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Felizmente Há Luar!

”, de Luís de Sttau Monteiro


Contextualização
A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e
os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da
primeira invasão, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o
exército. Estes enviam-nos o general Beresford.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime
salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à
distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do
século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu
tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre
outras.
“Felizmente Há Luar!” é um texto bifronte, um texto entre dois
contextos, relativo a dois tempos, o passado e o presente, estando aquele ao
serviço deste. Trata-se de uma metáfora, no sentido em que muitas das
situações apresentadas no seu contexto oitocentista se podem transpor para
o tempo da escrita e da representação, as décadas de 50 e 60 do século XX.
Pode ser considerado uma metáfora do seu próprio tempo, metáfora didáctica
que apela à razão para que através desta se atinja uma consciência social e
política.
Uma leitura atenta do texto, com o objectivo de encontrar pontes de
sentido que permitam a ligação dos dois contextos referidos, pode iniciar-se
com as referências que a didascália “Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído de
tambores” indica, conjugada com “Ouve o som dos tambores” e “(Todos se
levantam e escutam a medo [...] e preparam-se para fugir [...])“. O ruído dos
tambores funciona como metonímia de um poder repressor, sempre presente
tanto no contexto político absolutista como no fascista. Repare-se que os
tambores são ouvidos por populares que estão reunidos para comentar a
situação política e fazem-no a medo: a mesma situação ocorria
frequentemente sob o regime salazarista onde qualquer reunião era tida
como potencialmente suspeita consequentemente, reprimida.
Esta questão da falta de liberdade de reunião e expressão surge logo de
seguida no texto quando o Antigo Soldado entoa uma quadra onde se refere
explicitamente a “liberdade”.
Na continuação da conversa entre os populares, surge a referência ao
general Comes Freire, classificado entusiasticamente pelo Antigo Soldado
como “Um amigo do povo!”. Através de Manuel que diz, referindo-se ao
general, “Se ele quisesse, lança-se a semente da esperança com a
possibilidade de acção do general em direcção à liberdade ansiada. Ora é este
momento precisamente que mais deve ter tocado o leitor/espectador da obra,
as pessoas empenhadas na luta antifascista em Portugal nas décadas atrás
referidas: de facto, rapidamente terão estabelecido uma relação de
proximidade, senão de identificação, entre o general Gomes Freire e o general
Humberto Delgado.
Esta analogia terá sido pois apreendida pelos primeiros leitores da obra.
O contributo do general Gomes Freire para a alteração da situação política do
seu tempo possibilitado pela didascália a propósito do silêncio que as palavras
ousadas de Manuel provocaram: “Este silêncio é pesado. [...] Ainda têm nos
ouvidos o ruído dos tambores, símbolo de uma autoridade sempre presente e
sempre pronta a interferir”. É contra esta “autoridade” repressiva que Gomes
Freire se poderá eventualmente levantar; do mesmo modo que Humberto
Delgado o tentou fazer: a identificação é indiscutível. E se se atentar nas
palavras de Vicente, logo de seguida, “Se ele quisesse? Mas se ele quisesse o
quê? Vocês ainda não estão fartos de generais?”, melhor se pode aprofundar
a leitura que vê em Gomes Freire o general Humberto Delgado: de facto,
também aquando da sua candidatura, havia sectores da esquerda portuguesa
que não o viam com bons olhos, precisamente por ser um militar saído do
exército que sustentava o regime.
É o mesmo Vicente que lança uma acusação a Gomes Freire, indiciando-
o como “estrangeirado”, referindo-se à sua formação austríaca e francesa:
como se sabe, ele tomou nesses países contacto com as novas ideias políticas
saídas da Revolução Francesa. Também Humberto Delgado terá tomado
consciência das virtudes da liberdade política enquanto adido militar nos
Estados Unidos.
A concepção da personagem Vicente contribui para estabelecer
identificações entre os dois tempos. Ela pode ser considerada um bom
exemplo do tipo pidesco que pululou em Portugal durante o Estado Novo: de
origem popular, trai o povo a que pertence para subir na vida. Também a
grande maioria da polícia política fascista passou por um percurso
semelhante. E, se se atentar nas palavras da mesma personagem mais
adiante, pode afirmar-se que elas remeteram sem dúvida os leitores de Sttau
Monteiro para a figura máxima do regime nesse tempo: Salazar. De facto o
percurso social e político do ditador está bem sintetizado por Vicente: “Os
degraus da vida são logo esquecidos por quem sobe a escada... Pobre de
quem lembre ao poderoso a sua origem... Do alto do poder, tudo o que ficou
para trás é vago e nebuloso”.
É precisamente o poder que aparece seguidamente na peça:
absolutista, com características que permitem imediata aproximação ao
fascismo do Estado Novo. O governo absolutista apresenta-se como uma
trindade: uma componente civil (D. Miguel), uma religiosa (Principal Sousa) e
uma militar (Beresford), que sustenta as duas anteriores. Também o regime
fascista apresentava esta estrutura: Salazar no poder civil, Cerejeira no
religioso e o exército como sustentáculo do regime. De tal modo que, quando
o exército não quis, o regime caiu.
A ligação entre o poder político e o religioso é proclamada pelo Principal
Sousa: “Diz o Eclesiastes que, tendo Deus dividido o género humano em
várias nações, a cada uma delas deu um príncipe que a governasse... É de
origem divina o poder dos reis e é portanto a sua—e não a do povo — a voz
de Deus” .
Estes três esteios do poder conspiram entre si para manter o estado de
coisas a nível político. Num contexto social que dá indícios de agitação por
comunhão com as ideias de liberdade que sopram de França e do Brasil —
não será por acaso que D. Miguel fala da “revolta de Pernambuco”,
movimento que punha em causa a origem divina do poder real, uma revolta
passada na colónia que era uma democracia ao tempo da escrita da peça —
num contexto em que, nas palavras de D. Miguel, “o povo fala abertamente
em revolução”, reflecte-se o ambiente de esperança na liberdade que se vivia
em Portugal nos últimos anos da década de 50, exacerbada pela candidatura
de Humberto Delgado à Presidência da República.
Outra referência que permite a identificação dos dois tempos, e que
funciona como denúncia do obscurantismo em que o poder fascista mantinha
o povo, ocorre quando, propondo Vicente ao Principal Sousa que se ensine o
povo a ler, o prelado responde: “[...] a sabedoria é tão perigosa como a
ignorância!”: ora o mesmo pressuposto fez com que o poder ditatorial em
Portugal investisse muito pouco na alfabetização das camadas populares,
como ainda hoje se sente. Esta questão do ensino é abordada de novo mais
adiante pelo Principal Sousa, que informa os colegas de triunvirato que “[...I
é cada vez maior o número dos que só pensam aprender a ler...” .
A mesma personagem prenuncia o “orgulhosamente sós” que será anos
mais tarde bandeira do regime salazarista, quando afirma: “Temos uma
missão a cumprir, uma missão sagrada e penosa: a de conservar no jardim
do Senhor este pequeno canteiro português. Enquanto a Europa se desfaz, o
nosso povo tem de continuar a ver, no Céu, a Cruz de Ourique”.
A união dos três poderes referidos, existente tanto no estertor do
absolutismo como durante os anos da ditadura em Portugal, aparece nítida na
didascália “(Ilumina-se o palco. D. Miguel Forjaz, Beresford e o Principal
Sousa estão sentados em três cadeiras pesadas e ricas com aparência de
tronos)”.´
O poder discricionário absolutista/fascista, o tipo de justiça
programada/manipulada que em ambos os regimes ocorre, está patente na
conjura que se arma contra Gomes Freire. Diz D. Miguel, dirigindo-se ao
Principal Sousa: “Reverência, as provas judiciais pertencem ao domínio da
razão e, se não pudermos condenar nesse domínio, faremos com que o
julgamento decorra no outro, o da emoção, já que a emoção, Reverência,
nem carece de provas, nem se apoia na razão”. Pouco depois D. Miguel e o
Principal Sousa traçarão o programa desta irrupção da emoção como
contributo para destruir Gomes Freire.
Um dos momentos do texto em que melhor se verifica a identificação
entre Humberto Delgado e Gomes Freire ocorre quando Morais Sarmento
adverte os governantes de que a conspiração de Gomes Freire se destina a
“implantar neste reino o sistema das cortes”, isto é, a democracia
representativa; ora também Humberto Delgado não fizera segredo do destino
que pretendia dar a Salazar no caso de ser eleito, e sabe-se que o objectivo
do derrube da ditadura implicava o aparecimento da democracia parlamentar
tal como quase toda a Europa ocidental a conhecia então e como a
conhecemos nós desde o 25 de Abril de 1974.
Outras situações que nos permitem ainda a transposição de tempos
referida são as seguintes: Gomes Freire e os outros onze presos funcionam
como denúncia dos presos políticos do regime salazarista; Beresford
representa a ajuda estrangeira ao regime do Estado Novo, ajuda que, embora
consciente da natureza política fascista deste, sempre existiu; Andrade Corvo
e Morais Sarmento, juntamente com Vicente e os dois polícias, são o espelho
de organizações de denúncia e repressão como a Legião Portuguesa ou a
PIDE/DGS; Matilde pode ser considerada o reflexo de mães, esposas, irmãs
de presos políticos, que vão adquirindo consciência política com a situação do
familiar; populares como Manuel, Rita ou o Antigo Soldado representam a
população que, embora acreditando na acção do general Humberto Delgado,
não apresenta capacidade de acção e acaba marcada pela desesperança; de
Sousa Falcão se pode dizer que aponta para todos aqueles que, embora
amigos de presos políticos e conscientes da ditadura e da necessidade de
agir, não ousam actuar; finalmente, Frei Diogo, pode ser entendido como
metonímia dos elementos do clero católico que, conhecedores da situação de
opressão e miséria do povo, não ousam levantar a voz.
Carácter épico
“Felizmente Há Luar! ” é um drama narrativo, de carácter social, dentro
dos princípios do teatro épico, na linha do teatro de Brecht exprime a revolta
contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o
homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o
direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos
uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a
representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
Inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da
representação, mas também na sociedade em que se insere.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e
o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas
características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia
despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro
moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar,
a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade
em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem
um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a
história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer
juízos de valor sobre o que se está a ser representado.
Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é,
já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo,
então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht
pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de
forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários,
didascálicas e focos de luz.
Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca
situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista),
usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e,
assim, pôr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a
injustiça e todas as formas de perseguição.

Paralelismo entre passado e as condições históricas dos anos


60: denuncia da violência
Século XIX – 1817 Século XX – anos 60
Agitação social que levou à Agitação social: conspirações
revolta de 1820 internas; principal erupção da
guerra colonial
Regime absolutista e tirano Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, Classes exploradas;
dominantes, com medo de desigualdade entre abastados e
perder privilégios pobres
Povo oprimido e resignado Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, Miséria, medo, analfabetismo,
obscurantismo mas obscurantismo mas crença nas
“felizmente há luar” mudanças
Luta contra a opressão do Luta contra o regime totalitário
regime e ditatorial
Perseguições dos agentes de Perseguições da PIDE
Beresford
Denuncias de Vicente, Denuncias dos “bufos”
Andrade Corvo e Morais
Sarmento
Censura à imprensa Censura total
Repressão dos Prisão; duras medidas de
conspiradores; execução repressão e tortura; condenação
sumaria e pena de morte sem provas
Execução de Gomes Freire Execução de Humberto
Delgado
Revolução de 1820 Revolução do 25 de Abril de
1974
- Características da obra:
- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- desfesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando
mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir
criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a
tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denúncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma
sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem
Personagens
A análise das personagens em Felizmente Há Luar! leva a questionar o seu
estatuto. Com efeito, Gomes Freire de Andrade assume centralidade na obra,
apesar de nunca surgir em cena, O autor coloca-o na lista das personagens,
dizendo que “está sempre presente, embora nunca apareça”.
Gomes Freire é apresentado como símbolo da defesa da liberdade,
bipolarizando todas as outras personagens contra ou a seu favor, mesmo
quando não têm a coragem de o seguir abertamente, como é o caso dos
populares ou de Sousa Falcão.
É neste âmbito que podemos dividir as personagens em dois grupos
distintos: as que detêm o poder autoritário e repressivo ou colaboram com
ele, e as que estão ligadas ao desejo e luta pela liberdade e, nessa medida,
constituem um contrapoder.
Esta divisão das personagens mostra, também, como o mundo ideológico é
independente do mundo social.
Cada personagem representa, não um grupo social ou profissional, mas
uma atitude ideológica, activa ou passiva.
Em Felizmente Há Luar!, mais importante do que a história das
personagens propriamente dita, é a tomada de consciência de uma
problemática social geral.
Nesta perspectiva, as oposições ricos vs. pobres e oprimidos vs.
opressores são as mais fortes e evidentes. Outra há, no entanto, que,
passando mais despercebida, está nitidamente marcada na obra: masculino
vs. feminino.
O mundo da acção política e social era masculino. A mulher era a “sombra”
do homem e tinha como tarefas cuidar do seu bem-estar e criar-lhe e educar-
lhe os filhos.
Na obra, perante um mundo masculino, encontram-se duas mulheres de
estatuto social diferente, mas que apresentam o mesmo tipo de relação com
este. O afecto de Manuel por Rita é evidente no carinho com que ele a trata
quando a vê partilhar o desespero de Matilde, assim como o afecto do general
por Matilde o é também quando, não tendo dinheiro, em Paris, Gomes Freire
vende duas medalhas e lhe compra uma saia. No entanto, vê-se que Rita
obedece sempre ao marido sem qualquer contestação, mesmo quando se
pressente que esse comportamento não lhe agrada, e Matilde, para além de
andar “na esteira” de Gomes Freire, é mantida numa redoma, não sabendo
nada do que se passa à sua volta, nem como reagir perante a prisão do
general. Este desconhecimento do mundo masculino impede-a de partilhar
sonhos idealistas e acaba por perturbar, também, o seu mundo afectivo, ao
provocar distanciamento entre ela e Comes Freire. Para além disso, traz-lhe a
incapacidade de reagir quando esse mundo exterior se abate sobre o seu
mundo.

Há três grupos importantes de personagens no poema:

1. O Povo
2. Os Delatores – Representa, os “bufos” do regime salazarista
3. Os Governadores - Representam o poder político e são o cérebro da conjura
que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu
estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e
diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo

O futuro
A projecção do tempo no futuro é importante para a revelação do mundo
interior e, por isso, tem grande destaque em Felizmente Há Luar!
1) Desejos para o futuro
Para a compreensão das personagens e dos seus comportamentos é
importante conhecer os desejos para o futuro que norteiam os seus
objectivos.

o Vicente recorre à denúncia para obter o cargo de polícia que realizará o


seu sonho de bem-estar socioeconómico.
o Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o futuro discorrendo não só
sobre as vantagens que a denúncia lhes trará, mas também sobre os
inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar.
o Beresford revela que é o seu sonho de poder viver em Inglaterra como
um gentleman que motiva o seu comportamento.
o D. Miguel afirma que a sua acção visa a construção de “um Portugal
próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva
lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor”, um
país em que a nobreza dirija sem qualquer limitação.

2) Medos e projectos
Da incapacidade de aceitar as mudanças (D. Miguel) ou da percepção de que
os seus interesses estão em jogo (Beresford e Principal Sousa) nascem visões
medonhas do futuro e projectos maquiavélicos de acção para manter o poder
a todo o custo.
D. Miguel tem medo de “um mundo em que se não distinga, a olho nu, um
prelado dum nobre, ou um nobre dum popular”, em “que o taberneiro da
esquina possa discutir a opinião d’el-rei”, em que a sua opinião valha “tanto
como a de qualquer arruaceiro”, isto é, teme perder a sua posição se o povo
puder “escolher os seus chefes”. Por isso, tendo em conta o seu
conhecimento da psicologia popular, planeia minuciosamente uma acção
contra-revolucionária que envolverá, também, o clero e o exército e, mais
tarde, planifica, igualmente, o julgamento de Gomes Freire, de modo a tornar
inevitável a sua condenação.
3) Esperança
O final da peça demonstra que o passado e o presente determinam os
acontecimentos seguintes, já que, devido à morte de Comes Freire, o futuro,
que na sequência do presente se antevia como pouco esperançoso, irá tornar-
se, na perspectiva de Matilde, um tempo de esperança e de luta eficaz pela
liberdade.
O passado irreal
Uma das facetas mais complexas do tempo é o passado irreal, isto é, o tempo
imaginado do que poderia ter sido e não foi. Em Felizmente Há Luar! revela-
se assim o universo idealizado, de tranquilidade familiar, sonhado por Matilde,
que não passa de uma ilusão desesperada e cega, própria de quem tem a
consciência de que a realidade está completamente desfasada do desejo.
Tempo psicológico
Para Matilde, o passado, que começou por ser tempo de anulação, tornou-se
tempo de felicidade, em Paris, apesar das dificuldades financeiras. O presente
é, assim, um tempo marcado pela saudade do passado. O futuro, que
inicialmente se apresenta negro, devido à prisão e provável morte do seu
homem, acaba por transformar-se em tempo de esperança, quando ela
assume os valores sociais que são atribuídos a Gomes Freire.
Também para o Antigo Soldado, que tem em comum com Matilde a
convivência com Gomes Freire, o passado é tempo de saudade; no entanto,
os restantes populares, marcados pelo determinismo, vivem exclusivamente o
momento presente, ou melhor, sem passado nem futuro de relevo, limitam-
se a sobreviver. Para eles, o passado é apenas a memória de momentos em
que a esmola foi maior. Até Manuel, o elemento que mais se destaca, se
deixa dominar pela fatalidade perante a prisão de Gomes Freire.
Vicente, pelo contrário, é marcado pelo passado de miséria igual ao dos
outros, mas que ele consciencializa. É este facto que vai ditar o seu presente
de delator, tendo em vista não só a fuga ao determinismo do futuro, mas
também procurando apagar o próprio passado e mesmo o presente.
Envelhecimento
O tempo é um factor de desgaste físico e evolução psicológica. Se para
Gomes Freire o tempo trouxe um processo de amadurecimento já que “a
idade lhe aumentou a fome e a sede de justiça”, para o Principal Sousa o
envelhecimento será um processo gradativo de remorsos — é a praga, de
provável realização, com que Matilde o amaldiçoa. O tempo desenvolveu
capacidades em Vicente, particularmente a de compreender os mecanismos
do poder. Mas, desenvolveu, também, o espírito crítico com que observa o
envelhecimento dos outros — é por ele que se sabe que os velhos soldados,
já sem préstimo para o exército, são obrigados a pedir esmola pelas igrejas.
Aflora-se, assim, a problemática socioeconómica da velhice.
Espaço
Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e
interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários
diferentes
Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens,
havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo
vestuário e pela linguagem das várias personagens
Estrutura
A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o
primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No
acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o
plano do acto I.

Simbologia
Trinta moedas - Gesto de traição por não conseguirem ajudar o General
Saia verde - Em vida – esperança, felicidade, liberdade da sua relação
Na morte – alegoria ao reencontro e tranquilidade (Matilde
acredita na vida depois da morte)
Fogueira
Presente – tristeza, escuridão
Futuro – esperança, liberdade
Luar
Noite – morte, mal, infelicidade
Luz – vida, saúde, felicidade
Lua – dependência (da luz do sol), periocidade e rejuvenescimento (ciclo
lunar) e renovação (crescimento)
Felizmente Há Luar!
Para os opressores – efeito dissuasor
O luar servirá para fazer com que as pessoas saiam à rua
Fogueira – purificadora da sociedade
Serve de exemplo – eficácia da execução
Para os oprimidos – coragem e estímulo para a revolta contra a tirania
Fogueira – alerta e luz que ilumina o caminho da liberdade
Estímulo e encorajamento para que o povo se possa revoltar.
Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham
para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
Tambores: símbolos da repressão

Didascálias
Explicações do autor
Posição das personagens
Caracterização do tom de voz
Indicação das pausas
Saída ou entrada das personagens
Movimentações cénicas
Expressão do estado de espírito
Expressão fisionómica e gestual

Linguagem e estilo
Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia e ao
sarcásmo)
Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase
declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases
interrompidas)]; metalinguística
Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases
sentenciosas
natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e
individualizadora de algumas das personagens
uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento
da condenação e da execução
frases incompletas por hesitação ou interrupção
marcas características do discurso oralTexto principal: As falas das
personagens
secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

A didascália
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio,
indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os
opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os
oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos,
posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala
antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque
duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os
dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de
fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de
intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da
fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.

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