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o ENSINO DE HISTÓRIA E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

DEROCINA ALVES CAMPOS·

o
conhecimento ou a problematização sobre as práticas pedagógicas
relacionadas ao ensino de História tem sido constantemente repensado.
Hoje questiona-se muito mais as formas de estudar a História ou as
representações que essa disciplina coloca no saber concreto da sala de aula.
A partir do momento em que a História separou-se da Filosofia no
final do século XIX e adquiriu status próprio, uma série de transformações
foram verificadas, ou seja, um número significativo de acontecimentos
desencadeou orientações sobre o direcionamento que a História deveria
seguir. Questionou ainda sua identificação enquanto ciência (criticada por
algumas escolas) e sua função social matizada principalmente pela
necessidade de conhecê-Ia para forjar-se o mito do Estado-Nação, da
identidade nacional, da consciência cívico-patriótica, entre outros.
Quanto à questão da formação de uma identidade nacional, Nadai
destaca que o conhecimento histórico do final do século XIX até meados do
século XX procurou

garantir, de maneira hegemônica, a criação de uma identidade comum, na


qual os grupos étnicos formadores da nacionalidade brasileira apresentavam-
se, de maneira harmônica e não conflituosa como contribuidores, com igual
intensidade e nas mesmas proporções naquela ação: portanto, o negro
africano e as populações indígenas, compreendidasnão em suas especificidades
etno-culturais eram os cooperadores da obra colonizadoralcivilizatória
conduzi da pelo branco português/europeu e cristão (Nadai, 1997, p. 25).

Completando seu raciocínio quanto à identidade homogeneizante da


prática histórica, a autora diz que

em decorrência, institui-se uma tradição muito forte que privilegiou, nos


estudos históricos, a constituição de uma nação organicamente articulada,
resultante de um processo caracterizado pela contribuição harmoniosa das
diversas classes sociais, pela conciliação e pela organização de um "bem
comum", processo portanto que privilegiava o passado vivido e recuperado
sem conflitos, divergências ou contradições (idem).

• Professora do Dep. de Biblioteconomia e História - FURG. Mestre em História do


Brasil pela PUCRS.

BIBLOS, Rio Grande, 12: 83·88, 2000. 83


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Dessa forma, a História ensinada nas Escolas, carregada da a manutenção de uma disciplina escolar no currículo deve-se à sua
ideologia dominante, procurava enquadrar os agentes sociais dentro de articulação com os grandes objetivos da sociedade. Assim, a formação
deliberada de uma classe média pelo ensino secundário, a alfabetização
determinada "ordem", de modo a impedir contestações que pudessem por
como pressuposto ao direito do voto, o desenvolvimento do espírito patriótico
em risco o Status quo das elites no poder. ou nacionalista, entre outras questões, determinam os conteúdos do ensino e
As histórias de vida dos alunos ou uma história mais presente não era as orientações estruturais mais amplas da escola (Bitencourt, 1998, p. 17).
considerada em nome de uma reflexão mais aprofundada sobre o tempo
histórico que acabava dissimulando a recusa de compromisso frente à A História, enquanto disciplina, foi chamada a cumprir essa
História vivida, desencadeando, assim, um fascínio por tudo aquilo que função, ou seja, a de transmitir essa identidade nacional de modo a
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estava mais afastado no tempo (Silva, 1982, p. 19). perpetuar de cima para baixo o que as classes dominantes entendiam como
I1
Em contrapartida, havia uma supervalorização do passado, entendido sendo aquilo que deveria ser ensinado" para a ''formação correta" do
como sendo um ordenamento cronológico mais ou menos perfeito, sem que cidadão.
fosse dada a devida importância aos agentes do/no processo. A autoridade'
do professor e dos livros era reconhecida como a única verdadeiramente
capaz de "dizer a verdade?' sem que fosse aberto algum tipo de espaço A CIDADANIA FORJADA X A CIDADANIA CONQUISTADA
para posicionamentos contrários.
Essa prática esteve concatenada com o momento político da Com relação ao sentido da História e sua prática pedagógica ou o
afirmação do Brasil enquanto país independente da metrópole portuguesa, saber na sala de aula, muito se tem associado à História, a prática da
passando pelo espaço de afirmação das elites agrárias até o período em cidadania, ou seja, se apresenta uma disciplina como devendo ser
II1I que o Estado encampou totalmente a Escola, tida como a vitrine de compromissada com a valorização do cidadão, enquanto agente capaz de
representação e de propaganda desse mesmo Estado - note-se o período transformar seu meio.
do Estado Novo. No entanto, essa prática ou ação não ocorreu com o nascimento e a
O retorno a essa linha de pensamento que condicionava o afirmação da disciplina. Antes a História associada ao surgimento do
ensino da História a mero espaço de reprodução das instituições Estado-Nação servia muito mais para manter a ordem instituída do que para
políticas ocorreu durante os vinte anos de ditadura militar. Antes transformá-Ia. No dizer de Nadai, a História se apresentava assim como
disso, o ensino dessa disciplina adquiriu certa autonomia, bafejado "uma das disciplinas fundamentais no processo de formação de uma
como foi pela chamada abertura democrática. A partir do golpe identidade comum - o cidadão nacional - destinado a continuar a obra de
de 64 e principalmente pela reforma no ensino de 1971, o que se verificou organização da nação brasileira" (Nadai, 1997, p. 25).
foi a introdução de estudos tecnicistas, em que as ciências exatas A partir da 2ª Guerra Mundial e do fim ou minimização da perspectiva
foram supervalorizadas em detrimento das ciências humanas, em eurocêntrica, abandonou-se a História historicista, e a ciência adquiriu novo
uma clara intenção de refrear o pensamento reflexivo, tornando o status. Para Furet,
espaço destinado à História como um amontoado de nomes, datas
e heróis, passando essa ciência a um conjunto amorfo, completamente Já não se trata a história historicista, que faz da escola do tempo o princípio
desvinculado da realidade dos alunos e descompromissado com a sua dos progressos da humanidade, ritmados pela formação dos Estados-nações
historicidade. e pela extensão da "civilização", ou seja, do modelo europeu. A História, hoje,
Ainda nessa linha da Escola como reprodutora do sistema, a pelo contrário, tem a característica de já não ser investida por um sentido
emergência dos ideais democráticos no início da década de 30, com a prévio e implícito dado ao tempo e de ter rompido com esta visão linear que a
extensão do direito ao voto, bem como a formação de uma classe média tornava uma disciplina real encarregada de pesar os méritos dos diferentes
urbana, proporcionou às disciplinas - entre elas a História - finalidades "períodos" do passado (Furet, in Nadai, 1997, p. 26).
específicas. Para Circe Bitencourt,
1
o
objetivo do ensino de história até então era a formação do cidadão
I1I11 político para o Estado democrático, capaz de referendar via voto secreto os

1 Parareiteraressa idéia do professorcomoautoridade,MarcosSilvasalienta o papel 2 Em outro artigo, Bitencourtdestacaque o ensino da Históriaenglobava,junto com
da Escolaenquantonúcleoda reproduçãodas formaçõessociais capitalistas,alimentando-se outras disciplinas,entre elas a Morale Cívicae a OSPB, as comemoraçõesrelacionadasàs
dos própriosconflitosgeradospelo Sistema(Silva, 1982, p. 15). datas nacionais,hinos pátrios,entreoutras(Bitencourt,1997, p. 44).

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reais interesses da burguesia liberal. Assim, os Estudos Sociais das séries História enquanto disciplina deve se preocupar com um ensino que
iniciais, que abrangiam Sociologia, História e Geografia, tinham como meta "contribua para libertar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade
formar cidadãos adaptados ao meio para desempenhar seu papel diante dos acontecimentos, para que possa entender que cidadania
produtivamente, no sentido de se inserir e reforçar o sistema (Bitencourt, não se constitui em direitos concedidos pelo poder instituído, mas tem sido
1998, p. 21). obtida em lutas constantes e em suas diversas dimensões" (Bitencourt,
Até aqui, o que vimos foi um sentido de cidadania forjada que 1998, p. 11).
não corresponde ao real sentido da História enquanto ação Assim, um exemplo elucidativo é a questão da "Abolição da
crítico-reflexiva capaz de questionar para transformar. Alguns autores, no Escravatura", sempre colocada nos livros didáticos como sendo uma
entanto, mais temerosos de uma postura histórica engajada, consideram concessão da regente brasileira aos negros, escravizados durante
que os profissionais de história (historiadores, professores, alunos) quatro séculos. Uma leitura que realmente privilegie os agentes sociais irá
não devem correr o risco de assumir tal postura, por considerarem o destacar a verdadeira luta dos escravos para a aquisição da chamada
trabalho do historiador apenas como fazendo parte de um posicionamento "liberdade". No entanto ainda se torna necessário fazermos a ponte
analítico-interpretativo, sem a vinculação com o presente de cada um de entre as pesquisas acadêmicas que salientam essa dimensão e o saber da
nós. Essa posição é extremamente esclarecedora da distância ainda sala de aula.
existente entre a academia e a sala de aula, ou seja, do historiador Os autores, então, reconhecem a importância de estabelecer essa
que se considera o produtor do conhecimento e do professor que ponte, ou de levarmos para os currículos uma proposta de construção da
muitas vezes apenas se enxerga como o reprodutor desse conhecimento. cidadania que abarque novas concepções de ação dos movimentos sociais
Tal divisão hoje nos parece inconcebível por entendermos que o e que compreenda sua dimensão histórica. Assim os movimentos
historiador deve voltar-se também para as questões pedagógicas, e que o ecológicos, feministas, raciais, movimento pela terra e pela moradia devem
professor, por sua vez, pode envolver-se com a pesquisa histórica, de ser entendidos a partir de sua historicidade. Dessa maneira, "o
modo a propiciar a seus alunos a introdução em uma prática compromisso da História seria o de aprofundar esta complexa noção
verdadeiramente reflexiva. para evitar a banalização do termo. O sentido político da questão da
Nessa perspectiva, a idéia desafiadora é fazer com que historiadores cidadania deve explicitar a relação entre o papel do indivíduo e o da
e professores sejam capazes de identificar na História outros agentes coletividade" (id., ibid).
sociais responsáveis pela própria História. Trazê-Ios ao primeiro plano Por ser uma disciplina comprometida com a prática reflexiva,
significa abandonar velhos chavões ultrapassados que serviram para pode a História ocupar o espaço escolar de modo a criar nos alunos
manter as velhas estruturas de poder. Dessa forma, as classes dominadas uma série de interrogações que vão desde a desigualdade local,
ou os marginalizados socialmente devem ser valorizados, não apenas como passando pela regional até chegar à nacional. Enquanto campo teórico
componentes de uma teia social ou como figuras decorativas que podem humanístico, a História pode e deve ocupar esse espaço. À partir do
ser estudadas como "animais raros de zoológico", mas como setores reconhecimento de nossa individualidade, conhecendo a História que nos
responsáveis pela construção da História. precede podemos avançar no sentido de conquistarmos um pensamento
Isto posto, viabilizaremos um estudo mais amplo e menos mais livre, ou, como diz Marson, "a crítica possibilita o questionamento
estigmatizado, que pretende, no dizer de Nadai, "dar conta de encontrar e do núcleo das relações entre o saber e o poder internalizadas na
esclarecer a ação e a contribuição do conjunto dos agentes sociais atual sociedade de classes, que movimentam os poderes constituídos do
presentes na história e não somente dos privilegiados tradicionalmente" Estado e permeiam o todo social em seus 'pequenos mundos'
(Nadai, 1997, p. 28). fragmentados, como a Escola e as demais instituições organizadas"
No bojo dessas considerações, a cidadania enquanto objeto de (Marson, 1982, p. 46).
estudo e construção deve abandonar o amálgama em que até então estava A tarefa do professor/historiador ou historiador/professor apresenta-
envolta, ou seja, precisa desligar-se de sua definição tradicional, em que era se árdua. No entanto, a práxis histórica nos remete constantemente a
vista como uma etapa da construção do homem adaptado ao Estado desafios que antes de negados simplesmente podem ser trabalhados, no
Liberal, completamente submisso a esse, e onde seu único direito consistia sentido de se reconhecer na História um campo fértil e promissor à crítica e
em escolher representantes que iriam intermediar sua relação com o próprio ao questionamento consistentes.
Estado, para assumir sua interação com a História.
No lugar dessa "cidadania" mantenedora da ordem vigente,· a

BIBLOS, Rio Grande, 12: 83-88, 2000. BIBLOS, Rio Grande, 12: 83-88, 2000.
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BIBLIOGRAFIA

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História" in O Saber Histórico na sala de aula! Circe Bitencourt (org.). São Paulo: Contexto,
1998.
CRUZ, Heloísa. "Ensino de História, da reprodução à produção de conhecimento" in \
Repensando a História / Marcos Silva (org.). São Paulo: Marco Zero, 1982.
FURET, François. A oficina da História. Lisboa: Gradiva, Sd.
MARSON, Adalberto. "Reflexões sobre o procedimento histórico in Repensando a História /
Marcos Silva (org.). São Paulo: Marco Zero, 1982.
NADAI, Elza. "O Ensino da História e a Pedagogia do cidadão" in O Ensino de História e a
criação do fato / Jaime Pinsky (org.). São Paulo: Contexto, 1997.
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São Paulo: Marco Zero, 1982.

BIBLOS, Rio Grande, 12: 83-88, 2000.


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