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ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS

Ficha Catalográfica elaborada por Morena Porto CRB 14/1516

E828

Estudos de Cinema e Audiovisual Socine (11., 2017: João Pessoa, PB)

Anais de textos completos do XXI Encontro da SOCINE [recurso eletrônico] /


Organização editorial Cezar Migliorin... [et al.]. São Paulo: SOCINE, 2018.

748 p.

Tema: O Estado da Crítica


Evento realizado no período de 17 a 20 de outubro de 2017 na Universidade Federal
da Paraíba - UFPB
ISBN: 978-85-63552-23-5

1. Cinema. 2. Cinema brasileiro. 3. Cinema latino-americano. 4. Documentário


(Cinema). 5. Cinema -Produção e direção. I Título.

CDD 791.43
SUMÁRIO

14 Um pato no caminho: a FIESP e a disputa do território no audiovisual


Adil Giovanni Lepri
21 Fernando Spencer: os primeiros passos de um crítico
Alexandre Figueirôa
27 Encenações Humanistas: de Ken Loach aos irmãos Dardenne
Alexandre Silva Guerreiro
34 Narrativas de pertencimento nos filmes Aquarius e Boi Neon
Aline Lisboa
41 Representação da metrópole latino-americana no cinema contemporâneo e formação de uma
cinecidade
Alisson Gutemberg
49 A barbárie da guerra retratada no documentário Fantasmas de Abu Ghraib
Altair Reis de Jesus
58 Assista outra vez: estratégias revisionistas feministas no cinema
Amanda Rosasco Mazzini
65 Vingança e estética realista em Matar um homem
Ana Ângela Farias
72 O demoníaco e o desconhecido em Häxan, de Benjamin Christensen
Ana Maria Acker
79 A evolução dos corpos no abrigo da casa
Ana Lobato
85 De dentro do espelho: a imagem-cristal no cinema de Laura Mulvey e Agnès Varda
Ana Caroline de Almeida
94 O gesto químico: uma subversão da forma no cinema
Andréa C. Scansani
100 Estratégias em 4000 disparos
Annádia Leite Brito
106 E o desenho animado foi à Bienal de Veneza
Annateresa Fabris
113 As protagonistas de Jenji Kohan: entre o american dream e o crime
Bárbara Camirim Almeida Lopes
119 Uma experiência com cinema em centros socioeducativos
Bruno Paes / Isaac Pipano
126 Entre a passagem e a permanência: estética do desaparecimento em Linz – Quando Todos os Acidentes
Acontecem
Camila Vieira da Silva
133 O espaço imaterial no cinema de Jia zhangke : uma política do olhar
Camilo Soares
139 O “poético” no discurso crítico acerca da obra de Cao Guimarães
Carla Miguelote
145 A anti-hospitalidade que habita o fetiche em “Um lugar ao sol” de Gabriel Mascaro
Carlos Cézar Mascarenhas de Souza
152 A contribuição das texturas na construção dos personagens em Dois Irmãos
Carolina Bassi de Moura
159 Brás Cubas e Dom Casmurro: a adaptação da narrativa autoconsciente e não-confiável
Carolina Soares Pires
166 O cinema digital e a subjetividade no documentário brasileiro contemporâneo
César Ramos Macedo
Andréa C. Scansani

O gesto químico: uma subversão da


forma no cinema1

The Chemical Gesture: a Subversion of Form


in Cinema
Andréa C. Scansani2
(doutoranda – UFSC)

Resumo:
A partir da investigação sobre o gesto em Flusser, propomos um diálogo introdutório entre as obras
fotográficas A Nebulosa e a série Combate de Pentesileia (1938) de Raoul Ubac com os filmes Mues e Esquisse
(2015) de Frédérique Ménant. Ambos artistas - que desenvolveram seu método através da manipulação
direta da matéria pelas técnicas fotográficas em prata e celuloide - trabalham na subversão da forma
como propulsora do pensamento desencadeado pelo que chamamos de gesto químico no cinema.

Palavras-chave:
Gesto, Vilém Flusser, cinematografia, Raoul Ubac.

Abstract:
Starting from Flusser’s considerations on the gestures, we propose an introductory dialogue between the
photographic works The Nebula and the series Combat of Penthesilea (1938) by Raoul Ubac with the films
Mues e Esquisse (2015) by Frédérique Ménant. Both artists - who developed their methods through the
direct manipulation of matter by photographic techniques in silver and celluloid - work in the subversion
of form to propel the thought triggered by what we call a chemical gesture in Cinema.

Keywords:
Gesture, Vilém Flusser, cinematography, Raoul Ubac.

A imagem é dotada de intenção, de certa personalidade, de atributos envolventes [ou repelentes]

para além do conteúdo referencial e figurativo que preenche nossos olhos através de sua incontornável

visibilidade. Ela guarda peculiaridades em sua forma que são, muitas das vezes, independentes dos

propósitos de seu autor e que se fazem presentes, quer tenhamos consciência delas ou não. Algo

semelhante ao que o senso comum considera um gesto. Aquele toque irremediavelmente pessoal,

indescritível e que transcende o simples ato planeado. Como o caminhar de uma pessoa. Há um modo

particular de cada corpo de deslocar-se no espaço. A coordenação e o balanço de ossos e músculos.


1 - Trabalho apresentado no XXI Encontro Socine de Estudos de Cinema e Audiovisual no Seminário temático “Corpo, gesto, performance e mise en scène”
2 - Doutoranda do PPGMPA da ECA/USP e professora de Cinema da UFSC

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O gesto químico: uma subversão da forma no cinema

O toque dos pés no chão. A leveza ou o rastejo, a diligência ou o desânimo. A cadência dos braços, a

envergadura das pernas. A cada passo o caminhar se constrói. Como se o gesto só pudesse se manifestar

junto ao tempo, imprimindo sua presença através de seu sutil trajeto. Mas como pensar o gesto sendo

ele tão instintivo, involuntário e fugaz? Seria ele da mesma natureza da imagem? Se assim indagamos, é

porque parece-nos genuíno aproximarmos os dois: imagem e gesto. Não apenas para refletirmos sobre

as características únicas de cada manifestação, mas principalmente, para pensarmos as possibilidades

de representação dos gestos através da imagem. Algo que, a nosso ver, é empreendido pelo cinema nas

mais variadas formas. Formas essas que também podem ser entendidas como gestos. Uma outra sorte

de gesto, um outro caminhar. Aquele dado pela convergência de muitos passos. Passos dos atores e dos

cenários, da equipe e dos equipamentos, da preparação e da finalização, da montagem e da projeção

e, dentro dos propósitos específicos para este artigo, os passos inscritos na matéria fílmica: seus gestos

químicos. Nesse amplo espaço de convergência de gestos na imagem cinematográfica, faz-se necessário

compreender um pouco mais a fundo o que entendemos por este termo, certamente inesgotável, e do

qual nos valemos para estudar o ato cinematográfico.

Ao longo de décadas, a reflexão sobre o gesto aos moldes de uma teoria se faz presente na obra

de Vilém Flusser (1920-1991). Ela é elaborada em textos esporádicos que culminam em seu último livro

lançado ainda em vida - Gestos (Gesten: Versuch einer Phänomenologie, 1991) -, do qual fazem parte análises

de gestos específicos como o gesto de escrever, o gesto de amar, o gesto de barbear, o gesto de destruir,

o gesto de buscar, entre outros. Para além do empenho em esmiuçar os diversificados gestos humanos,

como o conhecido capítulo “O gesto de fotografar”, publicado pela primeira vez no livro A filosofia da

caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia3 (1985), Flusser nos convida a transpor o sentido

superficial que possamos depreender do termo, ao colocar em perspectiva seu caráter plural. Um dos

passos nessa direção se dá em 1975, quando o fundador e editor da revista ArTitudes4, François Pluchart,

propõe ao filósofo a publicação de um artigo intitulado “Gesto e sentimentalidade” (Geste et sentimentalité)

ao que Flusser responde com um curto e inspirado texto. O trabalho, escrito originalmente em inglês sob

o título “Gesture and Sentimentality”, é acompanhado de uma versão francesa feita pelo próprio autor. É

neste artigo que está, a nosso ver, uma das discussões mais estimulantes sobre a natureza do gesto. E,

se expomos aqui a origem bilíngue de sua criação é porque seu título guarda a chave da complexidade

de seu próprio conteúdo. Vejamos como. Flusser, ao reescrever o texto em alemão, escolhe a palavra

Gestimmtheit para substituir sentimentalidade, um vocábulo de difícil tradução e que é objeto de várias

notas de rodapé em todas as obras que o citam. Este capítulo, Gesten und Gestimmtheit, ao ser traduzido

para outros idiomas recebe versões das mais variadas e com significados razoavelmente diferentes

3 - Originalmente publicado em alemão sob o título de Filosofia da fotografia (1983).


4 - ArTitudes International, n. 25-27, octobre-décembre 1975

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Andréa C. Scansani

como Gesto e afeto, Gesto e afinação, Gesto e concordância, Gesto e consentimento, Gesto e disposição5. A

abertura para a possibilidade de múltiplas interpretações faz eco no próprio conceito que não restringe

o pensamento a sentidos conclusivos, afastando-se da hermenêutica para dar lugar a uma outra forma

de conhecimento. O próprio gesto intelectual de Flusser, ao ampliar o horizonte semântico do termo,

demonstra sua intenção e sua sagacidade.

O caráter enigmático dos gestos deriva provavelmente de sua qualidade fronteiriça. Entre
natureza e cultura, entre ação intencional e mera reação, Flusser associa os gestos aos
misteriosos termos “Gestimmtheit” e “Stimmung”. Este último, como veremos adiante,
também irá ocupar papel fundamental na recente proposta de Hans Ulrich Gumbrecht
de um novo modo de ‘leitura’ para os produtos culturais (Cf. Gumbrecht, 2011). [...] O
intrigante na noção de Stimmung é que ela recobre tanto aspectos físicos e corporais
quanto psíquicos. Ou seja, dissolve a tradicional barreira estabelecida entre corpo e
espírito, entre material e imaterial (FELINTO, 2016, p. 23-24).

Abordar o gesto através de seu caráter fronteiriço serve-nos como ferramenta para examinar as

barreiras necessariamente borradas da fotografia cinematográfica - essa atividade mestiça [meio técnica,

meio arte; meio razão, meio emoção] que transita livremente entre vários campos do saber. Ao longo de

seus parágrafos, o filósofo empenha-se em fazer uma fenomenologia do gesto e esboça uma definição,

manifestamente inconclusa, com a qual podemos nos aproximar do gesto do [e no] cinema. Para ele, os

gestos podem ser compreendidos como movimentos do corpo, e/ou dos instrumentos e ferramentas unidos

a este, que expressam uma intenção diferente da razão (FLUSSER, 2014a, p. 249-254, grifo nosso). Mas o que

seria a expressão de “uma intenção diferente da razão”? O caminho percorrido por Flusser para chegar a

essa afirmação parte da tentativa de definição do termo sentimentalidade [ou Gestimmtheit]:

Devo dizer que “sentimentalidade” é a representação simbólica dos sentimentos através


dos gestos, e nesse sentido a expressão é a articulação dos sentimentos. Resumindo:
devo tentar manter que os sentimentos (o que quer que esta palavra signifique), podem
manifestar-se através de uma variedade de movimentos, mas o que expressa e articula
“sentimentalidade” é a maneira com a qual são representados.

[...] E no que diz respeito ao termo “sentimento”, eu posso não conhecer o seu significado,
mas eu sei que ele significa algo diferente da “razão”. E já que eu sei aproximadamente
o que significa “razão”, esse entendimento negativo do “sentimento” é o suficiente.
Portanto, posso dar continuidade na consideração da sentimentalidade como sentimentos
gesticulados (FLUSSER, 1975 pp 4-5).

Se seguirmos as ponderações de Flusser, podemos argumentar que a “sentimentalidade” [esta

“representação simbólica dos sentimentos através dos gestos”] é da ordem da forma, da estética. Pois

se a expressão dos sentimentos pode se dar através de movimentos dos mais variados, é na maneira

com a qual eles se apresentam que reside sua potência em expressar aquilo que não pertence à razão.

Aquilo que não passa por uma interpretação racional. Aquilo que é compreendido pelos sentidos. Não

5 - Os três últimos derivados na versão em espanhol: acordamiento

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O gesto químico: uma subversão da forma no cinema

estaríamos aqui, indiretamente, delineando os elementos constituintes do cinema? Parece-nos natural

pensar o cinema como uma expressão emancipada da razão. O que não seria nenhuma novidade,

pois isso vale para as artes como um todo [como aponta o próprio Flusser]. Porém, para além de seu

apartamento da razão, temos a articulação de sentimentos através de sua expressão. Como pensar a

expressão dos sentimentos do [e no] cinema? Através de quais dispositivos ela se manifesta?

Poderíamos tomar emprestado a inconclusa definição de gesto de Flusser e nela fazer uma

rápida [talvez leviana] adaptação: o cinema pode ser compreendido como movimentos do corpo, e/ou dos

instrumentos e ferramentas unidos a este, que expressam uma intenção diferente da razão. Assim sendo, a

operação dos corpos humanos - obrigatoriamente vinculados e processados por inúmeros artefatos -,

concebem os gestos cinematográficos. Sua expressão se dará sempre pela articulação entre imagens,

movimentos e sons e será fruto de uma infinidade de gestos individuas combinados. Cada gesto [do

ator, da câmera, da direção, do cenário, do clima etc.] na composição de um plano guardaria em si

sua natureza: a sentimentalidade, isto é, a potência do afeto, do estado de presença, da disposição, da

concordância e da afinação do encontro estético. Pensemos o cinema, então, como um conjunto de

gestos afinados sendo processados pelo gesto químico na inscrição em sua matéria.

Ao olharmos para as possibilidades de manipulação direta da matéria fílmica, este gesto raro que

se atreve a corromper a integridade da película, somos induzidos a logo pensar no chamado cinema

experimental. Não somos ingênuos em acreditar que o gesto químico seja algo exclusivo de experiências

visivelmente radicais. Pois não há filme sem gesto químico, ainda que estes gestos sejam padronizados para

tornarem-se invisíveis pelo desejo da indústria cinematográfica. O gesto químico está permanentemente

presente e encontra-se, muitas das vezes, escamoteado em uma disfarçada representatividade figural do

objeto filmado. Ou, nas palavras de Jacques Aumont (2004, p. 208) “a matéria fílmica está sempre contida

pela representação, ela nunca é autorizada a se exibir sozinha, mesmo que seus vestígios apareçam

às vezes”. No entanto, a subversão da forma no cinema, a explicitação de sua matéria, de sua carne,

é legado do cinema experimental, salvo concessões esporádicas em momentos pouco ortodoxos de

alguns cineastas. Um momento clássico é aquele em que Alma (Bibi Andersson) resolve se vingar da

traição de Elizabeth Vogler (Liv Ullmann) em Persona (1966), [direção de Ingmar Bergman e fotografia

de Sven Nykvist]. Em casos como este, a intervenção explícita na película é protegida e legitimada pela

diegese. Portanto, não será no cinema narrativo que a matéria fará sua insurreição. A rara exploração

artística das camadas de composição do negativo e da cópia cinematográfica encontra seus pares na

história da fotografia.

Um claro exemplo disso é o artista [gravurista, escultor, pintor e fotógrafo] belga Raoul Ubac

(Rudolf Gustav Maria Ernst Ubach -1910-1985) participante do grupo vanguardista europeu Cobra de

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Andréa C. Scansani

Christian Dotremont e editor, junto a Magritte, da revista L’invention collective (1940). Em sua permanência

na França durante a década de 1930 ele inicia uma série de fotografias sobre o Combate de Pentesileia

[a guerreira rainha das Amazonas morta em Troia pelas mãos de Aquiles]. A combinação técnica de

múltiplos procedimentos como a fotomontagem, a associação de imagens negativas e positivas, as

sobreimpressões nos fragmentos dos corpos femininos nus, subvertem a lógica bidimensional da

fotografia para tratá-la como uma construção de diversos materiais combinados no espaço a serem

entalhados pela luz na solarização. O resultado visual final, a nosso ver, está mais próximo dos painéis

em alto relevo esculpidos em mármore, como o Amazonmachy (batalha das amazonas) [obra feita entre

230-250 exposta no museu do Vaticano]. Em outras obras, como La Nébuleuse (1938), Ubac aposta menos

na sobreposição de retalhos da matéria e mais na dissolução física da emulsão fotográfica que se funde

à sua base, dando visibilidade às suas camadas constitutivas. Através do aquecimento [queima], num

verdadeiro derretimento do negativo [brûlage], ele revela a anatomia dos corpos expostos à dissolução

da forma. Rosalind Krauss em seu texto Corpus Delict (1985) comenta:

Ubac conduz seus procedimentos para a representação de uma delinquência violenta da


matéria, à medida em que a luz opera nas fronteiras de um corpo que, por sua vez, dá
lugar a essa invasão do espaço. O consumo de matéria por uma espécie de éter espacial
é uma representação da reviravolta da realidade por aqueles estados psíquicos tão
cultuados pelos poetas e pintores do movimento [surrealista]: devaneio, êxtase, sonho
(KRAUSS, 1985, p. 44).

Algo de grande semelhança técnica e estética ocorre nos filmes Mues e Esquisse. Ambos são

resultado da pesquisa proposta por Nathalie Ménant a sua irmã Frédérique Ménant durante uma

residência artística em 2015. A primeira sendo artista plástica e a segunda cineasta. Seu projeto Mues

[troca de pele, troca de penas, muda, transformação] convida mulheres vinculadas à casa Joséphine [um

local de apoio feminino a mulheres em situação de risco] para que sejam modelos numa experiência bem

particular. Nathalie Ménant envolve os corpos dessas mulheres em gesso, não apenas para depois criar

estátuas vivas dessas molduras, mas principalmente para oferecer uma dimensão quase terapêutica de

“troca de pele”. Desta forma, esta carapaça, criada artificialmente pelos emplastros aplicados aos corpos

nus, servem como uma metáfora da própria rigidez corporal [e emocional] das mulheres com as quais ela

está trabalhando. Ao retirar estas cascas, o corpo fica desprotegido, sua fragilidade é exacerbada [como

em qualquer animal que tenha que passar por este ritual]. E este recolhimento em si, sem carapaças, a

nosso ver traz uma dimensão muito singular para o ato artístico. É como se pudéssemos olhar “de fora”

para nossas próprias dores e dissabores.

Nathalie chama sua irmã, Frédérique, não apenas para registrar esta experiência, mas para fazer

parte da exposição dos resultados com imagens em movimento projetadas por vezes sobre o gesso e

por outras em tela plana comum. Desta parceria surgem dois filmes Mues [ecdise, muda, troca de pele/

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O gesto químico: uma subversão da forma no cinema

pena] e Esquisse [esboço] , ambos filmados em 16mm e processados de forma artesanal pelo laboratório

compartilhado l’Etna [objeto da nossa apresentação na XX Socine]. É através da manipulação direta da

película, por processos similares aos utilizados por Ubac, que Frédérique constrói sua leitura destes

corpos. A explicitação das camadas da matéria fílmica faze com que o próprio cinema se dispa de sua

couraça tradicional. A subversão da forma cinematográfica, através de nuances físico-químicas, coloca

em evidência a maleabilidade criativa da emulsão fotográfica e seu paradoxal apelo indicial; sublinha a

potência sensorial do cinema ao expor sua familiar estranheza, sua ambiguidade; corrompe os corpos

filmados com sobreposições, solarizações, arranhões, distorções, corrosões, derretimentos, véus. O

corpo humano e o corpo fílmico transformam-se em laboratório da matéria numa delicada liberação do

vestígio. “A poética da matéria e a exploração sensorial dos elementos formam um dos capítulos mais

belos da invenção cinematográfica [...], o cinema nos ensina ou nos lembra que a matéria é o tecido do

mundo. [...] Descobrimos através do cinema quão profundamente a assinatura plástica do mundo [...]

está inscrita em nós” (SIETY, 2017).

Referências
AUMONT, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

FELINTO, E. “Flusser e Warburg: gesto, imagem, comunicação” in Revista Eco Pós, 19, n. 1, 2016, p. 20-28.

FLUSSER, V. “Geste et sentimentalité” in arTitudes international, out-dez, 1975, p. 25-27.

FLUSSER, V. Les Gestes. Bruxelas: Al Dante, 2014a

FLUSSER, V. Gestos. São Paulo: Annablume, 2014b

KRAUSS, R. “Corpus Delicti” in October, n. 33, verão, Cambridge, 1985, p. 31-72.

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