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ALFESIO BRAGA

e LUIZ ALBERTO
AMADOR PEREIRA
são doutores e
pesquisadores do
Departamento de
Patologia da Faculdade de
Medicina da USP.

GYÖRGY MIKLÓS
BÖHM e PAULO
SALDIVA são professores
titulares do Departamento
de Patologia da Faculdade
de Medicina da USP.
Poluição atmosférica
e saúde humana

INTRODUÇÃO

D
ALFESIO BRAGA
GYÖRGY MIKLÓS BÖHM
LUIZ ALBERTO AMADOR PEREIRA
PAULO SALDIVA

esde que surgiram seus primeiros ancestrais na su-

perfície da Terra, há aproximadamente um milhão


de anos, na porção mais ao sul do continente afri-

cano, o homem tem atuado de forma transforma-

dora e, muitas vezes, predatória sobre a natureza. A partir da


descoberta do fogo, aproximadamente 800 mil anos antes de

Cristo, o homem passou a contribuir de forma atuante, porém não


consciente, para a deterioração da qualidade do ar e a sofrer as

conseqüências desse ato.


s
Olhando esta trajetória, presunçosamente, como um adulto

que analisa sua infância e adolescência, pode-se até entender a


imaturidade o desconhecimento, a presunção e a irresponsabilidade

com que a humanidade trilhou seus caminhos durante os séculos


preocupando-se somente em extrair do planeta tudo o que dese-

jasse, como se a fonte fosse inesgotável. Nesse contexto enqua-


dram-se as destruições de grandes reservas florestais em todos os

continentes para extração de madeiras, para a instalação de gran-

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sa
Desafios da Saúde des áreas de agricultura, pecuária e também de cidades. A caça

predatória traduziu-se na extinção ou quase extinção de um gran-


de número de animais em todo o planeta.

No último século tem-se assistido ao apogeu da interven-

ção do homem sobre o planeta, com o surgimento dos motores

em Áreas Metropolitanas

u
a combustão, com a queima de combustíveis fósseis, com o sur-

gimento das indústrias siderúrgicas e de produtos químicos. Esses


processos não foram acompanhados de análises que pudessem

avaliar seu impacto sobre o meio ambiente, a toxicidade dos re-

síduos produzidos ou os prováveis danos à saúde. Por isso, nos


últimos setenta anos, temos nos deparado com os resultados de-

sastrosos desse processo desordenado e lutado para entender o


que são os resíduos dessa corrida desenvolvimentista e evitar seus

efeitos deletérios para o planeta e seus habitantes.

Um dos elementos que mais têm sido agredidos pelo ho-


mem é o ar. Indispensável para a vida, uma vez que não se pode

deixar de respirar, provavelmente não recebeu maiores atenções


pelo fato de ser abundante, invisível e inodoro. Porém, ao longo

da história do progresso da humanidade, suas características foram

mudando.

As primeiras preocupações com a qualidade do ar aparece-


ram na era pré-cristã. Devido ao uso do carvão como combustível,

as cidades dessa época já ostentavam ares de qualidade aquém do


desejável. Essa situação veio se agravando durante os primeiros

séculos da história pós-cristã, quando os primeiros atos de contro-


le de emissão de fumaça foram baixados na Inglaterra do final do

século XIII, passando pela Revolução Industrial e pelo crescimento


das cidades.

A poluição do ar tem sido, desde a primeira metade do


século XX, um grave problema nos centros urbanos industrializa-

dos, com a presença cada vez maior dos automóveis, que vieram
a somar com as indústrias, como fontes poluidoras.

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Episódios de poluição excessiva causa- são de poluentes gerados então pelas in-
ram aumento do número de mortes em al- dústrias e pelos aquecedores domiciliares
gumas cidades da Europa e Estados Uni- que utilizavam carvão como combustível,
dos. O primeiro episódio ocorreu em 1930, e uma nuvem, composta principalmente por
no Vale de Meuse, Bélgica, entre as cida- material particulado e enxofre (em concen-
des de Huy e Liége, uma região com gran- trações até nove vezes maiores do que a
de concentração de indústrias, sendo qua- média de ambos), permaneceu estacionada
tro siderúrgicas, três metalúrgicas, quatro sobre a cidade por aproximadamente três
centrais de produção de energia elétrica e dias, levando a um aumento de quatro mil
suas minas de carvão, seis indústrias de ce- mortes em relação à média de óbitos em
râmica e vidro que utilizavam fornos a car- períodos semelhantes.
vão ou gasogênio, três indústrias de cimen- Indiscutivelmente, esses trágicos epi-
to, três indústrias de transformação quími- sódios direcionaram os olhos dos pesqui-
ca de minerais, uma carvoaria, uma fábrica sadores para a necessidade de se buscar o
de pólvora, uma fábrica de ácido sulfúrico controle da emissão de poluentes do ar.
e uma fábrica de adubos, distribuídas em Em 1955, o Congresso norte-america-
uma faixa de aproximadamente vinte qui- no liberou cinco milhões de dólares para a
lômetros de comprimento. Nos cinco pri- realização de estudos sobre o impacto da
meiros dias do mês de dezembro, condi- poluição atmosférica sobre a saúde e a eco-
ções meteorológicas desfavoráveis, como nomia. Ações de controle ambiental não
a ausência de ventos, impediram a disper- eram a pauta de discussão até aquele mo-
são dos poluentes, que permaneceram es- mento. Só a partir do início da década de
tacionados sobre a região. Imediatamente 60, foi criado um programa federal de po-
foi registrado um aumento do número de luição atmosférica, ligado ao Departamen-
doenças respiratórias e um excesso de to de Saúde, Educação e Bem-Estar Social
mortes (60 mortes) até dois dias após o início dos Estados Unidos. Esse programa dele-
do episódio. gou a responsabilidade do controle da emis-
Alguns anos após, um episódio seme- são dos diversos poluentes atmosféricos aos
lhante ocorreu durante os últimos cinco dias estados da Federação, ficando a cargo do
do mês de outubro de 1948 na cidade de governo federal somente o estabelecimen-
Donora, Pensilvânia. Os produtos da com- to das diretrizes necessárias para efetuar e
bustão das indústrias locais permaneceram viabilizar esse controle. Contudo, tal me-
sobre a cidade devido à ocorrência de in- dida mostrou-se ineficaz já que vários es-
versões térmicas que impediram a disper- tados não estavam preparados e estrutu-
são desses poluentes. Inversão térmica é rados para a realização dessas ações contro-
um fenômeno meteorológico em que ocor- ladoras. Novos episódios de aumento súbi-
re a presença de uma camada de ar frio al- to da poluição ocorreram, um deles em Nova
guns metros acima da superfície que impe- York, durante quatro dias de novembro de
de a dispersão e a movimentação de massas 1966, onde foram necessárias oito mortes e
de ar mais quentes localizadas próximas do forte pressão da mídia para que se decretas-
solo. Essa camada mais fria age como se se estado de emergência.
fosse a tampa de uma panela concentrando Diante desses novos episódios, ainda
vapor no seu interior. Durante esse período na década de 60, os Estados Unidos estabe-
foram observadas 20 mortes ao invés das leceram padrões de qualidade do ar, espe-
duas mortes esperadas normalmente em cificando os seis poluentes atmosféricos que
uma comunidade de 14.000 pessoas. seriam controlados: partículas totais,
Porém, o mais clássico e mais grave dos dióxido de enxofre (SO2), monóxido de
episódios acerca dos efeitos deletérios dos carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO2),
poluentes do ar foi o acontecido em Lon- ozônio (O3) e chumbo (Pb). A fim de efe-
dres. Durante o inverno de 1952, um episó- tivar esse controle, criou-se a Agência de
dio de inversão térmica impediu a disper- Proteção Ambiental norte-americana

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(EPA). Várias medidas de controle foram, esses tipos de combustível.
então, implantadas, visando não só atingir Os Clean Air Acts de 1956 e 1968 tam-
as fontes de emissão móveis, como tam- bém ampliaram os controles de emissão de
bém as estacionárias. Em 1990, foram con- poluentes atmosféricos industriais, regula-
feridos à EPA poderes para determinar os mentando as emissões de óxidos de enxo-
critérios técnicos de controle das substân- fre e fumaça preta. Houve uma grande re-
cias tóxicas, com base nos seus efeitos à sistência por parte do setor industrial em
saúde. Vários estudos epidemiológicos e cumprir as metas de adequação e diminui-
experimentais contribuíram consideravel- ção da quantidade de emissão desses
mente para a implantação desses controles, poluentes.
bem como para a elaboração de manuais de O fato é que, ao longo dos anos, as con-
orientação. Porém, ainda que aprimoradas centrações dos poluentes foram decrescen-
ao longo dos anos, tais medidas de controle do nas grandes cidades inglesas, parte em
não foram suficientes. Em 1991, aproxi- função de um controle social mais efetivo,
madamente 87 milhões de pessoas nos Es- mas também em decorrência do ingresso da
tados Unidos permaneciam expostas a ní- Inglaterra no Mercado Comum Europeu.
veis superiores aos padrões de qualidade A Comunidade Européia, já no início
do ar estabelecidos pela legislação norte- dos anos 70, demonstrou, através de pro-
americana (Tabela 1). postas e discussões de medidas de contro-
Na Europa, o desenvolvimento de ações le, estar suficientemente convencida da
controladoras também foi bastante influ- existência de danos à saúde causados pelas
enciado pelo episódio ocorrido em 1952 na altas concentrações de poluentes atmosfé-
cidade de Londres. O Parlamento inglês, ricos. Esse fator foi fundamental para que
em 1956, atribuiu às autoridades locais o a Inglaterra, com a sua inserção junto à Co-
controle das áreas de maior risco da ocor- munidade Européia em 1973, fosse obriga-
rência de acúmulo de fumaça preta emitida da a adequar-se à legislação no que tange
pelas chaminés das residências, obrigando ao controle ambiental.
a troca do sistema a carvão por eletricida- Em 1976, uma comissão de países eu-
de, gás ou óleo diesel. Para tanto, o gover- ropeus (Comission of the European
no forneceu os subsídios necessários para Communities – CEC) estabeleceu padrões
a mudança dos sistemas de calefação para de qualidade do ar para SO2, CO, NO2, ma-

TABELA 1
Padrões de qualidade do ar para os principais poluentes segundo a
Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos

Poluentes Padrões primários Tempo médio

Partículas inaláveis 50 µg/m3 Média aritmética anual


3
(PM10) 150 µg/m Nível limite para 24 horas

Ozônio (O3) 0,12 ppm (235 µg/m3) Média de 1 hora máxima diária
3
0,03 ppm (80 µg/m ) Média aritmética anual
Dióxido de enxofre (SO2)
0,14 ppm (365 µg/m3) Nível máximo em 24 horas

9 ppm (10 µg/m3) Média máxima de 8 horas


Monóxido de carbono (CO)
35 ppm (40 µg/m3) Nível máximo em 1 hora

Dióxido de nitrogênio (NO2) 0,053 ppm (100 µg/m3) Média aritmética anual

Fonte: Bascon e cols., “Health Effects of Outdoor Air Pollution”, in Am. J. Crit. Care Med. 153, 1996, pp. 3-50.

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terial particulado e oxidantes fotoquímicos. móveis ou veiculares se tornassem um pro-
Esses padrões foram sendo aprimorados ao blema de grande magnitude, devido ao
longo dos anos, subsidiando as legislações número e estado de conservação desses
dos diversos países europeus de uma ma- veículos, muitas vezes sem o controle ne-
neira uniforme. cessário quanto à qualidade do combustí-
À medida que os países desenvolvidos vel, dos motores e mecanismos de filtragem
foram aperfeiçoando formas de controle dos gases emitidos pelos mesmos.
ambiental, várias indústrias passaram a Há nos países desenvolvidos uma preo-
migrar para países onde a legislação e o cupação crescente com o aprimoramento
controle fossem mais amenos ou mesmo de estudos usando os mais variados mode-
inexistentes. Entre as décadas de 60 e 70, los e tendo como meta elucidar todo e qual-
inúmeros países periféricos economica- quer questionamento. Vale ressaltar que,
mente, ávidos por novas fontes de recursos em tais países, o número de estudos sobre
e desenvolvimento, receberam indústrias poluição atmosférica e seus efeitos deleté-
multinacionais de produtos de base, princi- rios à saúde tem crescido vertiginosamente
palmente na área petroquímica. Muitas ao longo das últimas décadas. O conheci-
dessas indústrias tinham como sede países mento científico adquirido tem influen-
onde a legislação ambiental determinava a ciando e muito nas políticas públicas de
realização de altos investimentos em tec- controle ambiental nesses países.
nologia, principalmente para a prevenção
de possíveis acidentes ambientais.
Contudo, outros episódios envolvendo
o aumento das concentrações de poluentes PRINCIPAIS POLUENTES
atmosféricos continuaram a ocorrer, mas
dessa vez nos países em desenvolvimento. ATMOSFÉRICOS
Bhopal, na Índia, ilustra um desses epi-
sódios, talvez o mais dramático, ocorrido
na década de 80. Na noite de 3 de dezembro Material particulado
de 1984, um grande vazamento de methil-
isocianato (MIC) proveniente da Union O material particulado é uma mistura
Carbide, indústria localizada próxima à ci- de partículas líquidas e sólidas em suspen-
dade, causou a morte de, pelo menos, 1.700 são no ar. Sua composição e tamanho de-
pessoas devido a um intenso edema pul- pendem das fontes de emissão. O tamanho
monar (acúmulo de líquido no pulmão) das partículas é expresso em relação ao seu
causado pela reação exotérmica do MIC tamanho aerodinâmico, definido como o
com a água do tecido pulmonar. Além das diâmetro de uma esfera densa que tem a
mortes, milhares de pessoas ficaram com mesma velocidade de sedimentação que a
seqüelas graves, como o comprometimen- partícula em questão. Em geral, as partícu-
to irreversível da função do pulmão. las podem ser divididas em dois grupos:
Ao longo do século passado ocorreram • partículas grandes, com diâmetro entre
outros desastres ambientais, não obstante 2,5 e 30 µm de diâmetro, também chama-
todos os conhecimentos acumulados acer- das “tipo grosseiro” (coarse mode), de com-
ca dos prejuízos e altos custos sociais. Mes- bustões descontroladas, dispersão mecâni-
mo nos países desenvolvidos, onde o con- ca do solo ou outros materiais da crosta
trole ambiental é mais efetivo, existe uma terrestre, que apresentam características
contínua discussão crítica sobre os efeitos básicas, contendo silício, titânio, alumínio,
da poluição atmosférica, mesmo naquelas ferro, sódio e cloro. Pólens e esporos, ma-
concentrações consideradas “seguras” pela teriais biológicos, também se encontram
legislação. Observa-se, também, que o rá- nesta faixa;
pido crescimento urbano nos países em • partículas derivadas da combustão de
desenvolvimento fez com que as fontes fontes móveis e estacionárias, como auto-

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móveis, incineradores e termoelétricas, em piratório inferior (além da laringe) por par-
geral, são de menor tamanho, apresentan- tículas. Quando as partículas se depositam
do diâmetro menor que 2,5 µm (fine mode), na superfície das células do trato respirató-
e têm maior acidez, podendo atingir as por- rio, um outro mecanismo de defesa entra
ções mais inferiores do trato respiratório, em funcionamento: o aparelho muco-ciliar.
prejudicando as trocas gasosas. Entre seus Fazem parte da superfície do aparelho res-
principais componentes temos carbono, piratório células com cílios e células
chumbo, vanádio, bromo e os óxidos de secretoras de muco. Os cílios permanecem
enxofre e nitrogênio, que na forma de constantemente em movimento, no senti-
aerossóis (uma estável mistura de partícu- do do pulmão para a boca, empurrando o
las suspensas em um gás) são a maior fra- muco para fora do trato respiratório. As
ção das partículas finas. partículas que se depositam sobre o muco
É oportuno salientar que a determinação também são carregadas. Um fato muito
da EPA para controle de partículas menores comum nos dias atuais pode servir como
ou iguais a 10 µm (PM10), também chama- exemplo prático desse mecanismo. Quan-
das de partículas inaláveis, baseou-se no fato do um jovem (“partícula”) sobe num palco
de que estas são as partículas que podem de um espetáculo de rock e se joga sobre a
atingir as vias respiratórias inferiores, e não platéia (células do aparelho muco-ciliar)
na sua composição química. Esse material ele é carregado pela platéia por alguns
particulado inalável apresenta uma caracte- metros (os braços representam o papel dos
rística importante que é a de transportar gases cílios que fazem esse movimento em ape-
adsorvidos em sua superfície até as porções nas um sentido). As partículas que chegam
mais distais das vias aéreas, onde ocorrem à orofaringe podem ser deglutidas. Aque-
as trocas de gases no pulmão. las partículas que atingem as porções mais
Fumaça Britânica (BS) é um padrão de distais das vias aéreas são fagocitadas (en-
material particulado, utilizado nos estudos globadas) pelos macrófagos alveolares,
realizados na Grã-Bretanha e outros países sendo então removidas via aparelho muco-
europeus, cuja estimativa da massa é basea- ciliar ou sistema linfático.
da em um padrão de reflexão, com partícu-
las finas sendo mais escuras. É aceito pela
EPA, como uma fração entre PM10 e TPS
(partículas totais em suspensão, com limite Ozônio (O3)
superior de 100 µm).
Estudo realizado com monitores pesso- O ozônio presente na troposfera, a por-
ais para PM10 e monitores colocados dos ção da atmosfera em contato com a crosta
lados externo e interno das residências terrestre, é formado por uma série de rea-
mapeou a composição do particulado do- ções catalisadas pela luz do sol (raios
miciliar. Aproximadamente 50% do ultravioleta) envolvendo, como precurso-
particulado no interior das casas é proveni- res, óxidos de nitrogênio (NOx) e hidrocar-
ente do ambiente externo. O restante tem bonetos, derivados de fontes de combustão
origem no fumo, fogão a gás e de origem móveis, como os veículos automotivos, de
indeterminada. fontes estacionárias, como usinas termoe-
À medida que vão se depositando no létricas, e até mesmo fontes naturais como
trato respiratório, essas partículas passam as árvores, que contribuem na produção de
a ser removidas por alguns mecanismos de compostos orgânicos voláteis.
defesa. O primeiro deles é o espirro, desen- Os níveis de ozônio aumentam consi-
cadeado por grandes partículas que, devi- deravelmente entre o fim da primavera e o
do ao seu tamanho, não conseguem ir além começo do outono, em regiões periféricas
das narinas, onde acabam se depositando. de grandes centros urbanos, localizadas nas
A tosse é um mecanismo semelhante que direções em que sopram os ventos. Carac-
acontece quando há a invasão do trato res- teristicamente, seus níveis de concentra-

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ção aumentam no meio da manhã, algumas ácidos mais comuns: sulfato (SO 4--) e
horas após o rush matinal do trânsito (nível bissulfato (HSO 4 - ). O ácido sulfúrico
máximo de emissão de óxidos de nitrogê- (H2SO4) é o aerossol ácido mais irritante
nio), atingindo seu ápice no meio da tarde para o trato respiratório, apresentando pH
e declinando à noite. menor que um. O ácido sulfúrico e seus
As concentrações de ozônio nos ambi- sais de amônia constituem a maior parte
entes externos são maiores que nos interio- das partículas finas.
res dos edifícios, porém esta diferença pode
diminuir dependendo do tipo de ventilação
do local analisado. Como fonte domiciliar
de ozônio podem ser citados os purificado-
res de ar, enquanto as máquinas de fotocó- Monóxido de carbono (CO)
pias são fontes de ozônio nos escritórios e
estabelecimentos comerciais. Com exceção dos fumantes, que possu-
O ozônio é um potente oxidante, cito- em suas próprias fontes emissoras de CO,
tóxico (provoca lesão das células), que atin- todos os demais habitantes dos grandes
ge as porções mais distais das vias aéreas. centros urbanos recebem sua cota de CO
do trânsito intenso, pois os automóveis são
as maiores fontes de emissão desse
poluente. Pessoas que passam várias horas
Dióxido de enxofre (SO2) do dia dentro de um automóvel ou que te-
nham que andar a pé ou de bicicleta são os
e aerossóis ácidos mais afetados. Porém os ambientes inter-
nos, como residências e escritórios, podem
Resultado da combustão de elementos vir a sofrer os efeitos do CO proveniente do
fósseis, como carvão e petróleo, têm como ambiente externo que entra pelo sistema de
fontes principais os automóveis e ventilação, ou que é produzido localmente
termoelétricas. Uma vez lançado na atmos- por aquecedores a óleo, fumantes, churras-
fera, o SO2 é oxidado, formando ácido sul- queiras e fogão a gás.
fúrico (H2SO4). Essa transformação depen- A determinação dos níveis de carboxi-
de do tempo de permanência no ar, da pre- hemoglobina no sangue pode servir para
sença de luz solar, temperatura, umidade e avaliar a exposição individual, uma vez que
adsorção do gás na superfície das partícu- pessoas saudáveis e não-fumantes, residen-
las. A permanência no ar por um período tes em áreas de grande concentração
grande de tempo faz com que o SO2 e seus ambiental de CO, apresentam um aumento
derivados (aerossóis ácidos) sejam trans- de até 100% nos níveis de carboxi-
portados para regiões distantes das fontes hemoglobina quando comparados aos de
primárias de emissão, aumentando a área pessoas saudáveis e não-fumantes que não
de atuação desses poluentes. estão expostas aos níveis de CO dos gran-
O SO2 é altamente solúvel em água a des centros urbanos.
30ºC. A maior parte do SO2 inalado por O monóxido de carbono apresenta afi-
uma pessoa em repouso é absorvida nas nidade pela hemoglobina 240 vezes maior
vias aéreas superiores. A atividade física que a do oxigênio, o que faz com que uma
leva a um aumento da ventilação, com con- pequena quantidade de CO possa saturar
seqüente aumento da absorção nas regiões uma grande quantidade de moléculas de
mais distais do pulmão. Sua eliminação se hemoglobina, diminuindo a capacidade do
faz, basicamente, pela expiração e pela sangue de transportar O2. Outro efeito de-
urina, com a eliminação de dois metabólitos, vido ao CO é o desvio da curva de disso-
o sulfato e o éster sulfato. ciação da hemoglobina para a esquerda
Dissolvidos nas gotas de água presen- levando à diminuição da liberação de O2
tes na atmosfera, encontramos os aerossóis nos tecidos.

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Em países desenvolvidos e em desenvolvi-
Óxidos de nitrogênio (NOX) mento, crianças, adultos e idosos, previa-
mente doentes ou não, sofreram e ainda so-
As principais fontes de óxido nítrico frem seus malefícios, como citado anteri-
(NO) e dióxido de nitrogênio (NO2) são os ormente. As principais fontes poluidoras,
motores dos automóveis. As usinas que são os veículos automotivos e as indús-
termoelétricas e indústrias que utilizam trias, estão presentes em todos os grandes
combustíveis fósseis contribuem em me- centros urbanos. Nas últimas três décadas,
nor escala. Durante a combustão sob eleva- o melhor conhecimento das origens, com-
das temperaturas, o oxigênio reage com o posições, comportamentos, interações e, do
nitrogênio formando óxido nítrico (NO), ponto fulcral, os mecanismos de ação des-
dióxido de nitrogênio (NO2) e outros óxi- ses verdadeiros inimigos da saúde pública
dos de nitrogênio (NOx). Esses compostos têm mobilizado esforços e recursos tecno-
são extremamente reativos e na presença lógicos e financeiros diversos.
de oxigênio (O2), ozônio e hidrocarbonetos, Estudos observacionais têm procurado
o NO se transforma em NO2. Por sua vez, mostrar, com resultados cada vez mais sig-
NO2 na presença de luz do sol reage com nificativos, efeitos de morbidade e morta-
hidrocarbonetos e oxigênio formando ozô- lidade associados aos poluentes do ar. No
nio (O3), sendo um dos principais precur- entanto, para se avaliar a plausibilidade
sores desse poluente na troposfera. biológica desses achados, tem sido neces-
Ao contrário de outros poluentes gaso- sária a realização de estudos de interven-
sos, as concentrações de NO2 nos ambien- ção e experimentais.
tes internos estão intimamente relaciona- O aprimoramento de técnicas de análi-
das com as concentrações externas, uma se estatística de séries temporais, o tipo de
vez que este poluente se difunde com muita estudo ecológico predominante quando se
facilidade de fora para dentro das edi- analisa mortalidade e sua associação com
ficações através de mecanismos de venti- poluentes conferem confiabilidade aos re-
lação. A isto se soma o fato de existirem sultados.
várias fontes de NO2 e outros óxidos de Esses novos conhecimentos têm altera-
nitrogênio (NOx) dentro das residências, do conceitos previamente existentes. A ado-
como fogões a gás, aquecedores que utili- ção dos critérios de qualidade do ar foi
zam querosene (mais freqüentes em regiões baseada em conhecimentos existentes até
frias) e o cigarro. aquele momento. Contudo, estudos mais
O NO2, quando inalado, atinge as por- recentes mostram que podemos encontrar
ções mais periféricas do pulmão devido à efeitos graves sobre a saúde mesmo quan-
sua baixa solubilidade. Seu efeito tóxico do os poluentes se encontram dentro dos
está relacionado ao fato de ser um agente padrões de segurança.
oxidante. Assim como mortalidade pode ser um
marcador de efeitos sobre a saúde, parâme-
tros de morbidade também podem sê-lo,
PRINCIPAIS EVIDÊNCIAS DOS visto que pessoas levadas à morte devem
ter apresentado toda uma história de altera-
EFEITOS DA POLUIÇÃO DO AR ções clínicas anteriormente. Essas altera-
ções clínicas têm sido documentadas na
SOBRE A SAÚDE HUMANA forma de exacerbações de sintomas respi-
ratórios e cardiovasculares, aumento das
A convivência dos seres vivos, em es- crises de asma e dor pré-cordial, limitação
pecial a do homem, com a poluição do ar funcional, maior utilização de medicamen-
tem trazido conseqüências sérias para a tos, número de consultas em pronto-socor-
saúde. Os efeitos dessa exposição têm sido ro e internações hospitalares.
marcantes e plurais quanto à abrangência. Em síntese, através da análise dos estu-

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dos realizados em diversos centros urba- dominada por vento úmido do sul e ocor-
nos, que utilizaram estes e outros desenhos rência de sistemas frontais, resultando em
epidemiológicos, pode-se concluir que: precipitações e nuvens de baixa altitude.
• as concentrações de poluentes atmosfé- Durante o inverno, formações de alta pres-
ricos encontradas em grandes cidades acar- são no Oceano Atlântico ao leste dirigem-
retam afecções agudas e crônicas no trato se para o norte, produzindo ventos fracos
respiratório, mesmo em concentrações provenientes da costa, fortes inversões tér-
abaixo do padrão de qualidade do ar. A micas de subsidiência e céu claro. Sua pre-
maior incidência de patologias, tais como cipitação anual é de 1.900 mm, com tempe-
asma e bronquite, está associada com as ratura média que varia entre 15-22ºC.
variações das concentrações de vários As duas principais fontes de emissão de
poluentes atmosféricos; poluentes são as indústrias, atualmente lo-
• a mortalidade por patologias do siste- calizadas na RMSP, e a frota de veículos
ma respiratório apresenta uma forte asso- automotores que circula pela cidade. Essa
ciação com a poluição atmosférica; frota é responsável por grande parte da carga
• as populações mais vulneráveis são as de poluentes emitidos na atmosfera, poden-
crianças, idosos e aquelas que apresentam do ser estimada em mais de 4,3 milhões de
doenças respiratórias; veículos automotores.
• material particulado inalável, com di- A história do crescimento urbano de São
mensão inferior a 10 µm e mais recente- Paulo tem sido marcada pela falta de
mente 2,5 µm, é apontado como o poluente priorização de transportes coletivos de qua-
mais freqüentemente relacionado com da- lidade. Vale lembrar que o metrô foi inaugu-
nos à saúde; rado somente em 1974 e, ainda hoje, atende
• sinais, cada vez mais evidentes, mos- a uma parcela pequena da população. Ao
tram que os padrões de qualidade do ar são longo de décadas, o transporte individual
inadequados para a proteção da população foi se tornando uma opção natural, devido
mais suscetível à poluição atmosférica. não só à insuficiência do transporte público,
Vários estudos demonstraram ocorrência como também pelas facilidades de acesso e
de efeitos mórbidos em concentrações abai- aquisição do automóvel. Conseqüentemen-
xo dos padrões de qualidade do ar; te, a proporção do número de carros por
• a mortalidade por doenças cardio- habitante cresceu de 1/40, na década de 40,
vasculares também tem sido relacionada à para quase 1/2 nos anos 90. Ocorre que, nesse
poluição atmosférica urbana, sendo nova- período, a malha viária não acompanhou o
mente o material particulado inalável o mesmo crescimento.
poluente freqüentemente associado; Outra característica do crescimento da
• estudos experimentais e toxicológicos cidade é a mudança de várias indústrias do
têm dado sustentação aos resultados encon- município de São Paulo para outros muni-
trados em estudos epidemiológicos. cípios. Ao longo dos anos, São Paulo foi se
transformando em uma cidade predominan-
temente de serviços. Face a esse processo,
a emissão de poluentes atmosféricos atra-
FONTES DE POLUIÇÃO E CONTROLE vés de fontes móveis foi aumentando
gradativamente, de forma bastante signifi-
DA QUALIDADE DO AR EM SÃO PAULO cativa. Pode-se dizer, aliás, que as fontes
móveis são responsáveis por 90% da emis-
São Paulo é uma das dez maiores cida- são de poluentes na cidade.
des do mundo, com aproximadamente 16 As primeiras iniciativas para monitorar
milhões de habitantes na Região Metropo- a qualidade do ar ocorreram na RMSP e
litana (RMSP). O clima na RMSP pode ser datam do início dos anos 60. Por iniciativa
resumido como seco no inverno e úmido dos municípios de Santo André, São
no verão. De setembro a abril, a área é Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e

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Mauá, em 16 de agosto de 1960 foi firmado danos à saúde da população;
um convênio para o controle da poluição • padrões secundários de qualidade do ar:
das águas e do ar na região, através da são as concentrações de poluentes abaixo
Comissão Intermunicipal de Controle da das quais se espera o mínimo efeito sobre
Poluição das Águas e do Ar (CICPAA). a saúde da população, da fauna e da flora.
Entre 1960 e 1971, desenvolveu-se traba- Essa definição, que consta de portaria
lho pioneiro que contou com o apoio finan- normativa do Instituto Brasileiro de Apoio
ceiro da Organização Pan-americana de ao Meio Ambiente (Ibama) de 14 de março
Saúde (Opas). de 1990, e que foi transformada em resolu-
Um convênio, firmado entre essas pre- ção pelo Conama (Conselho Nacional do
feituras e o estado de São Paulo, transferiu Meio Ambiente) em 28 de junho de 1990,
a CICPAA para a Superintendência de Sa- define que, a curto e médio prazo, os pa-
neamento Ambiental (Susam), órgão esta- drões primários devem ser os desejados e
dual criado em 17 de abril de 1970. Posteri- que, a longo prazo, os padrões secundários
ormente, essas atribuições de controle da devem ser objetivados.
qualidade do ar e da água foram transferidas A mesma resolução do Conama regu-
para a Companhia Estadual de Tecnologia lamentou os níveis dos seguintes poluentes:
de Saneamento Básico (Cetesb), inicialmen- partículas totais em suspensão (partículas
te um centro de tecnologia em engenharia com menos de 100 µm), dióxido de enxofre,
sanitária, fundado em 1968, que com o pas- monóxido de carbono, ozônio, fumaça (fu-
sar dos anos veio a assumir o controle de ligem) – medidas rotineiramente em outras
todas as atividades relacionadas ao controle regiões do estado de São Paulo, excluindo-
da qualidade da água, do ar e do solo no se a região metropolitana e Cubatão –, par-
estado de São Paulo. tículas inaláveis e dióxido de nitrogênio.
A legislação federal estabelece, em re- Como pode ser notado, os padrões primá-
lação ao controle de poluentes, dois padrões rios adotados pelo Conama são, em geral, os
de qualidade do ar: mesmos adotados pela EPA (Tabela 2).
• padrões primários de qualidade do ar: Devido às suas características climáti-
são as concentrações de poluentes que, cas anteriormente citadas, São Paulo está
quando ultrapassadas, poderão acarretar sujeita, durante os meses mais frios, a episó-

TABELA 2
Padrões nacionais de qualidade do ar, segundo Resolução Conama no 3 de 28/6/90

Poluente Tempo Padrão primário Padrão secundário


de amostragem (µg/m3) (µg/m3)
Partículas totais 24 horas(1) 240 150
em suspensão (PTS) MGA(2) 80 60
Dióxido de 24 horas 365 100 1 – Não deve ser ul-
enxofre MAA(3) 80 40 trapassado mais que
Monóxido de 1 hora(1) 40.000 (35 ppm) 40.000 (35 ppm) uma vez ao ano
carbono 8 horas 10.000 (9 ppm) 10.000 (9 ppm)
2 – MGA – média
Ozônio 1 hora(1) 160 160 geométrica anual
Fumaça 24 horas(1) 150 100
3 – MAA – média
MAA(3) 60 40
aritmética anual
Partículas 24 horas(1) 150 150
inaláveis (PI) MAA(3) 50 50
Dióxido 1 hora(1) 320 190
de nitrogênio MAA(3) 100 100

Fonte: Cetesb (1994), “Relatório de Qualidade do Ar na Região Metropolitana de São Paulo e Cubatão – 1993”.

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dios agudos de poluição do ar, onde as con- centração de pelo menos um dos poluentes
centrações dos poluentes ultrapassam os está entre o seu padrão de qualidade e os
padrões primários. A Resolução no 3 do níveis de atenção;
Conama estabeleceu critérios para os episó- • Má (200 – 299): quando a concentração
dios agudos de poluição do ar, com a deter- de pelo menos um dos poluentes está entre
minação de níveis de atenção, alerta e emer- os seus níveis de atenção e de alerta;
gência, em ordem crescente de gravidade, • Péssima (300 – 399): quando a concen-
que são assim definidos, para os principais tração de pelo menos um dos poluentes está
poluentes, e estão apresentados na Tabela 3. entre os seus níveis de alerta e de emergência;
Com base nos valores mensurados das • Crítica (maior que 400): quando a con-
concentrações dos poluentes relacionados na centração de pelo menos um dos poluentes
Tabela 3, a Cetesb divulga diariamente o Ín- está acima do seu nível de emergência.
dice de Qualidade do Ar, desde 1981. Esse
índice foi baseado no PSI – Pollutant Standard
Index, desenvolvido pela EPA, e dá valores
adimensionais para a qualidade do ar. EFEITOS DA POLUIÇÃO DO AR
Esse índice classifica a qualidade do ar
em seis categorias: SOBRE A SAÚDE DOS HABITANTES
• Boa (0 – 50): quando as concentrações
de todos os poluentes estão abaixo de 50% DA CIDADE DE SÃO PAULO
de seus padrões de qualidade;
• Regular (51 – 100): quando a concen- Há mais de uma década, o Laboratório
tração de pelo menos um dos poluentes atin- de Poluição Atmosférica Experimental
ge o seu padrão de qualidade; (LPAE), criado junto ao Departamento de
• Inadequada (101 – 199): quando a con- Patologia da Faculdade de Medicina da

TABELA 3
Critérios para episódios agudos de poluição do ar

Níveis
Parâmetros Atenção Alerta Emergência
Partículas totais em suspensão
375 625 875
(µg/m3) – 24 h
Dióxido de enxofre
800 1.600 2.100
(µg/m3) – 24 h
SO2 X PTS
65.000 261.000 393.000
(µg/m3)(µg/m3) – 24 h
Monóxido de carbono
15 30 40
(ppm) – 8 h
Ozônio
400 800 1.000
(µg/m3) – 1 h
Fumaça
250 420 500
(µg/m3) – 24 h
Partículas inaláveis
250 420 500
(µg/m3) – 24 h
Dióxido de nitrogênio
1.130 2.260 3.000
(µg/m3) – 1 h

Fonte: Cetesb (1994), “Relatório de Qualidade do Ar na Região Metropolitana de São Paulo e Cubatão – 1993”.

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Universidade de São Paulo (FMUSP), ini- dade. Com isso, uma série de vieses co-
ciou estudos sobre a toxicidade dos produ- muns nos estudos que comparam múltiplos
tos da combustão de combustíveis fósseis, grupos podem ser evitados;
derivados do petróleo, e de combustíveis • os dados utilizados são secundários,
originados de biomassa (álcool). Os resul- tendo sido coletados para outras finalida-
tados mostraram que os produtos deriva- des. Na cidade de São Paulo existem 14
dos da queima dos combustíveis fósseis são estações de monitoramento da Cetesb que
mais tóxicos do que os gerados pela quei- medem continuamente os níveis dos cinco
ma de biomassa. principais poluentes do ar (PM10, SO2, CO,
Entretanto, a poluição do ar de uma ci- NO2 e ozônio). O Programa de Aprimora-
dade como São Paulo é resultado de uma mento de Informações de Mortalidade
mistura de gases e partículas em suspensão (Proaim), do serviço funerário da Prefeitu-
associada a características muito peculia- ra de São Paulo, coleta e analisa todos os
res de temperatura, umidade e pressão que atestados de óbito de moradores da cidade,
dificilmente poderiam ser recriadas em uma checando o seu preenchimento e contatando
câmara de intoxicação. Por isso, o LPAE- os médicos responsáveis nos casos de dú-
FMUSP resolveu redimensionar os clássi- vidas. Esse cuidado faz com que as infor-
cos estudos toxicológicos utilizando a pró- mações sobre mortalidade liberadas por
pria cidade de São Paulo como câmara de esse órgão tenham excelente qualidade. O
intoxicação. Ratos de uma mesma ninhada Data-SUS é o órgão de processamento de
foram divididos aleatoriamente e alocados dados do Sistema Único de Saúde que faz
em dois grupos. Um desses grupos foi co- o registro das internações hospitalares nos
locado na região central da cidade, na torre hospitais conveniados;
da Igreja do Paissandu. O outro grupo foi • e mais barato do que os estudos de
levado para Atibaia, cidade com níveis de coorte, outro tipo de estudo epidemiológico
poluição muito inferiores aos registrados aplicado em epidemiologia ambiental.
na região metropolitana de São Paulo. Os Com esses estudos realizados na cidade
ratos que foram expostos à poluição da ci- de São Paulo chegamos a algumas conclu-
dade de São Paulo apresentaram alterações sões importantes:
nas características do muco produzido pe- • crianças, adolescentes e idosos são as
las células do epitélio respiratório, que se faixas etárias que se mostraram mais sus-
tornou mais espesso e de difícil remoção cetíveis aos efeitos dos poluentes do ar;
pelos cílios. Como resultado dessa e de • mortes fetais estão positivamente asso-
outras alterações do sistema respiratório ciadas às concentrações de poluentes do ar;
esse grupo apresentou mais casos de mor- • aumentos na poluição do ar promovem
tes de ratos por infecções respiratórias quan- aumentos nas consultas de pronto-socorro
do comparado com o grupo controle. e nas internações por doenças respiratórias
Com o estabelecimento de uma base e cardiovasculares;
fisiopatológica dos efeitos da poluição do • há um aumento na mortalidade respira-
ar, o LPAE-FMUSP passou a objetivar tória para crianças e pessoas com mais de 65
estimativas dos efeitos da poluição sobre a anos devido a aumentos nos poluentes do ar;
saúde dos habitantes da cidade de São Pau- • os efeitos da poluição do ar são maiores
lo. Os estudos observacionais foram a op- nas regiões da cidade que apresentam pio-
ção adotada e, dentre eles, os estudos eco- res indicadores socioeconômicos;
lógicos de séries temporais. Esse tipo de • não parece haver um nível de poluição
estudo apresenta algumas vantagens: que seja inócuo para a saúde dos habitantes
• permite analisar as variações nos níveis da cidade.
de poluentes e suas correlações com as Essas conclusões são verdadeiras e atu-
variações observadas em indicadores de ais mesmo em um cenário onde os níveis
mortalidade e/ou morbidade ao longo de dos principais poluentes têm decrescido ao
um período de tempo, em uma mesma ci- longo dos últimos anos. Entretanto, essa

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queda na concentração média dos poluentes de transporte público.
do ar, que é decorrente, principalmente, da Uma frota de ônibus com veículos no-
renovação da frota, pode se tornar tempo- vos, com motores que queimem mais efici-
rária já que a frota de carros em São Paulo entemente o combustível e que apresentem
continua a crescer. mecanismos de redução de emissão de
poluentes, além da utilização de combustí-
veis menos tóxicos, como o álcool e o gás
PERSPECTIVAS FUTURAS E natural.
Além disso, um controle rigoroso dos
PROPOSTAS MITIGADORAS veículos que circulam pela cidade já tarda
em muito. Vistorias periódicas de controle
O problema da poluição do ar na cidade de emissão de poluentes e obrigatoriedade
de São Paulo e seus efeitos sobre a saúde de instalação de catalisadores em todos os
demanda medidas sérias e mudanças pro- carros são medidas essenciais para melho-
fundas nas políticas públicas adotadas até rar a qualidade do ar.
o presente momento. Estudos têm estima- Afastar os caminhões que usam a cida-
do que reduções nos níveis dos poluentes de como ponto de interligação entre dife-
poderão diminuir os casos de mortes de- rentes rodovias e controlar a fumaça emiti-
correntes da poluição do ar em grandes ci- da por aqueles que trafegam por toda a re-
dades do mundo. Essa é uma conclusão gião urbana são outros procedimentos que
óbvia e que sempre foi clara para todos podem contribuir para a redução da polui-
aqueles que se dedicam a estudar este sério ção atmosférica.
problema de saúde pública. A implementação de todas essas medi-
No caso específico da cidade de São das e de outras que possam ser aventadas
Paulo, mudar o cenário atual significa com o objetivo de diminuir a poluição do ar
desacelerar a política de privilégios para o terá um custo. Porém, custos maiores, tan-
transporte individual e dedicar empenho to financeiro quanto social, têm as doenças
pessoal e financeiro na implementação de e mortes que ocorrem devido aos agentes
um sistema de transporte público moder- tóxicos liberados no ar da cidade. Estudo
no, limpo e eficiente, que consiga interli- do Banco Mundial que utilizou dados do
gar as diversas regiões da cidade de forma LPAE-USP, entre outros institutos de pes-
rápida e barata. quisa, estima em 15 milhões de dólares o
Nos últimos anos investiu-se uma gran- custo anual com doenças relacionadas à
de soma de recursos públicos para constru- poluição do ar. Somando-se a este valor os
ção de avenidas e viadutos e muito pouco anos de atividade perdidos por aquelas
foi feito para resolver o problema do trans- pessoas que vêm a falecer a conta atinge
porte público na cidade. valores assombrosos.
Um sistema interligado de transporte Resolver o problema da poluição do ar
sobre trilhos que contemple o aumento da demanda disposição da autoridade pública
malha ferroviária, tanto do metrô quanto em priorizar a saúde e coragem para en-
da rede de trens urbanos, somado a um novo frentar todos os elos da cadeia geradora de
sistema de trólebus, mais ágil que os dois poluição, desde o dono da indústria de au-
anteriores, poderá mudar o conceito atual tomóveis até o proprietário do veículo.

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