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Património Cultural Imaterial: conhecer para valorizar

À inscrição do fado e da dieta mediterrânica na Lista de Património Cultural Imaterial da


Humanidade em 2013 sucederam-se mais cinco declarações internacionais que vieram reforçar a
cultura e identidade nacionais e encher de orgulho todos os portuguesas: cante alentejano (2014),
manufatura de chocalhos (2015), falcoaria (2016), processo de manufatura da olaria preta de
Bisalhões (2016), produção de figurado em barro de Estremoz (2017) e Carnaval de Podence (2019).
Desde então tem sido cada vez mais frequente ouvirmos falar de Património Cultural Imaterial e
são ainda mais expressivas as vozes que, desde o início do presente século, se têm levantado pela sua
salvaguarda. Mas será que todos sabemos o que efetivamente significa aquela palavra? Ao longo dos
últimos anos, o conceito de património cultural foi-se alargando a novas realidades e dimensões,
abarcando, além dos monumentos e sítios, também um conjunto variado de expressões culturais, usos
e saberes específicos que refletem o modo de vida de determinada comunidade e testemunham
particularidades étnicas.
Sem darmos conta, é provável que, em algum momento da nossa vida, já tenhamos estado em
contacto com património imaterial. Afinal quantos de nós já se deslocou propositadamente a uma
determinada vila ou cidade para assistir ou participar numa procissão ou em outro evento festivo
típico, desacelerou o ritmo do dia-a-dia para apreciar o trabalho minucioso do artesão a trabalhar o
vime, o esparto ou a palma e recorreu aos conhecimentos que a mãe, a avó ou mesmo a vizinha ainda
guardam sobre benzeduras e mezinhas caseiras, acreditando encontrar aí a cura para a moléstia que
tanto incomoda?
Ora, de acordo com a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, emitida em
Paris a 17 de outrubro de 2003 pela UNESCO, aquele consiste nas «práticas, representações,
expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços
culturais que lhes estão associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos
reconhecem como fazendo parte do seu património cultural». Uma vez que é «transmitido de geração
em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio
envolvente, da sua interação com a natureza e da sua história, e confere-lhes um sentido de
identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural
e a criatividade humana».
O mesmo documento acrescenta que o património cultural imaterial se manifesta nos seguintes
domínios:
• a) Tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do património cultural
imaterial, que abrange uma grande variedade de formas, como provérbios, adivinhas, lendas,
mitos, rezas, cânticos e pragas, de que são exemplos, no Algarve, as de Alvor e de Monte
Gordo.
• b) Artes do espetáculo, onde se inclui a maior parte das expressões culturais que são
testemunho da criatividade humana. São exemplos a música vocal e instrumental, a dança e o
teatro, como o cante alentejano, o corridinho e o acordeão algarvios.
• c) Práticas sociais, rituais e atos festivos, que correspondem a atividades estruturantes das
comunidades e grupos e estão relacionadas com o ciclo de vida desses, com o calendário
agrícola, com a sucessão das estações ou com outros sistemas temporais. Neste domínio
encontram-se manifestações como o Entrudo Chocalheiro, os banhos santos (Banho 29), as
ajudadas, isto é, práticas sociais de entreajuda entre comunidades de vizinhos para
desempenhar tarefas ligadas às lides do campo, ou outras e ainda as procissões e festas
religiosas como a Mãe Soberana de Loulé e as celebrações da Semana Santa, por exemplo.
• d) Conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo, que se expressam,
segundo Clara Bertrand Cabral «através da língua, das tradições orais, da ligação a um lugar,
de memórias, da espiritualidade e da cosmogonia, e exprimem-se mediante um vasto
complexo de valores e crenças, cerimónias, medicina tradicional, práticas ou instituições
sociais, e organização social». Este domínio é muito vasto e compreende expressões e
práticas diversas, onde se inserem, por definição, os conhecimentos ligados aos ciclos
vegetativos das plantas, cereais ou frutas ou os reconhecimentos das características e
propriedades das plantas e a sua aplicação tradicional com intenções curativas, como sejam
as mezinhas e benzeduras.
• e) Técnicas artesanais tradicionais, que corresponde ao «saber fazer» e conhecimento
necessário à produção dos produtos artesanais, pelo que é, tal como o anterior, um domínio
muito vasto e abrangente. Está, assim, relacionado com as competências de fabrico de peças
a partir de materiais vegetais como a palma, o esparto e o vime, de materiais minerais como
o barro (olaria) e a pedra (cantaria) e também do metal (latoaria, caldeiraria). Incluem-se ainda
as aptidões que dizem respeito à produção de objetos usados para armazenamento, transporte
e abrigo, de roupas e jóias para proteção ou decoração do corpo, de trajes e artefactos
necessários aos festivais e artes do espetáculo, instrumentos musicais e utensílios domésticos
e ferramentas que sejam essenciais à sobrevivência humana. Neste domínio são exemplos os
saberes inerentes à execução das tradicionais cadeiras de tesoura de Monchique, dos cestos e
canastras de vime, dos característicos tapetes de Arraiolos ou da confeção de bordados de
linho.

O património cultural imaterial está na base da identidade de um povo e representa determinada


localidade ou região, que o reconhece como sendo seu e parte integrante da sua memória histórica. É
por isso que as comunidades assumem particular importância na produção, salvaguarda, manutenção
e recriação do património cultural imaterial, uma vez que é delas que depende o conhecimento e
sucessiva transmissão das suas tradições, técnicas e costumes às próximas gerações. Todavia, face
aos sucessivos avanços tecnológicos e efeitos homogeneizadores da globalização, grande parte destes
testemunhos correm o risco de se perder totalmente, até porque raramente são documentados. É por
esta razão que o património imaterial tem merecido particular destaque nestes últimos anos, não
apenas motivado pelos vários fóruns internacionais promovidos pela UNESCO que procuram
contribuir para a sua salvaguarda, mas também pelo incremento dos trabalhos de investigação e
análise que têm vindo a ser desenvolvidos.
A referida Convenção de 2003 veio confirmar esta necessidade, uma vez que propôs um conjunto
de medidas de proteção e promoção do património cultural imaterial, atribuindo a cada Estado-Parte
ratificante a responsabilidade de «tomar as medidas necessárias para garantir a salvaguarda do
património cultural imaterial presente no seu território» sem renunciar à «ampla participação
possível das comunidades, grupos e, se for caso disso, indivíduos que criam, mantêm e transmitem
esse património, e de os envolver ativamente na sua gestão». Decretou ainda que «para assegurar a
identificação com vista à salvaguarda, cada Estado Parte elabora, em moldes que se adaptem à sua
situação, um ou vários inventários do património cultural imaterial presente no seu território», que
devem ser atualizados periodicamente.
Nos termos da legislação portuguesa a classificação e inventariação são as duas formas de proteção
legal dos bens culturais, sendo o primeiro «o ato final do procedimento administrativo mediante o
qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural» e o segundo «o levantamento
sistemático, atualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes a nível nacional,
com vista à respetiva identificação». No entanto, ao património cultural imaterial, pela sua
complexidade, não é aplicável nenhum dos três níveis de proteção estabelecidos para o registo
patrimonial de «classificação», aplicável unicamente aos bens móveis e imóveis (interesse municipal,
público ou municipal), pelo que a única forma de proteção legal deste tipo de património
juridicamente válida consiste na inscrição de uma expressão imaterial no Inventário Nacional do
Património Cultural Imaterial. O Decreto-Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto estabelece, assim, este
sistema de proteção legal e apela ao «envolvimento ativo das comunidades, dos grupos e dos
indivíduos que se constituem como os respetivos detentores», em conformidade com as normas
internacionais. Quer isto dizer que a proteção legal de manifestações imateriais deve resultar do
envolvimento das respetivas comunidades de detentores no processo, não podendo ser conduzido
exclusivamente por instituições sem a participação, o consentimento e o envolvimento ativo dos
respetivas grupos e indivíduos.

Bibliografia:

CABRAL, Clara Bertrand (2009). «Património Cultural Imaterial: Proposta de uma Metodologia
de Inventariação», Dissertação Conducente à Obtenção do Grau de Mestre em Ciências
Antropológicas, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas,
Lisboa;
CARVALHO, Ana (2012). «Os Museus e o Património Cultural Imaterial. Estratégias para o
desenvolvimento de boas práticas», Edições Colibri, Lisboa;
SOUSA, Filomena (2018). «A Participação na Salvaguarda do Património Cultural Imaterial.
O papel das Comunidades, Grupos e Indivíduos», Memória Imaterial CRL, Alenquer.

Legislação:
Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial. Paris, 17 de outubro de 2003.
UNESCO;
Lei de Bases do Património Cultural Português – Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro;
Decreto-Lei para o regime jurídico de salvaguarda do património cultural imaterial – Decreto -Lei
n.º 149/2015, de 4 de agosto.

Ana Rita Santos Mateus


Mestre em Gestão e Valorização do Património Histórico e Cultural

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