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Correspondência:
Alonso Bezerra de Carvalho
Av. Dom Antônio, 2100
19806-900 – Assis – SP
E-mail: alonsoprofessor@yahoo.com.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.2, p. 585-597, maio/ago. 2010 585
Disenchantment of the world and ethics in pedagogical
action: reflections upon Max Weber
Abstract
Keywords
Contact:
Alonso Bezerra de Carvalho
Av. Dom Antônio, 2100
19806-900 – Assis – SP
E-mail: alonsoprofessor@yahoo.com.br
586 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.2, p. 585-597, maio/ago. 2010
No âmbito das ciências sociais, é nota- ética não partidária na sala de aula, ou seja, é
damente conhecida a distinção entre a vocação necessário que o professor, ao apresentar um
científica e a vocação política. Essa distinção, conteúdo, não exponha a sua opinião sobre
central no pensamento de Max Weber, nos ele e, se o fizer, ter a honestidade de dizer que
remete à questão da relação entre a esfera do o está fazendo. É preciso que ele incentive o
conhecimento e a dos juízos de valor, e à dis- aluno a refletir sobre o que foi apresentado e,
cussão pedagógica que se desdobra a partir dela. então, adote uma opinião condizente com a sua
Ou seja, teria o professor, ou mesmo o cientista, compreensão. Assim, é de extrema importância
o poder de impor, do alto de sua cátedra, suas que o professor mantenha uma posição “neutra”
“avaliações práticas”, isto é, seus pontos de vista para que, não só na sala de aula mas também
pessoais e partidários, suas convicções, como fora dela, o aluno possa refletir e questionar
regras para a vida cotidiana? No nosso enten- sobre o que observa, experimenta e decide.
dimento, ao responder a essa questão, Weber Somente assim a conduta do professor seria
teria formulado a sua discussão pedagógica. condizente com o processo de racionalização
Considerado um autor clássico da maior de nossa cultura.
atualidade, a interpretação que Weber faz do O tema da racionalização está presente
mundo moderno traz às nossas reflexões temas nos mais variados estudos realizados por Weber,
os mais diversos – economia, moral, religião, que percorrem desde a análise do surgimento do
política, sociologia, filosofia –, influenciando capitalismo, do poder e da burocracia, passando
sobremaneira o pensamento e a prática da cul- pelos escritos metodológicos e chegando até as
tura contemporânea. Preocupado em compreen- investigações sobre as religiões mundiais. Tais
der as ações e os valores do homem moderno, estudos são tentativas de respostas sobre as
Weber entra em sintonia e se torna sensível aos condições em que se processaram a instauração
dilemas que nos afligem. Ao estudar o processo da racionalidade do mundo moderno.
de racionalização ocorrido no Ocidente, visto Weber foi, antes de tudo, um cientista e um
por ele como elemento central do que é comu- professor dedicado que procurou, para o bem da
mente definido como modernidade, provoca ciência e do ensino, garantir a compreensão clara
discussões na área da ciência e, correlativa- sobre a vida social e a integridade e a liberdade
mente, na educação, possibilitando ampliarmos intelectual. Na conferência A ciência como vocação
o nosso entendimento sobre qual o sentido, o (Weber, 1982), proferida a jovens alemães em 1918,
significado e o papel que devemos cumprir em na Universidade de Munique, e publicada em 1919,
relação ao conhecimento e ao ensino. expõe uma leitura sobre o significado que a ciência
É verdade que Weber não escreve textos adquiriu no mundo ocidental moderno, verificando
que tratam diretamente de educação, mas forne- em que medida ela poderia ou teria contribuído
ce indicações que, olhadas, com cuidado, contri- para o processo de “desencantamento do mundo”
buem na formulação de tipologias pedagógicas. (Entzauberung der Welt).
Há passagens que explicita a sua posição sobre Se aceitamos a ideia de que a ciência
qual deve ser o papel do professor moderno, deveria fornecer sentido ao nosso cotidiano,
que também poderia se estender a todos aque- para o nosso bem viver, a descrição feita por
les que se dedicam à busca da verdade. Seus Weber certamente nos contraria. À ciência não
textos comprovam isso: o objetivo principal mais caberia estabelecer uma visão de mundo
da educação é proporcionar aos alunos um que pudesse ser considerada como fator deci-
conteúdo que incentive a reflexão. Porém, para sivo, único e último da existência humana. No
que isto aconteça, não basta somente conteúdo, mundo desencantado haveria uma infinidade de
mas também a maneira como este é passado. pontos de vista, perspectivas, sem que nenhum
Para isso, é preciso que o professor adote uma deles pudesse ser considerado como definitivo e
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sem que a vida adquirisse um sentido universal duta prática da vida, tal como um conselheiro
a partir dele. Nesse mundo, moderno segundo na política, o professor deveria abster-se de tal
ele, os homens estariam solitários, com um ocupação, reservando-se apenas a fazer “análise
grande vazio na alma, submetidos ao cálculo e e formulações de fato”. O professor que se sente
ao interesse, resultado da instauração de uma chamado a agir como conselheiro da juventude,
racionalidade no campo da vida sócio-cultural, a intervir nas lutas entre as concepções de mun-
em que a ciência, a moral, a arte, a política e a do e posições partidárias, deveria fazê-lo fora
economia adquirem leis próprias, tornando-se da sala de aula, em lugar público, onde os seus
justificadas por uma razão que perdeu o cará- oponentes não estão condenados ao silêncio.
ter de universalidade. Essa situação teria feito Num momento brilhante de sua formu-
com que a existência humana moderna per- lação Weber (1982) diz o seguinte, referindo-
desse aquele sentido teleológico, coletivo e que se, especialmente, à experiência que teve nos
orientava indistintamente todas as condutas. Estados Unidos:
As condições modernas, nos termos que Weber
entende, teriam trazido também a possibilidade O jovem americano não tem respeito por coi-
da perda de liberdade, em que a organização sa alguma, nem por ninguém, pela tradição
racional do trabalho, a burocratização, o pro- ou pelo cargo público. A concepção que tem
gresso técnico/econômico, poderia até nos levar do professor que o enfrenta é: ele me vende
a uma configuração social que aprisiona o seu conhecimento e seus métodos em troca do
homem numa “gaiola dura como aço”. dinheiro do meu pai, tal como o verdureiro
É dentro desse panorama que vamos vende repolhos à minha mãe. (p. 176)
situar o problema pedagógico trazido por Max
Weber, isto é, qual o significado que o profes- Jamais ocorreria a um jovem ameri-
sor moderno adquire num mundo em que a cano que seu professor pudesse vender uma
probidade intelectual e profissional tornou-se concepção de mundo (Weltanschauung) ou um
uma exigência. Para ele, o professor não está a código de conduta, o que o tornaria nesse caso
serviço do conhecimento e do ensino quando um treinador de futebol, isto é, um líder. “É a
adota uma postura de líder, estabelecendo nor- isso que o americano chama de ‘democracia’”
mas práticas/morais para a vida cotidiana de (Weber, 1982, p. 176).
seus alunos. Do mesmo modo, nenhuma ciência A posição do jovem americano, vista
estaria em condições de dizer como o homem por Weber como apropriada, no sentido de
deve viver ou ensinar às sociedades como de- esperar que o professor tenha na sala de aula
vem organizar-se, como também não estaria em um comportamento que esteja relacionado ape-
condições de captar o futuro da humanidade e nas com o conhecimento e com o ensino, está
nem em legitimar os seus projetos. correlativamente associada ao significado que
Na referida conferência, ele apresenta o a ciência teria adquirido na modernidade. A
que considera a posição que a juventude teria ciência moderna estaria destituída da capacida-
assumido perante o mundo civilizado. Para de de estabelecer qualquer significado último,
Weber, estariam errados os jovens que buscam único e decisivo para a existência humana – o
no professor algo que não está à sua frente: mundo teria sido despojado daquelas harmonias
ou seja, “anseiam por um líder”. A cátedra aca- fictícias (a verdade universal, a natureza, a di-
dêmica deveria ser ocupada somente por um vindade e a felicidade), das quais se acreditava
professor e não por alguém que se comportasse outrora estar constituído. Irremediavelmente
como um líder, guiando as escolhas e ações de especializada, impessoal e “progressista”, ela te-
seu público. Enquanto o líder pretende ser um ria descartado qualquer realização de resultados
orientador nas questões que se referem à con- duradouros. Teria tornado-se apenas um meio
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levamos em consideração a dureza dos fatos pessoal própria] é a única totalmente insupor-
desagradáveis e as realidades da vida. Isso sig- tável. [...] Porque é na verdade uma situação
nifica que no mundo racionalizado a ciência e o sem precedentes aquela em que numerosos
professor só poderiam fornecer os meios para se profetas, creditados pelo Estado, em vez de
agir politicamente na vida, para avaliar, porém, pregarem pelas ruas, nas igrejas e noutros lu-
jamais estabelecer qualquer fim, que cada um gares [...] se arrogam o direito de declamar ex
escolherá de acordo com o significado último cathedra, “em nome da ciência”, veredictos
que dá à sua própria existência. decisivos sobre a concepção do mundo, apro-
O signo de nossa época, a moderna, es- veitando-se do fato de por um privilégio do
taria, portanto, no retorno de um novo poli- Estado, as aulas lhes concederem um silêncio
teísmo – agora sem encanto –, no qual a luta aparentemente objetivo, incontrolável, que os
dos deuses toma a forma despersonalizada e protege da discussão e consequentemente das
objetivada de um antagonismo entre ordens contradições. (p. 118-119)
de valores e ordens de vida irreconciliáveis. O
conflito de valores, resultante desse novo po- Enfim, na visão de Weber, como destaca
liteísmo, passa a ser simplesmente insuperável, no texto O sentido da ‘neutralidade axiológica’
o que faz com que a ciência já não tenha mais nas ciências sociológicas e econômicas, publica-
nenhum predomínio sobre os deuses, os valores, do em 1917, caberia ao professor cumprir com
pontos de vista, pressuposições e suas lutas. propriedade sua tarefa, subtraindo sua pessoa,
Apenas o destino, o devir histórico incontrolá- para servir apenas à causa do ensino e não se
vel e irredutível aos limites da ciência, ou seja, aproveitar da lição para fazer discurso.
somente a sucessão dos fatos que podem ou No mundo desencantado, moderno, res-
não ocorrer é que validarão o ponto de vista ta-nos apenas, segundo o nosso ponto de vista
escolhido. Quando estudarmos ou dermos uma último, decidir qual é o Deus e qual é o demônio
aula sobre o divino, as suas características etc., que mobilizam as teias de nossa existência.
e quisermos permanecer modernos, o máximo Neste mundo, a ciência e, por conseguinte,
que poderemos fazer compreender é o que o o professor, não teriam mais possibilidade de
divino significa para determinada sociedade, apresentar soluções aos problemas práticos
como fenômeno cultural, ou o que esta ou da vida; o significado moderno que ambos
aquela sociedade considera como divino. Eis aí adquiriram impede-os de serem colocados no
o limite que um professor não poderia ultrapas- sentido de dar orientações na vida prática, de se
sar enquanto ministra uma aula. colocarem como líderes em questões de conduta.
O problema pedagógico, assim formulado Aquele que se sente chamado a isso, ou seja, ser
por Weber (1974), teria como ponto central a um conselheiro dos jovens e nisso permanecer,
ideia do professor que abdica de impor suas con- deveria fazê-lo tanto fora da sala de aula como
cepções de mundo a partir da cátedra acadêmica. fora do trabalho científico. As pluralidades de
Não estaríamos em condições de estabelecer pon- valores, os vários pontos de vista que se opõem
tos de vista que tivessem a função de reformar no mundo impossibilitam-nos agir dessa manei-
culturalmente a sociedade. Aquele professor que ra, pois ao nos decidirmos por uma posição nos
queira ser reformador deveria escolher o lugar opomos a outras, não encontrando em nenhuma
apropriado, o espaço público, e não uma sala de delas ou fora delas o caráter de fundamento
aula. Suas opiniões pessoais não se coadunam último ou princípio fundamental que pudesse
com os fins educativos modernos, pois nos fornecer sentido para a vida prática. Nesse
aspecto, ciência, ética e política são esferas de
de todos os tipos de profecias, a profecia pro- ação humanas dotadas, cada uma, de uma lega-
fessoral eivada de “personalidade” [experiência lidade própria e de uma independência que deve
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do trabalho científico”. Diante disso, é possível cálculo e a previsibilidade teriam feito com que
colocar a seguinte pergunta: como um trabalho, a vida e a morte perdessem o seu sentido2. O
cujo resultado está fadado à obsolescência, pode homem civilizado não encontraria mais signi-
ter sentido e razão? Por que alguém se dedica ficado na morte, porque a sua vida individual,
a alguma coisa que na realidade jamais chega, colocada que está dentro de um progresso in-
e jamais pode chegar, ao fim? finito, jamais chega ao fim,
O progresso científico é considerado, en-
tretanto, por Weber (1982) como um fragmento, o havendo sempre um passo à frente do lugar
mais importante, do processo de intelectualização onde estamos, na marcha do progresso. E ne-
a que estamos submetidos. Essa “racionalização nhum homem que morre alcança o cume que
intelectualista”, no entanto, não quer indicar um está no infinito. O homem civilizado, coloca-
conhecimento maior e geral das condições sob do no meio do enriquecimento continuado da
às quais vivemos. No mundo moderno, o homem cultura das ideias, conhecimento e problemas,
não tem um conhecimento incomparavelmente aprende [apenas] a minúscula parte do que a
superior sobre os instrumentos que utiliza. E dá vida do espírito tem sempre de novo, e o que
um exemplo: “a menos que seja um físico, quem ele aprende é sempre algo provisório. (p. 166)
anda num bonde não tem ideia de como o carro
se movimenta” (p. 165). Isso é, não sabe como Abraão, exemplifica Weber, que perten-
é construído, qual matéria-prima, o tempo e o cera ao mundo ‘encantado’, ao mundo ainda
espaço de construção etc. “Basta-lhe poder ‘con- com sentido, não moderno, morrera ‘velho e
tar’ com o comportamento do bonde e orientar saciado da vida’, porque estava no “ciclo orgâ-
a sua conduta de acordo com essa expectati- nico da vida”, e esta lhe dera tudo o que tinha
va”. Inclusive dentro das diversas especialidades a oferecer, não havendo problema que ainda
científicas não encontraríamos uma unidade de precisasse ser resolvido; o homem moderno,
respostas sobre determinado assunto. Cada um em contrapartida, coloca-se sempre na con-
terá a sua opinião de acordo com o sentido que dição de enriquecer-se culturalmente, ou seja,
dá à sua vida – até os físicos. O “selvagem”, ao pode ‘cansar-se da vida’, mas não ‘saciar-se’
contrário, conhece perfeitamente os instrumentos plenamente dela.
que utiliza – por exemplo, como agir para ob- Quando olhamos para o mundo moderno
ter o alimento cotidiano e os meios capazes de verificamos uma virada no significado e no
favorecê-lo em seu propósito. Nós não. valor da ciência. Se antes a ciência e a política
A racionalização intelectualista significa que estavam unidas – a ciência estabelecendo regras
práticas/morais para os homens, dando um sen-
não há forças misteriosas incalculáveis, mas que tido à existência humana –, na modernidade a
podemos, em princípio, dominar todas as coisas situação muda completamente. Para Weber, se
pelo cálculo [pela previsão]. Isto significa que antes as ciências exatas ou naturais esperavam
o mundo foi desencantado. Já não precisamos descobrir traços das intenções divinas, por meio
recorrer aos meios mágicos para dominar ou im- do exame da natureza, ou seja, encontrar o
plorar aos espíritos, como fazia o selvagem, para caminho que nos conduziria a Deus, hoje, no
quem esses poderes misteriosos existiam [e da- mundo desencantado, é raro encontrar quem
vam sentido à sua vida]. Os meios técnicos e os acredite que os conhecimentos astronômicos,
cálculos realizam o serviço. Isto, acima de tudo, é biológicos, físicos ou químicos possam ensinar-
o que significa a intelectualização. (p. 165)
2. Essa ideia é retomada pelos frankfurtianos ao considerarem que no “trajeto
para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido [...], pois o que
Diante disso nos deparamos com algo não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito”,
que atinge a própria existência humana. O anacrônico, não moderno, perigoso (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 21).
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guma contribuição para a conduta pessoal das O caráter e o destino da modernidade é
pessoas. Apesar dos conflitos de valores, dos que vivemos numa indiferença em relação a
vários pontos de vista, dos vários deuses que Deus e aos profetas e não prestaríamos nenhum
lutam constantemente no mundo – circunstân- serviço quando dissimulamos essa situação fun-
cia que nos dificulta escolher um como o único damental por meio de profecias feitas do alto
e decisivo – é indubitável que escolhemos um de uma cátedra universitária.
valor, o nosso, que nos fará recorrer aos meios
científicos para conduzir o projeto – embutido O destino de nossos tempos é caracterizado
em tal valor –, a bom termo. Muitas vezes, no pela racionalização e, acima de tudo, pelo
entanto, poderá ocorrer que tais meios esco- “desencantamento do mundo”, [em que] os
lhidos apresentem um caráter que nos obrigue valores últimos e mais sublimes retiraram-se
a recusá-los, fato este que nos impulsionará a da vida pública, seja para o reino transcen-
escolher entre o fim (o projeto) e os meios: dental da vida mística, seja para a fraternida-
de das relações humanas diretas e pessoais.
justificará o ‘fim’ os meios? Ou não? O profes- (Weber, 1982, p. 169)
sor pode apresentar-vos a necessidade de tal
escolha. Não pode fazer mais do que isso, en- Não seria mais possível encontrar aquele
quanto quiser continuar como professor, e não pneuma profético que arrastava as comunidades
tornar-se um demagogo. (Weber, 1982, p. 178) antigas e as mantinha unidas, pois ao tentarmos
fabricar novas religiões e comunidades, com
Quando muito, poderia dizer as conse- caráter profético, teremos os resultados mais
quências que adviriam de tal escolha, e nada desastrosos. E no caso da profecia professoral
mais, mostrando que a posição escolhida e criaríamos seitas fanáticas, mas nunca uma
adotada deriva, “logicamente e com toda certe- comunidade autêntica.
za, quanto ao significado, de tal ou qual visão
última e básica do mundo” presente em nós, Conclusão
esclarecendo que
Da possível concepção pedagógica we-
servimos a este deus e ofendemos ao outro beriana emerge e exige-se uma nova conduta
deus quando resolvemos adotar uma ou outra para o professor, se ele quiser ficar nos limites
posição. E se continuarmos fiéis a nós mes- de um mundo que foi desencantado. Como não
mos, chegaremos necessariamente a certas é mais possível construir valores metafísicos que
conclusões finais que, subjetivamente, têm orientam as ações humanas, ao professor resta
sentido. (Weber, 1982, p. 179) criar as condições para que os cidadãos perma-
neçam livres para escolher o deus ou demônio
Eis o que a ciência e o professor podem que querem seguir.
proporcionar.
O cientista e o professor, ao alcançarem De seu professor na sala de aula, o estudante
e cumprirem essa incumbência, não só se co- deveria receber a faculdade de contentar-
locariam a serviço de forças ‘morais’, mas, por se com a execução ponderada de uma dada
conseguinte, cumpririam o dever de brotar nas tarefa; de reconhecer os fatos, mesmo os que
almas alheias a possibilidade de se tornarem possam ser pessoalmente desagradáveis, e
esclarecidas (Aufklärung) e o senso de respon- de distingui-los de suas próprias avaliações.
sabilidade, e seriam felizes nessa empreitada na Deveria aprender, também, a sujeitar-se a
medida em que evitassem impor ou sugerir suas sua tarefa e a reprimir o impulso de exibir
convicções pessoais. desnecessariamente suas sensações pessoais
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lançar mão das três qualidades que um político que existe, contra qualquer dogmatismo. Pondo
deve ter, expostas em A política como vocação, sob suspeita toda e qualquer certeza, antecipa
também publicada em 1919, isto é, paixão, sen- ideias para fazer experimentos com o pensar.
so de responsabilidade e sendo de proporção. Cadência, a dança põe em xeque a aparente
À guisa de conclusão e segundo o ponto imobilidade das coisas, a rigidez imposta ao
de vista de Max Weber, se é possível construir pensamento e à vida. A dança é ainda alegria,
uma ação educativa na modernidade, ela deve alegria dionisíaca. Assim, podemos pensar numa
estar fundada num questionamento permanente educação que leve em conta a dança alegre
de suas próprias condições. No final do texto dionisíaca e o espírito estático do carisma.
A ética protestante e o espírito do capitalismo, Como na ação carismática, é preciso
lançado em 1904-1905 e ampliado em 1920, orientar a vida a partir da desconfiança, evitan-
Weber (2004) afirma a necessidade do surgi- do as convicções; abandonar comodidades, re-
mento de novos pensamentos e de novos ideais nunciando à segurança. É preciso ousadia para
para contraporem-se a um mundo que transfor- abrir mão de antigas concepções, libertar-se
mou o homem num ser insensível e calculista. de esperanças vãs. Assim diz Nietzsche (1978):
Ele aponta para a possibilidade de rompermos
com o estado de coisas originado no capitalismo [...] Onde um homem chega à convicção fun-
moderno. Portanto, é preciso pensar numa tera- damental de que é preciso que mandem nele,
pia das condições modernas. Essa terapia deve ele se torna “crente”; inversamente, seria pen-
ser de tal maneira que desconfie da razão, via sável um prazer e força a autodeterminação,
ciência e via educação, que se coloca como um uma liberdade da vontade, em que um espíri-
princípio ordenador da relação homem/mundo, to se despede de toda crença, de todo desejo
expressa no caráter burocrático da existência. e possibilidades, e mesmo diante de abismos
O burocrata ou o “espírito de peso”, como diz dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito
Nietzsche, julga que existem leis universais, e livre par excellence. (p. 215)
acredita que há regras de conduta válidas para
todos. Estabelecendo coerção, norma, zela pelos Enfim, é necessária uma educação que faça
valores instituídos e estatuídos. um movimento de ressurgimento, introduzindo no
Nesse sentido, retomar o espírito caris- mecanismo determinista o espaço de libertação,
mático e o dionisíaco pode ser o “caminho” para que consiste em romper o determinismo inerente
aqueles que querem a liberdade. A educação a qualquer situação objetiva e, de forma desviante,
pode nos ajudar nesse processo. Ao invés de abrir espaço para o exercício da autonomia. Ser
uma vida fundada na rigidez, na frieza e no mortal, o homem constrói sua liberdade no tempo,
cálculo, experimentar a sensação fornecida pelo no tempo desta vida que deve ser transformado em
movimento que resulta da dança. Ver a vida tempo de felicidade. Para isso, Weber vai considerar
como dança, como um jogo, é pôr em cena necessário que enfrentemos o mundo burocrático,
variados pontos de vista, diferentes perspectivas, que estabelece um cenário racional, para que o
fazendo surgir aspectos inesperados da existên- mundo e a vida não deixem de ser apenas uma
cia. Com a dança, evoca-se o fluxo vital; com possibilidade abstrata. Essa deve ser a responsabi-
ela, alude-se à permanente mudança de tudo o lidade da ação educativa.
______. Metodologia das ciências sociais. Tradução Augustin Wernet. Introdução à edição brasileira de Maurício Tragtenberg.
São Paulo: Cortez, 1995. (Parte 2).
Recebido em 08.09.09
Aprovado em 04.05.10
Alonso Bezerra de Carvalho é graduado em Filosofia e Ciências Sociais pela U-NESP, mestre e doutor em Educação pela USP.
Pós-Doutor em Ciências da Educação na França. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia e Sociologia
da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: ética, educação, modernidade, racionalização, relação professor/
aluno, amizade e sala de aula.
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