na culpabilidade, porém não como consciência atual, mas potencial.
Com outras palavras, a simples falta de compreensão acerca do caráter
ilícito do fato não mais é suficiente para isentar o agente de respon-
sabilidade penal. Quando isso ocorrer, justificar-se-á tão somente uma
redução da pena. Só haverá isenção total da pena quando a pessoa, além
de desconhecer a ilicitude de comportamento, nem sequer possuir con-
dições, em função da realidade em que viveu e foi criada, de alcançar tal
compreensão. Da mesma forma: se o sujeito não sabia que agia ilicita-
mente, mas tinha condições de sabê-lo, merecerá uma pena menor; se,
contudo, essa pessoa, por mais inteligente e atenta que fosse, nunca teria
tido condições de perceber a ilicitude do comportamento, não respon-
derá criminalmente pelo ato. Nossa legislação adotou essa sistemática,
como se constata no art. 21 do CP.

!"#"$"%&'()*+%,(-*+.%/+%+01(%23',,'.,%'%
4',-5'-67
A teoria social da ação pode ser enquadrada dentro do sistema
finalista, uma vez que incorpora boa parte de seus postulados. Foi con-
cebida visando suplantar o conceito finalista e, por essa razão, agregou
um elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja, a

!"
!"#$"%&'($)*+

relevância social. Desse modo, a ação passa a ser entendida como a


conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela ação e
dirigida a uma finalidade. Tal concepção não angariou muitos adep-
tos, dentre outros motivos, pelo fato de que a teoria social da ação faz
com que condutas socialmente aceitas constituam irrelevantes penais,
o que, em última análise, significa a revogação de uma lei penal por um
costume social.

!"#$! %&%'()*!+,-.&/-*0&%'*

"#$#1#!&234567895
No direito penal moderno tem-se travado um debate ainda sem so-
lução definitiva: deve a dogmática penal ser entendida à luz da função
(missão) do direito penal (funcionalismo) ou deveria ela ser estruturada
a partir de dados empíricos (causalismo e finalismo)?
A última opção, além de ser aquela tradicionalmente aceita, tem a
seu favor a segurança jurídica que advém de seus critérios bem definidos
(ação, nexo causal, dolo e culpa). Contra ela se aduz a injustiça de algu-
mas de suas soluções (ex.: regressus ad infinitum), adotadas em nome da
“harmonia do sistema”.
A primeira revoluciona o direito penal e propõe que mais impor-
tante que a “beleza estética” do sistema é a busca de soluções justas.
É a mais aceita na Europa e tem ganhado corpo na América Latina.
Pesa contra ela a crítica de que se apoia em critérios fluidos, por vezes
não delimitados completamente (ex.: risco permitido). Essa concepção
é denominada funcionalismo, isto é, a tese segundo a qual a dogmática
deve ser interpretada à luz da função do direito penal. No seu contexto
é que se deu o desenvolvimento da teoria da imputação objetiva: “A im-
putação objetiva, ao considerar a ação típica uma realização de um ris-
co permitido dentro do alcance do tipo, estrutura o ilícito à luz da fun-
ção do direito penal. Esta teoria utiliza-se de valorações constitutivas da
ação típica (risco não permitido, alcance do tipo), abstraindo de suas
variadas manifestações ônticas” (Claus Roxin, Sobre a fundamentação
político-criminal do sistema penal, in Estudos de direito penal, trad. Luís
Greco, p. 79-80).
Seus principais seguidores são Claus Roxin (funcionalismo racional-
-teleológico) e Günther Jakobs (funcionalismo sistêmico). Esses penalis-
tas divergem, entretanto, quanto à função do direito penal, o que reflete
decisivamente em seu modo de pensar a dogmática penal (embora sejam
ambos adeptos da teoria da imputação objetiva, com pequenas variações).
A grande distinção entre as teorias de Roxin e Jakobs funda-se no
fato de que aquele propõe limitações expressas ao direito de punir esta-
tal, o que não se vê neste.

!"
Comparem-se, abaixo, as palavras de cada um dos citados autores:
45678
Roxin: “Os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar da
C>+)D%8.E2=QDVFL finalidade que tem o direito penal no âmbito do ordenamento estatal.
GR HP  (...). Penso que o direito penal deve garantir os pressupostos de uma
HP +DPEXUJR p convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida
XP GRV PDLV LQÁX em que isso não seja possível através de outras medidas de controle
HQWHVGRJPiWLFRV sociopolíticas menos gravosas” (Claus Roxin, Que comportamentos
GR GLUHLWR SHQDO pode o Estado proibir sob ameaça de pena? Sobre a legitimação das
DOHPmR WHQGR proibições penais, in Estudos de direito penal, trad. Luís Greco, p. 32).
FRQTXLVWDGR UHSXWDomR QDFLR Complementa o autor: “... a finalidade do direito penal (...) é carac-
QDO H LQWHUQDFLRQDO QHVVH UDPR terizada como ‘proteção subsidiária de bens jurídicos’. São chamados
eGHWHQWRUGHLQ~PHURVGRXWRUD bens jurídicos todos os dados que são pressupostos de um convívio
GRV KRQRUiULRV H Mi SURIHULX SD pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade; e sub-
OHVWUDVQR%UDVLO sidiariedade significa a preferência de medidas sociopolíticas menos
FG=*H19% I+J./DK% gravosas” (p. 35).
QDVFLGRHP0|Q
FKHQJODGEDFK Jakobs: “... a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a segu-
HP  rança de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante
p% FDWHGUiWLFR um comportamento que não possa ser interpretado como compatível
HPpULWRGH'LUHL com um modelo de mundo esboçado pela norma” (Günther Jakobs,
WR3HQDOH)LORVRÀDGR'LUHLWRSHOD A proibição de regresso nos delitos de resultado, in Fundamentos do
8QLYHUVLGDGHGH%RQQ$OHPDQKD direito penal, trad. André Luís Callegari, p. 93). Em outras palavras, “a
e DXWRU GR SROrPLFR OLYUR !"#$"%&' finalidade da pena é a manutenção estabilizada das expectativas so-
($)*+',&'-)"."/& )HLQGVWUDIUHFKW  ciais dos cidadãos. Essas expectativas são o fundamento das normas,
ou seja, dos modelos de conta orientadores do contato social. A pena,
consequentemente, tem a função de contradizer e desautorizar a deso-
bediência da norma. O direito penal, portanto, protege a validade das
normas e essa validade é o ‘bem jurídico do direito penal’” (Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 184).

!"#"$"%&'()*+,-.%./01*23+
@&@A&76BC4

6REUH D LPSX
!"#"$"%"&'()*+,-(
WDomR REMHWLYD A imputação objetiva constitui uma teoria, fundada em sua con-
UHFRPHQGDPRV
cepção moderna por Claus Roxin, por meio da qual se sustenta que um
69+*+:.%:1%;2912*.%
resultado só pode ser atribuído a quem realizou um comportamento ge-
<1=+> YRO  GH
&H]DU5REHUWR%L rador de um risco relevante e proibido, que se produziu neste resultado.
WHQFRXUW (GLWRUD Luís Greco a define como “o conjunto de pressupostos que fazem
6DUDLYD de uma causação uma causação típica, a saber, a criação e realização
de um risco não permitido em um resultado” (A teoria da imputação
5'%<+=.9+'+%:+% objetiva — uma introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
61.92+%:+%&'()*+? objetiva no direito penal, p. 15).
,-.% 7/01*23+ GH
/XtV*UHFR
!"#"$"$"&./,0+1
Há uma “genealogia oficial” da imputação objetiva, construída por
seu criador (Claus Roxin), que assim se segue:

!"
!"#$"%&'($)*+

— Karl Larenz, em 1927, define o conceito de imputação para o


direito em sua tese de doutorado, intitulada A teoria da imputação de
Hegel e o conceito de imputação objetiva. O problema básico que se
procura resolver é o seguinte: quais são os critérios adequados para se
distinguir entre as consequências de nossos atos que nos podem ser atri-
buídas como obra nossa e quais são mera obra do acaso?
— Richard Honig, em 1930, transporta para o direito penal a con-
cepção de Larenz, por meio de seu ensaio intitulado Causalidade e im-
putação objetiva. Partindo da antiga polêmica entre a teoria da equiva-
lência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada (v. Cap. V,
item 4, abaixo), no sentido de estabelecer o critério mais acertado para
se atribuir a uma pessoa um resultado, Honig conclui que não se pode
admitir seja a comprovação de uma relação de causalidade material o
aspecto mais importante da teoria do crime. Deve-se, ao revés, verificar
quais são as exigências jurídicas para que se estabeleça um liame entre
ação e resultado.
— Claus Roxin, em 1970, elabora o ensaio Reflexões sobre a pro-
blemática da imputação no Direito Penal, publicado em obra que co-
memorava os 70 anos de Honig, em que resgata o ponto de partida
deste autor (rejeição da importância da causalidade material) e elabora
as bases da “moderna” teoria da imputação objetiva (fundada no prin-
cípio do risco).
Importante acrescentar que Günther Jakobs também se inclui entre
os adeptos da imputação objetiva, embora discorde de Roxin quando
este sustenta que se deve abandonar o nexo de causalidade fundado na
teoria da equivalência dos antecedentes. Para Jakobs, a imputação de um
resultado a uma conduta dá-se em duas etapas: 1ª) verifica-se se houve
nexo causal; 2ª) analisa-se a existência de imputação objetiva entre a
conduta e o resultado, de modo que esta teoria atua como um freio (e
não como substituta) da relação de causalidade material.

!"#"$"%"&&'()*+,+(,-./&01&2341-./&03&51(*14,0103&
61+32,14
Claus Roxin procura elaborar uma teoria geral da imputação obje-
tiva, aplicável aos crimes materiais. Para o autor, a imputação objetiva
deve substituir a relação de causalidade, abandonando-se o “dogma da
causalidade”. No Brasil, Damásio de Jesus segue a mesma orientação.
Para Günther Jakobs, contudo, não há como abrir mão de um míni-
mo de causalidade material na aferição da responsabilidade penal. A im-
putação objetiva serviria, então, para restringir o alcance do nexo causal
fundado na teoria da equivalência. É a opinião, entre outros, de Enrique
Bacigalupo e Juarez Tavares.
Vê-se, portanto, que, enquanto Roxin propõe a substituição da re-
lação de causalidade material pela imputação objetiva, Jakobs assevera
que não se deve abrir mão da relação de causalidade física, servindo a
imputação objetiva como uma espécie de freio.

!!
Parece-nos que, em face de nosso ordenamento jurídico, notada-
mente por conta do art. 13, caput, do CP, deve-se preferir a concepção
de Jakobs.
“A sequência da comprovação da imputação objetiva exige que, de
início, se estabeleça uma relação de causalidade entre o resultado tí-
pico (por exemplo, interrupção do estado de gravidez, no crime de
aborto) e uma determinada ação. Em seguida, deve-se verificar: 1º)
se essa ação no momento de sua execução constituía um perigo ju-
ridicamente proibido (se era socialmente inadequada); e 2º) se esse
perigo é o que se realizou no resultado típico produzido” (v. Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 248).

Em suma: deve-se determinar, primeiramente, a relação de causa-


lidade, nos termos (inafastáveis) do art. 13, caput, do CP. Em seguida,
deve-se verificar a relação de imputação objetiva.
Importante ressaltar que a adoção da teoria não depende de refor-
ma legislativa, porquanto a relação de imputação objetiva caracteriza
elemento normativo implícito de todo tipo penal, podendo, assim, ser
extraída do princípio constitucional da legalidade (art. 5º, XXXIX).

,QVXÀFLrQFLDGDVWHRULDVWUDGLFLRQDLV
A relação de imputação objetiva dá-se quando for possível atribuir
a alguém a criação de um risco juridicamente proibido e relevante e a
produção de um resultado jurídico, como consequência daquele.
A preocupação central da teoria é identificar os critérios jurídicos
para que alguém possa ser considerado o responsável por determina-
do resultado jurídico, não do ponto de vista meramente causal (relação
causa-efeito), mas sob um aspecto valorativo, vale dizer, quando é justo
considerar alguém como o verdadeiro responsável por determinada le-
são ou ameaça de lesão a algum bem jurídico.
A teoria da imputação objetiva (na concepção que adotamos) bus-
ca restringir o alcance no nexo de causalidade, fundado na teoria da
equivalência dos antecedentes, cuja extensão conduz a situações injustas
e, às vezes, absurdas: afirmar a existência de nexo de causalidade entre a
ação do vendedor de uma arma de fogo (ou até do fabricante!) e a morte
provocada com o tiro do revólver configura demasiado exagero.
Tradicionalmente, apesar da existência da relação de causalidade,
diz a doutrina que nem o vendedor nem o fabricante respondem pela
morte, pela falta de imputação subjetiva (ex.: falta de dolo). A solução
proposta é justa, mas não resolve todas as situações. E se o vendedor
agisse com dolo? Imagine que A, pretendendo matar B, conhecido polí-
tico, dirija-se à loja de C para comprar um revólver (apresentando toda
a documentação necessária). O vendedor C, coincidentemente, toma
conhecimento da intenção de A, porque o ouve conversando ao tele-
fone. Ao vender a arma de fogo, o comerciante C deseja e espera que o
crime se consume, já que considera o político B um corrupto. Pois bem,

!"
!"#$"%&'($)*+

apura-se que B fora morto por A, o qual se utilizou do instrumento bé-


!"#$%&$'(')
lico vendido por C. Nesse exemplo há, indubitavelmente, nexo objetivo
entre a venda e o homicídio; afinal, sem o negócio jurídico a morte não
$WHRULDGDLPSXWDomRREMH
ocorreria da maneira como se deu, de sorte que a ação do comerciante
WLYDFDGDYH]PDLVpDFLWDGDHP
C é causa do resultado. Há, também, vínculo subjetivo, de modo que QRVVRVWULEXQDLV
o vendedor deveria ser responsabilizado pelo homicídio doloso! Nada ´­ OX] GD WHRULD GD LPSX
mais absurdo, sobretudo diante de tantos fatores, alheios à conduta do WDomR REMHWLYD DVVHQWRX TXH R
vendedor, que interferiram no desfecho letal. Este não possuía domínio PRGR GH DJLU GD Up QmR FULDUD
algum sobre o desenrolar causal dos fatos; além disso, o controle sobre o VLWXDomR GH ULVFR QmR SHUPLWLGR
uso do revólver por seu adquirente extrapola, em muito, o papel social DSWD D YLVOXPEUDU VH FRPSURYD
que se espera do vendedor. Ao concluir pela responsabilidade do vende- GR SHOR !"#$%&' R UHOHYR SHQDO
dor estaríamos punindo sua ideia! GR FRPSRUWDPHQWR TXHU VRE R
kQJXOR GD DXWRULD TXHU VRE R
Qual a diferença, do ponto de vista prático, entre a atitude do ven-
GD SDUWLFLSDomRµ $3 0*
dedor que realiza o negócio sabendo ou esperando o resultado e a da- UHO 0LQ -RDTXLP %DUERVD  
quele que faz exatamente a mesma coisa, sem ter o menor conhecimen- H  $3  ,QIRUPDWLYR
to do destino do bem? Apenas o pensamento diferencia uma situação 67)
da outra. Quando um comerciante vende arma de fogo a um policial,
mesmo sabendo que o adquirente é um agente da lei e esperando que
faça bom uso do revólver, se efetivamente várias vidas forem salvas em
serviço graças ao instrumento bélico, nenhum mérito ou crédito terá o
vendedor. Se a ele não se atribuem os louros, também não deve arcar
com os ônus.
Aplicando-se a esse problema a teoria da imputação objetiva, che-
ga-se a um resultado justo e convincente. Com ela, exige-se que a condu-
ta do vendedor do automóvel tenha criado um risco juridicamente proi-
bido e relevante ao bem jurídico lesado (no caso, a vida do político B). O
comportamento do vendedor, no entanto, não gera nenhum perigo (ou
risco) proibido à vida de terceiros. Não faz parte de seu papel social zelar
pelo bom ou mau uso do veículo por seu adquirente. Por esse motivo,
embora haja nexo causal e dolo, ele não responde pela morte, pela falta
de imputação objetiva. Acrescente-se que uma conduta inicial lícita não
conduz seu autor à responsabilidade por ações posteriores ilícitas prati-
cadas por terceiro (princípio da proibição do regresso).

!"#"$"!"%&'()*+,'%-)*./01'
A relação de imputação objetiva constitui elemento do fato típi-
co (elemento normativo implícito), cuja função é servir como critério
limitador à relação de causalidade material. Serve para barrar aquelas
situações injustas, em que a aplicação rigorosa da teoria da equivalência
dos antecedentes conduz a soluções absurdas.
O sistema funcionalista, dentro do qual se insere a teoria da impu-
tação objetiva, opõe-se ao finalismo quanto ao seu método. Ontologicis-
ta (ou empírico) neste e normatizante naquele.
Esquematicamente, o fato típico, nessa nova concepção, conteria os
seguintes elementos: a) conduta (dolosa ou culposa); b) resultado (nos

!"
crimes materiais ou de resultado); c) nexo de causalidade (nos crimes
materiais ou de resultado); d) tipicidade; e) imputação objetiva (ele-
mento normativo implícito), o qual se desdobra no exame da criação de
um risco proibido e na realização do risco no resultado.
A ilicitude e a culpabilidade não são afetadas dentro do novo sis-
tema. É certo, porém, que muitos problemas penais que antes eram so-
lucionados sob o prisma da licitude passam a ser tratados, com a apli-
cação da teoria da imputação objetiva, como fatos atípicos (é o caso da
violência desportiva, das intervenções cirúrgicas e do consentimento do
ofendido).

!"#"$"%%&'()*+%,-+./*+%0*%',12.*345%567-.'8*%
+-92(05%:5;'(
Roxin afirma que a imputação objetiva possui as seguintes linhas
mestras (que correspondem a três níveis de imputação): criação de um
risco relevante e proibido + realização do risco no resultado + resultado
dentro do alcance do tipo.

!"#"$"%"&'()*+,-&./&01&()23-&(/4/5*67/&/&8(-)9).-
Para que exista imputação objetiva o agente tem de produzir (ou au-
mentar) um risco relevante e proibido, caso contrário (i. e., riscos irrele-
vantes, permitidos ou diminuídos), ter-se-á um fato penalmente atípico.
a) Riscos irrelevantes
Os riscos gerais da vida são irrelevantes penalmente. Quem se apro-
veita de tais riscos não pode ser considerado como responsável pelo re-
sultado. Este não será obra sua, mas desses riscos gerais da vida (ex.:
aquele que instiga alguém a praticar um esporte radical ou a fazer uma
viagem de carro numa estrada perigosa não pode ser responsabilizado
pela morte da pessoa, ainda que tenha desejado esse resultado).
b) Riscos permitidos
A criação de riscos permitidos afasta a imputação objetiva do re-
sultado (e, como consequência, a responsabilidade penal). Assim, por
exemplo, os riscos autorizados em face de sua utilidade social, como o
decorrente do tráfego de automóveis (de acordo com as regras de trânsi-
to), a correta utilização da lex artis (no caso da Medicina, da Engenharia
etc.), a prática de esportes, entre outros.
Também se entendem por risco permitido as situações às quais se
aplica o princípio da confiança:
I) confiança de que a conduta de terceiros realizada na sequência
será conforme o direito. Exemplo: o motorista que conduz pela via pre-
ferencial confia que o outro irá aguardar sua passagem; se isso não acon-
tece, não se pode imputar àquele que trafegava na via principal respon-
sabilidade alguma pelo acidente, ainda que fosse possível a ele evitá-lo,
por exemplo, dando a passagem ao outro motorista;
II) confiança de que aquele que realizou uma conduta preceden-
te cumpriu corretamente seu papel. Exemplo: o médico que utiliza um

!"
!"#$"%&'($)*+

material cirúrgico confia que seus assistentes o esterilizaram correta-


mente; caso isso não tenha ocorrido, o médico não poderá responder
pela infecção contraída, cabendo tal responsabilidade exclusivamente
aos seus assistentes.
c) Diminuição do risco
Quando alguém realiza um comportamento que diminui um risco
proibido e relevante gerado por terceiro, não age de modo contrário ao
direito e, por óbvio, não será responsabilizado criminalmente por sua
conduta. Exemplo: a pessoa que consegue convencer um ladrão a sub-
trair mil reais em vez de cinco mil não responde por furto, embora tenha
influenciado no ato do furtador.

!"#"$"%"&&'()*+,)-./&0/&1+23/&41/+5+0/&(&1(*(6)78(&
7/&1(29*8)0/
Quando houver a criação de um risco relevante e proibido, será pre-
ciso verificar se ele efetivamente se produziu no resultado, a fim de que
este possa ser imputável objetivamente ao autor.
a) Causas imprevisíveis (cursos causais extraordinários) Não se
pode imputar a alguém um resultado quando o agente não tinha con-
trole sobre o desenrolar causal dos acontecimentos. O responsável pelo
atropelamento de um pedestre não responde pela morte deste se ela se
deu por conta de um incêndio no hospital. Esta hipótese é expressamen-
te solucionada em nosso CP, no art. 13, § 1º.
b) Riscos que não tiveram nenhuma influência no resultado (que
teriam ocorrido de qualquer maneira)
Quando se verifica que o resultado teria ocorrido de qualquer
modo, ainda que o agente empregasse a diligência recomendada, não
se pode imputar a este objetivamente o resultado produzido. Exemplo:
o fabricante de um pincel com pelo de cabra deixa de fornecer equipa-
mentos adequados de proteção individual a seus funcionários que vêm a
contrair uma infecção letal; comprova-se, posteriormente, que se tratava
de um bacilo até então desconhecido, cujo contágio seria inevitável, ain-
da que todos os equipamentos e normas técnicas de segurança fossem
observados.
c) Resultados não compreendidos no fim de proteção da norma
É preciso verificar qual a finalidade da norma de cuidado, vale dizer,
o que ela visava proteger. Para que haja imputação objetiva, será preciso
que o agente tenha produzido um resultado compreendido dentro do
fim de proteção da norma. Exemplo: há uma norma que exige dos ciclis-
tas, durante à noite, que se utilizem de um farol. Essa norma tem como
finalidade evitar acidentes pessoais. Se dois ciclistas andam com farol
apagado, e o que vai à frente é abalroado por um caminhão, não se pode
imputar esse resultado ao outro ciclista, ainda que se demonstrasse que
o fato de ele ter utilizado o farol evitaria a morte do ciclista que seguia
à frente. A norma de proteção visa evitar acidentes pessoais, e não de
terceiros.

!"
!"#"$"$"%%&'()*%)*+,-../0'0*%/*%12)1/).%0*%
3',*
Há casos em que, mesmo tendo-se verificado a realização de um
risco proibido no resultado, constata-se que, no caso concreto, “o al-
cance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, da
proibição de matar, ferir, danificar etc.) não compreende resultados da
espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a im-
pedir acontecimentos de tal ordem. Esta problemática é relevante em
especial nos delitos culposos” (Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
objetiva no direito penal, trad. Luís Greco, p. 352). Em termos de crimes
dolosos, há três hipóteses em que se aplica o critério ora exposto: a)
autocolocação dolosa em perigo; b) heterocolocação consentida em pe-
rigo; c) âmbito de responsabilidade de terceiros.
a) Autocolocação dolosa em perigo
A vítima que se coloca dolosamente numa situação de perigo ex-
clui, com essa atitude, a responsabilidade de terceiros pelas lesões que
vier a sofrer. Exemplo: a pessoa que pratica contato sexual desprotegida
com um portador do vírus HIV, ciente dessa circunstância, afasta a res-
ponsabilidade do parceiro decorrente do contágio venéreo.
b) Heterocolocação consentida em perigo
A mesma solução se aplica quando a vítima consente em que ou-
trem a coloque numa situação de perigo, como no caso de quem pede
carona a um motorista visivelmente embriagado, vindo a ferir-se num
acidente automobilístico.
c) Responsabilidade de terceiros
A responsabilidade de terceiros no resultado afasta a imputação ob-
jetiva de quem deu início ao processo causal. É o caso do erro médico.
Para Roxin, quando o erro substitui o perigo gerado, só o médico res-
ponde pelo resultado (ex.: a morte do paciente por choque anafilático
afasta a responsabilidade pelo óbito de quem havia lesionado o falecido).
Quando, por outro lado, o erro não impede a realização do resultado, é
preciso distinguir se o médico agiu com culpa leve (hipótese em que
haverá responsabilidade do médico e da pessoa que havia provocado as
lesões no falecido) ou culpa grave (só o médico responde).

!"#"$"%&%'()*+,-./%/012+'3,%425*67/%8,9/04
Günther Jakobs estrutura a teoria da imputação objetiva a partir
das seguintes premissas:

!"#"4"5"%%6%'+,73189*%*:;.3'<1%=%<'/)72101%1%7+1%
(*)'.010.%)*/)-.31+./3.%)*/('0.-101
Jakobs afirma que a imputação, enquanto forma, isto é, a tarefa de
determinar quando alguém deve responder por seus atos, sempre acom-
panhou a humanidade, como já se via no exemplo bíblico de Adão e Eva,

!"
!"#$"%&'($)*+

em que aquele procurou justificar-se perante Deus, dizendo que a maçã


que havia comido lhe fora dada pela mulher que Ele havia criado (ou
seja, num misto de relato e defesa, tentava eximir-se de responsabilidade
alegando que o fizera confiando na mulher que o próprio Criador lhe
enviara).
O conteúdo da imputação, vale dizer, os critérios para atribuir a al-
guém a responsabilidade por seus atos, depende de uma sociedade con-
cretamente considerada.

!"#"$"%"&'&()*+,+)&-)(.,/&012,&2.-()-
Todo contato social gera algum risco, sendo este inerente à vida
em sociedade. Isso se vê num simples aperto de mão (que pode trans-
mitir germes), no ato de servir uma comida (que pode estar estraga-
da), em atitudes como deixar que os filhos pequenos brinquem com
os amigos, servir bebidas alcoólicas, fabricar carros, produzir bens de
consumo etc.
A eliminação desses riscos é absolutamente impossível, sob pena de
engessar a sociedade. O que se deve esperar das pessoas, nesse sentido,
não é a total eliminação de riscos (algo inatingível), mas que cumpram
corretamente seu papel social. Assim, não se pode impedir que um bar-
man sirva bebidas alcoólicas a seus fregueses, mas pode-se exigir dele
que não o faça a menores de 18 anos. É impossível impedir a fabricação
de carros, mas pode-se exigir de seus fabricantes que observem as nor-
mas técnicas e os construam dentro dos padrões de segurança. Não há
como evitar que restaurantes sirvam comida, mas é possível estabelecer
a obrigatoriedade de observarem condições mínimas de higiene.

!"#"$"3"&&4&.567+,89)&):;1+.<,&1*=)(,&
,61*,-&()56)2+,51*+)-&>71&<.)/,5&
?1+125.*,?)&6,61/&-)(.,/
Não se pode exigir de um mecânico que, mesmo sabendo que o
dono do automóvel costuma andar em alta velocidade, deixe de con-
sertá-lo. Seu papel social consiste em arrumar os defeitos dos veículos,
mantendo-os dentro de suas especificações regulares, nada mais que
isso. Não se pode atribuir a esse mecânico, que se limitou a exercer seu
papel social, a responsabilidade pela morte do proprietário do veículo
num acidente de trânsito.
Um barman que serve bebida alcoólica a um motorista não pode ser
responsabilizado pelo acidente automobilístico posteriormente causado,
já que se limitou a cumprir seu papel social.

!"#"$"$"&@7*?,51*+)-&?,&.567+,89)&):;1+.<,
A imputação objetiva assenta-se nas premissas acima resumidas e
não se fará presente, segundo Jakobs, nas hipóteses abaixo:

!"
1ª) Criação de um risco permitido
Aquele que realiza um risco permitido não pode responder juridi-
camente pelo resultado produzido.
O risco permitido dá-se nas seguintes situações:
a) normas jurídicas que autorizam comportamentos perigosos (ex.:
regras de trânsito, práticas desportivas autorizadas, normas técni-
cas de atividades industriais);
b) fatos socialmente adequados (ex.: um passeio de automóvel
com amigos, o ato de levar um adolescente a um passeio numa
montanha);
c) lex artis: a observação das regras técnicas de determinada ativi-
dade, como a Medicina ou a Engenharia;
d) autorizações contidas em normas extrapenais. Jakobs desenvolve,
ainda, conceitos de compensação do risco e de variabilidade do risco.
A compensação de um risco pode ser levada em conta quando a
lei não estabelece determinado padrão (porque, se o faz, é justamente
por não admitir nenhum tipo de compensação). Assim, se um motorista
conduz seu automóvel sob efeito de álcool acima do limite permitido,
não pode compensar essa atitude por sua experiência ao volante.
A variabilidade do risco significa que o mesmo comportamento
produtor de risco pode variar conforme o papel social do agente. Uma
mãe que trata a ferida do filho com um pano não esterilizado não come-
te delito, ainda que isso resulte num agravamento da lesão. Um médico,
contudo, não pode agir da mesma maneira, sob pena de responder pe-
nalmente por sua conduta.
2ª) Princípio da confiança
Na vida em sociedade, as pessoas não podem ser obrigadas a des-
confiar das demais, supondo constantemente que os outros não cumpri-
rão seu papel. Daí a exclusão da responsabilidade penal quando alguém
agiu na confiança de que o outro o cumpriu (ou cumpriria).
O princípio da confiança (que para Roxin faz parte do conceito de
risco permitido) também se projeta de duas formas, como visto acima.
3ª) Proibição do regresso
Por este princípio, uma conduta lícita não gera responsabilidade
por atos ilícitos praticados posteriormente por terceiros. O motorista
de táxi que conduz um passageiro até o seu destino não pode ser res-
ponsabilizado pelas atitudes deste (ex.: matar alguém), ainda que tenha
conhecimento delas no trajeto.
4ª) Capacidade da vítima
O consentimento do ofendido a agressões a bens jurídicos a ele per-
tencentes deve excluir a responsabilidade penal, quando a vítima tinha
capacidade para entender e anuir com a lesão. Assim, por exemplo, aque-
le que realiza um contato sexual voluntário com uma pessoa portadora
do vírus HIV, ciente dessa circunstância, e, conscientemente, não toma

!"
!"#$"%&'($)*+

nenhuma precaução para evitar o contágio deve ser o único responsável


pela transmissão da doença, eximindo de responsabilidade o parceiro. FCFGCHIJKL

C789.,+:0$04;(D
!"#"!"$$%&'()(*+,-$(*.)($/01&*$($2,304-$*0$ .&<,EGH'DPiVLR
50*.(1.0$6,$.(0)&,$6,$&789.,+:0$04;(.&<, GH -HVXV (GLWRUD
Diversas diferenças poderiam ser apontadas entre as teorias da im- 6DUDLYD
putação objetiva sustentadas por Claus Roxin e Gunther Jakobs; duas
delas, entretanto, merecem destaque:
a) A missão da causalidade material
Roxin constrói uma teoria geral da imputação objetiva para os cri-
mes materiais, de modo a substituir a relação de causalidade, abando-
nando-se o que ele denomina “dogma da causalidade”.
Jakobs, por sua vez, sustenta que não há como abandonar um míni-
mo de causalidade na aferição da responsabilidade penal, de modo que
a imputação objetiva serviria para restringir o alcance do nexo causal.
b) Os níveis de imputação objetiva
A “principal peculiaridade do sistema de Roxin em face da doutrina
dominante” é a “existência de um terceiro nível de imputação, a saber,
o alcance do tipo” (Luís Greco, A teoria da imputação objetiva — uma
introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação objetiva no di-
reito penal, p. 116).
A maioria dos autores define a imputação objetiva em dois níveis:
a criação de um risco proibido e relevante e sua realização no resultado.
Jakobs, de sua parte, estrutura o risco juridicamente relevante e
proibido em quatro subníveis: risco permitido, princípio da confiança,
proibição do regresso e capacidade da vítima.

!"#"="$/(>),-$(1.),?6,-$6,$&789.,+:0$04;(.&<,$
@%,7A-&0$6($2(-9-B
Não há imputação objetiva (e o fato será atípico) quando: a) o su-
jeito não criou o risco com sua conduta; b) o risco, embora criado pela
conduta, era permitido ou irrelevante (princípio da insignificância); c)
o risco criado não produziu resultado jurídico (o que conduz à atipici-
dade ou à responsabilização pelo crime na forma tentada); d) não há
relação direta entre a conduta, o risco criado e o resultado ocorrido (ex.:
atropelamento culposo e morte por infecção hospitalar. Pela doutrina
tradicional, o agente responde pelo resultado, considerado como dentro
do desdobramento causal esperado de sua conduta. Pela teoria da im-
putação objetiva, a morte não será imputada ao motorista, pela falta de
relação direta entre sua conduta e o evento fatal).
Haverá, porém, imputação objetiva se o sujeito aumentou o risco
ao bem jurídico ou extrapolou o risco juridicamente permitido (ex.:
entende-se tradicionalmente não configurar crime a conduta daquele
que polui águas já corrompidas; com a teoria, há crime, pois o sujeito
aumentou o risco ao bem jurídico).

!"
!"#"$"%"&'()*+,-)./&012)3)0(4/
A teoria da imputação objetiva enseja a admissão de uma série de
princípios:
a) Princípio da confiança: uma pessoa não pode ser punida quan-
do, agindo corretamente e na confiança de que o outro também assim
se comportará (i. e., cumprirá o seu papel), dá causa a um resultado
não desejado (ex.: o médico que confia em sua equipe não pode ser res-
ponsabilizado pela utilização de uma substância em dose equivocada,
se para isso não concorreu; o motorista que conduz seu automóvel cui-
dadosamente confia que os pedestres se manterão na calçada e somente
atravessarão a rua quando não houver movimento de veículos, motivo
pelo qual não comete crime se atropela um transeunte que se precipita
repentinamente para a via trafegável).
b) Princípio da insignificância: quando a conduta do agente pro-
duzir lesões insignificantes aos bens jurídicos, o fato será penalmente
atípico (ex.: furto de uma caixa de fósforos).
c) Princípio da proibição do regresso: uma conduta inicialmente
lícita não pode conduzir à responsabilização do agente por resultados
ilícitos posteriores cometidos por terceiros (ex.: venda de um veículo
automotor posteriormente utilizado em atropelamento).
d) Princípio da autorresponsabilidade ou das “ações a próprio
risco”: aquele que, de modo livre e consciente, e sendo inteiramente res-
ponsável por seus atos, realiza comportamentos perigosos e produz re-
sultados lesivos a si mesmo arcará totalmente com as consequências de
seus atos, não se admitindo qualquer tipo de imputação a pessoas que o
tenham eventualmente motivado a praticar tais condutas perigosas (ex.:
agente que incentiva desafeto a praticar “esportes radicais”).

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WRV FRP D OHLWXUD GR DUWLJR ´2 Fato típico é o fato humano que se adequa perfeitamente ao tipo
TXH p D WLSLFLGDGH SHQDO KRMHµ penal. O fato típico consubstancia o primeiro dos elementos estruturais
GH 3DXOR 4XHLUR] GLVSRQtYHO HP do delito e sua composição varia em função da espécie de crime.
KWWSHPSRULRGRGLUHLWRFRPEU Nos dolosos são: a) conduta dolosa; b) resultado (nos crimes ma-
RTXHHWLSLFLGDGHSHQDOKRMH teriais); c) nexo causal (nos crimes materiais); d) tipicidade; e) relação
de imputação objetiva (elemento normativo implícito do fato típico).
Nos culposos, por outro lado: a) conduta voluntária; b) resultado
involuntário; c) nexo causal; d) tipicidade; e) relação de imputação ob-
jetiva (elemento normativo implícito do fato típico); f) quebra do dever
de cuidado objetivo; g) previsibilidade objetiva.

!"#-! ,(./0'&

A conduta deve ser entendida como a ação ou omissão huma-


na, consciente e voluntária dirigida a uma finalidade. Seus elementos
são: exteriorização, consciência e voluntariedade. Faltando um desses
elementos, não há falar em conduta. As formas de conduta, como vi-
mos acima, são duas: ação e omissão. Ação é a conduta positiva que
se manifesta por um movimento do corpo humano (“matar”, “cons-
tranger”, “subtrair”, etc.). Omissão é a conduta negativa que consiste
na abstenção de um movimento. É o deixar de fazer algo penalmente
relevante. Há duas espécies de crimes omissivos: crimes omissivos pró-
prios e crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão). Os cri-
mes omissivos próprios são crimes de mera conduta, o tipo penal nem
sequer faz uma referência à ocorrência de um resultado no mundo
exterior, ou seja, basta o sujeito se omitir para estar configurado o tipo
(ex.: arts. 135, 244 e 269 do CP). Nos crimes omissivos impróprios
(omissivos por omissão), o tipo penal descreve uma conduta positiva,
ou seja, uma ação. O sujeito responde pelo crime porque estava juridi-
camente obrigado a impedir a ocorrência do resultado. Atenção: para
que alguém responda por um crime comissivo por omissão é necessá-
rio que, nos termos do art. 13, § 2º, do CP, tenha o dever jurídico de
evitar o resultado.

!"#1! 23405'&/(

Há duas teorias que se debatem na conceituação do resultado para


fins penais:
1ª) teoria naturalística: resultado é a modificação no mundo exte-
rior provocada pela ação ou omissão;

!!
!"#$"%&'($)*+

2ª) teoria jurídica: resultado é a lesão ou ameaça de lesão ao bem


DED2EF@GHI
jurídico tutelado pela norma penal.
Há crime sem resultado? De acordo com a teoria naturalística, isso
0)1'* 2"-* 3".'* 4*
ocorre nos crimes de mera conduta. Para a teoria jurídica, não há crime .)5"+&6!-)#* 7*
sem resultado jurídico, de modo que, se a conduta não provocou uma 2"-* +8* 9:8;<=>* ("*
afetação (lesão ou ameaça de lesão) a algum bem jurídico penalmente :=?9:?:=9: GH*
tutelado, não houve crime. /XL] )OiYLR *R
PHV H /HRQDUGR
6FKPLWW GH %HP
&ODVVLÀFDomRGRVFULPHVTXDQWRDR
(GLWRUD6DUDLYD
!"#$%&'()*+'&$!'%,#&-.)
@AB-.)#C* /HL GH
a) Materiais ou de resultado: o tipo penal descreve a conduta e um
'URJDV DQRWD
resultado material, exigindo-o para fins de consumação. Exemplos: ho-
GD H LQWHUSUHWD
micídio (CP, art. 121), furto (CP, art. 155), roubo (CP, art. 157), estelio- GD GH 5HQDWR
nato (CP, art. 171). 0DUFmR (GLWRUD
b) Formais: o tipo penal descreve a conduta e o resultado material, 6DUDLYD
porém não o exige para fins de consumação. Exemplos: extorsão (CP,
art. 158), extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), sequestro qualifi-
cado pelo fim libidinoso (CP, art. 148, § 1º, V).
c) De mera conduta: o tipo penal não faz nenhuma alusão a re-
sultado naturalístico, limitando-se a descrever a conduta punível inde-
pendentemente de qualquer modificação no mundo exterior. Exemplos:
omissão de socorro (CP, art. 135), violação de domicílio (CP, art. 150).
Alguns autores afirmam que o tipo penal nos crimes formais é in-
congruente, porquanto descreve conduta e resultado, mas se contenta
com aquela para que ocorra a consumação, vale dizer, exige menos do
que aquilo que está escrito na norma penal.

&ODVVLÀFDomRGRVFULPHVTXDQWRDR
!"#$%&'()*/$!,(-.)
a) De dano ou de lesão: quando a consumação exige efetiva lesão
ao bem tutelado. Exemplos: homicídio (CP, art. 121), lesão corporal (CP,
art. 129), furto (CP, art. 155).
b) De perigo: caso a consumação se dê apenas com a exposição do
bem jurídico a uma situação de risco. Exemplos: perigo de contágio ve-
néreo (CP, art. 130), perigo à vida ou saúde de outrem (CP, art. 132).
Estes se subdividem em crimes de perigo concreto (o risco deve
ser demonstrado) e de perigo abstrato (a prática da ação ou omissão
gera uma presunção absoluta de que o bem jurídico sofreu um risco).
Há polêmica na doutrina acerca da constitucionalidade dos crimes de
perigo abstrato. Para Luiz Flávio Gomes, tais delitos seriam inconstitu-
cionais por violação ao princípio da ofensividade (nullum crimen sine
injuria) (Princípio da ofensividade no direito penal). Fernando Capez, por
outro lado, entende subsistir a “possibilidade de tipificação de crimes de
perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia

!"
de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estado embrionário,
1+-(2.'3%0+
reprimindo-se a conduta antes que ela venha a produzir um perigo con-
!"#$%&%"' (%#)' *+,' #"#4 p XPD creto ou dano efetivo”. Afirma o autor que se trata de “cautela reveladora
H[SUHVVmR ODWLQD TXH VLJQLÀFD de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses” (Con-
´VHPDTXDOQmRµ sentimento do ofendido e violência desportiva: reflexos à luz da teoria da
imputação objetiva, p. 87). Na jurisprudência predomina amplamente o
entendimento no sentido da constitucionalidade de tais delitos (v. STJ,
HC 23.969/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 9-9-2003, Informativo
STJ, n. 183).

!"#$! %&'()*+!,&!-(./('0,(,&

Dispõe o art. 13, caput, parte inicial, do CP: “O resultado, de que de-
pende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.
O resultado a que alude o dispositivo é o naturalístico ou material, isto é,
a modificação no mundo exterior provocada pela conduta.
A grande maioria dos tipos penais não se limita a descrever uma
ação ou omissão, exigindo também, para fins de consumação, que ocor-
ra um resultado material. Nesses casos, o art. 13 condiciona a existência
do crime à constatação de um liame causal entre a conduta e o resultado
por ela supostamente produzido.
Nexo de causalidade consiste justamente nesse vínculo ou liame
que une a conduta ao resultado nos crimes materiais.
Várias teorias se preocupam em definir o critério para constatar o
nexo causal:
a) teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua
non: sustenta que todo fator que de forma direta ou indireta exerceu
alguma influência no resultado deve ser considerado como sua causa;
b) teoria da causalidade adequada: apenas se reputa causa do
resultado a circunstância mais adequada a produzi-lo, segundo um
juízo de probabilidade (ou “prognose póstuma-objetiva”: verifica-se
se um homem dotado de conhecimentos medianos poderia antever o
resultado como provável ou possível na situação em que o agente se
encontrava);
c) teoria da imputação objetiva do resultado: defende que a cau-
salidade natural, fundada na teoria da equivalência dos antecedentes,
leva a exageros que devem ser limitados pela verificação da existência
de relação de imputação objetiva entre a conduta e o resultado. Além da
causalidade material, portanto, é preciso que a atitude do agente tenha
produzido um risco juridicamente relevante e proibido ao bem jurídico.
Nosso CP adotou expressamente a teoria da equivalência dos ante-
cedentes (art. 13, caput, parte final), ao estabelecer: “Considera-se causa
a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Tudo
o que contribuir para o resultado, portanto, deve ser considerado sua

!"
!"#$"%&'($)*+

causa, seja uma conduta humana, seja um fator natural. A doutrina,


01&23456781
em face de tal definição, construiu um procedimento para determinar
qual fator é ou não causa de um resultado: trata-se do processo ou juízo DG LQÀQLWXP9 p XPD H[SUHVVmR
de eliminação hipotética, pelo qual basta excluir mentalmente algum HPODWLPTXHVLJQLÀFD´DWpRLQ
antecedente do resultado para saber se ele é ou não sua causa (Julius ÀQLWRµ´VHPOLPLWHRXVHPÀPµ
Glasser foi seu precursor, conforme assinalou, entre outros, Tobias Bar- SDUD LQGLFDU XP SURFHVVR RX
RSHUDomRTXHFRQWLQXDLQGHÀ
reto, em seus Comentários ao Código Criminal do Império, in Estudos
QLGDPHQWH
de direito). Se após a exclusão mental do antecedente se concluir que
o resultado teria ocorrido da maneira como ocorreu, será sinal de que
o antecedente excluído não foi causa do resultado. Se, por outro lado,
se perceber que sem o fator examinado o resultado não teria ocorrido
daquela maneira, significará que o antecedente foi causa do resultado.
Exemplo: A, pretendendo matar B, dirige-se à residência da vítima à
noite e, vendo seu corpo deitado sobre a cama, efetua disparos de arma
de fogo. Constata-se, posteriormente, que B havia falecido duas horas
antes dos tiros, em virtude de um ataque cardíaco. Os disparos que
A efetuou, nesse caso, não foram causa da morte de B. Basta excluir
mentalmente a conduta do atirador para concluir que o resultado teria
ocorrido exatamente como ocorreu.
O problema do regressus ad infinitum. Uma das críticas mais vee-
mentes contra a teoria da conditio sine qua non diz respeito à questão
do regresso ao infinito. De fato, por essa teoria pode-se concluir que
o mais remoto antecedente deverá ser considerado causa do resultado.
No conhecido exemplo do homicídio com emprego de arma de fogo, a
conduta daquele que vendeu a arma ao homicida e até a do fabricante do
instrumento bélico serão consideradas causa do resultado. Em casos tais,
porém, apesar da existência do nexo físico entre a conduta do fabricante
e do vendedor e o resultado morte, eles não responderão criminalmente
pelo homicídio. A doutrina, de há muito, sustenta a não responsabili-
zação penal do fabricante da arma ou do vendedor com base na teoria
da ausência do dolo. Vale dizer, apesar do nexo objetivo entre conduta e
resultado, não há liame subjetivo, psicológico. Pondere-se, contudo, que
a teoria da ausência do dolo não é suficiente para responder satisfatoria-
mente a todos os casos (a teoria mais adequada para fazê-lo é a teoria da
imputação objetiva).

!"#"$"%&'()')%*+,+-*+-.+)%+%/-*+,+-*+-.+)
Determinados fatores podem interpor-se no nexo de causalidade
entre a conduta e o resultado, de modo a influenciar no liame causal.
Tais fatores são chamados de “concausas” ou simplesmente “causas”,
como prefere atualmente a maioria dos autores.
Dividem-se em causas dependentes e independentes. Aquelas são
as que se originam na conduta do agente e se inserem dentro da sua
linha de desdobramento causal natural, esperado. Trata-se daquilo que
normalmente acontece (quod plerumque accidit), constituindo, assim,

!"
decorrências corriqueiras da conduta (ex.: a morte por choque hemor-
3456789 rágico subsequente a um ferimento perfuroinciso profundo configura
evento esperado; para a jurisprudência, a morte em virtude de infecção
D !"#$!%"!"#!&"'(%)!*+,)+#
-,.+/+,.+,)+" VHPSUH URPSHP
hospitalar é considerada decorrência esperada de uma internação). As
R QH[R FDXVDO GH PRGR TXH R independentes, de sua parte, são as que, originando-se ou não da condu-
DJHQWH QXQFD UHVSRQGHUi SHOR ta, produzem por si sós o resultado e configuram algo que normalmente
UHVXOWDGR VRPHQWH SHORV DWRV não acontece. São eventos inusitados, inesperados (ex.: uma pequena
SUDWLFDGRVE !"#$!%"!"#0+(!)-1!2 ferida incisa, normalmente, não é capaz de levar à morte, mas isso pode
*+,)+# -,.+/+,.+,)+" QmR URP ocorrer se a vítima for hemofílica).
SHP R QH[R FDXVDO PRWLYR SRU Em se tratando de causas dependentes, o agente responderá por
TXHRDJHQWHVHDFRQKHFLDRX todos os seus desdobramentos.
VH HPERUD QmR D FRQKHFHQGR
Quanto às causas independentes, é preciso distinguir entre as cau-
SRGLD SUHYrOD UHVSRQGH SHOR
UHVXOWDGR VDOYR QD FDXVD VXSHU
sas absoluta e as relativamente independentes da conduta do agente.
YHQLHQWH  1) Causas absolutamente independentes: são as que produzem por
si sós o resultado e não têm qualquer origem ou relação com a conduta
praticada pelo sujeito. Como nesse caso o resultado ocorreria de qual-
quer maneira, com ou sem o comportamento realizado, fica totalmente
afastado o nexo de causalidade, motivo por que o agente não responderá
pelo resultado.
Subdividem-se em preexistentes (se anteriores à conduta do agen-
te), concomitantes (quando ocorrem ao mesmo tempo) ou superve-
nientes (se posteriores).
Exemplos:
a) efetuar disparos de arma de fogo, com intenção homicida, em
pessoa que falecera minutos antes (causa preexistente);
b) atirar em pessoa que, no exato momento do tiro, sofre ataque
cardíaco fulminante que não guarda relação alguma com o disparo
(causa concomitante);
c) ministrar veneno na comida da vítima, que, antes que a peçonha
faça efeito, vem a ser atropelada (causa superveniente; nesse caso, o agen-
te só responde pelos atos praticados, ou seja, por tentativa de homicídio).
Lembre-se de que em todas as causas absolutamente independentes
ficará afastada a relação de causalidade entre a conduta do sujeito e o
resultado produzido, razão pela qual o sujeito apenas responderá pelos
atos praticados, não sendo possível imputar-lhe o resultado final (nos
exemplos acima: a morte da vítima).
2) Causas relativamente independentes: são as que, somadas à con-
duta do agente, produzem o resultado. De regra, não se exclui o nexo de
causalidade, de forma que o resultado poderá ser atribuído ao agente,
que por ele responderá.
Também se subdividem em preexistentes, concomitantes ou super-
venientes.
Exemplos de causas relativamente independentes: a) Efetuar feri-
mento leve, com instrumento cortante, num hemofílico, que sangra até
a morte (a hemofilia é a causa preexistente que, somada à conduta do
agente, produziu a morte). Note que nesse exemplo se pressupõe que o

!"
!"#$"%&'($)*+

sujeito tenha efetuado um golpe leve no ofendido, que não produziria a


morte de uma pessoa saudável.
b) Efetuar disparo contra a vítima que, ao ser atingida pelo projétil,
sofre ataque cardíaco, vindo a morrer, apurando-se que a soma desses
fatores produziu a morte (considere, nesse caso, que o disparo, isolada-
mente, não teria o condão de matá-la, o mesmo ocorrendo com relação
ao ataque do coração — causa concomitante).
c) Após um atropelamento, a vítima é socorrida com algumas lesões
ao hospital; no caminho, a ambulância explode, ocorrendo a morte (a
explosão da ambulância é a causa superveniente que, aliada ao atropela-
mento, deu causa à morte do ofendido).
Nestes três últimos exemplos, há nexo causal entre a conduta e o
resultado. O agente, contudo, só responderá pelo resultado se a causa
preexistente ou concomitante for conhecida (o que conduz à responsa-
bilização a título de dolo) ou, ao menos, previsível (indicativo de culpa).
Nas concausas relativamente independentes supervenientes não há, por
força de lei, nexo causal (CP, art. 13, § 1º). Trata-se de uma exceção le-
gal à teoria da equivalência dos antecedentes. Isso se aplica ao exemplo
da explosão da ambulância. Seria, efetivamente, um exagero imputar ao
sujeito culpado pelo atropelamento a morte da vítima, que ocorreu em
razão da explosão.

! !%&'(!')*+,-!%&'&.&/+/)!)!!
!"#$ +/)01+23(!%4'&.+

"#$#5#!.6789:;6
Tipicidade é a relação de subsunção entre um fato concreto e um
B(.+C1,DE&(
tipo penal previsto abstratamente na lei. Trata-se de uma relação de en-
caixe, de enquadramento. É o adjetivo que pode ou não ser dado a um <=><=7?@6ApDDomRRXHIHLWR
fato, conforme ele se enquadre ou não na lei penal. GH VXEVXPLU LVWR p LQFOXLU DO
JXPD FRLVD  HP DOJR PDLRU
O conceito de tipicidade, como se concebe modernamente, pas-
&RPRGHÀQLomRMXUtGLFDFRQÀ
sou a ser estruturado a partir das lições de Beling (1906), cujo maior JXUDVHDVXEVXQomRTXDQGRR
mérito foi distingui-la da antijuridicidade e da culpabilidade. Seus FDVR FRQFUHWR VH HQTXDGUD j
ensinamentos, entretanto, foram aperfeiçoados até que se chegasse à QRUPDOHJDOHPDEVWUDWR
concepção vigente.
Jiménez de Asúa sistematizou essa evolução, dividindo-a em três
fases:
1ª) Fase da independência (Beling — 1906): a tipicidade possuía
função meramente descritiva, completamente separada da ilicitude e da
culpabilidade (entre elas não haveria nenhuma relação). Trata-se de ele-
mento valorativamente neutro. Sua concepção não admitia o reconheci-
mento de elementos normativos ou subjetivos do tipo.

!"
2ª) Fase do caráter indiciário da ilicitude ou da ratio cognoscendi
&5;<=>6
(Mayer — 1915): a tipicidade deixa de ter função meramente descriti-
va, representando um indício da antijuridicidade. Embora se mantenha,
4&56%5789:6
admite-se ser uma indício da outra. Pela teoria de Mayer, praticando-se
um fato típico, ele se presume ilícito. Essa presunção, contudo, é relativa,
FRQGXWD 5HVXO 7LSLFL
pois admite prova em contrário. Além disso, a tipicidade não é valorati-
DomRRX WDGR #$#%
RPLVVmR 1H[R vamente neutra ou descritiva, de modo que se torna admissível o reco-
FDXVDO nhecimento de elementos normativos e subjetivos do tipo penal.
3ª) Fase da ratio essendi da ilicitude (Mezger — 1931): Mezger atri-
bui ao tipo função constitutiva da ilicitude, de tal forma que, se o fato
for lícito, será atípico. A ilicitude faz parte da tipicidade. O tipo penal do
homicídio não seria matar alguém, mas matar alguém fora das hipóteses
de legítima defesa, estado de necessidade etc.
Concepção dominante: a de Mayer.

!"#"$"%&'()*+,-.%/0123+
É o mesmo que tipicidade, ou seja, a relação de subsunção entre o
fato e a norma penal. Há quem pense de modo diverso, afirmando que
tipicidade seria a mera correspondência formal entre o fato e a norma,
enquanto a adequação típica, a correspondência que levaria em conta
não apenas uma relação formal de justaposição, mas a consideração de
outros requisitos, como o dolo ou a culpa.
Há duas modalidades de adequação típica:
1ª) Adequação típica por subordinação imediata ou direta: dá-se
quando a adequação entre o fato e a norma penal incriminadora é ime-
diata, direta; não é preciso que se recorra a nenhuma norma de extensão
do tipo. Exemplo: alguém efetua dolosamente vários disparos contra a
vítima — esse fato se amolda diretamente ao tipo penal incriminador
do art. 121 do CP.
2ª) Adequação típica por subordinação mediata ou indireta: o en-
quadramento fato/norma não ocorre diretamente, exigindo-se o recurso
a uma norma de extensão para haver subsunção total entre fato concreto
e lei penal. Exemplo: se alguém, com intenção homicida, efetua vários
disparos de arma de fogo contra outrem e foge, sendo a vítima socorrida
e salva a tempo, esse fato não se amolda ao tipo penal do art. 121 (não
houve morte). Também não se enquadra no art. 129 (lesões corporais)
porque o sujeito agiu com animus necandi (o art. 129 pressupõe animus
laedendi). Seria o fato atípico? Não. Para que ocorra o perfeito enqua-
dramento da conduta com a norma, contudo, será preciso recorrer a
uma norma de extensão; no caso, o art. 14, II, que descreve a tentativa.
O mesmo se verifica quando alguém empresta arma de fogo a um ho-
micida, que a utiliza posteriormente para cometer o crime. Sua conduta
não encontra correspondência direta com o art. 121 do CP. Novamente
é preciso, então, socorrer-se de uma norma de extensão; nesse caso, o art.

!"
!"#$"%&'($)*+

29, caput, que pune a participação1.

!"#"$"%&'(')'*+*,%)-./0-1+.2,
Trata-se de um dos aspectos da tipicidade penal, que se subdividiria
em tipicidade legal (adequação do fato com a norma penal, segundo
uma análise estritamente formal) e tipicidade conglobante. Por meio
desta, deve-se verificar se o fato, que aparentemente viola uma norma
penal proibitiva, não é permitido ou mesmo incentivado por outra nor-
ma jurídica (como no caso das intervenções médico-cirúrgicas, violên-
cia desportiva, estrito cumprimento de um dever legal etc.). Não teria
sentido, dentro dessa perspectiva, afirmar que a conduta do médico que
realiza uma cirurgia no paciente viola a norma penal do art. 129 do CP
(não ofenderás a integridade corporal alheia) e, ao mesmo tempo, aten-
de ao preceito constitucional segundo o qual a saúde é um direito de
todos (não é lógico dizer que ele viola uma norma e obedece a outra, ao
mesmo tempo).
Por meio da tipicidade conglobante (análise conglobada do fato
com todas as normas jurídicas, inclusive extrapenais), situações consi-
deradas tradicionalmente como típicas, mas enquadráveis nas excluden-
tes de ilicitude (exercício regular de um direito ou estrito cumprimento
de um dever legal), passariam a ser tratadas como atípicas, pela falta de
tipicidade conglobante. Com a adoção da teoria da imputação objetiva,
tais resultados (atipicidade de fatos então considerados típicos, porém
lícitos) são atingidos sem necessidade dessa construção, que se torna su-
pérflua.

%!"!% 3454

Dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo


(Damásio de Jesus). Trata-se de elemento subjetivo implícito da conduta.
O dolo possui elementos, quais sejam:
a) Cognitivo ou intelectual, que é a representação, a consciência da
conduta, do resultado e do nexo causal entre eles;
b) Volitivo, que é a vontade de realizar a conduta e produzir o re-
sultado.

1. Na tentativa (art. 14, II), há extensão temporal da figura típica; na participação,


extensão espacial e pessoal. Há outros exemplos de norma de extensão, como o art.
9º do CPM: nos crimes militares impróprios, o processo de adequação típica dá-se
por subordinação indireta porque, além da subsunção fato/tipo penal, requer-se a
presença de uma das hipóteses previstas nesse dispositivo, dentre as quais ser o fato
praticado em situação de serviço. Assim, por exemplo, para que um estupro seja
considerado crime militar, além da prática das elementares previstas no art. 232 do
CPM, deverá ser cometido em situação de serviço.

!"
)1.234+ !"#$! %&'()

LPSUXGrQFLD O crime culposo está previsto no artigo 18, II, do Código Penal
*+,)'-,),./!
,.!%0-*.! QHJOLJrQFLD Brasileiro com a seguinte redação:
%&'(+/+ LPSHUtFLD
Art. 18 — Diz-se o crime:
(...)
II — culposo, quando o agente deu causa ao resultado por impru-
dência, negligência ou imperícia.

Para determinar quando surge a imprudência, negligência ou im-


perícia, é necessária a noção de dever de cuidado objetivo. Este corres-
ponde ao dever, que a todos se impõe, de praticar os atos da vida com as
cautelas necessárias, para que do seu atuar não decorram danos a bens
alheios.
A imprudência é uma conduta positiva, que se dá com a quebra
de regras de conduta ensinadas pela experiência. Exemplo: dirigir em
excesso de velocidade e atropelar um pedestre. A negligência ocorre
quando o sujeito se porta sem a devida cautela; é uma conduta negativa,
uma omissão quando o caso impunha uma ação preventiva. Exemplo:
mãe que deixa um veneno perigoso à mesa, permitindo que seu filho
pequeno o ingira e morra. Imperícia é a falta de aptidão para o exercício
de arte ou profissão. A imperícia pressupõe sempre a qualificação ou ha-
bilitação legal para o ofício. Exemplo: um médico, durante uma cirurgia,
secciona uma artéria e causa hemorragia seguida de morte.

!"
! "#$%$&'()
-*('45& !"#$! %&'%()*&+!*(&,)-.
'5&! ;<! %,)6(# $%&'()# )# *&+)# ,#
-.&+/0&()#123 Trata-se da contrariedade do fato com o ordenamento jurídico (en-
‡HVWDGRGHQHFHVVLGDGH foque puramente formal ou “ilicitude formal”), por meio da exposição
‡OHJtWLPDGHIHVD a perigo de dano ou da lesão a um bem jurídico tutelado (enfoque ma-
‡H[HUFtFLRUHJXODUGHXPGLUHLWR terial ou “ilicitude material”).
‡HVWULWRFXPSULPHQWRGHXPGH A antijuridicidade da conduta deve ser apreciada objetivamente,
YHUOHJDO
vale dizer, sem se questionar se o sujeito tinha consciência de que agia
de forma ilícita. Por essa razão, pode perfeitamente ser considerada ilí-
cita eventual conduta de um inimputável, ainda que ele não tenha ca-
pacidade de avaliar a antijuridicidade de seu comportamento. Ele pode
cometer, portanto, um fato típico e antijurídico (mas não receberá pena
por ausência de culpabilidade).
A doutrina classifica a ilicitude em genérica e específica. Aquela
corresponde à contradição do fato com a norma abstrata, por meio da
afetação a algum bem jurídico. Esta consiste na ilicitude presente em
determinados tipos penais, os quais empregam termos como “sem justa
causa”, “indevidamente”, “sem autorização ou em desacordo com deter-
minação legal ou regulamentar”. Na verdade, dessas, só a primeira real-
mente trata-se de ilicitude. A chamada antijuridicidade específica nada
mais é do que uma designação equivocada para determinados elemen-
tos normativos de alguns tipos penais.

! ! -0.-.!1(!20.*)3)%-45&#!
%
!"#/ 1(.%,)6)'-'*(.!7(8-).+!
.09,-7(8-).!(!90*-*):-.

Nossa legislação dispõe sobre quatro excludentes: estado de neces-


sidade, legítima defesa, exercício regular de um direito e estrito cum-
primento de um dever legal. Sendo o fato praticado nessas circunstân-
cias, não haverá crime (CP, art. 23).
Apesar de o leque legal ser abrangente, a doutrina admite a exis-
tência de causas supralegais (ex.: não previstas em lei) de exclusão da
ilicitude, fundadas no emprego da analogia in bonam partem, suprindo
eventuais situações não compreendidas no texto legal. É o que ocor-
re com o consentimento do ofendido nos tipos penais em que o bem
jurídico é disponível (ex.: crime de dano — art. 163 do CP) e o sujeito
passivo, agente capaz. Importante advertir que, em certos casos, o tipo
penal prevê o dissenso da vítima como elementar; se isso ocorrer, seu
consentimento figurará como causa excludente de tipicidade (ex.: viola-
ção de domicílio — art. 150 do CP).

!"
!"#$"%&'($)*+

!"#$! %&'()*!)%!+%,%&&-)()% E-EF-*'%,(

,12>/! /! 734;2?
Diz o CP no art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem
@0"# $%! &'($()#
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua von- 0'RVWRLHYVNL
tade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo 8P GRV PDLR
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. UHV URPDQFHV
A situação de necessidade pressupõe, antes de tudo, a existência de GH WRGRV RV
um perigo (atual) que ponha em conflito dois ou mais interesses legíti- WHPSRV QDU
mos, que, pelas circunstâncias, não podem ser todos salvos (na legítima UD D KLVWyULD
defesa, como se verá adiante, só existe um interesse legítimo). Um deles, GR HVWXGDQWH
5DVN{OQLNRYTXHYHQGRVHQDPL
pelo menos, terá de perecer em favor dos demais. O exemplo caracterís-
VpULDDVVDVVLQDXPDYHOKDXVXUiULD
tico é o da “tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem
HQmRFRQVHJXHOLYUDUVHGRSHVR
obrigadas a dividir uma mesma tábua, que somente suporta o peso de
GRUHPRUVR3DUDUHÁHWLU5DVN{OQL
uma delas. Nesse contexto, o direito autoriza um deles a matar o outro, NRYDJLXDFREHUWDGRSHOR!"#$%&'
se isso for preciso para salvar sua própria vida. %!'(!)!""*%$%!*

"#$#.!'/01234 *! 7340! :04!


a) Diferenciadora: afirma que, se o bem salvo for mais importante /AB9013:0?
1/4! :/! 73?
que o sacrificado (ex.: salvar a vida e danificar patrimônio alheio), ex-
C/1D34"# $%#
clui-se a ilicitude (“estado de necessidade justificante”), ao passo que,
/RQ / )XOOHU
se os bens em conflito forem equivalentes (ex.: salvar a própria vida em
$ REUD RUL
detrimento da vida alheia), afasta-se a culpabilidade (“estado de neces- JLQDO HVWD
sidade exculpante”). G X Q L G H Q V H
b) Unitária: em quaisquer das hipóteses acima analisadas há exclu- p GH 
são da ilicitude. Foi a teoria adotada no CP/46. 'HSRLV GH
XP DFLGHQWH FLQFR FLHQWLVWDV
DFDEDPSUHVRVHPXPDFDYHUQD
"#$#5!63789:3:/!08!:21/2;0
6mR LQIRUPDGRV SHODV HTXLSHV GH
A doutrina tradicional via no estado de necessidade uma faculdade UHVJDWH TXH D GHPRUD SRGH OH
do agente, e não um direito. Argumentava-se: no estado de necessidade YiORV D PRUUHU GH IRPH 8P GRV
há um conflito entre dois ou mais bens ou interesses legítimos, sendo to- H[SORUDGRUHV FRQYHQFH RV RXWURV
dos protegidos pelo direito. Diante do perigo, o titular de um bem, para GH TXH XP GHYH VHU PRUWR SDUD
salvá-lo, ofende bem de terceiro, o qual não tem obrigação de permitir o VHUYLU GH FRPLGD DRV GHPDLV H
SURS}HXPVRUWHLRSDUDHVFROKHUR
perecimento de seu bem, pois também dispõe de um interesse legítimo.
VDFULÀFDGR'HSRLVGRUHVJDWHRV
Se a todo direito corresponde uma obrigação, e se o terceiro não está
TXDWURVREUHYLYHQWHVYmRDMXOJD
obrigado a deixar seu bem ser lesionado, ninguém tem direito de agir em
PHQWRSRUKRPLFtGLR3DUDUHÁHWLU+#
estado de necessidade, mas mera faculdade legal. Para a doutrina mo- KiH[FOXVmRGHLOLFLWXGHEDVHDGD
derna, o sujeito tem direito de agir em estado de necessidade. O sujeito ,(#!"#$%&'%!'(!)!""*%$%!*
passivo dessa relação jurídica não é, como se pensava, o terceiro titular
do bem perecido, mas sim o Estado, que tem a obrigação de reconhecer
a licitude da conduta do agente

"#$#$!</=8242;04
Há requisitos vinculados à situação de necessidade, que justificam
a excludente, e outros ligados à reação do agente. Entre os primeiros

!!
temos: a) existência de um perigo atual; b) perigo que ameace direi-
*+,-./0
to próprio ou alheio; c) conhecimento da situação justificante; d) não
6REUH R HVWDGR GH QHFHVVLGDGH provocação voluntária da situação de perigo. Com relação à reação do
HPVtQWHVHWHPRV agente, temos: a) inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (pro-
!"#$%&%'(&) porcionalidade dos bens em confronto); b) inevitabilidade do perigo; c)
D 3HULJRDWXDO inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.
E $PHDoD D GLUHLWR SUySULR a) Perigo atual
RXDOKHLR Perigo é a probabilidade de dano. Embora a lei só se refira ao perigo
F &RQKHFLPHQWR GD VLWXD atual, deve-se admitir o estado de necessidade quando iminente o peri-
omRMXVWLÀFDQWH go (analogia in bonam partem). Não se admite a excludente, entretanto,
G 3HULJRQmRSURYRFDGRYR quando passado o perigo ou quando este ainda está por vir.
OXQWDULDPHQWHSHORVXMHLWR
b) Ameaça a direito próprio ou alheio
H ,QH[LJLELOLGDGHGRVDFULItFLR
GR EHP DPHDoDGR SULQ Age em estado de necessidade não somente quem salva direito pró-
FtSLR GD SRQGHUDomR GH prio (ex.: a “tábua de salvação”) mas também quem defende direito de
EHQV  terceiro (ex.: médico que quebra sigilo profissional revelando que um
I ,QHYLWDELOLGDGHGRSHULJR paciente é portador do vírus HIV para salvar terceira pessoa que seria
J ,QH[LVWrQFLDGHGHYHUOHJDO contaminada). A excludente, ademais, aplica-se quaisquer que sejam os
GH DUURVWDU R SHULJR DUW direitos em jogo. Se o interesse for tutelado pelo ordenamento jurídico,
†ž  poderá ser protegido diante de uma situação de necessidade.
&ODVVLÀFDomR c) Conhecimento da situação justificante
‡(VWDGRGHQHFHVVLGDGHGH
É fundamental que o sujeito tenha plena consciência da existência
IHQVLYR
do perigo e atue com o fim de salvar direito próprio ou alheio. Por essa
‡(VWDGR GH QHFHVVLGDGH
razão, o médico que realiza aborto por dinheiro não age em estado de
DJUHVVLYR
necessidade, mesmo se constatando, após, a existência de risco atual à
‡(VWDGRGHQHFHVVLGDGHMXV
WLÀFDQWH
vida da gestante.
‡(VWDGR GH QHFHVVLGDGH H[ d) Perigo não provocado voluntariamente pelo sujeito
FXOSDQWH O provocador do perigo não pode beneficiar-se da excludente, a não
‡(VWDGRGHQHFHVVLGDGHSUy ser que o tenha gerado involuntariamente. Em outras palavras, aque-
SULR le que por sua vontade produz o perigo não poderá agir em estado de
‡(VWDGR GH QHFHVVLGDGH GH necessidade. Provocar voluntariamente significa provocar dolosamen-
WHUFHLUR te. Dessa forma, se o agente provocou culposamente o perigo, poderá
‡(VWDGR GH QHFHVVLGDGH ser beneficiado pela excludente. Há quem entenda de maneira diversa,
UHDO
equiparando a provocação voluntária tanto à dolosa como à culposa.
‡(VWDGRGHQHFHVVLGDGHSX Argumenta-se que o provocador do risco teria sempre o dever jurídico
WDWLYR
de impedir o resultado (i. e., salvar o bem alheio em detrimento do seu),
independentemente de dolo ou culpa, com base no art. 13, § 2º, c, do CP.
Esse dispositivo, contudo, não se aplica ao estado de necessidade, pelo
princípio da especialidade; isso porque o art. 24, § 1º, do CP estipula que
só não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever legal de en-
frentar o perigo (situação retratada no art. 13, § 2º, a, do CP). Portanto,
das pessoas arroladas no art. 13, § 2º, somente aquela da alínea a não
pode agir amparada pela excludente; já as demais (letras b e c) podem.
e) Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (princípio da
ponderação de bens)

!"
!"#$"%&'($)*+

Na situação concreta deve-se fazer uma análise comparativa entre o


bem salvo e o bem sacrificado (ponderação de bens). Haverá estado de
necessidade quando aquele for de maior importância que este, ou, ain-
da, quando se equivalerem (ex.: ofender o patrimônio de terceiro para
salvar a vida ou matar para salvar a própria vida). É evidente que essa
comparação não pode ser feita de acordo com um critério milimétri-
co. Caso o bem salvo seja de menor importância que o sacrificado, não
haverá estado de necessidade (ex.: para evitar que um navio afunde, o
capitão ordena que a tripulação se jogue em alto-mar). Nesse caso, to-
davia, deve-se aplicar o § 2º do art. 24 (causa obrigatória de diminuição
de pena, de 1 a 2/3).
f) Inevitabilidade do perigo
Se o conflito estabelecido entre os bens puder ser solucionado de
modo diverso, como por um pedido de socorro a terceira pessoa ou pela
fuga do local do perigo, o fato não se considerará justificado, pois a con-
duta lesiva deve ser o único meio de salvar o bem do perigo.
g) Inexistência de dever legal de afastar o perigo (art. 24, § 1º)
Quem tem dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar es-
tado de necessidade. Isso ocorre com algumas funções ou profissões:
bombeiro, policial etc. Assim, o bombeiro não pode eximir-se de salvar
uma pessoa num prédio em chamas sob o pretexto de correr risco de
se queimar. Evidentemente que não se exige heroísmo (ex.: bombeiro
ingressar em uma casa totalmente em chamas para salvar algum bem
valioso, sendo improvável, na situação, que ele sobreviva, apesar de todo
o seu treinamento).

&ODVVLÀFDomR
a) Estado de necessidade defensivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra a coisa de que provém o perigo — se o
perigo foi causado por alguém, contra este é que se dirige a conduta, le-
sionando um bem de sua titularidade (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, que é o responsável pelo afundamento do navio).
b) Estado de necessidade agressivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra outra coisa, diversa daquela que originou
o perigo, ou contra terceiro inocente (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, sendo que ambos não tiveram nenhuma respon-
sabilidade no tocante ao afundamento do navio).
A distinção acima não tem relevância para o direito penal (ambos
excluem a ilicitude), mas repercute na órbita cível. O sujeito que age em
estado de necessidade agressivo deverá reparar o dano causado ao ter-
ceiro inocente pela sua conduta, tendo direito de regresso contra o cau-
sador do perigo. O reconhecimento do estado de necessidade defensivo,
por outro lado, afasta até mesmo a obrigação de reparar o dano causado
pelo crime (a sentença penal que o reconhecer impedirá eventual ação
civil ex delicto).

!"
c) Estado de necessidade justificante: afasta a ilicitude da conduta.
F*G&+,)&F,
d) Estado de necessidade exculpante: exclui a culpabilidade do
)29:8! ;2! 9<= agente (não foi adotado pelo CP).
WDU GLUHomR e) Estado de necessidade próprio: salva-se bem próprio.
;2! >82?! /@A4= f) Estado de necessidade de terceiro: salva-se bem alheio.
9<@A2BC! 0DDE##
g) Estado de necessidade real: é aquele definido no art. 24 do CP.
(P &DQWRQ
QR 0LVVLVVLSL
h) Estado de necessidade putativo: trata-se do estado de necessida-
GRLV EUDQFRV de imaginário (afasta o dolo — art. 20, § 1º, do CP, ou a culpabilidade
HVSDQFDP H — art. 21 do CP, conforme o caso).
HVWXSUDP XPD
PHQLQD QHJUD GH GH] DQRV (OHV
VmR SUHVRV PDV TXDQGR HVWmR !"#$! %&'()*+,!-&.&/,
VHQGROHYDGRVDRWULEXQDOSDUDWHU
RYDORUGDVXDÀDQoDGHFUHWDGD
R SDL GD JDURWD 6DPXHO / -DFN Diz o CP, no art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando
VRQ  GHFLGH ID]HU MXVWLoD FRP DV moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
SUySULDV PmRV H PDWD RV GRLV QD iminente, a direito seu ou de outrem”.
IUHQWH GH GLYHUVDV WHVWHPXQKDV Trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos
DOpP GH DFLGHQWDOPHQWH IHULU VH do direito penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de
ULDPHQWH XP SROLFLDO 3DUD UHÁHWLU$# sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência,
VHULDRFDVRGH!"#$%&'()!*#+#,)!*)! atrelada ao crime de homicídio. Atualmente, permite-se seu reconheci-
-./0)% mento como meio de tutelar qualquer direito, não somente a vida ou a
integridade física.

"#$#0!1234565786
São os seguintes: a) existência de uma agressão; b) atualidade ou
iminência da agressão; c) injustiça dessa agressão; d) agressão contra
direito próprio ou alheio; e) conhecimento da situação justificante (ani-
mus defendendi); f) uso dos meios necessários para repeli-la; g) uso mo-
derado desses meios. Vejamos abaixo:
a) Agressão
É sinônimo de ataque, ou seja, a conduta humana que lesa ou expõe
a perigo bens jurídicos tutelados. A mera provocação não dá ensejo à
defesa legítima. Ao reagir a uma provocação por parte da vítima, o agen-
te responderá pelo crime, podendo ser reconhecida em seu favor uma
atenuante genérica (CP, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no crime
de homicídio (CP, art. 121, § 1º).
A agressão deve ser humana. Contra agressão de animal cabe esta-
do de necessidade (a não ser que alguém provoque deliberadamente o
animal, de modo que ele sirva como instrumento do ataque de um ser
humano).
b) Atualidade ou iminência
Atual é a agressão presente, que está em progressão, que está acon-
tecendo. Iminente, quando está prestes a se concretizar. “A legítima de-
fesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o
foi” (Noronha). Reação contra agressão passada é vingança; em vez de

!"
!"#$"%&'($)*+

lícita, é, como regra, mais severamente punida (motivo fútil ou torpe).


Se a agressão for futura, o agente também comete crime.
-./0123
c) Injustiça da agressão 6REUH D !"#$%&'() *"+",(#$ %&$
Injusta é a agressão ilícita (não precisa ser criminosa). São exemplos VtQWHVHWHPRV
de agressões justas: cumprimento de mandados de prisão ou efetivação !"#$%&'()(*+),
de prisão em flagrante (v. arts. 284 e 292 do CPP), defesa da posse, vio- D $JUHVVmR
lência desportiva e penhora judicial. Nesses casos, quem reagir não esta- E $WXDOLGDGHRXLPLQrQFLD
rá em legítima defesa. F ,QMXVWLoDGDDJUHVVmR
É possível legítima defesa de legítima defesa? Simultaneamente, G 2GLUHLWRGHIHQGLGR
não. Se uma das pessoas se encontra em legítima defesa, sua conduta H (OHPHQWR VXEMHWLYR ³ FR
contra a outra será justa (lícita), e, por consequência, o agressor nunca QKHFLPHQWR GD VLWXDomR
poderá agir sobre o amparo da excludente. É possível, no entanto, que MXVWLÀFDQWH
uma pessoa aja inicialmente em legítima defesa e, após, intensifique des- I 0HLRVQHFHVViULRV
necessariamente sua conduta, permitindo que o agressor, agora, defen- J 0RGHUDomR
da-se contra esse excesso (legítima defesa sucessiva). Devem-se lembrar, &ODVVLÀFDomR
também, as seguintes situações possíveis: legítima defesa real contra legí- ‡/HJtWLPDGHIHVDUHFtSURFD
tima defesa putativa ou, ainda, duas pessoas agindo, uma contra a outra,
‡/HJtWLPDGHIHVDVXFHVVLYD
em legítima defesa putativa.
‡/HJtWLPDGHIHVDUHDO
Age em legítima defesa quem se defende de agressão de inimputá-
‡/HJtWLPDGHIHVDSXWDWLYD
veis (menores, doentes mentais etc.)? Para a doutrina prevalente a res-
‡/HJtWLPDGHIHVDSUySULD
posta é afirmativa, uma vez que a injustiça da agressão deve ser aferida
‡/HJtWLPDGHIHVDGHWHUFHLUR
objetivamente, ou seja, sem cogitar se o agressor detinha capacidade de
‡/HJtWLPDGHIHVDVXEMHWLYD
entender o caráter ilícito de sua agressão. Essa interpretação, no entanto,
‡/HJtWLPDGHIHVDFRP(-"./
pode redundar em situações absurdas, porquanto na legítima defesa não
.(%&0)&1%2,
se exige que a agressão seja inevitável. O que dizer, então, da hipótese
em que uma criança de 5 anos se mune de um bastão para agredir um
adulto, que, nas circunstâncias, poderia simplesmente desviar do golpe?
O adulto, se quiser, poderá reagir ainda na iminência de ser atingido,
ferindo a criança (legítima defesa contra agressão iminente). Para evitar
tal conclusão, deve-se entender que contra agressões de inimputáveis só
é cabível estado de necessidade, em que se exige que o perigo seja ine-
vitável. Aplicando tal solução ao exemplo acima, o adulto que ferisse a
criança responderia pelas lesões nela provocadas, pois poderia evitar o
golpe, dele desviando. Como argumento de reforço, cabe recordar que
contra ataques de animais aplicam-se os princípios do estado de neces-
sidade (mais restritos) e não os da legítima defesa (a não ser que o se-
movente seja açulado por alguém). Isso significa afirmar que diante da
investida de um cão bravio, de regra, só poderemos reagir se não houver
outro meio de escapar (inevitabilidade do perigo). Não se pode admitir
que a repulsa contra o golpe evitável de uma criança seja lícita e a reação
contra o ataque evitável de um animal seja crime. O direito estaria dan-
do mais proteção ao ser irracional que ao infante (nesse sentido: Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, Capítulo VII, § 710).
d) O direito defendido
Qualquer direito pode ser defendido pela excludente: vida, liber-
dade, honra, integridade física, patrimônio etc. Age em legítima defesa

!"
aquele que defende direito próprio (legítima defesa própria) ou alheio
(legítima defesa de terceiro).
e) Elemento subjetivo — conhecimento da situação justificante
Constitui requisito fundamental para a existência da excludente. O
agente deve ter total conhecimento da existência da situação justificante
para que seja por ela beneficiado. “A legítima defesa deve ser objetiva-
mente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-
-se” (Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, v. 1, p. 264).
Imagine a seguinte situação e questione se houve ou não legítima defesa:
A pretende vingar-se de seu inimigo B e passa a andar armado. Certo
dia, avista-o. Ocorre que somente enxerga sua cabeça, pois B se encon-
tra atrás de um muro alto. A não sabe o que está acontecendo do outro
lado do muro. Como tencionava matar seu desafeto, saca sua arma e
efetua um disparo letal na cabeça de B. Posteriormente, apura-se que,
do outro lado do muro, B também estava com uma arma em punho,
prestes a matar injustamente C. Constata-se, ainda, que o tiro disparado
por A salvou a vida de C. Enfim, A deve ou não ser condenado? Agiu em
legítima defesa de terceiro? Não, uma vez que só age em legítima defesa
(e isso vale para as demais excludentes de antijuridicidade) quem tem
conhecimento da situação justificante e atua com a finalidade/intenção
de defender-se ou defender terceiro.
Presentes os requisitos vistos até então, tem-se uma situação de le-
gítima defesa, de modo que a repulsa contra a agressão será lícita. No
entanto, a reação deve pautar-se pelo necessário e suficiente para salvar
o direito ameaçado ou lesionado. Excedendo-se, extrapola o agente os
limites da defesa, acarretando excesso, pelo qual o sujeito responderá,
se no tocante a ele atuar dolosa ou culposamente (CP, art. 23, parágrafo
único).
f) Meios necessários
É o meio menos lesivo que se encontra à disposição do agente, po-
rém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um meio capaz de evi-
tar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo.
Evidentemente essa ponderação, fácil de ser feita com espírito calmo e
refletido, pode ficar comprometida no caso concreto, quando o ânimo
daquele que se defende encontra-se totalmente envolvido com a situa-
ção. Por isso que se diz, de forma uníssona, que a necessidade dos meios
(bem como a moderação, que se verá em seguida) não pode ser aferida
segundo um critério milimétrico, mas sim tendo em vista o calor dos
acontecimentos. Assim, exemplificativamente, a diferença de porte físico
legitima, conforme o caso, agressão com arma.
g) Moderação
Não basta a utilização do meio necessário, é preciso que esse meio
seja utilizado moderadamente. Trata-se da proporcionalidade da reação,
a qual deve dar-se na medida do necessário e suficiente para repelir o
ataque. Como já lembrado, a moderação no uso dos meios necessários
deverá ser avaliada levando-se em conta o caso concreto.

!"
!"#$"%&'($)*+

!"#"$"%!"##"$%&'$(&)*&&%&
Consiste na fuga do local, evitando a agressão que ensejaria a le-
gítima defesa. O CP não exige que a agressão causadora da legítima
defesa seja inevitável, de modo que o agente não está obrigado a pro-
curar uma cômoda fuga do local, em vez de repelir a agressão injusta.
Em outras palavras, ainda que tenha o sujeito condições de retirar-se
ileso do local, evitando a agressão, agirá em legítima defesa se optar
por ali permanecer e reprimir a agressão injusta, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem, desde que o faça moderadamente e use dos
meios necessários.

!"#"&"%'()*++,
Trata-se da desnecessária intensificação de uma conduta inicial-
mente legítima. Predomina na doutrina o entendimento de que o ex-
cesso decorre tanto do emprego do meio desnecessário como da falta
de moderação (nesse sentido, entre outros, Julio F. Mirabete, Manual de
direito penal: parte geral, v. 1, p. 183; Fernando Capez, Curso de direito
penal: parte geral, v. 1, p. 237).
Há duas formas de excesso:
a) intencional ou voluntário, quando o agente tem plena consciên-
cia de que a agressão cessou e, mesmo assim, prossegue reagindo visando
lesar o bem do agressor; nesse caso, o agente responderá pelo resultado
excessivo a título de dolo (é o chamado “excesso doloso”);
b) não intencional ou involuntário, o qual se dá quando o sujeito,
por erro na apreciação da situação fática, supõe que a agressão ainda
persiste e, por conta disso, continua reagindo sem perceber o excesso
que comete. Se o erro no qual incorreu for evitável (i. e., uma pessoa de
mediana prudência e discernimento não cometeria o mesmo equívoco
no caso concreto), o agente responderá pelo resultado a título de culpa,
se a lei previr a forma culposa (“excesso culposo”). Caso, contudo, o erro
seja inevitável (qualquer um o cometeria na mesma situação), o sujeito
não responderá pelo resultado excessivo, afastando-se o dolo e a culpa
(“excesso exculpante” ou “legítima defesa subjetiva”).

&ODVVLÀFDomR
a) Legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima de-
fesa (inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas);
b) legítima defesa sucessiva: é a reação contra o excesso;
c) legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude;
d) legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade
de erro (CP, arts. 20, § 1º, ou 21);
e) legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio;
f) legítima defesa de terceiro: quando o sujeito defende direito
alheio;

!"
g) legítima defesa subjetiva: dá-se quando há excesso exculpante
(decorrente de erro inevitável);
h) legítima defesa com aberratio ictus: o sujeito, ao repelir a agressão
injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia.
Exemplo: A, para salvar sua vida, saca uma arma de fogo e atira em direção
ao seu algoz, B; no entanto, erra o alvo e acerta C, que apenas passava pelo
local. A agiu sob o abrigo da excludente e deverá ser absolvido criminalmen-
te; na esfera cível, contudo, deverá responder pelos danos decorrentes de sua
conduta contra C, tendo direito de regresso contra B, seu agressor.

!"#"$"%&'()*+,-./0
Compreendem todos os instrumentos empregados regularmente, de
maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum bem ju-
rídico, geralmente posse ou propriedade. Há autores que distinguem os
ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os primeiros seriam apara-
tos visíveis (cacos de vidro nos muros, pontas de lança etc.); os segundos,
ocultos (cercas eletrificadas, armadilhas etc.). De qualquer modo, a juris-
prudência recomenda que o aparato seja sempre visível e inacessível a ter-
ceiros inocentes (em se tratando de defesa mecânica predisposta, é preciso
a existência de alguma advertência visível, p. ex., “cuidado, cão bravo” ou
“atenção, cerca eletrificada”, além da inacessibilidade a terceiros inocen-
tes). Presentes esses requisitos, o titular do bem protegido não responderá
criminalmente pelos resultados lesivos dele decorrentes. Quando atingir
o agressor, terá agido em legítima defesa (preordenada); se atingir terceiro
inocente, será absolvido com base na legítima defesa putativa.
Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica
dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito),
prevalece o entendimento de que sua preparação configura exercício re-
gular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto,
legítima defesa preordenada. Pela teoria da imputação objetiva, no en-
tanto, a instalação dos ofendículos constitui fato atípico, pois se trata de
exposição de bens jurídicos a riscos permitidos.

'LIHUHQoDVHQWUHOHJtWLPDGHIHVDHHVWDGR
*(%)(,(001*2*(
a) A legítima defesa pressupõe agressão, e o estado de necessidade,
perigo;
b) nela, só há uma pessoa com razão; no estado de necessidade,
todos têm razão, pois seus interesses ou bens são legítimos;
c) há legítima defesa ainda quando evitável a agressão, mas só há
estado de necessidade se o perigo for inevitável;
d) não ocorre legítima defesa contra ataque de animal (salvo quan-
do ele foi instrumento de uma agressão humana), mas existe estado de
necessidade nessas situações.

Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade


Legítima defesa Estado de necessidade
Pressupõe agressão. Pressupõe perigo.

!"
!"#$"%&'($)*+

O direito só ampara o comportamento Todos são amparados pelo direito,


?)?2)*'%+4
de um dos envolvidos (aquele que se pois seus interesses ou bens são
defende). legítimos.
A agressão pode ser evitável. O perigo deve ser inevitável. (VWDomR &D8
9:;<=9>#$ %&$
Não ocorre legítima defesa contra ata- Existe estado de necessidade contra
que de animal (salvo quando ele foi ataque de animal. 'UDX]LR 9D
instrumento de uma agressão humana). UHOOD $ REUD
GLVFRUUH VREUH
VXD H[SHULrQ
'()$ '*+*$ +,
!"#$! !%&'()'*!+,-.()-%/'*!0%!0%1%(!2%342 GLFRYROXQWiULR
QD &DVD GH
'HWHQomR GH
Por vezes, a própria lei obriga um agente público a realizar condutas,
6mR 3DXOR FRQKHFLGD FRPR &D
dando-lhe poder até de praticar fatos típicos para executar o ato legal.
UDQGLUX(ODWUD]RUHODWRGRVSUHVRV
Para que o cumprimento do dever legal exclua a ilicitude da condu- VREUHRPDVVDFUHTXHRFRUUHXHP
ta é preciso que obedeça aos seguintes requisitos:  3DUD UHÁHWLU RV SROLFLDLV DJL
a) existência de um dever legal, leia-se: de uma obrigação imposta UDPDFREHUWDGRVSHOR!"#$%#&'()*+
por norma jurídica de caráter genérico, não necessariamente lei no sen- ,$%*!-#&'.&'.!/!$'0!120-$
tido formal; o dever poderá advir, inclusive, de um ato administrativo
(de conteúdo genérico). Se específico o conteúdo do ato, poder-se-á falar
em obediência hierárquica;
b) atitude pautada pelos estritos limites do dever;
c) conduta, como regra, de agente público e, excepcionalmente, de
particular. Como exemplo de dever legal incumbido a particular costu-
ma-se lembrar do dever dos pais quanto à guarda, vigilância e educação
dos filhos.
Exemplos de atos lesivos a bens jurídicos penalmente tutelados que
são permitidos em lei e se enquadram na excludente em estudo:
a) CPP, art. 292: violência para executar mandado de prisão;
b) CPP, art. 293: execução de mandado de busca e apreensão e ar-
rombamento;
c) oficial de justiça que executa ordem de despejo;
d) soldado que fuzila o condenado por crime militar em tempo de
guerra, cuja sanção é a pena de morte;
e) agente policial infiltrado com autorização judicial que se vê obri-
gado a cometer delitos no seio da organização criminosa (art. 2º, V, da
Lei n. 9.034/95).
Como em todas as excludentes, também é possível que ocorra ex-
cesso (doloso, culposo ou exculpante).

!"#5! %6%(+7+)*!(%3,24(!0%!0)(%)'*

Todo aquele que exerce um direito assegurado por lei não prati-
ca ato ilícito. Quando o ordenamento jurídico, por meio de qualquer
de seus ramos, autoriza determinada conduta, sua licitude reflete-se na

!"
seara penal, configurando excludente de ilicitude: exercício regular de
um direito (CP, art. 23, III). A esfera de licitude penal, obviamente, só
alcança os atos exercidos dentro do estritamente permitido. O agente
que inicialmente exerce um direito, mas o faz de modo irregular, trans-
bordando os limites do permitido, comete abuso de direito e responde
pelo excesso, doloso ou culposo (não se podendo excluir a possibilidade
do excesso exculpante).
Interessante assinalar que a excludente pode fundar-se não só em
normas jurídicas mas também nos costumes, como ocorre no caso dos
conhecidos trotes acadêmicos. É certo, por óbvio, que os trotes, se exces-
sivos, constituirão crime.
Os exemplos mais comuns de incidência da excludente em apreço
são:
a) intervenção médico-cirúrgica (a intervenção cirúrgica não prati-
cada por profissional habilitado apenas será autorizada em casos de es-
tado de necessidade); note que o médico deverá colher o consentimento
do paciente, ou de seu representante, se menor, somente se podendo
cogitar de cirurgia independentemente de autorização do paciente nos
casos de estado de necessidade;
b) violência desportiva, desde que o esporte seja regulamentado
oficialmente e a lesão ocorra de acordo com as respectivas regras;
c) desforço imediato na defesa da posse;
d) flagrante facultativo (CPP, art. 301), que constitui a faculdade
conferida por lei a qualquer do povo de prender quem esteja em situa-
ção de flagrante delito.

Imputação objetiva
Cabe enfatizar que, segundo a teoria da imputação objetiva, o exer-
cício regular de um direito deixa de existir como excludente de ilicitude,
sendo suas hipóteses tratadas no âmbito do fato típico, como afastado-
ras da relação de imputação objetiva, tendo em vista que o risco criado
pelo agente nesses casos seria um risco permitido.

!"
! "#$%&'($()&)*
%)'(2,*(%, ! ! &'%()*&+!',*-.(/,!(!0-'1,2('*&!
%
!"#$ 3-.41)%&
2V GRLV ÀOPHV DEDL[R PRVWUDP DV
PD]HODVGRVLVWHPDFDUFHUiULREUD
VLOHLUR GHVWLQDGR Trata-se do pressuposto necessário para a aplicação de uma pena ao
DRV FRQVLGHUDGRV agente que cometeu um crime (fato típico e antijurídico). Dá-se quando
LQLPSXWiYHLV WUD
o sujeito for imputável, detiver possibilidade de compreensão da ilici-
oDQGR XP SDUD
tude de sua conduta e se puder dele exigir comportamento diferente na
OHORFRPRPXQGR
GDVGURJDV
situação em que se encontrava. Embora haja autores que sustentem ser
a culpabilidade requisito do crime, não é essa a conclusão que decorre
9BFGH!DE!7E?E!%@I
AEJ@K+! DBLEJMH! do exame de nossa legislação, a qual afirma, nas hipóteses de falta de
DE! 6@NK! 9HD@OPQR+! culpabilidade, ser o agente isento de pena (v. CP, arts. 21, 22, 26 e 28),
5SST# em vez de declarar não haver crime, como faz no caso das excludentes
2E>! OH<E! OMH! U! de ilicitude (v. CP, art. 23).
3HGOOR+! DBLEJMH! No sistema clássico, a culpabilidade era vista como mero vínculo
DE! 2@>LH! 6B<@+! psicológico entre autor e fato, por meio do dolo e da culpa, que eram
5SS"#! suas espécies (teoria psicológica da culpabilidade). No sistema neoclás-
&! (K?L@OGH! OH! 'BI sico, agregou-se a ela a noção de reprovabilidade, resultando no entendi-
OGH+! DBLEJMH! DE!
mento de que a culpabilidade somente ocorreria se o agente fosse impu-
2BCHV! 0HL<@O+!
tável, agisse dolosa ou culposamente e se se pudesse dele exigir compor-
$WXT#! 2 ORQJD ID]
XPD UHOHLWXUD GD
tamento diferente (teoria psicológico-normativa ou normativa da cul-
REUD GH .HQ .H pabilidade). Já se tratava de um grande avanço, mas o aperfeiçoamento
VH\ FRP R HQIR definitivo só veio com o sistema finalista, pelo qual ela se compunha de
TXH QD UHDO VLWX imputabilidade, possibilidade de compreensão da ilicitude da conduta e
DomR GDV SHVVRDV TXH YLYHP HP de exigir do agente comportamento distinto (teoria normativa pura da
XP VDQDWyULR 1DUUD D KLVWyULD GH culpabilidade).
XPKRPHPTXHFRPHWHXPFULPH
A teoria normativa pura, hoje prevalente, subdivide-se em: teoria
PDVGHYLGRDVHXFRPSRUWDPHQ
limitada e teoria extremada da culpabilidade, as quais são absolutamen-
WR SDVVD R SHUtRGR GH UHFOXVmR
HPXPVDQDWyULR1RGHFRUUHUGR te coincidentes em todos os seus postulados, salvo no tocante à natureza
ÀOPHpDERUGDGDDUtJLGDURWLQDD das descriminantes putativas.
TXHRVSDFLHQWHVVmRVXEPHWLGRV
FRP LQWHQVR XVR GH PHGLFDPHQ
WRV H KXPLOKDo}HV R TXH UHIRUoD
! ! 6(2('*&7!1,!%-68,9)6)1,1(!',!
(
DQHFHVVLGDGHGHUHSHQVDUPRVD !"#5 %&'%(8:;&!0)',6)7*,
IRUPDFRUUHWDGHWUDWDPHQWRSDUD
SHVVRDVQHVVDVLWXDomR

Para que alguém possa considerar-se culpável é preciso que tenha


9)96)&*(%,
imputabilidade, possibilidade de consciência da ilicitude da conduta e
)OB<=>?@ABCBD@DE! que dele possa exigir-se comportamento diverso.
E!=LHFEKKH!=EO@C
GH $QWRQLR &DUORV "#5#$!)<=>?@ABCBD@DE
GD 3RQWH (GLWRUD
6DUDLYD2EUDPXO É a capacidade mental de compreender o caráter ilícito do fato (vale
WLGLVFLSOLQDU GLVFX dizer, de que o comportamento é reprovado pela ordem jurídica) e de
WH DV LPSOLFDo}HV determinar-se de acordo com esse entendimento (ou seja, de conter-
QD LQLPSXWDELOLGD se), conforme se extrai do art. 26, caput, interpretado a contrario sensu.
GHGXUDQWHRSURFHVVRSHQDO Em outras palavras, consiste no conjunto de condições de maturidade e

!!
!"#$"%&'($)*+

sanidade mental, a ponto de permitir ao sujeito a capacidade de compre-


ensão e de autodeterminação.
010,1.2*%&
Diferença em relação à responsabilidade penal: esta equivale à obri- 3DUD DSURIXQGDU R WHPD GD PH
gação de sujeitar-se às consequências do crime. O doente mental que QRULGDGHLQGLFDPRVDVREUDV
praticar o fato típico e ilícito nas condições do art. 26, caput, do CP será %3456! 78! )9489:
considerado inimputável, mas ainda assim deverá sujeitar-se a uma me- ;6! 7<! %49<=><!
dida de segurança, como consequência de seu ato. Nesse caso, inexiste 8! 76! &76?85:
imputabilidade, mas há responsabilidade penal. @8=;8A!<5B8@;65!
;8C49@65! 8! B4D:
;9@65E FRRUGH
QDGR SRU .iWLD
! !%&'(&(!)*!*+%,'(-.!)&!
!"#$ %',/&01,1)&)*
5HJLQD )HUUHLUD
/RER $QGUDGH
0DFLHO(GLWRUD6DUDLYD

No nosso ordenamento jurídico haverá exclusão da imputabilida-


*5;<;3;6!7<!%49<=:
de penal nas seguintes hipóteses: a) doença mental ou desenvolvimento
><! 8! 76! &76:
mental incompleto ou retardado (CP, art. 26); b) embriaguez completa ?85@8=;8A! ,89! =#!
e involuntária — decorrente de caso fortuito ou força maior (CP, art. 28, "#FGHIJHHF! @6:
§ 1º); c) dependência a substância entorpecente (Lei n. 11.343/2006, art. K8=;<7<! <4;9L6!
45, caput); d) intoxicação involuntária por substância entorpecente (Lei B64! <4;9L6 GH
n. 11.343/2006, art. 45, caput); e) menoridade (CP, art. 27, e CF, art. 228). /XFLDQR $OYHV
As quatro primeiras fundam-se no chamado sistema (ou critério) 5RVVDWR 3DXOR
biopsicológico. A última, no biológico. (GXDUGR /pSRUH H 5RJpULR 6DQ
FKHV&XQKD(GLWRUD6DUDLYD
Sistema biopsicológico: além da causa (“bio”), é necessário o efeito
(“psico”). Explica-se: além de o sujeito ser doente mental, estar com-
)9489;6! B8=<?! 78!
pleta e involuntariamente embriagado etc. (que é a causa ou origem do
<76?85@8=;85A!
problema), é preciso que, ao tempo da conduta (ação ou omissão), não
8?8K8=;65! B<4<!
tenha capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
3K<! ;8649<! L<:
-se de acordo com esse entendimento (como consequência do problema). 4<=;95;<GH.DU\
Sistema biológico ou etiológico: a última causa de exclusão da im- QD %DWLVWD 6SR
putabilidade — a menoridade — é puramente biológica. Isso porque é VDWR
de todo indiferente pesquisar o efeito, bastando identificar-se a causa;
ou seja, basta que o sujeito seja menor de 18 anos para que se considere
inimputável, sendo totalmente irrelevante investigar se o sujeito sabia o
que fazia (tinha noção de certo e errado) e podia controlar-se (capacida-
de de autodeterminação).
Sistema psicológico: por meio desse sistema, que não foi adotado M.%&0',NO1.
entre nós, bastaria o efeito para caracterizar a inimputabilidade; o por- 1=9KB3;<P9?97<78 p D DXVrQFLD
quê seria irrelevante. GH FDUDFWHUtVWLFDV SHVVRDLV QH
Todas as causas de exclusão da imputabilidade devem fazer-se pre- FHVViULDV SDUD TXH SRVVD VHU
sentes no exato momento da conduta. O requisito temporal é funda- DWULEXtGDDDOJXpPDUHVSRQVD
mental. Em tese, portanto, é possível que alguém seja são no momento ELOLGDGHSRUXPLOtFLWRSHQDO
da conduta e, depois, tenha suprimida, em virtude de doença mental, a
capacidade de entender e querer. Responderá normalmente pelo crime.
O exame do requisito temporal dá ensejo a outro questionamento.
Qual a solução quando alguém propositadamente se coloca numa situ-

!"
ação de inimputabilidade para cometer o crime, considerando que, no
momento da conduta, terá afastada a capacidade de autodeterminar-se?
É o caso do sujeito que voluntariamente se deixa hipnotizar para o fim
de cometer o crime, ou se embriaga com esse mesmo propósito. Aplica-
se a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa), pela qual o agente
responde pelo resultado produzido, uma vez que, ao se autocolocar no
estado de inimputabilidade, tinha plena consciência do que fazia. Im-
portante advertir que o sujeito só responderá pelo crime se na causa
(ação livre) estiver presente o dolo ou a culpa ligados ao resultado. Em
outras palavras, o resultado posterior que se pretende imputar ao agente
deve ter sido, ao menos, previsível quando da ação livre (hipnose ou
embriaguez, p. ex.).
Como ensina Damásio de Jesus: “A moderna doutrina penal não
aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez comple-
ta, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não pos-
sui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o
sujeito se embriaga prevendo a possibilidade de praticar o crime e acei-
tando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se
ele se embriaga prevendo a possibilidade do resultado e esperando que
ele não se produza, ou não o prevendo, mas devendo prevê-lo, responde
pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação
da teoria da actio libera in causa. Diferente é o primeiro caso, em que o
sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da
ocorrência do resultado” (Direito penal: parte geral, v. 1, p. 513).
a) Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado (CP, art. 26)
A doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado, se aliada à falta de capacidade de compreender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, produz a
inimputabilidade.
Três são os requisitos: biológico (a causa, ou seja, a doença mental
etc.); psicológico (o efeito, ex., a supressão das capacidades de entendi-
mento ou autodeterminação); temporal (ocorrência dos requisitos an-
teriores no exato momento da conduta).
O sujeito que, nessa hipótese, praticar um crime será absolvido.
Trata-se de absolvição imprópria, pois a ele se aplicará uma medida de
segurança.
Se, por outro lado, presente a causa, o agente não tiver suprimida
mas simplesmente diminuída a capacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de autodeterminar-se, aplica-se o parágrafo único do art. 26
(“semi-imputável”). A ele poderá ser imposta a pena pelo crime pratica-
do, diminuída de 1 a 2/3, ou uma medida de segurança (art. 98), confor-
me se afigure mais adequado ao juiz, em função da necessidade ou não
!"#$%&'()*" de especial tratamento curativo.
O silvícola inadaptado ao convívio com a civilização, assim como o
+,-./01-2pTXHRXTXHPQDVFH
surdo-mudo alijado da cultura, pode enquadrar-se no art. 26, caput ou
RXYLYHQDVHOYDVHOYDJHP
parágrafo único, de acordo com o caso concreto.

!"
!"#$"%&'($)*+

Obs.: a expressão “semi-imputável”, apesar de corrente, não é ade-


quada; isso porque se o agente possui, ainda que reduzidamente, a capa-
cidade de entendimento ou de autocontrole, é imputável, embora com
culpabilidade diminuída (daí o fato de a lei determinar que ele receba
pena reduzida e, excepcionalmente, no caso de necessidade de tratamen-
to, uma medida de segurança).
b) Embriaguez completa e involuntária (decorrente de caso fortuito
ou força maior) (CP, art. 28)
Somente a embriaguez (intoxicação aguda e transitória causada
pelo álcool) completa e involuntária exclui a culpabilidade. Há três es-
tágios de embriaguez: 1º) excitação; 2º) depressão; 3º) sono (letargia).
Considera-se completa a embriaguez nas duas últimas fases, pois ela re-
tira por completo a capacidade de discernimento do agente.
O sujeito pode embriagar-se voluntariamente (quando tem a inten-
ção de fazê-lo) ou de forma culposa (excesso imprudente no consumo de
bebida alcoólica). Nessas hipóteses não incide o dispositivo em exame,
que pressupõe embriaguez involuntária, ou seja, oriunda de caso fortui-
to (quando se ingere substância cujo efeito inebriante era desconhecido)
ou força maior (quando se é fisicamente forçado a consumir álcool ou
substância de efeitos análogos). Aos casos de embriaguez voluntária, do-
losa ou culposa, aplica-se a teoria da actio libera in causa.
Juridicamente, a embriaguez completa e involuntária enseja absol-
vição própria, por exclusão da culpabilidade. Se o comprometimento
da capacidade de compreensão ou autodeterminação for apenas parcial,
incidirá uma causa de diminuição de pena, de 1 a 2/3 (CP, art. 28, § 2º).
A embriaguez pode, ainda, ter os seguintes efeitos: a) imposição de !"!#"$%&'(
medida de segurança, no caso de embriaguez patológica (o alcoolismo é
equiparado a doença mental, sendo tratado na forma do art. 26 do CP); )*+,-. *. /*012
b) imposição de agravante genérica (CP, art. 61, II, l), quando houver 0,-. 0*. 3*452
embriaguez preordenada (o agente se embriaga propositadamente para 6,+7,.+8.916*1:8.
cometer o crime). )*+,;. !6,-1;*168
GH6DORGH&DU
c) Dependência ou intoxicação involuntária por substância entor-
YDOKR (GLWRUD
pecente
6DUDLYD 2 OLYUR
O art. 45, caput, da Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006) dispõe: “É DERUGD RV SUR
isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, EOHPDV QXFOHDUHV GD MXVWLÀFDomR
proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da H GD DSOLFDomR GDV SHQDV H GDV
ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, PHGLGDVGHVHJXUDQoD
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determi-
nar-se de acordo com esse entendimento”. Nesse caso, “quando absolver
o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época
do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste arti-
go, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para
tratamento médico adequado” (parágrafo único).
d) Menoridade (CP, art. 27, e CF, art. 228)
Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, aplicando-
-se-lhes a legislação pertinente: Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente — ECA).

!"
O adolescente (pessoa com mais de 12 e menos de 18 anos comple-
tos) que pratica um fato definido como crime ou contravenção penal
incorre, nos termos do ECA, em ato infracional, sujeito às chamadas
medidas socioeducativas (internação, semiliberdade etc.).
“O limite de idade deve ser fixado de acordo com a regra do art. 10,
1ª parte: ‘O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo’. Se o fato
é cometido no dia em que o sujeito comemora 18 anos, responde por
crime, pois não se indaga a que hora completa a maioridade penal. A
partir do primeiro instante do dia do aniversário surge a maioridade”
(Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 506).

! ! !&'()&*&+&,&-%-(!-(!./'-01%!
%
!"#$ -&2(34%!./5/!.%04%!4063%,(*%,!
-(!().,047/!-%!.0,6%+&,&-%-(

Estamos agora diante do último elemento da culpabilidade. Para


dizer que alguém praticou uma conduta reprovável, é preciso que se
possa exigir dessa pessoa, na situação em que ela se encontrava, uma
conduta diversa. Muitas vezes, as pessoas se veem em situações nas quais
não têm escolha: ou agem de tal forma, ou um mal muito maior lhes
acontecerá. Veja o seguinte caso: para obter declaração falsa e assinatura
em um contrato, um sujeito aponta arma de fogo contra a cabeça da
vítima, exigindo que redija e assine o documento. Evidente que a vítima
pode recusar-se a assiná-lo, no entanto, se o fizer, morrerá. Nesse caso,
não se pode exigir do ofendido que assinou o documento falso compor-
tamento diferente.
Nosso CP prevê duas causas em que não é exigível conduta diversa:
coação moral irresistível e obediência hierárquica (art. 22).
a) Coação moral irresistível
De início é importante lembrar que a culpabilidade só estará exclu-
ída quando se tratar de coação moral. Havendo coação física, afasta-se a
ação ou omissão, gerando um fato atípico.
Requisito da coação moral (ameaça): deve ser irresistível. E a “irre-
sistibilidade da coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaça-
do (...) Somente o mal efetivamente grave e iminente tem o condão de
caracterizar a coação irresistível prevista pelo art. 22 do CP. A iminência
aqui não se refere à imediatidade tradicional, puramente cronológica,
mas significa iminente à recusa, isto é, se o coagido recusar-se, o coator
tem condições de cumprir a ameaça em seguida, seja por si mesmo, seja
por interposta pessoa” (Cezar R. Bitencourt, Manual de direito penal:
parte geral, v. 1, p. 310).
Quando alguém pratica o fato sob coação moral irresistível, só é
punível o autor da coação. O coagido estará isento de pena. Apesar de
haver duas pessoas envolvidas na consecução do fato — o coator e o

!"
!"#$"%&'($)*+

coagido — não se há de falar em concurso de pessoas. O coagido é mero


instrumento nas mãos do coator. Por isso fala-se em autoria mediata.
!"#$%&'()!
Aliás, cumpre observar que o coator terá contra si uma circunstância
(PUHODomRjREHGLrQFLDKLH
agravante (CP, art. 62, II). UiUTXLFD D VLWXDomR GRV PLOLWDUHV
Coação resistível: se resistível a coação, ambos respondem pelo fato p GLIHUHQWH GRV IXQFLRQiULRV FLYLV
— coator e coagido; este com uma atenuante (art. 65, III, c, 1ª figura) e 2 &yGLJR 3HQDO 0LOLWDU SUHYr R
aquele com a agravante acima mencionada. FULPHGHLQVXERUGLQDomR DUW
b) Obediência hierárquica &30 TXHLQYLDELOL]DGLVFXWLUDOH
JDOLGDGHGHXPDRUGHPSHORGH
Requisitos: a) relação de direito público (hierarquia); b) ordem do
YHU GH REHGLrQFLD 1HVVHV FDVRV
superior; c) ordem ilegal, mas cuja ilegalidade não seja manifestamente
VH KRXYHVVH FULPH Vy R DXWRU GD
evidente. O superior hierárquico que profere a ordem ilegal responde RUGHP UHVSRQGHULD R VXEDOWHUQR
pelo crime com uma circunstância agravante (CP, art. 62, III); seu subor- QmR
dinado será isento de pena (trata-se de outro caso de autoria mediata). eLPSRUWDQWHQRWDUTXHR&y
Discute-se a possibilidade de admitir a existência de causas suprale- GLJR 3HQDO 0LOLWDU IDOD HP RUGHP
gais (não previstas em lei) de inexigibilidade de conduta diversa. PDQLIHVWDPHQWH FULPLQRVD DUW
Primeiro deve-se lembrar que estamos no campo das normas pe-  † ž &30  $ RUGHP PDQLIHV
nais permissivas, para as quais é perfeitamente admissível o emprego WDPHQWHFULPLQRVDpGLIHUHQWHGD
da analogia (in bonam partem). Além disso, a não exigibilidade corres- RUGHP PDQLIHVWDPHQWH LOHJDO GR
&yGLJR 3HQDO SRLV D LOHJDOLGDGH
ponde a um princípio geral de exclusão de culpabilidade. Não há óbice,
PDQLIHVWD p UHODWLYD D IRUPDOLGD
portanto, à aplicação de causas supralegais de exclusão da culpabilidade.
GHV TXH QmR IRUDP FXPSULGDV H
A emoção e a paixão não excluem o crime (CP, art. 28). Seria um IDOWDGHOHJLWLPLGDGGHGRVXSHULRU
absurdo se isso ocorresse, já que, por mais amoral que seja o criminoso, SDUD GDU D RUGHP -i D RUGHP
ele sempre estará sentindo alguma emoção (tensão, apreensão, nervosis- PDQLIHVWDPHQWH FULPLQRVD WHP
mo, alegria, prazer, irritação, ansiedade etc.). SRUREMHWRDSUiWLFDGHDWRPDQL
Por emoção entende-se a forte e transitória perturbação da afetivi- IHVWDPHQWHFULPLQRVR
dade ou a viva excitação do sentimento. A emoção corresponde a um es-
tado momentâneo, e a paixão, a um estado duradouro. A emoção pode,
eventualmente, influenciar na quantidade da pena (v. arts. 65, III, c, 121,
§ 1º, e 129, § 4.º)

!"
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3(4%/&(&2/1$5&3*6
7/%01(3& $& 8/02*%$&
,$&(4%$&-89330-$:&
Erro, em direito penal, corresponde a uma falsa percepção da rea-
!""#$%&$'()#$*$!""#$
%&$ +"#(,(-.#/$ ,/& lidade, que tanto pode incidir sobre situação fática prevista como ele-
;/<$%&=(4/%2(&>06 mentar ou circunstância do crime (erro de tipo) como sobre a ilicitude
2/+-(*%25& ?,02(%$& da conduta (erro de proibição). Conforme lição clássica de Hans Welzel,
@$%$0A$B a pessoa que subtrai coisa de outra, acreditando ser sua, encontra-se em
erro de tipo (não sabe que subtrai coisa alheia); contudo, se acredita ter
>'!5:;4 o direito de subtrair coisa alheia, como o caso do credor em relação ao
devedor inadimplente, há erro de proibição; ou, ainda, na lição de Da-
!F)GH(&F$%&$&""#$%&$I()# másio de Jesus, quando alguém tem cocaína em casa, na crença de que
‡!"##$%&'():& 3*4,0A0,/63/& /1& /%%(& constitui outra substância, inócua (ex.: talco), comete erro de tipo (art.
,/&20'(&'%&*'+'%(,-*&/&.$*+'##'/-B 20); mas se souber da natureza da substância, a qual mantém por supor
$C&&!""#$ %&$ I()#$ (JH"(K(JL%#"& D$%2B& equivocadamente que o depósito não é proibido, incide no erro de proi-
EF5& &(.01C:& ?G/1'8(3:& -(+2%$0%& bição (art. 21).
-$3$1/+2(& -(1& '/33($& -$3$6
O erro de tipo dá-se quando o equívoco recai sobre situação fática
,$5& ,/3-(+./-/+,(& -(1'8/6
2$1/+2/& (& 1$2%01H+0(& $+2/%0(%&
prevista como elemento constitutivo do tipo legal de crime (art. 20 do CP).
A980,(&D(&$7/+2/&+I(&3/%9&-(+6 Nele, o agente realiza concretamente todos os elementos de um tipo
30,/%$,(&4J7$1(&K&$%2B&ELM&,(& penal incriminador, sem, contudo, o perceber. Ele até sabe que uma atitu-
;#CN&3*42%$0%&-(03$&$8./0$5&3*'(+6 de como a que pratica configura, em tese, ilícito penal, porém não percebe
,(6$& '%O'%0$& D+I(& (-(%%/& (& -%06 o que está fazendo, pois algum dado da realidade (que constitui elemento
1/&,/&)*%2(&K&$%2B&PMM&,(&;#CB do tipo) refoge à sua percepção. Exemplo: um aluno, ao final da aula, inad-
4C&&!""#$ %&$ I()#$ )&"K(FF(M#& D$%2B& EF5& vertidamente, coloca em sua pasta um livro de um colega, pensando ser o
Q&PRC:&?G/1'8(:&+*1$&-(1$%-$& seu. Esse aluno tem plena noção de que a subtração de coisa alheia móvel
,(& 0+2/%0(%5& *1$& '/33($& S& -(+6
é crime; acredita equivocadamente, todavia, que o bem lhe pertence.
,/+$,$&/&'%(1/2/&$(&T*0<&U*/5&
U*$+,(& -*1'%0%& $& '/+$5& 0%9& Além da estudada acima, há outras modalidades de delito putativo
1$2968(B&#$33$,(&-/%2(&2/1'(5& ou crime imaginário, que são:
(& /3-%0AI(& $8/%2$& (& 1$7032%$,(& a) Delito putativo por erro de proibição: o sujeito realiza um fato
,/&U*/&$U*/8/&%S*&/329&'%/32/3& que, na sua mente, é proibido pela lei criminal, quando, na verdade, sua
$&3/%&3(82(B&V(&,0$&3/7*0+2/5&(&T*0<& ação não caracteriza ilícito penal algum. Exemplo: incesto.
-$10+.$&'(%&*1$&%*$&/3-*%$&/&
b) Delito putativo por obra do agente provocador: dá-se quando o
3/&/+-(+2%$&-(1&3/*&$87(<5&U*/&
8/A$& $& 1I(& $(3& 4(83(3& ,/& 1$6
agente pratica uma conduta delituosa induzido por terceiro, o qual assegura
+/0%$&%/'/+20+$B&W&T*0<5&3*'(+,(& a impossibilidade fática de o crime se consumar. Exemplo: policial à paisa-
U*/&/329&'%/32/3&$&3/%&$8A/T$,(5& na finge-se embriagado para chamar a atenção de um ladrão, que decide
3$-$& ,/& *1$& $%1$5& 1$2$+,(6 roubá-lo; ao fazê-lo, contudo, é preso em flagrante (v. Súmula 145 do STF).
6(N&$'*%$63/5&/1&3/7*0,$5&U*/&(&
1(%2(& 20+.$& +(3& 4(8&3(3& $'/+$3&
*1&408./2/&,/&,/3-*8'$3&D8/7J206
1$&,/)/3$&'*2$20A$CB
$01D$ !884$7!$'6+4$!99!536>E$!$>367!5'>E
‡2&',$%1():& -(1'%//+,/& (& /%%(&
3(4%/& (& (4T/2(& 1$2/%0$85& (& /%%(& O erro de tipo pode ser: a) essencial, que se subdivide em erro de
+$& /G/-*XI(& /& (& /%%(& 3(4%/& (& tipo incriminador e permissivo; b) acidental, compreendendo o erro so-
+/G(&-$*3$8B bre o objeto material, o erro na execução e o erro sobre o nexo causal.

!"
!"#$"%&'($)*+

!"#"$%&''(%)*%+,-(%*..*/0,12
EF&DNOJ
É o que retira do agente a capacidade de perceber que pratica deter-
minado crime. Pode ser inevitável ou evitável. Em função dele, o sujeito crê &''(%)*%+,-(%,/0',3,/1)('P%%
não cometer ilícito algum (como no exemplo da pessoa que guarda cocaína #$%&'()*+#$(&($,$-$./&#(*0((
em casa acreditando tratar-se de açúcar) ou, ao menos, que comete outro %'#%0.)/1.%'&)(2*(/'3*(2$('.40)/*
crime, diverso do que efetivamente pratica (p. ex., alguém ofende a digni-
dade de uma pessoa desconhecendo que se trata de funcionário público
5)%0)67$,(( ;$.%<7$,=((
no exercício de sua função; apenas se dá conta, nesse caso, de uma situação
*0(8.$7'/67$,9(( 8.$)%0)67$,((
ensejadora de crime de injúria — art. 140 do CP, por ele respondendo, e
!"#$%&'('' *0(57'/67$,9(!"#$%&'
não por desacato — art. 331 do CP).
)&*&#&+(+!'' (')&*&#&+(+!''
O erro de tipo essencial, seja ele evitável ou não, sempre exclui o +,$,-(',%'' +,$,-(.'/!01&)!'('
dolo. Quando inevitável dolo, afasta a culpa. Tal erro ocorre quando o #%$*,-(: *%2&34,'*,0''
equívoco (ex., a falsa percepção da realidade) no qual o agente incor- #%$*('-!'5,%6!0''
reu seria cometido por qualquer pessoa de mediana prudência e dis- *0!6&-4,'$!7($:
cernimento, na situação em que ele se encontrava. Exemplo: o caçador
atira contra um arbusto ferindo uma pessoa que se fazia passar por
animal bravio. O erro essencial pode, ainda, ser evitável, caso pudesse
ter sido evitado por alguém de mediana prudência e discernimento.
Embora afaste o dolo, enseja a punição por crime culposo, se previsto
em lei. Exemplo: o caçador atira contra uma pessoa há poucos metros
de distância porque, estando sem os seus óculos, a confundiu com um
animal1.

!"#"#"%%&''(%)*%+,-(%,/0',3,/1)('%41'+"%#56%!"#$%7%*%
-*'3,..,8(%41'+"%#56%9%$:7"%;,<*'*/=1
O erro de tipo essencial subdivide-se, ainda, em erro de tipo incri-
minador e erro de tipo permissivo:
a) erro de tipo incriminador: a falsa percepção da realidade incide
sobre situação fática prevista como elementar ou circunstância de tipo
penal incriminador (daí o nome);
b) erro de tipo permissivo: o erro recai sobre os pressupostos fáticos
de uma causa de justificação (ex., excludente de ilicitude, que se encon-
tra em tipos penais permissivos).

% % &?@ABCBDEDF&?%GHFEFBIE?%&%E?%
;
%!"> F&JABE?%&KFA&CE;E%&%LBCBFE;E%;E%
@HLGEMBLB;E;&

Como se viu acima, apesar da rubrica imprecisa do art. 20, § 1º, há

1. Note que em se tratando de crime no qual só é prevista a forma dolosa, torna-se


irrelevante apurar se o erro foi vencível ou invencível, uma vez que, com a exclusão
do dolo, o fato sempre será atípico.

!"
duas espécies de descriminantes putativas: por erro de tipo e por erro
+-%367' de proibição:
,:;<=>?>@A@B:;!CDBAB>EA;
a) por erro de tipo: dá-se quando o equívoco incide sobre os pres-
supostos de fato da excludente;
‡(VSpFLHV
b) por erro de proibição: verifica-se quando a falsa percepção da
#$%!(F=! :==F! G:! B>CFH% &'()*% +,#-(
&.% .% *+,/0.1.% 2-12&*% ).34*% .)%
realidade incide sobre os limites legais (normativos) da causa de justifi-
54*)),5.)6.)% &*% 7#6.% &#% *819,(
cação. O agente sabe exatamente o que está fazendo, percebe toda a si-
&*-6*: tuação; desconhece, no entanto, que a lei proíbe sua conduta. Pensa que
age de forma correta, quando, na verdade, sua conduta é errada, proibi-
3$%!(F=! :==F! G:! C=F>I>JKFH YHULÀFD
()*%+,#-&.%#%7#9)#%5*41*5;<.%
da, censurada pelo ordenamento penal. É o chamado erro de proibição
&#% 4*#92&#&*% 2-12&*% ).34*% .)%
indireto, que será estudado dentro da culpabilidade. Exemplo: “Um ofi-
92=26*)% 9*>#2)% ?-.4=#620.)$% &#% cial de justiça realiza uma penhora. O executado, por erro, supõe que a
FDXVDGHMXVWLÀFDomR([HPSOR diligência é injusta e reage em imaginária legítima defesa. O erro deriva
,=%*8*1,6#&.%4*#>*%@%5*-A.( não da má apreciação das circunstâncias do fato, mas de incorreta con-
UDIHLWDSRUXPRÀFLDOGHMXVWLoD sideração da qualidade da agressão. Esta existe, mas é justa. O executado
5.4% *-6*-&B(9#C% *+,20.1#&#( a supõe injusta. Aplica-se o art. 21: se o erro é invencível, há exclusão da
=*-6*C%2-D,)6#: culpabilidade, se vencível, não há exclusão da culpabilidade e sim dimi-
‡1DWXUH]DMXUtGLFD nuição de pena” (Damásio de Jesus, Novas questões criminais, p. 136).
E$%%F#4#% #% 6*.42#% *864*=#&#% &#% A natureza jurídica das descriminantes putativas varia de acordo
1,95#3292&#&*C% #=3#)% 1.-)62( com a teoria da culpabilidade adotada (extremada ou limitada, que são
6,*=%*44.%&*%54.232;<.: variações da teoria normativa pura da culpabilidade). São teorias que
G$%%F#4#%#%6*.42#%92=26#&#%&#%1,95#( coincidem em praticamente todos os pontos, exceto em um: justamente
3292&#&*C%#%&*)142=2-#-6*%5,6#( sobre a natureza das descriminantes putativas.
WLYD SRU HUUR GH WLSR FRQÀJXUD Para a teoria extremada, todas as descriminantes putativas, seja as
*44.%&*%625.C%*%#%.,64#C%*44.%&*% que incidam sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação,
54.232;<.: seja as que recaiam sobre os limites autorizadores de uma excludente de
ilicitude, são tratadas como erro de proibição (só haveria, portanto, des-
H*.42#% #&.6#&#% 5*9.% IFJ% 92=2( criminantes putativas por erro de proibição). Já para a teoria limitada da
6#&#% &#% 1,95#3292&#&*% ?26*=% culpabilidade, quando o erro do agente recai sobre os pressupostos fáticos,
EK%&#%L85.)2;<.%&*%M.620.)%&#%
há erro de tipo (erro de tipo permissivo), ao passo que, se incidir sobre os
F#46*%N*4#9%&.%IF$:
limites autorizadores, há erro de proibição (erro de proibição indireto).
Nosso CP adotou a teoria limitada da culpabilidade (v. item 17 da
Exposição de Motivos da Parte Geral do CP).
Em resumo: a) teoria extremada da culpabilidade — as descrimi-
nantes putativas sempre têm natureza de erro de proibição; b) teoria
limitada da culpabilidade — se o equívoco reside na má apreciação de
circunstância fática, há erro de tipo; se incidir nos requisitos normativos
da causa de justificação, erro de proibição.

! &&'!(&')'*+,'!('&!-%&*%.&'/!
%
%&&'!0'1&%!'!'12%-'/!%&&'!0'1&%!
!"#$! (%00'+/!%&&'!3+!%4%*567'!
8!"#$$!%&'()$&*&+&,9

Dá-se quando a falsa percepção da realidade incide sobre dados ir-

!"
!"#$"%&'($)*+

relevantes da figura típica. Encontra-se previsto nos arts. 20, § 3º, 73 e 74


!"#$%&$'(')
do CP.
Subdivide-se em: a) erro sobre o objeto material, que pode ser erro "#$#% &#'#$% ()% !"#$$!%&'( &)%*+%
sobre a pessoa ou erro sobre a coisa; b) erro na execução, que pode ser *+)% $(,-'.#/+% /-0'+1% 0$(,,-02(3
aberratio ictus ou aberratio criminis; e c) erro sobre o nexo de causalidade. 3,(% 4-(% #% 0(,,+#% /56($,#% /#% 0$(3
Nesses casos, o agente, apesar do equívoco, percebe que pratica o .(7/5/#% .(78#% ,5/+% #.5795/#% 0+$%
crime; justamente por esse motivo, o erro não o beneficia. ($$+%:*-'0#;1%0+5,1%,(%8+-6($%/+'+1%
#57/#%4-(%(6(7.-#'1%7<+%,(%(,.#$=%
Erro sobre o objeto material
GLDQWHGDÀJXUDGRDUW
O objeto material do crime é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a
conduta. Há, portanto, erro sobre a pessoa (error in persona) e erro sobre
o objeto (error in objecto). (7)89:%
a) Erro sobre a pessoa
)**+, -., /01+, 230-.4/256% /=3,(%
Pressuposto: o agente atinge pessoa diversa da que pretendia ofen- 4-#7/+% #% &#',#% 0($*(0><+% /#%
der (vítima efetiva), pois a confunde com outra (vítima visada). Exem- $(#'5/#/(%57*5/(%,+?$(%/#/+,%5$$(3
plo: o sujeito mata um sósia do inimigo, pensando tratar-se de seu algoz. OHYDQWHV GD ÀJXUD WtSLFD (QFRQ3
Efeito: não beneficia o agente, devendo ele responder como se tives- .$#3,(%0$(65,.+%7+,%#$.,@%AB1%C%DE1%FD%
se atingido a vítima visada (CP, art. 20, § 3º). Assim, se pretendia matar (%FG%/+%H"@
seu pai, mas atingiu desconhecido (porque o confundiu com seu geni- ‡6XEGLYLGHVHHP
tor), responde pelo crime de homicídio (simples ou qualificado, confor- #;%%I$$+% ,+?$(% +% +?J(.+% )#.($5#'1%
me o caso), com a agravante genérica do art. 61, II, e, do CP. 4-(%0+/(%,($%($$+%,+?$(%#%0(,3
,+#%:#$.@%AB1%C%DE1%/+%H";%+-%,+3
b) Erro sobre o objeto
?$(%#%*+5,#@
Pressuposto: a conduta do sujeito recai sobre coisa diversa da ima- ?;%%I$$+% 7#% (K(*-><+1% 4-(% 0+/(%
ginada. Exemplo: alguém subtrai sacas de arroz acreditando tratar-se ,($%!"#$$!%&'(&)%*+(+-%!"#$$!%&'(
de milho. )$&,&-&+%:#$.,@%FD%(%FG%/+%H";@
Efeito: não beneficia o agente, respondendo ele pelo crime praticado. *;%%I$$+%,+?$(%+%7(K+%/(%*#-,#'5/#3
c) Erro na execução do crime /(@
Há duas modalidades de erro na execução: aberratio ictus e aberra- ‡ (IHLWR% 7(,,(,% *#,+,1% +% #9(7.(1%
tio criminis. #0(,#$% /+% (4-L6+*+1% 0($*(?(%
4-(% 0$#.5*#% +% *$5)(M% J-,.#)(7.(%
1ª) Aberratio ictus (erro na execução ou desvio no golpe) — art. 73
0+$%(,,(%)+.56+1%+%($$+%7<+%+%?(3
do CP. Característica: o sujeito erra nos meios de execução (“erro-inabi- QHÀFLD
lidade”), de tal forma que atinge pessoa diversa da pretendida.
Espécies:
!"#$%&$'(')
a) com unidade simples ou resultado único: em face do erro na exe-
cução, o agente acaba por atingir apenas pessoa diversa da pretendida (a N,% )+/#'5/#/(,% /(% ($$+% ,+3
pessoa que queria atingir é chamada de vítima virtual e a pessoa atingida ?$(% #% (K(*-><+% (% ,+?$(% +% 7(K+%
é chamada de vítima efetiva); *#-,#'%,<+%*8#)#/#,%0('#%/+-.$53
— consequência: a solução é a mesma do art. 20, § 3º, ou seja, o 7#%/(%/('5.+,%#?($$#7.(,@
agente responde pelo crime como se tivesse atingido a vítima pretendida
(vítima virtual);
b) com unidade complexa ou resultado duplo: o agente, além de
atingir a vítima efetiva, atinge a vítima virtual;
— consequência: aplica-se a regra do concurso formal. Apura-se
a capitulação jurídica de cada crime, segundo o elemento subjetivo do
agente, e faz-se a exasperação das penas.

!!
Diferença entre o erro sobre a pessoa e a aberratio ictus (erro na
+*&134-
execução): “O erro sobre a pessoa surge no momento da formação
#$%&%'$()*+,-&%-./$'(&%-&%0'$1 da vontade e nisso se distingue da aberratio ictus, que surge no mo-
+$2-.-&% 23&% 4&'% 0'$/.(+&% $5% *$.% mento da execução da vontade” (Paulo José da Costa Júnior, Comen-
6&5&% 6'.5$% 6)*0&(&% &)% 4&'% 5$1 tários ao Código Penal, p. 380-382, apud Luiz Flávio Gomes, Erro de
2&(% 7',/$% 8)$% ,% 6&2-)+,% $5% (.9% tipo e erro de proibição, p. 126). Além disso, no erro sobre a pessoa,
23&% ($% ,0*.6,% ,% '$7',% -&% ,'+:% ;<:% a vítima visada nem sequer chega a ser ameaçada com a conduta do
=>$50*&?%&%,7$2+$%,+.',%2,%/@+.5,% agente.
$%23&%,%,6$'+,9%,+.27.2-&%,0$2,(%
)5,% /.-',A,:% B0*.6,2-&1($% ,% '$1
2ª) Aberratio criminis (resultado diverso do pretendido) — art. 74
7',%-&%,'+:%;<9%-$/$'.,%'$(0&2-$'% do CP
(&5$2+$%0$*&%'$()*+,-&9%($%0'$/.(1 Pressuposto: o erro do agente também está nos meios executórios.
+,% ,% 4&'5,% 6)*0&(,:% C6&''$% 8)$% No entanto, em vez de atingir pessoa diversa da pretendida, acaba por
23&%DE%6'.5$%-$%-,2&%6)*0&(&%2&%
atingir bem jurídico diverso do pretendido (daí o nomen iuris: resultado
FG9%-$%5&-&%8)$%.((&%.50*.6,'.,%,%
23&% '$(0&2(,H.*.I,A3&% -&% ,7$21
diverso do pretendido).
+$:%J$(($%6,(&9%,%$*$%-$/$%($'%.51 Exemplo: o agente atira uma pedra contra uma vidraça e acerta
0)+,-,%)5,%+$2+,+./,%H',26,%-$% uma pessoa (só responde por lesão corporal culposa, ficando absorvida
D&5.6@-.&:%#$%,((.5%23&%4&(($9%)5% a tentativa de dano).
4,+&% ,+@0.6&% K-,2&% 6)*0&(&L% ,H1
(&'/$'.,% )5% 4,+&% +@0.6&% K+$2+,+./,%
Espécies:
-$%D&5.6@-.&L: a) com unidade simples ou resultado único: só atinge o bem jurídi-
co diverso do pretendido; para falar em aberratio criminis pressupõe-se
que o bem jurídico diverso tenha sido atingido por erro (leia-se: culpa),
pois, se houve dolo, ainda que eventual, deve o agente responder pelo
crime na forma dolosa, não se aplicando o art. 74;
— consequência: só responde pelo resultado produzido e, mesmo
assim, se previsto como crime culposo;
b) com unidade complexa ou resultado duplo: atinge o bem jurí-
dico que almejava e outro, diverso do pretendido, por erro na execução;
— consequência: concurso formal.

! ! &'()*+,-!,./&%'-!,-!0%&*&1,.,-!
%
!"#$ 2!"#$$!%&'()$&*&+&,-

Dá-se quando o agente pretende atingir determinado resulta-


do, mediante dada relação de causalidade, porém obtém seu intento
mediante um procedimento causal diverso do esperado, mas por ele
desencadeado e igualmente eficaz. Exemplo: João, pretendendo ma-
tar seu inimigo, joga-o de uma ponte, na esperança de que, caindo
no rio, morra por asfixia decorrente de afogamento; a vítima, no
entanto, falece em virtude de traumatismo cranioencefálico, pois,
logo após ser lançada da ponte, sua cabeça colide com um dos ali-
cerces da estrutura.

!""
!"#$"%&'($)*+

!"#$! %&&'!(%!)&'*+*,-' C'DE+FGH&*'

DWR GH RItFLR# $# %&'()(# &'(# %#


*+,-.-/01%234#567)-8%#9%:#-.+(;
&RDomRPRUDOLUUHVLVWtYHOSXWDWLYDH <(.+(.0(,(.0(#+(#<(+-+4#+4#
./01234526!720898:;256!<;=6=2>6 -.0(1(//%+4=#>34#?@#.(8(//-+%;
Um funcionário público recebe uma carta ameaçadora dizendo- +(#+(#<14A48%234=#

-lhe que não realize ato de ofício; amedrontado, omite-se; depois, per-
cebe que a carta era endereçada a outro funcionário com atribuição
semelhante à sua. Responde o agente por prevaricação? A resposta é
negativa, devendo aplicar-se os princípios relativos ao erro de proibição
(CP, art. 21).
O agente, supondo existente uma ordem, não manifestamente ile-
gal, de superior hierárquico, pratica uma conduta. Na verdade, contu-
do, a ordem não foi dada. Responde pelo crime cometido? Não pode
ser aplicado o art. 22 porque não havia ordem. É o caso de aplicar o art.
21: erro de proibição. O agente supôs que sua conduta era lícita porque
agiu na crença de que havia uma ordem de autoridade superior, a qual
lhe pareceu legal (e cuja ilegalidade, à vista do homem médio, não era
manifesta).

"#$#?!%88.!@./80!6!242A<;=6/2B21610
Considere uma pessoa humilde, que não teve seu nascimento regis-
trado em cartório, acreditando ter 17 anos, quando, na verdade, possui
18 (circunstância apurada mediante perícia). Também aqui devem ser
aplicados os princípios relativos ao erro de proibição.

!"!
!"#
!" #$%&'()$*+,*-,))$.)
!"#$%&$'(') ./01/. !%+!)$*%.).+%2)+!3(*"#(
$%&'(&)*+),-.'/-012-1'3(&)4
5.1-.'160+728'9:),&'(191,&8')&;&' Uma infração penal, na grande maioria das vezes, é obra de uma
(1912:)5&<' (&2' 1,+657.-&=' >' (.-4 só pessoa. Casos há, entretanto, em que várias pessoas reúnem esforços,
2:',:'1,+657.-&'31.5='?#"',&'@A<'*&-' materiais ou intelectuais, com o fim de cooperar para o mesmo delito.
UHYRJDGRHPÀFDQGRDVXD
Como regra, os crimes podem ser praticados por uma só pessoa
,-9(-B6-)1'1B:)19')&'C2/-5&'(-;-6=
ou por várias, em coautoria ou participação (v. item 10.4, abaixo). Tais
delitos denominam-se unissubjetivos, monossubjetivos ou de concurso
(*)+,-%
eventual.
D:99165:49:' E+:8' )&' (.-2:' ,:' Outros, contudo, apenas podem ser cometidos por várias pessoas
.-F18' :2' E+:' B:9:' &' *15&' ,:' &9' reunidas; são casos em que a pluralidade de sujeitos ativos aparece como
(&)5:),&.:9'9:.:2'9+G:-5&9'15-;&9':'
condição para a existência do ilícito penal. Esses crimes chamam-se plu-
B199-;&9'1'+2'9H'5:2B&8')%&'IJ';-&4
rissubjetivos ou de concurso necessário. Neles, não se fala em coautoria
61K%&' 1&' B.-)(LB-&' ,1' 165:.-,1,:8'
B&-9' &' ,:6-5&' B.:99+BM:' 10.:99M:9'
ou participação, pois todos os concorrentes são considerados autores do
.:(LB.&(19',&9'.-F&9&98':8'B&.51)5&8' crime. A doutrina subdivide-os em: a) crimes plurissubjetivos de con-
&(&..:2'6:9M:9'1'/:)9'16I:-&9= dutas paralelas (ex.: CP, art. 288 — associação criminosa); b) de condu-
tas convergentes (ex.: CP, art. 235 — bigamia); e c) de condutas contra-
!"#$%&$'(') postas (ex.: CP, art. 137 — rixa ).
N' 5:&.-1' +)-5J.-1' 3@A8' 1.5=' ?O8' De qualquer modo, quando mais de uma pessoa concorre para a
!"#$%<' 0+1.,1' B.&*+),1' .:61K%&' mesma infração penal, fala-se em codelinquência, concurso de agentes
(&2'1'5:&.-1',1':E+-;16P)(-1',&9' ou concurso de pessoas.
1)5:(:,:)5:9'3@A8'1.5='!Q8'!"#$%<8'
9:0+),&'1'E+16'9:'(&)9-,:.1'(1+4
91' ,&' .:9+651,&' 5&,&' :' E+16E+:.'
. *. )%#$(&.).#)5"$&$*%&.'%.!%+!"#&%.
*15&.' E+:' B1.1' :6:' 5:)I1' (&)5.-4 ./014 ').6)&&%(&
/+L,&8' 1-),1' E+:' 2-)-212:)5:='
R:'2&,&'9:2:6I1)5:8'1'-)*.1K%&'
(&)9-,:.149:'B.&,+5&',1'(&),+51'
,:' (1,1' +28' -),:B:),:)5:2:)4
Há três teorias a respeito do tema: 1ª) monista, monística ou unitá-
5:' ,&' 15&' B.15-(1,&8' ,:9,:' E+:' ria; 2ª) dualista ou dualística; e 3ª) pluralista ou pluralística.
:6:'5:)I1'5-,&'160+21'.:6:;C)(-1' A primeira, adotada como regra em nossa legislação (CP, art. 29,
(1+916'B1.1'&'.:9+651,&= caput), determina que todo aquele que concorre para o crime responde
pelas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Assim,
L$L3$%*)!( exemplificativamente, respondem pelo crime de latrocínio (CP, art. 157,
!789:;<=>7?. @. 39>. § 3º, última figura) tanto o agente que empunha a arma e efetua o dis-
A9. %=BC:>DCEF7. paro quanto o que, ciente de tudo, limita-se a dar-lhe cobertura (v. TJSP,
!=>8>:7?CG. 39>. :1. RT, 776/576).
/41HI0J. 40/K8' ,:' Já para a teoria dualista, os coautores incorrem em determinado
@:S1.' D&/:.5&' T-4 crime, e os partícipes, em outro.
5:)(&+.5' :' A1+6&'
Não foi adotada em nossa legislação, embora se possa afirmar que
@791.' T+915&8' U,-4
o art. 29, § 1º, que trata da participação de menor importância, pos-
5&.1' V1.1-;1=' R:' 21):-.1' ,-,J5-4
(1'1'&/.1'5.1S'(&2:)5J.-&9'W'X:-8'
sui solução assemelhada à proposta pela presente teoria (o autor será
1/&.,1),&' &9' B&)5&9' ,:' 21-&.' enquadrado diretamente no tipo penal incriminador, p. ex., art. 121, e
.:6:;C)(-18' (&)5.-/+-),&' B1.1' :94 aquele que contribuiu de modo reduzido, no 121 c/c o art. 29, § 1º, im-
(61.:(:.'19'165:.1KM:9')&.215-;19' pondo-se-lhe pena menor).
9&/.:'&'5:21=' Na visão da última delas, ou seja, da pluralista, para cada agente,

!"#
!"#$"%&'($)*+

um delito diferente. Há exemplos excepcionais dessa teoria em nosso CP,


como na corrupção (o corruptor comete corrupção ativa — art. 333 —,
;+L:B&(:;&
e o funcionário corrompido, corrupção passiva — art. 317), no aborto ;/101,! 1,! <,=>$!
(a gestante incorre no tipo do art. 124, e o médico que pratica o aborto, 1/.,?@-! 1,! A,.4
nos arts. 125 ou 126). Pode-se citar, ainda, o art. 29, § 2º, que cuida da 5051-! B,/.,CC,>D!
participação dolosamente distinta. E##E 2 ÀOPH WUDWD
Quanto aos requisitos, são os seguintes: &)%E/68F./)%&,%A,72
G978,% E)*/8)A/,7)+%
a) pluralidade de agentes;
H/&)&'% &'% I'96$%
b) relevância causal da conduta de cada um dos participantes (as- A./)&,%5'+,%0,3'.7,%&,%-/,%&'%J)2
sim, aquele que, querendo contribuir com o homicídio alheio, empresta 7'/.,% 7)% &BA)&)% &'% !KL"% '% M9'%
instrumento letal, que não vem a ser utilizado na execução do fato e 6'% 8,.7,9% 9:% &,6% :)/,.'6% 5,+,6%
não influi psicologicamente na conduta do agente, não responde pelo GRFRQWUROHGRWUiÀFRQDUHJLmR
delito); e N%9:%';':5+,%&'%A./:'%M9'%';/0'%
c) vínculo subjetivo (logo, se uma pessoa, p. ex., em virtude de sua A,7A9.6,%&'%)0'78'64%
falta de atenção, deixa aberta a porta da casa de um amigo, facilitando a )>! >=>F,/7->D! 1/4
ação do furtador, não responde pelo crime). .,?@-! 1,% 8.G05!
Importante lembrar que a lei não requer acordo prévio (pactum H/5I,.D! "JJK4% 15F6%
sceleris) entre os agentes, sendo suficiente a consciência por parte das 9:% A./:'% M9'% &'/2
pessoas que de algum modo contribuem com o fato. ;)%3O./,6% :,.8,6$% )%
5,+?A/)%5.'7&'%A/72
Como consequência da presença dos requisitos acima, todos os
A,%6965'/8,6%&'%8'2
agentes responderão pelo mesmo crime, na medida de sua culpabilidade
.':% A,:'8/&,% ,% A./:'4% 1% E/68F./)%
(i. e., haverá identidade de infração penal), nos termos do art. 29, caput. :,68.)%A,:,%,6%A/7A,%A./:/7,6,6%
>,.):%97/&,6%5).)%9:%:'6:,%8.)2
*)+E,%'%A,:,%9:%+'7&O./,%:'68.'%
!"#$%! &'()*+& &,%A./:'%'68O%5,.%8.O6%&'%89&,4%@%
ÀOPHSRGHOHYDUjUHÁH[mRVREUH
A,7A9.6,%&'%)0'78'6%'%8',./)%&,%
Há uma série de concepções diferentes acerca da autoria: &,:?7/,%&,%>)8,4
a) Conceito amplo ou extensivo de autor: todo aquele que concorre
para o crime é seu autor, mostrando-se suficiente a relevância causal e o
vínculo psicológico. Como resultado, essa teoria não distingue o autor
do partícipe.
b) Conceito restritivo ou restrito de autor: autor é aquele que rea-
liza a conduta descrita no tipo penal, ou seja, executa a ação consubs- 8+89+)(:;&
tanciada no verbo núcleo do tipo. O partícipe, por sua vez, apenas coo- (,-./0! 1-! 1-234
pera com o delito, induzindo, instigando ou auxiliando materialmente 5/-! 1-! 607-$% &'%
seu autor. ()*+,%-,&./0,%1+2
ÁHQ(GLWRUD6DUDL2
c) Teoria do domínio do fato: autor é todo aquele que tem o domí- 3)4% 1% ,*.)% )5.'2
nio do fato, isto é, seu controle final. Essa teoria permite a punição do 6'78)%9:)%';5,2
autor mediato, vale dizer, da pessoa que, sem executar a conduta típica, 6/<=,%)5.,>97&)2
controla ou manipula terceiro para que cometa o crime, utilizando-o &)% &)% 8',./)% &,%
como instrumento de sua vontade. Exemplos: 1) quando alguém se vale &,:?7/,% &,% >)8,4%
@%)98,.$%&'%>,.:)%/768/0)78'$%)*,.2
de um inimputável para a prática do crime; 2) quando provoca uma
&)%)6%5./7A/5)/6%3'.8'78'6%&)%8',./)$%
pessoa a agir em erro de tipo (art. 20, § 2º); 3) quando comete uma coa- 6'96% A./8B./,6% '% 69)% )58/&=,% 5).)%
ção moral irresistível ou, sendo autoridade superior, expede ordem não &).%.'65,68)6%C%A,:5+';)%&':)72
manifestamente ilegal a um subordinado (CP, art. 22). &)%5'7)+%A,78':5,.D7')4

!"#
Dessas, o CP adotou a teoria restritiva: autor, portanto, será aquele
')30,-. que praticar a ação nuclear; coautores, os que cooperarem na execução
do delito; partícipes, por fim, todas as pessoas que prestarem auxílio
$%&'( %)%*+,-( .%( +'/0121+'3
45-(6-(2/1*%(.%(,'0/-2761-8(!"#$%& moral (induzimento ou instigação) ou material. A doutrina, porém, sus-
'() "*) +,-",') .(%/$'( 69( :;9<=;>( tenta deva ser aceita no Brasil a teoria do domínio do fato como solução
?@A>( B%,'0-/( C161D0/-( E%-+-,.-( .%( aos casos de autoria mediata.
F//G.'( B'+-D-( HI%D%*J'/K'.-/(
2-6L-2'.-(.-(@AMNO9(P=(H.-1DO(2-/3
UpXV TXH ÀQGDUDP DSHQDGRV SRU
,'0/-2761->( 0G.-( 2-*( -( 'G)7,1-( .%(
!"#$%! &'()*+*&',-.
G*(0%/2%1/-(/QG>(2-6.%6'.-(2-*-(
162G/D-(6'D(D'64R%D(.-('/09(<S;(.-( Todo aquele que, mesmo não praticando a conduta descrita no tipo
TM>(H999O('K16.-(2-*-(*-0-/1D0'(.-( penal, coopera com o crime responde pelas penas a este cominadas, sen-
J'6.-U9(@/%2V-(.'(N*%60'9 do considerado seu partícipe.
Na participação, o procedimento de adequação típica não se dá di-
+*034')3+' retamente, ou seja, o ato do partícipe não se enquadra no tipo incrimi-
nador. O art. 121 do CP, isoladamente considerado, pune quem mata al-
5676896! 4:;<= guém, mas não aquele que, por exemplo, lhe empresta a arma do crime.
8>;6?! @>7>A>@B! Essa ação, entretanto, também é penalmente relevante por força do art.
CB7! 2D68E:F! GH= 29 do CP (norma de extensão pessoal da figura típica).
I7>;J?! "KLM$( W( Discute-se a natureza jurídica da participação. A conduta nela
ÀOPH WUDWD GD
substanciada, inequivocamente, é acessória em relação à do autor, de tal
V1D0X/1'(.%(F,%)>(
forma que o partícipe só será punido se o autor também o for (v. art. 31
,7.%/( .%( G*'(
do CP). O nível dessa acessoriedade, entretanto, é controverso:
K'6KG%(.%(.%3
,16YG%60%D( ( YG%( *'0'*>( /-GJ'*( a) teoria da acessoriedade mínima: a conduta do autor precisa ser,
%( %D0G+/'*( '0Q( D%/%*( +/%D-D9( W( pelo menos, típica, a fim de que se puna o partícipe (crítica: se alguém
ÀOPH p XP H[HPSOR ULFR GH FRQ induzir uma pessoa à prática de um homicídio em legítima defesa, co-
FXUVRGHSHVVRDVFRPDÀQDOLGDGH meterá crime);
.%(2-*%0%/(2/1*%D>(',Q*(.'('6Z,13 b) teoria da acessoriedade limitada: exige que a conduta do autor
D%(.%(YG%D0R%D(*-/'1D(D-J/%(-D(1*3
seja típica e ilícita (é a melhor teoria);
+G,D-D(.%D0/G01L-D(.-(D%/(VG*'6-9(
c) teoria da acessoriedade extrema: a conduta do autor deve ser tí-
pica, ilícita e culpável (crítica: quando se induz menor a matar, ninguém
responde pelo crime — o menor, por ser inimputável; o partícipe, por-
que auxiliou numa conduta sem culpabilidade);
d) teoria da hiperacessoriedade: sustenta que o fato deve ser típico,
ilícito e culpável, acrescentando que o partícipe responderá pelas agra-
vantes e atenuantes pessoais do autor.

!"#$/! +.0+1(2.2!34!+(*432!+15&.2.2

Segundo orientação majoritária, em matéria de crimes culposos,


admite-se somente a coautoria, mas nunca participação, inclusive por-
que os tipos penais desses delitos são abertos (que abarcam toda e qual-
quer forma de contribuição ao resultado, tornando desnecessária a utili-
zação do art. 29 do CP). Assim, se dois trabalhadores, numa construção,

!"#
!"#$"%&'($)*+

lançam uma tábua e matam um transeunte, respondem por homicídio


5'9.32/=8,'
culposo, em coautoria.
>?@ABCDA>CE VLJQLÀFD SDVVDQWH
$%&&'()*+%)$(&&()$%,()-+(.)
! &
! '(')*+*,-.-*!-*!*/*(*+0'1!
!"#$% 1234*0,5'1
9,+*(.0*9.

Só há participação dolosa em crime doloso (homogeneidade de )FGHC!-DHGFI!JKL


?CMNF!JC!)GCAA!
elemento subjetivo). Não é possível, como consequência, participação
OKP@??@! C! 4FQA!
dolosa em crime culposo ou participação culposa em crime doloso.
8CRD@I! S#"T$! /)
Exemplos: a) um médico, por descuido, entrega à enfermeira uma in-
ÀOPH PRVWUD R
jeção que contém substância letal. Ela, por sua vez, percebendo essa $%-&'0(1%2)3')
circunstância, dela se aproveita para matar o paciente (dolosamente). (4'-) 56,,) 726489)
Seria o médico partícipe do homicídio doloso praticado pela enfer- *+%) :) +2) 4-(;
meira? Não, em face da diversidade de elemento subjetivo. O médico, SDVVHLUR SURÀVVLRQDO WUHLQDQGR
nesse caso, deve responder pelo resultado a título de culpa, ou seja, +2() 0'<(4() () ='2%4%-) =-62%&)
por homicídio culposo, e a enfermeira, por homicídio doloso (há dois $(4-62'06(6&.) >2) <?-6(&) =%0(&) %,()
crimes, um para cada um dos agentes, e não um só crime em con- ($(-%=%) =','=(03') %2) $-?46=()
curso); b) alguém entrega uma arma verdadeira e carregada a outra ')*+%),8%)@'6)%0&60(3'9)%0*+(04')
pessoa, fazendo-a acreditar que se trata de arma de brinquedo. Em %,%) 4%2) $%*+%0(&) $(-46=6$(AB%&)
seguida, passa a incentivá-la a apertar o gatilho contra um terceiro. 0') (4'.) C) +2) D'2) %E%2$,') 3%)
A pessoa, inadvertidamente, pressiona o gatilho, supondo tratar-se de ='0=+-&')3%)$%&&'(&)%)$(-46=6$(;
AF')3%)2%0'-)62$'-4G0=6(.
arma finta, e acaba por matar a vítima, praticando um homicídio cul-
poso. Aquele que lhe entregou a arma é partícipe desse crime? Não. É
autor de um crime doloso (autoria mediata).

! ! .80,9,7.:;'!-*!(*+'8!
7
!"#$6 ,(7'80<+!9,.!*!-'/'1.(*+0*!
-,10,+0.

a) CP, art. 29, § 1º: ao agente que tiver participação de menor impor-
tância, a pena pode ser diminuída de 1/6 a 1/3. Advirta-se que o disposi-
tivo só se aplica aos partícipes, não aos coautores. Exemplo: o agente que,
ciente da intenção homicida de alguém, limita-se a indicar-lhe o local
para a aquisição de uma arma, pratica conduta que, embora tenha algu-
ma relevância causal, pode ser considerada como participação de me-
nor importância.
b) CP, art. 29, § 2º: se o agente quis participar de crime menos gra-
ve, ser-lhe-á aplicada a pena deste, que será aumentada da metade se o
resultado mais grave era previsível. Exemplo: duas pessoas combinam
praticar um furto e uma delas, sem o conhecimento da outra, leva con-
sigo uma arma de fogo, que vem a ser utilizada, matando o ofendido. O
atirador comete latrocínio, e o comparsa, furto qualificado pelo concur-
so de duas pessoas.

!"#
! ! '()*+&!,)-&(.*&-!.!&'()*+&!
&
!"#$% +/,.*(&

Dá-se a autoria colateral quando duas pessoas concorrem para um


mesmo resultado, sem que haja entre elas vínculo subjetivo. Exemplo:
dois atiradores efetuam disparos contra uma mesma pessoa sem que um
saiba da conduta do outro.
A autoria incerta, de sua parte, ocorre quando, diante de uma hipó-
tese de autoria colateral, é impossível determinar quem foi o responsá-
vel pelo resultado. Se no exemplo acima não houver condições de aferir
qual o disparo causador da morte, ambos os atiradores devem respon-
der por tentativa de homicídio

!"#

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