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O Universo da Cibernética e o Vínculo Analítico:  transitando entre diferentes

dimensões e novos caminhos

Josimara Magro Fernandez de Souza1

Maria Aparecida Garcia Galioti Brossi Pelissari 2

Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis3

Sandra Luiza Nunes Caseiro4

Resumo: As autoras partem de duas situações clínicas, onde a ‘realidade


virtual’ se impõe e passa a fazer parte das experiências em curso na sala de análise,
trazendo novas questões ao universo psicanalítico. Baseadas em Bion, Chuster e Braga,
procuram observar qual função o uso de eletrônicos e da ‘realidade virtual’ poderia ter
nas sessões, mantendo o foco no objeto psicanalítico. As reflexões apontam para a
necessidade de abertura ao novo e desconhecido, compromisso da psicanálise desde
seus primórdios. O trânsito dentro dos espectros sensorial-simbólico; pensar-alucinar;
conhecido-desconhecido e finito-infinito parece se tornar mais fluído dentro destas
novas ‘realidades’, o que pode obscurecer os fenômenos em curso ou propiciar
expansões que favorecem desenvolvimento mental. Configuram-se questões que
permanecem em aberto: o que é o real e o que é virtual? O que é simbólico e o que não
passa de mero simulacro do real? Essas novas realidades tornam a tarefa do analista
ainda mais complexa?

Palavras-Chave: psicanálise, real, virtual, sensorial-simbólico, pensar-alucinar

Situações clínicas

Paulo e seu celular

Paulo entra no consultório segurando seu celular e solicita à analista a senha do


wi-fi. Explica que instalou um programa que conectará seu celular a uma espécie de
babá eletrônica localizada em um quarto de sua casa, no qual se encontra um de seus
filhos, nesse momento necessitado de cuidados especiais. Para ir à analise deixou sua

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Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

2
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

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Membro efetivo com funções didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

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Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

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esposa tomando conta do filho. Pergunta para a analista se ela se importa que faça a
conexão. A analista, sem idéia de como isso funcionaria, fornece-lhe a senha. Paulo faz
a conexão, apoia o celular em seu abdômen com a tela voltada para ele e a analista e,
então, o “desconhecido” se presentifica: lá estavam Paulo, a analista, o filho e sua
esposa, sendo possível verem-se e ouvirem-se dependendo dos botões clicados! Inicia
um relato sobre problemas no seu trabalho. Interrompe seu relato ao ouvir o choro do
filho, olha a imagem, comenta algo sobre como sua esposa está lidando com a criança.
Diz: “Será que tento falar com ela por aqui? Ela não vai me ouvir direito, está meio
surda, ainda mais com o Rafinha chorando”. Ele pergunta e ele responde. Volta a
apoiar a mão com o celular sobre seu abdômen, tenta voltar ao seu relato. Passados
poucos minutos o choro da criança invade a sessão novamente. Paulo olha o celular.
Silencia, titubeia, diz “Precisava ficar, queria ficar, mas acho que vou voltar para casa.
O que você acha?” A analista responde-lhe “difícil de escolher, mas está sentindo que
precisa escolher”. Paulo escolhe voltar para casa.

Em outra sessão em que Paulo estabelece a conexão com o quarto do filho, inicia
uma fala sobre algumas intimidades suas. Interrompe sua fala assustado e diz “Nossa, e
se ela estiver me ouvindo lá?!”. Pega o celular e deixa a conexão sem som; programa o
celular de uma forma que só tocaria se alguém de sua casa lhe telefonasse. Coloca o
aparelho no divã com a tela voltada para baixo. Silencia. Suspira. Diz “Eu ajo dessa
maneira em tudo o que faço, quero resolver tudo, não consigo ir fazendo uma coisa de
cada vez e aí vira essa confusão. Isso é a fome infinita que você sempre me fala, não
é?” A analista diz: “Agora escolheu, não está tendo fome infinita aqui. Escolheu ficar,
então temos condições de pensar sobre isso. Penso que sim, que tem a ver com a fome
infinita de que eu falo. Como você está pensando?”...

É uma característica marcante de Paulo agir de forma onipotente no seu dia a


dia. É comum assumir mais responsabilidades do que tem condições de realizar.
Geralmente é centralizador, sentindo grande dificuldade para delegar tarefas. Também
lhe é oneroso aceitar vértices de pensamentos diferentes dos seus. Seu funcionamento
provoca importantes confusões nos seus relacionamentos pessoais e profissionais, bem
como grandes frustrações. Algum desejo seu, uma vez alcançado, ao invés de satisfazer-
lhe, funciona como um disparador para diversos outros. Alterna seu “estar onipotente”
com períodos nos quais se sente intensamente desamparado e impotente, sendo a
onipotência uma forma de não entrar em contato com sua experiência de desamparo.

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O que se observa na vinheta apresentada é que o celular é utilizado como objeto
propício para a expressão do funcionamento onipotente já existente. O celular e muitos
aparelhos tecnológicos, quando conectados à internet, transformam-se em ferramentas
que permitem obter informações em tempo real de qualquer ponto do planeta,
possibilitando assim a vivência de onipresença. Essas experiências podem alimentar
mecanismos onipotentes e serem usados com essa finalidade, tal como pudemos ver no
caso de Paulo. Ou seja, o celular não “cria” o funcionamento onipotente, mas favorece
sua expressão. Lemma (2015) fala sobre isso nas seguintes palavras:

Minha própria experiência clínica faz com que eu seja cética


em relação à ideia de que a internet por si “cause” problemas
psicológicos. Mais exatamente, estou sugerindo que a internet pode
proporcionar um meio culturalmente vigoroso e prontamente acessível
para a representação dos conflitos relacionados à nossa natureza
corpórea. (Lemma, 2015, p 73)

Entendemos, com a situação de Paulo, que os recursos tecnológicos alimentam


dinâmicas já presentes no funcionamento mental, como onipotência, onipresença,
confusão dentro/fora, dificuldade para lidar com luto, ausências e faltas.

Paulo tentou ser onipresente, mas “apenas” conseguiu estar com o corpo na
sessão e a mente conectada com sua casa. A situação vivenciada propiciou ao
analisando a experiência da impossibilidade de viver sem realizar lutos, sem vivenciar
perdas, estando, nesse momento, em contato com seus limites ditados pela condição
humana. Um momento importante foi o fato do próprio analisando sentir-se invadido
com a possibilidade de seu relato estar sendo ouvido pela esposa: Paulo sentiu a
necessidade de realizar uma escolha. Há aqui uma experiência com potencial para
abertura de frestas no funcionamento onipotente. Paulo que, como um deus, tudo vê,
tudo ouve e em tudo interfere, encontra-se na posição inversa: pode ser ouvido em “seus
segredos”5, sem que tenha controle sobre os desdobramentos possíveis da situação. O
outro se apresenta a ele como invasivo; as fantasias persecutórias se ativam e ele
“renuncia” a estar em dois espaços a um só tempo, e desativa o celular. Abre assim a
possibilidade de pensar a experiência, de entrar em contato com sua forma onipotente de
vivenciar as situações.

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Em sua posição onipotente, Paulo têm “segredos” e não consegue “intimidade”.

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É interessante ressaltar também a atitude da analista diante do pedido do
paciente de usar o celular. De início ela sente-se desnorteada com o inédito da situação.
Porém, além de seus sentimentos, até então, nada havia que pudesse justificar uma
interdição do pedido de Paulo. Há uma decisão de viver a experiência, de acolher o
desconhecido e criar a oportunidade para pensá-lo. A decisão da analista é de lançar-se
ao desamparo do inédito e impensado, sem agarrar-se onipotentemente ao conhecido ou
a alguma regra pré-estabelecida. Talvez seja essa uma atitude emblemática para o
analista diante das novas tecnologias: abrir-se para o novo, sem pré-conceitos,
confiando na condição de pensar a experiência emocional que se apresenta. Aliás,
atitude completamente condizente com as recomendações de Bion sobre o estar
receptivo ao evolver do encontro analítico, “sem memória, sem desejo, sem necessidade
de compreensão” (Bion, 2000). Pode-se conjecturar se não seria esta uma atitude da
analista que, delicada e continuamente, aventurando-se em sala de análise pelos mais
diferentes e inusitados caminhos, promove no analisando uma espécie de contato com a
coragem diante do não saber. Tal atitude pode ir, aos poucos, diluindo a onipotência do
saber prévio e controlador.

Carolina e seus relacionamentos virtuais

Carolina tem 16 anos, vive com a avó e já mudou de casa várias vezes: ora está
com a mãe numa cidade, depois com o pai na fazenda, ora com a mãe em outra cidade,
com uma avó, com a outra. Possui uma irmã do casamento entre o pai e a mãe e tem
outros meio irmãos, de novos companheiros da mãe e do pai, tendo recentemente
ganhado um meio irmão de um novo casamento do pai. Ela tem um tique pronunciado:
chacoalha a cabeça ao falar; era bastante obesa e fez cirurgia de redução de estômago. É
agitada, ansiosa, tem dificuldade para dormir e rompantes de agressividade. Carolina fez
dois perfis no Facebook: um “oficial”, onde interage com pessoas da família e outro
fake, no qual, tal como ela diz, sente que é realmente quem é. Neste segundo perfil
possui vários amigos aficcionados por mangás e por vídeo-games e também tem um
namorado. Este namorado mora muito longe, em outro estado, mas os dois se falam
diariamente, ficando muitas vezes conectados, jogando juntos (on-line) por várias horas
seguidas. De tudo o que Carolina narra à analista a respeito de sua vida, o namoro
parece ser o evento mais estável e constante e até mesmo “real”, embora seja virtual. Há
tempos planejam se encontrar, mas como são menores de idade, dependem de outros
para se locomoverem e tal encontro nunca se efetivou. Chega muito brava a uma sessão

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e relata uma situação de intrigas, ciúmes e exclusão ocorrida neste grupo do Facebook:
uma garota se aproximou do seu namorado, eles ficaram conversando e o grupo
incentivou esse contato. Ela, então, brigou com todo mundo, se desconectou, terminou o
namoro, mas um dos amigos a “chamou” para conversar e ela voltou a “interagir” com o
grupo. Aí então, quem ficou com ciúmes foi o seu namorado, que brigou com ela, e eles
seguem brigados... Seu relato é vivo e cheio de emoção, a analista muitas vezes “se
esquece” de que Carolina fala de pessoas que estão juntas num espaço virtual, da rede e
não ao vivo. O grupo é formado por pessoas que nunca se encontraram de fato, pois
cada um mora em lugar diferente do país. É uma experiência diferente de relatos
ouvidos de outros pacientes contando de paqueras em “chats” de relacionamento, ou
mesmo situações em redes sociais, em que fica claro para a analista que se trata de
contatos virtuais. A analista pergunta-se se seria uma peculiaridade de Carolina
conseguir se envolver somente porque não tem a presença física do outro (ou outros), ou
se fala de um lugar que é desconhecido à analista por uma diferença de gerações: uma
tamanha familiaridade com os relacionamentos virtuais, que torna o contato quase real.
De acordo com Lemma (2015),

Os mundos virtuais do ciberespaço talvez propiciem uma nova


arena para por em cena o corpo, em que novas peças dramáticas possam
ser representadas, e em que, além disso, talvez possamos fazer
experiências com aspectos novos, denegados ou conflituosos de nós
mesmos que esbarram na aprovação dos outros. (Lemma, 2015, p. 72).

Carolina nos leva a pensar no uso que ela faz do contato online, como a
constituição de um espaço de presenças vivas e emocionantes, em que pode
experimentar amor, ciúme, separação, exclusão, encontros, desencontros e reencontros.
Nesse caso os recursos tecnológicos criam a oportunidade de um outro lugar de
experiências – na ausência de corpos, mas com a presença de intensas emoções. Talvez
seja esse o caminho que Carolina encontrou para ter experiências às quais não teria
coragem de se lançar no mundo real.

Podemos conjecturar que se Carolina não tivesse tal recurso disponível (o


instrumento tecnológico) ela poderia ser levada a criar um mundo fantasmático, um
refúgio em que viveria tais emoções. O mundo dos relacionamentos on line é diferente
do universo imagético e do universo sensorial com toda sua corporeidade. No entanto,
tem uma existência emocional intensa, que pode ser compartilhada pela analista. Novos

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mundos se apresentam na sala de análise, a serem significados, pensados,
experimentados com a disponibilidade e hospitalidade (Assis, 2010) que é característica
fundamental da técnica psicanalítica, sempre aberta ao novo de cada encontro.

Abertura para o desconhecido

Os artistas plásticos indagam com frequência sobre o lugar da arte. A arte


contemporânea com suas instalações, seus penetráveis e parangolés (Helio Oiticica)
retira a obra de arte da parede e a traz para o contato “corpo-a-corpo” com o espectador.
A arte não está aqui nem lá, está no entre, no inter, no campo que se forma no momento
do encontro do observador com o observado; a obra se faz no momento do encontro.
Como salientou Sontag (1961, p ?) referindo-se à interpretação: a arte não se ocupa da
interpretação. Para a autora, a arte tem como função revelar seu sentido, isto é, seu
conteúdo secreto. Essa apreensão converge para o que conceituamos como objeto
psicanalítico no vértice bioniano (Bion, 1966; Chuster, 2011): o objeto que se constitui
a cada encontro e que é novo a cada movimento emocional. Frayze-Pereira (2016)
afirma que:

[...] a experiência psicanalítica pode ser vista relacionada à


experiência estética, tal como esta ocorre na relação entre o receptor e
uma obra de arte, no sentido de que esta nos abre para o que não é nós,
isto é, para o outro (o desconhecido) que, por sua vez, exige do
psicanalista (receptor) uma atitude implicada (não-reducionista,
portanto criativa) para que sobre o desconhecido possamos pensar e
ampliar o campo de nossas experiências. [...] Ou seja, trata-se de uma
psicanálise crítica que exige do analista, diante de qualquer paciente ou
de qualquer objeto cultural, não a mera aplicação de uma teoria adotada
como modelo a formatar interpretações, mas a adoção de uma postura
análoga a que se deve ter diante de uma proposição artística, postura
recomendada pelo crítico de arte Mario Pedrosa (1979) – ‘não falar
primeiro, mas esperar que ela nos interpele, caso contrário não
ouviríamos, senão a nós mesmos’ (Frayze-Pereira, 2016, p 22).

Freud, em sua conferencia XXXV escreve:

O progresso do trabalho científico é o mesmo que se dá numa análise.


Trazemos para o trabalho as nossas esperanças, mas estas
necessariamente devem ser contidas. Mediante a observação, ora num

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ponto, ora noutro, encontramos alguma coisa nova; mas, no inicio, as
peças não se completam. Assim, fazemos conjecturas, formulamos
hipóteses, as quais retiramos quando não se confirmam, necessitamos
de muita paciência e vivacidade em qualquer eventualidade [...] Via de
regra, trabalha [a ciência] como um escultor no seu modelo de argila, o
qual, incansável, modifica o esboço primitivo, remove, acrescenta, até
chegar aquilo que sente ser um satisfatório grau de semelhança com o
objeto que vê ou imagina. (Freud 1976a, p. 211).

Bion expande a convocação de Freud para “estarmos livres para o próximo


trabalho”, tratando a Psicanálise como uma teoria da observação: “O único ponto de
importância, em qualquer sessão, é o desconhecido. O analista não deve permitir que
nada o distraia de intuir o desconhecido” (Bion, 2000, pag. 393). Tendo como ponto de
origem o modelo de mente estrutural de Freud e Klein e infiltrado pelas ideias da física
quântica (o Princípio da Incerteza de Heisenberg de 1927 e o Teorema da Incompletude
de Godell de 1931), Bion, durante toda sua obra, desenvolve um modelo espectral de
mente. Elabora seu Objeto Psicanalítico (Bion, 1966) que privilegia o vínculo entre o
analista e o analisando. Durante a sessão, olha para o universo de possibilidades, para o
desconhecido que aponta ao infinito, ao caos e, portanto, à complexidade.

A constituição do vínculo por um vértice Psicanalítico

O contato do bebê, ou do feto, com a cultura inicia-se dentro do útero materno.


A mente embrionária é disponível para receber certa gama de estímulos (Chuster, 2011;
Bion, 1981, 1992), através dos sentidos do tato, olfato, audição e movimento. Esses
quatro sentidos “percebem” a mãe, seus sons, seus movimentos, sua rotina, seu
relacionamento consigo mesma e com o bebê através do espaço-tempo do ritmo
materno. Essas experiências pré-natais cunharão um portal através do qual o bebê, ao
nascer, se conectará ao mundo juntando aos quatro primeiros sentidos o sentido da visão
e mais três formas de conexão: a oral, a anal e a fálico-edípica (Freud, 1976b). A partir
do nascimento, a pré-concepção originária guiará o bebê até o seio/mente da mãe e
contará com a função alfa e capacidade de reverie materna (Bion 1966, 1994), para
transformar suas vivências brutas (elementos β) em experiências metabolizadas
(elementos α ou oníricos) disponíveis e úteis para as futuras experiências do bebê: o
modelo boca ↔ seio ou continente ↔contido de Bion (1966). Introjetando sua
experiência com a mãe, o bebê desenvolverá uma função alfa operante. Bion (1966,

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cap. 27) coloca que o desenvolvimento mental é função do crescimento da capacidade
de captar dados sensoriais junto com o crescimento da capacidade para a consciência
dos dados sensoriais. Por sua vez, ambos os crescimentos são função da condição que o
indivíduo encontra para sustentar e transformar as emoções que sente:

[...] A relação entre mãe e bebê descrita por Melanie Klein


como Identificação Projetiva é internalizada para formar um aparelho
para regular a pré-concepção com as impressões sensoriais da
realização apropriada... [...] A repetição da junção de pré-concepção e
os dados sensoriais, que resulta numa abstração comensal, promove
crescimento em (♂) e (♀)... [...] ... (♀) se desenvolve pelo acréscimo
para produzir uma série de conexões que estão unidas. O resultado é um
reticulum no qual os buracos são os vacúolos e os fios que formam a
rede do retículo são as emoções. (Bion, 1966, cap 27, § 13-14-15)

A relação entre as experiências corpóreas, sensoriais e concretas e o que


denominamos de psíquico ou simbólico foi intuída pelo criador da psicanálise “Assim,
o Eu é sobretudo um Eu corporal, mas ele não é somente um ente de superfície: é,
também, ele mesmo, a projeção de uma superfície.” (Freud, 2007, p 38); e “Há muito
mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a
impressionante cesura do ato do nascimento nos teria feito acreditar”. (Freud, 1976c, p
162). E intuída pela escola Kleiniana:

“A primeira realização fantasiada de um desejo, a primeira


‘alucinação’, está vinculada à sensação. [...] ...através de uma natural
unidade de ritmo entre mãe e filho, ou a manipulação habilidosa de
quaisquer dificuldades que surjam, o bebê fica logo capacitado para
receber uma satisfação agradável do peito materno, estabelecem-se uma
boa coordenação da amamentação e uma atitude positiva em relação a
esse processo, que daí em diante evoluem automaticamente e
promovem vitalidade e saúde da criança.” (Isaacs, 1986, p 105).

O que queremos enfatizar com o exposto acima é a ideia de um espectro


corpóreo-sensorial ↔ psíquico-simbólico, operante (ou não) no indivíduo como via de
mão dupla durante toda sua existência.

O Vínculo na sessão de psicanálise. E a Cibercultura?

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O novo Universo da Cibercultura abre possibilidades antes impensáveis de
qualidades de vínculos e formas de comunicação. Dentro da sessão de análise,
mantemos nosso foco no vínculo presencial entre analista/analisando, na experiência
emocional presente a cada momento da sessão e, portanto, em como esse novo universo
se introduz, se presentifica durante a sessão e, especialmente, com que função ele se
apresenta. Pensamos que as experiências que o analisando vivencia no vínculo analítico,
conforme o modelo boca ↔ seio ou continente ↔ contido descrito acima, tem o
potencial de serem apreendidas pelo analisando e de nutri-lo de um manancial de
experiências metabolizadas (elementos oníricos ou α) que até poderá evolver para
conhecimentos sobre si mesmo, sobre o outro, sobre os relacionamentos, sobre o
mundo. Experiências que poderão ser expandidas nos seus relacionamentos fora da
sessão.

Bion, em toda a sua obra, ao priorizar o vínculo entre analista e analisando e a


experiência emocional vivenciada pela dupla, busca observar com que qualidade essa
experiência emocional é representada, quando o é, na mente do analista e do analisando
“Desde que demos prioridade ao vínculo e concordamos em delimitar sua representação
através dos 3 sinais - L, H, K, é possível abordar o problema da representação
considerando quais caminhos poderiam ser necessários para estabelecer um método de
má representação”. (Bion, 1966, cap. 17, §4)

Braga (2002) pensando sobre o alucinatório na prática clínica, portanto,


pensando sobre a experiência emocional presente na sessão e as possibilidades (ou
impossibilidade) de sua representação, coloca que desde os seus primórdios a
psicanálise ocupou-se da discriminação entre realidade e fantasia/alucinação:

Definindo nossa perspectiva pelo que se abre com a proposta de


Bion, podemos perceber o alucinatório como uma faixa em um
continuum pensar/alucinar, como um espectro que vai desde a
inelutalabilidade da falsificação ao se expressar um pensamento, passa
pela atribuição de realidade a hipóteses definitórias, pelo produzir
percepções de objetos inexistentes e pela escotomização em percepções
de objetos de fato existentes, até a atividade deletéria caracterizada pela
substituição do conhecer (K) pelo não-conhecer (-k)[...] (Braga, 2002,
p 2).

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Braga (2002), apreende as manifestações psíquicas como contendo ambas as
dimensões pensar ↔ alucinar, implicando na possibilidade de descobrirmos
pensamentos sob escombros de transformações em alucinose, como encontrarmos
alucinações escondidas num pensar organizado. Dessa forma, o trabalho constante do
analista é sempre transitando entre o pensar e o alucinar: é o exercício contínuo de se
guiar através da experiência emocional vivida no encontro analítico, seu fio condutor
(Braga 2011).

Expansões emergiram a partir da Teoria das Transformações (Bion, 1965). Os


limites da técnica psicanalítica ultrapassaram as fronteiras do conhecer e não conhecer.
O novo horizonte alcança o domínio da comunhão com a realidade última, ou “O”.
Busca-se alcançar estes estados nascentes nas mentes em sintonia, a do analista e a do
analisando, captados pela intuição do par e simbolizados à medida em que a dupla
alcança continência para tal. Aceitando esse novo horizonte como inerente às
experiências emocionais presentes, o analista vai transitar por diferentes âmbitos
mentais num constante ir e vir: o sensorial, o conhecer/finito, o não conhecer/infinito e o
estar uno com a realidade última, ou “O”.

Retomando os casos clínicos.

Entendendo que a abertura para o desconhecido de que falamos no início do


texto inclui a assimilação de novos elementos no campo psicanalítico, e mantendo nosso
foco no vínculo que se estabelece entre analista e analisando, podemos conjecturar:

a. No caso de Paulo, o desconhecido se apresenta com o celular que é


usado para “afastá-lo” da analista, para comunicar a morte do outro
(analista) dentro da relação, em um contexto de delírio onipotente.
Ou, em outra linguagem, na impossibilidade de experienciar seu
encontro com a analista, o paciente realiza uma transformação em
alucinose, estabelece um vínculo -k, realizando o “não contato” com
o sofrimento inerente ao luto de suas limitações: estar na sessão
implica em separar-se de seu filho adoecido. O objeto psicanalítico se
constitui com o celular sendo um elemento a mais na sala de análise
(e na vida do paciente) utilizado para manifestação de processos
inconscientes do analisando nos sonhos/pesadelos de vigília (Ogden,
2010).

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b. No caso de Carolina, o instrumento tecnológico não entra diretamente
na sala de análise, mas no relato da vivência da paciente. Estendendo
nosso olhar ao uso que a paciente faz de seus encontros online como
forma de enfrentamento/fuga de seus medos e desejos, podemos
conjecturar, como Lemma (2015), que dadas as possibilidades de
contato à distância, tais recursos podem favorecer a “ilusão da não-
corporeidade” e, nesse caso, não apenas servem a manifestações do já
existente, mas criam maiores possibilidades de evasão da realidade,
em outra linguagem, para a manutenção de vínculos -K, manutenção
da “fuga do conhecer” o que é temido. Por um outro vértice, seus
encontros virtuais também carregam o potencial de criar um “campo
de experimentação” para o temido encontro presencial, ou, favorecer
uma aproximação à possibilidade de estabelecer vínculos K,
favorecer um movimento em direção ao conhecer e ao ser.

Voltando ao foco do objeto psicanalítico, da experiência da sessão, ao


relatar suas experiências virtuais para a analista, a analisanda publica
suas fortes vivências emocionais e experimenta as reações
emocionais da analista: Carolina termina por experimentar o encontro
presencial tão temido, não os relatados, mas aquele que acontece na
dupla analista/analisanda e que alcança o vínculo K, alcança o
movimento em direção ao conhecer e, ainda, abre a possibilidade de
movimento em direção ao ser. Conjecturamos que essa experiência
presencial com a analista tem o potencial de evolver na mente da
analisanda e de expandir-se aos seus relacionamentos fora da sessão.

Considerações Finais

Iniciamos com a apresentação de duas vinhetas clínicas e o uso que os


analisandos fizeram de seus aparelhos eletrônicos. Resgatamos o compromisso
assumido com “o desconhecido” que a disciplina Psicanálise desde sempre mantem.
Nos aventuramos por algumas ideias sobre a Cibercultura. Especificamos nossa
compreensão sobre a expansão mental. No caminhar por essas diferentes dimensões
encontramos, de forma mais ou menos explícita, os espectros:

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Corpo-Sensorial↔ Psíquico-Simbólico

Pensamento ↔ Alucinação

Conhecido ↔ Desconhecido

Infinito ↔ Finito

Apoiando-nos em Bion, Chuster e Braga, apreendemos esses espectros como


vias de mão dupla coexistentes nas quais transitamos todo o tempo. Ocorre-nos que as
novas tecnologias e as novas possibilidades que as mesmas nos apresentam, têm
intensificado enormemente o trânsito por esses espectros, e de uma forma que em
alguns eventos um ou mais polos ficam marcadamente obscurecidos. Pensamos que
obscurecidos, porém não inexistentes. Conjecturamos que a experiência fundadora
dessas novas possibilidades assenta-se no vínculo original boca/seio/mente (Bion, 1966,
1994). Essas experiências originais evoluem ao longo da vida e transformam-se no
sentido de expansão mental, ou no sentido inverso. Retornamos ao nosso foco, o objeto
psicanalítico, e buscamos apreender com que função as novas tecnologias, ou o relato
sobre as mesmas, surgiram na sessão.

As mudanças trazidas pelas novas tecnologias evocam dúvidas e questões que


ainda não podem ser respondidas: o que é o real e o que é virtual? O que é simbólico e o
que não passa de mero simulacro do real? Essas indagações tornam a tarefa do analista
ainda mais complexa?

Segundo Braga, para estarmos (sermos) uno com o que vivemos, necessitamos
abandonar nossos envoltórios alucinados. A maciça presença dos smartphones e tablets
nas sessões e nos relatos, impregnados de conversas e contatos virtuais, trarão maiores
incertezas na tarefa de delimitação de nosso objeto psicanalítico? Seria o mundo virtual
um poderoso terreno para a construção de envoltórios alucinados?

Imaginando o Universo da Cibercultura projetado no futuro, sentimos que


necessitamos de tempo. Frequentemente somos convidados a examinar atentadamente
nossa “caixa de ferramentas” como sugere Ungar (2015). Somos de uma geração de
imigrantes (Palfrey, J., Gasser, U., 2011). Quando a geração de psicanalistas atuantes
for, em sua maioria, de nativos das novas tecnologias, quais diferentes vértices de
apreensão das questões aqui levantadas surgirão?

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Referências

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Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto, v I n I, 117-135.

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__________(1994). Uma teoria sobre o Pensar In Estudos Psicanalíticos Revisados – Second


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__________(2011).   As experiencias emocionais do analista como fio condutor nos labirintos


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Chuster, A. (2011). O Objeto Psicanalítico : fundamentos de uma mudança de paradigma na


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________ (2014). W. R. Bion A Obra Complexa Arnaldo Chuster, Gustavo Soares e Renato
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Frayze-Pereira, J. (2016). Tatuagem: perspectiva estética na clínica do corpo como obra de arte.
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