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Exemplos bastante recentes, que ilustram o en- formam pela alteração de outros materiais (orgâ-
foque anteriormente citado, são os das descobertas nicos ou inorgânicos), até os que podem se crista-
da coutinhoíta e da lindbergita por pesquisadores lizar sob condições extracrosta terrestre ou mesmo
da Universidade de São Paulo (Atencio et al. 2004a, extraterrestre.
2004b) e de suas possíveis aplicações (Atencio
2004). Ambos os minerais foram descritos a partir Fairchildita e bütschliíta – K2Ca(CO3)2
de amostras provenientes de lavras em pegmatitos – hexagonal e trigonal
de Galiléia, a leste de Governador Valadares (Mi-
Em certos locais do sudoeste norte-americano
nas Gerais). A coutinhoíta, um silicato hidratado
(Kaniksu National Forest, Bonner, Idaho e Grand
de Th-uranila, tem importância não só como mine-
Canyon National Park, Coconino, Arizona), des-
ral de urânio, como também para aplicações am-
de a década de 1920 se tem observado que muitas
bientais em jazidas que explorem esse elemento
árvores queimadas, principalmente abetos e cicutas,
químico. Os silicatos de uranila (eg., uranofânio,
contêm presas em seus troncos algumas “pedras”
haiweeíta, weeksita etc.) são normalmente abun-
de tamanhos e quantidades variáveis, apresentan-
dantes em depósitos de lixo nuclear, devido à alte-
do uma cor branca e estrutura fibrosa (Milton e
ração de combustível nuclear e vidro de composi-
Axelrod 1947). No entanto, enquanto diversas des-
ção borossilicática, em presença de sílica que é de-
sas árvores continham somente umas poucas de tais
rivada das rochas hospedeiras desses depósitos.
“pedras”, outras mostravam dezenas de quilos do
Deste modo, o conhecimento da estrutura cristali-
material. E ainda, se em algumas elas mediam pou-
na dos silicatos de uranila pode ser a chave para
cos centímetros, em outras tinham quase 50 cm de
entender-se o desempenho, a longo prazo, de um
diâmetro. Constatou-se também que as árvores
repositório para lixo nuclear (Jackson e Burns 2001,
queimadas depois de já estarem caídas e nos tron-
in Atencio 2004).
cos onde o fogo só atingia zonas acima de uma certa
A lindbergita é um oxalato de manganês diidra-
porção apodrecida, não mostravam aquele materi-
tado (Atencio et al. 2004b). O estudo de oxalatos
al estranho. Tais fatos indicam ser necessário que a
pouco solúveis está relacionado ao seu uso como
árvore estivesse viva, à época em que ocorreu a
precursores na síntese de materiais cerâmicos super-
queima, para a formação de tal material.
condutores a altas temperaturas, bem como à pre-
Diversas hipóteses foram logo apresentadas
paração de nanomateriais e inúmeros outros novos
para explicar a origem daquelas substâncias, tais co-
materiais, devido aos processos de precipitação pro-
mo doença das árvores, excessiva evaporação de sei-
piciarem o controle das propriedades físicas e quí-
va, fusão de cinzas por ação de raios e fusão de cal-
micas dos produtos finais (Atencio 2004). Além dis-
cário. Uma outra hipótese, apresentada com grande
so, os sistemas oxálicos são também tradicional-
repercussão na imprensa da época, dizia que tais
mente usados para a separação e concentração de
“pedras” poderiam ser meteoritos e que a queda
certos elementos, especialmente terras raras e tran-
dos mesmos teria provocado a combustão da ma-
surânicos (Donkova et al. 2004, in Atencio 2004).
deira. Analisando-se a questão, raios ou meteoritos
dificilmente explicariam a freqüência com que tais
Minerais de gênese exótica “pedras” eram encontradas. De outro modo, doen-
ças ou excessiva evaporação de seiva não explicariam
Nesta síntese, serão relatados os modos de for- facilmente sua presença em algumas árvores e to-
mação de diversos minerais, nem todos de desco- tal ausência em outras da mesma espécie e região.
berta recente, os quais envolvem processos inusi- Por último, a fusão de calcário não poderia expli-
tados e pouco conhecidos até mesmo no meio aca- car, por exemplo, a presença de exemplares de gran-
dêmico das geociências. As fórmulas químicas, jun- de tamanho nas partes mais altas de uma árvore.
tamente com os sistemas cristalinos fornecidos, es- Milton e Axelrod (1947) ao estudarem o mate-
tão de acordo com a relação oficial da International rial, verificaram tratar-se de dois carbonatos de po-
Mineralogical Association (Mandarino e Back tássio e cálcio, de mesma composição mas com es-
2004). Os minerais serão apresentados em ordem truturas cristalinas distintas – hexagonal e trigonal
não rigorosa, procurando descrever de início os que – até então desconhecidos na natureza. Além des-
se desenvolvem com ligação direta ou indireta a ses dois carbonatos, calcita também foi identificada
seres vivos, passando aos sazonais e pelos que se como constituinte essencial do material analisado.
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Tais autores verificaram ainda que o material con- conforme se verificou pelo estudo das árvores atu-
tinha inclusões de carvão vegetal ou áreas ais da região. Posteriormente, os troncos afloraram
carbonáceas escuras, bem como estruturas fluidais pela remoção do colúvio devido à ação das águas
e cavidades arredondadas, possivelmente formadas superficiais. Segundo Guild (1920, in Strunz e
pela ação de gases. A partir desses indícios, conclu- Contag 1965), o modo de ocorrência e a associa-
íram que as substâncias se formavam por combus- ção com resina vegetal parecem mostrar de modo
tão das árvores e posterior cristalização das cinzas. claro que o mineral deriva de algum processo de
Eles determinaram também que inicialmente se oxidação ou hidratação, possivelmente a partir de
cristalizou o carbonato hexagonal, que chamaram resinas naturais das próprias árvores.
de fairchildita, o qual, por ação da umidade do ar,
transformou-se na forma trigonal, designada de Whewellita – Ca(C2O4).H2O – monoclínico
bütschliíta. Por lixiviação posterior desses mine-
rais, formou-se ainda a calcita. Weddellita – Ca(C2O4).2H2O – tetragonal
Os cálculos são concreções inorgânicas (prin-
Flagstaffita – C10H22O3 – ortorrômbico cipalmente sais de cálcio, fósforo e amônio) ou mais
A flagstaffita é uma terpina hidratada que forma raramente orgânicas (como ácido úrico, aminoáci-
pequenos cristais incolores de peso específico 1,09, dos e sulfas), originadas principalmente no apare-
fortemente piroelétricos (Strunz e Contag 1965). lho urinário de certos animais. O mecanismo de
Os cristais, descritos a primeira vez em 1920, no formação dos mesmos na maioria das vezes é difí-
Arizona (EUA), medem 1,0 x 1,5 mm, têm dureza cil de ser estabelecido, pois embora certas doenças
muito baixa e ponto de fusão entre 99 e 100,5ºC. possam explicar sua presença, nem sempre ela é
Reagindo com ácido sulfúrico, o mineral dá uma devida a fenômenos patológicos. Gibson (1974),
forte solução de cor laranja-amarela, sendo ainda analisando 15.000 amostras desse material, mostrou
muito solúvel em álcool e benzeno quentes, me- que os minerais mais comuns nessas concreções
nos solúvel em éter e insolúvel em água. Seu pro- são oxalatos de cálcio (whewellita e weddellita), fos-
cesso de formação tem algumas semelhanças com fatos de cálcio (apatita, brushita e whitlockita) e
aqueles da fairchildita e da bütschliíta. Como es- fosfatos de magnésio (struvita e newberyíta). No
ses dois minerais, a flagstaffita ocorre em fendas mesmo estudo, foram ainda identificados arago-
radiais de troncos de uma espécie de pinheiro ame- nita, calcita, gipsita, halita, hannayíta, hexaidrita,
ricano, onde forma drusas tomando, às vezes, as- monetita e vaterita, de ocorrências esporádicas.
pecto de delgados veios maciços. Desses minerais, merecem especial atenção a
A diferença principal no seu processo de forma- whewellita e a weddellita porque, embora sejam
ção está no fato de que os troncos onde a flagstaffita comuns nos cálculos, onde ocorrem associados, são
se formou estiveram soterrados por material muito raros em ambientes geológicos.
coluvionar após a queima das árvores. Esse soter- A whewellita mostra hábito predominante-
ramento teve uma duração de pelo menos 500 anos, mente botrioidal ou globular, com estrutura radial,
a b
Figura 1 – Fotos ilustrativas de minerais que ocorrem em cálculos renais, (a) whewellita (República Tcheca) e (b)
weddelita (EUA). Fotos de Weissman e Nikischer (1999)
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dos morcegos, não aparecem no solo mas no pró- Hidrocloroborita – Ca2B4O4(OH)7Cl.7H2O – monoclínico
prio guano ou sobre espeleotemas.
A struvita, um fosfato hidratado de amônio e Sinjarita – CaCl2.2H2O – tetragonal
magnésio (Whitaker e Jeffery 1970), é incolor ou Antarcticita – CaCl2.6H2O – trigonal
amarela, de brilho vítreo e constituição frágil, com
dureza próxima de 2 e peso específico 1,74 (Fig. Acetamida – CH3CO.NH2 – trigonal
2b). É transparente a translúcida, piroelétrica e
A hidrocloroborita, um cloro-borato de cálcio,
piezoelétrica. Ocorre não apenas no guano, mas
foi descoberta em 1965 em algum local não espe-
também em cálculos renais. Foi descoberta debai-
cificado da China e descrita em periódico local
xo de uma velha igreja construída sobre uma
(Ch’ien e Chen 1965, in Hurlbut Jr. et al. 1977).
turfeira, em Hamburgo (Alemanha). Depois, foi
Ela se apresenta em cristais euédricos incolores de
encontrada em um depósito de esterco bovino e
até 13 mm, com clivagem basal perfeita, dureza 2,5
em dentes de mamute no Yukon (Canadá). A
e peso específico 1,9 (Fig. 3a). Em 1966, foi repor-
struvita se forma em locais onde soluções de
magnésia agiram sobre um fosfato na presença de tada uma segunda ocorrência na localidade de Salar
amônia, processo que pode ter lugar, por exemplo, Carcote, em Antofagasta (Chile), onde os cristais
em depósitos de guano que permaneceram longo apareciam em uma camada contínua e irregular
tempo sem sofrer perturbações. com cerca de 15 cm de espessura. Entretanto,
A sasaíta, um dos minerais que se formam em Hurlbult Jr. et al. (1977) ao procurarem depois o
cavernas, foi descoberta a partir do guano de mor- mineral naquela localidade, não o acharam. Esses
cegos (Fig. 2c). No fim da década de 1970, mem- autores verificaram que o nível freático estava ape-
bros da South African Speleological Association nas 15 cm abaixo da camada que continha o mine-
(SASA), examinando o interior de uma caverna em ral, cota superior à da época em que o mesmo ha-
dolomito, em West Driefontein, no Transvaal (Re- via sido descrito de início. Esse fato demonstrou
pública Sul-Africana), observaram a existência de que a hidrocloroborita é um mineral sazonal, que
nódulos brancos de até 2 cm no solo, com consis- se dissolve nas estações úmidas, voltando a crista-
tência de giz, formados de uma substância que lizar em estações secas.
podia ser encontrada também como eflorescências Vários outros minerais se formam sazonalmen-
e em gretas de ressecamento. Posterior exame te. Um deles é a sinjarita, um cloreto hidratado de
mineralógico e químico do material mostrou que cálcio granular, que aparece como cristais prismá-
se tratava de uma espécie mineral nova, denomi- ticos alongados, rosa-claros, de brilho vítreo a re-
nada sasaíta em homenagem àquela associação sinoso, e com dureza muito baixa (1,5). Esse mi-
(Martini 1978). O mineral é um fosfato-sulfato neral foi descrito por Aljubouri e Aldabbagh (1980),
básico hidratado de alumínio e ferro, que cristaliza no leito seco de um rio intermitente de Sinjar
em placas de 0,01-0,02 mm, com peso específico (Iraque), onde precipitou em sedimentos recentes
1,75. Se colocado em atmosfera saturada em água, por evaporação lenta de água subterrânea saturada
se reidrata totalmente em duas semanas. em Ca2+ e Cl-. Como tal substância é altamente
a b
Figura 3 – Fotos ilustrativas de minerais de ocorrência sazonal, (a) hidrocloroborita (Antofagasta, Chile), ou formados
pela corrosão de outros materiais, como a (b) paratacamita (Austrália). Fotos de Weissman e Nikischer (1999)
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Textos dos encontros que antecederam a criação do Fórum publicados
FÓ RUM NACIONAL DE na revista Terræ Didatica:
Sobreira F. 2005. Relato Final do I Seminário Nacional sobre Cursos de
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